You are on page 1of 33
AANTROPOLOGIA DO DIREITO Estado Comparativo de ‘Categorias de Dida © Contato Organizagio € Introdugdo de ‘SHELTON H. Davis W OBRIGACAO E DIVIDA* Max Gruckman JK DESCREVI como 05 Barotse concebem todas as relagbes, quer as de status estabelecido, quer as resultantes de “contrato” de relagdes ndo-contratuais, em termos de “divida’; citei tam- bém alguns especialistas em direito inglés antigo, mostrando que este direito igualmente se baseava na divida. Em sua his- téria do direito, Seagle confirma esse fato em relacio a todo direito antigo e, comentando a forma arcaica de troca a crédito, em que 0 crédito concedido ena registrado como empréstimo, ele afirma: “Bssa_maneira curiosa de realizar uma_venda a crédito ilustra a verdade de que 0 direito arcaico nao conhecia uma lei de contratos, e sim uma lei de dividas. Seu poder criativo parece ter-se exaurido em imaginar mecanismos para registrar ou tomar obrigatéria uma divida, qualquer que fosse sua causa fu origem. O direito babil6nico reconhecia 0 Filtum, ou titulos de crédito que criam obrigaco, que podiam ser usados para incorporar qualquer questio de divida. O direito inglés medieval desenvolveu um processo geral de dividas.” Seagle indica também que nos dircitos babildnico, grego © romano a locagdo de uma casa e o aluguel de servicos eram garantidos precisamente pela mesma forma de contrato ou tran~ sagdo, Em Roma, 0 contrato de nexuim, a forma mais antiga de transagio depois do manciplum, “parece ter sido uma transagdo de empréstimo”. Os quatro primeiros contratos romanos foram © mutuum, um empréstimo sem forma; 0 commodatum, emprés- timo para ‘uso, sendo a coisa devolvida; depositum, o depésito; 7 Raproduzido, com autorlzagho dos etores, do. Wvro de Max ‘Gluckman The Ideas in Barotee Jurisprudence, New Haven @ Londres: Yale University Press, 1005, ps. 242-272 oo ANTROPOLOGIA DO Dinero fo penhor.' © que Seagle parece querer ressaltar ue todos esses contratos romanos antigos envolvem transfe- Gihcia de propriedade c a idéia de uma divida e, ainda, que o Contrato “literal”, uma entrada feita pelo credor no livro de Eontas doméstico, também contém esse clemento. Scagle con- trasta essa situagdo com o desenvolvimento dos quatro contratos cconsensuais romanos — venda, aluguel, sociedade e represen- tagdo — todos contratos bilaterais formados no século Il A.C., & medida que se expandia o comércio romano, embora “vendas é aluguel fossem obviamente de origem mais antiga”. * Essas breves citagdes servem para acentuar que a divida, uma obtigagio concebida em termos de propriedade, pode ter predominado no direito romano antigo, como ocorreu no direito inglés. Essa concepgio associa-se idéia de que um devedor negligente é um malfeitor, conforme afirma Seagle num trecho anterior do mesmo capitulo, em que discute 0 surgimento do contrato: “© surgimento das idéias de contrato pressupés 0 inicio das transagdes a crédito, troca a crédito e empréstimo, No entanto, mesmo alcancado esse estégio, ainda se estava Tonge da era dos compromissos obrigat6rios. B. possfvel, mas bastante improvével, que o vendedor que se desfizesse ‘de uma vaca pensasse no comprador negligente em termos de infraco a0 compromisso. # muito mais provavel que ele viesse a conside- rar-se fogrado e olhasse 0 comprador como um Iadrio. Em circunstincias semethantes, & pouco provavel que um agricultor ‘ou camponés moderno pense em termos de infracio ou com- promisso: ele vai querer, acima de tudo, receber a vaca de volta. Os jufzos que lidam com ofensas pessoais ¢ transferéncia de propriedade tentario assimilar a transacio As categorias legais conhecidas. Considerario a transac original como uma transferéncia ou alienagio de propriedade que deixou de ser completada, e a falta de pagamento como um dano para o qual © vendedor tem o direito de buscar punicio. Daf, portanto, a grande selvageria do direito antigo em relagio aos devedores que eram tratados como pessoas que se tinham apossado de uma propriedade fraudulentamente. Eles tinham pecado contra © grande deus da Propriedade, e nfo o do Contrato. O c6digo a € 0 antigo direito chinés impunham punigdes especi pignus, Beagle, ,The Quest for Law (1041), ps, 260-61 » Tid, OnntoAgio ® Divina 21 ‘mente cruentas para o que hoje considerarfamos como meras infragBes de contrato.” * Esse trecho de Seagle acentua a ligagio entre, de um lado, igo ¢ a ofensa e, de outro, a propriedade ¢ as ha descrigo das leis referentes a tran- sages ¢ ofensas entre os Barotse ndo relata, portanto, uma situago incomum, Na verdade, hé indicagdes de ser esta a estrutura geral de todo dircito tribal, embora nem todos os estudos de tribos tenham adotado esse ponto de vista, Note-se que muitos estudos sobre a disputa