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Diagramagao Raphael Ribeiro Fernandes Igor Cesar Rosa da Silva Capa Raphael Ribeiro Fernandes Igor Cesar Rosa da Silva * Producdo Equipe do Laboratorio Multidisciplinar e Multiusudrio de Semidtica (LABSEM) Iniciativa Semindrio Permanente de Estudos Literdrios da UERJ (SePEL.UERJ) Nucleo de Estudos do Fantastico (NEF) Grupo de Pesquisa, Diretério CNPq, “Nés do Insdlito: vertentes da ficcdo, da teoria e da critica” Grupo de Pesquisa, Diretdrio CNPq, “Estudos do Gatico” FICHA CATALOGRAFICA. R788. CAMPRA, Rosalba. Territérios da fico fantdstica. Rio de Janeiro: Dialogerts Publicagdes, 2016. Bibliografia ISBN 978-85-8199-056-9 1. Estudos Literdrios. 2. Estudos Narrativos. 3. Ficcdo Fantéstica. 4. Teoria e Critica. | |. Rosalba Campra. Il. SePEL.UERI. III, UERJ. IV. Titulo. indice para Catalogo Sistemético 800~ Literatura 801 —Teoria Literaria 801.95 ~ Critica Literéria 808.3 ~ Técnicas Narrativas. Contistica. Novelistica, Teoria do Conto. ‘Teoria da Novela (romance) CAPITULO CINGU 1, Entre o ocultamento e a contradi¢do Vazios criados pela escuridéo, por falta de uma sequéncia conclusiva, por uma frase que termina com reticéncias... Quem 6 o responsavel por esse siléncio? E essa frustracdo, por acaso nao é 0 que o leitor de contos fantasticos procura? 2. Elos perdidos Certos contos nos quais nao ha fantasmas, nem vampiros e nem deslizamentos no tempo ou espago e que, de todos os modos, o leitor coloca no territdrio do fantastico... O papel da causalidade, ou melhor, da sua auséncia. 3. Uma poética dos vazios Estranhamento, absurdo e fantastico: contatos, divergéncias e efeitos do nao dito. Existe um exorcismo contra o nada? TERRITORUO: NTASTICA TENTRE O OCULTAMENTOE A CONTRADICAG Todo enunciado é uma trama formada tanto pelo que se diz quanto pelo que se cala, O fia e o espago entre os fios, A palavra e 0 siléncio. Este misterioso quadro, dado inevitavel de toda situagado comunicativa, foi posto em evidéncia pelas retéricas tradicionais, escolhido pela pragmatica como seu terreno de acao preferido, e sublinhado até a obsessao pelas recentes teorias da leitura. De fato, se ndo nos surpreende essa espécie de vitdria que constitui o ato comunicativo, é porque os mecanismos decifradores que acionamos estdo tao interiorizados — ou, 0 que 6 o mesmo, estamos tao acostumados a pressupor, a inferir, a substituir — que acreditamos reconhecer uma série de palavras, quando o que, em realidade, estamos fazendo é reconstruir um mundo. Tarefa tanto mais desmedida enquanto nao se trata somente de preencher lacunas, de resolver auséncias, mas também de desenredar 0 emaranhado do préprio enunciado, do dito. Essa decodificagio apoia-se sobre nosso conhecimento do mundo, das palavras que se referem a esse mundo, e do modo ao qual se referem. Nossa experiéncia (cultural) de recorréncia e regularidade dos fendmenos nos permite dar a resposta justa as perguntas como “Tem relégio?”, isto 6, nio responder, por exemplo “Sim, tenho o reldgio de bolso que herdei do meu avé”, mas “Sdo deze vinte”, pois estamos certos de que era 0 que nosso interlocutor queria saber‘, Quanto mais paradoxal 6, entao, o trabalho que realiza o leitor em um contexto de comunicagado imodificavel como é 0 da palavra escrita. Nao ha, nesse caso, possil lidade de esclarecer, de verificar, “Uma visio geral do ato comunicativo desde esse ponto de vista se encontra no volume de G. Brown e G. Yule, Discourse analysis (1983), em que se desenvolve © conceito de “regularidade” (alegada) nes fendmenos como fundamento da comunicacdo: “We assume that our muscles will continue to move normally, that doors which normally open will continue to open, that hair growms on heads, that dogs bark, that towns retain their geographical locations, that sun will shine, and so on” (p. 62). N3o podemos ler nessa frase um inventdrio do que, precisamente, deixa de acontecer no fantastico? 