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Revista Portuguesa de Filosofia

Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América?


Author(s): RAFAEL ZELESCO BARRETTO
Source: Revista Portuguesa de Filosofia , T. 75, Fasc. 2, Escola Ibérica da Paz: Direito
Natural e Dignidade Humana / Iberian Peace School: Natural Law and Human Dignity
(2019), pp. 919-958
Published by: Revista Portuguesa de Filosofia

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Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 919-958.
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DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_0919

Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à


colonização da América?
RAFAEL ZELESCO BARRETTO *

Abstract
The significance of Francisco de Vitoria (1483-1546) in the great debate of XVIth century
Spain on the morality of colonization is a matter of contention to this day. Some 150 years
ago, at the time of the establishment of International Law as an autonomous discipline,
Vitoria was rediscovered and magnified. Legal historians praised his defence of American
natives’ rights against his own countrymen, and thus presented this unassuming Dominican
monk as nothing less as the founding father of International Law. In the following decades,
however, literature based on Critical Legal Theories and Third World Approaches to
International Law has criticized Vitoria as a hailer of Conquest. This essay argues that
both the presentations of Vitoria as a champion of the freedom of the Indians and as a
supporter of their submission are inaccurate, and due to a presentist bias in historiography
of International Law. The following pages try to read Vitoria’s De Indis taking due account
of its historical context, of its author’s affiliation to Thomist philosophy, and of his probable
intentions as a theologian and a confessor. The article concludes that the aim of Francisco de
Vitoria was to lay out a model for convivence between Indians and Spaniards.
Keywords: colonization, history, international law, ius gentium, scholasticism, thomism.

1. Introdução

A
percepção historiográfica sobre Francisco de Vitoria (1483-1546)
variou bastante ao longo do tempo. Ele foi considerado, sucessiva-
mente, o criador do Direito Internacional Público, o antevisor de
institutos como a Sociedade das Nações e a Cruz Vermelha, um intelectual
orgânico a serviço do projeto colonizador espanhol, um dominicano into-
lerante e um dos advogados da liberdade comercial. Celebrado em vida e
após a morte, esquecido durante a ruína do Império Espanhol, redesco-
berto e promovido no final do século XIX e, enfim, alvo preferencial da

* Escola de Guerra Naval (Rio de Janeiro, Brasil).


 rafaelzb2010@gmail.com

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historiografia crítica do Direito Internacional, Vitoria segue apresentando


um desafio ao estudioso contemporâneo. Foi um dos primeiros, e sem
dúvida o mais influente em sua época, a pensar sistematicamente a nova
configuração do mundo descortinada pelo momentoso evento da chegada
dos europeus à América. Ao fazê-lo, em sua aula magna intitulada Relectio
de Indis recenter inventis, sepultou algumas relíquias do passado medieval,
como as teorias de domínio universal do Papa e do Imperador – pelo que
foi repreendido em vida, e elogiado no futuro – e teorizou sobre o espi-
nhoso problema da justificação moral da Conquista – o que lhe granjeou
fama até poucas décadas atrás, e reprovações no presente.
O objetivo deste trabalho é apresentar a discussão vitoriana sobre a
colonização da América a partir dos pressupostos filosóficos do próprio
Vitoria. Evitar-se-á inserir o dominicano do século XVI em categorias de
pensadores que só foram adquirir sentido centenas de anos mais tarde,
como o universalismo, o anticolonialismo, o liberalismo ou a teoria dos
direitos humanos. Desconfia-se, assim, tanto do Vitoria “defensor dos
índios” quanto do “patriota espanhol”1. Ao invés, será buscado o real
autor da De Indis, com a visão de mundo específica de sua época e uma
postura própria, não tributária das ideias da atualidade, sobre o problema
da Conquista.
Pois a hipótese que orientará este trabalho é que Francisco de
Vitoria propôs uma via alternativa para a dominação espanhola sobre as
Índias, que ao final não foi aceita pelas autoridades de seu tempo. Esta
proposta consistiu em uma ética da convivência entre espanhóis e indí-
genas, baseada na moralidade cristã e com emprego mínimo da força.
Se a hipótese estiver correta, a discussão travada na Relectio de Indis não
dizia respeito ao título jurídico da Espanha sobre o Novo Mundo, e sim
à melhor forma de exercer o governo sobre as possessões recém incorpo-
radas à Cristandade.
Esse texto parte de um pressuposto simples, que pode ser comprovado
com uma rápida consulta à biografia do autor resenhado: Francisco de
Vitoria não foi um jurista, como os havia em sua época. Sua Relectio, ou
conferência magna, foi pronunciada como parte de suas funções univer-
sitárias regulares de professor de Teologia. Na cátedra Prima de Teologia,
a parte que mais lhe interessava, como se percebe pelos temas das confe-

1. Os apelidos contrastantes foram tomados de Paulo Emílio Vauthier Borges de Macedo,


“O mito de Francisco de Vitória: defensor dos direitos dos índios ou patriota espanhol?,”
Revista de Direito Internacional 9, no. 1 (2012), https://www.publicacoesacademicas.
uniceub.br/rdi/article/view/1602. DOI: 10.5102/rdi.v9i1.1602.

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rências legadas à posteridade, era a Teologia Moral. Assim, trata-se do


trabalho de um teólogo, preparador de pensadores cristãos, de confes-
sores e de diretores de consciência. Seu enfoque está na moralidade dos
atos individuais, não nas disputas jurídicas entre entidades coletivas.
O método a ser empregado nestas páginas resume-se em uma leitura
contextualizada da Relectio de Indis, onde o problema da Conquista se
coloca com maior clareza. Pretende-se interpretar a célebre conferência
a partir dos referenciais teóricos que seu autor provavelmente tinha em
mente ao dissertar perante a audiência no Convento de Santo Estêvão. O
primeiro destes é a lógica interna da Relectio. Escrita a partir de aponta-
mentos tomados pelos alunos presentes, e depois provavelmente revisados
por Vitoria, a De Indis que hoje se conhece é a reprodução de uma palestra
proferida em 1539. Tratava-se, portanto, de uma exposição oral para o
público em geral, que era convidado a assistir a esses atos acadêmicos.
Desta forma, nota-se que ela apresenta uma coerência essencial, além de
um caráter argumentativo: o palestrante deseja convencer tanto sua audi-
ência in loco, quanto os que ficarem sabendo da conferência. Não é um
exercício acadêmico, mas uma tomada de posição.
O segundo contexto dessa Relectio é dado pelas demais obras vito-
rianas que tangenciam a temática. O problema do relacionamento entre
ibéricos e indígenas já havia sido abordado pelo mestre salmantino em
outras ocasiões, sejam elas conferências magnas ou aulas sobre a Suma
Teológica de Tomás de Aquino. Embora eventuais mudanças de opinião
não possam ser descartadas, é prudente trabalhar com uma presunção de
coerência entre as vezes em que Vitoria abordou o assunto.
O ponto de referência seguinte é constituído pela principal matriz
filosófica seguida pelo teólogo burgalês, nomeadamente, o tomismo, aqui
sobretudo em seus aspectos morais e filosófico-políticos. É importante
reconhecer que expressões recorrentes na De Indis, como “direito natural”,
“direito das gentes” (ius gentium) e “guerra justa”, não podem ser tomadas
como invenções do autor. São ideias que já existiam no imaginário erudito
de sua época, e das quais a obra de Tomás de Aquino ainda era a grande
definidora e divulgadora.
Por fim, a discussão vitoriana sobre o destino dos nativos americanos
será examinada a partir de sua época histórica, tal como um intelectual do
século XVI com algum acesso ao panorama “global” poderia concebê-la.
Nesse sentido, é preciso destacar os valores dominantes em seu ambiente,
dentre os quais a máxima importância ia à salvação das almas no contexto
cristão. Também se deve atentar para o papel proeminente desempenhado
pela pátria do autor, a Espanha, na geopolítica europeia de então: unida ao

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Sacro Império Romano Germânico sob o Imperador Carlos V para formar


o império onde o sol não se poria, representava a verdadeira esperança de
um reviver católico em meio aos tormentos de guerras europeias fratri-
cidas, ameaças de turcos e sarracenos, o desafio protestante e as fissuras
cada vez maiores no edifício feudal de direitos e obrigações. E recorde-se
que esse imenso território estava bem longe de um Estado soberano como
hoje conhecido, sendo antes uma coleção de domínios sujeitos a poderes
de eficácia variada.
Esses quatro fatores  – a coerência interna da Relectio de Indis; sua
correspondência com as outras obras do mesmo autor; sua concretização
dos princípios tomistas; e seu contexto histórico-social  – serão empre-
gados na interpretação do projeto vitoriano para a relação entre sua nação
e o imenso continente que se descortinava2.
Para isso, as páginas que seguem estão divididas em quatro seções,
além desta introdução e da conclusão. O segundo capítulo descreve o
contexto do problema que será enfrentado, trazendo um breve resumo da
parte relevante da De Indis. O capítulo seguinte mostra as interpretações
maniqueístas que a postura vitoriana sobre a Conquista suscitou, as quais
dificultam enxergar o real propósito do autor, e tece uma explicação a
respeito, baseada sobretudo no vício historiográfico de estudar o passado
a partir das visões de mundo do presente.
Estabelecido o problema, o quarto capítulo apresenta uma mudança
importante operada por Vitoria no aparato conceitual jurídico que herda
de Tomás de Aquino: a introdução da ideia de direito subjetivo no cerne
da definição do direito. Isso fará as vezes de um referencial teórico no
momento em que ele se debruçar sobre a questão dos nativos. O último
capítulo procura recuperar a construção de uma ética da colonização e da
convivência por Francisco de Vitoria, fundada no respeito aos fatos consu-
mados, mas também nas virtudes cristãs e na igualdade. A conclusão
retoma alguns pontos chaves do desenvolvimento do trabalho e verifica a
comprovação da hipótese mencionada.

2. Ao menos três trabalhos aplicam à obra de Francisco de Vitoria método similar,


embora se pense que as conclusões aqui alcançadas sejam originais: Heinz-Gerhard
Justenhoven, “Francisco de Vitoria: Just War as Defense of International Law,” in
From Just War to Modern Peace Ethics, ed. Heinz-Gerhard Justenhoven and William
A. Barbieri Jr. (Berlin: De Gruyter, 2012). DOI: 10.1515/9783110291926.121. Macedo,
O mito. Peter Haggenmacher, “La place de Francisco de Vitoria parmi les fondateurs
du droit international,” in Actualité de la pensée juridique de Francisco de Vitoria, ed.
Antonio Truyol y Serra et al. (Bruxelles: Bruylant, 1988), 27-80.

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2. O contexto: a discussão da guerra aos índios em Vitoria

A Relectio de Indis recenter inventis prior é, sem dúvida, a mais famosa


das conferências de Vitoria. Nesta, o autor se concentra na legitimidade da
presença espanhola nas “Índias”. O dominicano não pensa que o domínio
espanhol seja de todo injusto, mas alerta para o fato de que as justifica-
tivas que se costumavam aduzir a favor dos castelhanos eram incorretas
e, possivelmente, nocivas aos habitantes originais da região. É por isso
que a conferência é dividida em três grandes partes, sendo a primeira uma
recusa dos argumentos de sabor aristotélico sobre a servidão natural dos
índios, a segunda a lista dos “títulos ilegítimos” pelos quais os espanhóis
teriam se apossado das Américas, e a terceira o rol dos “títulos legítimos”
que, estes sim, seriam aptos a dar conta satisfatoriamente da conquista
europeia.
A palestra inicia questionando um axioma que se tornara lugar
comum na época3: a identificação dos índios com os selvagens por natureza
descritos por Aristóteles, os quais estariam em melhor situação servindo a
senhores mais sábios do que deixados em liberdade, da qual não saberiam
usufruir. Tal argumento adquirira ares cristãos, invocando-se os pecados
dos nativos como razão para que estes houvessem sido despidos, por
Deus, da soberania. O conferencista rechaça esse raciocínio apelando à
observação da realidade: da mesma forma que pecadores continuavam
possuindo domínio sobre os próprios atos mesmo após pecar, também
seguiam capazes do “domínio civil”4. Além disso, contra os que alegavam
a irracionalidade dos índios5, Vitoria cita as poucas informações de que
dispunha sobre as Américas, as quais davam conta de uma “certa ordem
em suas coisas”6. Os nativos não eram, então, escravos por natureza. Isto
posto, os espanhóis deveriam trazer argumentos para justificar moral-
mente suas conquistas americanas. É o que o regente de Prima passa a
avaliar nas próximas seções.