entre faccées * falam em divida de sangue. Barton, por exemplo, no estudo citado, ‘esereveut a respeito dos Ifugao: “A. disputa entre faccées € uma questo que diz respeito apenas as familias. Consiste de uma série de vingancas e ‘retr- uigdes de vingancas’,... cada morte numa disputa entre faccBes 6 considerada pelos seus autores como uma execucio inteiramente justficdvel em pagamento de crime. As divindades da guerra e da justica so chamadas a testemunhar que a divida ainda néo foi paga. Atualmente, os parentes do morto clamam As mesmas divindades para testemunhar que sua famflia passa por grande afli¢io; que nfo se devia nada a ninguém; que nem falinhas, nem porcos ou, arroz haviam sido tomados empres- fados; que nao havia sido cometido nenhum roubo ou outro crime, assim por diante; e que, mesmo inocentes, foram vitimas de assassinato.” ¢ Eu poderia multiplicar afirmagdes desse tipo, que, no centanto, poderiam levar a enganos, pois a palavra “divida” tem muitas conotacées, e néio poderiamos ter certeza de qual delas © etnégrafo tem em mente a0 empregé-la. Barton € excepcion almente claro nesse sentido. Além disso, parece-me ser possivel falar a respeito de qualquer sistema de obrigagées em fermos de “divida”, partindo-se do uso dos conceitos de ‘“dever” Told, p. 256. + A tingua portuguesa nfo possul um equivalente para o termo Inglés feud utilizdo por Gluckman, Basse termo é geralmente empre- do para designar disputas entre facodes de grupos de diversos tipos inhagens, grupos politices, familias, ete,). (N..R.) 4 Barton, Zfugao Law (1919), p, 77. Cf. seus comentérlos sobre “a fivida de vide" mas dispatas de'sangue entre fa0y6es no vo The atingas. (1949), p. 178. Ver também um excelente relatorio de uma {fectedade como uma “rede” do reclprocidedes na forma: material de ‘vidas, a obra de Malinowski, Crime and Custom in Savage Society (928, asst. ANTROPOLOGIA Do Drrerro idado”.* No entanto, nos trechos que citei de Seagle, fransparece que ele, ao lado de outros especialistas em direito fatige, encontra uma especificidade na mancira como a idéia Ge divida predomina nesse direito, a0 contrério do direito desenvolvido. Ha alguns debates" explicitos sobre esse tema em estudos sobre 0 direito africano. Epstein, que tinha formacio juridica incluindo o estudo do dircito inglés antigo, examinou como as Gortes Urbanas Africanas na Rodésia do Norte desenvolveram conceitos gerais de direito tribal, inclusive idéias de eqiidade, para atender as novas_situacdes envolvendo africanos recém- fstabelecidos em cidades industriais. Diz cle que os juizes partem do fato de que 0 autor sofreu uma ofensa, o que leva a tuma divida, particularmente nos casos em que houve alguma forma de fraude. Além disso, as queixas so sustentadas quando se alega uma divida, ou quando os fatos revelam 0 ato de fraudar ou enganar. Nao hé nenhuma “reparacdo no contrato”, © julzo supe a existéncia de uma divida e a acdo € sobre @ divida. Tsto porque uma parte s6 est4 em divida com a outra depois que esta tiltima tenha desempenhado seu papel na bar- ganha, porque 0 autor sofreu um “‘dano” passivel de reparacio. Logo, basta haver pagamento parcial para que a acdo seja liguidada, desde que a demora em efetuar o pagamento nio seja muito longa. Tgualmente, ele mostra como no caso da cabana incendiada que citei nos capitulos 6 e 7, que quando alguém sofreu uma ofensa, 0 juizo considera que Ihe foi cau- sado um dano, ¢ isso estabelece uma divida que deve ser paga. Assim, no fui eu o Gnico a observar 0 predom{nio da divida no direito afticano da Rodésia do Norte, e o relat6rio de Epstein € particularmente valioso, porque os juizos que ele estudou eram compostos de representantes de diversas tribos. Resta-nos, contudo, um problema: qual a diferenga entre a divida nesses contextos e o fato de que qualquer obriga¢ao fstabelece um estado de endividamento, em outro sentido da Palavra, uma vez.que a obrigacio é bisiea em qualquer sistema de direito? Quando examine! o contetido dos dados que coletara previamente na Barotselindia, & luz do estudo de Epstein sobre {9 jufaos africanos nas cidades da Rodésia do Norte, vi que 08 Barotse exprimiam as obtigagées legais como milatu (no sin- gular: mulatu), O Dictionary of the Lozi Language (1936), de alla, assim define © mulatu: “erro, infragio, culpa, divida, £ Ver Hart, The Concept of Law (1961), ps, 85, 86, n? 243, Juridleat Techniques and the Judicial Process (1953), ps. 28-29. ‘Onnioagio x Divipa 29 Mulatu 0 mutuna (grande mulatu), crime, ya na ni mulatu (literalmente, aquele que tem mulatu), eulpado ou devedor; ku tokwa mulatu (lteralmente, faltar mulatu), ser inocente; ku tama_mulatu (lteralmente, ligar mulatu), acusar, acusagao, delagio” (p. 171). Seria, portanto, possivel