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cpp. Indices para catdloge sistomético: L.Pesquisa 0014 Pedro Demo PESQUISA principio cientifico e educativo 14* edigéo IF relmpressio reon00eH0 Si ° Introdugéo A ideia é fundamentar proposta de teoria e pratica da pesquisa que ultrapasse os muros da academia e da sofisti- cago instrumental, f possfvel desenhar oaleance alternativo da pesquisa, que a tome como base nio somente das cientificas, mas também do processo de formagio educativa, © que permitiria introduzir a pesquisa j& na escola basica, a partir do pré-escolar e considerar atividade humana proces- sual pela vida afora, Essa pretensiio supde que se desmitifique a pesquisa, para nao encerré-la em sofisticagées operdveis apenas por castas superiorese raras. Nos espacos onde aparece, de modo geral, é cultivada como atividade menos presente que o en- sino, por exemplo, mas sobretudo existe a tendéncia a reser- vé-la para entes especiais, De um lado, pode-se tentar coti- dianizar a pesquisa, como processo normal de formagao hist6rica das pessoas e grupos, & medida que significar tam- bém condigio de dominio da realidade que nos circunda. De outro, a pesquisa poderia reintroduzir a adequagéo entre dispensando o recurso artificial ao conceito extrinseco de “extenso” inventado para trazer de volta uma universidade que fugiu da realidade concreta. Pode-se colo- 0 eoRO eo car conceito de pesquisa que evite, de partida, a fuga da universidade para o mundo da Lua. Faz parte dessa rota alternativa a expectativa de formagio de novos mestres, desde que pesquisar coincida com criar e 1: A formacio cientifica torna-se também formacdo , quando se funda no esforgo sistemético e inven- tivo de elaboracdo prépria, através da qual se constréi um projeto de emancipacao social e se dialoga criticamente com a realidade. Predomina entre nds a atitude do imitador, que copia, reproduz e faz prova. Deveria impor-se a atitude de aprender pela elaboragio propria, substituindo a cutiosidade de escutar pela de produzix. Esse desafio, entretanto, nfo pode ser algo reservado a super-homens. A pesquisa sofisticada cabe como um dos ntveis de sua realizagao, mas nao pode exclusi curiosidade criativa, por exemplo, encontra espaco insisten- te de cultivo na academia, mas é possfvel na escola basica e como posicionamento normal na vida. Pesquisa pode signi- ficar condigéo de consciéncia critica e cabe como componen- . Para nao ser to critico, tomando-a paleo de possivel construgéo mativa. Ai, jé nao se trata de copiar a realidade, mas de reconstruf-la conforme os nossos intere: rangas. £ preciso construir a nect niio receitas que tendem a destruir 0 desafio de construgao. Essa proposta supde nossos trabalhos anteriores em ia e critica da ciéncia, em particular a postura da cigncias sociais (Demo, 1989, 1985a e 1988a). Sa » Pesquisar — O que é? |, Desmitificando o conceito processo de pesquisa esté quase sempre cercado de ritos especiais, cujo acesso é reservado a poucos ihiminados. Fazem parte desses ritos especiais certa trajet6ria académica, dominio de sofisticagdes técnicas, sobretudo de manejo esta- tistico e informatico, mas principalmente o destaque privile- giado no espago acadlémico: enquanto alguns somente pes- quisam, a maioria dé aulas, atende alunos, administra. Para tanto, estuda-semetodologia, em particular técnicas de pesquisa, que ensinam como gerar, manusear e consumir dados, em contato com a realidade. A seguir, absorvem-se sofisticagées técnicas, a exemplo do pesquisador americano, perito em projegdes, indices e taxas, Por fim, isso permite associar-se a pequeno grupo acima da média, que, além de perfazer a nata académica, também tende a exclusivizar acesso a recursos, Surgem “patotas” autodefensivas, para evitar aulas e alunos, dispor do maior tempo possivel para investiger, cultivar destaque profissional, garantir acesso a financiamento, a reono Mo E preciso reconhecer que a formacao sofisticada do pes- quisador nfo é mal em si. Ao contrério, faz parte da cena, sempre. Em meio a ciéncias sociais muito teorizantes, fazem bem exigéncias especificas de tratamento empirico da reali- dade, tomando-se como aceitavel aquilo que tem comprovs gio factual. E comum, por exemplo, entre educadores norancia em termos de manuseio de dados e finances, imaginando-se que a “dialética” compensa facilmente tais lacunas. Ledo engano. Uma coisa nao substitui a outra. Certamente, esse pesquisador “americano”, além de mutitas vezes decair na banalizagao imitativa coloni propende a disseminar uma visio curta de processo cientit co, atrelado ao empirismo e a0 positivismo, fazendo sucum- bir apuros técnicos a ingentiidades oua dubiedades politicas. Esta critica foi fartamente realizada pela pesquisa partici Facilmente acontece que investimentos em pesquisa desse teor néo conseguem ir além de acumular alguns perfis esta- tisticos, irelevantes no contexto histérico, o que tem contri- bufdo para dissociar sempre mais 0 proceso de saber do processo de mudar, © que mais se sabe é como co dlangas (Brando, 1982 e 1984; Demo, 1984). Todavia, 4 pesquisa do exclusivismo sofisticado nao pode levé-la ao exclu- sivismo oposto da banalizacio cotidiana magica. A desmitificagao mais fundamental, porém, esté