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aS = § ‘'SOTIAWAG KNOHINV. Tn, - = eS _ = = = = Sa = = = = Se oer? & ANTHONY DE MELLO DESPERTANDO PARA O EU Traducdo Coneeieao Aparecida Gimenez we eS en (Cima baskerndobio st Best eto, Antony 15813997, Desperate purse bs / Any dea; SoCo pss Gnes.— Saal fades parcatingy stent: ".Aecortecinern: enol: Tens 2frngecn:13 ‘Tiulo origina: Awareness (© 1990 by The Center for Spiritual Exchange, Ine, a ene 0 acon com Dosey, Direitos exclusives para o Brasil cedidos ‘Agneta Seiliane de Livros, Jornsise Revistas Ltda ‘Av, Ralmundo Pereira de Magathes, 3305 ‘CEP 05145-200— Sho Paulo— Brasil Caps: Carlos Perrone EditoraSiiiano, 1981 iodo Bantam Doubleday Del Publishing Group, Ine, Sumario PREFACIO, 9 (© DESPERTAR, 15 POSSO LHE SER DTIL NUMA REAVALIACAO?, 15 SOBRE © TIPO CARACTERISTICO DE ECOISMO, 18 QUERENDO A FELICIDADE, 20 ESTAMOS FALANDO DE PSICOLOGIA NESTE CURSO DE ESPIRITUALIDADE?, 21 RENUNCIAR NAO E A SOLUGAO, 25 OUVIR E DESAPRENDER, 25 A MASCARA DA CARIDADE, 28 © QUE VOCE TEM EM MENTE?, 36 BOM, MAU OU SORTUDO, 40 NOSSA ILUSKO COM RELAGAO AOS OUTROS, 41 AUTO-OBSERVACAO, 46 A CONSCIENCIA SEM A AVALIAGAO DE TUDO, 48 ‘A ILUSAO DAS RECOMPENSAS, 53 ENCONTRANDOSE, 54 DESNUDANDO-SE ATE O FU, 57 SENTIMENTOS NEGATIVOS COM RELAGAO AOS OUTROS, 62 ‘A DEPENDENCIA, 64 COMO A FELICIDADE ACONTECE, 67 MEDO — A RAIZ DA VIOLENCIA, 74 CONSCIENCIA E CONTATO COM A REALIDADE, 75 BOA RELIGIAO — A ANTITESE DA INCONSCIENCIA, 76 ROTULOS, 36 OBSTACULOS A FELICIDADE, 87 QUATRO PASSOS PARA A SABEDORIA, SI TUDO ESTA CERTO COM O MUNDO, 97 ‘SONAMBULISMO, 100 ‘A TRANSFORMACAO COMO COBIGA, 10 UMA PESSOA TRANSFORMADA, 109 ALCANCANDO 0 SILENCIO, 113 PERDENDO A CORRIDA, 118 VALOR PERMANENTE, 121 DESEJO, NKO PREFERENCIA, 125 APEGANDOSE A ILUSAO, 125 ABRACANDO AS MEMORIAS, 130 ‘TORNANDO-SE CONCRETO, 155 PERPLEXO POR PALAVRAS, 145 CONDICIONAMENTO CULTURAL, 146 A REALIDADE SELECIONADA, 150 DESPRENDIMENTO, 155 AMOR VICIADO, 138 MAIS PALAVRAS, 161 AGENDAS OCULTAS, 162 DANDO CONSENTIMENTO, 165 MINAS ADAPTADAS, 165 ‘A MORTE DO EU, 169 VISAO INTERIOR E ENTENDIMENTO, 171 NKO FORCE, 175 TORNANDOSE REAL, 17 IMAGENS ADAPTADAS, 178 AMOR: NADA A FALAR, 180 PERDENDO © CONTROLE, 182 QUVINDO A VIDA, 184 © FIM DA ANALISE, 186 (8 MORTOS ADIANTE, 189 ‘A TERRA DO AMOR, 192 DESPERTANDO PARA O EU CTTEEE CC CECECEEEEEEEEE EEE FE Prefacio Certa ocasido entre amigos, peditam a Tony de Mello que dissesse algo sobre a natureza de seu traba- Iho. Ele levantou-se e contou uma hist6ria, que mais tarde repetiria em suas conferéncias, e que voc reco- nhecerd em seu livro Song of the Bird [Cangio do pas- saro]. Para minha surpresa, ele disse que a histéria se referia a mim, Um homem encontrou um ovo de aguia © 0 colocou no ninho de uma galinha. A aguiazinha nasceu com a ninhada de pintinhos cresceu ali com eles. Durante toda a sua vida, a guia fez exata- mente 0 que os pintinhos faziam, pensando que fosse uma galinha. Ciscava a terra A procura de minhocas ¢ insetos. Cacarejava ¢ batia as asas, at- riscando um véo rasante. Passaram-se os anos, e a guia envelheceu. Um dia avistou no céu um passaro majestoso. Ele 9 yoava de forma graciosa entre as fortes correntes de ar, quase nao batendo suas poderosas asas dou- radas, A yelha guia olhava para 0 oéu admirada. — Quem é aquela? — perguntou. — A tainha das aves, a éguia. Ela pertence a0 céu. Nés pertencemos a terra: somos galinhas — tespondeu-lhe a vizinha. E assim, a guia viveu e morreu como gali- nha, pois era isso que ela pensava ser. Se fiquei surpreso? No inicio, senti-me insultado! Estaria ele me comparando a uma galinha de quintal? De certo modo sim, ¢ nao. Insulto? Nunca. Nao era do feitio de Tony. Mas ele estava dizendo a mim e a todas aquelas pessoas que, do seu ponto de vista, eu era uma “guia dourada”, inconsciente da altura que poderia alcangar. Essa hist6ria fez-me entende: grandeza do ho- mem, seu amor sinecro ¢ 0 respeito pelas pessoas on- quanto se diz a verdade. Era exatamente o que Tony propunha em seus tra- balhos: despertar as pessoas para a realidade de sua grandeza, Este era Tony de Mello em sua melhor forma, revelando a mensagem da “consciéncia”, vendo a luz que somos para ns mesmos € para os outros, reconhe- cendo que somos melhores do que supomos Este livro traz Tony em pleno yéo, fazendo justa- mente isto — em didlogo vivo e interagéo —, mencio- nando todos os temas que alegram os coragées daque- les que os ouvem, 10 Manter 0 espitito de suas palavras