3. Richard Tuck, The Rights of War and Peace: Political Thought and the International
Order From Grotius to Kant (Oxford: Oxford University Press, 1999), 42.
4. Francisco de Vitoria, De indis recenter inventis relectio prior, trad. Teófilo Urdanoz
(Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960) I, 4.
5. Sobre a grande divulgação da teoria da escravidão natural dos índios à época, ver
Lewis Hanke, Aristóteles e os índios americanos, trad. Maria Lúcia Galvão Carneiro
(São Paulo: Martins Editora, 1959), 35-56.
6. Vitoria, De indis, I, 23.

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2.1 Os falsos títulos

Sobre os falsos títulos que muitos alegavam em defesa de suas


condutas no Novo Mundo, os dois primeiros seriam os domínios universais
do Imperador e do Papa. De acordo com esses argumentos, sendo o
Imperador (ou o Papa) o senhor do mundo, os índios já estariam sob seu
poder, ainda que não soubessem disso ou que sequer fossem conhecidos
pela mente imperial (ou papal). Nesta visão, os “bárbaros” que não acei-
tassem a suserania do Imperador Carlos V (ou do Papa Paulo III) deveriam
ser considerados rebeldes, contra os quais a violência seria lícita.
Vitoria contesta esses títulos de um modo muito típico seu: apelando
à realidade. Diz que tanto seu Imperador quanto o Papa da época não
possuíam nem aspiravam ao domínio universal. Ele comprova tal afir-
mação chamando a atenção para a existência contínua, ao lado dos terri-
tórios da Cristandade, de turcos e sarracenos, que jamais haviam sido
seriamente considerados rebeldes. Além disso, Estados europeus relativa-
mente consolidados, como a França, não reconheciam nenhuma primazia
ao Imperador, nem tampouco a jurisdição civil do Papa7.
O terceiro título injusto era o direito de descobrimento. Referindo-se
à afirmação de que as Américas pertenceriam aos espanhóis devido ao
fato de eles terem ali chegado primeiro, Vitoria lembra que os índios já lá
estavam antes. E, após mostrar considerá-los tão humanos e portadores
de direitos como os europeus, arremata de modo bem-humorado: “não
mais do que se eles é que tivessem nos descoberto”8
A partir daí, os falsos títulos começam a parecer mais agressivos,
como se aqueles que os alegassem duvidassem, no íntimo, da justiça de sua
causa. Um afirma que os espanhóis podem guerrear contra os americanos
para castigá-los por seus pecados, como sodomia, canibalismo e ofereci-
mento de sacrifícios humanos. Outro menciona uma suposta livre escolha
dos indígenas, que teriam liberdade para solicitar que os espanhóis os
governassem. Um título ulterior dirá que a invasão das terras indígenas
seria necessária para que estes pudessem se converter ao Cristianismo.
Vitoria rechaça todos estes motivos, sempre mantendo o olhar
próximo da realidade. Assim, diz em primeiro lugar que Deus não encar-
regou os espanhóis de serem seus carrascos. Além disso, nem todos
os pecados contra a lei natural cometidos pelos nativos poderiam ser

7. Ibid., II, 1 e II, 3.


8. Francisco de Vitoria, Relectiones. Sobre os índios e sobre o poder civil, trad. Paulo
Sérgio de Vasconcellos (Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2016), II, 7.

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demonstrados por evidência, logo, alguns poderiam ter sido cometidos


por ignorância. Em seguida, declara que, embora os chefes indígenas
de fato possam escolher ser governados pelo Imperador, provavelmente
a maioria dos que assim se manifestaram haviam sido movidos pelo
medo dos espanhóis ou por inocência, sem compreender no que estavam
consentindo. Portanto, tal como um contrato assinado sob ameaça ou sem
o devido conhecimento dos termos, o título seria nulo. Esta mesma sensi-
bilidade de Vitoria manifesta-se quando discute a necessidade de tomar as
terras dos índios para convertê-los, afirmando em tom sarcástico que, pelo
que ouvira até então sobre o assunto, o Evangelho fora pregado de modo
tão descuidado nas Américas que o surpreendente seria se os nativos se
convertessem.
A recusa de Vitoria em aceitar estes títulos, muito populares em seu
tempo, parecia deixar os espanhóis em situação complicada quanto a
seus novos domínios. Mas a palestra não termina aí: mantendo o enfoque
jurídico, o mestre salmantino passa a expor o que ele entende por justifi-
cativas razoáveis para a presença espanhola nas Américas.

2.2 Os títulos legítimos

Esta listagem dos títulos legítimos é encabeçada pela explicação


sobre alguns direitos naturais detidos pelos espanhóis e que deveriam ser
respeitados pelos nativos, sob pena de poder ser compelidos a isso pelos
europeus. Estes são: a liberdade de navegação e exploração, a liberdade
de comércio e a liberdade de pregação. Tais direitos decorrem da natureza
humana, pois o homem, como animal social, tem necessidade de conhecer
e percorrer novos lugares, travando relações com os outros homens em
busca do bem mútuo. A sociabilidade humana não se aperfeiçoaria apenas
dentro das fronteiras da pátria, mas exigiria também um interesse ativo
pelo que havia além dela, bem como a recepção generosa de eventuais
viajantes estrangeiros9.
Seria ilícito, assim, por direito natural, impedir que os indivíduos
percorressem as terras e os mares e explorassem regiões desconhecidas
ou iniciassem negociações comerciais10 com os habitantes de outra

9. Venancio Diego Carro, La “Communitas Orbis” y las rutas del Derecho Internacional
según Francisco de Vitoria (Palencia: Merino, 1962), 69.
10. Camilo Barcía Trelles, “Francisco de Vitoria et l’École moderne du droit international,”
Récueil des Cours de l’Academie de Droit International de la Haye 17, no. 2 (1927):
210-211.

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nação. Da mesma forma que a comunicação de bens materiais seria uma


exigência do direito natural, também a partilha dos bens espirituais, dos
quais a religião seria a mais elevada, não poderia ser obstaculizada pela
vontade do governante ou de outro povo, dado que ela também radicaria
na liberdade geral de comunicação. Caso os nativos impedissem o exer-
cício destes direitos, seus titulares poderiam defender o uso dos mesmos,
recorrendo até ao emprego da violência. Está aí o primeiro título legítimo
para a guerra contra os índios.
Para Vitoria, então, a característica natural da sociabilidade humana
conferiria aos espanhóis o direito de navegar livremente pelo Atlântico e
pelos rios da América. Também teriam direito natural a explorar o novo
continente, a travar conhecimento com as tribos que o habitavam e a
propor-lhes relações comerciais. Outra liberdade da qual todos desfru-
tariam seria a de pregar o Cristianismo. Estas liberdades encontram
alguns limites legítimos: o percurso pelas terras novas não poderia causar
dano aos nativos, que deveriam ter seus costumes respeitados. Da mesma
forma, os índios, embora não pudessem se recusar a ter contato com
os europeus, não poderiam ser obrigados a aceitar nenhuma troca. Por
fim, a obrigação de abster-se de incomodar os missionários não signi-
ficava um dever de conversão; esta deveria ser sempre livre. É evidente
que os índios também possuiriam os mesmos direitos que os espanhóis,
inclusive quanto a sua vida, segurança, propriedade, honra etc. Como se
vê, a coexistência entre direitos naturais subjetivos dos espanhóis e dos
americanos não seria tão fácil, mesmo no esquema vitoriano. Tudo isso se
baseia, segundo o mestre salmantino, no direito das gentes11.
Os demais justos títulos para a guerra contra os índios são extre-
mamente igualitários: Vitoria os considera iguais aos europeus enquanto
humanos. Uma vez que possuem os mesmos direitos e as mesmas capa-
cidades que os habitantes do mundo até então conhecido, só podem ser
atacados por justa causa.
Além da defesa dos direitos naturais, descrita acima, a justa causa
pode dar-se por legítima defesa, própria ou de aliados. Vitoria admite que
se possa lutar contra uma tribo inimiga daquela com a qual se entrou
em algum pacto. Mostra estar alerta quanto aos possíveis abusos que isto
possa causar, contudo, ao lembrar que um combate movido por tal causa
deve efetivamente visar a defesa dos aliados ameaçados, e não servir de
desculpa para promover conquistas por conta própria. Aqui, ele aplica aos

11. Vitoria, De indis, III, 1 et seq.

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indígenas a mesma noção de guerra justa em defesa de um aliado que era


costumeira na Europa.
O título seguinte é a defesa dos inocentes. Seria admissível, para
ele, que os espanhóis interviessem em situações nas quais muitos índios
pacíficos fossem ameaçados por outros. Parece que ele tinha em mente o
quadro das tribos sujeitas ao poderio asteca, forçadas a fornecer tributos
humanos para os incessantes sacrifícios em honra dos deuses da nação
mais forte. A mesma exigência do título anterior é feita pelo conferencista:
recta intentio, na linguagem da doutrina da guerra justa. O ataque deve ter
por escopo único o de libertar os inocentes, e não o de destruir e subjugar
todo o povo indígena.
Vitoria descreve outro título, que reside na possibilidade de os
próprios integrantes de uma tribo índia desejarem substituir seus gover-
nantes pelo Imperador, e solicitarem a ajuda dos espanhóis. Para o mestre
dominicano, a fonte do poder civil reside na república, que o delega ao
governante12. Os cidadãos só retomariam, em bloco, este poder caso o
soberano deixe de buscar o bem comum e cause muitos males ao seu povo.
Partindo desta teoria, Vitoria conclui que, se a população de alguma nação
indígena quiser se converter ao Cristianismo, ou apenas beneficiar-se da
superior organização e tecnologia dos ibéricos, mas for impedida por seu
chefe, eles poderiam licitamente pedir que os europeus depusessem tal
líder e lhes dessem um príncipe cristão.
Por fim, o teólogo burgalês especula sobre um último título, o qual
não deseja afirmar taxativamente como legítimo nem falso. Trata-se da
hipótese de os europeus deporem os chefes índios e governarem em seu
lugar em prol dos próprios nativos, devido as suas deficiências mentais e
dificuldade para o autogoverno. Ele diz não estar muito seguro da correção
deste título e que tal domínio dos espanhóis só seria válido se exercido em
favor dos índios, e se o benefício destes for maior que o dos ibéricos13.

12. Jesús Cordero Pando, Relectio de potestate civili: Estudios sobre su Filosofía Política
(Madid: CSIC, 2008), XXV-XXVI.
13. Vitoria, De indis, III, 18.

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3. O problema: interpretações contrastantes da posição vitoriana

3.1 Interpretações maniqueístas: Vitoria utópico14

Na Relectio de Indis, Francisco de Vitoria abordou o problema


colonial a partir do ius gentium, o velho direito das gentes que retoma de
Tomás de Aquino. Principalmente por isso, tornou-se costume associar
o nome de Francisco de Vitoria ao título de fundador do direito interna-
cional público. Após a redescoberta de sua figura no início do século XX15,
o teólogo espanhol passou a ser saudado pelos internacionalistas como o
precursor que possibilitou o surgimento do direito das gentes moderno
em um mundo que ainda se enxergava através dos modelos medievais, e
no qual o conceito de Estado sequer se delineava com clareza no horizonte
teórico. Suscita também admiração o fato de Vitoria se haver embrenhado
neste ramo do saber movido por uma preocupação concreta e corajosa: a
forma correta de tratar os nativos das terras recém-descobertas por seus
conterrâneos espanhóis. A solução vitoriana conquista facilmente o estu-
dioso contemporâneo ao atribuir direitos aos índios americanos e exigir
moderação daqueles que alegavam atuar em nome do rei e do Papa.
Assim é que Brown Scott acreditou ver em Vitoria um defensor
do princípio da nacionalidade16, Barcía Trelles fez do dominicano um
precursor do sistema de mandatos da Sociedade das Nações estabelecido
no pós-Primeira Guerra17, os dois anteriores coincidem em que o teólogo
burgalês antecipou a doutrina Monroe18 e Luis Alonso Getino descreve

14. Esse subtítulo e o seguinte inspiram-se na célebre obra de Martti Koskenniemi,


“From Apology to Utopia” (Cambridge: Cambridge University Press, 2005), que
pretende caracterizar dessa maneira as principais formas de discurso sobre o Direito
Internacional. Parece que as interpretações de Vitoria que serão criticadas nesse
trabalho oscilam entre os extremos de considerar o dominicano um apologista ou um
opositor utópico da Conquista.
15. Entre os pioneiros, destacam-se J. Barthélemy, “F. de Vitoria”, in Les fondateurs du droit
international, ed. Antoine Pillet (Paris: Giard & Brière, 1904) ; James Brown Scott, The
Catholic Conception of International Law (Clark, New Jersey: The Lawbook Exchange,
Ltd.  – reimpressão da edição de Washington, D.C.: Georgetown University Press,
1934); e Ernest Nys, Les origines du droit international (Bruxelles: Alfred Castagne,
1894).
16. Scott, The Catholic Conception, 494.
17. Barcía Trelles, Francisco de Vitoria, 167.
18. James Brown Scott, El origen español del Derecho Internacional moderno (Valladolid:
Cuesta, 1928), 96.

