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“Seminério Intemacional Landi e o século XVIII na Amazénia”, 17 a 21 de novembro 2003. Ciéncia e Censur: a Inquisigao e os engenheiros-matematicos no Grao-Para (sée. XVID). Décio de Alencar Guzmén Departamento de Historia da UFPA. Introducio Vou tentar retomar uma idéia pouco discutida pela historiografia da Amazénia pombalina. Se trata da nogio de que uma instituigao milenar associada a intolerdncia ¢ & censura catélica foi, na Amazénia do século XVIII, paradoxalmente, a face autoritaria do Despotismo esclarecido pombalino. Refiro-me a Visita da Santa Inquisigao ao Grio-Pard ¢ © uso politico que dela fez 0 Marqués de Pombal Para explorar esta idéia, tomarei como exemplo a presenga dos engenheiros ¢ astrénomos que vieram ao Paré em 1753. Em particular, 0 caso do capitio engenheiro Gaspar Gerardo de Gronfeld, denunciado a Inquisigio portuguesa, cuja Visita se havia instalado no Para entre 1763 ¢ 1769. Tratava-se de um dos engenheiros contratados pela Coroa portuguesa com 0 objetivo de auxiliar a execugio das Demarcagées de Limites acordadas no Tratado de Madri de 1750. Mas, antes de passar a este caso, gostaria de explorar alguns dos contornos da vida intelectual tal como ela se estruturava no Grio-Paré a época em que Gronfeld foi envolvido nas malhas do Santo Oficio. ‘© ambiente intelectual necessario ao desenvolvimento dos estudos cientificos no antigo Estado do Griio-Pard e Maranhio nasceu, de fato, nos Colégios da Companhia de Jesus. Somente a partir de 1652 abriram-se, de modo regular, as classes de ler ¢ escrever, em nivel elementar de educagio, para os filhos de indios e de portugueses. Os filhos das autoridades coloniais recebiam a primeira educagdo neste colégios. Encontramos na crdnica de Bettendorff a informago de que em 1684 0 Governador Anténio Albuquerque Coelho de Carvalho enviou seus dois filhos, Francisco e Anténio, ao Colégio de Santo Alexandre para estudar, juntamente com os filhos dos moradores, sob a orientagao dos jesuitas. Chegavam a traduzir as Histérias de Quinto Céircio, O primeiro, Francisco, ‘chegaria a ser Governador do Maranhfo e 0 segundo, Anténio, filho bastardo do Governador com uma india de Cameté, chegara ao posto de governador de Macau e de Timor! " BerteNvoner, JF. Crénica da Missdo dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhdo. 2. ed,, Belém: FCPTNISECULT, 1990 [1698], p. 280; MARTINS, P.M. Percorrendo o Oriente: a vida de Anténio de Albuquerque Coelho (1682-1743). Lisboa: Livros Horizonte, 1998, pp. 17-21 © ensino secundario, compreendendo Latim ¢ Humanidades, comegou a receber alunos em 1706, tanto em Belém quanto em Sao Luis. A biblioteca do Colégio de Sao Luiz contava com cerca de cinco mil volumes no momento da expulsio dos padres, em 1759, A do Colégio Santo Alexandre, em Belém, possuia cerca de dois mil volumes & mesma época e a da residéncia da Vigia contava com 1006 volumes *. As outras bibliotecas religiosas instaladas em Belém no possuiam volume de livros nem crédito semelhante no meio intelectual local. Tanto mercedérios, quanto franciscanos e carmelitas estavam distantes do burburinho das escolas e dos trabalhos “cientificos” onde os inacianos eram prevalecentes, Concentravam-se nas suas fazendas e aldeias de indios, que Ihes rendiam grossos emolumentos e quantias satisfatérias para o seu cotidiano abastado face & populagdo miseravel das vilas e cidades da regio” Porém, no que se refere aos mercedarios, muito embora houvesse este distanciamento em relagao & sociedade letrada local, sabemos da existéncia de uma livraria nos altos da sacristia da Tgreja, constante numa planta do convento destes frades, datada de 1793. Talvez por ai circulassem os curiosos de textos religiosos *. Franciscanos ¢ carmelitas também possuiam as suas bibliotecas. Eram, todavia, de menor extensio ¢ variedade que a dos jesuitas * [As atividades cientificas dos inacianos eram consideraveis, se levarmos em conta © amplo conhecimento que possuiam das drogas, madeiras, especiarias ¢ minerais do vale amazénico e 0 proveito que dai obtinham para as suas boticas e mezinhas, construgdes de prédios e oficinas de barcos nos colégios e residéncias do Grio-Para e Maranho °. Vale ainda lembrar, que os filhos de Santo Inacio realizavam grande permuta