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Criagnel Uta wnickte A Bota bo Joco Uma MeTAFORA “PERFORMATIVA” PARA O “DESAFIO” DA PRAGMATICA DA Norma JuriDIca “Torquato Castro Jr. Bachar! Mestre Dirt Privado pla Universe Pera de Pomames, Dentro Fafa do Dirt de Bind ela Poa Univerdade Cai do So Pe, Proer jt de Dit Ciel da Facade de Dirt do Res, UPBE. 1076 ABow00}oc0: Una Miron “Pavone natn “Deno INTRODUGAO: UMA METAFORA “PERFORMATIVA”. A cena final do filme Blow Up, tulo brasikito "Depois Daquele Bajo” (ANTONIONI, 1966), apresenta uma pantomima de pari de téis, erm ra- aquetes ou bole, qu é astistda, quando esti resovida a tama, pelo protagonist [No presente texto, composto em homenagern so Professor Tecio Sampaio Ferraz Jlnior, propomas eximinar algumas analogias, diante da teoiaeprtica do ireto,hauridas dessa metéfora“performativa’ de um jogo encenado, do cineasta italiano; queremos compar ao diseuso jucdico tradicional, objetual « neutro, a figurasio de um jogo em que, para dizer em aximoro, os atores fazem “haver” uma bola que, sob certo relevante ingulo, ‘no existe" Pr essa metifora“perormatva’,procuramos acesio « uma compreensio “anteconcital” de concitosconstruos na teorizasfo da “notma juris” e na pti retrica da *neutalizago” da decisto sob suaégide, direcionando a atensio 2s imagens que ela produa ereproduz, como seus presspostos metodligicos. (Coma paavea"anteconcetul” estamos tomandoaidéia de Hans Blamenberg (BLUMENBERG, 1960) a espeito da 280 no eesgotr no conecito,havendo tum campo onde ela égerada que éinedutivel & expresso ostensiva do conceit nome ‘performative, para metéforsescolhids, contudo, et longe de perfico. Mais adequado tlvez fosse dizer metifora “hipocrtca: com isso, até sganhivamos um gancho para a proposigfo de Bourdieu (BOURDIBU, 1992, 96), de que os jurists so os guardiées da hipocrisia cleiva, asertiva com a «qual nosea propocts guarda evidentes correspondéacas. Metra *hipérita? ‘io €or, po razsesevidentes, mesma ji tendo esa palava significado exata- mente “ator”, No fim, *hipocritia” soa como apenas mais um neologismo hermético ¢ indi. Podfamos talver dlat-la metifora “dramatizgica’, mae também esse ‘nome me parece impréprio, 20 menos conotativamente, porque no vemos ‘muito pantomima como “drama”. Que fique“metifora perfoemativ’, pois. A expressio ajuda a indusic familiaridede com a terminologia da teoria dos “atos de fla, de que todavia nfo varnos tratar aqui e, de modo geral, com a pragmtica. samo Joga os rosanos “Deus ext meio quando nto hf. Mat 9 demdnio no pres deo pra here gn suns one a exe a ¢ ean cov de fda” ROSA, Zoe, p 3) i “Tonquio Casto} -1077 Sem embargo do nome que se dé & meifora, nosso intuit €primordal- mente ret6rco-heurstico, o que tor este texto, em muitos pontos, talvez demasiadamenteimpreciso, anal6gico fragmentitio. ‘Acesperanga é de que esta expécie de “eberge cinematogrfia” traga 08 ‘bons efeitos dialétcos que, as vezs, tal forma propcia. ‘Alisa rlativaimpossibilidade dese traduzir palaea charge por outca vermécula nos inci, iavoluntaiamente, nos meando que se quer tabalhar, paradonalmente pela iteraturt: na seara do inefivel (des Unsagbar. ‘Adiantando um pouco 0 mérto, propomos aqui compara a bola inexis- tente da cena de Antonioni & presenga “diabola” da norma juridica, esa “me téfore absoluta", que também nio existe (no espago-tempo), mas que inegavelmente hé, em nossa interagio. Pretendemor, com isso, mostra, na inatancka do metaférco, formas pre~ liminares, de um “antecampo" (Vorfld), para compara, talver compreendes, conceit ‘pragmiticos', como