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ogo Eads Dargie por} Guinsburg Johan Huizinga HOMO LUDENS (0.JOGO COMO ELEMENTO DA CULTURA Seat ran ein: ity ams | Zp PERSPECTIVA ‘Lei de Barros; Produ: Ricudo W. Neves © Ragiel Fermndes Abrncies, ‘on Lakns~ vom Ungrarg der Kult im Spel Copyright © by Fan Hung Dados Iterations de Casio na Pubticnto (CIP) (Cémara Brasov, SP Bail) Hulzeg, Johan, 1872-194, Homo dens: 0 ogo emo clement d ultra! Johan Huiing [adoro ua Paulo Monti). ‘io Pal: Peripectva, 2007 (Estudon/ Aig por. Guntur) ‘Tuli: Homo Lads: Vom Unprung der Karin Spe ‘trekmpr dS. 2001 Bibiograti. ISBN 978-45.273-0075.9 |. Civilizyto -Flosofa 2. Cau 3, Jogo Filosofia. Gulsbary, I. Tito. See 105.5170 cbb.306.481 Indios pura catdlogo sistent 1 Jogo Elemente cual: Soctologia 306.481 edit relnpresso Direiosesrvados em lingua portauess & EDITORA FERSPECTIVA S.A ‘Av. Brigade Las Anni, 3025 (1401-000 Sto Paslo SP Bail “Telefax: (011) 3485-4388 -worwedlonpespstva. come 2007 Prefacio Em época mais otimista que a atual, nossa espécie rece beu a desigmagio de Homo sapiens. Com 0 passar do tempo, scabamos por compreender que afinal de contas no somos ‘do racionais quanto a ingenuidade eo culto da razao. do séeulo XVIMI nos fzeram supor, e passou a ser de moda designar nossa espécie como Homo faber. Embora faber nao seja uma definigéo do ser humano to inadequada como sapiens, ela & contudo, ainda menos apropriada do que esta, visto poder servir para designar grande mimero de animas, Mas existe uma teresa fungao, que se verifica tanto na vida humana como na arimal, e'€ to importante como 0 racio- cinio € 0 fabrico de objetos: 0 jogo. Creio que, depois de Homo faber e talvex. ao mesmo nivel de Homo’ sapiens, a expressio Homo ludens merece um lugar em nossa nomen- ‘latura Seria_mais ou menos ébvio, mas também um pouco ‘cil, considerar “jogo” toda e qualquer atividade humans, ‘Aqueles que preferirem contentar-se com uma conclusfo met fisca deste genero fario melhor ndo lerem este livro. NBO ‘sjo, todavia, razZo alguma para abandonar a nogio de jogo como um faior distinto ¢ findamental, presente em tudo 0 due acontece no mundo, J4 hé muitos anos que vem eres endo em mim a convigdo de que € no jogo € pelo jogo que 1 civilzagdo surge e se desenvolve. —E possivel encontrar in- ‘icios desse opiniéo em minhas obras desde 1903. Foi ela 1. Natureza e Significado do Jogo como Fenémeno Cultural O jogo € fato mais antigo que a cultura, pois esta, mes- AS Somes Se Sa ee ars Grenemes Eaean ent SRE Sot us eee, mais complexas, verdadeiras competigées, belas representa oe acumen moe Sab eae tm apc oi ing se al aaa ae fe Te ee Sti gar en taba ies oy Fa ae a i ame, cae Sst Gn Oe wide eminoincn sur 8 mek on et 4 Homo Luoens um determinado sentido, No jogo existe alguma coisa “em iogo” que transcende as necessidades imediatas da vida ‘e confere um sentido & ago. Todo jogo significa alguma coisa Nao se explica nada chamanso “instito” ao prinefpio ative (Que constitui a esséncia do jogo; chamar-he “espitito” ou “vontade” seria dizer demasiado. Seja qual for a mancica come 0 considerem, o simples fato de o jogo encerrar um sentido implica a presenga de um elemento nao material era sua propria esséncia. A paicologia © a fisiologia procuram observar, descrever « explicar o jogo dos animais,eriangas © adultos.” Procuramm determinar natureza © 0 significado do jogo, atribuindo lhe uum lugar no sistema da vida, A extrema importincia deste lugar € a necessidade, ou pelo menos a utilidade da fungao do jogo sto geralmente consideradas coisa assente, consti. tuindo o ponto de partida de todas as investigagdes cientficas désse ginero. Ha uma extraordinéria divergéncia entre as umerosas tentativas de definiclo da funcao biolégiea do jogo. Umas definem as origens e fundamento do jogo em fermos de descarga da energia vital superabundante, outcas como sttisfago de um certo “instinto de imitagzo™, cu ainda simplesmente como uma “necessidade” de distensio. Segundo uma teoria, © jogo constitui uma preparacio do joven pars as tarefas serias que mais tarde a vida dele exigita, segundo Sutra, trata-se de um exercicio de autocontrole indispensavel 80 individuo. Outras véem o principio do jogo como. um impalso inato para exercer uma certa faculdade, ou como escjo de dominar ou competir. Teorias hi, ainda, que o consideram uma “ab-reagio", um escape pata impulsos pre- jndiciais, um restaurador da energia dispendida por uma atividade unilateral, ou “realizacio do desejo", ou uma ficgao destinada a preservar o sentiraento do valor pessoal ete, Ha um elemento comum a todas estas hipéteses: todas clas partem do pressupasto de que 0 jogo se acha ligado a alguma coisa que no seja o proprio’ jogo, que nele deve haver alguma espécie de finalidade biologics. “Todas elas se Interrogam sobre 0 porqué © os objetivos do jogo As di Yersas respostas tendem mais a completarse do que a cx. cluir-se mutuamente. Seria perfeitamente possivel aceitar quase todas sem que isso resultasse nusta grande confusio de pensamento, mas nem por isso nos aproximartamos de uma verdadeira compreenséo do conceito de jogo. ‘Todas as res postas, porém, no passam de solugées parciais do problema, Londeran, Het Spel bi Dern, Keaton Veteaien Mmihen” Carers, aoe Hs Hl lee, ‘rt Fam Bench Diet as perb ng tan Rien, tae gd NATUREZ4 f SicriFieAo0 o0 Joo s Se alguma delas