16 de corrigir, mas recorrendo ao proprio texto que suscita esses problemas. E se esse texto pertence ao reino mais ou menos nebuloso da ficg4o, 0 ato comunicativo 6, mais que um paradoxo, quase - milagre. As possibilidades de referéncia, e seus modes, carecem de uma codificagdo a qual o leitor possa se remeter imediatamente. Essa se vai construindo no tempo da leitura, através de desambiguacdes sucessivas, que as vezes levam a uma solucao final, e outras fea suspensas indefinidamente. E isso é, precisamente, 0 que slit comunicagao no plano ficcional. Leiamos, por exemplo, o paragrafo que abre o ja mencionado Aura, de Fuentes: Lees ese anuncio: una oferta de esa naturaleza no se hace todos los dias. Lees y relees el aviso. Parece dirigido a ti, a nadie més. Dejas que la ceniza del cigarro caiga dentro de la taza de té que has estado bebiendo en ese cafetin sucio y barato. Td releerds (p. 125). Esse texto esta dirigido a mim, como parece indicar o vee inicial, em segunda pessoa do singular, “lés”. Mas 0 ue eu leio é esse texto, e nao “esse antincio” que o proprio texto diz que estou lendo. Pode ser que o “tu” a que o texto se refere seja, erie outro leitor, mas como saber de quem se trata? Todas as alusdes do texto supdem um conhecimento da situacdo que, em contrapartida, aS falta. E, contudo... E, contudo, entendemos essa classe de textos: supomos. Pressupomos*®. Essas linhas iniciais de Aura bastam para sugerir 0 paaene) quase detetivesco que entranha a leitura de um texto ficeional. Desde esse ponto de vista, o dpice do paradoxo See ea é oferecido pelos textos que chamamos de fantdsticos. Em efeito, 46 Essa atividade de “reconstrucdo” por parte do leitor de textos Oral a Lector in fabula (1979) [Lector in fabula. tada detalhadamente por U, Eco, em 2 a eapseeas interpretativa no texto narrativo, 2002]. Outras sugest6es a scanners encontradas em The act of reading, de W. Iser (1978) [O ato da leitura: uma ter do efeito estético, 1996]. Nig FANTASTICN esse tipo de conto, mais que uma solucao, tende a uma frustragdo: a estcaoao das expectativas do leitor, que — outro paradoxo “04 — € precisamente 0 que parece buscar seu leitor habitual. O na saber (ou pelo menos a dificuldade de acesso a um saber, de tod. : os modos, inverificavel) constitui no fantastico o pecuigrreaese de expectativas no que se inscreve a atividade do leitor. Eé aa ie © que aparicoes, inverses temporais, superposi¢ées espaci: sate, a 1 a : a materializagdes e intercdmbios de identidade nao esgotam o Dee fantastico, Existe outro tipo de transgressdes que nado apoia ém elementos temdaticos, mas que joga, precisamente, ak a possibilidades oferecidas pela situagao comunicativa. Isto é joga com os desequilibrios entre 0 dito eo siléncio, combina 0 orf constitui 0 conto fantastico como um tipo particular de oe comunicativo dentro desse tipo particular que éa ficcdo. Qs siléncios que se entrelagam na trama de um texto podem ser siléncios cuja resolugdo é possivel e necessari ; i a uma atividade anal énci i a loga a da infer€ncia na situa¢do comunicativa oral deve preenché-los para conceder existéncia a histéria. Assim acontece. par exemplo, no romance policial, onde a identidade do pene as jnotivacies do crime se completam através das agdes e deducgdes do investigador. Outro tipo de siléncios, por outro lado, nao 7 6 nenhum tipo de atitude questionadora. Assim Scones an : sepnencas do tipo “Passaram-se dez anos”, ou com os apache e conclus&es que, no geral, s6 os textos Parddicos se preocupam por completar: 0 que aconteceu com os andesinhos de Bra di Neve, quantos filhos tinha Lady Macbeth. ce Existem, contudo, siléncios inextingufveis, cuja impossibilidade a3 resolucéo 6 experimentada como uma caréncia por parte d peor que estruturam o conto em suas caracteristicas de ne Esse : 0 tipo de siléncio que encontramos no conto fantastico: fe siléncio cuja natureza e fungdo consiste, precisamente, em ree poder ser preenchido. O sistema prevé a interrupcgao do’ proveséo TERRITORIOS DA F/oGA0 FANTASTICA comunicativo como condicao de sua exist&ncia: o siléncio