na cxf- fica & sepatacao artificial entre ensino e pesquisa. Tomada como marca definitiva da nossa realidade eduucativa e cien- tifica, muitos estdo dispostos a aceitar universidades que apenas ensinam, como 60 caso tipico de instituigdes noturnas, nas quais os alunos comparecem somente para aprender ¢ passat, e 0s professores, quase toclos biscateiros de tempo parcial, somente dao aula. E comum o professor que apenas ensina, em especial o de 1” 2° graus: estuda uma vezna vida, neooetictio 8 esqushprneo amealha certo lote de conhecimentos e, a seguir, transmite aos alunos, dentro da didatica reprodutiva e cada dia m: desatualizada, Entretanto, essa imagem é parte constitutiva predominante, mesmo avassaladora, da universidade: a grande maioria dos professores s6 ensina, seja porque néo domina sofisticagées técnicas da pesquisa, mas sobretudo porque admite a cisio como algo dado. Fez “opgio” pelo ensino, e passa a vida contando aos alunos o que aprendew de outrem, imitando e reproduzindo subsidiariamente. No oposto esta a soberba do pesquisador exclusivo, que j6 considera ensino como atividade menor: Esta dicotomia Saber desliga-se dle mudar, o que pode acarretar para a atividade de pesquisa estigmas muito preocupantes, tais como (Demo, jul. 1987 neutralidade farsante, comodista e ) contradigao flagrante entre discurso. radical, ¢ 0 desvinculamento da p ©) fungao de “bobo da cor to, sobretudo 0 eritico, na prética a estratégias de controle e desmobilizagio s 4) apropriagéo do saber, que passa sobretudo amanobra de acesso ao poder, afastando-se da fungao de trans- missio socializada; ©) favorecimento da alienagdo académica no sentido de idades to especulativas, que nunca se sabe bem para que servem na pratica, principalmente no coti- diano das pessoas e da sociedade, “ Foro oto s ciéncias sociais tratam da praxis histérica, do seu presente, passado e futuro. Teorizar sobre ela é fundamental, mas seria prética inaudita permanecer apenas na teoria, Pes- quisar somente para saber jf seria proposta alienante, porque desencarna a pesquisa da sua face inserida na realidade his- t6rica, reduzindo-a ao esforgo de sistematizacio de ideias e de especulagio dedutiva, Saber est4 marcadamente ligado a interesses sociais, definidos aqui como contraposigies dialéti- cas, Até mesmo acumular saber para cultivar a ignoréncia é possivel e nao raro sintomético, Muitos ditiam que na tele- visao se faz isso com incrivel competéncia: usam-se técnicas de comunicacéo para cultivar o analfabetismo politico. © pesquisador é fendmeno polttico, que, na pesquisa, o traduz sobretudo pelos interesses que mobilizam 05 confrontos e pelos interesses aos quais serve. De onde segue: pesquisa é sempre também fenémeno polt- tico, por mais que seja dotada de sofi mascare de neutra. Nao se reduz a fendmeno politico, mas nunea o desfaz de todo. Por isso vale dizer: sabemos mais 0 que interessa. O que explica, em parte, por que conhecemos muito mais como nao mudar, jé que a produgao de conheci- mentosesté nas aos dos privilegiados. O desconforto pode ser gritante, quando se descobre, por exemplo, que a pesqui- sa social sobre pobreza cresceu muito, mas nada tem a ver com a sua debelacdo. E dificil, talyez imposstvel, estabelecer uma correlagdo positiva entre o conhecimento da pobreza e © seu enfrentamento pratico, embora nao fosse impréprio constatar o inverso (Habermas, 1982), a hé de significar também al na préticn, para além de todas as possiveis virtudes te6ricas, em particular da sua conexéo necesséria com a socializagéo do conhecimento. antfcoeetuatva 6 ‘Quem ensina carece pesquisar; quem pesquisa carece ensinar, Professor que apenas ensina jamais 0 foi. Pesquisador que s6 pesquisa ¢ elitista explorador, privilegiado e acomodado. Prova visfvel da dicotomia artificial esté no conceito de extensio, inventado precisamente porque a universidade tende a fugir da realidade conereta circundante. Embora extensdo possa conter propriedades sustentaveis em si mes- mas, de modo geral significa 0 arremedo empobrecido de vida académica alienada. Esta invengo americana corres- ponde sobretudo ao miituo desconhecimento entre quem pesquisa e quem ensina. Na Europa, dificilmente aparece a fungio de extensio, pela razo simples de que a atividade primeira da universidade é pesquisar, em sentido produtivo e construtivo, decidindo-se af a origem basica do conceito de professor. Professor é quem, tendo conquistado espago académico proprio através da producao, tem condigéese bagagem para transmitir via ensino. Nao se atribui a fungao de professor a alguém que néo ¢ basicamente pesquisador. Em vista disso, © termo professor é reservado para nivel especifico de ama- durecimento académico, geralmente o catedratico, o titular, feria demonstrado capacidade de criacao cientifica . Outras figuras fazem parte da cena: docentes, assis- itores, monitores etc,, mas que nao se dizem profes- locampo do 1° e 2° graus nao hé obviamente “profes- sores”, mas “instrutores” (Lehrer, na Alemanha; teacher, na Inglaterra), "mestres” (mm A postura europeia tem o defeito de elitizar em excesso a pesquisa, se partitmos de que deve fecundar todos os niveis do saber, mas tem de correto a recusa de desvincular ensino de pesquisa. Por