fosse realmente decisiva, ow climinaria as demais ou englobaria todas em uma unidade maior. A grande maioria, contudo, preocupa-se apenas superficialmente em suber © que 0 jogo € em si mesmo ¢ 0 que ele significa para os jogadores. Abordam diretamente o jogo, utilizando-se dos métodes quantitativos das ciéncias experimentais. sem antes disso prestarem atengdo a seu cardter profundamente estético, Por via de regra, deixam praticamente de lado caracteristica fundamental do jogo. A todas as “explicagdes" acima referidas poder-se-ia perfeitamente abjetar: “Esta tudo ‘muito bem, mas © que hé de realmente divertido no jogo? Por que razio o bebé grita de prazer? Por que motivo o iogador se deixa absorver inteiramente por sua paixio? Por que uma multido imensa pode ser levada até ao delirio por tum jogo de futebol?” A intensidade do jogo e seu poder de fascinagao nao podem ser explicados por andlises biolégicas, E, coniudo, € nessa intensidade, nessa fascinacao, nessa ca- pacidade de excitar que reside a propria esséncia e a carac- istica primordial do jogo. © mais simples raciocinio nos A que a natureza poderia igualmente ter oferecido a suas eriaturas todas essas teis fungbes de descarga de energia excessiva, de distenstio apds um esforeo, de preparacdo para as exigéncias da vida, de compensagio de deseios insatis- feltos etc., sob a forma de exereicios © reagSes puramente mecinicas. Mas nfo, ela nos deu a tensio, a alegria e 0 divertimento. do jogo. Este iiltimo elemento, o divertimento do jogo, resiste 4 toda anilise e interpretacio ldgicas. A palavra rolandesa aardigheid & extremamente significativa 2 esse respeito. Sua derivasao de aard (natureza, esséncia) mostra bem que a idéia nao pode ser submetida a uma explicacdo mais prolonga- da. Essa irredutibilidade tem sua manifestagio mais notével, para o moderno sentido da linguagem, na palavra inglésa fun, cujo significado mais corrente é ainda bastante recente. E ceurioso que o francés nao possua palavra que Ihe corresponda exatamente € que tanto em holandés (grap © aardigheid) como em alemio (Spass e Witz) sejam necessérios dois teamos para cexprimir esse conceito>. E é cle precisamente que define a esséncia do jogo. Encontramo-nos aqui perante uma cate goria absolutamente priméria da vida, que qualquer um é ccapaz de identificar desde 6 préprie nivel animal. £ legitime considerar o jogo uma “totalidade”, no moderno sentido da Is prgoria"extéecta do foro (feta). eatd endo também’ ogoes ome f Homo Luvens tstavra © & come totlidade que devemos procuraravalé-lo C comorsendsin Como a realidede do jogo utrapassa a esfeca da vida wang, € impossivel que tena seu fundameto em qualquet mento raional, pols nee cso, lmiarseia 4 human A existéncia do jogo ndo esté ligada « qualquer grav determinado de civilzacdo, ou a qualquer concepeto do Yal- verso, Todo. ser pemsante € capaz de entender primeira vista que 0 jogo possul uma relidade autonome, mesme que St Ungua’ nao. possua um temo. geal capay de defi, A exisencia do jogo € inegive. "E possivel ogat, se se guiser,quase todas ‘as sbstragoos! a jusiga, «belo a yee de © bem, Deus. £ possivel negar-se a seriedade, mas no Jogo. Mas reconhecer © jogo 6, forgsamente, reconhecer 0 espfrito, pois o jogo, seja qual for sua esséncia, nao € ma. terial ‘Ultepassa, mesmo ‘no mundo animal, os limites da realdade flea, Do ponto de vista da concepyao. determi sta de um mundo regido pela Updo de forgas cepts © fq seria intciramente superflo. $6 se torna,possvel, penatel © compreensivel quando a presenca do egito dest o deere tinismo absoluto do cosmos. A propria exsténca, do jogo & uma confimagio permanente da naturesa supeaggica de Situagae humana. Se os animals #80 capazs de brian, & Borgue sto alguma coisa mas. do-que simples stes mesa: nlcos. Se brineamos e jogamos, ¢ femos conscigncia dean, € poraue somos mais d0 que simples sees rasonas, pos jogo @ tracional Ao tratr 0 problema do jogo dietamente como fanglo 4a cultura, © ndo‘tal como aparece na vida do animal onda, stiangs, estamos iniiando + partic do momento em que te abordagens da biologia + da picologia chegam a0 sou lean, Encontramos o jogo na cultura, como um elemento. dado ewistente antes. da prépria cultura, acompantandore & Tar cando-s desde as mais distantes orgens ate a fase de Gl ago em que agora nos encoatrames. Em toda a parte en- Gontamos presente 0 joge, como uma qualidade de 4efo bem deteminads ¢ dsins da vida ‘coma’. Podene cenat de lado o problema de saber se até agora a ciéncia conseguiu redust esta qualidade @ fatores quanttatves, Em, maha epinido no o conseguiu. De qualquer modo, o que importa é justamente aquela qualidade que é earacteritice da forma Se vida'a que chamainos "jogo" € 0 jogo como forma espeatfica de ativdade, como “forms signifcante", como funio social. Nao procutaremos analeat oF impulsos'e habitor naturals que condicionam © jogo em [Natunsza £ StoxiFicave bo Joco eral, tomnando-o em suas miltiplas formas concretas, n- quanto estrutura propriamente social. Procurareiios coms. erar 0 jogo como o fazem os jogadares, isto é fem sua significagio priméria. Se verificarmos que © jogo s¢ baseia na manipulagdo de certas imagens, numa certa “ima- ginagéo” da realidade (ou seja, a transformaglo desta em jimagens), nossa preocupacio fundamental serd, entio, captar © valor e'o significado dessas imagens ¢ dessa “imaginacio”, Observaremos a ago destas no proprio jogo, procurando assim compreendé-lo como fator cultural da vida ‘As grandes atividades arquetipicas da sociedade humana so, desde inicio, inteiramente marcadas pelo jogo. Como por exemplo, no caso da linguagem, esse primeiro e supremo trumento que o homem forjou a’fim de poder comunicar, ensinar © comandar. £ a linguagem que Ihe permite distinguir as coisas, defini-las e constaté-las, em resumo, designé-las e ‘com essa designacao elevi-las a0 doriinio do espirito. Na criagto da fala e da linguagem, brincando com essa mara vilhosa faculdade de designar, é como se 0 espitito estivesse constantemente saltando entre a matéria e as coisas pen- sadas. Por detras de toda expressio abstrata se oculta uma metifora, e toda metéfora jogo de palavras. Assim, 20 ddar expresso vida, o homem cria um outro mundo, um ‘mundo postico, 20 lado do da natureza, Outro exemplo é 6 mito, que é também uma transfor- ‘magio ow uma “imaginacio” do mundo exterior, mas implica ‘em um process mais elaborado e complexo do que ocorre tno caso das palavras isoladas. O homem primitive procura, através do mito, dar conta do mundo dos fenémenos atri buindo a este um fundamento divine, Em todas as capri chosas invengdes da mitologia, ha um espirito fantasista que joga no extremo limite entre a brincadcira ¢ a seriedade, Se, finalmente, observarmos o fendmeno do culto, verifies remos que as sociedades primitivas celebram seus ritos sa- grados, seus sacrificios, consagracoes ¢ mistérios, destinados a asegurarem a tranqiilidade do mundo, dentro’ de um esp rito de puro jogo, tomando-se aqui o verdadeiro sentido da palavra Ora, no mito € no culto que tém origem as grandes forcas instintivas da vida civilizada: o direito e a ordem, 0 comércio e 0 lucro, a indistria © a arte, a pocsia, a sabe- doria ea cigncia. Todas elas t8m suas raizes no solo prime- vo do jogo. A finalidade deste estudo consiste em mostrar que 0 exame da cultura sub specie ludi 6 mais do que uma compa- x Homo Luorxs sagio retérica. Nao se trata de modo algum de uma idéia nova Houve uma époce em que era gerelmente aceita, em- hora num sentido limitado € muito diferente daquele que aqui se adotou: 9 inicio do sfeulo XVII, quando surgiu o grande (eatco Taico. Numa brilhante série de figuras, desde as de Shakespeare até as de Calderon ¢ Racine, o teatro domina a literatura osidental. Era costume comparar o mundo um paleo, no qual ceda homem desempenhava seu papel. To- Gavia, isto nfo significa que o elemento lidico da civilizagao fésse'claramente reconbecido. © costume de comparar vida a um paleo, bem analisad, revela-se como pouco mais que um eco do neoplatonismo entdo dominante, com umm tom roralista fortemente acentuado. Era uma variante do velho tema do cardter véo de todas as coisas. A estreita ligacao entre 0 jogo e & cultura néo era observada nem expressa, 20 asso que. nés importa apenas mostrar que © puro ¢ simples Jogo consttui uma das principais bases da chvilizagio. Em nossa maneira de pensar, o jogo é diametralmente ‘oposto a seriedade. A primeira vista, esta oposicdo parece to irredutivel a outras categorias como 0 proprio conceito de jogo. Todavia, caso o examinemos mais de perto, verti caremos que o coniraste entre jogo e seriedade nao 6 decisivo nem imutavel. E licito dizer que o jogo é a nao-seriedade, ‘mas esta afirmacio, além do fato de nada nos dizer quanto 4s caractersticas pestivas do jogo; ¢ extremamente fil de refutar. Caso prelendamos passar de “o jogo 6 a nlovserie~ dade" para “o jogo nio é serio", imediatamente o contraste tornar-se-4 impossivel, pois certas formas de jogo podem ser extraordinariamente sérias, Além disso, € facilimo de- signar varias outras categorias fundamentais que também sho abrangidas pela categoria da “nio-seriedade” e no apre- sentam qualquer relagio com 0 jogo. 0 riso, por exemplo, std de certo modo em oposicéo & seriedade, sem de mancira alguma estar diretamene ligado ao jogo. Os jogos infantis, © futebol e o xadrez so executados dentro da mais profunda seriedade, nfo se verificando nos jogadores a menor tendéncia para o tiso, E curioso notar que o ato puramente fisiol6 Bico de rir € exclusivo dos homens, a0 passo que_a funcio Significante do jogo é comum aos homens © aos animais. animal ridens de Aristtcles caracteriza © homem, em opo- Sigdo aos animais, de mancira quase tio absoluta quanto o homo sapiens. © que vale para ¢ riso vale igualmente para 0° c6mico. © comico € compreendide pela categoria da ndo-seriedade possui certas afinidaées com 0 riso, na medida em que 0 provoca, mas sua relario com o jogo é pereitamente se~ Navureza £ Stcnimesve 0 Joo 9 cundétia, © Considerado em si mesmo, 0 jogo nfio € cémico nem para os jogadores nem para 0 piblico, Os animais mu to jovens, ov-as criangas, podem por vezes ser extrermamente ccbrnicos em suas brineadeieas, mas observar ces adultos per- seguindo-se mutuamente dificilmente suscita em nbs 0 riso, Quando chamamos “eémica” a uma farsa ov uma comédi fazemo-lo levando em conta © nio jogo da representugo pro- priamente dito, mes, sin, a situagio ¢ os pensamentos ex- pressos, A arte mimice do palhaco, cOmica © risivel, dific mente pode ser considerada um verdadeiro jove. A categoria do cémico esté estreitamente tigads i da Joucura, ao mesmo tempo no sentido mais elevadoy © v1 mais baixo do termo. Mas