escrever a respeito do direito Barotse em termos ‘de divida, quer se estivesse lidando com transagées, com obtigagies de status, com ofensas ou infragées. Meus ‘dados a respeito do uso do mulatu nao sio bastante ‘especificos, porque quando eu estava no campo néo me apercebi adequadamente da importincia de dispor de fatos sobre 0 as- sunto. Além disso, as relagdes sociais Barotse eram em grande parte organizadas pelo poder do Estado, e dai, talvez, eu nio me ter impressionado tanto pelo poder organizador das dividas quanto 0s estudiosos de sociedades tribais sem instt governamentais. Outros antropélogos que estudaram Estados africanos também mo forneceram muitos detalhes sobre 0 assunto. ‘Duas excelentes. andlises da divida provém de sociedades fem que a autoridade & pouco desenvolvida, Parece-me que citagbes desses estudos poderdo esclarecer mais 0 problema do que a acumulagio de referéncias incidentais a0 uso da palavra divida em muitos estudos de diteito tribal. ‘Comeco com o estudo de Leach, The Political System of Highland Burma (1954), onde dez paginas so dedicadas & discussio do fika, que 6 traduzido como divida.* Seguirei, embora resumindo em parte com minhas proprias palavras, © rumo da discussio de Leach. Ele inicia declarando que as idéias Kachin de divida correspondem & concepgio do antropélogo de estrutura social. “Quase todo tipo de obrigagdo legal existente entre dois Kachin pode ser descrito como uma divida (hka).” As dividas slo descritas pelos informantes em termos de um certo mimero 7 Pe, 144-64, Mais adiante uso o termo “ritual” porque Leach o ‘faz, mas a palavra parece-me ser inapropriada. Leach aflrma (ps. 10 esi): "0 ritual serve para expressar 0 status do Individuo como uma pessoa social no sistema estrutural em que se encontra no momento.” Biz, entiéo, que o nitual 6 0 aspecto da acho que slmbollaa o status soolal Isso obseurece uma diferenga sobre @ qual a maloria dos antro- ‘pologos insiste, quando usam ritual para abarcar objetos e agées que fefelivam objeivas fora de seu tmnbito imediato através de poderes ex- fra out supra-sensorials,e “cerlmonial” ou “convenglo™ para cs que so slgnifieativos ‘por simbollaarem status, mas em que fallam aqueles poderes, (Ver outros comentérlos e referéncias em meu estudo. “Les Rites de Passage’, em Gluckman, org, Eisoys on the Ritual of Sociat ‘Relations, 1962, ps. 100 e 5.) - ANTROFOLOGIA DO Dinarro ‘ach traduz como “objetos de ri a a te oa sr dados om pagamento ap6s una infra, Esa ns so precisas © aparentemente especiticas para cada tipo Ista ee objetos de uma lista. no podem ser tocados, Gicanobjetos. de riqueza ritual so impostos ao bomem que Oto fda wma rauler sola, e cada objeto, ov conunto de eeBos, vai para uma pessoa especifica, Os pais da moga re chy neo deles — um bezerro, um gongo, um corte de seda, cepemequena pancla de ferro e wma espads. Os tres outros ae tio. pagos A prépria moca, mas apenas se eranga for declarada membro da linhagem do pal. Cada um desses Sbjetos tem um objetivo especifico: um colar “para limpar o soto da moga”, um corte de seda “para embrulhar a crianca”, Phmma fémea de bifalo “‘para o Ieite da crianga”. As negociagSes S2o feitas pelos que Leach chama de “agentes dos implicados”. Sige como essa expresso pode gerar confusio com a situagao moderna dos contratos de representagdo, eu os chamarei de Sintermediérios”. Os intermedidrios encontram-se, jogam 20 cchio varas que representa os objetos rituais requeridos, e co- mecam a barganhar. Alguns itens séo substituidos, nao entre ‘os incluidos na lista, mas substituindo, por exemplo, a fémea de bifalo, se 0 ofensor nfo pode fornecer uma, por um porco. (0 poreo passa a contar como um bifalo, embora haja uma dou trina de que 0s porcos nfo contam como objetos de riqueza ritual. Mas quando um porco substitui um biifalo dessa maneira, ‘a doutrina nfo é infringida. Leach estabelece entio um contraste entre o hpaga, um fato material, ¢ o hka, “a divida imaterial”, antes de explicar que, num certo sentido, hpaga “significa simplesmente comér- cio”, Nas areas menos complexas, um comerciante ambulante tem parceiros regulares, com cada’ um dos quais ele estabelece uma conta de crédito. ‘Eles registram as dividas entre si com entalhes numa vara de bambu, que € partida ao mei, ficando cada um com a metade. Cada entalhe representa uma transagio separada, e essas diferentes transages devem ser saldadas em separado; elas nfo se reduzem a uma média comum nem fo compensadas umas pelas outras no total: “Cada divida ou entalhe (/ika) tinha de ser saldada em scus préprios termos.” aaghttsh afirma que os procedimentos nas duas_situagdes {iiades cima so semelhantes. “Para os Kachin reivindicas®'$ tons iais so igualmente hka (dividas). A inica di ATalgue, cite, as reivindcapSes comerciais os iteas podem set 2, dependendo das circunstdncias da troca, enquamt© ‘Onntargao Divina 31 que nas reivindicagées tegais os itens sio estipulados segundo tum padrio tradicional em bens tradicionais. Cerea de quatorze bens tradicionais so relacionados, embora atualmente outros tipos de bens © mesmo dinheiro sojam usados; mas quando isso € feito, & sempre num processo de substituigio por bens tradicionais. Os objetos rituais tradicionais so algumas vezes negociados em mercado aberto, mas normalmente sua troca é limitada a determinadas ocasides: casamentos, funerais, paga- mentos de servigos rituais de sacerdotes ou agentes (interme- didrios), transferéncia de residéncia ou construgio de nova casa, € como compensagio judicial no ajuste de qualquer tipo de disputa ou crime. _ “Os pagamentos formais devidos numa ocasido particular sto definidos por tradigdo. Para cada tipo de ajuste a tradicio especifica um niimero de hpaga ¢ dé um titulo a cada hpaga. Esses objetos rituais variam com a natureza da ofensa € com o status das partes. Punigées por engravidar uma mulher solteira variam com o status da mulher e do homem. Se um homem rouba um béfalo de outro, ele deve devolvé-lo © mais tum outro de compensagdo, além de dar trés objetos rituais — uum gongo para cobrir as pegadas do bifalo, um colar de cem contas como cabresto para o bifalo, ¢ uma espada para limpar ‘© caminho de volta & casa. Leach indica haver um jogo de palavras envolvido nesses “titulos”: a palavra que significa ‘gongo, por exemplo, é uma derivagio de hka, pois a divida tem que ser saldada, enquanto outro jogo de palavras'se refere & amizade que deve ser restaurada. Leach apresenta também outros aspectos semelhantes em relagio aos cem objetos rituais ‘que devem ser oferecidos para ajustar uma disputa de sangue, entre facgdes envolvendo chefe, sistema € tornado flexivel pelo prinefpio que permite a substituigéo, j4 que um homem pobre pode dar porcos ou inhas, enquanto um rico oferece bifalos, de acordo com 0 cédigo. “As propriedades de um homem pobre contam como objetos rituais; mas como “em teoria as obrigagdes de dar presentes so escalonadas segundo a classe”, © o pagamento depende da posigio econdmica, ¢ nfo do stauts de nascimento do ofensor, para que um aristocrata mantenha seu status ele deve respeitar a escala estabelecida para sua classe, “Paradoxal- ‘mente, muitas vezes acontece que se paga o méximo possivel, fem vez de o minimo que se pode regatear, especialmente no caso de individuos mais empreendedores.” Consideragées desse tipo entram igualmente na determinagéo do montante de paga~ mento por um casamento, Teoricamente a mesma lista de : ANTROPOLOGIA DO Dixvsro je devida quando a filha de um chefe se casa, pois tees ola cue ‘eatabelece © montante. Mas um arstocrtg vaso 6 membro da linhagem de um chefe © se casa com a fia de_um chefe, na realidade paga menos por sua noiva do fio flho do chefe pode chegar a pagar pela filha de-um fe. e Leach cita uma série de exemplos numa mesma fami ‘mostrar que “quase sempre a escala do bride price,* me. Bip pelo nimero do cabegas de gado, corresponde & posgio de status do noivo € no da noiva”, Examina, entio, a relacio entre esse fato e 0 sistema politico: embora a teoria seja de ‘0 bride price se ajuste A posiglo da noiva, de fato os Befiens pagam mais para ganhar status, Esse fato geral ¢ im- portante para nossa andlise, mas & desnecessirio citar 0s deta- fhes que ele dé. E suficiente notar a conclusio de Leach de aque “o conceito de riqueza ritual Apaga [pergunta-se: a troca de paga?] & de grande significagao, pois permite que se interpretem muito livremente regras estruturais que tém toda a aparéncia de rigidez, abrindo assim o caminho para a mobilidade social num sistema que pretende ser uma hierarquia de castas. A essa alir- ‘magdo seguese uma outra, aparentemente desconectada, de que ‘© hka € igualmente importante porque “os Kachin tendem a perceber todo tipo de relagdes miituas que possam ser estabe- lecidas entre dois individuos como sendo parte de um sistema de dividas”, Se A toma emprestado de B, rouba de B, engra- vida B, deixa de cumprir os termos estipulados de um contrato (apenas 6 citado 0 pagamento do bride price), deixa de dar ‘algo devido ao chefe B, A esta ligado a B por uma divida. Se dduas linhagens A e B tém contratada uma relagdo de casamen- toe A casa com alguém do grupo C, quando deveria ter-se ca- sado no grupo B, a linhagem A deve & linhagem B, Se A mata B, intencionalmente ou por acaso, a linhagem A deve a linhé gem B. Se B sofre um acidente fatal ou néo, enquanto esti twabalhando para A, a linhagem A deve A linhagem B. Se um homem da linhagem A morte deixando