ode Ferraz Je, que a um sé tempo desmasca- ‘am e prosrogam ~ como “jogo sem fin? (FERRAZ JR., 1978, p. 169) ~ esse nalguma medida inevitivel ‘jogo sem bola”. ‘Devemos perguntar se wma “charge” eabe bem em uma homenager. ‘Asso, responderiamos afrnaivamente com angumeatos que enchesiam volumes. Ademais, a “charge” nfo é do homenageado. Edo “estado da arte” da flosfia (da linguagem), no qual nos movemos quase heroicamente, cada urn & sa manera, une menos, outros mais brilhantemente, como nosso mestr (Que nos ponhamos tal dever de prova de adequacio, em publicagzo de enero epiditico,entretanto, jf denunca a perpécia a que nos dexamos levar pela forca de urna imagem cinematogrfica [Nosso mestre saber sir talvez mesmo sem concordat. Enfim, nossa investigagio votat-se4 a algumas imagens da pragmatica de Ferraz Je to modo como esa pragmtica propte a superagio do “desafio. kkelseniano”, na formulagio do mestre (FERRAZ JR., 1996) E precisamente na forma de um saber “teenogico” qe ofilésofo Ferraz Ji encontra pra o jurist, que ele também 6, femula de conservar-se,a si € “a0 Ditto 1078- AB 09 aco: Una Merona Par omiiNA” rat o"“DEIC 11, METAFORAS & ANTECONCETUALIDADE (VORBEGRIFFLICHKEIT) Iniciemos por uma comparasio metodotégica. Para entender a perspectiva de observagdo em que nos desejamos situa, € atl comparar o discurso de seligiosos (ou tedlogos) de qualquer religi aquele de tum cientista que observa esse discurso, ui cientista da religido. A. diferenga esté em que ao invés de discutr, por exemplo, a hipéstase de Deus, 1a Trindade, o cientisa vai apontar essa discussto, sem nela se envolver. Assim, ni estamos avaliando a qualidade epistémica dos conceitos,se- jam os da pragmética, como um todo, sem os de Ferraz J. Estamos rectian- ddo-os para compreendé-los. Procurando perspectivas de explicagio, ( programa de investigasio de Hans Blumenberg, de onde tiramos modo de captar interpreta as metéforas da teori inicia-se no contexto da disciplina *historia dos conceitos", que atende a0 distanciamento a que nos referiamos. Os conceit historicamente produzidos nfo sto tabalhados dse- tamente, mas sio recompostos, reordenados, repensados, de modo a permitir ‘melhor entendimento de seu surgimento transformasio BLUMENBERG (1960) propée, como parte complementar dessa re~ flesao sobre a histéria das teoras, uma “metaforologia™. Sua tex inicia-te com 1 afirmagio da iredutbilidade da metéfora a uma forenulago literal Se dissermos, por exemplo, com LAFER (1988), que “Hannah Arendt € uma raposs fo teriamoe uma sucessio de adjtvosfiterais para substtur a totalidade das pressuposigbes que « igura da raposa absorve. Haveria sem- pre uma borda inefivele, segundo BLUMENBERG (2007), préconstiu vva de propria metifora © foco da atengio de Bhimenberg, pois, estévltado para ae metiforas a tora, como ferramenta suplementar da hstiria dos concetos Ele desen- volve a idéia daqilo qu ele chama ‘merfora absoluta’.O grau de iredutibi- Tidade de tl metifor ao literal sera © mais alto entre tai iguas. ‘As"imetiforas absolutes tendem a manifestar-se mais contundentemente em conceitos unifcantes,expresides de totaidade, como na idéia de “mundo” suas formataseseadaptagesimageticas. Com o decorrer de suas investigasSes, Blamenberg desdobra a ida ini- ial da pesquisa sobre o inefivel,retrando seu programa da sombra da hist sia dos conceit, antepondo-o radicalmente ast na busca de um “antecampo" _genecativo da metifor “TorqusroCas0 Jk. -1079 Desenvolve, a partir de enti, uma completa teoria da “nio-conceituali- dade” (Unbegrffcbkeit). Para Blumenberg, 