na trama do discurso sugere a presenca de vazios na trama da realidade. Como se sabe, toda ficcdo implica um processo de selecao de possiveis. A narracdo cria seus proprios conteudos — uma pseudototalidade — da que so uma parte se manifesta. A “yerdade” da histéria depende do que seu organizador — a voz narrante — quis, ou péde, mostrar. O leitor pode supora totalidade da historia — do mundo representado — mas nao a possui, e a parcialidade a que conecta esta submetida a uma ordem que ndéo foi escolhida por ele. Ordem e selecao do material representam a possibilidade de um saber que a voz narrante comunica ao leitor. Esse 6 um processo que na narrativa, geralmente, tema fungdo de significar a relevancia do dito e a prescindibilidade do omitido”. Na narrativa fantastica, por outro lado, o silencio delimita espagos de ansiedade: a nao dito é precisamente 0 indispensavel para a reconstrucdo dos acontecimentos. Esse siléncio aparece frequentemente tematizado como sono (60 caso de Manuscrit trouve @ Saragosse)" ou como escuridao. A escassez de luz noturna, por exemplo, na qual 0 protagonista de Aura acredita estar abracando a linda garota por quem se apaixonou, até que um indiscreto raio de lua, ao filtrar-se por uma abertura, revela 0 corpo decrépito da ancié que emanou como um duplo Aura. A escuridao acidental de “Cuello de gatito negro” (1974), de Julio Cortazar, que transforma um encontro amoroso mais ou menos casual em uma aventura atroz. Em um vagdo do metré, a mao enluvada de uma mulher toca a mao do protagonista. Tudo parece um jogo muitas vezes experimentado: ele responde, a segue ao seu apartamento, fazem amor, *7 Arespeito da ordem e da relevancia do dito, tornam-se muito esclarecedores, em um plano geral, experimentos como os que propée Cortézar em Rayuela [0 Jogo da Amarelinha, 1999}, 20 expor distintas possibilidades de colocago dos capitulos, destacando a existéncia de capitulos “orescindiveis”. Sobre as lacunas do texto fan- tdstico, as observagbes de I. Bessire (vé-se aqui mesmo na nota 41 do cap. IV} po- dem agregar as de A.B Chanady, que trata essas lacunas como deliberados siléncios do narrador (Magical realism, cap. 1V, Authorial reticence). TEARITIAIO fio FANTASTICR ainda que em alguns momentos ela se recuse, aludindo confusamente as suas préprias maos. A ruptura da lampada do quarto suscita uma presenca inexplicdvel que, com golpes de garras, quer destruir o amante. Apesar das feridas, esse consegue chegar a porta e fecha-la antes que ela, ou isso, uma coisa que a escuridao insoluvel (tanto parao Protagonista quanto para o leitor) impede de nomear, o alcance, Esem nome fica, entao, a sequéncia: transforma¢ao? Substituigao? Osiléncio pode se manifestar também no nivel verbal do texto, As elipses e pontos suspensivas no discurso do servente do protagonista de The treasure of Abbot Thomas (1904), de Montague Rhodes James, Se por uma parte transmitem sua inquietude pela satide do amo, por outra destaca a inexisténcia de palavras para explicar o que acontece: “I think he’s better, sir, thank you; but he had a dreadful time of it. |’ hope he’s gettin’some sleep now, but...” (p. 137)48¥, Neste caso, trata-se apenas de um momento do climax que deve levar a uma solug3o: quando, finalmente, o protagonista se encontra em condi¢ées de falar, os vazios do discurso se resolvem. No se chegara ao esclarecimento completo da aventura, mas a informacao sera, de todos os modos, suficiente Para manifestar seu cardter sobrenatural: 0 tesouro escondido pelo abade Thomas, objeto da busca do protagonista, tem como guardido uma criatura diabolica “8 Esse 6 um dos casos em que o tradutor, percebendo a funcionalidade do discurso interrompido, enfatizou a inconclusdo, introduzindo cutros vazios, inexistentes no original. A mesma frase, na tradugdo italiana esta assim: “Credo che ora stia meglio, signore, grazie. Ma ha avuto proprio una brutta... Ha passato una brutta... Spero che adesso stia dormendo un po’, perché...” (I! tesoro delVabate