uma viva da linhagem Pyg Rentum outro homem da linhagem A toma-a em casamento ia @ linhagem A deve a linhagem B. (A vinculagio da movimen, mobilidade social € presumidamente a de que ess¢ Que insroee belee® uma nova relagéo com outras pessous © uma nova série de dividas:) © messio gu amo au bridewealth. Ver nota 1'na introduedo, (N. F.) para que Opnicacao # Divivs 33 Todas as dividas devem ser saldadas, ¢ se niio o s0 podem ccasionar disputas entre facgdes. “Em principio, toda divida nfo saldada, qualquer que seja sua origem, potencialmente uma fonte de disputa entre fac- goes. Para’um Kachin, disputa entre facgées © di mesma coisa, ka. Sio especialmente as dividas entre estranhos que devem ser saldadas rapidamente, caso contrério 0 credor tem uma desculpa legitima para recorrer '& violéncia; por outro lado, as dividas entre parentes, especialmente parentes afins, no so urgentes.... algumas delas sto sempre deixadas sem pagamento, quase como uma questio de principio; a divida é um tipo de conta de crédito que garante a continuidade da relagao [seme- lhante & situagéo no Condado de Clare, Irlanda, classicamente descrita por Arensberg ¢ Kimball, a que me refeti anteriormen- te]. Ha, portanto, uma espécie de paradoxo no fato de que a cexisténcia de uma divida possa significar ndo apenas um estado de hostiidade mas também um estado de dependéncia e ami ade.” ‘Com raras excegées, as dividas entre os Kachin se dio nfo 86 entre individuos, como também entre linhagens. Uma divida rio paga passa de geracio a geracio. Leach conclui a sua discussio do tka (mas nao dos objetos rituais) com a seguinte afirmacao: “Deveria estar clara agora a estreita correspondéncia entre 0 conceito Kachin de divida e o conceito de estrutura social dos antropélogos. A tradicio ¢ o ritual Kachin estabelecem quais as relagdes adequadas entre individuos, quer dizer, especificam as obrigagoes de A diante de B e deste diante de’A. Uma divida passa a existir sempre que alguém sente que essas obrigages no foram adequadamente cumpridas.” * © Bisa eltagéo final estA em Leach, Political systems of Highland Burma’ (964), p. 164. Em “Aspectos of Bridewealth and Marriage ‘stability among Kachin and Lakher” (1968), Lench argumenta que “® ‘continuldeds da estrutura verticalmente através do tempo" 6 expressa por melo de nomes transmiidos agnaticamente, enquanto que “a con- Einuldade ‘da estravura lateralmente... ¢ mantida. por uma cadela ‘continua de relagies de divida de tipo econdmico". Nessas tibos, as Inhagens estdo envelvidas em permanentes intereasamentos, e 6 da propria eesenela desses lagos que. uma parte. dos pagamentos de Drideweolth ndo selam completados, passando de geragto a geragio. “A exlséncia desses dividas nilo-pagas garante a continuagio das re- lagbes de afindade”, sob sandes severas (ps. 122-22), Como a descen- ddénela agnatica estd ligada & posse da terra, temos aqul talves outro fexemplo do papel dos movimentos de bens mévels no estabelecimento de lan cruzados entre noses fundadas|wohre a progpeldada da terra, conforme vimas no capitilo 4... 34 ANTROFOLOGIA pO Dinetto Apresentei esse resumo, porque cle mostra como uma tribo geogrifiea e culturalmente distante dos Barotse tem a mesma idéia de divida presente no direito Barotsc. Como essa discussio € apenas parte de um livro dedicado a problemas diferentes, & inevitavel que Leach nio distinga vatios elementos que podem ser separados. Antes de tentar essa separagio, devo eliminar a comparagio que ele estabelece entre a idéia Kachin de divida ¢ © conceito antropoldgico de estrutura social. Um antropélogo descreve uma estrutura social, em parte, em termos de obriga- ‘Ges entre pessoas e posigdes socials, O Kachin pensa as obriga- ‘gagdes envolvidas em suas relagies cm termos de divida. Ha, portanto, aparentemente uma estreita correspondéncia entre 03 dois conceitos, mas & apenas superficial. Pois 0 modo como 0 Kachin pensa sua organizago social, ou estrutura social, 0 con- ceito de hka, fomece apenas parte dos dados com os quais 0 antropélogo tenta analisar o que ele chama de “estrutura social”. ‘Apenas no séntido mais amplo da palavra divida, como equiva- lente de obrigacio, hé, de fato, uma aparéncia’ de correspon- déncia, pois o conceito Kachin de divida encobre uma variedade de diferentes obrigacdes que decorrem de diferentes tipos de relagdes entre pessoas ligadas de varias maneiras. O nosso pro- blema é indagar por que todas essas relagies so encobertas pela idéia de divida, em geral num sentido material. O que para tum Kachin é uma resposta intelectual, coloca para nés um problema. Quando formulamos esse problema numa perspectiva hist6rica, o que Leach nao fez, ele assume uma forma mais clara. Entre os Kachin hé nitidamente