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André Gorz 0 Imaterial Conhecimento, valor e capital ‘Tradugao: Celso Azzan Jr. (Celso Cruz: preficio e adendos do alemio) Prefacio ‘A ampla admissio do conhecimento como a principal orga produtiva provocou una mudanga que compromete a validade das categorias econdmicas Chaves e indica a necessidade de estabelecimento de uma outra economia. "A economia.do.conhecimento.que atualmente se propaga ¢ uma e procura redefinir suas categorias principais ~ trabalho, valor ¢ capital ~ e assim abarcar novos dominios. Os trés primeiros capitulos deste ensaio tentam entender as consequéneias dessa fiudanga e fixar os contornos de uma sociedade do conhecimento cujos “contomos” (Stefan Meret2) j so discerniveis. |. Capital humano [Na economia.do.conhecimento, todo trabalho, seja na producto industrial sea no setor de servigos, contém um componente de saber cuja lmportincia¢crescente. Obvio que o saber de que se tata aqui nfo €compesto por ue podem ser aprendidos em ‘escolastéenicas. Muito pelo contririo, adguirdo no tnsto cotidiano, que petencem i ‘© modo como os empregados incorporam esse saber nio pode ser nem predeterminado nem ditado, Ele exge o investimento desi mesmo, aquilo que na linguagem empresarial é chamado de “motivagio". Nio 36.0 ‘specialist, toda a humanidade deve se entregara seu trabalho. A qualidade ‘a produsdo depende desse 3 qualidade nio € medida Por critérios comuns. Sua valoragio depende do julgamento do chefe ou dos clientes. Toda producdo, de modo cada vez mais pronunciado, se assemelha a Nessas condicées, 0} que desde Adam Smith é tomado como todas as mercadorias, deixa de ser mensurivel ‘em unidades de tempo. Os fatores que determinam a criagio de valor sio o ‘@ 8 motivacéo, € no o tempo de trabalho om See vgs salaaisconvencionas resolveu-S a quedtg sree pa 2 ode os empregados tim de et gen wsSswasttvjhe. Na biga com a concorréncia, eles serdo forgados a Sa se eno dna Se saree Se eaten Sa ee Neer aca 1 eae ee Ce sonar cmp Il. Capital do conhecimento Difmee do cia! rane, SSPEARS #210 A uilzagio proves do conbecimento em forma de capital to antiga {huni capialsmo industa. Esse aproveitamento até agora consegue sr bem sucedidosobretudo através da mobilizagio de unser *mort ‘Syetvad em maquina, instalagéese rocessas. “Todavia, hoje a eapitalieagfo do conhecimento se detém em uma nova fronts. Todo conbeciesto passivel de formaliagio pode ser thatnide de seu sepone materia ehumano, multiplicade-quase-cem casts a forma de software ewtlizad iimitadamente em maquints Que seguem um padrio universal-Quanto mais se propaga, mas i tie i sociedade: Seu valor mercanti, a conréio,diminu coma sua propugasio etende a zero: 0 conhecimento torna-se um bem comm seul odo Une auénica economia do conhecine vorresponderia a um comunismo.do saber no qual deixam de ser necessras as elagdes monedras ea de troca. or conseguint, parser vend como mereadoriaeaproveitao coma <2 oconecmento deve se tansformar em propriadepivadac oma ‘caso Nocepinlo Tl, mosrse com iso fl, eustos es a cae, SAR seaman ano 05 sua produio muita veesndo podem ser dterminados, © 58 ‘al lo pd seater de ard com o tempo de aba cesta gue fi gsto em su crag. Ninguém & capa de dizer com Pood, 0 ceo soil o iment tao deer comes ¢ min El poe estar numa atvidade de lazer, num hobby. m8 sea our h servigo extra. Alii, ndo existe uma rela de equivalénca entre formas de saber € conteidos: eles nio so