0 conceito é o triunfo da razio, ‘mas nio a esgota. Sua concepsio & a de que conceito e nio-concsitualidade ‘permitem, como duas pernas, o caminhar da razio, Uma joga seu trabalho para a outra, Sem uma, 2 outra é inoperante No contexto juridico, pelo qual Blumenberg, ademais, demonstra no ter 0 menor interesse, poderiamos tentar indicar a pretensio totalizante do conetito de “norma” como uma “metifora absoluta’. Outro ser o de “ordena~ mento juridico”. Talvea “sistema juridico’. "Fonte", claramente metifora, € também irredutivel, apesar das teorasjuridicas nfo economizarem esforso em tentar defini-l ostensivamente Aceitando esta idéia de que a “norma” € metifora absolut, texfamos que aceitar também a que “norma” jamais se dexaria reducir &estrita conceituali~ dade, 0 que é um paradoxo, sem divida, porque sio primeiramente 2 ela dirigidos 08 esforgos definitsrios dos tericos do diseto. Isso pode significar tanto que erramos 20 indicar “norma” (ou mesmo “fonte”) como “metifora ebsoluta’; como também pode estar como sintoma dda natureza artficiosa (salvemo-nos, ¢ a0 mestre, com a inevitabilidade de ‘uma fechne decisional) da teosia juridica, 2. 0 1060 SEM HOLA DE ANTONION! Falta raquetese boa 20 tnis de Antonioni. ‘A cena em questi incia-se com a chgada de wen grupo de atores, com sndscaasbraneaspntadas nas faces, um pazqe de subicbio londrino, Els vem apinhados em um jpe bert edesmontem, em slgzara, 20 lado de um come de tn gradeado sn cena final pde-se como wm adendo,prenhe de sigifcagbespossi- ves, nm relago a file e para além do filme. (Os ators diverse em dois gros: dais jogadores cos demas obsex- vdores/toredore,todésengujados na encenasio de uma pata de tenis em aque a boa é apenas imaginads ela a invengto prépria do jogo encenado, ‘Um terceiro elemento vem a sr adconado a ese quado pela figura de smais um observador. Ete € diferente 6 0 peronagem principal do filme, que partici a principio somenteindiretamente dessa cea 1080 -ABo14 99 Joco: Lea Mein “Pecavamia” rao “Desi. protagonista aparece com uma clmera fotogréfica em milos, cimera «sta intimamenteligada ao enredo da nareativa central do filme. Ele nfo tem 4 miscara dos m{micos. Nessa cena fil, ele nfo chega a usar o equipamento fotogrifio, ainda assim seu papel & 0 de "ver", primordialmente; un teres, como nos ensina 0 Prof. Teco. ‘Theorin significa propriamente“contemplar”.O theorot, na Gréciaanti- 2 era um tipo de espectador das competsées esportivas, que “via de fora", sem participa, os jogos (FERRAZ JR., 1996, p. 13) (Os dois atoces que se apresentam como jogadores posicionam-se na qua- dea, prestes a iniciar« simulagio da partida. Aquecem-se, todavia, antes, tee~ tando as rquetese bolas imagindrias. usemes comparar as raquetesinexistentes is metodologias juridicas¢ bola ausente& norma juridica. Se assim puder ter austentada a anclogia, entfo, © momento nical, do aquecimento dos jogadores, em que testam suas raque- tes ¢ bolas, seria central para “a compreensto metodol6zica” do jogo. Se for imaginado que os que asister 40 jogo, colados ao gradi, querer ‘aprender algo do jogo, entio essa seria uma aula de “introdusio ao direito” (ou 40 tenis sem bol, no aso) (© jogo, propriamente dito, em seguida, comesa a transcorer na normal dade possve! de urna partida de ténis sem bola. Os jogadores claro, movem- fe como se houvesse raquetes ¢ Bola; agem de forma a parecer existe tais abjetos e até parece apropriado dize-te que sua auagio dees € passvel preci ‘mente de ser avaliada em fingto do grau de sucesso em fazer crvel a presenca da bola que pretendem