Thomas, p. 10)”, Monica Farnetti sublinhou a funcao de ocultamento @ de enfatizacgo que desempenha a presenca grafica dos vazios. Em sua andlise de “Amore e morte”, capitulo do romance de Carlo Dossi, Vita di Alberto Pisani (1870), lembra como a violacao sacrilega do sepulcro da amada “riconduce al rito consumato e taciuto nella ‘Berenice’ di Poe, in cui ’unione blasfema e ideale degli amanti, compiuta alle soglie del mondo vivente, & resa con un vuoto tipografico allusivo di un indicibile ‘altrove’, di un’esperienza stimata inconoscibile e percio confinata in uno spazio ‘bianco’ del testo. (In situazione analoga Tarchetti, in Boulevard, impiega interi righi di puntini di sospensione, cortina di decente e terribile silenzio calata sull’orrendo gesto finale de! protagonista)”" (M. Farnetti, 4 giuoco del Matigna, 1988, p. 99) TERRI FANTASTICA a idez dos que, até o fim dos séculos, ha de proteger-Ihe contra a av! ] : isténci empo, estranhos. O mistério confirma sua ext: téncia, e, a mesmo ps se reduz a uma dimensao definida. . Ss Em “Cuello de gatito negro”, por outro lado, as lacuna: i iaga i €ncia; discurso n&o constituem um mecanismo de criagdo de reticé! iscul uso do a frase nado prevé nenhuma conclusdo, como demonstra 0 ed pean tal io ge. ponto final, apesar da falta de uma conclusdo ldgica: No, f ~ : ié i ientaria si 0’ iedo. Yo también me impacien nada. Tengo solamente mie nen Lape me hablara asi. Pero hay dias en que. Si, dfas. Y noches.’ (p. ) idk eee - Dorméncias oportunas. Escuridées. Pontos io i a i ente, abruptamente fecham uma frase que ndo se fechou ener i nsa no vazio da » i . Reticéncias que deixam suspe! 3 i ena rr... Tematizagdes e interrupcoes ue nao sabe para onde i sae ue o texto constrdi seu do discurso sao formas do siléncio com q sentido fantastico. A mesma fungdo pode ser reconhecida nas interrupcdes no mento Gao. O conti ntdstico, em sua Torma desenvolvime: da acao. O conto fantastico, em s! fe tradicional, constitui sua trama como um enigma. De maneira icional, i su u igi ra analo; os outros tipos de conto que tém um enigma como ‘ator loga ai ti d : ; i desencadeante da acao (romance policial, de ea se y le: rater regressivo: s6 ao chegar no final, o leitor esta I desenlace é de carate! hi no fi it ti el 1 os vazios na trama*®. Um desequilibrio m s vazi condicgées de recompo! ; ia oua regularidade do existente. O processo que rompeu a harmonia, Sane deriva é a busca de recuperacdo do equilibrio inicial (dese eee do assassino, identidade do 6rf30 abandonads, inteligibilidade : 0 1, : 3 istério). O que distingue vistosamente o desenlace regressivo : _ ; do de outros tipos de narrativas com enigma, € rrativa fantastica ; ° , i ente incompleto ou incerto: se na narrativa seu carater frequentem 7 ou OO policial, por exemplo, a investigacdo restitui o segmento que > B, Tomashevski define como “scioglimento regressivo” o desenlace que esclarace Br i ‘mette retrospettivamente in uma circunstancia desconhecida no comego, € que luce tutte le peripezie che hanno dato vita alla vicenda” (Sjuzetnoe postroenie, 1928 [La costruzione dell’intreccio, 1968], p. 319)". TERRITORIOS 1 FANTASTICA para completar a histéria, a narrativa fantastica, ao final, pode ficar inconclusa, ou revelando-se como um pseudofinal, reestabelecer a incerteza, ou fazer coexistir finais contraditérios. “Las armas secretas”™, de Cortazar, oferece um exemplo dessa substituigdo do fechamento esclarecedor por uma abertura inquietante. Comoja vimos (cap. III, 3), 0 leitordescobre, no didlogo final entre Roland e Babette, os amigos chamados por Michéle em seu auxilio, que as caracteristicas sobrepostas a identidade de Pierre correspondem as de um alemao que, durante a ocupagao, na Frang¢a, havia violado Michéle. O ultimo encontro entre Pierre e Michele parece levar a dissolucdo da identidade do protagonista @ a repeti¢go da cena de violéncia, mas a histéria tem seu ponto final antes que os fatos cheguem a sua conclusdo. Ou melhor, no existe conclusdo: esta fica fora do texto, inalcancavel para o leitar. Quem, o que, encontraram Roland y Babette ao chegar & casa de campo? As vezes, o siléncio reveste formas mais ocultas: uma sequéncia aparentemente final dd ao inexplicavel uma colocacao em um paradigma, mas uma sequéncia posterior frustra essa explicacéo, e com um retrocesso, volta a propor o desequilibrio inicial. Tipicas dessa solugdo (ou seja, falta de solugdo), como notaram varios criticos, sdo as ficgdes de Borges. Em “Tlon, Ugbar, Orbis Tertius” (que no cap. Il citamos como exemplo de um tipo particular de transgressdo espacial), o fim da historia, datado de 1940 (que é, por outra parte, a data de publicacao do conto), esclarece que a misteriosa existéncia de Tlon, de seus mitos, sua filosofia, sua lingua, 6 uma trapag¢a minuciosamente elaborada por uma seita secreta ao longo dos séculos. O enigma estaria, entao, resolvido, se nado fosse por um post scriptum “antecipatério” (datado em 1947) no qual se informa ao leitor que as linguas ficticias e os objetos inexistentes de Tlén comecaram a invadir a terra. TERRITORIOS 014 FICC AO FANTASTICA Se em “Tlén, Ugbar, Orbis Tertius” o segundo final apaga 0 ura metaforica o triunfo burning court (1934), s néo se excluem ontecimentos primeiro (e sinaliza como possivel leit da imaginag&o sobre a realidade), em The de John Dickson Carr, os finais sucessivo: mutuamente. Em um dos finais, uma série de ac estranhos (cadaveres que desaparecem, pessoas que ene as paredes etc.) encontra uma explicagao racional em jogos ee gens secretas. O outro finalatribui essa explicacao a formulou com objetivo de desviar suspeitas mos de bruxaria e reencarnacgdes. Quem licagdo € uma personagem que se que sugere ao leitor uma terceira ntre essas possibilidades, de almente: a atitude que 0 io entre os diferentes aros exemplares espelhos e passa| & personagem que e propde outra em ter! formula essa segunda exp autodefine como bruxa, de modo possibilidade: a loucura. A escolha e todos os modos, nao esta inscrita textu: conto atribui ao leitor é a de uma suspensa finais (o que faria de The burning court um dos Fr de narrativa fantastica na acepcao de Todorov). a histéria trata de recriar, estavel e antes que um acontecimento e: incomplete, retroativo, ou cao de um desequilibrio e ficar sem resposta, azao. -> oO equilibrio“que tod: completo como no comeco da agao, misterioso 0 perturbe, nao se recompo: multiplo, o desenlace atua como confirma essencial. Aqui, a funcdo do interrogador é ad ou topar-se com uma resposta insuficiente para ar inconcluso ou incerto desempenha, nesses iva; destaca a falta de uma sequéncia co a historia, que teria satisfeito porque sabemos que 0 que 0 de seu final vazio como stragao do desejo de solugdo, o conto A poética do final i casos, uma fungdo constituti que teria dado um carater univot uma pergunta que nem sequer fazemos, o conto espera do seu leitor é a aceitaca uma Unica forma de aparecer completo, a fru conclus%0 como meta da leitura: nessa falta de re fantastico constrdi o seu sentido. de ForctoTred | Aap ANNA ) ma b di oh dt fola| verte. *Y 9 j matin Ma | 08 Jaselt Owen dd Goon raywlo 8 dugqwlahons 6d alop Jabaway ‘pv, * ean “rugnilibran a. odin,» OPA in, we 8 saeatibass oon & Spbcans ERRITORIO. 2, ELOS PERDIDOS sequéncias apresentam um desenvolvimento comp! eto e, contudo wolvi it di 0 duvidamos em cataloga-los como “fantasticos icagdo nao duvid t ‘fantds ”. Essa cl s lassifi se apoia em uma forma de siléncio que podemos situar no plano da causalidade. A cadeia casual é — na concep¢io ocidental pelo menos ~agarantia da ordem e da existéncia do mundo. Desde esse ponto de ds id ds di vista, Os cantos em qui racdo da re le respon: resenc¢a F ea altel da realidad ida id onde a pi de objetos magicos, misteriosas pocées ou form alisticas sao a sou formulas cabal muito mais tranquilizadores do que aqu al elementos da adores d eles em que os el realidade cotidiana estdo ali sem ser alter: a nenhuma idad di ‘ados, mas nao h fazdo