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Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 929

a Cruz Vermelha como exercendo um labor essencialmente vitoriano19.


Também os direitos humanos teriam sido trabalhados inauguralmente
por Vitoria20, indo até, segundo Teofilo Urdanoz, à primeira formulação
do instituto da intervenção humanitária21.
As interpretações excessivamente positivas sobre a obra de Vitoria,
sua postura em relação aos índios e seu impacto na história do Direito
Internacional, usualmente tomam alguns conceitos por ele empregados,
e os releem com seu significado do tempo atual. Assim é que Vitoria
acaba parecendo um precursor genial e visionário. Esse afã de estabe-
lecer correspondências entre conceitos separados por séculos de distância
gerou uma situação interessante: um dos trechos mais conhecidos na De
Indis não é dele, e sim do jurisconsulto romano Gaio, que é citado de
forma equivocada pelo professor salmantino: ao fundamentar o jus pere-
grinandi, direito de livre circulação dos ibéricos entre os povos indígenas,
o conferencista explica que tal instituto é de direito das gentes, aduzindo
a definição de Gaio: “Quod naturalis ratio inter omnes gentes constituit,
vocatur ius gentium”  – o que a razão natural constituiu entre todas as
gentes se chama direito das gentes22. O ponto é que Gaio não escrevera
exatamente isso: o texto original dizia “inter omnes homines”23.
Dessa mudança de uma palavra apenas, que é apresentada como
intencional, é que a literatura favorável a Vitoria conseguiu extrair todo
um plano de trabalho envolvendo um novo ramo do direito: ao mencionar
um direito com vigência entre as nações, o teólogo burgalês estaria propo-
sitalmente superando os esquemas jurídicos romano e medieval, centrados
exclusivamente no indivíduo, e estabelecendo, em paralelo, a ideia de que
também os Estados seriam regulados pelo direito24. Tudo isso dificilmente

19. Luis G. Alonso Getino, Fray Francisco de Vitoria – fundador del Derecho Internacional
moderno (1546-1946) (Madrid: Cultura Hispánica, 1946), 15.
20. Ramón Hernández Martín, Francisco de Vitoria. Vida y pensamiento internacionalista
(Madrid: BAC, 1925), 320-321.
21. Teófilo Urdanoz, “Introducción a la relección primera,” in Francisco de Vitoria,
Relecciones Teológicas, ed. Teófilo Urdanoz (Madrid: BAC, 1960), 630.
22. Vitoria, Relectiones, III, 2.
23. Gaius, Institutas do Jurisconsulto Gaio, trad. J. Cretella Jr. e Agnes Cretella (São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004), 1,1.
24. Para o primeiro expoente dessa posição, ver: Francisco de Vitoria. De indis et de iure
belli relectiones, ed. Ernest Nys (Washington, D.C.: Carnegie Institution, 1917), 42-43.
Ver também: Urdanoz, Introducción a la primera relección, 567-569. Para partidários
mais recentes, ver Antonio Gomez Robledo, Fundadores del Derecho Internacional:
Vitoria, Gentili, Suárez, Grocio (México: Universidad Nacional Autónoma de México,
1989), 12-16. Também: Roberto Gerardo Ortiz Treviño, “La naturaleza jurídica del ius

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resiste à crítica histórica25. Com efeito, parece exagerado atribuir a uma


simples palavra substituída em uma citação a portentosa intenção de criar
um novo ramo do direito, ou de promover uma distinção no interior do
ius gentium. Consultando-se outras obras de Vitoria, vê-se que ele deixa
bem claro quando pretende apartar-se da doutrina tradicional e que avisa
seus discípulos ao seguir algum raciocínio independente26.
Ademais, o tema de que tratava na altura daquela conferência não
era a natureza do direito das gentes, e sim a extensão dos direitos dos
espanhóis sobre as terras e os povos do Novo Mundo. Seu interesse, na
passagem exposta, era demonstrar a vigência do ius peregrinandi e sua
aplicabilidade ao caso das “Índias”. Neste sentido, se alguma intenção
pode ser atribuída à transmissão incorreta das palavras romanas, esta foi
provavelmente a de enfatizar que todos os índios, enquanto nação, estavam
obrigados a permitir a passagem pacífica dos europeus. Mas tratava-se
evidentemente de um direito individual, que poderia ser restringido ou
denegado caso as circunstâncias o pedissem ou se não fosse exercido de
modo razoável.
A partir desse trecho relativamente isolado na conferência sobre
os índios, junto com outro, igualmente fora de contexto, da Relectio de
Potestate Civili27, os comentaristas tardios desenvolveram toda uma teoria
do Vitoria internacionalista, o qual teria advogado pela instituição de um
poder supranacional28, dotado de autoridade legiferante29, que trouxesse
ordem e paz à comunidade dos Estados.

gentium de acuerdo con la doctrina de Francisco de Vitoria. Estudio breve en honor al


pensamiento de Antonio Gómez Robledo,” Anuario Mexicano de Historia del Derecho,
17 (2005), 51-52.
25. Haggenmacher, La place, 58-60.
26. Carlos G. Noreña, Studies in Spanish Ranaissance Thought (The Hague: Martinus
Nijhoff, 1975), 72.
27. Francisco de Vitoria, De potestate civili, trad. Teófilo Urdanoz (Madrid: BAC, 1960), § 21.
28. Cordero Pando, Relectio, 474-483.
29. Teófilo Urdanoz, “Síntesis teológico-jurídica de la doctrina de Vitoria,” in Francisco
de Vitoria, Relectio de Indis o libertad de los índios, ed. Luciano Pereña e J.M. Perez
Prendes (Madrid: CSIC, 1967), CXXXIV. Johannes Thumfart, Die Begründung der
globalpolitischen Philosophie: Francisco de Vitorias Vorlesung über die Entdeckung
Amerikas im ideengeschichtlichen Kontext (Berlin: Kulturverlag Kadmos, 2012), 134-138.

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3.2 Interpretações maniqueístas: Vitoria apologético

Mas não somente sobre louros repousa a reputação do teólogo


burgalês. A partir das últimas décadas do século passado, uma crescente
literatura de perfil crítico, pós-moderno ou anticolonial, vem questionando
o mérito da obra vitoriana na defesa dos indígenas, e pondo em causa sua
independência intelectual em relação à política espanhola de seu tempo.
Para resumir, a grande crítica que se faz ao raciocínio indigenista
do autor das Relectiones refere-se à ausência de uma condenação direta
do projeto colonial30. Diferentemente de seu contemporâneo Bartolomeu
de las Casas31, Vitoria não enxerga a realidade do domínio do Novo
Mundo sob uma ótica puramente negativa, e em sua conferência não se vê
nenhuma enumeração ou sequer um exemplo das crueldades praticadas
contra as tribos de além-mar.
Segundo essa perspectiva, o sistema de direitos naturais subje-
tivos que o dominicano extrai do ius gentium é igualitário e de aplicação
universal somente em teoria, pois os índios americanos dificilmente enten-
derão tais conceitos. Os direitos esgrimidos pelo regente de Prima corres-
pondem a necessidades políticas de seus compatriotas e ao contexto da
Espanha de seu tempo32. Prerrogativas aparentemente universais, como
as liberdades de circulação e de permanência nas sociedades indígenas
enquanto estrangeiro, ou o direito de pregação do Cristianismo, simples-
mente não correspondiam à prática das nações ameríndias. A defesa de
tais títulos, que poderia abranger o uso da força, como Vitoria especifica
repetidas vezes, seria compreendida pelos nativos como um ataque puro e
simples. Os direitos deduzidos do ius gentium são eurocêntricos: o mestre
salmantino está convicto de estão logicamente justificados, e o eventual
desconhecimento desses pelos índios não seria, no contexto do raciocínio

30. Leslie Claude Green, “Claims to Territory in Colonial America”, in The Law of Nations
and the New World, ed. Leslie Claude Green e Olive P. Dickason (Edmonton: The
University of Alberta Press, 1989), 42.
31. Teófilo Urdanoz, “Las Casas y Francisco de Vitoria (en el V centenario de nacimiento
de Bartolomé de las Casas 1474-1974) [1ª parte],” Revista de estudios políticos 198
(1974): 116 et seq.
32. Para Martti Koskenniemi, tratava-se de justificar não a dominação pura e simples
sobre os índios, mas toda uma teoria do direito internacional baseada nos direitos
de livre navegação e (especialmente) livre comércio, que os príncipes não poderiam
obstaculizar. Martti Koskenniemi, “Empire and International Law: The Real Spanish
Contrbutions”. University of Toronto Law Journal 61 (2011): 28.

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932 Rafael Zelesco Barretto

vitoriano, prova de sua inocência, e sim da corrupção de seus costumes


que lhes teria obnubilado a razão.
O direito das gentes da Relectio de Indis parece ter pouca tolerância
para instituições desenvolvidas por sociedades diferentes, ainda que
desfrutem da aceitação geral em sua região de origem33. Alguns destes
direitos atribuídos aos conquistadores sequer teriam como ser aplicados
na maioria das nações ameríndias, como o direito de livre comércio, a
liberdade de exploração e a inviolabilidade dos embaixadores, por exigirem
como pré-requisito uma configuração social que as tribos não exibiam.
Dentre estes exemplos, os dois primeiros necessitam da propriedade
privada, enquanto que o terceiro pressupõe um nível mínimo de convi-
vência entre povos distintos, o que faltava em relação aos povos nômades
e a certas tribos de modo de vida isolacionista. Assim, o teólogo domi-
nicano estaria apenas tomando características que enxergava na maioria
dos povos da Cristandade, revestindo-as de um caráter universal e impon-
do-as aos povos da América, tomando a ausência de tais características
como prova, não do erro de sua própria postura, e sim da falha organiza-
cional destas sociedades34.
Não seria por outro motivo que Vitoria deixa de exigir unanimidade
mundial para que algum instituto possa contar-se entre o ius gentium,
bastando-lhe a prática da maior parte das nações35. Como os índios, além
de em grande parte desconhecidos, eram geralmente desprezados, sua
falta de atenção ao direito das gentes os situava invariavelmente no campo
da minoria rebelde que se nega a seguir a leitura racional da lei natural,
feita pela maior e mais esclarecida parte do orbe36.
Assim, os direitos enumerados por Vitoria parecem ter sido talhados
sob medida para seu uso pelos castelhanos, tornando-se exigências que
os habitantes das Américas dificilmente poderiam aprovar, ou sequer
compreender37. Traduziriam o interesse, por parte do palestrante, em legi-

33. Robert A. Williams Jr, “The Medieval and Renaissance Originis of the Status of the
American Indian in Western Legal Thought,” Southern California Law Review 57
(1983): 90.
34. Anthony Anghie, Imperialism, Sovereignty and the Making of International Law
(Cambridge: Cambridge University Press, 2004), 30.
35. Vitoria, De indis, III, 4.
36. Macedo, O mito.
37. Henry Mechoulan, “Vitoria: Père du droit international?” in Actualité de la pensée
juridique de Francisco de Vitoria, ed. Antonio Truyol y Serra (Bruxellles: Bruylant,
1988), 24.