um alto grau de especifi- cidade nas relagées sociais dentro de uma situaco economica~ mente indiferenciada, dominada por lagos de status, Cada rela- g4o tem atributos especificos, marcados por modos de comporta- mento convencionais (que Leach chama de “rituais”) ¢ cada re- lagio implica uma série de dividas interligadas que devem ser ajustadas pelo pagamento de objetos especificos. Citando nova~ mente Leach, “as dividas ocorrem quando alguém sente que obrigacdes formais nfo foram adequadamente preenchidas nas relagdes entre individuos”, conforme estabelecido pela tradicio e plas exigéncias do ritual. Além disso, as transagGes com pro~ priedades proporcionam uma medida para avaliar esse preen- Chimento, O pagamento de objetos convencionais repara, ent, © erro. Quando se entra numa nova relagao de status, pelo me- Nos uma parte passa a estar em “divida”, e as vezes ambas a5 partes; novamente objetos especiticos, alguns dedicados a obje- tivos especificos, devem set pagos. Leach ndo fornece os dados, mas presume-se que vérios itens nos pagamentos por casamento Osricacio Divipa 35 so especificamente determinados para atingir objetivos espect- ficos na transferéncia total de direitos, criagio de obrigagdes, © ajustamento de rélagées. Finalmente, se uma pessoa ou grupo ofende a outra, estabelece-se uma relagéo de divida, cuja forma depende da natureza da ofensa ¢ do status das partes. Se as partes esto numa relagio de disputa entre facgoes (divida), incorre-se em obrigagio, quer a ofensa seja intencional ou nao. ‘Acidentes ooorrides durante um trabalho para outra pessoa tam ‘bém estabelecem divida, Portanto, a ofensa, ou se insere numa série de dividas em relacdes de status jé existentes, ou cria uma felagdo semelhante a relagdo de status; dai eu ter sugerido que la possa ser ampliada por crencas misticas. Assim, estabelecem- fe dividas, cujos pagamentos entre os Kachin — como em outros Tugares, conforme vimos em relagao a0 adultério Nuer — impli- cam a entrega de bens especificos, para haver reparaglo, ¢ mui- tos desses bens so especialmente nomeados no contexto da disputa para efetivar propésitos especificos, rituals ou seculares, dentro da situagao total. ‘Também nesse caso, como entre os Barotse, encontramos que a énfase do direito Kachin reside nas convencGes, tanto de Gomportamento quanto de dircitos & propriedade, que distinguem Cada relagao de status, Confere-se, portanto, um grande valor s transagdes com propriedades, como indicador de direitos © deveres de status. As relagdes que decorrem de ofensa, ¢ que envolvem comércio, ocorrem ou dentro de relagdes preestabe- Tecidas com suas proprias talhas de registro de dividas, ou esta- belecem relagdes concebidas segundo esse padrdo. Penso que a Nineulagdo entre relagdes de status € pecas especificas de pro- priedade — a situago encontrada entre os Barotse que descrevi hho capitulo 5 — € que acentua a importincia de pagamentos particulares, de dividas, tanto para saldar dividas existentes {Quanto para reparar ofensas. E esse o significado da divida numa sociedade tribal. “Antes de desenvolver melhor essa idéia, examinarei 0 estu- dlo de uma outsa tribo, onde a “divida” era 0 conccito organi zador de todas as relagdes. J4 sugeri que Leach talvez tenha fabordado um poueo mal esse problema particular, porque ele ‘nfo colocou os conceitos Kachin dentro de uma perspectiva his- t6rica ¢ comparativa suficientemente ampla. Essa falta de pers- pectiva, quando se abordam as efengas culturais de um tinico povo, é ainda mais evidente no estudo de Bohannan, Justice and Judgement among the Tiv of Nigeria (1957). Aqui novamente desereve-se bem a predominincia da idéia de divida num direito tribal; mas Bobannan conclui que isso dé ao sistema um’ card- 36 ANTROPOLOGIA DO DineiT0 ter tinico que nio pode ser examinado cm termos dos conccitos dda cigncia do direito ocidental. Ele comega por insistir, correta- ‘mente, em que se desereva com precisio as idgias de um povo, 0 ue ele chama de seu “sistema de folk”. Mas insiste ainda (p. 69) em que: “O erro principal da anélise etnogréfica e social... é 0 de elevar sistemas de folk, como o ‘direito’, destinado a acto so. cial em nosso préprio sistema, ao status de'um sistema analitico, € depois tentar organizar os dados brutos de outras sociedades dentro dessas categorias. Eu [Bohannan] também tentei evitar 0 erro equivalente de colocar os sistemas de folk dos romanos ou dos trobriandeses ao nivel de um sistema analitico para dados que talvez nao se encaixassem neles.” Essa questo levanta dois problemas separados: primeiro, se € possivel comparar-se sistemas legais diferentes; e segundo, se for possivel fazer comparacio, em que linhagem e termos pode-se fazi-la sem destoreer os