intercambiaveis. Todo saber pode valer por tum valor particular nico e incomparivel Porém é exatamente o que tem de incomparivel que acaba sendo utilizado pelo capital. A pesquisa-privada quase sempre tem como ‘objetivo principal permit empress que realiza erguet um monopOlio mahecimento.que Ihe proporcione um rendimento exclusive, O montante de rendimento.previsto conta mais do que a uildade social ‘do conhecimento alcangado. Com investimentos em inovagdes ¢ campanhas publcitirias de alto custo, toda empresa ambiciona chegat “antes das outras& consolidasio de uma posigle monopolista. Marketing, ‘propaganda fabricam valores simbélicos. estéticose sociss. Ligados fs inovagSes, tornam obsoletos 05 produtos existentes, e conseguem ‘para a empresa um mercado que durante algum tempo ¢ protegido conta 4 concorréncia de outras empresas. Sempre se trata de contornat {emporariamente, quando possivel, a ei do mercado, Sempre se trata de nsf ands ametadon ew uma mtorr, ¢ oom exe objetivo confenr ts mecadoras Senter MetapaTre Sctucve pel nic de chmedeage ope ei es nian sieasasmehneceeet eee teen aoe (Golpontee A pono pero metarepevernedocopnt teas ‘aloe tcglodesqcense ssa dros de mined rea ‘ial som ur om i sem sin poles snide i cptlans gue ave cfa ver mem tod eds er Inve nod, cm cde dcp se una cnc Sema ‘Sierensbr aoe de ura soca cr usd canmano prod de post orion mess + aS TE ‘piblicos, do ensino, da saiide © da previdéncia social. IIL. O que é riqueza? E cada ver mais evidente qu a slpicsto de dnb, esse contexto, nfo criariqueza; que 0 crescimento da economia, fundado na pilhagem do bem comum eo desmonte da coletviade, produz misria em vez de prosperdade; que o conceit de igueza deve ser desatelaé do conceit de valor mercantile que a prguna “O que €riquza?” deve er recolocada, Somente uma out economia pode quebar as coments com «ue a obrgagdo de aproveitamento esting a satsfagio das necesiades 0 desenvolvimento das capacidades burnans. (imate ~ Comin, vt apa sow qe est em ogo m0 ta moviteto ane nt 9 omnes enfin to deamon d sulin Ns npc spas em erie, soley iad 4 mmodatee produdo de conhecimento ¢ do bem comum, i amo ie prnicularmert Sina eafera mais importante para o capital i ya ie nto opiari SoM Seep digital * disdae do softwares que ees produzem comprovaque a ne el ans homens atngida gunn, ives sar cat Po da dnp com onc, ks pod hs i ens cpatdaes de modo ee cooperate. Na a ts angen eo respon Sd om oe edo coors poem seo fundamen gn a apse in coma com a oneepges comentes, 0 saber ai no aparece como jotivido, composto de Come or ele ma sm como svidade socal que cost ao ncaa osetia um comand, Si ge, rag ao ive autodesenvolvimento dos fae as ualdaesinsubstinivels, eno gag 43x aa sate dominela teow sea principal fsa prodtiva, inte ops anova er ue prssa de vas oma se slam crane eens" (Puek Vive) No fund. & soposisio & producto. da di Sho 05 “isi IV. Sobre o parentesco da ciéncia com o capital ‘Aqui est em jogo no apenas dominio que até agora ocapital;por ‘nei desu maquinrias,exeteu sobre os homens. Esti em jogo também 4 hegeronia do saber cinco dominant ~ 1 facinalidad instrumental -, que forneceu 4 técnica os instrumentos para a “escravizaga0 a violas” de tudo o que exist (Peter Sloterdjk. ‘ese questona a instrumentalizagdo do humanoe do que € vivo, deve- se também colcar em questi a erientago da ciéncia © 0 modo como ease Renee eee _gracas a redefinigao do conceito de riqueza, tem de ‘tele cua e conmicament, tn