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timar a dominação exercida pelos ibéricos38 havia quase cinquenta anos


nas Índias39. Um comentarista chega a definir o massacre das populações
ameríndias como objetivo final do ius gentium vitoriano40.
Uma das partes mais reveladoras da real intenção da De Indis, para
os autores que defendem a interpretação crítica, está no segundo título
legítimo, que se refere à propagação da fé cristã. Como se há de lembrar,
o palestrante destaca que os índios não podem ser forçados à conversão,
mas que será injusto que se oponham às atividades de missionarização.
O fato é que não há como pretender qualquer tipo de bilateralidade neste
título. Isso contrasta com sua postura até então  – ou, alternativamente,
revela a real mentalidade eurocêntrica do dominicano espanhol41. Ao
rejeitar o direito de descobrimento como justificativa apta para o domínio
dos índios, por exemplo, o conferencista chegava a comentar ironicamente
que os espanhóis tinham tanto direito quanto o de alguns índios que hipo-
teticamente navegassem até a Europa. Agora, ao tratar da expansão da
fé católica, não há mais lugar para igualitarismos. Sequer se menciona
o correspondente direito dos índios de pregar suas próprias crenças aos
recém-chegados. Em suma, os povos do Novo Mundo devem tolerar as
atividades missionárias porque isto é bom para eles. Com efeito, a leitura
do segundo título legítimo mostra que o argumento principal é extraído
das Escrituras, das quais Vitoria cita três trechos incitando à difusão da
fé. Há aqui, na voz dos críticos, uma incoerência em relação ao restante da
De Indis, incoerência à qual o palestrante precisou recorrer para defender
a superioridade de sua fé sobre as crenças nativas.
A mesma incoerência e relativização tácita do ius gentium aparece
ainda no tratamento deste justo título, quando o palestrante afirma a
licitude do Papa conceder aos espanhóis o monopólio sobre a comuni-
cação e comércio com os índios, em defesa da maior eficiência da propa-
gação do Cristianismo. Isto se choca violentamente com o postulado

38. Paulo Potiara de Alcântara Veloso, “A guerra justa e o papel dos povos infiéis:
transformações do Ius Gentium sob as perspectivas de Paulus Vladimiri e Francisco
de Vitoria” (Tese de doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina, 2013), 205.
39. Beatriz Maldonado Simán, “La guerra justa de Francisco de Vitoria,” Anuario
Mexicano de Derecho Internacional 6 (2006), https://revistas.juridicas.unam.mx/index.
php/derecho-internacional/article/view/166/269.
40. Joe Verhoeven, “Vitoria ou la matrice du droit international,” in Actualité de la pensée
juridique de Francisco de Vitoria, ed. Antonio Truyol y Serra (Bruxellles: Bruylant,
1988), 112.
41. Maldonado Simán, La guerra justa.

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de liberdade de navegação e exploração42, mas aparentemente o direito


divino positivo derivado consistente nos decretos papais pode excepcionar
o ius gentium43.
Outro ponto em que Francisco de Vitoria parece desmerecer sua fama
de defensor dos direitos dos índios está na derradeira causa legítima para
a guerra, que ele aponta como uma especulação duvidosa, sustentando
que os índios são mentalmente prejudicados e incapazes de se governar, e
que viriam a se beneficiar do domínio espanhol44.
Embora, como dito, ele não se anime a converter tal dado em motivo
pleno para a conquista, ainda assim se vê um Vitoria que tem em bem
pouca conta as sociedades indígenas. Para o regente de Prima, o índio não
parece constituir propriamente um “outro”, detentor da mesma dignidade
que os europeus. Trata-se de um misto entre um homem e uma besta, um
ser e uma ideia. A seu favor, dispõe apenas de alguns preceitos morais e de
pedidos de moderação, mas não comparece na Relectio como uma pessoa
dotada das mesmas características e capacidades que o próprio pales-
trante45. Portanto, o aparato de direitos dos quais os indígenas aparen-
temente disporiam, ainda que neles não vissem nenhuma utilidade46, é
limitado por uma visão fundamentalmente unidirecional, na qual o ius
gentium parece sempre trazer resultados positivos para os espanhóis e
negativos para os “bárbaros”47.
Por fim, o encerramento da palestra soa frustrante para quem deseja
enxergar em Vitoria um campeão da causa anticolonialista. Após terçar
seus títulos legítimos, o teólogo burgalês conclui, coerentemente, que,
na ausência daqueles, toda ocupação forçada de território indígena seria
ilícita, e tanto as expedições como o comércio entre colônia e metrópole
deveriam cessar. Ele logo se dá conta do prejuízo “inaceitável” que isto
traria aos espanhóis. Para contrabalançá-lo, nota que, dada a conversão
de muitos indígenas ao Cristianismo, o rei da Espanha estaria em uma
posição de defensor destes, e não poderia abandonar o governo do Novo

42. Joseph Höffner, Colonização e evangelho: ética da colonização espanhola no século de


ouro, 3ª ed. (Rio de Janeiro: Presença, 1986), 313.
43. Marta Albert Márquez, “El principio de la libertad de los mares en la Relectio de Indis.
¿Se enfrento Francisco de Vitoria a los interesses españoles?” Derecho y opinión 6
(1998), 180, http://helvia.uco.es/xmlui/handle/10396/7367.
44. Vitoria, De Indis, III, 18.
45. Verhoeven, Vitoria, 106.
46. Williams Jr., The Medieval, 98.
47. Veloso, A guerra justa, 212.

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Mundo48. Parece uma justificativa forjada expressamente para minorar o


dano que uma retirada espanhola infligiria às rendas da Corte49.
Mesmo alguns séculos após o discurso sobre os índios, as palavras de
Francisco de Vitoria continuam provocando interpretações radicalmente
divergentes, como se viu. O próximo tópico avançará algumas possíveis
razões para o que se considera duas séries de exageros em sentidos opostos.
Assim, espera-se completar a descrição do problema que é tratado nesse
trabalho.

3.3 O presentismo nas interpretações da De Indis

Tanto o Francisco de Vitoria “utópico” e defensor dos índios quanto


o “apologista” da colonização são frutos de interpretações posteriores, que
se deixaram levar pelo espírito de seus respectivos tempos. Parecem ocor-
rências do vício historiográfico do “presentismo”, que pode ser entendido
como a introdução, na descrição do passado, dos valores e entendimentos
da época e lugar do observador. Esse tópico pretende submeter à crítica
as duas visões contrastantes sobre o dominicano. Assim fazendo, não se
espera, por ora, alcançar um “verdadeiro” retrato de Vitoria, mas salientar
que seu pensamento possui mais especificidades e nuances do que pode
ser captado pelos comentaristas que mantêm um olho em seu próprio
presente.
As interpretações desmedidamente favoráveis a Vitoria originam-se
de sua redescoberta a partir do fim do século XIX. Com a crescente
sistematização dos estudos de direito internacional na época, tornou-se
premente a busca por um “pai fundador” que conferisse unidade e tradição
a este ramo do direito, sempre um tanto perturbado por suas caracterís-
ticas peculiares que parecem afastá-lo dos demais “direitos”. A figura de
Francisco de Vitoria serviu bem a tal propósito, e os ensinamentos do
mestre dominicano foram relidos sob um olhar não só entusiasmado
como também ativista: procurava-se nas lições vitorianas um fundamento
para tudo o que estivesse na moda na época contemporânea.
Tais exageros, é bem que se diga, brotaram do desejo de fazer com
que o direito internacional se sobrepusesse às tormentosas idas e vindas
da diplomacia voluntarista da Realpolitik que dominava as capitais euro-
peias e americanas em princípios do século passado. Se o direito das

48. Vitoria, De indis, III, 18.


49. Mechoulan, Vitoria, 22-23.

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gentes quisesse ser respeitado pelos homens de Estado, era mister que
pudesse apresentar boas credenciais históricas. Daí a bem-intencionada,
porém pouco esclarecedora, releitura de Francisco de Vitoria, que fez do
pacato monge dominicano um político visionário, antecipador de todas as
tendências e modismos das relações internacionais do século XX.
Mas também a descrição de Vitoria como um propagandista do colo-
nialismo dificilmente resiste a uma crítica histórica precisa, ou mesmo a
uma leitura integral de sua obra magna. Tome-se como exemplo o argu-
mento de que o dominicano seria um defensor do livre comércio, mesmo
contra a vontade das nações indígenas50. É verdade que ele defende as
liberdades de circulação e comércio, que em seguida beneficiariam os
espanhóis no impulso inicial do mercantilismo imperialista. Mas Vitoria
provavelmente não enxergava tais liberdades como fins em si, à moda dos
atuais direitos humanos de primeira geração, ou como uma antecipação
do modelo econômico capitalista. Conforme explicado por Justenhoven,
Vitoria estava sendo influenciado, nesse ponto, por uma poderosa corrente
intelectual do humanismo renascentista, que buscava, na ideia de unidade
do gênero humano, uma resposta pacifista ao aumento brutal na quan-
tidade e violência das guerras na Europa pós-medieval51. O teólogo
burgalês defende o livre comércio como meio para alcançar a paz na
Cristandade, não como modo de criação de riqueza ou como manifes-
tação de um direito humano abstrato.
Grande parte das críticas à postura vitoriana acerca do problema da
conquista provém de autores afiliados à corrente Third World Approaches to
International Law, que enfatiza a proximidade entre Direito Internacional,
imperialismo e colonização. Estas também produziram seus exageros,
como classificar as ideias de Francisco de Vitoria na mesma categoria das
razões para o sistema de mandatos da Sociedade das Nações, os acordos
TRIPS e a OMC52, chegando-se a encontrar semelhanças entre o trata-
mento pejorativo que teria sido dado por Vitoria aos índios americanos e
a legítima defesa preventiva e a Guerra do Iraque53.
É preciso reconhecer que as abordagens da escola crítica lançam
luzes sobre aspectos menos evidentes, porém presentes, na obra de

50. Koskenniemi, Empire, 1-36. Ignacio de la Rasilla del Moral, “Francisco de Vitoria’s
Unexpected Transformations and Reinterpretations for International Law”, Intemational
Community Law Review 15 (2013), 314-315. DOI: 10.1163/18719732-12341254.
51. Justenhoven, Francisco de Vitoria, 127-129.
52. Anghie, Imperialism, 168, 220, 271.
53. Ibid., 292-293.