sistemas legais? A comparacio, sem dGvida, acarreta esse perigo. Bohannan enfatiza constante- mente 0 petigo, e eu devo, portanto, discutir sua argumentagio ‘antes de proceder & minha andlise de seus dados. s Tiv, diz Bohannan, classificam os danos, por exemplo, segundo o tipo de reagdo e de corre¢ao que provocam. Qualquer infragdo seguida de reparagao ritual € kwaghbo: todo homicidio 6 uma infragdo contra 0 fetiche chamado swende, de modo que a cle se segue um ritual, tornando-o, portanto, kwaghbo. Mas qualquer infragdo que seja levada diante do tribunal (jir) & cha- mada ifer: por isso 0 homicidio 6 também ifer. Finalmente, toda infrago punida € chamada de kwaghdang e, portanto, 0 homi- cidio € também um kwaghdang. O incesto € o adultério também cam nas trés categorias. Outras infragoes podem cair em duas ‘ou mesmo em apenas uma dessas categorias Tiv. Bohannan conelui entlo: “Os Tiv nfo estabelecem as distingées curopéias entre danos que afetam toda a comunidade e os que atingem indivi- duos, Muitos de nossos juristas salientaram que nenhum delito deixa de ser, em certo sentido, prejudicial & comunidade, nenhum crime deixa de atingir alguns direitos individuais. A dis- tingiio estabelecida pelos curopeus é uma distingdo de folk, A distinggo entre kwaghbo, kwaghdang ¢ ifer & uma distingo de folk. Pode-se comparar os dois conjuntos de distingées, mas & tio errado e parcial forgar os casos Tiv dentro das categorias de distingSes de folk européias quanto forgar as classificagdes euro- péias dentro das distinges de folk Tiv.” * © Bohannan, Justice and Jui Tio (1989), ae, tdgement among the Opnicacio Divipa 37 Essa afirmago é bastante razodvel, mas Bohannan nio dis- cute a seguir como se pode comparar, ou o que se pode com- parar dentro dos dois conjuntos de distingSes. No caso, talvez seja significativo que os juristas europeus, na realidade, nio clas- sifiquem crimes ¢ delitos segundo causem danos & comunidade ou a individuos, como fez Radcliffe-Brown, um antropélogo so- cial, ® Kenny especialmente rejeita esse critério, cmbora ele tenha sido adotado por outros; enfatiza sobretudo o procedimen- to e a reparagio. Segundo indica Kenny, a distingZo existente no direito romano entre delicta privata ¢ delicta publica {sobre a ‘qual Radcliffe-Brown baseou sua teoria] deveu-se a que original- mente o$ crimes na Roma antiga cram julgados pelo préprio povo romano, reunido em comitia centuriata. O critério final de Kenny para distinguir os crimes de outros danos & que “sio danos cuja sangio é punitiva ¢ nio sio de modo algum remis- siveis por uma pessoa particular, mas apenas pela Coroa, quando sio de alguma forma remissiveis”, " Ele procurou observar antes 4 punigo, a reparagzo e o procedimento do que a quem se atinge, na tentativa de classificar agdes judiciais. Igualmente, os advo- gados distinguem as agdes decorrentes de relagées no-contra~ tuais das agdes pot infragio contratual, nfo s6 pelo tipo de obrigacio infringida, quanto pelas reparacies solicitadas e pelo procedimento seguido. Em termos das categorias Tiv, uma infragio que na Gré- Bretanha cai na defini¢do de Kenny de um crime seria kwagh- dang, seguida de punigdo, e ifer, por ser levada a juizo, quase compulsoriamente. Néo seria kwaghbo, que exige a expiagéo ritual ow € submetido & ameaca ritual, Mas, sem dévida, seria também um pecado. Assim é hoje em dia, No entanto, a religiio € 0 ritual tiveram maior significado no direito inglés antigo. AS infracdes © as aces judiciais eram entio classificadas entre aquelas que caiam sob jurisdicio eclesiéstica ou secular, entre faquelas que eram passiveis de julgamento pelo clero ou nao. ‘Além disso, vérios tipos de infratores recebiam ou niio o privi ligio de refdigio na igreja, ou de juramento, até 1623-24. Havia um elemento ritual ¢ religioso tanto nas infragSes quanto na reacio as infracdes. O problema que se coloca aqui é seme- Ihante a0 da divida: no direito tribal e no diteito europen antigo hi essa categoria adicional de ritual para os casos de infracéee, so Primitive Law", em Structure and Funetion in Primitive Society (1952), ps. 212 5s, 11 Outlines of Criminal Law (1929), cap. 1, Esta & a melhor forma de anallsar os “danos" entre os Barotie; ver meu trabalho “Juudiciad Process among the Barotse (1955), pe. 61, 150, 217. i ANTROPOLOGIA DO Diretro ue jesaparece das sangdes organizadas do direito pos- to pe dope os snes aldo dt SReenvolvido? Refiro-me ds sangées legais aplicadas pelo Estado, pois evidentemente hé ainda um juizo religioso sobre o dano, ¢ Pole ibgrupos religiosos pode haver punicio organizada para citas infragoes. De fato, por ordem do tribunal do Estado o Essino executado ainda nfo é sepultado em terreno sagrado, Bese nn prisao em que foi