existr em jogo. Mas, ao fal, nfo podem obliterrde todo 4 “fulsidade" de sua interagio, que é fagrante encenagio. O diteto, por outro lado, ¢ uma retrica milagrosa porque consegue exatamente isso. corre entio 0 momento culminante desse final. O sucesso performati- do espeticulo 6, em dgrradero,testado sobre ofotdgrafo protagonist, que observa pantomima, No iltimo lance, “a bola” & "jogeda" muito ao alt, “encobre”ostibrado e “ai” no gramado, a alguns metros do fotégrao. Esse preonagem, que, até enti estvera fora do jogo e fora da torcida, igualmente, que observava absorto, como que admirado pelo sucesso do ab- sudo, pass a sero foo das expectativas de todos. E preciso apanhar a bola que escapou do alambrado. Apanhar a bola que nfo existe e devolvé-la& partida que hi eexpera desfecho, al TorquaroCstofe 1081 Depois de urna nitida, mas timid, hesitagto,e sob a presso da audién- cia e 0 pedido expresso de jogedora bonita, assim o far 0 fotdgrafo cético. Suceso pragmitico: 0 thors éobrigado a interagir,a deixar dese smente 0 aque € quando nfo ha interasio Esse € 0 ponto aqui: mostrar no texo de Fema Jeo reconhecimento dessa Limitagio do monol6gico face ao dalégico (FERRAZ JR, 1997, p.15- 28), ndo sem compreenderprofundamente a renincia que a superagio dessa ‘mesma limitagio representa para « fandamentasfo do discurso. 3. COMUNICACAO HUMANA & JOGOS DE LINGUAGEM Aaqui, se permitida outra comparagio, em paraelo, & cena do filme de ‘Antonioni. Parece-nos inevitivel eomparar a encenagio do ténis sem bola com ‘ metéfora dos “jogos de linguagem" de Wittgenstein, Pensamos, até mesmo, na conhecida reagio de desencanto de Bertrand Russel, diznte da proposta de seu mais brilhante pupilo, nas "Tnvestigagées Filoséficas" (WITTGENSTEIN, 1991) como sendo, em certo sentido, andloga 20 espantoinical do fosgrafo observador, que aparece na ceria de Antonioni. Uma reagio impactada pelo sbsurdo da stuagio, da proposta que adeniais vizou lugar comum da flosofia, aque se the segui. Em contraste com 0 atomismo logic, que tem sempre uma “bol” em jogo, uma proposigio verficivel, objetiva, ou inersubjetive, o modelo de ‘Wittgenstein move-se para uma comprecnsio da inguagern como gesto, como comportamento,rtirindo« foco do signo e mudando-o para o agente. [Neste sentido, a atenedo volta para.o comportamento antes que part 0 sinal, pode ser visualizada como andloga ao jogo sem bola. A bola que se perdu aqui foi a da referencaldade do signo como seu sspecto essencial ‘Winsgenstein opde-se veementemente& ida de que o signo, como foste uma concha, carregasse dentro de sia pécola dese significado Desde Wittgenstein, estd claro que & equivoceds essa concepsio, que corresponde a que se pode chamar de modelo informatico da comunicasio Havesia comtinuidade empitica no processo comunicativ, consistente no envio de uma mensagem codifada a um enderesattio, Bh mensagem seria “pieparad’ pelo emissro, por meio da sua codiics- 80. seria, uma vez "apanhad’, desvelada plo enderesatiio por decodifiasso, 1082- A801. 00 Joc: Una Metonn “Pacman” rsh 0 “DEAD Assim como nos computadores, osinal eletzbnico enviado por uma aleanga 1 outra méquina. O mesmo sinal na verdad lteralmente conecta 0s dois equi- pamentos, o que traduz talvez o sentido mais literal de “comunicasio", Vista dessa forma, a “mensagem tem identidade, no sentido légico da capressio, Essa identidade implica reflesividade: que o que &, € 0 que é Para trazer a coisa 20s tetmos de nossa imagem do jogo de tenis, a men- sagem corzesponderia& bola que ¢ langada do emissor 20 receptor. Nessa ima- gem, a