You are on page 1of 7
HH) N° 87/2019 17 lea Bens no de uso - Dagao em Pagamento, extingao da divida, tratamento contébil, apropriagao dos eventuais ganhos de capitalporvenda “Tecnico Sumario: |- Contextualiza¢ao: Il- Apreciag¢ao e Conclusées: a) O recebimento de uma divida por meio de BNDU pode ser entendida como a efetiva liquidagao da divida do associado junto a Cooperativa?. b) O pardgrafo 2° da Resolugdo CMN 2.682/1999 diz que “o ganho eventualmente auferido por ocasiaio da renegociagéo deve ser apropriado 40 resultado quando do seu efetivo recebimento”. Para os casos de recebimento da divida por meio de BNDU, esse efetivo recebimento seria na liquidagdo da divida ou na venda do bem?: ©) O que podemos considerar como montante da divida, conforme disposto na Circular n° 909/1985, item b) II e III?. 4 O item 13 da Carta Circular n° 2.899/2000, nao é contraditério ao art. 9° da Resolugdo CMN 2.682/1999 quando diz que “considera-se valor contabil dos eréditos 0 valor da operagao na data de referéncia, computadas as receitas e encargos de qualquer natureza”? ¢) Caso 0 entendimento seja de que ndo & possivel o registro da receita total da apuracdo pelo recebimento do BNDU, quando ocorrer a sua venda por valor superior ao valor contabil, registrado conforme a Carta Circular n° 2.899/2000, essa receita seria considerada ato cooperativo? Lembrando que atualmente o valor de venda superior ao laudo de avaliagéo é classificado como ganho de capital. ee } Parecer Técnico 87/2019 |-—Contextualizagdo Para uma instituigdo finaneeira, so considerados bens nao de uso proprio (BNDU) os valores tangiveis nio destinados a uso que integram seu Ativo Circulante (grupo Outros Valores ¢ Bens) e nao se sujeitam a depreciagao ou reavaliagdo, A maior parte é constituida por dagao em pagamento, figura do Direito das obrigagdes que ocorre quando 0 credor aceita que o devedor (mutuario) dé fim a obrigagao que Ihe cabe pela substituigdo do objeto da prestagao, ou seja, 0 devedor realiza pagamento na forma de algo que nfo estava originalmente na obrigagao estabelecida, mas que extingue-a da mesma forma. 2. Em suma, so bens dados em garantia de operagdes de crédito nao performadas que trazem para a institui¢do financeira, por um lado, a possibilidade de recuperar recursos ndo pagos pelo mutudtio e, por outro, a obrigagdo de se desfazer desse bem, Antes, o art. 35 da Lei 4.595/64 definia que os iméveis assim recebidos deveriam ser vendidos no prazo de um ano, a contar do recebimento, prorrogavel até duas vezes, a critério do BCB. Atualmente, com a revogagao de referido artigo pela Lei 13.506, de 13 de novembro de 2017, passou a viger o § 2° do art. 3° dessa Leia seguir transcrito: § 2°E vedado as instituigdes financeiras: i) 1-adquirirbens iméveis nao destinados a0 préprio uso, exceto os recebidos em liquidagao de empréstimos de dificil ou duvidosa solugdo ou quando expressamente autorizadas pelo Banco Central do Brasil, observada a norma, editada pelo Conselho Monetario Nacional. (destacamos) 3. Assim, enquanto silente o CMN, ndo ha mais que se falar em prazo para venda de iméveis no de uso e, tampouco, solicitagdo de prorrogagio ao BCB (embora o COSIF 10.2.8 ainda mantenha a redagdo de "esgotado o prazo legal ¢ eventuais prorrogagées" ou realizado leilio sem arremate, a instituigdo deve promover nova avaliagio). Podemos entender que 0 COSIF nfo foi atualizado no aguardo de eventual regulamentago do CMN. 4, Num outro prisma, tem chegado ao nosso conhecimento questionamentos quanto & apropriagao de juros de operago com atraso superior a 59 dias incorporado indevidamente ao valor do BNDU e contabilizago de bens sem considerar o menor dos valores entre a avaliagao eo saldo contabil. A partir desses apontamentos, abordaremos os seguintes questionamentos voltados para a contabilizagdo de bens recebidos em dagao de pagamento: 2) O recebimento de uma divida por meio de BNDU pode ser