vivo, e passar sua espontaneidade com sensibilidade para as paginas deste livro, foi a tarefa que enfrentei apds sua morte Quero agradecer o grande apoio que recebi de George McCauley, $.J., Joan Brady, John Culkin e tantos outros. ‘As horas estimulantes e divertidas que Tony pas- sou comunicando-se com pessoas reais foram maravi- Thosamente registradas nas paginas que se seguem. Aprecie o livro. Deixe as palayras entrarem em sua alma, e ouca, como o proprio Tony sugeriria, com 0 coragio. Escute as histérias que ele tem para contar, e vocé estar escutando sua propria hist6ria. Permita-me leva-lo com Tony — um guia espiri- tual —, um amigo que vocé tera pela vida toda. J. Francis Stroud, SJ. Centro de Espiritualidade De Mello Universidade de Fordham Bronx, Nova York 1 O despertar Espiritualidade significa despertar. ‘A maioria das pessoas, mesmo nfo sabendo, est dormindo, Elas nascem adormecidas, vivem adormeci- das, ctiam scus filhos nesse estado de sonoléncia, mor- rem sem jamais despertar. seas pessoas néo conseguem entender 0 encanto & a beleza daquilo a que chamamos de existéncia humana. Como € sabido, todos os mfsticos — catélicos, cristéos, ndo-cristiios — so unfinimes no mesmo ponto: em que tudo esta bem! Embora tudo esteja uma verdadeira dro- ga, tudo esté bem: Estranho paradoxo, com certeza. Mas, tragica- mente, a maioria das pessoas jamais consegue perceber que tudo esta bem porque elas esto dormindo, Blas esto tendo um pesadelo. No ano passado, na televisio espanhola, ouvi a histéria de um senhor que batia & porta do quarto de seu filho. 13 — Jaime — diz ele —, acorde! — Néo quero me levantar, papai — responde 0 filho. — Levante-se, vocé tem que ir & escola — grita © pai. — Nio queto ir & escola — diz Jaime. — Por que néio? — pergunta o pai. Por trés razGes — diz Jaime. — Primeira: por- que néo tem a menor graga; segunda: as criangas me aborrecem; ¢ terceira: eu odeio a escola. — Bem, darei trés motivos pelos quais voce deve ir escola. Primeiro: porque 6 seu dever; segundo: voce fem quarenta ¢ cinco anos; e tereeiro: vocé é o diretor. Acorde, acorde! Voe8 cresceu! Estd grandinho para car dormindo. Acorde! Chega de brincar com seus brin- quedos! — completa o pai. A maioria das pessoas diz que quer sair do jardim- de-infancia, mas nfo acredite nelas. Nao acredite nelas! Tudo o que elas querem que vocé faca € consertar seus brinquedos quebrados, — Devolva minha esposa, meu emprego, meu di- nheiro, Devolya minha reputagdo, meu sucesso. Isso 0 que elas querem; elas querem seus brin- quedos de volta cm seus lugares. $6 isso. Até mesmo os melhores psic6logos afirmardo que essas pessoas nio querem ser curadas realmente. © que elas querem é alivio, a cura € dolorosa Vocé sabe que 0 despertar nfo agradavel. Voce esté bem e muito confortével em sua cama. E ir- ritante ser acordado, F por isso que o guru inteligente néio tenta acordar as pessoas. Espero ser sabio o bastante, ¢ nfo fazer qualquer tentativa para desperté-lo, caso voce esteja adormecido, 14 Isto realmente néio me interessa, embora, as vezes, eu diga: — Acorde! : : © que realmente me importa é fazer minhas na dangar a minha danga. Se vocé tirar proveito cise. oti mo; se nfo, que pena! Como dizem os arabes; “A na: tureza da chuya € a mesma, mas ela faz com que espi mheiros crescam nos pantanos ¢ flores nos jardins Posso the ser util numa reavaliacao? Voct acha que pode ajudar alguém? Nao! Oh, nfo, nfio pode mesmo! Nao espere que ou vé ajar quem guer que sea, Nem tampouso pero prejudicaralguém, Caso voce se cinta prejud- tado, voo’ mesmo € 0 responsével; ¢ caso sinta-se aj dado, o mérito ¢ seu. Seu, de verdade! ‘Voo8 acha que as pessoas 0 ajudam? Nao, elas nio o ajudam. Vooé acredita que elas o apéiam? Cave, nea sendin em grip Be tm pia onde hayia ume frei, Ela me disse: __ Nao me sinto apoiada pela minha superiora. — 0 que a senhora quer dizer com isso? — per- guntei 15, — Bem, minha superiora, a superiora provincia- na, nunca vem ao noviciado pelo qual sou responsével. Nunca me dirige uma palavra sequer de apteciagio. — Certo, entdo vamos encenar uma pega, Faca- mos de conta que sou sua superiora. Vamos fingir que eu sei, exatamente, o que ela pensa sobre vocé. Entdo eu digo (fazendo 0 papel de superiora): “Sabe, Mary, a razio pela qual eu nfo venho a provincia que vocé administra € porque aqui nao hé problemas, Eu sei que € vocé quem dirige, entdo tudo corre bem”. Como voce se sente agora? — Sinto-me étima — ela responde. — Esté bem, yocé