outra, pela via da pesquisa nao se garante sem mais a presenga da pratica social adequada, o que reco- % FeoRO DEMO loca a viabilidade da extensio, Todavia, é possivel elaborar uma proposta de pesquisa que dispense a muleta da extensio, se for apenas muleta. Quando pratica se reduz a “es! aextensio é necesséria, Se, porém, a prética for curricular, jé 6 extensdo. Dito isso, cabe explicitar que o nosso posicionamento compreende a pesquisa no s6 como busca de conhecimento, mas igualmente como atitude politica, sem redus embaralhamento, num todos6 dialético. Ai cabe a sofisticacao técnica, como cabe o seu cultivo especificamente académico, desde quendo desvinculado do ensino eda pratica, Mas deve caber ainda a sua cotidianizagio, no espaco politico de instru- mento de acesso ao poder, a niveis criticos da consciéncia social, a dominio tecnolégico diante do dado social e natural, vestigacio diante do desconhecido e dos limites que a natu- reza e a sociedade nos impéem. Faz parte de toda pratica, para nao ser ativista e fandtica. Faz parte do processo de formagio, como instrumento essencial para a emancipacio. Nao 86 para ter, sobretudlo para ser, é mister saber. O conhecimento gerado na academia é diferente do conhecimento comum, mas seria incompativel soberba nfo reconhecer neste também “saber”. O analfabeto “nao sabe” frente a critérios do culto, mas em seu universo gera niveis proprios do saber, que por vezes nao precisam ser menos criticos. Sem recair jamais no elogio da ignorancia — até porque seria coisa de esperto — cabe reconhecer que conhe- cimento é processo diério, como a propria educagio, que néio ‘omega nem acaba. Diante da nossa ignorancia e dos nossos limites, h4 sempre 0 que conhecer, sobretudo conhecer faz, parte do conceito de vida criativa, Para criar, em especial para se emancipar, é mister informagao competente. sia remaes FesqUishepnce deen eedusvo ” Pesquisa processo que deve aparecer em todo trajeto educativo, como prinefpio eduucativo que 6, na base de qualquer proposta emancipatoria. Se educar é sobretudo motivar a ctiatividade do proprio educando, para que surja 0 novo mestre, jamais 0 discfpulo, a atitude de pesquisa é parte in- ‘trinseca, Pesquisar toma ai contornos muito proprios e desa- fiadores, a comegar pelo reconhecimento de que o melhor saber é aquele que sabe superat-se, O caminho emancipaté- rio nao pode vir de fora, imposto ou doado, mas seré con- quista de dentro, construgéo prépria, para o que é mister langar mao de todos os instrumentos de apoio: professor, material didético, equipamentos fisicos, informagio. Mas, no fando, ou é conquista, ou é domesticagéo. Desmitificar a pesquisa hé de significar, entdo, a supera- to de condigdes atuais da reprodugto do discfpulo, comandadas por tim professor que nunca ultrapassou a condicéodealuno. O novo mestre nao apenas o magnata da ciéncia, o genio incomparavel, o metodélogo virtuoso, mas todo cidado que ‘a sua emancipacéo, para nao permanecer na condigao de objeto das presses alheias. Algo cotidiano, pois, como deve ser cotidiana a emancipagao, o projeto proprio de ser sujeito na hist6ria, Nada é mais degradante na academia do que a cunhagem do disefpulo, domesticado para ouvir, copiar, fazer provas e sobretudo “colar”, Marca o discfpulo a atitude de objeto, incapaz ou incapacitado de ter ideias e ptojetos proprios. Mais degradante ainda ¢ o professor que nunca foi além da posigio de discipulo, porque nao sabe elaborar ciéncia com as préprias mos. Como caricatura parasi- téria que 6, reproduz isso no aluno. Por outra, criar nao ¢ retirar do nada. Embora seja sem- pre preferfvel a criacdo claramente inspirada e inovadora, na expectativa cotidiana no é possfvel fazer regta do extraor- ® ono 040 dindrio, Precisamos reconhecer, no realismo do dia a dia que marca e limita pessoas e sociedades, que criar 60 processo de digestto propria, pelo menos a impressio de colorido pes- soal em algo retirado de outrem. Mesmo porque, de modo geral, assim comeca a criagéo: pela cépia retocada, Com o tempo, emergem condigées mais profundas de inovagio, que no caem do céu por descuido, mas séo construfdas na his- t6ria de vida, em proceso de infindAvel conquista, Vale, entao, rever o conceito de aprendizagem, telaciona- do ao de ensinar, sempre restritos os dois a posigées receptivo- domesticadoras. Educagéo aparece decafda na condicao de instrugao, informacao, reprodugio, quando deveria aparecer como ambiéncia de instrumentacao criativa, em contexto emancipatério. O que conta trumentos essenciais da criagio é a pesquisa. Nisto valor também ediucativo, para além da descoberta cientifica, 2.Horizontes miiltiplos da pesquisa Compreendida como capacidade de elaboragto prépria, a pesquisa condensa-se numa multiplicidade de horizontes no contexto cientifico (Demo, 1985b). £ comum prendé-la a sua construgao empirica. O pesquisador aparece exclusivizado na condigao de manipulador competente de dados factuais, nas ciéncias sociais, “Levantamento empirico” é seu conted- do mais tipico, geralmente tinico. Por outra, nao se pode desconhecer que essa diregio foi muito impulsionada, rece- bendo atualmente forte instrumentaggo por parte da infor- mitica computacional. A acumulagéo da pesquisa também