entendida como a efetiva liquidagdo da divida do associado junto & Cooperativa? b) O parigrafo 2° da Resolugdo CMN 2.682/1999 diz que “o ganko eventualmente auferido por ocasido da renegociagdo deve ser apropriado ao resultado quando do seu efetivo recebimento” Para os casos de recebimento da divida por meio de BNDU, esse efetivo recebimento seria na liquidagao da divida ouna venda do bem? ©) O que podemos considerar como montante da divida, conforme disposto na Circular n° 909/1985, item) Ile III? a Parecer Técnico 87/2019 2 4) O item 13 da Carta Circular n’ 2.899/2000, néo & contraditério ao art. 9° da Resolugaio CMN 2.682/1999 quando diz que “considera-se valor contabil dos créditos 0 valor da operacao na data de referéncia, computadas as receitas e encargos de qualquer natureza™”? ) Caso 0 entendimento seja de que ndo é possivel o registro da receita total da apuracao pelo recebimento do BNDU, quando ocorrer a sua venda por valor superior ao valor contabil, registrado conforme a Carta Circular 2.899/2000, essa receita seria considerada ato cooperative? Lembrando que atualmente o valor de venda superior ao laudo de avaliagao é classificado como ganho de capital. ee } Parecer Técnico 87/2019 3 ll-Apreciacgdo e Conclusdes 5. Em primeiro plano, ao apreciar a esséneia dos questionamentos, permitimo-nos anuir pela sua pertinéncia & luz dos procedimentos contébeis previstos para contabilizagio de operagdes da espécie. No primeiro caso porque, independentemente de se tratar ou no de apropriagdo de juros por atrasos superiores a 60 dias, nfo esté prevista alterago do saldo da conta Bens Nao de Uso Préprio por incorporagao de encargos. A rigor, conforme previsto no Cosif 10- 2-1, esses bens nem mesmo se sujeitam a depreciagdo ou reavaliagdo, sendo defeso, portanto, a existéncia de quaisquer outros encargos que nao sejam aqueles decorrentes da correspondente alienagdo. Admite-se, no extremo, apenas variagdo monetiria quando esgotado o prazo legal para a correspondente alienagio, desde que baseada em nova avaliagdo para apurar seu real valor de mercado, “com vistas a eventual constituigdo da provisdo correspondent” (Cosif 10-2-8). Entretanto, diante da revogagao do art, 35 da Lei 4,595/64, como dito acima, até mesmo essa providéncia, agora, fica na dependéncia de regulamentagdo por parte do Conselho Monetario Nacional. 6. Quanto ao segundo apontamento, a Circular 909/1985, item “b” e seus incisos If, Te TV, combinada com a Carta Circular 2.899/2000, item 12, inciso X, alineas “a” e “b”, deixam claro que se deve contabilizar o menor dos valores entre o montante da divida e o de avaliagdo dos bens Portanto, nao se ha de falar em qualquer outro procedimento que ndo seja a obediéncia desses comandos regulamentares. Feito esse predmbulo, passemos, agora, a analisar as demais questdes suscitadas: 4) O recebimento de uma divida por meio de BNDU pode ser entendida como a efetiva liquidagao da divida do associado junto a Cooperativa? 8 0 Cédigo Civil brasileiro instituido pela Lei 10.406/2002 prevé, em seu art. 356, que “o credor pode consentir em receber prestagdo diversa da que the é devida” e, logo no artigo subsequente, esclarece que, “determinado o prego da coisa dada em pagamento, as relagdes entre as partes regular-se-do pelas normas do contrato de compra e venda”. Assim, na leitura de renomados juristas, a dag&io em pagamento (do latim datio in solutum) representa ato em que o credor aceita que o devedor dé fim a obrigagao existente entre eles pela substituigdo do objeto da prestagdo, ou seja: o devedor realiza o pagamento na forma de algo que nao estava originalmente previsto, mas que, da mesma forma, extingue aobrigagao. 