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Vitoria. Alguns destes são: sua falta de isenção (e até mesmo a impossi-
bilidade desta); sua vontade de não desagradar ninguém; as dificuldades
para conceber o “outro” como um igual e para ultrapassar o paradigma
geográfico da Cristandade; o entusiasmo de sua época pela exploração
máxima de recursos econômicos; a facilidade com que se permitia o
recurso às armas. Da mesma forma, houve um aporte historiográfico
interessante, ao denunciar a romantização da figura de Vitoria feita por
alguns de seus divulgadores nos últimos dois séculos.
Por outro lado, não convém exagerar. Muitas das críticas a Vitoria, ou
das tentativas de rotulá-lo como representante do imperialismo europeu,
revelam uma tendência a projetar, no estudo do passado, os paradigmas
típicos da época histórica do observador, em detrimento dos valores do
observado. Isso parece claro na avaliação da solução vitoriana para o
problema da moralidade da conquista. Aparentemente, a distinção entre
títulos legítimos e ilegítimos, e as condicionantes que norteiam estes
últimos, não foram suficientes para convencer a abordagem crítica de que
Vitoria seria contrário à forma em que a colonização era levada a cabo. Na
verdade, o que leva os críticos a considerá-lo complacente com a guerra
aos índios é a falta de condenações claras a todo o projeto colonial. Uma
terceira via, na figura de uma colonização alternativa dos territórios já
encontrados, parece impossível aos olhos dessas abordagens questiona-
doras.
Acredita-se que tais descrições da obra de Francisco de Vitoria são
falhas por, ao menos, três razões conectadas entre si. Em primeiro lugar,
elas operam uma ruptura entre o autor estudado e seu objeto. Analisam
a tomada de posição de Vitoria sobre o tema das guerras índias, mas
evitam enxergar tal evento com os olhos de Vitoria. Ao invés, apresentam
a Conquista desde o ponto de vista atual: episódio concluído, histori-
camente situado e passível de estudo como uma realidade passada. É
possível que o estudioso de hoje possua melhores condições de estudar a
colonização americana, como um todo, do que o pensador que a viveu em
seu tempo. Mas se o cerne da investigação não for o fenômeno histórico,
e sim o trabalho do pensador quinhentista que o discutiu em sua própria
contemporaneidade, então o estudo (presente) do episódio histórico só
servirá como contexto – o objeto mesmo da pesquisa deverá ser o modo
como o autor estudado percebeu o evento, pois só assim seus argumentos
manterão o sentido que ele lhes deu. Simplificando, a corrente crítica
analisa uma discussão política de Vitoria sem saber do que o autor estava
falando. Pois seu tema “a guerra dos espanhóis contra os índios” no século

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XVI não é o mesmo que no século XXI  – ainda que se trate da mesma
guerra, e dos mesmos índios.
Em segundo lugar, tais autores projetam, em sua interpretação de
Francisco de Vitoria, perguntas que fazem sentido apenas no presente,
por estarem baseadas em conceitos de formulação mais recente. Assim,
interrogam Vitoria sobre sua posição em relação a igualdade soberana,
direitos humanos, pacifismo universal, pluralismo cultural... A própria
pergunta sobre se ele era, afinal, “a favor” ou “contra” a guerra contra os
índios, parece não conseguir libertar-se das experiências acumuladas até
o momento presente. Hoje, a posição “a favor” equivale, na prática, ao
genocídio – e a posição “contra” já não implica em que outro país venha
a conquistar os mesmos territórios índios. Isso não estava implícito no
tempo de Vitoria.
Por fim, a interpretação de Vitoria como apologista do colonialismo é
tributária direta dos valores e visões de mundo atuais, baseados inclusive
na experiência histórica. Tais como a ideia do repúdio à guerra, calcada no
mal-estar provocado pelas memórias das Guerras Mundiais, das corridas
imperialistas e da colonização. Ou a ideia de direitos humanos individuais,
como contraponto às experiências totalitárias, à escravidão e ao agiganta-
mento do Estado absolutista. Ou a ideia do pluralismo cultural e da tole-
rância, com precedente histórico na convivência entre povos diferentes,
nas migrações e no desenvolvimento das tecnologias de comunicação. Os
contemporâneos de Vitoria não possuíam nenhum desses valores  – não
porque fossem contrários aos mesmos, mas porque não correspondiam às
necessidades de sua época. Ora, as abordagens “pós-coloniais” de Vitoria
parecem inseri-lo, à força, na oposição a esses valores modernos. E, se
ele não os defende, então são-lhe atribuídos outros valores, igualmente
desenraizados de seu tempo: liberalismo econômico, imperialismo, into-
lerância.

4. Referencial teórico da De Indis: A noção de direito subjetivo

Viu-se que, na Relectio de Indis, Francisco de Vitoria discutiu muitos


de seus títulos, tanto legítimos quanto ilegítimos, a partir de direitos
naturais subjetivos, atribuídos alternadamente a espanhóis e indígenas. O
tratamento dado por Vitoria à questão dos índios desenvolveu-se, assim,
de modo inovador: sua estratégia consistiu em identificar e delimitar os
direitos contrapostos que conquistadores e integrantes das tribos poderiam
alegar em defesa de suas posições jurídicas. O convento de Salamanca

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Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 939

tornou-se um tribunal imaginário, e o teólogo burgalês convocou sua


audiência para ocupar o posto de jurado na disputa argumentativa entre
as posições favorável e contrária à colonização. Chama a atenção a bila-
teralidade do raciocínio vitoriano – o estudo dos direitos naturais subje-
tivos dos envolvidos na conquista da América permitia aos índios assumir
metade do protagonismo no tratamento jurídico da questão.

4.1 A mudança na definição do direito: um lugar para o direito subjetivo

Vitoria propõe um modelo que permite apreciar ao mesmo tempo os


dois lados da questão, consistente em individualizar e contrapor as facul-
dades jurídicas que poderiam embasar a conduta de cada ator. Para isso,
precisou estabelecer o poder de fazer algo como significado principal do
termo “direito”.
A respeito, é notável que, ao comentar a Suma Teológica em suas aulas
regulares, o mestre salmantino seguira a definição de direito de Tomás de
Aquino, a qual dá pouco espaço para uma ideia de direito subjetivo. Para
o autor da Suma, o direito é, primeiramente, uma proporção correta entre
pessoas e coisas, a partir da qual certos bens serão objetivamente devidos
a certos indivíduos54. Tal acepção não é mais a principal no Francisco de
Vitoria da Relectio, que desenha todo o panorama da confrontação entre
espanhóis e indígenas como um embate entre títulos jurídicos contra-
postos. Mas é significativo que, ao tratar especificamente do que se poderia
chamar de “teoria do direito”, no comentário à Suma Teológica, Vitoria
não tenha mencionado a faculdade ou o poder como um dos possíveis
sentidos da palavra direito. O direito subjetivo não apareceu quando o
mestre buscou definir o direito.
Mas em breve sua abordagem se modifica, ainda nas aulas sobre
a magnum opus de Tomás. Isso ocorre quando Vitoria se propõe um
caso concreto: como justificar a propriedade? Trata-se do mote para a
demorada investigação que ocorre na quaestio 62 sobre a restituição55. Ali,
o sentido central do direito, para o mestre salmantino, é: “el derecho es la

54. Santo Tomás de Aquino, Suma de Teología, t.3, trad. VVAA. (Madrid: Biblioteca de
Autores Cristianos, 1960), II-II q. 57, “De iure”. Michel Villey, Questões de Tomás de
Aquino sobre direito e política (São Paulo: Martins Fontes, 2014), 109-130. Javier
Hervada, Lições propedêuticas de Filosofia do Direito (São Paulo: Martins Fontes,
2008), 345-349.
55. Aquino, Suma, II-II q. 62, “De restitutione”.

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potestad o facultad que conviene a alguien según las leyes”56. A oposição à


definição da Suma é clara aqui, pois os artigos tomistas referentes à defi-
nição do direito sequer empregavam as palavras potestas sive facultas. Em
respeito ao Aquinate, seu grande referencial na Teologia, porém, Vitoria
não afirma que há uma divergência entre ambos.
A nova definição introduzida por Vitoria provavelmente deve-se,
como explica Guzmán Brito, a seus estudos na Universidade de Paris57.
Com efeito, a ligação entre direito e facultas havia sido trabalhada origi-
nalmente por Jean Gerson, que aproximava o direito da corporeidade
dos entes sensíveis, definindo-o como faculdade que convém a alguém
segundo o ditame da reta razão. Neste sentido, como a lei natural dirige o
movimento de todos os seres, também os não humanos possuem direito.
Em outras palavras, para Gerson, os direitos dependem do ente, não
da lei. Porém já se encontra aqui uma tendência a identificar o direito
com o poder de fazer algo58. Conrado de Summenhart, que comenta o
mestre parisino, diferencia entre potestas e facultas, observando que o
segundo termo denota ideia de licitude, tendo mais que ver com o direito.
Embora advertindo que nem todo direito é conveniente, como no caso
de uma hipotética faculdade de matar dada pela lei, ele segue Gerson
ao afirmar que os inanimados também têm direitos. O posicionamento
de Summenhart foi acolhido pelo nominalista John Mayor, professor de
Vitoria na Universidade de Paris59. Note-se que os três pensadores mencio-
nados são teólogos, e não juristas do ius commune da época. A definição
do direito como faculdade chegou a Vitoria como um aporte dos mestres
da teologia que se preocupavam em trabalhar a exigibilidade moral do
conteúdo da lei.
Embora a influência de Summenhart sobre o teólogo burgalês não
possa ser negada, eis que o comentário à De Restitutione o cita explicita-
mente, não é crível que a opção vitoriana por introduzir uma nova defi-
nição do ius seja exclusivamente devida ao respeito pela autoridade, pois
o mestre salmantino não tem pejo em discordar muitas vezes das fontes
mais consagradas de sua época. Parece antes que a mudança de perspectiva
tenha suas raízes no tema da lição de Vitoria: ele estava discutindo a resti-

56. Francisco de Vitoria, De iustitia, q. 62 a. 1 n. 5. Apud Alejandro Guzmán Brito, El


derecho como facultad en la Neoescolástica Española del siglo XVI (Madrid: Iustel,
2009), 40.
57. Guzmán Brito, El derecho, 56-57.
58. Ibid., 18-21.
59. Ibid., 27.

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tuição60. Assim, ao tratar das diversas ocasiões em que haveria ou não


uma exigência moral de devolução, a técnica do direito subjetivo, na qual
os direitos, como faculdades, estão atrelados a seus titulares como uma
propriedade moral, podendo ser exercidos ou não, deve ter-lhe parecido a
melhor linguagem para veicular os debates relativos à restitutio.
Com efeito, do ponto de vista de um teólogo moralista, a definição do
direito encontrada nos comentários à questão 62 – direito como faculdade
ou poder – é mais operacional que aquela transmitida pelo Aquinate na
questão 57 – direito como coisa ou proporção. A compreensão do ius como
uma capacidade subjetiva do indivíduo abre todo um campo de inves-
tigação moral no atinente aos diferentes modos de exercer o direito de
cada um, bem como aos limites desta faculdade. Nas palavras de Guzmán
Brito, tal concepção ressalta o momento potencial do direito61, deslocando
o exame para aquilo que o titular pode fazer com seu direito.
Em contrapartida, a definição do direito como coisa justa em uma
relação, que Vitoria pode ler no Aquinate, não traz grandes consequências
imediatas do ponto de vista moral. A solução jurídica decorrerá das circuns-
tâncias da controvérsia, devendo respeitar a igualdade de valor entre todas
as pessoas. Na tarefa de determinar o que cabe a cada um, o julgador valer-
-se-á dos institutos jurídicos consagrados naquela comunidade, seja pelo
uso constante, seja por uma disposição legal expressa. E é bom lembrar
que não existem, nessa concepção, garantias absolutas quanto à correção
da resposta judicial. Esta será vista como uma conclusão provisória (e
necessária) do debate, conclusão que pode ser derrogada por argumentos
novos e melhores que surjam no futuro perante um caso semelhante. Por
isso que Tomás de Aquino conferia à justiça a função de retificadora da
vontade. A virtude do suum cuique não se vincula obrigatoriamente à
resposta exata aos litígios, visto que esta não pode ser encontrada com
certeza completa ao modo das ciências exatas. À justiça compete apenas
orientar a vontade do indivíduo de modo que se conforme com o que for
determinado como sua prestação em cada disputa, entregando ao outro
efetivamente a parte que lhe couber. Não há compromisso com a correção
indubitável do resultado, apenas com a solução provisória mais acertada
que se puder encontrar. Nessa perspectiva, ao invés de encontrar o justo
meio, a justiça ensina a querer encontrá-lo.