para sua presen que, segundo a definic¢aéo exemplar de ica. Jd , SEB defi Pp Borges, “la magia es la coronacién o pesadilla de lo causal, no su contradiccién” (“El arte narrativo y la magia”, 1932, p. 89)" aaa por ene) 7 emanago do duplo de Consuelo é 0 Leet e uma pals de praticas diabolicas. Gatos acorrentados e ae ae Pieharagas com plantas venenosas, rituais eee ents sao 0 meio atroz, mas presumivelmente pai oe ae obviamente, o leitor permaneceré em jejum) nsuelo revive sua juvent 0 protagonista ao ler as ee emetic ree “Le adverti a Consuelo que esos brebajes no sirven para nada. Ella insiste en cultivar sus Propias plantas en el jardin. Dice que no se engafla. Las hierbas no la fertilizardn en el cuerpo pero si en el alma...” Mas tarde: “la encontré delirando, abrazada ala almohada. Gritaba: “Si, s si, he podido: la he encarnado; pueda convocarla, puedo darle vida con mi vida” (p. 156)". : Ou pode se tratar de uma caixinha tibetana que causa a morte de quem se apoderou dela com artes m mo em as, CO! , i he tibetan box” (1965), de Elizabeth Walter. Ou de uma mandragora em uma caixa de cristal, como em “El talisman” (1908), de Emilia Pardo Bazan, que procura herangas, sucessos pollticas e amores a seu proprietario. Esse no se sente tao seguro de que se trate de efeitos do talisma ou de puro azar, mas, quando por uma série de complexas circunstancias 0 perde, morre em um acidente... Em todos esses casos, 0 acontecer fantastico se inscreve na tipologia da explicag3o: nao se nega @ excepcionalidade do fato em si, seu carater transgressivo na ordem da realidade, mas uma causa suficiente da yazéo de sua presenca. No nivel mais tranquilizador, se trataria de uma reducao do real perturbante ao nivel do nao real: sao os contos que concluem com um “e ent&o acordou”, “descobriu que lhe tinham dado uma droga” etc. Dentro desse esquema, um exemplo revelador é “Les trous du masque”, de Jean Lorrain (1895). Para participar de um baile de mascaras, 0 narrador deve seguir, escrupulosamente, as instrugdes que Ihe dao sobre a vestimenta: traje domind, mascara preta, botas, meias de seda preta. Na hora marcada, 0 amigo que 0 convidou vem busca-lo, & Ihe explica que, para nao ser reconhecido, deve permanecer calado. Ele nota uma voz estranha, e também lhe parece estranho o lugar aonde o leva: uma igreja desconsagrada onde esperam convidados silenciosos e de identidade ambigua: dois deles, por exemplo, sdo excepcionalmente altos e tem pés de mulherzinha; 0 guardiao da entrada é uma estatua de cera. O narrador levanta a mascara de um dos convidados, e atras dela naio ha nada. O mesmo acontece com todos os outros. Cheio de terror, se aproxima de um espelho. Até esse ponte, a leitura vai criando uma insuportavel ansiedade. Mas, quando diante do espelho o narrador levanta 0 capuz € yé o vazio, seu proprio grito de terror 0 desperta. Seu amigo, que, nesse momento, esta entrando para leva- lo ao baile, Ihe aconselha que deixe de se drogar com éter. 0 efeito, obviamente, é um desmoronamento total da tensdo: na medida em que a droga explica os acontecimentos, 0 fantastico se dissolve. Basta um jogo de escrita para mostrar como a possibilidade TERRITORIOS 0A F10040 FANTASTICA oposta cria, por si $6, um efeito inquietante: imaginemos que o canto fermpina com a sequéncia em que ele se aproxima do espelho, Ou inventemos um prosseguimento além da sequéncia em que tudo aparece como um pesadelo: ao entrar no baile, nosso narrador reconhece os elementos do seu sonho... No espaco que abre a caréncia de explica¢ao, volta a se instalar o fantastico. No fim das contas, como bem viu Borges, esse tipo de solugdo, estruturalmente, se coloca na mesma tipologia dos contos de magia. Por mals incrivel que possam ser as pogées e os talismas, reptesentam, como o despertar de um pesadelo, a nega¢do do absurdo: dao a todas as coisas (ja seja um triunfo inesperado ou uma igualmente inesperada desgraca) uma explicacgdo que reintroduz uma ordem na incompreensibilidade do mundo. Se tudo