9. Assim, a dagdo é, sim, uma forma de extingdo da obrigagdo primaria que, no caso especifico, é representada pela substituigdo das prestagdes monetirias (dinheiro) previstas no contrato de empréstimo por imével nao destinado a uso (rem pro pecuni, em latim), passando a ser regulado por contrato de compra ¢ venda, sem prejuizo das demais condigGes pertinentes & aquisigo de imével e cuja propriedade sera transferida para a instituigdo financeira. Nao sem propésito, portanto, o fato de as normas contabeis estabelecerem que, na hipétese de recebimento de bens em dago de pagamento, além da avaliago por peritos especializados, “a documentagao deve incluir elementos que certifiquem a posse eo dominio do bem” (Cosif 10-2-S alinea“b”) el ee } Parecer Técnico 87/2019 4 ») Opardigrafo 2°da Resolugdo CMN 2.682/1999 diz que “o ganho eventualmente auferido por ocasido da renegociagdo deve ser apropriado ao resultado quando do seu efetivo recebimento”. Para os casos de recebimento da divida por meio de BNDU, esse efetivo recebimento seria na liquidagao da divida ou na venda do bem? 10. E importante atentar para o fato de que os principios legais antes descritos determinam que a dagdo em pagamento ndo deve ser confundida como renegociagdo de dividas, porquanto esta ndo extingue a obrigagdo primaria e aquela sim. A rigor, a renegociagdo é similar aquilo que os juristas chamam de datio pro solvendo, porquanto apenas facilita o cumprimento da obrigagdo, mas no a extingue. 11. Nessas circunstincias, julga-se adequado 0 principio defendido pelo parigrafo 2° do artigo 8° da Resolugao 2.682/1999 apenas no caso de renegociagSes em que a divida original somente sera extinta caso haja o pagamento da nova, Quando se trata de datio in solutum, no entanto, a incorporagdo de ganhos eventualmente auferidos em face do montante da divida atualizado sera objeto de reconhecimento, respeitados, porém, os limites determinados entre 0 valor da avaliagao dos bens ea divida atualizada. 12. De forma mais explicita: caso a avaliacio dos bens seja superior ao montante da divida atualizado, esses ganhos serdo naturalmente reconhecidos. Caso contririo, deve-se ajustar a diferenga a débito da respectiva proviso ou, caso esta ndo seja suficiente, promover débito em DESPESAS DE PROVISOFS OPERACIONAIS, na forma do item 12, inciso XT, da Carta Circular2.899/2000. ©) O que podemos considerar como montante da divida, conforme disposto na Circular n° 909/1985, item b) Ie III? 13. Oconceito de montante da divida pode ser entendido, por similitude, ao preceito de valor contabil dos créditos, explicitado no item 13 da Carta Circular 2.899/2000 como “o valor da operagéio na data de referéncia, computadas as receitas e encargos de qualquer natureza”, desde que, por dbvio, estejam previstas contratualmente, 14, Cabe aqui ratificar duas conclusdes exaradas no item anterior: (i) 0 fato de que a ressalva ao final daquele item da Carta Circular 2.899/2000 sobre o art. 9° da Resolugao 2.682/1999 nao se aplica 4 dagdo em pagamento; ¢ (ii) a necessidade de débito em provisio ou em DESPESAS DE PROVISOES OPERACIONAIS na hipétese em que o valor de avaliagao do bem seja inferior ao ‘montante da divida. d) Oitem 13 da Carta Circular n° 2.899/2000, nao é contraditério ao art. 9°da Resolu¢ao CMN 2.682/1999 quando diz que “considera-se valor contébil dos créditos o valor da operacio na data de referéncia, computadas as receitas e encargos de qualquer natureza”? 15. Diante das circunstancias aqui esclarecidas, nao vislumbramos contfito entre os referidos comandos. Lembremos que o item 13 da Carta Circular 2.899/2000 ressalva, ao seu final, exatamente 0 disposto no art, 9° da Resolugo 2.682/1999. Ha uma razao explicita para isto: 0 fato de que a renegociaco nao extingue a obrigagao principal e, portanto, seria temerario admitir ganhos em operagdes de duvidosa liquidag4o, O mesmo, porém, ndo ocorre na hipétese de dagao em pagamento que, como visto, extingue a obrigagao principal. el ee } Parecer Técnico 87/2019 5 ¢) Caso o entendimento seja de que néo é possivel o registro da receita total da apuracdo pelo recebimento do BNDU, quando ocorrer a sua venda por valor superior ao valor contébil, registrado conforme a Carta Circular n° 2.899/2000, essa receita seria considerada ato cooperativo? Lembrando que atualmente o valor de venda superior ao laudo de avaliagao & classificado como ganho de capital. 