se importaria de sair da sala por uns minutos? Faz parte do exercicio. Assim que ela deixa a sala, converso com os ot- tros membros do grupo: — Continuo sendo a superiora, ok? Mary, que est 14 fora, é a pior diretora que ja tivemos na histé- tia de nossa provincia. O motivo pelo qual nao you ao seu noviciado, é que nao suporto yer 0 que ela faz. E simplesmente hortivel. Mas se eu the disser a verdade, isto s6 faré com que aquelas novicas sofram ainda ais. J4 estamos treinando uma outra para substitut-la dentro de um ou dois anos. Nesse meio tempo, achei que seria melhor dizer-lhe coisas boas para poupé-la. © que vocés acham? — Bem, na verdade, era a nica coisa a fazer em tais circunstancias — eles responderam. Pedi, entGo, a Mary que voltasse para © grupo, ¢ perguntei se ainda se sentia bem, “Oh, sim”, ela res- pondeu, Pobre Mary! Pensava estar sendo apoiada quando, na realidade, nao estava, 16 Se A yerdade é que a maior parte das coisas que sen- timos e pensamos, conseguimos incutir em nés mes- mos, em nossas mentes, incluindo essa histéria de es- tarmos sendo ajudados pelas pessoas Vocé acredita que ajuda as pessoas porque as ama? Bem, entiio tenho algo a dizer para vocé. ‘Vocé nunca se apaixona por pessoa alguma, Mas, sim, pela idéia preconcebida, preconceifuosa ou nao, “gar: voce nunca se apaixona por pessoa alguma, voc ‘ama a idéia que faz daquela pessoa. Nao é exatamente da mesma maneira que voc€ deixa de amar? Sua idéia muda, nao €? Vocé realmente confia nas pessoas? Néio, voce ja- mais confiou em pessoa alguma. Pare de mentir! Faz parte da layagem cerebral que a sooiedade nos faz. Voce jamais confia em pessoa alguma, apenas no jul- gamento que faz desse individuo. : Entao do que esta reclamando? O fato é que voce nao gosta de admitir: “Meu julgamento foi precipi- tado”. eee Nao parece muito lisonjeiro, certo? Entao, é mais facil dizer: “Como voc’ pode me desapontar?” Entio, [4 vai: na yerdade, as pessoas nfo que- rem crescer, ou mudar, ndo querem ser felizes. Certa vez, ouvi, de alguém muito sabio: “Nao tente fazer as pessoas felizes, voc s6 encontrard pro- blemas. Nao tente ensinar um porco a cantar, pois ape- nas conseguiré perder tempo, e deixaré o porco ir- ritado”. E como o executivo que entra num bar, senta-se, e vé um camarada com uma banana no ouvido — sim, 17 uma banana no ouvido. E per que deveri E pensa: “Serd cat adverti-lo? Nao, nfo é da minha conta”. Mas aquele pensamento : © aborrece. drinques, ele dirige-se ao rapaz, e dis: ee — Com licenga, , ah, o senhor esta fe eee hor esté com uma ba- — 0 que? — Vocé esté com uma banana no ouvido. —~ 0 que foi? — Vocé est com uma banana no ouvido — Fale mais alto, , por favor, diz o camai Estou com uma banana no ouvido! a setae ties € init Desist, desist de uma vez po ‘odes, Faga sua parte e saa. se ees titarem prove : timo, caso contrério, que péssimo! - Sobre o tipo caracteristico de egotsmo ee A primeira coisa que eu quero que voeé entendaa realmente queira despertar, é é na : auei , € que voc’ nilo que: ee ne passo é ser honesto o ieee admitir para si mesmo a i nto que nao Vocé nfo quer ser feliz. Se Vamos tentar um pequeno teste? Levard exata- mente um minuto. Feche os olh i ; 08, ot se preferir, fi de olhos abertos. Nao importa. ne ee 18 ¥ 5 CePA TEEN D DET EEE EEE Pense em alguém que vocé ame muito, alguém que esteja bem ligado a vocé, alguém que The seja muito precioso, e diga para essa pessoa, em pensa- mento: “Eu preferiria ter a felicidade a ter vocé”. Veja o que acontece. “Eu preferiria ter a felici- dade a ter yocé! Se eu pudesse escolher, sem divida eu. escolheria a felicidade.” Quantos de vocés se sentiram egoistas ao dizer isso? Muitos, pelo que me parece. Vejam como sofre- mos uma lavagem cerebral. “Como pude ser tio egoista?” Mas veja quem esté sendo egofsta. Imagine al- guém dizendo para vocé: “Como vocé péde ser to egofsta a ponto de escolher a felicidade a mim?” Vocé nfo sentiria vontade de responder: “Descul- peme, mas como voce pode ser to egofsta pare exigit que cu escolha voc$ acima de minha prépria felici- dade?!” Certa vez uma mulher me disse que quando ela era crianca, seu primo jesuita organizou um retiro na igreja de Milwaukee. Ele iniciava cada conferéncia com estas palavras: “A prova do amor €é o sacrifi- cio ea medida do amor é a abnegacio”. Que maravilhoso! Entdo perguntei a ela: — Vocé gostaria que eu te amasse a custa de mi- nha felicidade? — Sim — ela respondeu. ‘Nao é encantador? Nao seria maravilhoso? Ela me amaria a custa de sua felicidade e eu a amaria & custa de minha Telicidade;_essim ter feriamos das possons infelizes, mas wm armor eterno! 