passa quase exclusivamente pela montagem de conhecimen- to empftico valicdado, rio cents ‘Todavia, a pesquisa empfrica é apenas um horizonte dela, que, se exclusivizado, j4 denota desvirtuamento tipico do conceito de pesquisa. O primeiro reconhecimento é que nao se pode fazer levantamento empirico sem o concurso dos outros horizontes, aqui subsumidos em teoria, método e pratica, O segundo serd ressaltar a importncia dessa miitua fecundagao, seja para nfo ficarmos apenas na permuta de extremos, seja para nao enclausurarmos a criatividade em vias tinicas contradit6rias, seja para recuperarmos proprie~ dades das ciéncias sociais que jamais deverfamos reduzir a parametros das ciéncias naturais, por mais que haja eviden- te espago comum. Mesmo quando colocamos o desafio correto de que a pesquisa é descoberta da realidade, trata-se de um conceito estreito de realidade, se a restringirmos a sua manifestacao empitica. A tendéncia de reduzir A sua expresso empirica é facilmente compreenstvel, porque é a mais mani diante da expectativa metodolégica dominante. E tanto mais tratével cientificamente aquilo que é mensurével, experimen tavel, observavel. Para muitos pode parecer esiranho rejeitar que seja real apenas o que se “vé", Esta colocagio tem grande significado, pois denota, desde logo, que nao seria “realista” prender a realidade a um tinico parmetro de pesquisa. Se soubéssemos com evidéncia inconteste o que é realidade, nao seria mais necesséitia a ciéncia. Neste sentido, ciéncia vive do desafio imorredouro de descobrir realidade que, sempre de novo, ao mesmo tempo se clescobre e se esconde, Possivelmente esta marca é comum também a realidade natural, mas é sobretu- do caracteristica da realidade soci e ‘O que se ve”, de modo geral, ndo 6, nem de longe, a parte principal e, na consequén- cia, o que esta nos dados muitas vezes é manifestagao secun- dria, ocasional, superficial. apa peo Tomando exemplo préximo, o fenémeno do poder s6 pode ser captado de modo realista, se de partida nao acredi- tarmos em sua manifestacio externa, que sempre usa para se mascarar. Poder realmente importante, efetivo, 6 aquele que sabe esconder-se, precisamente para mandar sem ser perce- Dido. Por vezes usamos 0 conceito de “informal”, para deno- tar aquele poder que age por trés dos bastidores, exatamen- te para determinar com mais forga, Nao se conhece adequacamente o fendmeno do poder, se ficarmos na apa- réncia empitica, até porque uma das faces mais tipicas da ideologia é dissimulas, mascarar, esconder (Foucault, 1979), Sobretudo, faz parte do “empirismo” a demissio tebrica, segundo a qual se reduz 0 que é mais importante ao que é mais empirico, sacrificando a realidacle ao método de capta- 0. Se isto for correto, a pesquisa coloca outro desafio: des- fazer a aparéncia vistvel, observével, para surpreender a realidade por trés disso. O pesquisador nao somente 6 quem sabe acumular dados mensurados, mas sobretudo quem nunca desiste de questionar a realidade, sabendo que qual- quer conhecimento 6 apenas recor Assim, ominimo que podemos dizer é que ha horizon- tes nao empiricos, que fazem parte da realidade. fi funda- mental quea ciéncia os capte, principalmente é essencial que nao reduza a realidade ao tamanho do que consegue captan. Esta critica, entre outras, motivou o surgimento de metodo- logias altemnativas, ditas por vezes qualitativas, que, sem dicotomizar quantidade e qualidade, pretendem trazera cena da pesquisa a preocupacio com realidade inesgotavel no ‘mensurdvel. Parte do processo emancipatério é tipicamente qualitatiyo, no sentido da qualidade politica, feita de utopias © esperancas, ideologias e compromissos, influéncias e artes, Participacio e democracia, Nao cabe mensurar. Nem por isso, € menos importante. partida, é mister ressaltar que ao lado da preocupacio deve haver preocupagio teérica. “Pesquisa tebrica je parecer algo estranho, mas, olhando bem as coisas, é ispensével, como formulagio de quadros explicativos de éncia, burilamento conceitual, dominio de alternativas vas na histdria da ciéncia, capacidade de criagio -a. A diferega do “teoricismo", que faz comegar pelo desafio de de! De acorelo com os quadros tebricos de referencia, o real pode variay inclusive apresentar-se contraditorio. Pata co- Iegat, todo dado empftico nko fala por si, mas pela “boca de uma teoria, Se fosse evidente em si, produziria a mesma andlise sempre. Na pritica, sucede exatamente 0 oposto: dependendo do quadro teérico de referéncia, o mesmo dado passa a “evidenciar” conclusSes muito diversas, o que leva a aceitar que nos dados do IBGE, por exemplo, nao esté “0 Brasil, mas o Brasil do IBGE, assim como nos dados do Die~ ese esta o Brasil do ponto de vista dos trabalhadores. Algo semelhante se deve dizer de indices e taxas, que supdem definigao te6rica prévia do que se vai captar e medi. Uma taxa de inflagio nao acusa “a” inflacio como tal, mas aquela inflagéo que a respectiva taxa foi teoricamente predetermi- nada a medis, Esta questo parece clara quando se tenta de- cidir que componentes fazem parte da inflagdo, que itens do consumo deveriam entrar na coleta de precos, que peso atri- buir no cOmputo global a cada item, Por mais que as taxas possam assemelhar-se, porque as téenicas