16. Como visto, ¢ possivel, sim, reconhecer a receita total no caso de dagdo em pagamento, respeitados, naturalmente, os limites decorrentes do critério de contabilizagao pelo menor prego entre o valor de avaliagao do bem e o do montante da divida. Assim, a divida agora se restringe ao tratamento a ser dado a eventuais ganhos de capital oriundos da venda do bem por valor superior a0 contabil. Eis o ceme da questo: seria esse ganho ato cooperativo ou no? 17. Osatos cooperativos, definidos no art, 79 da Lei 5.764/1971 como aqueles “praticados entre cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para consecugao dos objetivos sociais”,j4 nao possuem, hoje em dia, unanimidade de entendimento judicial quanto a literalidade na interpretagio desse artigo. Ha uma tendéneia cada vez mais latente de se reconhecer referidos atos a partir da essencialidade das operagdes para que as cooperativas cumpram seu objeto social. 18. Sem aprofundar razes, extraimos nesse mister exemplo obtido na deciso da segunda turma do Superior Tribunal de Justiga (STJ), publicada em 8 de outubro de 2009, que, provocada pelo inconformismo da Cooperativa de Crédito Vale do Itajai (Viacredi) de Santa Catarina acerca de interpretago da Receita Federal de que os rendimentos de aplicagdes de liquidez de cooperativas de crédito no mercado financeiro scriam atos nao cooperatives ¢, portanto, sujeitos 4 incidéncia de imposto de renda, adotou o entendimento de que essas aplicagdes, quando feitas por cooperativas de crédito, configuram ato cooperative, nao se permitindo, assim, a aplicagaio do teor da stimula 262 do proprio STJ, publicada em 7 de maio de 2002. 19. Além do mais, no caso especifico dos ganhos de capital decorrentes da venda de bem superior ao valor contabil em cooperativas de erédito, além de se referir a operagdo essencial e normativamente prevista, sem a qual minguaria uma das principais medidas destinadas & recuperagdo de crédito, ndo hi como dissociar que sua origem decorreu de uma operagio tipica de ato cooperativo (empréstimo a cooperado). A propésito, trazemos a baila tese defendida pelo doutor Francisco José Rezende dos Santos, entao Presidente da Associacao dos Serventudrios da Justiga de Minas Gerais, que em seu trabalho “A Dago em Pagamento 0 Novo Cédigo Civil” assim resumiu o tema: “A dacdo em pagamento € uma forma de cumprimento de uma obrigagao anteriormente assumida ¢ ocorre quando é feito um acordo expresso entre credor e devedor, com vistas i substituigio da coisa objeto do contrato. Adagio empagamento ndo ¢, assim, um contrato auténomo, mas vincula-se auma outra obrigacdo anteriormente contratada, e os seus efeitos poderdo atingir com violénciaa obrigacdo primitiva”. 20. Portanto, mesmo que a dagdo liquide a divida original, conforme aqui jé exposto, temos razées de sobra para defender que ela esta umbilicalmente ligada a uma outra obrigagao anteriormente contratada e, portanto, carreia para si as prerrogativas daquela operagdo original, nfo se Ihe outorgando o direito de modificé-la. Trata-se, assim, de ato cooperativo perfeito & luz de nosso ordenamento juridico, i Parecer Técnico 87/2019 6 21. Ainda assim, nunca é demais registrar que no meio tributario brasileiro, muitas vezes, a Receita Federal traduz.interpretagdes ao sabor de suas necessidades, mas que, a rigor, ndo condizem com arealidade juridica, Por isto, entendemos que, na remota chance de interpretagdes administrativas fora desse contexto, ha grande probabilidade de ganho de causa nos tribunais competentes em defesa até da seguranga juridica. Esteo nosso parecer. Brasilia (DF), 19 dejulho de 2019. Apefardo Duarte de Melo Sobrinho ics Soares

You might also like