no ha loucura no jogo. ji que se situa para além da antitese entre a sabedoria © a loucura. Na haixa Idade Média, os dois modos fundamentals de vida. © jogo e a seriedade, eram expressos de maneira bustante imper feita através da oposicaa entre folie et sens, até o moniento fem que, em seu Laus stultviae, Erasmo mostrou a improce déncia desse contraste, Todus as idgias, aqui vagamente reunidas num mesmo grupo — jogo, riso, loucura, piada, gracejo, cémico ete perticipou daquela mesma caracteristica que 20s vimos obri gados # alcibuir 10 jogo, slo é, a de resistir a qualquer Tentativa de redugdo 4 outros térmos. Sem davida, sua ratio © sua métua dependéncia residem numa camads muito profunda de nosso ser espiritual Quanto mais nos esforgamos por estabelecer uma sepi- ragdo entre a forma a que chamamos “jogo” e outras formas ‘aperentemente relacionadas a ela, mais se evidencia « abso- luta independéncia do conceito de jogo. E sua exclusio do dominio das. grandes oposigdes entre categorias nio se de- tém ai, 0 jogo no é compreendido pela antitese entre si- bedoria ¢ loucura, ou elas que opdem a verdade ¢ a fal dade, ou o bem ¢ 0 mal. Embora seja uma atividade nao matetial, ndo desempenha uma fun¢o moral, sendo impos- sivel aplicar-Ihe as nogbes de vicio e virtude, Se, portanto, néo for possivel xo jogo referit-se direta~ mente is categorias do bem ou da verdade, nao poderia ele talvez ser incluido no dominio da estética?’ Cabe aqui uma, diivida porque, embora a beleza no seja atributo insepardvel do jogo enquanto tal, este tem tendéncia » assumir acen tuados elementos de beleza. A vivacidade ¢ a graca estio originalmente ligadas 3s formas mais primitivas do jogo. & reste que a beleza do corpo humano em movimento atinge seu apogeu, Em suas formas mais complexas 0 jogo esta lo Homo Luoexs suturado de ritmo e de harmonia, que so os mais nobres dons de percepedo estética de que o homem dispae. S20 ‘ites, © bem intimos, os lagos que unem o jogo e a beleza Apesar disso, nao podemos afirmar que a beleza seja inerente ao jogo enquanto tal Devemos, portanto, limitar- nos ao seguinte: 0 jogo é uma funcio da vida, mss nao & Passivel de definigio exata em termos légicos, biol6gicos ov estéticos. © conceito de jogo deve permanecer distinto de todas as outras formas de pensamento através das guais ex- primimos a estrutura da vida espiritual e social. Teremor Portanto, de limitar-nos a deserever suas principais caracte- risticns, Dado que nosso tema sdo as relagdes entre o jogo e a ‘cultura, ndo € indispensavel fazer referéncia a todas as formas Possiveis de jogo, sendo possivel limitarmo-nos a suas me nifestagbes sociais. Podetiamos considerar estas as f mais elevadas de jogo. de descrever do que os jogos mais primitives das ex © dos animais jovens, por possuirem forma mais nitida’ ¢ articulada e tragos mais variados e visiveis, a0 passo que na laterpretagto dos jogos primitives deparamos imediatamente com aquela caracteristica irredutivel, puramente Iddica, que fem nossa opinido resiste inabalavelmente a andlise. Faremos Feferencia aos concursos © as corridas, as Tepresentacoes ¢ fos espetdculos, A danga ¢ a misica, As masearadas © aos fomeios. Algumas das caracterfsticas ‘que vamos indicar si0 préprias do jogo em geral, enquanto outras pertencem aos jogos sociais em particular Antes de mais nada, o jogo é uma atividade voluntéria, Sujeito a ordens, deixa de ser jogo, podendo no méximo ser uma imitagdo forgada. Basta esta caracteristica de liberdade ara afasté-lo definitivamente do curso da evolugdo natural um clemento a esta acrescentado, que a recobre como um ‘ornamento ou uma roupagem. E evidente que, aqui, s¢ entende liberdade em seu sentido mais lato, sem referéncia 40 problema filos6fico do determinismo. Poder-se-ia objetar 4que esta liberdade io existe para o animal e a crianga, pot serem estes levados ao jogo pela forga de seu instinto e pela nnevessidade de desenvolverem suas faculdades fisicas ¢ sele- tivas. Todavia, o termo “instinto” Ievanta uma inedgnita ¢, além disso, @ pressuposi¢go inicial da utilidade do jogo cons. titui ume 'petigsio de principio, As eriangas e os animais brincam porque gostam de brinear, ¢ € precisamente em tal fato que reside sua liberdade, Seja como for, para o individuo adulto e responsavel 0 jogo € uma fungio’ que facilmente poderia ser dispensada, ¢ NATUREZA £ StoNtFIcADO G0 Joc) Mn algo supétluo, $6 se torna uma necessidade urgente nit mi: ddida em que o prazer por ele provocado 0 transforma nuns necessidade, E possfvel, em qualquer momento, adiar ou sus Pender o jogo. Jamais'é imposto pela necessidade fisica ow elo dever moral, ¢ nunca constitui uma tarefa, sendo scm. pre praticado nas “horas de écio”. Liga-se a nogdes de obri- gagdo ¢ dever apenas quando constitul uma Fungo cultural Feconhecida, como no culto e no ritual. Chegamos, assim, a primeira das caracteristicas funda- mentais do jogo: o fato de ser livre, de ser ele proprio liber dade. Uma segunda caracteristica, intimamente ligada a primeira, & que 0 jogo nfo 6 vida “cocrente” nem vida “real”. 