60. Ibid., 59-60.


61. Ibid., 89.

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Já a lei é, em Aquino, uma retificadora da razão, dirigindo-a ao fim


bom particular que se elegeu, ou à finalidade geral do homem e da comu-
nidade. A lei age na razão; daí ser extremamente suscetível de discussão
sobre sua correção, sua interpretação, seu modo de aplicação etc. Ao
contrário do direito, à lei convém uma deliberação sobre suas qualidades
in abstractu, previamente ao surgimento do caso que deverá regular. Essa é
a razão, pensa-se, pela qual, no mesmo movimento em que iguala o direito
a uma faculdade, Vitoria o remete à lei, traindo a diferenciação entre estes
dois conceitos chave que Tomás de Aquino estabelecera na lição sobre a
quaestio 57 da Suma. A nova definição de direito do teólogo ibérico, há
de se recordar, é esta: “el derecho es la potestad o facultad que conviene
a alguien según las leyes, esto es, la facultad dada, a mí, por ejemplo, por
la ley para cualquier cosa que sea menester”62. Direito, faculdade e lei se
encontram no mesmo plano: o direito é uma faculdade atribuída ao indi-
víduo pela lei.
Quando Vitoria se debruça sobre temas morais espinhosos, como
a restituição, a legitimidade da propriedade privada e o dilema da colo-
nização, ele parece ter preferido empregar a concepção subjetivista do
direito, muito embora quase não haja vestígio dela na Suma Teológica. O
seu olhar de diretor de consciências enxergava no direito como faculdade
um instrumental mais apto para teorizar acerca da conduta humana,
valorizando o vínculo entre o resultado externo da ação e as disposições
interiores do sujeito agente, que são a matéria sobre a qual se exercem
preferencialmente as virtudes e os vícios – isto é, o campo primordial do
combate moral interior. Enquanto que a definição de direito da questão
57, fruto do estudo centrado apenas no conceito do ius sem considerar
suas aplicações, não permite extrair diretrizes fortes para a ação indi-
vidual, apenas um método para contemplar a realidade entendendo o que
(já) é de cada um.
Em outras palavras, se o direito for, sobretudo, uma coisa deter-
minada por via de proporção, como ensinava o Aquinate, caberá ao jurista
encontrá-lo no caso concreto, e tratar-se-á de um dado objetivo, ancorado
na realidade externa. Se o direito for, primordialmente, uma faculdade
individual, como quer Vitoria, caberá ao moralista encontrá-lo a partir
do exame do interior humano, e tratar-se-á de uma medida subjetiva,
que dependerá da intenção de cada um em exercê-lo. O direito subjetivo

62. Francisco de Vitoria, De iustitia, q. 62 a. 1 n. 5. Apud Alejandro Guzmán Brito, El


derecho, 40.

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Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 943

permite um maior controle teórico da conduta humana, pois possibilita


considerar – e deliberar sobre – tudo o que o titular pode vir a fazer com
seu direito. Já na linguagem tomista transmitida pela questão 57 da parte
II-II da Suma, o direito como res é essencialmente indefinido, variando
tanto quantas forem as possibilidades de relacionamento humano envol-
vendo bens.
É ilustrativo o modo como Vitoria resolve a questão sobre a legiti-
midade da propriedade privada63. Ele justifica tal instituto por uma série
de proposições que começam pelo domínio universal de Deus sobre todas
as coisas64. A faculdade humana de ter domínio, por sua vez, também foi
concedida gratuitamente pelo Criador (que não fez tal graça aos demais
animais), podendo exercer-se sobre todos os demais componentes da
Criação65. Tal doação se fez pelo direito natural (que o teólogo burgalês não
diferencia de lei natural), que constituiu o homem como ser necessitado
de coisas materiais para sobreviver. Este direito natural, sendo imutável,
não pode fundamentar a divisão das propriedades, pois do contrário
teria havido uma variação no ius naturale66. A apropriação das coisas,
então, é de direito humano, mais especificamente do ius gentium, que
não necessita uma promulgação expressa, mas se forma através de certo
“consenso interpretativo” expresso mais com obras que com palavras67.
Vê-se como, admitindo o direito como uma faculdade e aproxi-
mando-o da ideia de dominium, é relativamente fácil para o regente de
Prima derivar a propriedade privada do poder supremo exercido por Deus
sobre todas as coisas. A ótica aqui é voluntarista, e indaga-se sobretudo pela
lei que permite aos homens tomar bens como seu patrimônio individual, e
a partir da qual erigir-se-ão direitos naturais individuais, subjetivos, deter-
minados e imutáveis. Não por acaso, um dos corolários que o dominicano
espanhol extrai de sua argumentação sobre a propriedade é que as terras
dos índios americanos não podem ser tomadas pelos europeus, a não ser
que haja justo título para uma guerra baseado no direito das gentes68. Este
parágrafo, que efetivamente resume a discussão da De Indis, é revelador

63. Michel Villey, Formação do pensamento jurídico moderno, trad. Claudia Berliner (São
Paulo: Martins Fontes, 2005), 389-393.
64. Guzmán Brito, El derecho, 63.
65. Ibid., 63.
66. Ibid., 66.
67. Ibid., 68.
68. Francisco de Vitoria, De iustitia, q. 62 a. 1 n. 5. Apud Guzmán Brito, El derecho, 40.

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944 Rafael Zelesco Barretto

no sentido da utilidade que a concepção subjetivista do direito natural


exibe para o tratamento de questões práticas.
Em resumo, embora conheça e transmita fielmente a definição
tomista do direito, Francisco de Vitoria também faz contato com a
concepção subjetivista que o enxerga como um poder. Ao estudar casos
concretos, emprega – conscientemente ou não – este segundo sentido do
ius, por permitir-lhe opinar em maior escala sobre as atividades humanas.

4.2 Direitos subjetivos contrapostos: espanhóis e indígenas perante Vitoria

Em relação à polêmica da conquista, Vitoria trabalha com a listagem


dos direitos naturais que beneficiarão ambos os lados, a qual já se sinte-
tizou mais acima nesse trabalho. O resultado é um tratamento amplo e
compreensivo das diversas atividades que poderiam ser levadas a cabo
durante o empreendimento da colonização. Vitoria oferece soluções para
as fases de exploração, de assentamento, de primeiros contatos com os
indígenas, da vida de europeus isolados entre os índios, de governo (civil
e espiritual) da população submetida e da exploração econômica das
riquezas naturais, desde recursos minerais até operações de exportação
de bens. Se não tudo, uma boa parte das condutas que os conquistadores
poderiam empreender no Novo Mundo passam pelo escrutínio do público
reunido em Salamanca. O palestrante indica o modo correto de condu-
zir-se na colonização, bem como os limites que as ações dos espanhóis
não poderiam ultrapassar. Além disso, expõe as ocasiões em que a força
poderia ser empregada para reivindicar direitos naturais cujo exercício
fosse impedido pelos nativos.
Tudo isso sem ter diante de si nenhum caso específico; bem ao invés,
confessa, no princípio da conferência, que não tem conhecimento de
material escrito sobre o tema69, e demonstra lutar contra a falta de infor-
mações concretas70. É evidente que o mestre salmantino possuía uma boa
noção do que se passava na América, pelas informações que lhe chegavam
dos colegas dominicanos retornados à Espanha, ou dos ex-colonizadores
que o procuravam com dúvidas religiosas, ou ainda dos altos dignitários
reais que consultavam Salamanca acerca do tratamento correto a ser
dispensado aos índios71. O que se realça aqui, contudo, é que a Relectio de

69. Vitoria, De indis, Introd.


70. Georg Cavallar, The Rights of Strangers: Theories of International Hospitality, the Global
Community and Political Justice since Vitoria (Aldershot (UK): Ashgate, 2002), 114-115.
71. Hernández Martín, Francisco de Vitoria, 132 e 137 et seq.

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Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 945

Indis trata de um problema real e concreto através de casos hipotéticos: o


método empregado consiste em imaginar diversas situações mais ou menos
prováveis e indicar brevemente os direitos que assistiriam aos partícipes
destas situações. Não se lê nenhuma menção a um fato histórico realmente
ocorrido. É evidente que a dificuldade nas comunicações entre o Novo e
o Velho Mundo se torna responsável por esta característica. Também se
concede que a falta de notícias minuciosas não deveria impedir o regente
da principal cátedra universitária da Espanha de pronunciar-se sobre a
questão mais aflitiva para a consciência nacional. Mas remanesce o fato
de que, como não dispunha de dados empíricos, Vitoria optou por estru-
turar sua Relectio como uma enumeração de direitos naturais subjetivos.
De outro modo, caso seguisse a definição inicial do direito que copiou
de Santo Tomás, Vitoria se veria em dificuldades para trabalhar o tema da
colonização. Há de se lembrar que, no raciocínio tomista, a coisa justa é
determinada de modo empírico, caso a caso, a partir das circunstâncias
concretas, da exigência geral da igualdade e outras poucas leis naturais, e
de institutos nos quais o julgador possa basear-se para refinar sua busca
pelo justo. Sem contar com leis universais que obrigassem os soberanos
dos espanhóis e das tribos, nem com instituições de abrangência transo-
ceânica ou com institutos que fossem conhecidos pelos dois lados, não
haveria como encontrar uma solução para a questão da licitude da coloni-
zação – até porque tal dilema reunia, no fundo, milhares de controvérsias
individuais entre determinados índios e determinados espanhóis.
Com isso, o dominicano espanhol cometeu duas “infidelidades”
a Tomás de Aquino, como expressa Michel Villey72. Em primeiro lugar,
concedeu ao direito subjetivo uma proeminência que este não tinha de
forma alguma na Suma Teológica. Ainda que se possa argumentar que
ela, na verdade, não exclui a noção de direito como faculdade, apenas
silenciando sobre a mesma, a propositura e resolução dos diversos casos
coloniais hipotéticos através do emprego do direito subjetivo é uma contri-
buição pessoal original de Vitoria ao estudo do direito. Em segundo lugar,
o regente de Prima estabelece um rol de direitos naturais, desde a liberdade
de comunicação e exploração até o direito ao estatuto jurídico de estran-
geiro. Aqui, muito embora mantenha o vocabulário tomista, o conferen-
cista se afastou de seu sentido pois, em Aquino, o direito natural tem por
uma de suas principais características a irredutibilidade a fórmulas fixas.

72. Villey, A formação, 379.

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946 Rafael Zelesco Barretto

Na verdade, a interpretação vitoriana do conceito de direito natural,


e sua concretização em uma série de direitos identificados e subjetivos,
decorre também da confusão entre direito e lei em suas lições. Como
apontado anteriormente, o teólogo burgalês reduz o direito à faculdade
estabelecida por lei. A relação entre ambos é muito próxima, pois, e só
se diferenciam pela sucessão temporal: o direito é o produto necessário
da lei; esta é sua única origem. Esta identificação influenciará também a
dimensão natural do fenômeno jurídico: em Francisco de Vitoria, não se
vê nenhuma distinção entre a lei natural e o direito natural73.
Vale considerar as consequências da construção vitoriana dos direitos
naturais subjetivos. Na De Indis, espanhóis e indígenas são essencial-
mente homens portadores de direitos, os quais eventualmente colidirão
entre si. Ao descobrir e percorrer o novo continente, os ibéricos estarão
fazendo uso de faculdades jurídicas das quais todo homem, pelo simples
fato de sê-lo, dispõe. Poder-se-ia metaforicamente afirmar que, ao lado das
armas que os conquistadores traziam consigo, como espadas, canhões e
mosquetes, estavam suas armas jurídicas, na figura dos direitos de explo-
ração, navegação, comércio, pregação etc.74 Tal como as primeiras, o
armamento jurídico permanecia ao pé dos europeus independentemente
de haver ou não encontro com indígenas. Trata-se de direitos de formação
individual, unilateral, residindo na natureza, inclinações e necessidades
humanas. Durante seu percurso pela América, eventualmente os titulares
destes direitos poderiam encontrar certos homens que impedissem o
pleno desfrute dos mesmos. Neste caso, a força (o arsenal não metafórico)
poderia ser empregada na defesa das prerrogativas naturais violadas pela
resistência indígena.
Contudo, também os silvícolas, enquanto seres humanos, dispunham
de suas próprias armas imateriais: ao lado do tacape, das flechas e da
machadinha, podem contar-se direitos à integridade física, à privacidade,
à paz etc. Os direitos dos descobridores poderiam estender-se somente até
encontrar os dos índios, e não além. Nota-se que, apesar das intenções
em contrário explicitamente afirmadas pelo palestrante, os direitos que

73. Enquanto que, para Tomás de Aquino, os conceitos pertencem a ordens distintas,
pois a “lei” é a razão do “direito”. Assim, a lei natural consiste nas regularidades
perceptíveis na natureza – tanto física quanto, no caso específico do ser humano, em
todo o atinente a uma vida boa. A lei natural precede e informa o direito, identificado
como a parte que corresponde ao partícipe de uma relação interpessoal envolvendo
bens, materiais ou não.
74. A metáfora não é de Vitoria.