executado, © no passado até seu corpo destruido. ea Xa minha opinifo essa classificagio méltipla dos danos entre os Tiv € a introdugo do elemento ritual revelam um pro- Gesso que surgiu na discussdo de Leach das infragdes Kachin, ¢ fm um tratamento mais geral em meus capitulos anteriores. Cada {nfragio tende a ter miltiplas conotagdes especificas, dentro de varios Ambitos de relagdes sociais, algumas das quais acentuam ‘os acompanhamentos rrituais que se acreditam permear a vida Social. Em nossa prépria histéria, a diferenciagao das relagdes, sociais tendeu a restringir os elementos rituais a subgrupos den- tro da sociedade global. * Bohannan também adverte * contra forear os conceitos Ti nas categorias ocidentais, 20 tratar da distingio entre di criminal (p. 70), a0 falar do sistema legal dos Tiv, um corpus juris (ps. 96.97), ao discutic as sang6es (P. 101), a0 referit-se as relagées nfo-coniratuais e a0 contrato (ps. 111,'112, 212-213) a0 considerar a nocio de juizo € do proprio direito (ps. 210- 14). Essas adverténcias so importantes; mas a insisténcia na especificidade cultural de sistemas de folk parece-me desviar a ftencdo de Bohannan das semelhancas dentro de diferencas, per- mitindo formular-se mais claramente os problemas do direito de tuma sociedade e os do direito comparado. Ele afirma a necessi- dade da comparacio (ps. 120-214), mas no explica como se pode comparar aquilo que é aparentemente iinico, e isso porque do observa o direito Tiv a luz do dircito inglés antigo. O direito Tiv é visto como um sistema no mesmo plano do sistema roma- no, daf ele poder chamar tanto o direito romano quanto 0 Tiv € © dos trobriandeses de sistemas de folk. O direito Tiv merece luma consideragio independente, mas, assim como o direito Barotse, tem um paralelo na fase primitiva — no digo a pior fase —'do dircito europeu, A insisténcia na especificidade freqlientemente obscurece problemas. © exemplo seguinte ilustra esse aspecto com clareza 4 Dutlhelm, De ta Division du Travait Sooiat (1899), passim. 3 As referénclas nease parigrafo so de seu llvro Justice and Judgement among the Ti» 987) Onrtoagho t Divs 39 Quando o Tiv faz a autépsia de um homem para ver se ele pra- ticou feitigaria, a culpa é revelada pela presenga, perto do cora- glo, de bolsas coloridas, supostamente depésitos de sangue arte- ial e venoso. Dai, o Tiv referir-se & inocéncia como “‘peito va- zio”, 0 que em Tiv significa duas coisas, segundo Bohannan: “um homem sem nenhum talento e sem importancia, se ele esté vivo e com satide. Aplicado a um homem morto, significa uma pessoa que morreu por algum motivo que néo seja sua propria propensio ao mal [sua feiticaria trazendo-the a condenaco por meio de um bom ritual]. Assemelha-se & nossa propria expres- slo ‘inocente’, no que ela traz conotagdes de bem, mas em outros usos predominam as conotagées depreciativas de falta de cexperiéncia”. Sem divida nao hé nada de especifico nessa idéia Tiv de que ser inocente € nio ter culpa e, portanto, de certa forma ser “ingénvo” — simples, sem malicia e tolo, como mostra qual- quer dicionario. A existéncia em sociedades tio distantes da idéia de que 0 culpado ¢ esperto, ¢ 0 fraco ¢ pobre € inocente, € © inocente é também tolo, coloca-nos um problema geral. A mesma identificagio encontra-se em hebraico, ardbico, grego, Ia~ tim e pelo menos em alguns idiomas bantos. ‘A abordagem de Bobannan a todos os fenémenos de con- trole social Tiv parece-me criar uma barreira & anilise sociol6- sica e da cigncia do direito e, por isso, preferi usar outros exem- plos antes de passar a um resumo de suas afirmagdes a respeito Ge dividas, contratos e relagdes ndo-contratuais. Ele tem um capitulo em que trata de casos de divida; concluindo sua andlise de sete casos desse tipo, afirma que desejava “apresentar a no~ gio Tiv de divida de tal maneira que sua unidade se tomasse Aparente... Descobrimos que os Tiv usam um conccito tinico, ‘divida’ (inj), para se referirem a circunstdncias © casos que ‘ngs, em nosso sistema de folk, classificamos em diversas catego- ras”, Nos casos que nés classificarfamos como contrato, “o Tiv 4 mais importéncia a0 aspecto divida do que ao aspecto con trato”. © jurista veria um contrato entre o proprietério de uma ‘cabra e 0 homem que a leva a pastar, ou um contrato entre deve- dor e eredor pignoraticio. “Os Tiv concordam com essas cla ficagées se clas Ihes so ditas e explicadas, mas no usam.esse aspecto da relagdo para fins de classificagio. Em seu proprio sis- tema de folk a idéia de contrato, em termos de classificagio, assume uma posi¢io subordinada a idéia de divida envolvida.’ Da mesma maneira, se 0 gado pertencente a um homem danifica 7 Tid, ps, 199-201, especialmente p, 199, n° 1,

You might also like