'Pelo contrério, trata-se de uma evasio da vida “real” para uma esfera temporiria de atividade com orientagio pré- ria. Toda crianca sabe perfeitamente quando esta s6 fa- zendo de conta” ou quando esti ''s6 brincando”. A seguinte estéria, que me foi contada pelo pai de um menino, constitui tum excelente exemplo de como essa conscigncia ‘esté. pro— fundamente entaizada no espirito das eriangas. pai foi encontrar seu filhinho de quatro anos brincando “de trenzi- ‘nho" na frente de uma fila de cadeiras, Quando foi beijé-lo, disse-the 0 menino: “Nao dé beijo na méquina, Papai, senao- (ot cartos nio vai ucreditar que & de verdade”. Esta’ caruc- teristioa de “faz de conta” do jogo exprime um sentimento da inferioridade do jogo em relagio 2 “seriedade”, o qual parece ser tio fundamental quanto o proprio jogo. Todavia, conforme ja salientamos, esta consciéncia do fato de ‘so fazer de conta” no jogo nao impede de modo algum que ele se processe com a maior seriedade, com um enlevo e um entusiasmo que chegam ao arrebaiamento ©, pelo menos temporariamente, tiram todo o significado da palavra “ss” dda frase acima. "Todo jogo é capaz, a qualquer momento, de absorver inteiramente o jogador. Nunca hé um contraste bem. nitido entre ele ¢ a seriedade, sendo a inferioridade do jogo sempre reduzida pela superioridade de sua seriedade. Ele se torna seriedade © s setiedade, jogo. f possivel. ao jogo cangar extremos de beleza e de perfeigdo que vultrapassam fem muito a seriedade. Voltaremos a referie-nos a problemas Gificeis deste tipo quando analisarmos mais minuciosamente as relagbes entre o jogo ¢ 0 culto, No que diz respeito is caracterfsticas formais do jogo. todos os observadores dio grande énfase ao fato de ser ele ddesinteressado. Visto que néo pertence & vida “comum’ cle se situa fora do mecsnismo de satisfagio imediata das necessidades © dos desejos e, pelo contrario, interrompe este 2 Homo Luoens mecanismo, Ele se insinua como atividade temporéria, que tem uma finalidade auténoma eso realiza tendo em vista luma satisfagao que consiste nessa propria realizagao. E pelo menos assim que, em primeira instaacia, 0 cle se nos apresenta: como um ‘intervalo em nossa vida quotidiana, Todavia, em sua qualidade de distensdo regularmente veri- ficada, cle se torna um acompanhamento, um eomplemento e, fem Gillima andlise, uma parte integrante da vida em geral, Ornamenta a vida, ampliando-a, © nessa medida torna-se uma necessidade tanto para o individuo, como fungdo vital, ‘quanto para 2 sociedade, devido 20 sentide que encerra, Sua significagdo, a seu valor expressivo, a suas associagdes, espirituais e sociais, em resumo, como funcio cultural, "Dé satisfagdo 2 todo o tipo de ideais comunitérios. Nesta medida, situa-se numa esfera superior aos processos estritamente bio™ logicos de alimentagdo, reproduedo e autoconservagio. Esta afirmagio esti em aparente contradigio com 0 fato de que (0s jogos ligados @ atividade sexual se verificam justamente na época do cio, Mas seria assim tio absurdo atribuir a0 canto, & danga ¢ o “paradear” das aves um lugar exterior a0 dominio puramente fisiol6gico, tal como no caso do jogo humano? Seja como for, este tltimo pertence sempre, em todas as suas formas mais elevadas, a0 dominio do ritual © do culto, ao dominio do sagrado. Mas 0 fato de ser necessirio, de ser culturalmente sil ©, até, de se tornar cultura diminuiré em alguma coisa o caréter desinteressado do jogo? Nao, porque a finalidade a que obedece é exterior aos interesses materiais imediatos e & Satisfagio individual das necessidades biol6gicas. Em sua qualidade de atividade sagrada, o jogo naturalmente contri- bui para a prosperidade do grupo social, mas de outro modo € através de meios totalmente diferentes da aquisigao de cle- ‘mentos de subsisténcia, © jogo distingue-se da vida “coum” tanto pelo lugar quanto pela duragio que ocupa. £ esta a terceira de suas caracteristicas principais: o isolamento, a limitacéo. E "jo. Bado até a0 tim” dentro de certos limites de tempo e de fespago. Possui um caminho e um sentido préprios. © jogo inicia-se e, em determinado momento, “aca- bou”. Joga-se até que se chegue a um certo fim. Enquanto €st4 decorrendo tudo € movimento, mudanca, alternancia, sucessio, associagdo, seperagio. E ha, dirctamente ligada & sua limitagao no tempo, uma outra caracteristica interessante do jogo, a de se fixar imediatamente como fenémeno cultural Mesmo depois de 0 jogo ter chegado ao fim, ele permanece NATUREZA E StowitHesDo 60 Jou DB como uma criaglo nova do espicite, um teswure w ser com servado pela meméria, B transmitido, tornase (dies Pode ser repetide a qualquer momento, quer scjt "jo infant” ou jogo de xadrez, ou em periodos determin:non como um mistério. Uma de suas qualidades undamentars reside nesta capacidade de repeticéo, que no se plc up. has a0 jogo em geral, mas também’ & sua estrutura inter Em quase todas as formas mais clevadss de jogo, ov «lc Imentos de repeti¢fo © de alternincia (como no refrain) con titwem como que o fio ¢ a tessitura do objeto. AA limitagio no espago € ainda mais fagrante do. que a limitago no tempo, Todo jogo se processa ¢ existe no interior de um campo previamente delimitado, de. mancirs material ow imagindcia, deliberada ou espontinea. Tal coma no hé difereaga formal entre o jogo e 0 culto, do mesmo, ‘modo 0 “lugar sagrado” nao pode ser formalmente distinguido do terreno de jogo. A arena, a mesa de jogo, 0 citeulo migico, 0 templo, 0 palco, a tela, o campo de tenis, © tribunal ete., tem todos a forma e a funglo de terrenos de jogo, isto éy lugares proibidos, isolados, fechados, sagrados, ‘em eujo interior se respeitam determinadas