epi da ica ee sett Asa dee emp etee inane gad ep ami pra el, a lar o mundo sensiele coos ‘aide com um ste de elgdes obedient ge pry do clea, © spenas em terms matematios. Os processos matematicos ‘i sr ry pensamento, esvaziados de sentido, eletronicamente conectados,forneceram PSconomia politica os mcios para moldar as relacdes sociais com base em fbstragbes numéricas do real. Esses processos conduziram a um mundo ‘istematizadoinacessivel os sentidos, apartado do saber vivo da experiéncia. NNesse mundo, © homem aparece como um ser sobrepujado, antiquado, ‘Jesalojado. Para estar & altura do ambiente tEenico, ele necesita de prteses {guimicas¢eletrOnias, Oprojto de uma inteligénci artificial, de ume vida WU ifical, deve superar a limitagio bioligica da humanidade. Os pioneiros da inteligéncia arificial ~ Minsky, Moravec, Kurzweil, de Garis ¢ outros ~ iibundantemente citados no capitulo TV, nl fazem questio de ocultar seu Sesprezo pela "maquina de carne” humana. A natureza, eles pensam, dew & sSpocie humana a capacidade de abolirasi mesma em beneficio de formas de vida-e de.inteligéncia pé ‘ou mesmo de diluit-se em forma de fos como um espirito universal dissolvido no univers. ‘O que Moishe Postone escreve a respeito da “forma do capital” vale tamibém par projet da cincia: “Trata-se [para eles] do sonbo de uma ausEncia ic limites a mais extrema, de uma fantasia de liberdade como emancipasio ‘Sompeta de oda mateiaidade, como emancipago da natureza. Ess ‘sono Go capital” via um pesadelo para tudo aquiloe para todos aqueles de que 0 Capital busca se emancipar ~o planeta e seus habitantes’ digi "Moise Posone Time, Labor ond Social Domination ~ A Rnerreation of Marx's ‘Cia! Theory Cambridge University Pres 1998, P33 Capitulo! 0 Trabalho Imaterial 1.0 “Capital Humano” [Nés atravessamos um periodo em que coexistem muitos modos de produgéo. capitalismo moderne, centrado sobre a valorizagéo de grandes Panssos de capital fixo material, é cada vez mais rapidamente substituido por lum capitalismo pés-moderno centrado na valorizagio de um capital dito imaterial, qalificado também de “capital humano”, “capital conbecimento” ou “capital inteligéncia". Essa mutagio se faz acompanhar de novas mctamorfoses do trabalho, © trabalho abstrato simples, que, desde Adam ‘Smith era considerado como a fonte do valor, agora substitu por trabalho ‘complexo. O trabalho de producio material, mensurivel em unidades de ‘produtos por unidades de ternpo, &substituido por trabalho dito imateral, a0 {qual os padrdes clissicos de medida ndo mais podem se aplicar. ‘Os anglo-saxdes falam do nascimento de uma knowledge economye de uma knowledge society; 08 alemaes, de uma Wissensgesellschaft, 0s autores franceses, de um “capitalismo cognitivo” ¢ de uma “sociedade do conhecimento":! conhecimento (knowledge) ¢ considerado como a “orca produtiva principal”, Marx mesmo ja notava que ele se tomatia “die grésste Productivkraft” © 2 principal fonte de riqueza. “O trabalho em sua forma imediata", mensurivel e quantificavel, deverd, por conseqiéncia, deixar de sera medida da riqueza criada Esta “dependera cada vez menos do tempo 77 Now do tadutor. Os fermos que, 9 fest oigical, aparece grafdos nots ting ‘qe alo oIrancs, no uparccerio aqu eaduados. Respeitis, assim otencio ‘To autor que quer com fase procedimento cvidenciar o vontaste ene o sentido ‘onginl ds expreabeseitadas ew eompreensio que dels pode baver na liagus em fe escreve seu proprio