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Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 947

descreve entre os “títulos legítimos” conduzirão inevitavelmente ao


confronto, eis que o limite de seu exercício é dado pelo choque com o
direito alheio. O modelo vitoriano de direito é conflitivista. Um leitor
cético bem poderia perguntar se a sucessão das recusas de títulos ilegí-
timos e a sequência dos aparentemente inocentes títulos legítimos não
teria por escopo exatamente chegar à situação de conflito entre direitos,
onde espanhóis e índios tomariam em armas na defesa de suas respec-
tivas prerrogativas, com a esperada vitória do mais forte. É a interrogação
que se manterá em mente ao buscar valorar, nas próximas páginas desse
trabalho, sua solução ao problema dos índios.

5. A solução vitoriana ao problema da guerra aos índios

5.1 O afastamento da utopia

Vistas as críticas à doutrina colonial vitoriana, é possível agora intentar


uma valoração completa da aplicação de seu ius gentium à problemática
da relação com os índios. Pensa-se que dois aspectos muito importantes
do labor do teólogo burgalês devem ser salientados. Em primeiro lugar,
sua obediência às imposições da realidade, pois ele não é um utópico.
Além disso, é preciso ter atenção às numerosas condicionantes que insere
em seu discurso, que confirmam o caráter teológico de seu enfoque e sua
preferência por uma solução dialética.
Apesar de autores sustentarem a configuração de uma “utopia
universalista”75 no pensamento do dominicano espanhol, este último
parece manter os dois pés bem presos ao solo durante a Relectio de Indis.
O argumento conclusivo desta é prova eloquente. Como já referido, após
listar os sete títulos legítimos para a guerra contra os ameríndios e o
título duvidoso da assunção de governo em favor de tribos mentalmente
incapacitadas, o orador se interrogava sobre o caso de que seus compa-
triotas conquistadores não conseguissem comprovar circunstâncias
que os situassem perante um justo título. Em tal situação, a princípio
dever-se ia comandar uma retirada. Porém o mestre hesita perante esta
solução extrema, pois reconhece que traria um sensível prejuízo para o
comércio hispânico. Este argumento materialista é, contudo, refutado
por ele com duas razões. A primeira é que, mesmo no caso de devolução

75. Cordero Pando, Relectio, 461 et seq.

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da soberania aos povos da América, o comércio intercontinental poderia


prosseguir entre nações independentes. A segunda razão é que os comer-
ciantes privados que passassem a navegar para o Novo Mundo seriam
taxados pelos soberanos ibéricos, diminuindo seu prejuízo. Estes argu-
mentos finais costumam receber pouca atenção dos estudiosos de Vitoria,
por serem sucedidos pelo mais retumbante “Em terceiro lugar, é evidente
que, depois de se ter feito ali a conversão de muitos bárbaros, já não seria
conveniente nem lícito ao príncipe abandonar completamente a adminis-
tração daquelas províncias.”76
É importante ter em vista o que o palestrante pretendia nestes
últimos minutos da conferência. Após haver refutado os argumentos mais
comuns empregados em favor da ação bélica espanhola, e tendo oferecido
outros títulos, de base mais sólida porém relativamente moderados,
para a luta contra os nativos, ele se propôs, dialeticamente, uma dúvida
quanto a tudo o que dissera antes. Sua argumentação era forte o suficiente
para resistir ao teste das últimas consequências, as quais poderiam ser
pesadas, chegando até a desistência das Índias? A resposta demonstra que
esta retirada dramática não deveria ser temida: caso se concluísse que o
empreendimento colonial não se poderia valer de nenhum justo título, e
consequentemente as explorações devessem cessar, isto não invalidaria
a Relectio, pois o comércio e a taxação, com o consequente ingresso de
rendimentos, poderiam continuar mesmo na hipótese de principados
indígenas independentes. Por outro lado, os ouvintes de Vitoria sequer
precisariam pensar muito nesta saída, vez que o expressivo número de
conversos no Novo Mundo requereria que o Imperador Carlos protegesse
sua nascente fé.
Disso tudo, pode-se entender que uma condenação pura e simples
do empreendimento colonial e da constituição do império ultramarino,
com a consequente advocacia pelo retorno dos europeus à Espanha e o
abandono das pretensões soberanas da dinastia Habsburgo sobre o novo
continente, já não era mais possível ao tempo em que Vitoria proferia a
Relectio de Indis. Os três motivos fornecidos pelo palestrante demonstram
que este tem bem presente que a ponte entre os dois mundos foi cons-
truída, e nada poderá derrubá-la77. Com efeito, ainda que Madri abrisse
mão de suas conquistas sobre os índios, não haveria como retornar ao
statu quo ante, pois o que protegia as civilizações pré-colombianas da

76. Vitoria, Relectiones, III, 18.


77. Haggenmacher, La place, 70.

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cobiça europeia era principalmente a ignorância. Uma vez que haviam


sido “descobertos”, sabia-se que suas terras e riquezas ali estavam, e seria
impossível tornar a manter distância do tentador Novo Mundo.
O primeiro e segundo argumento de Vitoria em prol da utilidade de
seus títulos refletem o estado de coisas que se descreveu: ainda que os indí-
genas recuperassem a soberania, os espanhóis poderiam manter comércio
com eles. E, como revela a frase sobre cobrança de impostos, nada impe-
diria que mercadores particulares ingressassem no sistema, propondo
comércio aos povos americanos. Embora o palestrante se detenha aqui, e
não tenha, obviamente, interesse em defender-se das acusações de parti-
dário do imperialismo que lhe serão feitas séculos à frente, é fácil tomar
seus argumentos e mostrar em quais circunstâncias se baseavam. O prin-
cipal é que, se a Espanha cessasse a colonização, outros países europeus
ficariam felizes em aproveitar a oportunidade e sujeitar novamente as
desventuradas tribos. A solução à época defendida ardorosamente por
Las Casas78 possivelmente não teria mudado em grande parte a situação
dos indígenas. Além das nações concorrentes, outro perigo espreitaria
as tribos independentes, na figura de empreendedores privados, os quais
teriam muito menos escrúpulos em explorar a mão de obra índia – são os
“mercadores” de que fala Vitoria.
Portanto, a crítica que deplora no teólogo burgalês a ausência de
invectivas mais duras contra toda a colonização, peca por “presentismo”79,
como já dito. Pelo contrário, nos parágrafos anteriores se buscou compar-
tilhar, na medida do possível, a ótica quinhentista de Vitoria, e se cons-
tatou que não era factível nem coerente com seus valores (incluindo aí
a proteção dos índios) elaborar uma crítica completa à conquista da
América.

5.2 As ambiguidades da Relectio de Indis

Será que Vitoria não propõe nada, então, acerca do problema dos
índios? Na verdade, sua contribuição para a questão que atormentava a
mente dos espanhóis e a vida dos ameríndios pode ser bem compreendida
quando se atenta para uma recorrência em sua conferência sobre os índios:
as suposições e condicionantes que se espalham por toda a argumentação.

78. Höffner, Colonização, 185 et seq.


79. Cavallar, The Rights, 116-117.

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Assim, logo no primeiro título legítimo, onde se estabelecia o famoso


ius communicationis (embora Vitoria não use tal expressão que passou à
história), lê-se que: “Mas (como supomos) tal peregrinação dos espanhóis
se dá sem injúria ou dano dos bárbaros. Portanto, é lícita.”80 Destaque-se
a parte entre parêntesis: a licitude da migração às terras indígenas fica
condicionada à falta de injúria aos donos da terra.
As condicionantes prosseguem, agora chegando a justificar a expulsão
dos espanhóis pelos nativos, após a chegada daqueles:

Em quarto lugar, não seria lícito aos franceses impedir aos espanhóis a
peregrinação à França ou mesmo o estabelecimento nela, ou vice-versa,
desde que de nenhum modo isso resultasse em seu dano ou lhes fizesse
injúria. Portanto, nem aos bárbaros. [...] não é lícito relegar hóspedes
sem culpa. [...] Portanto, não movendo os bárbaros uma guerra justa
contra os espanhóis, supondo que estes sejam inofensivos, não é lícito
que repilam os espanhóis de sua pátria. [...] é contrário à natureza evitar
o consórcio dos homens inofensivos.81

É evidente que, no caso de sofrerem algum prejuízo da parte dos


exploradores, os indígenas se veriam autorizados para expulsá-los, e
o direito de livre passagem por parte daqueles não poderia impedir a
defesa dos direitos dos nativos. As mesmas reticências acompanham a
proclamação do direito de propor comércio às tribos – “sem prejuízo dos
cidadãos [os índios]”82. E o direito de participar na exploração das riquezas
da terra – “contanto que aos cidadãos e aos habitantes nativos isso não
seja um peso”83 –, bem como o de beneficiar-se dos mesmos direitos que
os indígenas outorgam aos estrangeiros de outras tribos – “desde que se
submetam aos mesmos encargos dos demais”84. Caso os “bárbaros” não
lhes garantam seus direitos, os ibéricos não poderão exercê-los à força
senão depois de haver demonstrado satisfatoriamente suas boas intenções
“não com meras palavras, mas também com argumentos racionais” e, uma
vez iniciada a guerra defensiva, só poderiam lançar mão dos direitos de
guerra, como por exemplo a escravização dos prisioneiros, caso não fique
comprovado que a reação hostil dos índios se devia ao estranhamento que
naturalmente sentiriam com a chegada de um povo tão diferente quanto

80. Vitoria, Relectiones, III, 2.


81. Ibid., III, 2.
82. Ibid., III, 3.
83. Ibid., III, 3.
84. Ibid., III, 5.

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os espanhóis85. Do contrário, o justo combate limitar-se-á a garantir o


exercício dos direitos naturais ameaçados pelos índios, sem dar azo aos
direitos da guerra, e com o menor dano possível aos índios.
Caso os índios atuem com perfídia contra os espanhóis e os ataquem
de modo premeditado, sem parecer estar em causa sua ignorância, então
passariam a alvo de toda a extensão da guerra justa, “conservando, porém,
a moderação de uma defesa justificada”86. A discussão do primeiro título
da guerra justa contra os índios se encerra com uma advertência contra
buscar pretextos para o combate.
A advertência é mais direta no segundo título:

se de modo diverso não se pode encaminhar os assuntos da religião, é


lícito aos espanhóis se apoderar das terras e províncias daqueles, eleger
novos senhores, depor os antigos [...] conservando-se sempre a mode-
ração e a razão para que não se vá além do que é preciso. E que antes se
renuncie ao próprio direito a perpetrar o que não é lícito, conduzindo
tudo sempre mais no interesse dos bárbaros que no do próprio lucro.87

Sob risco de soar repetitivo, Vitoria enfatiza logo a seguir, por duas
vezes no mesmo parágrafo, que o título de guerra pela liberdade de
anúncio do Evangelho fora estabelecido apenas em teoria, e que para sua
aplicação prática seria necessário examinar se a conversão dos nativos
não seria dificultada pela operação bélica.
Todos os demais títulos legítimos são acompanhados por condicio-
nantes. Pelo terceiro, os espanhóis podem guerrear contra os caciques
infiéis em defesa de membros da tribo que se converteram ao Cristianismo
e sofram perseguições, “se de outra forma não for possível”88. O quarto
título diz que o Papa poderia destituir os governantes indígenas caso
entendesse conveniente para a fé, “sem escândalo”89. O quinto permite
a intervenção por causa humanitária “se de outra forma não se pode
eliminar um rito sacrílego” e apenas para “proteger os inocentes de uma
morte injusta”90. Outro título para a dominação seria a livre escolha dos
índios, desde que “por verdadeira escolha voluntária”91. Já a defesa dos

85. Ibid., III, 6.


86. Ibid., III, 6.
87. Ibid., III, 12.
88. Ibid., III, 13.
89. Ibid., III, 14.
90. Ibid., III, 15.
91. Ibid., III, 16.

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aliados só pode ocorrer quando a tribo que se deseja socorrer está em


guerra justa92. O título duvidoso do governo dos índios pelos europeus
em razão da pouca capacidade intelectual daqueles, enfim, é aceito “de
maneira não afirmativa e ainda com a restrição de fazê-lo pensando nos
bens e no interesse deles próprios [índios] e não somente no proveito dos
espanhóis”93.