de coleta so mais ou menos as mesmas, ¢ por mais que as concepgbes de rea- lidade possam aproximaz-seentre si, ha sempre lastro proprio de definicéo e sobretudo de interpretacao analitica. Assim, 2 20H Evo uma taxa nao “evidenci: veis, dentro do recorte apenas indica relevéincias possi. ‘no real, Arrealidade que se quer captar é a mesma para todos, ‘mas para captar é preciso concep¢ao teérica dela, que pode ser diferente em todos, dependendo do que se define por lencia, por método, ou do ponto de partida e do ponto de vista, ou da ideologia subjacente, ou de circunstancias sociais condicionantes ou condicionadas por interesses histéricos dominantes, Senuma teoria nunca esta inclusa a realidade toda, mas ‘80 somente a maneira de a conceber, muito menos seria Pensvel encerrar em manifestagSes empiticas. A importan- cla da hermenéutica esté precisamente no reconhecimento dé que a interpretacio ¢ inevitével. A realidade como tal nao } depende da interpretag&o para existit: existe com ou sem © intétprete, Mas a realidade conhecida 6 inevitavelmente aquela interpretada. Caso contréio, seria ininteligtvel a dis- puta tedrica entre quadros interpretativos diferentes e mesmo Contraditérios. O dado € muito mais resultado teérico, do que achado, pois, para “achar”, é mister antes “decidir” que achar ¢ como achar (Kuhn, 1975), Ahermentutica é a arte de descobrir a entrel além das linhas, 0 contexto para além do texto, a significacéo para além da palavra. Concretamente, enfrenta os desafios do mistério da comunicagio humana, que nunca é 56 0 que aparenta: como descobrir que o comunicador, ao dizer sim, queria dizer nfo, ao sair da cena, queria sobretudo estar pre- sente e ao calar-se, queria precisamente fazer-se notado, Afesté a importancia da teoria, que é a retaguarda cria- tiva do intérprete inspirado. Dominio te6rico significa a Construcao, via pesquisa, da capacidade de relacionat alter- iseenepocerte east nativas explicativas, de conhecer seus vazios e virtudes, sua st6ria, sua consisténcia, sua potencialidade, de cultivar a dialogal construtiva, deespecular chances possfveis de caminhos outros ainda nao devassados. O "bom tebri assim, nao é aquele que se perde nos meandlros sinuosos da elucubragio infindavel, ao Jonge sempre incompreensivel Porque nada tem a comunicar de prético e aproveitével, mas aquele que insiste na estringéncia conceitual, sabe perseguir andlises ¢ interpretagies, conhece caminhos diferentes ce tentativa explicativa, guarda vivo senso critico dos vazios de toda e qualquer teoria, retorna & teoria no contexto de qual- quer prética, toma a explicagio como desafio sempre a ser recomecado, aceita todo ponto de chegada como inevitével ptéximo ponto de partida. © bom te6rico 6 sobretudo aque- le que sabe bem perguntar, colocanclo a teoria no devido lugar: instrumentagio criativa diante de realidade sempre furtiva, Quem dispde de boa te inte do dado sabe interpretar, ou pelo menos sabe propor pistas de interpretacao possivel, Faz parte, assim, da pesquisa teGrica: a) conhecer a fundo quadros de referéncia alternativos, cléssicos e modermos, ou os te6ricos relevantes; b) atualizar-sena polémica teérica, sem modismos, para abastecer-se e desinstalar-se; ©) elaborar com preciso conceitual, atribuindo signifi- cadlo estrito aos termos bésicos de cada teoria; 4) aceitar 0 desafio criativo de prepora realidade a fixa- 40 tedrica, para que a prética nao se reduza a “pré- tica te6rica”, e para que a teoria se mantenha em seu devido lugar, como instrumentacéo interpretativa e condigao de criatividade; Feoroceuo ¢) investir na consciéncia exitica, que se alimenta de alternativas explicativas, do vaivém entre teoria e pratica, dos limites de cada teoria, Asseguir, é importante ressaltar a preocupagio metodolé- sien, “Pesquisa metodolégica” pode parecer algo ainda mais estranho, porque predomina a expectativa de que método se aprende, no se cria, Sobretudo em estatfstca, a atitude tfpi- ca Gade estar diante de “pacote” que temos de engolit, Primeiro, é constatagao comum que toclo cientista cria- tivo e produtivo marcou sua presenga no mundo cien nio $6 pela teoria e por vezes pela prética, mas também Sempre pela discussio metodolégica. Preocupa-se com mé. todo, porque é sinal de competéncia, no minimo de bom nivel, Marx, Bscola de Frankfurt, Lévi-Strauss, Popper, todos sem excecio deixaram produgGes essenciais no campo do método, pois é imposstvel criar andlises ingpiradas sem dis: cutit 0 como fazer (Habermas 1981 ¢ 1989). ‘Teoria coloca a discussio sobre concepsées de realidade, Método coloca a discussdo sobre concepgées de ciéncia. Método é instrumen- ‘0, caminho, procedimento, e por isso nunca vem antes da concep¢aio de realiciade, Para se colocar como captar, ter-se ideia do que captar. émister Ainda, também é constatagéo comum que metodologia Clentifica é uma das matérias mais estratégices na formacéo acaclémica, sobretudo na dives da motivacao a pesquisa, Todo projeto sério de pesquisa contém em algum momento discussto do método, pelo menos no sentido barato de fases a serem seguidas, possiveis resultados colimados, autores due se pretende ler, interpreta, rebater, superar, A despreo- Supagdo metodolégica coincide com baixo nivel académico, Pols