bola enviada ea bola recebida sio « mesma bola. Como no jogo de ténis (aio encenado), a bota é idéntica a ela mesma. [Na proposta wittgensteiniana dos “jogos de linguagem’, prestupée-se ‘uma espécie de ruptura no processo de comunicaglo, Nio hé um meio que seja contato efetivo entre os comunicantes. HA comportamentos, “formas de vida" coordenadas, nada de relevante em si, que se ponha intermediando, 4, METAFORAS DE JOGO E DOUTRINA JURIDICA [Ni ¢ preciso pesquisa extents para descobrie que js fer profieuo uso de rmetiforas de jogo para a discussto de temas juriicos, inclusive por influéncia indizeta de Wittgenstsin, pela chamada “Escola de Oxford’, ou “ilosofia da Tinguagem ordindsa’. H.-L. Hare tae seja 0 mais notétio exemplo disso. Em Hart (HART, 1991), as metéforas de jogo permite apresentar 2 distingio entre pontos de vistas, ou perspectivas, internas e externas em rela lo a0 que se v8 e vivencia © & propria concepgio do que se entende por “e- gras" do jogo. © ponto de vista exemno € 0 do fotdgrafo do filme de Antonioni, que cba a partida de fora. O que a cena de Antonioni mostra de peculiar, em relagio a era diferenga entre esta de fora e estar de dentro & precsamente 0 momento do engajamento inevtivel. [A partir do problema bem conhecido com a regra “proibido pisar a gra- sma” (FERRAZ JR, 1996, p. 177) € possivel mostrar como se dé x construsion categorial no diveto. Uma divida clésica,igualmente bem conhecida, é se 20 jardincizo também se aplica a proibigio. HA, como se sabe, vires possibilida {es de oe responder a ease demanda decisional, vivias formas de se chegar 20 resultado do jardineiro pisar a grama, Contudo, uma resposta propriamente conceitual seria partirmos de uma “éistingio” para construir um novo conceito, Tonquaro Case fe. -1088, ‘Assim ce fiz: se distinguimos o pisar do jardineiro do pisar do passante, podemos dizer que haveria, em relagfo ao gramado, cujo tnsito se quer re- ‘gular, de um lado, por parte do jardneio, um "pisar terapeutico”, em contra- posisdo ao que, de outro lado, se poderia chamar de"psar ordindsio’, do passante. (Ora, hi Bagrantemente algo de risivel nessa construso,talvez porque to cobviamente artificial. Do ponto de vista esttamente do pisar verificivel quan~ ‘iicadament, nfo haveria diferenga ente o pisar do jardineiro ou do passante ‘Mas do ponto de vista prético, para os propésitose ne contexto do pro- blema que a norma poe, a distingSo ganha novo sentido, “opera” como retérica do cariter centfico do discuso juridico. E assim que o que se chama ainda grandemente de “aber jurdico’, ow tej, aplicaco das categoris judas, esse proceso essencialmente operacio- nal e que 66 em sua operagho pode ser bem compreesidido, io slo as categoras que dio bfetivamente sentido 20 acontecimento jusiico, Mas que parece, parece Um observador pode verficar uma pessoa entregando um objeto 2 outa Sem recorrera categorias, no saber dizer de que se trata. Empréstimo? Doa- ‘lo? Restituigio? Aqui est a deiza para entender o papel “tecnolégico” do saber jutidico. Isso, porém, adiante 5. O“DESAFION KELSENANO CCulminemos em Kelsen, a quem se deve uma pragmiticajurdica avant 1a lettre Tnteresa-nos 0 que cle diz sobre identidade da norma juridice. lkimo capitulo da Teoria Pura do Direito (KELSEN, 1992, p. 346) parece, a uma primeira vista da estrutura do livo, apenas umn pequeno com- pplemento de uma grande teorie. Conciso e corset. Entretanto, Kelsen ali ndo constréi uma teoria para « hermentutica jut ica; nfo cabe cogitar de nada como uma “toria pu da interpretagio. Sim- plesment, ali ele pée