19 Querendo a felicidade Eu dizia que nao queremos i outras coisas. Ou eee ee ae ct condicionalmente. Estou pronto para ser feliz conn, que eu tenha isso ou aquilo e outras coisas, Mas que ser sinceros com nossos amigos, com o nosso anes ot com qualquer pessoa: $ ed — Voce ¢ minha felicidade. Doce me recuso sr eli ___E to importante entender isso! Na : sério, Ndo conseguimos entender a felicidade som. Aprendemos a colocar nossa felicidade nelgs, Entdo essa 6 a primeira coisa a ser feita se cui mos despertar; € 0 mesmo que dizer: se quiseen, amar, ter liberdce, pez espiritanidad, Nests espiritualidade a coisa mais prética do monte, _ Desafio qualguer um a pensar em al ain mais prético que a espiritualidade como cus defiay nao piedade, no devogio, nio religiao, nao adocnugo, mas espiritualidade — despertar, despertar! Vela ose, ta tristeza ha por toda parte — a solidag. 2 te tanta confuséo, 0 conflito nos coragdes den meee” conflito interno, conflito externo. ee ‘Vamos supor que alguém Ihe ge eee a a ee epee tremenda perda de energia, de satide, de sana oe vem desses conflitos e confusGes. Vocé gostaria? E se alguém nos mostrasse ui uns aos outros de verdade e ieee oe ee consegue pensat em algo mais prético que igo? °° Se ew nao puder ter de emog&o que 20 % ee TINY CUT TETEEETEE TTT Mas 0 que as pessoas acabam fazendo? Acham que um grande negécio € mais pratico, que a politica & mais pratica, que a ciéncia é mais pratica. De que adianta mandar um homem & Lua quando nds mal conseguimos viver na Terra? Estamos falando de psicologia neste curso de espiritualidade? ‘A psicologia € mais prética do que a espirituali- - dade? Nada é mais prtico do que a espiritualidade. que o pobre psicblogo pode fazer? Ele s6 consegue ali- viar a tensio, Eu sou psicdlogo, pratico psicoterapia ¢ carrego esse grande conflito dentro de mim quando tenho que escolher entre psicologia e espiritualidade. Gostaria de saber se isso faz sentido para alguém aqui, pois para mim nfo fez durante muitos anos. Posso explicar. Eu no conseguia ver sentido até que, de repente, descobri que_as pessoas tém_que so- frer’o bastante num relacionamento_para que elas se desiludam com todos os relacionamentos, Nao € ter- tivel? Elas devem sofrer 0 bastante em um relaciona- mento antes de despertar ¢ dizer: “Estou cansado disso! Deve haver um modo de vida melhor em que néo se dependa de outro ser humano”. E 0 gue fazia eu como psicoterapeuta? As pessoas me procuravam com os seus problemas de relaciona- mento, comunicagio, etc., ¢, as vezes, 0 que eu fazia 21 era dar uma pequena ajuda. Sinto muito em dizer, mas, as vezes, essa ajuda era indtil, pois as pessoas conti- nuavam dormindo. Talvez, fosse necessério que elas s0- fressem um pouco mais, que isso tocasse bem no fundo a ponto de se chegat & seguinte conclusfo: “Estou can- sado de tudo”. Sad Vocé s6 quer se livrar de uma doenga quando esté doente. A maioria das pessoas procura um psicdlogo ou jwiatra para obter alivio, Repito: para obter_alfvio. vi Vou contar a histéria do pequeno Johnny, que todos diziam ser mentalmente retardado. Mas é claro que nfio era, como voc8 poderé perceber pela histéria. Johnny esti na aula de modelagem na escola que freqiienta para criangas especiais, pega um pouco de massa e comega a modelar. A professora se aproxima: — Oi, Johnny. = i — O que ¢ isso que voce tem nas mios? — Isso 6 um monte de estrume de vaca! — Eo que voc® esta fazendo com isso? — Estou fazendo uma professora. “O pequeno Johnny regrediu” — a professora logo pensa. Entio, ela chama 0 diretor, que est pasando por ali, e diz: a oe — Johnny esté regredindo. O diretor se aproxima dele e diz: — Oi, filho, — Oi. — O que vocé tem ai na mio? 22 : ROTATE ETT ETE — Um monte de estrume de vaca! — O que vocé est fazendo? — Um diretor — ele diz. O diretor acha que é um caso para o psicdlogo da escola. — Encaminhe-o para o psic6logo! © psicdlogo ¢ um rapaz brilhante. Aproxima-se do garoto: : — oi — Oi — Johnny responde. — Eu sei o que vocé tem nas suas mos. — 0 qué? — Um monte de estrume de vaca! — Certo. — E eu sei o que vocé esté fazendo. — 0 qué? Vocé esti fazendo um psicdlogo! — Enrado. Nao tenho estrume suficiente! E disseram que o garoto é retardado! Pobres psicdlogos. Na verdade, eles estiio fazendo um bom trabalho. Hé casos em que a psicoterapia é de uma ajuda