tem uma causa — ainda que esta seja magica — a razao, em Ultima instancia, pode abranger tudo, mais ainda, dominar tudo: basta que inclua no seu arsenal essas praticas que em aparéncia a contradizem. A vontade de dominio do homem sobre o caos encontra, nesses contos, uma projecdo metaférica que, mais além do elemento desequilibrador constituido pela inseguranca sobre os limites do real, oferece = pelo menos aos privilegiados que possuem esse tipo particular de saber — a possibilidade de controlar o negativo. Ha outros contos nos quais nado existe uma explicagao manifesta, mas essa € possivel intuir em refer€ncia a outros discursos da época ~ cientificos, psicoldgicos etc, ou de literaturas paralelas, como @ © caso da ficcdo cientifica. Para justificar “cientificamente” as passagens espaco temporais de Cortazar, por exemplo, poderia bastar remeté-los a concepgao do universo como um anel de Moebius: um anel no qual, antes de unir os extremos, se efetuou uma meia tor¢ao, transformando suas duas superficies em um continuum®*®, * Para uma visao mais detalhada da concepgio da realidade em Cortézar como um anel de Moebius, remeto a analise que proponho em La realta e i! suo anagramma, 1978, p. 47-85. TERAITORIOS 0A FANTASTICA A todas essas possibilidades de classificagdo corresponde a reducdo do poder inquietante de um fendmeno, e vice-versa. A forga de convicc¢do do procedimento é tal, que nao é necessdrio o conhecimento exaustivo da causa, basta intuir sua existéncia. Isso pode ser visto através da comparacao entre “Number 13” (1904), de Montague R. James e “La puerta condenada” (1964)", de Cortazar, que utilizam os mesmos motivos. Em ambos os contos, o protagonista se encontra, por razdes de trabalho, em uma cidade estrangeira e se aloja em um hotel antigo, onde seu sono é interrompido, porque, no quarto ao lado, acontecem coisas inexplicaveis**. No conto de James, 0 viajante esta realizando uma investigagao sobre a histéria da igreja local e sobre um alquimista, Nicholas Francker, que no século XVIII, residiu na cidade em uma casa nao identificada, da qual desapareceu misteriosamente. Uma _ noite, © protagonista descobre que junto ao seu quarto existe outro, 0 numero 13, que por motivos supersticiosos n&o consta na portaria. A exist@ncia desse quarto parece limitar-se a certas horas: enquanto 51 Finné, 20 analizar o fantastico canénico, destaca a existéncia de um vetor de tenséo e um de distensdo que tém por objeto respectivo irritar o leitor e dissolver sua ansia (La littérature fantastique, p. 36). Segundo Finné, existe, nesse tipo de conto, uma “lutte entre la tentation du surnaturel et la volonté du quotidien” ™ (p, 44), mas, ainda que seja vitorioso o primeiro termo, ao existir uma explicagéo, em certo sentido se anula a vitdria. Finné estabeleceu também uma tipologia das explicacbes ("racional”, “sobrenatural”, “amb/gua” etc.) Se, por outro lado, nao chega nenhuma explicacdo — como nos casos que analisamos depois ~ a tensao fica sem resolugao para o leitor, criando uma espécie de insatisfagéo. Também aqui podemos marcar algumas distancias com a concep¢ao de Todorov: por uma parte, a duivida pode existir também em textos sem eventos sobrenaturais; por outra, nos textos com contetido fantastico, a diivida pode ser sanada por uma explicacao sobrenatural, mas se mantém a condi¢o de ruptura da ordem do real. 2 Em “Coincidir en la ausencia” (1990), V. Kociancich chamou a atengdo para as semelhancas entre “La puerta condenada” e um conto de Bioy Casares, “Un viejo © el mago inmortal”, que ndo se limitam a elementos da trama, mas que podem ser rastreados no nome do hotel, as atividades dos protagonistas (ambos viajantes de comércio) que, na cidade estranha, compram jornais, vo ao cinema; pensam em socar a parede para abafar os rufdos do outro quarto {que no conto de Bioy correspondem a um casal fazendo amor, sendo que no final apenas um velhinho chamado Merlin vive nesse quarto) etc.

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