passa ao largo da discussio sobre modos de explicar, pa ceueoeeductio bstituindo-a por expectativas ingénuas de evidénci Nada fayorece mais o surgimento do discfpul dor” que a ignordncia metodolégica. Terceiro, ¢ preciso lembrar que a distingdo entre ciéncia «outros saberes estd no método, sobretuclo, Enquanto estes so taxados de senso comm, postura acrtica,eredulidade te, por vezes sem razio, ciéncia é assumida como ae mento met6dico, cuidadoso, testado, e se possivel verdadei- x0, Assim, 6 a metodologia que coloca mais propriamente a ica e seu dominio define na pra ou no cientista. Nesse sentido, pesquisa metodolégica é um dos hori- zontes estratégicos da pesquisa como tal, que nao se restri lecoran”estatistica com seus testes dridos, mas alcanca acapacidade de discutir criativamente caminhos alternatives para a ciéncia e mesmo de crié-los, Um exemplo recente a pesquisa participante, que, além de recolocar a ete i teoria e da prética, apresenta invectiva forte na linha ee fazer caminhos cientificos, o que indica pesquisa em sentido estrito Saul, 1988; Tivifios, 1987; Thollent, 1986). Sao essen polémicas metodolégicas como a disputa entre ped vismo e Dialética ou em tomno da proposta de ciéncia soc com base na comunidade comunicativa ideal Gebers 1989; Tempo Brasil, 1989; Rouanet, 1986; Siebeneichler, 1989; Demo, 1989). : Alguns tépicos da pesquisa metodolégica poderiam ser a) discussio critica das metodologias em uso: dialéticas, ismos, estruturalismos, empirismos, sistemis- mos; ») propostas de metodologias altemativas: pesquisa participante, avaliagéo qualitativa, hermenéutica; eono Deno ©) capacidade de aferir de uma teoria a concepgio cien- tifica subjacente, garimpando nas linhas e nas entre- linhas a postuta metodolégica; & capacidade de detectar 0 funclo ideol6gico das pro- dug6es cientificas,jé que sao condicionadas também mente, do que se pode inferir a concepsao de ciéncia e de método; ©) formaséo critica e emancipatéria de espaco cientifico proprio; 8 discussio do lugar da ciéncia na sociedade, que, como técnica, tem sido tatica de lucro e opressio (Luedke e André, 1986; Haguette, 1987; Demo, 1987), (© mais interessante é o questionamento criativo, cons- fante e processual da ptdpria ciéncia: seu lugar na sociedade, © que pode e ndo pode explicar, suas ideologias e mitos, ciéncia como mito modemo, para da insatisfacio retirar energia altemativa, A ciéncia mais criativa é aquela que se questiona, quando adquite ares de sabedoria, Embora todos busquem a mesma verdade, 0 que cada qual encontra 6 uma concepeio possivel, com decorrente método de captacio, Aj a coisa mais verdacleira serd que a verdade nfo esté toda em ninguém. Na pesquisa metodolégica a ciéncia demonstra sobretudo que no morreu (Abbagnano, 1989), " Por fim, outro horizonte da pesquisa ¢ apr queas ciéncias sociais, contraditoriamente, possam estranhar tal postura. Por caminhos surpreendentes, as ciéncias sociais — que tratam a préxis social histérica — tomaram-se ou produto tipicamente te6rico, ow c6pia tebrica, Advém disso repercussées drésticas, que vio desde o Gescrédito crescente das ciéncias sociais, cada vez mais vistas mo impotentes frente aos problemas que apenas estudam, a0 ctimulo de inventar “especialidades” sem qualquer jonstragéio pratica. E possivel tornar-se “doutor em Edu- Jo” sem nunea ter amealhado experiéncia concreta. Basta alguma coisa, confrontar 0 que se leu, discutir em teoria a teotia, propor possivel nova sintese te6ric Reproduz-se formidével indigestio tedrica, de estilo imitativo, quase sempre na diregéio de filiagdes tacanhas a determinadas posturas, no que a falta de elaboracéo propria em termos tedricos e metodolégicos se combina com a falta de confronto prético. E ironia: estuda-se na solidao da teoria a pritica social coletiva, reintroduzindo um tipo diferente de “neutralidade”, tendo em vista a distancia artificial cultivada. Por essa porta artificial entra o fantasma da dicotomia entre saber e mudar, cuja correlagéo tendle a ser inversa. De um lado, sabe-se muito mais do que se consegue muder. De outro, no que se sabe, predominam estratégias de como néo mudar, E temos 0 resultado sarcéstico: as ciéncias sociais so sobretudo estratégia de controle e desmobilizagéo social, Quanto mais se pintam de critica radical, mais apenas tem”, porque o sentido real é falar de mudanga, para néo muder. Todavia, nao vale sacralizar a pratica. Teoria e prética detém a mesma relevancia cientifica e constituem no fundo um todo s6, Uma nao substitui a outra e cada qual tem sua légica propria. Nos extremos, os vicios do teoricismo e do ativismo causam os mesmos males, Nao se pode realizar pratica criativa sem retorno constante a teoria, bem como néo se pode fecundar a teoria sem confronto com a pratica. A distancia para com a pratica é compreensivel, sobre- tudo pelo temor do confronto, que condiciona mudangas na eos0 0 teoria. Na pratica, a teoria é outa, e vice-versa. Se.a discussio xitica é cuidado providencial contra a pettificagio das teorias, © confronto com a pritica ainda é mais, porque é a prética que escancara a pequenez de toda construgao tedrica. Por isso, 0 que mais fomenta instabilidade teérica e obriga a buscar alternativas & 0 confronto