de informagdes entre 0s seus colégios espalhados por todo o Brasil. Através das suas correspondéncias, fizeram rapidamente chegar noticias sobre a farmacopéia amazénica s outras capitanias brasileiras, Sabido, por exemplo, é 0 caso do irmio jesuita André da Costa, que esteve em atividade na Bahia entre 1676 e 1712, Era conhecido como experiente quimico boticirio. Durante 0 periodo em que esteve no Colégio da sua cidade, mandou buscar algumas plantas medicinais ¢ alguns minerais no Colégio Santo Alexandre, no Pari, que the pareciam ‘iteis para os remédios que preparava nas suas mezinhas ¢ triagas " \RCHTVUM ROMANUM SoctETatis lesU (doravante ARSD, “Inventarium Maragnonense” (1760], Cédice Bras, 28, {57 ) sweet, D. A Rich Realm of Nature Destroyed: the Middle Amazon Valley, 1640-1750. University of Wisconsin, Ph.D. (modern history), 1974, pp. 45-111 + Ferraz, E. Convento dos Mereedirios de Belém do Pari: breve histérico e registro de sua recuperagdo. 2. ed, Belo Horizonte: C/Arte, 2000, p. 110. AMorm, M. A. de F. B. Missao e Cultura dos Franciscanos no Estado do Maranhdo ¢ Grao-Para Lisboa: Faculdade de Letras Universidade Lisboa, 1997, 1°. vol, pp. 33-51 (Dissertaglo de Mestrado}, Prat, A. Notas Histéricas sobre as Missdes Carmelitas no Exiremo Norte do Brasil (ssculos XVI- XVID, Recife: sed., 1941, p. 57. & ARSI, “Inventarium Maragnonense” [1760], Cédice Bras. 28, f. 27 Berrenponre, J. F. Crénica da Missdo dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhéo. 2. ed., Belém: FCPTN/SECULT, 1990 1698), p. 307; ARSI, Cédice Bras. 6,£. 22 ‘Asociados a atividades de educagio e saiide prestadas & comunidade dos indios ¢ moradores, os jesuitas foram também essenciais, no século XVIII, aos servigos da Comissaio de Demarcagdes dos Limites. Ainda que recebesse um dos mais baixos salarios dentre os técnicos contratados para trabalhar nesta Comissdo, o jesuita e astrénomo régio Inacio Szentmartonyi, croata de nascimento, exerceu papel importante nas expedigdes do ‘grupo de engenheiros que chegou em Belém no ano de 1753. Matematico convidado por D. Joao V para colaborar nas disputas pela posse dos territérios que as Coroas de Portugal e Espanha haviam conquistado na América do Sul, Szentmartonyi acompanhou 0 Governador do Gréo-Par e Maranhiio, Francisco Xavier de Mendonga Furtado, em sua expedigdo ao Arraial do Rio Negro * Tratado de Madri e a Comissio de Demareagao de Fronteiras Em 1753, chegaram a Belém os técnicos estrangeiros destinados a tarefa das medigdes astronémicas e demarcagio das fronteiras entre as Américas espanhola ¢ portuguesa. Eram eles: os padre Ignicio Szentmartonyi (astrénomo) ja citado; JoR0 ‘Angelo Brunelli (matematico); Joo André Schwebel (capitéio-mor engenheiro), Gaspar Joo Geraldo de Grnfeld (capitio engenheiro); Henrique Anténio Galuzzi (ajudante engenheiro); Adio Leopoldo de Breuning (ajudante engenheiro); Philippe Sturm (ajudante engenheiro); Manuel Gdtz (tenente); José Antonio Landi (desenhador); Daniel Panelli (cirurgido). Entre os portugueses estavam: Sebastiao Joseph da Silva (sargento-mér), José Gongalves da Fonseca (sargento-mér), Gregério Rebelo Guerreiro Camacho (capitio), Henrique Joao Wilkens, Anténio Mattos (cirurgiio) e Domingos de Souza (cirurgiao) ’, Em julho de 1755, apés um ano de convivéncia durante a expedigao pelo Rio Negro, 0 Governador Mendonga Furtado enviou a seu itmo, 0 Marqués de Pombal, uma alguns comentarios sobre o comportamento € 0 carater de todos estes estrangeiros. Cito apenas trechos que referem-se a Landi e Gronfeld: “0 Desenhador José Anténio Landi risca excelentemente e tem grande noticia da arquitetura; ndo the chega, porém, ao pensamento outra idéia mais do que 0 modo que ha de descobrir de ajuntar dinheiro, e em consegtiéncia néio pode ali haver imaginagiio que néo seja vil e abomindvel.” E completava “Esta idéi De Gronfeld ele diz. 10 é bem de italiano. ® MeNponca, M. C. de. A Amazénia na Era Pombalina: Correspondéncia inédita do Governador e Capitdo-General do Estado do Grio Paré e Maranhdo Francisco Xavier de Mendonca Furtado (1751- 1759). Rio de Janeiro: IHGB, 1°, Tomo, p. 384; REI, A.CE. Limites e Demarcagdes na Amazénia Brasileira, 2 ed., Belém: SeCULT, 1993, vol 71-94, ™ Idem, ibidem, 2°. Tomo, p. 766.

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