regras. Todos cles si0 mundos temporirios dentro do mundo habitual, de- sicados a pritica de’ uma atvidade especial Reins dentro do dominio do jogo uma ordem especitica € absoluta, “E aqui chegamos a sua oulra caracterfstica, ‘mais positiva ainda: ele cra ordem e ¢ ordem. Introduz na confusio da vida e na imperfeigfo do mundo wma perfeigdo temporéria ¢ limitada, exige uma ordem suprema ¢ absoluia: a menor desobedincia a esta “estraga 0 jogo”, privando-o e seu cariter préprio © de todo e qualquer valor. E tal vex devido a esta afinidade profunda entre a ordem ¢ 0 jogo que este, como ussinalamos de passagem, parece estar’ em tio larga medida ligado ao dominio da estéica. Ha nele uma tendéncia para sec belo. Talvez este fator estético seja idéntieo aquele impulso de criar formas ordenadas que pe- netra' 0 jogo em todos os seus aspectos. AS palavras. que fempregamos para designar seus elementos pertencem qusse todas ‘ estética. So. as mesmas palavras com a8 quais Procuramos descrever os efeitos da. beleza: tensi, quilt brio, compensagao, contraste, vatiag&o, solugio, unizo ¢ de~ sunigo. © jogo langa sobre’ nés um feitigo: é“fascinante” “cativante”. Esta cheio das duas qualidades mais nobres que somos capazes de ver nas coisas: 0 ritmo e a harmonia, © elemento de tensio, a que acabamos de nos referi desempena no jogo um papel especialmente’ importante 14 Homo Luvexs Tensio signitica incerteza, acaso. Ha um esforgo para levar © jogo Me ao. derenlace; 0 Jogador quer que gia colsa “vi ou “sala”, pretende “ganhar” a custa de seu_ proprio esforso. Uma crianga estendendo a mao para um brinquedo, uum atinbo brincando com um novelo, uma garotinha. jo: gando bola, todos eles procuram conseguir alguma coisa dit cil, ganhar, acabar com uma tensfo. O jogo & “tenso”, como se costuma dizer. 2 este elemento de tensio e solugio que domina em todos os jogos solitérios de destreza ¢ api caglo, como os quebra-caberas, as charadas, os jogos de ar mar, as paciéncias, 0 tiro 20 alvo, © quanto mais. estiver © elemento competitive mais apaixonante se torna 0 jogo. Esta tensio chega 20 extremo nos jogos de azar ¢ nas Competives esportivas. Embora o jogo enquanto tal esteja para além do dominio do bem e do mal, o elemento de tensio lhe confere um certo valor ético, na’ medida em que sto postas & prova as qualidedes do jogador: sua forga ¢ tena- ade abide o open, inne, soe cape cidades esprituals, sua “‘ealdade”. "Porque, apesar de seu ardene descjo de’ gambar, deve sempre obedecer Bs Tegras 0 jogo. Por sua vez, estas segras so um fator muito impor tante para 0 conceito de jogo. Todo jogo tem suas regras. Sio etas que detcrminam ago qe “vale” dento do mundo temporétio por ele circunscrito. As regras de todos os jogos, io, is ep aac: eae ava assagem, Paul Valéry exprimiu uma idéia das mais impor- tir No aie di apo te tats de om ig, neha icismo & possivel, pois 0 principio no qu assenta uma verdide apresentada como inabalivel. Enfo hi divide de que a desobediéncia as regras implica a derrocada do mundo do jogo. © jogo acaba: O apito do frbitro quebra © feitico © a vida “real” recomesa. © jogador que desrespeita ow ignora as regras & um “desmancha-prazeres”. Este, porém, difere do jogador de- sonesto, do batoteiro, j4 que o titimo finge jogar seriamente o jogo ¢ aparenta reconhecer 9 eteulo magico, | curiowo notar como 0s jogadores so muito mais tes para com © batoteito do que com o desmancha-prazeres; o que se deve 20 fato de este iltimo abalar o proprio mundo do jogo. Retirando-se do jogo, denuncia o caréter relativo © frégil esse mundo no qual, temporariamente, se havia encertado com os outros. Priva o jogo da flusdo’ — palavra cheia de sentido que significa literalmente “em jogo” (de inlusio, ila dere ow inludere). Torna-se, portanto, necessério expulsé- -loy pos ele ameaca a eristéncia da comunidade dos jogadores. NATUREZA & SictHEBO D0 Jou 1 A figura 'do desmancha-prazeres desenhe-se com mis vit ddez. nos jogos infantis. A pequena comunidade nao. procurs averiguar se 0 desmancha-prazeres abandona o jogo por it capacidade ou por imposi¢fo alhela, ow melhor, nic. reco: ‘nhece sua incapacidade e acusa-o de falta de audécia. Puri ela, o problema da obeditneia e da consciéncia € redusido a0 do medo ao castigo, O desmancha-prazeres destréi o mundo ‘magico, portanto, ¢ um covarde e precisa ser expulso, Mesmo no universo da seriedade, os hipécritas e os batoteiros sempre tiveram mais sorte do que os desmancha-prazeres: os apos- tatas, os hereges, os reformadores, os profetas ¢ os objetores de conscigncia, Todavia, freqiientemente acontece que, por sua vez, os desmancha-prazeres fundam uma nova comunidade, dotada de regras préprias. Os fora da lei, 08 revolucionarios, os membros das sociedades secretas, os hereges de todos os tipos tém tendéncias fortemente associativas, se no socidveis, ¢ todas as suas agées silo marcadas por um certo elemento lidico. AS comunidades de jogadores geralmente tendem a tor- nnac-se permanentes, mesmo depois de acabado 0 jogo. claro que nem todos os jogos de bola de gude, ou de bridge, levam fundaggo de um clube. Mas a sensacao de estar “separadamente juntos”, numa situagdo excepcional, de par thar algo importante,” sfastando-se do resto do mando ¢ recusando as normas'habituais, conserva sua magia para além da duragio de cada jogo.’ © clube pertence ao jogo tal como © chapéu pertence a cabeca. Seria demasiado sim- plista explicar todas as associagdes a que os antropdlogos chamam “fratrias” (como por exemplo os clas, as irmandades etc.) apenas como sociediades Iidicas, Mas, mais de uma vee se verificou como € dificil estabelecer uma separacio nitida entre, de um lado, os agrupamentos sociais perma. nentes (sobretudo nas culturas arcaicas, com seus costumes extremamente importantes, solenes © sagrados) e, de outto, © dominio lidico, © carster especial ¢ excepcional do jogo ¢ ilustrado de maneita flagrante pelo ar de mistério em que freqiientemente se envolve, Desde @ mais tenra infancia, 0 encanto do jogo é reforcado por se fazer dele um segredo, Isto 6, para nds, € niio para os outros. © que os outros fazem, “lé fora”, & coisa de momento nao nos importa. Dentto do citculo do jogo, as leis © costumes da vida quotidiana perdem validade. ‘Somos diferentes e fazemos coisas diferentes. Esta supresso femporéria do mundo habitual & inteiramente manifesta ‘ao lo Hoss Luoens mundo infantil, mus ato € menos evidente nos grandes jogos Fitwtis dos poves primitives Nw grande feste de iniciagaa em que os jovens s80 aceilos na comunidade dos homens, rio so apenas os neShitos que team isentos das les ¢ Fegras da tbo: hiv um Weg geral de todus as querelas uma. suspensio de dos us alos de vinganga, Desta fuspensio temporaria da vide social normal, durante a €poca dos jogos sugrados, cxitem também mumerosos indcios em civilizagdes. mais cvoluias, Todas as satuendis © costumes Garnavaleseox sie exemplos disso. Ainda recentemente entre ns, em époci ue costumes loeais mals rudes, peivilegios de classe mas acenuados © uma polit mais tolerante, acei= tavamese as orgits dos jovens de classe alts com “esdan. tadas”, Estas sinda subsistem nas universidades inglesas, sob fo nome de raggiag. 0 qual o Oxford English Dicuwnury de fine somo n extemalve asplay of noisy and daorderl com duet curred out im defiance of authority end daciplone A capicidade de wrnarte outto © 0 mistrio Uo jogo manfestamse de modo. matcante no costume du mascara Agu! ninge © mismo a niturens “exticordiniia™ do ome, OTindviden aiargado ov mascarado. desempenha um papel om xe fone oat pesson, OU melhor, @ outa pessou, Os terores da nfinci, agra exfusiante, «fans istien os rua sagrados encontramese iextricavlmente mists" dos nse estranbo mundo do disare © da maser ‘Numa tentativa de resumir as caractrstens formals do Jog. poderamos considetilo una atividade ire, consien temente tomeds como “nose” exterior & vida hubital, mas a0 mesmo tempo capa de absorver 0 jogador de mane! tm intenen ¢ toa. E uma atvdade desigadn de todo ¢ ‘Qualquer interes mateial, com a dual no. se pede ober Sualguerluer, peatcada dentco de limites espace tem Porais propos, segundo wma eerta ordem © certs Teetes Promove a formagto de grupos socials com tendéacia i e dearenvse de segiedo ea sublitharen sua. diferenga om relagtg a0 resto do mundo por meio de distarces ou tes sneiossemelhants ‘A fungio do jogo, nas formas mais elevadas que uqui ros interessam, pode de maneira geral ser definida pelos dois aspectos fundamentals que nele encontramos: uma luta por alguma coisa ou a representagéo de alguma coisa, Estas ‘duas fungdes podem também por vezes confundit-se, de tal modo que 0 joge passe a "representar” uma luta, ou, nto, (2), Une tonsa manter de compertameny brheno « dered NATUREZA F SigniFiexDo be 0c0 7 se tore uma luta para melhor represemtagio de. alguma Representar significa mostra, ¢ isto pode consstr sim Plesmente na exibigdo, perante um pablico, de uma ceracte- ‘istica natural. O'pavio e 0 peru limitam-se a. mosttar as fémeas 0 esplendor de sua plumagem, mas aqui o aspecto essencial 6 a exibicao de um fenémeno invulgar destinado a Provocar admiragao. Se a ave acompanha essa. exibigdo com alguns passos de danga passamos & ter um espeléctlo, uma passagem da realidade vulgar para um plano tis ele- vado. Nada sabemos daquilo que o animal sente durante esses atos, mas sabemos que as exibiges das criangas mos- team, desde a mais tenra infdneia, um alto grau de imag nagdo. A erianga representa algumia coisa diferente, ou mais bela, ow mais nobre, ou mais perigosa do que habitualmente &Finge ser um principe, um papa, uma bruxa malvada ou um tigre. A erianga fea Iteralmente “transportada” de prazer, superando-se a si mesma a tal ponto que quase chega a acreditar que realmente € esta ou aqucla coisa, sem con- tudo perder inteiramente o sentido da “realidade habitual” Mais do que uma realidade falsa, sua representagao & a reali zacio de uma aparéncia: é “imaginagdo", no sentido criginal do termo. Se passarmos agora das brincadeiras infantis para as representagoes sagradas das civilizagSes primitivas, veremos que nestas se encontra “em jogo” um elemento’ espritual diferente, que € muito dificil de defini. A representagto sa grada € inais do que a simples realizagio de uma aparéncia € até mais do que uma realizagio simbélica: é uma realiza 0 mistica. Algo de invsivel e inefével adquire nela ume forma bela, real e sagrada. Os participantes do ritual estao certos de que o ato coneretiza e efetua uma certa beatifcasao, faz surgit uma ordem de coists mais clevada do que aquela em que habitualmente vivem. Mas tudo isto ao impede que essa “realizagdo pela representagio” conserve, sob todos 0s aspectos, as caracteristicas formais do