incrivel, porque quando vocé esté a ponto de enlouquecer pode tornar-se um psicdtico ou mistico, Tss0 € que € ser mistico, 6 oposto do lundtico, “Voc8 sabe se jd despertou? E quando vocé se per- gunta: “Estou louco, ou so os outros que esto?” E verdade. Porque estamos loucos. O mundo todo esté louco. Lundticos inveterados! ‘A Gnica razao pela qual nao estamos internados é que somos um niimero muito grande. Somos loucos. Vi- vemos de loucas idéias sobre 0 amor, relacionamentos, 23 felicidade, alegria, tudo. Acredito que somos loucos a Ponto de, se concordamos sobre algo, como pode- mos ter certeza de que est& errado! _ Toda idéia nova, toda grande idéia no inicio era minoria de um. Aquele homem chamado Jesus Cristo — minoria de um. Todos diziam algo diferente daquilo que ele estava dizendo. Buda — minoria de um. Todos dizendo coisas diferentes do que ele dizia. «Ache que foi Bertrand Russell quem disse que toda grande idéia comeca como blasfémia”. Uma ob- servacdo muito bem colocada, Voc8 ainda vai ter que ouvir muitas blasfémias! “PJe blasfemou!” Pelo fato de as pessogs serem loucas, lunéticas, quanto antes yor perceber,, melhor serd para sua satide mental ¢ espiritual. No confie nelas. Nao confie em seus melhores amigos. Desconfie deles, pois séo muito espertos. Assim como voce 6, com relagdo aos outros, embora provavelmente vocé nao saiba. Ah, yocé tio astuto, sutil c esperto. Voce esté fingindo. Parece que nao estou sendo muito cortés, nao é? Mas repito: vocé quer despertar. Voce esté fingindo, e nem sabe. Vocé acha que estA sendo téo amével! Ah! Quem vocé esté amando? Até sua dedicagdo The da uma sensagao de bem-estay, nao 6? “Estou me sacri- ficando! Estou lutando poy um ideal!” _Mas voce esté tirana proveito disso, nao esté? Vocé esté sempre tiranda proyeito de tudo o que faz, até que desperte. __Entéo, 14 vai: primeiro passo. Perceba que vocé néo quer acordar. E muita dificil despertar quando vocé foi induzido a pensar que um pedago de jornal yelho € um cheque no valor de 4m milhéo de délares. Como é dificil livrar-se desse Pe cjaco de jornal velho! 24 VV Ay aa Renunciar nao é a solucao A qualquer hora que estiver renunciando vocé se desilude, Que tal isso! Vocé se desilude. Toda vez que renunciar a alguma coisa, vocé estaré amarrado a isso a que renunciou para sempre. Hé um guru na India que diz: “Toda vez que uma prostituta se aproxima de rifle ft falates enn DE Gus Oct aaa Vida que leva ¢ sO quer Deus. Mas toda vez que um sacerdote se aproxima de mim, s6 fala em sexo”. Muito bem, quando yocé renuncia a alguma coisa, fica preso a ela para sempre. Quando vocé luta contra algo, fica amarrado a isso para sempre. Enquanto vocé luta, dé forca a esse inimigo. Vocé da tanta forca a ele quanto o utiliza para brigar. Isso inclui comunismo ¢ tudo mais. Entéo voce deve “receber” seus demOnios, porque quando luta contra cles, vocé Ihes dé forca. Nunca Ihe disseram isso? Quando yoo’ renuncia a algo, voc’ fica preso a isso, A_Gnica maneira de se livrar do problema é en- xergar através dele, Nao renuncle, compreenda. Se vooé entender seu verdadeiro valor, nfo teré que renun- ciar, Ele desaparecerd. Mas é claro que sc voc€ nao vit isso, se for levado a pensar que ndo seré feliz sem isso ou aquilo, ou outras coisas, estard perdido. O que nés precisamos fazer por vocé nao é 0 que a chamada espiritualidade tenta fazer, isto é levélo a fazer sactificio, renunciar a coisas. F indtil, vocé ainda esté dormindo. O que precisamos fazer € ajudé-lo a enten- der, entender, entender. Se entendeu, esse descjo pas- sara, Em outras palayras: se voc8 despertou, esse dese- jo simplesmente passaré. 25 Ouvir e desaprender Alguns de nds, conseguem despertar pela dura realidade da vida. Sofremos tanto que acabamos des- pertando, Mas algumas pessoas acabam dando de cara com a vida novamente, continuam sonémbulas, nunca despertam. Infelizmente, nao Ihes passa pela cabeca que pode haver uma forma melhor. Se vocé ainda nao Ievou um chacoalhao da vida, e nao sofreu o bastante, entao hé um outro modo: ouvir. Nao estou dizendo que vocé tenha que concordar comigo. Isso nfo seria ouvir. Pode acreditar em mim, nao tem importancia se vocé concorda comigo ou nao, porque concordar ¢ discordar tém a ver com pa- lavras, conceitos e teorias, e nada tém a ver com a ver- dade, pois a verdade no pode ser expressada em pala- vras. De repente ela € vista como resultado de uma certa atitude. Entfo, vocé pode estar discordando de mim e, ainda