prético. A pesquisa participante 6 talvez a proposta mais osten- siva de valorizagio da pratica como fonte de conhecimento, apesar de suas banalizagées tipicas. Propugna a eliminacio da separagio entre sujeito e objeto, tentando estabelecer re- lagio dialogal de influ€ncia mtitua, te6rica e pritica, Conhe- cimento adquire a dimensao de autoconhecimento, aparecen- do logo a importéncia da formacao da consciéncia critica como asso primeiro de toda proposta emancipatéria, Todo conhe- cimento advindo da pratica necessita de elaboracio te6rica, mas no é menos verdadeira a postura contrétia. Z isto per- miftiria superar a dicotomia sarcéstica entre saber & mudar, A ideologia recebe tratamento mais adequado, porque, sendo parte integrante do proceso cientifico em cié sociais, o desafio serd como controlar, nao como suprimix, A melhor estratégia de controle ser sempre enfrentar aberta- mente algo que de antemao nao se tenta camuflat. Ideologia aberta néo faz mal, porque entra em cena como discutivel Neste sentido, pode ser fator criativo e fecundante, A pesquisa prética — que nunca pode ser bem feita sem teorla, método e empiria — 6 modo salutar de producao de conhecimento, que possui ainda a vantagem de puxar para © cotidiano a ciéncia. Pode resvalar facilmente para o senso comum, mas pode adquirir tonalidades muito criativas da sabedoria e do bom senso. Pesquisa prética nao signi apenas anogdo de aplicabilidade concreta, porque seria ir6- nica uma teoria nao aplicével, mas sobretudo a pratica como piechlodantcoectuctio ‘egrante do processo cientifico como tal. Consequén- isso ser que pratica deve ser estritamente curricular, niio fazendo sentido a nogao truncada de estégio. Pesquisa pritica quer dizer “olhos abertos” para a rea lidade, tomando-a como mestra de nossas concepcdes. Quem gente sempre aprende, porque esté em atitude de pesquisa. Naturalmente muda de posigio, no dinamismo natural de uma realidade varivel e surpreendente. Ao con- trério da tendéncia teérica tipica que “ensaca” arealidadena teoria, pesquisa pratica busca o movimento contrério: colocar realidade na teoria, obrigando a teoria a se adequar e nisto a se rever, mudar e mesmo se superar, Assim chegamos a re- conhecer que 0 critério mais pertinente, criativo, formal ¢ politicamente, da cientificdade é a discutibitidade: somente 0 que é discutivel, na teoria ena prética, pode ser aceito como cientifico, Apanha-se cléncia, ao mesmo tempo, como expres- so formal I6gica, e como prética hist6riea na sociedade (Demo, 1988b e 1989; Habermas, 1989). Nao hé ciéncia sem pesquisa; sobretudo, nfo hé criatividade cientifica sem pes- uisa, Nao hd emancipagio histérica criativa sem pesquisa, compreendida como diélogo critico com a realidade no sew dia a dia e como raiz politica da constituigao de espago pr6- prio, com projeto proprio de vida (Ladridre, 1978), 3.A pesquisa como descoberta e criagao Em metodologia cientifica, descobrir e criar nfo sfio a mesma coisa, Quando se fala de descobrir,tem-se em mente postura préxima das ciéncias naturais, de estilo nomotético, que as entende como esforgo formal de tratamento da reali- dade, para descobrir leis da sua estrutura e funcionamento. x0 Peano pew Ocientista nada cria, apenas detecta relacdes. A lei da gravi dade, por exemplo, é descoberta formidAvel, mas néo sign fica intervengio na realidade ou criagio de relagdes novas. Na descoberta criou-se conhecimento novo, nio re dadenova, embora a partir daf se possa inventar usos novos tal postura e, 4 sombra das ciéncias naturais, entendem cién- cia como descoberta das relacées necessérias e dadas na realidade Popper, 1958; ‘Num exemplo aplicdvel a hist6ria, a concepgao de dia- Jetiea estrutural-objetiva busca delinearnela eis “féreas" do seu desenvolvimento, pelo que a passagem do cay para o socialismo se dé inexoravelmente, pela préptia lei da sua dindmica interna. Nao sao condigdes subjetivas que em- purram a hist6ria e fazem a revolugio, mas condigdes obje- tivas, jé vistas como tfpicas determinagSes, Ao cait uma peda, nao é imaginavel que, de repente, “decidisse” nao seguir a lei da gravidade, No texto Coniribuigito para a crftica da economia poltice, considerado apenas nele mesmo, Marx desdobra esse tipo de concepgao dialética, que Lévi-Strauss supde como estrutura- lista a seu modo (Marx, 1973; Demo, 1989). Parte-se do pon- to de vista de que a ciéncia tem como proposta, no quadro da neutralidade metodolégica, descobrir estruturas dadas da realidade, que so formas ndo histéricas por definigio. Mes- mo a consciéncia, que pareceria ligada a producao de con- tetidos subjetivos, é algo estritamente objetivo para o estru- turalismo, porqueno inconsciente estéa sua estrutura formal invariante, que aparece sobretudo sob o signo da légica. l6gico, estritamente, aquilo que é formal-invariante, Marx de certa forma alimentava, em momentos, a ex- pectativa de fazer da histria uma ciéncia exata. No texto ” a, muito secundaria, a fatores, Azevolugio do modo de producao se dé objetiva sariamente, como resultado inexoravel do desenvol- wento das forcas produtivas. Tomando-se em conta outros 6 possivel equilibrar tal concepgao, sobretudo diante mportancia da “luta de classes”, do papel do partido, da periéncia histérica da