jogo. & exccutada no interior de um espago circunserto sob a forma de festa, isto é dentro de um espirito de alegria ¢ liberdade. Em Sua intengdo é delimitado um universo proprio ¢e_valor tempordtio. Mas seus efeitos no cessam depois de acabado © jogo; seu esplendor continua sendo projetado sobre 0 mundo’ de todos os dias, influzncia benéfica que garante 4 seguranga, a ordem e 2 prosperidade de todo © grupo até & proxima época dos rituais segrados. Em toda a parte do mundo podem encontrar-se exem- plos disso, Segundo uma velha erenga chinesa, a misica © 0 1s Homo Lupes danga tém a finalidade de manter 9 mundo em seu devido curso ¢ obrigar a natureza a proteger o homem. A prospe dade de cada ano depende da fiel execugio de competicoes sagradas na poca das festas. Caso essas reunides no se realizem, as colheitas nfo poderso amadurecer’. ritual € um dromenon, isto & uma coisa que é feita, uma acdo. A matéria desta ago é'um drama, isto é uma vez mais, um ato, uma ago representada num'palco. Esta aso pole revestir a forma de um espeticulo ou de uma competicio. O rito, ou “ato ritual”, representa um aconte- cimento c6smico, um evento dentro do processo. natural. Contudo, a palavra “representa” néo exprime o sentido exato dda aco, pelo menos na conotag3o mais vaga que atualmente predomina; porque aqui “sepresentacio” é realmente identi- Ficapdo, a tepetigho mistica Ou a reapresentagio do aconteci- mento.” © ritual produz um efeito que, mais do que flgura- tivamente mostrado, & realmente reproduzido na acto. Por- tanto, @ fungao do ‘ito est longe de ser simplesmente imi- tativa, leva ‘a uma verdadeica participacao no préprio ato sagrado”, & um fator helping the action out® Para a cigncia da cultura, © problema nio determinar como a psicologia concebe 0 proceso que se exprime nestes fendmenos, A psicologia poderd tentat arrumar a questio definindo o ritual como identificacdo compensadora, uma espé- cic de substituto, “um ato represéntativo devido & impos- sibilidade de levar a cabo uma agdo real ¢ intencional” * (© que € importante para a cigncia da cultura & procurar com- preender o significado dessas figuragées no espirito dos povos que as praticam © nelas créem ‘Tecamos aqui no proprio amago da religito comparada: a natureza ¢ a esséncia da ritual e do mistério, Todos os antigos sacrificios rituais dos Vedas basciam-se na idéia de que 2 ceriménia — seja ela sacrificio, competicao ou repre- sentago, — representando um certo acontecimento césmico que se deseja, obriga os deuses a provocar sua realizagio efetiva. Ha, portanto, um jogo, no sentido pleno do termo. Deixaremos agora de lado os aspectos especificamente reli- Biosos, concentrando-nos na andlise dos elementos lidicos nos rituais’ primitivos. 2, Me Grane: Foc ot Cammy ances de a Ching, Pai 4, po Narureza i Sionurienve 01) Joe © culto é, portanto, um espetdculo, uma representay.ae dramitica, uma figuragao imagindria de uma realidade «lex jada. Na época das grandes festas, 0 grupo social celeb, 8 acontecimentos principais da vida da natureza levando feito representagdes sagradas, que representam a mudanci: das estagbes, 0 surgimento e o declinio dos astros, 0 cres. mento € 0 amadurecimento das colheitas, a vida © a morte dos homens € dos animais. Como escreve Leo Frobenius @ humanidade “jogo”, representa 0 ordem da_naturcea ‘como ela esta impressa em sua conscigncia™, Num passado. remoto, segundo Frobenius, os homens comegaram por to- ‘mar consciéncia dos fenémenos do mundo vegetal e animal 86 depois, adquirindo as idéias de tempo ¢ espago, dos meses das estagbes, do percurso do sol e da lua. Passaram de- pois a representar esta grande ordem da existéncia em ce- FimOnias sagradas, nas quais ¢ através das quais realizavam. de novo, ou “‘recriavam", os acontecimentos representados, contribuindo assim para a preservac3o da ordem césmica. E hd mais. As formas desse jogo litirgico deram origem & cordem da propria comunidade, as instituigdes politicas pri- mitivas. O rei é o sol, ¢ seu reinado é a imagem do curso do sol. Durante toda sua vida o rei desempenha 0 papel do sol, © no final sofre o mesmo destino que o sol: deve ser ‘morto, de forma ritual, por seu préprio povo. Podemos deixar de lado 0 problema de saber até que onto esta explicacio do regicidio ritual e toda concepgio que cla assenta podem ser consideradas “demonstradas” problema que aqui nos interessa & 0 seguinte: que devemos pensar desta projeco concreta da primitiva consciéncia da natureza? Como devemos encarar um processo espiritual ue se inicia com uma experiéncia inexpressa dos fenémenos césmicos © conduz a sua representacdo imagindria no jogo? Frobenius tem razéo ao rejeitar a fécil explicagio que se contenta com a nocdo de um “‘instinto de jogo” inato. Alega ele que 0 termo “instinto” € “uma invengdo, uma confissdo de impoténcia perante © problema da realidade” ! Com idéntica clareza, e com mais razio ainda, rejeita, como vestigio de uma maneira ultrapassada de pensar, a tendéncia para explicar todo progresso cultural em termos de uma “finalidade especial”, de um “porqué” ou um “por que razio", como critétio para julgar a capacidade criadora de cultura de uma comunidade, Ponto de vista este que qua- ison’ Gestaioreisidon Wetag, 1939, Sechaonde Sind "des "Red. Utrmetene Laps, CH Kadnareshiche, p28, 12

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