assim, ver a yerdade. Mas deve haver uma atitude de sinceridade e boa yontade para desco- brir-se algo novo. Isso é importante, e nao 0 fato de voc’ concordat comigo ou nao. Afinal de contas, muito do que estou passando aqui para yocé é teoria. Nenhuma teoria cobre a realidade de forma adequada. Entfo posso falar nfo sobre a ver- dade, mas sobre os obstdculos & verdade. Esses eu posso descrever, a verdade néo. Ninguém consegue, Tudo o que eu posso fazer 6 dar uma descrigao de suas men- tiras, para que voce possa livrar-se delas. O que eu posso fazer é desafiar suas crengas ¢ o sistema que 0 faz. infeliz, O que eu posso fazer ¢ ajudé-lo a desapren- der. E com isso que o aprendizado da espiritualidade se 26 preocupa: desaprender quase tudo que aprendeu, Von- tade de desaprender, ouvir. Voc8 est ouvindo, como a maioria das pessoas faz, a fim de confirmar 0 que vocé jé pensa? Observe suas reagdes quando eu falo. Certamente vocé ficard surpreso, chocado, escandalizado, irritado, aborrecido ou frustrado. Ou entdo poderé até dizer: “Otimo!” Mas yocé est ouvindo o que confirmard aquilo que vocé j4 pensa? Ou esté ouvindo para descobrir algo novo? Isso € importante, e muito dificil para quem est4 adormecido. jesus veio proclamar a boa nova ¢ foi rejeitadg. Nao porque era bom, mas pel Tato de_ser novo. Nés odiamos o que € novo. Odiamos! E quanto antes encatarmos esse fato, melhor. Nao queremos no- vidades, especialmente quando nos incomodam, quan- do enyolvem mudangas, quando envolvem fer que a fembro-me de um encontro que tive com um je- suita, de citenta sete anos, na Espanha. Ele foi meu professor e reitor na India ha trinta ou quarenta anos. Assistiu A minha palestra e comentou: “Eu deveria té-lo ouvido ha sessenta anos, ¢ sabe de uma coisa? Es- tive errado a vida toda!” Meu Deus, imagine s6! E como deparar-se com as maravilhas do mundo. Isso, senhoras e senhores, € fé! Uma abertura para a yerdade, nao importam as conse- giiéncias, nfo importa para onde ela o leve, também nao importa se voce nem sabe para onde ela o levard. Isso é f6. Nao crenca, mas £6. Suas crengas The dio, muita seguranca, mas a fé € inseguranca, Vocé nao conhece, est pronto para seguir, esid receptivo! Pronto para ouvir. E, preste atengdo, estar receptivo ndo signi- 27 fica ser ingénuo, engolir tudo 0 que 0 orador esté pas- sando, Ah, nao! Vocé deve desafiar tudo o que eu estou dizendo. Mas desafie com uma atitude compreensiva, néo uma atitude de teimosia. E desafie tudo mesmo. Lembre-se das palayras adordveis de Buda: “Monges e doutos nao devem aceitar minhas palavras por respeito, mas de- vem analisé-las como um ourives analisa 0 ouro — cortando, raspando, derretendo, polindo”. Dessa forma, vocé estar ouvindo. Teré dado um, outro grande passo para o despertar. O primeiro passo, como eu ja disse, é admitir que nao quer despertar, que nao quer ser feliz, Hé muita resisténcia dentro de voc8, O segundo passo € estar pronto para entender, ouvir, desafiar todo o seu sistema de crenca. Nao ape- nas creneas religiosas, politicas, sociais ou psicoldgicas, mas todas elas. Estar pronto para avalié-las novamente, na metéfora de Buda. E eu the darei aqui muitas opor- tunidades para realizar isso. A mascara da caridade A caridade &, na verdade, o egoismo disfarcado de altruismo. Vocé diz que € dificil aceitar poder haver ‘ocasides em que ndo é honesto, tentando ser amavel ou digno de confianga, Vamos simplificar da melhor maneira_possivel, mesmo sendo rude ¢ radical, pelo menos para comegar. 28 Hi dois tipos de egoismo, O primeio tipo & aque- Je onde eu me dou o prazer de agradar a mim mesmo, (© que costumamos chemar de egocentrismo. © segundo é quando eu me dou o prazer de agra- dar aos ouiTos, Setia um tipo mais refinado de egofsmo. © primeito tipo € bem evidente, mas o segundo esté bem escondido, sendo, assim, mais perigoso, por- que conseguimos nos sentir notaveis. Ea senhora ai, madame, que diz viver sozinha e dedicar algumas horas de seu tempo & pardquia. Mas também admite que o faz por uma questao de egoismo — sua necessidade de ser titil — e sabe também que precisa ser titil de modo que sinta estar contribuindo ‘um pouco para o bem do mundo. No entanto, afirma que, pelo fato de eles também precisarem de sua ajuda, 6 uma troca de favores. Vocé est quase entendendo! Temos 0 que apren- der com voc8. Esta certo. “Eu dou algo, recebo algo em troca”, diz a mulher. Fla esté certa. Fu saio para ajudar, dou alguma coisa, recebo alguma coisa. E bonito, verdadeiro. Isso ‘no & caridade, 6 egofsmo iluminado. E 0 senhor, cavalheiro, que clama ser o evangelho de Jesus, basicamente um evangelho de interesse pré- prio. Aleangamos a vida eterna por nossos atos de cari- dade. “Vinde, benditos de meu Pai, possui o reino que vos esté preparado desde a criagdo do mundo, porque tive fome, ¢ destes-me de comer; tive sede, ¢ destes-me de beber.” 