Comuna de Paris. Como se fora amética dada, esta nao cria linguagem; apenas constata as \gSes necessdrias dos seus termos, Descobrir a gramética de uma lingua é algo sumamente criativo na linha do conhe- cimento sistematizado, néo na linha da intervencio hist6rica na realidade (Moles, 1971; Bunge, 1974). Por outra, quando se fala de criar, temos proposta diver- sa de ciéncia, desde os extremos hegelianos e similares que © exageram o lugar das condigées subjetivas, até o equilibrio da dialética historico-estrutural. Nunca se cria do nada, por- que a histéria tem sempre antecedentes e consequentes, mas na fase nova pode predominar 0 novo, ao que se dé o nome de revolugao. Qualquer dindmica criativa néo cria ao Iéu, porque a realidade hist6rica é pelo menos regularmente con- dicionada, ainda que ndo determinada. O proprio fato simples de que ciéncia se dirige ao geral, nfo ao individual — de jo non est scientia —jA denota que, se existe conceito de revolugio, 6 porque nesse fendmeno hé estruturas que se repetem, ao lado da criagdo hist6rica. Caso contrério, seria algo irrepetivel e por isso refratério A captacéo cientifica. Ahiistoria vem concebida como, de um lado, condicio- nada por estruturas dadas, naturais e sociais, que jamais podem ser ignoradas, e, de outro lado, condicionada pela possivel intervenciio humana, que ndo precisa submeter-se passivamente as circunsténcias dadas ou encontradas. Assim como nao se pode inventar revolugao ao proprio talante, pode-se apressé-la, precipité-la, retardé-la, de acordo com as 2 roRODENO condigdes de intervencéo, Na revolugao russa de 1917, talvez se pudesse aventar que se conseguiu precipitar a passagem histérica, tendo em vista que as condigdes objetivas — a passagem do capitalismo avangado, desenvolvido, para 0 socialismo —no estavam madutras ainda. As cireunsténcias encontradas, contudo, foram favordveis a intervengdo de Lénin e do seu grupo, que acabaram impondo a ciséo histé- rica mais pela via da manobra politica do que pelo amadu- recimento objetivo do modo de produgéo. Este fato nao deixou de ter consequéncias até hoje, porque o surgimento apressado do socialismo queimou etapas, quea historia pos terior reclamou sempre, a saber, a necesséria acumulagéo de capital e a presenca da grande producéo como bases da su- petagdo da desigualdade. Para o socialismo é desafio impr6- prio ter que acumular capital, pois deveria ter ocorrido no modo anterior de produgio e, na prética, nunca se resolvett a contento (Baro, 1980; Gilly, 1985). Sem aprofundar a disputa entre dialéticas “objetivantes” e“subjetivantes”, esta claro que indicam concepgdes diferen- tes do caminho cientifico, mas no fundo ressaltam a mesma importincia da pesquisa. Tanto em uma como em outra, pesquisar ¢ condigdo essencial do descobrir e do criar, Isto, entretanto, é verdade com respeito a realidade como tal. Com respeito A produgio cientffica, a disputa continua, caricatu- rada nos polos antag6nicos do Positivismo e da Dialética (Adomo/Horkheimer, 1986; Albert, 1977; Demo, 1989). ‘A concepeio formalista de ciéncia distingue e separa sujeito do objeto e investe em metodologia objetiva como instrumentagio de cerceamento da subjetividade. Diante do objeto, cabe a0 sujeito proceder & andlise, decompondo-o em partes, em atitude de observador extemno. No fundo, trata-se de constatar estruturas dadas, com suas relacées formais 2 es, sobre as quais 6 possivel exarar leis. A pesquisa ica descobte e,nisso, cria conhecimento novo. Masnada wveria colocar no objeto, que adviesse do sujeito como in- .c4o politica. Este modelo é copiado das ciéncias natu- ras quais a ideologia poderia aparecer apenas no s no no objeto, Este é dado e cabe & ciéncia desvendar a irutura via andlise (Demo, 1985a e 1988a). Tora-se fatal a distingao entre ciéncia pura e aplicada, re teoria e pratica, por questo de método. Problema do ientista 6 somente saber, estudar, analisar, ndo intervir, mu- lar, questionar; Oapelo a neutralidade cientifica éa fuga vitil, para nfo ter que enfrentar a questio ideol6gica, Nao se su- pera essa questio; apenas se ignora, O que nao deixa de ser a pior maneira de controlar, Ideologia indesejavel sempre ¢ aquela que se dissimula para influenciar ainda mais, nao aquela que aparece claramente na cena, porque nisto ja res- peita a condicéo primeira do controle possivel e passa a tegrar-se no repto da discutibilidade (Albert, 1977), No outro lado, a concepeio histérico-estrutural de cién- cia coloca 0 objeto construido como produto e proceso cientf- fico tipico, admitindo que ciéncia é também criagio. E impor- tante discutir nesse quadro o relacionamento entre sujeito e objeto em ciéncias sociais, a comegar pelo questionamento dos termos como tais: nao hé propriamente objeto, como é 0 caso em ciéncias naturais e que permite o distanciamento {pico do analista observador. De um lado, temos de assumir que as ciéncias soc nfo s4o apenas questao de conhecimento, mas igualmente questo hist6rico-social. Elas mesmas refletem condiciona- mento social ¢ so no fundo também “problema social’. A nogao de objeto construdo adverte para este fato: ciéncia nao Galgoacima ou A margem da sociedade, mas componente da

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