texto. Quando devsja waduzi seu semtigo, como ne Sequtnela desse parigrato, 0 autor 0 Karl Mary, Grundrsse, Beri, Dietz Verlag 1953, p. 593. As itgdes que 5° ‘Segucm,srsim como us mengBes de ppines no text, 3€cferem a eos obra (© maeal~ Coenen, va ey sano an unin tbo foes la depended cada ver mi ce aa da teen edo progresso da tecnologia”. $92). “O taal Sted ae prem conor rae inet su3 usr zs “como um momento indispensivel, por Sr ide etic gor” (38) Oren sare nl sr confrdidcom un ceo de bag” Pron acressante nota sino ‘emg mars Tate ress arene” (er ellgemcine Stand der Msvenschepy tne do "el Be Gmentongeris da aociedade” (“das ellgemaly et je Wien, owed (9594); oretatado gener! ney, Fo sgn crt human (de allgecinen Ng Se a Re) oda “Fraga artic, cence" ung pacar sage rages a0 "acrescimo dO tempo lite, ¢ gue re ee fra protva do trabalho” © que faa liberia Teton ah je deemolvimento do indvio” poder cond, aor a an do proceso de prodogioimediaa, como produ 6 “ion ane cata xo Beng man himself (599) Adin de “epi Src cncona posi nos manuseitos de 1857-1858, cher besiayS a dasa pope OS tein esgic mesmo pons eos condi mnie Ge peor encontrar em nossos las: a “economia do material™ 9 Spuasmo cope” ©“conbecimento, principal forga produ « “cla, motor én economia"-0 ob, exatament, evocamoe, no fle contecinewocdeciéncia? Eisag diseases qo nos tzem alguna ‘Ovalorenconta hoje sua font na inteligénciae na imaginasao, (0 saber do indviduo conta mais que o tempo da méquina. O hhomem, carregando consigo seu préprio capital, carrega igualmente uma pane do capital da empresa. Nese texto notivel, o que importa no & mais a ciéncia ou © conhesimento, mas a inteligéncia, a imaginaglo e o saber que, juntos, constituem o capital humano”. Essa terminologia aposenta o cognitivismo © o cientificismo, Os conhecimentos, com efeito, sio fundamentalmente Aiterentes dos saberes eda inteligéncia (retomatei aesse assunto, enele me ‘demorarei mais, no iltimo capitulo deste livro). Eles se referem 205 Pern ie penalizados chetivadosnqueenendefinisinanacpadg Pertencer is pessoas. Conhecer as regras gramaticais € uma coisa; saber 3 Gen es eons ai Heats, Letreprise au XXte scl, Pais, Flamarion. 1996: oar Gore ” falar uma lingua é ovtra, fundamentalmente diferente. Para saber falar, é preciso abandonar completamente a relago cognitiva com a lingua. saber € feito de experiéneias e de priticas tornadas evidéncias intuitivas, hibitos; e a inteligéncia cobre todo o leque das eapacidades que vio do julgamento e do discernimento & abertura de esprit, a aptidio de assimilar novos conhecimentos'¢-de-combiné-los-com os saberes. Igualmente, a ‘expressdo “soviedadedavateligencia” parece ser a que melhor corresponde ‘a0 que os anglo-saxdes chamam knowledge soctet. ‘Bis agora uma segunda ctaglo,Trata-se de um excerto de uma comunicaglo se Norbert Bensel, diretor de recursos humanos da Daimler-Chysler (Os colaboradres da empresa fizem part do seu capital). Sua otivago, sa competncia, sua cepcidade de inovago esa preocupacto com os deseos daclentelaconstituem a mattria primeira dos servos inovadores..). Seu comporamento, sua pido social eemocional tim um peso eresent ma avaliagho de Se trabalho (.). Est nfo mais ser calcula pelo nero de horas de preseng, mas sobre a base dos objetivos atingidos eda ‘qualidade dos resultados. Eles so empreendedores* De imediato, o que impressiona que néo se trata aqui nem de

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