29 Vové diz que isso “bate” com o que estou afir- mando. Diz que, quando olhamos para Jesus, obser- vamos que seus atos de caridade foram atos do mais puro interesse proprio para ganhar almas para a vida eterna. E, por ai, vocé percebe o impulso e significado da vida: a conquista do interesse préprio por atos de- caridade. Tudo bem. Mas veja, vocé est trapaceando por- que trouxe a religiéo para o assunto. Isso é vélido, é legal. Mas como seria, se eu lidasse com os evangelhos, com a Biblia e com Jesus até o fim desta avaliacao? Digo isso agora para complicar ainda mais: “Tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber”, ___E 0 que cles responderam? “Quando? Quando fizemos isso? Nao sabiamos.” Eles estavam inconscientes! ___ As vezes me ocorre um pensamento terrfvel. Ima- gino o Mestre a dizer — Tive fome, e destes-me de comer. — Certo, Senhor, nds sabemos — respondem as pessoas que estio & direita, — Eu nfo estava falando com vocés — 0 Mestre responde. — Isso no estd no script. Vocés nao deve- riam saber. Nao € interessante? Mas vocé sabe. Voc conhece © prazer interno que sente ao praticar atos de caridade. Ah-ah! Est4 certo! E 0 oposto de alguém que diz: “O que ha demais no que fiz? Ora, fiz algo e recebi algo. Eu ndo tinha idéia de estar fazemdo alguma coisa boa. Minha mao esquerda nao sabia o que a direita estava fazendo”. 30 CRETE EEE ET Voe8 sabe que um bem nunca € tio bom como quando voc8 tem consciéncia de que o esté praticando. Voeé nunca é tio bom como quando sabe que 0 é. Ou, como diria o grande Sufi: “Um santo é santo até que saiba que 0 &”. Inconsciente! Inconsciente! Alguém pode fazer objegio a isso, e perguntar: “Nao é prazer que recebo em dar, a vida eterna nao 60 aqui ¢ 0 agora?” Eu nio saberia dizéJo. Eu defino 0 prazer como prazer, ¢ nada mais. Pelo menos por enquanto, até comegarmos a falar em religiao. Mas quero que voc® entenda desde jé que a religido nao esté — repito: no esté — necessariamente ligada & espiritualidade. Por favor, deixe a religido fora disso por enquanto. Tudo bem, entio voc questiona a respeito do sol- dado que cai sobre uma granada para evitar que os outros se machuquem. E o homem que levou um cami- nhfio carregado de dinamite para o campo americano em Beirute? “Amor maior que esse, ninguém tem.” Mas os americanos nfo pensam assim. O homem que leyou o caminhao agiu deliberadamente, Ele foi desumano, nfio foi? Mas ele nfo pensava dessa forma, pode ter certeza, Ele achaya que ia para o céu. Assim como 0 soldado. Estou tentando apresentar um quadro de aco onde nao haja indugo, onde vocé tetha despertado ¢ o que faga seja feito através de voce. Sua ago, nesse caso, se torna um acontecimento. “Deixe que isso seja feito para mim.” Nao estou excluindo isso, Mas quando € vocé quem o faz, estou 3 procurando egofsmo, mesmo que seja apenas para ci- tar “Serei lembrado como um grande herdi ou “Nao conseguiria continuar vivendo se no tiyesse feito isso, Jamais viveria com o pensamento de ter fugido”. Mas lembre-se: no estou excluindo o outro tipo de aco. Eu no disse que nfo existe uma agdo sem egofsmo. Talvez exista. Vamos explorar este aspecto. Uma mie salvando uma crianga — salvando sew filho, voc8 diz. Mas por que ela nao salva o filho do vizinho? E 0 dela. E 0 mesmo que um soldado morren- do por seu pats. Tantas mortes desse tipo me aborrecem, e me per- gunto se elas no seriam o resultado de uma lavagom cerebral, Mértires me aborrecem. Acho que eles sio persuadidos. Martires muculmanos, hindus, budistas, cristaos, todos sofreram lavagem cerebral! Eles tém em mente que devem morrer; que a mor- te € uma grande coisa. Eles nfo sentem coisa alguma, mergulham de cabega. Mas nem todos; entéo, ouga com atenc&o. Eu nao disse fodos cles, mas nio des- carto a possibilidade. Muitos comunistas sofrem lava- gem cerebral (vocé jd esl4 pronto para acreditar nisso), a ponto de estarem preparados para morrer ‘As vezes acho que 0 processo usado para fazer, por exemplo, um Sao Francisco Xavier é o mesmo uti lizado para produzir um terrorista. Voc@ pode manter um homem por trinta dias numa