5.3 Em busca da solução vitoriana

A partir de todas estas variáveis introduzidas ao longo da aula magna,


fica evidente que uma solução abrangente e definitiva para as relações
entre espanhóis e índios não é o objetivo de Vitoria. Como já lembrado,
ele não é um jurista, cuja função seria resolver controvérsias concretas
apontando o que pertence a cada um. Sua posição é a de um sacerdote,
teólogo moralista, diretor de consciências e formador de padres confes-
sores. Por conseguinte, os dois principais interesses que o movem ao longo
da Relectio são elaborar parâmetros de avaliação moral aos quais seus
discípulos possam ater-se quando se depararem com um ex-conquistador
ou colono em confissão, e influir na conduta individual dos partícipes da
empreitada colonizadora.
Recorde-se o que se estudou no apartado anterior sobre seu entendi-
mento do direito como faculdade: tal concepção era importante para que
ele pudesse avaliar as potenciais condutas do indivíduo, estabelecendo
diretrizes prévias que regulassem os limites e modos de exercer a conduta
humana. O mesmo vale agora: a argumentação expandida na conferência
não visava determinar quem, entre conquistadores e conquistados, estava
com a razão, mas sim elaborar um guia para que seus compatriotas não
perdessem sua alma ao chegar ao Novo Mundo.
Da mesma forma, a recorrente confusão entre direito natural e lei
natural serve, na De Indis, ao propósito de utilizar o vocabulário jurídico
tomado de Tomás de Aquino (direito natural, ius gentium, guerra justa)
para finalidades morais, elaborando diretrizes ou “leis” em abstrato que
possam guiar a futura conduta dos colonos da América. Vale aqui retomar
a ideia de Michel Villey, para quem a lei está mais próxima da moral do
que do direito, pois busca dirigir condutas, não apenas definir o que é

92. Ibid., III, 17.


93. Ibid., III, 18.

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de cada um94. Ela cumpre tanto uma função jurídica, estabelecendo os


contornos do que é devido a cada um, quanto moral, por orientar as ações
das pessoas aos fins eleitos ou ao bem comum. Quando Vitoria apresenta
como direitos naturais postulados fixos e imutáveis, que na terminologia
propriamente tomista seriam reconhecidos como decorrências da lei
natural, está aproveitando o desenvolvido e popular vocabulário jurídico
do Aquinate para avançar modos de controlar a moralidade dos partícipes
da colonização.
Portanto, o teólogo burgalês não está muito preocupado, afinal, com
a legitimidade da Conquista em si: ao tempo em que profere a palestra
(1539), as guerras americanas vinham sendo travadas há décadas, sendo
que o Descobrimento já datava de meio século. Vitoria tem em mente um
assunto bem mais concreto, e sobre o qual estava em posição perfeita para
exercer influência: a retidão das condutas individuais no novo panorama
do estabelecimento das colônias transatlânticas. É por isso que a Relectio
não pode ser lida a modo de um “estudo de caso” jurídico: os títulos ilegí-
timos e legítimos se sucedem para ao final oferecer uma resposta, um
tanto desajeitada, sobre qual curso político sua Espanha deveria seguir.
O verdadeiro propósito da lição vitoriana não é advogar pela coexis-
tência pacífica entre as nações, pela paz mundial ou em prol das culturas
indígenas. Trata-se antes de explicar a seus conterrâneos – e aos futuros
pregadores que os orientariam – como conviver individualmente com os
indígenas, lado a lado no continente americano95.
Embora a Relectio embase toda sua argumentação no direito à guerra,
é importante lembrar que a conquista se fazia principalmente pelo esforço
individual dos soldados-exploradores ibéricos, limitando-se a Coroa a
garantir a legalidade dos resultados e permitir o posterior desfrute das
riquezas. Os confrontos militares na América, embora levados a termo sob
a bandeira e o nome dos monarcas espanhóis, dependeram da iniciativa
e ambição dos aventureiros que se lançavam ao Novo Mundo. Apesar de
seguir o Aquinate ao manter a autoridade legítima como requisito indis-
pensável à guerra justa, Vitoria tem em mente que, no caso das lutas contra
os índios do outro lado do Oceano, o comando real se limitava a um bene-
plácito genérico, e os colonizadores tinham total autonomia para decidir
quem e quando atacar. Sua doutrina da guerra justa, embora se mantenha

94. Villey, A formação, 191-198.


95. Rafael Ruiz, Francisco de Vitoria e os direitos dos índios americanos: A evolução da
legislação indígena castelhana no século XVI (Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002), 169 e
183-6.

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inteiramente nos trilhos de seu predecessor medieval na Universidade


de Paris, foi formulada de um modo que comandantes militares subal-
ternos, deixados à sua própria sorte e iniciativa no Novo Mundo, também
pudessem aplicá-la, sem vexações quanto ao fato de não serem “príncipes”
no sentido em que Tomás de Aquino utilizava a palavra.
Então, a De Indis não efetua um processo à conquista da América
como evento histórico. Ela fornece um instrumental para que cada pessoa
que tomou parte no empreendimento julgue a si mesma diante de sua
consciência. Será o foro íntimo de cada um o responsável por aplicar as
diretrizes vitorianas ao caso concreto com o qual se deparar. Isto explica
também a importância conferida, nos estudos de Vitoria sobre a guerra na
Relectio de Iure Belli e no Comentário à Quaestio de Bello, à intenção dos
combatentes e à obrigatoriedade de examinar a justiça do combate, da
qual dependerá a moralidade da guerra para cada um96.
Mas este leque de condicionantes e vacilações que o palestrante faz
seguir aos justos títulos não se dirige exclusivamente à ação individual,
embora esta seja seu alvo principal. Vitoria também elabora, se não autên-
ticos princípios, ao menos uma ética colonial de alcance geral. Ele segue
o método escolástico da dialética ao evitar uma solução definitiva para o
problema da guerra contra os ameríndios. Prefere organizar seu racio-
cínio mediante uma série de idas e vindas: os índios não são escravos
por natureza, mas podem ser governados pelos espanhóis se isto reverter
no bem daqueles; possuem domínio de suas terras, mas sua organização
social é tão primitiva que parecem crianças; não são súditos do Imperador,
mas podem escolher submeter-se a ele ao enxergarem as vantagens do
modo de vida europeu; não devem obediência ao Papa, mas este exercerá
um poder temporal indireto na hipótese de haver conversos na tribo; suas
terras não são res nullius, mas os espanhóis não podem ser impedidos
de percorrê-las e tomar suas riquezas; seus modos de vida aberrantes e
pecados contra a natureza não podem ser castigados pelos colonizadores,
desde que não vitimem inocentes etc. Por um lado, parece que Vitoria
efetivamente lhes toma com uma mão o que oferecia com a outra97. A tudo
isso, acresçam-se as exigências já comentadas quanto ao uso da força.
Ora, quando se leva em consideração que não se trata de uma palestra

96. Francisco de Vitoria, Relectio de Iure Belli o Paz Dinámica, trad. Luciano Pereña
(Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1981), 139-162 e 223-227.
97. Macedo, O mito, 7.

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jurídica, e sim moral, fica mais evidente que o intuito é revelar um modo
de pensar, uma ética, e não fornecer soluções prontas.
Perante a realidade do descobrimento e da conquista, o mestre
salmantino opta por enfatizar o dever básico dos espanhóis na América:
estabelecer um governo justo. Ele não tem os meios (nem o interesse,
nem a vocação profissional) de caracterizar minuciosamente a forma de
governo ideal para o Novo Mundo. Mas insiste em mostrar a seus ouvintes
no Convento de Santo Estevão como tal dominação sobre os aborígenes
poderia estruturar-se da maneira mais suave e proveitosa possível. Todo
o exposto na conferência mostra que a guerra não deve ser buscada nem
temida pelos espanhóis, mas que os índios também não podem ser aniqui-
lados nem abandonados, e sim governados. A repetição do dever de preo-
cupar-se com os nativos não é apenas uma figura de linguagem destinada
a adoçar as causas para a guerra total: Vitoria ainda é muito escolástico
para desperdiçar palavras em uma conferência solene. Cada repetição da
obrigação que os espanhóis assumiram com o bem-estar físico e espiritual
dos índios reforça o dever da metrópole de manter um governo humano
em suas novas possessões.
É sem dúvida este o motivo pelo qual os estudiosos de Vitoria chegam
a conclusões tão distintas quando se debruçam sobre a De Indis em busca
de uma posição definitiva do palestrante sobre a juridicidade da guerra
contra os nativos. Na verdade, como visto, o dominicano espanhol centrou
suas preocupações no futuro da convivência entre colonizadores e colo-
nizados, advogando por um governo responsável que revertesse ultima-
mente no bem de toda a colônia.

6. Conclusão

O ius gentium de Francisco de Vitoria destaca-se por estar composto


principalmente por direitos subjetivos individuais. Isto fica claro na
Relectio de Indis, onde atribui a seus compatriotas e aos ameríndios
diversas faculdades juridicamente exigíveis, e eventualmente tuteláveis
mediante o uso da força em caso de seu desrespeito. Essa construção
decorre da teoria geral do direito vitoriana, a qual o enxerga como uma
faculdade individual com duas propriedades: é conveniente para seu
titular, com o que se entende que está proporcionada aos fins da natureza
humana; e foi instituída por uma lei. Em consequência, o teólogo burgalês
relativiza a separação que havia em Tomás de Aquino entre os conceitos
de direito e lei, o que acarreta em uma confusão quanto aos termos de

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direito natural e lei natural. Para Vitoria, tratam-se de sinônimos. Ainda


que ele não o diga expressamente, é constante em sua obra o uso inter-
cambiável destas expressões. Sua definição do direito como faculdade o
aproxima do dominium, ou poder sobre as coisas e sobre si mesmo. Nesta
percepção, o ius é composto por vários poderes atribuídos aos indivíduos
pela lei ou pela natureza. Note-se que todas estas ideias aparecem no
pensamento vitoriano quando ele trata de casos concretos, como a justi-
ficação da propriedade privada ou a guerra dos espanhóis na América. Já
em seus estudos teóricos sobre o conceito de direito, que estão no comen-
tário à questão 57 da Secunda Secundae da Suma, ele se limita a transmitir
a definição do Aquinate.
O resultado da definição de direito como faculdade e de sua analogia
com o domínio é, no tema dos índios, a definição dos direitos naturais
ou das gentes (ele não se preocupa muito em distinguir estes termos
quando trata de assuntos práticos) desfrutados por todos os partícipes
da Conquista. Os índios são reconhecidos como portadores de direitos
próprios. Contudo, estes direitos naturais, individuais, subjetivos e deter-
minados entrarão em choque com os direitos dos colonizadores, pois será
sumamente difícil saber, na prática, onde termina cada faculdade. Uma
interpretação mais crítica de Vitoria diria que seu sistema de direitos
naturais foi pensado de modo conflitivista, o que favoreceria o lado dos
europeus.
Diante disso, a valoração da postura do mestre salmantino perante o
problema da colonização não é unânime, e na literatura recente contam-se
numerosas críticas a seu tratamento dos nativos. Entre estas, a de que os
títulos legítimos para a conquista contradiriam os ilegítimos, retornando
aos conquistadores as permissões para a guerra que Vitoria lhes negara
antes. Também se critica sua desvalorização da cultura indígena e a impo-
sição de padrões europeus que os nativos desconheciam. O regente de
Prima abandona toda pretensão de igualdade entre os povos ao tratar do
direito de pregação religiosa, intitulado apenas pelos representantes do
Cristianismo. E parece tomar um interesse desmesurado pelas vantagens
comerciais advindas da exploração da colônia.
Contudo, há de considerar-se que o palestrante tinha em mente que
a colonização não podia realisticamente ser desfeita. Suas vacilações e
idas e vindas durante a Relectio podem ser atribuídas ao espírito da
dialética tomista que ele adota, bem como a uma tentativa de moderar o
recurso à força. O enfoque é de um teólogo moralista, não de um jurista:
não lhe interessa tanto pronunciar-se definitivamente sobre a justiça da
Conquista, e sim desenvolver padrões éticos que orientassem os habitantes

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das colônias em sua convivência com os “bárbaros”. Quanto à política de


governo, as numerosas condicionantes descritas por Vitoria para que o
domínio espanhol fosse justo traduzir-se-iam no tratamento dos índios
como súditos dos reis da Espanha.

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Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

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