reavaliag&o, conse- guindo que ele seja devoto ardoroso de Cristo, mas sem um pingo de autoconsciéncia, Nenhuma autocons- ciéneia. Ele pode tornar-se um grande chato; conside- rar-se um santo. Minha intengdo nao € difamar S40 Francisco Xa- vier, que provavelmente foi um grande santo, mas 32 ETT era um homem dificil de se conviver. Ele era um chefe desprezivel mesmo! Faca uma pesquisa. Indcio sempre tinha que intervir para consertar © que esse bondoso homem fazia por intolerdncia, B preciso ser bem intolerante para se alcangar o que ele conseguiu. “Em frente, pessoal, nao parem — nfo im- porta quantos corpos caiam pelo caminho.” Alguns criticos de Sao Francisco Xavier dizem exatamente isso, Ele demitia os homens, e esses, pot sua vez, recorriam a Infcio, que dizia: “Venham até Roma e conyersaremos @ respeito”. E Inécio os readmitia as escondidas. Qual o grau de autoconsciéncia nessa situacdo? Quem somos nés para julgar? Néo estou dizendo que nfo haja uma motivagio pura. Estou dizendo que tudo o que fazemos € por nosso interesse proprio. Tudo. Quando fazemos algo por amor a Cristo, € egois- mo? Sim. Quando yocé faz algo por amor a qualquer pessoa, é por egoismo. Vou explicar 0 porqué. Vamos supor que yocé more em Phoenix e ali- mente mais de quinhentas criangas por dia, Vocé se sente bem fazendo isso? Bem, question porque ds vezes voce pode se sentir mal mesmo. E é por isso que ha pessoas que fazem coisas para nfo terem que carregar um sentimento ruim. B chamam isso de caridade. Elas agem sem sentimento de culpa. Isso nao ¢ amor. Mas agradeca a Deus, voce faz coisas para as pes- soas e é agraddyel. Que maravilhoso! Vocé é um indivi- duo saudével porque é egofsta, Isso saudavel. 33 Deixe-me resumir 0 que eu dizia sobre caridade sem interesse. Eu disse que hé dois tipos'de egofsmo; talvez seja melhor eu dizer trés. O primeiro, quando cu fago alguma coisa, ou melhor, quando me dou o prazer de agradar a mim mesmo; o segundo, quando me dou o prazer de agradar aos outros. Nao se orgulhe disso, Nao vd pensando que é uma grande pessoa, Na verdade vocé é uma pessoa muito comum, mas tem gostos refinados. Vocé tem bom gosto, mas 0 mesmo no acontece com sua espiritualidade. Quando crianga, vood gostava de Coca-Cola; agora, adulto, vocé aprecia uma cerveja gelada num dia quen- te, Vocé adoraya chocolate; agora, aprecia uma sin- fonia ou um poema. Seus gostos sio melhores. Voce continua sentindo prazer, s6 que agora 6 um prazer em agradar aos outros. Aqui entra o terceiro tipo, que eu considero 0 pior: quando voeé faz alguma coisa para nao carregar um sentimento ruim. Voc nao se sente bem ao fazé-lo; na verdade vocé até odeia. Esté se sacrificando por amor, mas est4 resmungando. Ah! como voc€ se conhece pouco se pensa que no age dessa forma. Se cu ganhasse um délar toda vez que fizesse algo que n&o gosto, estaria miliondrio agora. Vocé sabe como funciona. — Poderfamos conversar, padre? — Sim, vamos, entre! Eu nao quero conyersar com ele, detesto isso. Quero assistir aquele programa na televisio, mas como you dizer no? Nao tenho coragem. “Vamos, entre 34 Mas por outro lado fico pensando: “Oh, Deus, tenho que agiientar esse chato”. Nao me sinto bem conversando com ele, e nfo me faz bem dizer-lhe nfo, entio escolho o menor dos ma- les ¢ deixo-o entrar. Vou ficar feliz quando tudo ter- minar, e conseguirei até sorrir. Mas comeco a sesso: — Como vai? — Muito bem — diz ele. E fala sem parar. Comenta que gosta demais do semindrio, ¢ cu 14 pensando: “Ai, meu Deus, quando 6 que ele vai chegar ao ponto que interessa?” Finalmente cle chega, e eu, metaforicamente, atiro contra a parede: “Bem, qualquer idiota saberia resolver esse tipo de problema”. E 0 mando embora. “Ufal Consegui me livrar dele”, eu digo. E na manha seguinte, na hora do café (porque estou achando que fui rude), vou conversar com ele. — Como est a vida? — Otima — ele responde, — Sabe, aquilo que 0 senhor me disse ontem & noite ajudou muito, Podemos conversar depois do almogo? — Oh, Deus! Esse 6 0 pior tipo de caridade, quando vocé esta farendo algo para nao carregar um sentimento ruim. Vocé nio tem coragem de dizer que quer ficar sozinho. Vocé quer que as pessoas penser que yooe € um bom padre. Se vocé disser “Eu ndo gosto de magoar as pes- soas” sabe o que eu you dizer? “Pare de mentir! Eu nfo acredito em voce.” Nao acredito em individuo algum, que diga que nGo gosta de magoar as pessoas. Nés adoramos magoar, 35

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