as claras e organiea a questio da indeterminagio como sea sabia, a época, o carter abitrsio convencional da inguagem com que se poem as normas no mundo. Sempre haves indeterminagéo, proposital ou rio (KELSEN, 1992, p. 345 « segs). ee 11084- A Bo. 20 0c0: Ua MthtonaPaRtomuarns MAO “DEWEO". (© poser de esciarecmento deste ceptlo final, capitulo em que Klien elacda seo pensamento scbre interpretagio da norma jurdica,é,outosin, sigemesco. Ferraz Jr dedica-se a umn perewiente andlise do “desafio que essa con- epg da interpretasiojucdia lang sobre os jurists. ‘A posisio do proprio Keen em relago & questo da indeteminaso de certo modo, rasiva, Era um primi plano, que € 0 do direito como fendmeno, ato é possvelaribuir i nonnaidentidede, porque “a norma" serio todas as suas interpretasoes que “cibyn® na moldura de posbilidades que a prépriaindeterminagio da linguagem naaral propia. A nora’ somente se toma iéntica a sino plano da cénca do disci. O cientsta do ditto r= conse a norma, como se vest havido contiuidade semntica, certo que a autoridade do esa infor “compre” agua interpreta fo do toto a quese dz vinclad. Ness eid, hi uma continidade, como Gue astro, que otedrico pode “escrever, nda que também aqua desr- fo no sca propriamente so, porque se descetemfatos e, em Kelsen, norma nna tetada como fio. Ease modo de expicar e reconstne a eadeia normative, portant, ao aferece qualquer eiério para a deciso juries, que nfo pode mais ser nea- talizada pela retéica da univocidade do comando normative. Ted decsto hermendtica é"ato de vontade, nfo “to de conhecimento" O que FERRAZ JR. (1996, p. 122 segs) chama de “esa na ver- dade, algo que aleanga toda da “outrna tradicional” do dirito, que presso~ poe exatamente a possibilidade de se “saber” qual a interpretasio correta. Se no possfvel aleangar essa pressuposisio bésica, toda a retérica da neutralida~ de fica irremediavelmente abalada Dito & nossa maneira a queso é que aretria "wadicional® do “sabes” jui- co eonsste em fazer pasar por saber o que, no fundo,é querer ~sibdo ou alenado. Entio, se pergunta Ferraz J, £€ a andlise do rigoroso Kelsen estivercor- reta, como haveremos de nos fiar para a neutralizasio indispensivel? 6. A METAFORA TECNOLOGICA A teoria de FERRAZ JR. (1978, p. 04) segundo suas proprias palavras, coresponde a um “modelo meramnente operacional” para a investigasfo do dis- cearso normativo, que cua de “spectos comportamentais da rlagio discursive". sil Toncunro Casto. 1085 [Em sua concepgio, a dogmisca jurdica “compe, delinsa e circunscreve procedimentos que conduzem a autoridade & tomada de posigio” (FERRAZ, JR, 1998, p. 84). Assim ela € uma “tecnologia”. “Tecnologia” remete, etimologicamente, a0 conecito grego de tchne filosofcamente, 20 seu correlato latino, ar Definindo assim o direito, Feraz Je. parece juntar-se 2 uma tradigio de ‘mais de dois mil anos. Mas “tecnologia” hoje no tradua o que antes que dizia com o termo original. “Tecnologia” hoje & 0 que faz a limpada acendes, o vido voar, compt- tador computa. & cigncia dura, de pesar e medis,apiceda. No sentido que Ferraz J. empeege a expressio tem um uso mais abertamente metaérico. A promogio do saber urdico como “tecnologia” tem, ademais, uma qua lidade entimemética peculiar. E que a palavra, no seu uso literal, pressupoe 0 suber cientifico, o que passa a gerar a expectativa de que seu uso metafbrico também. Assim, 0 problema da gienifcidade da dogmaticajuridica fica pos- tergado, mas nunca negad. ‘Hi ainda uma sobreposigio de metiforas tecnolégicas, mais especiica- mente “cibernéticay. Prope FERRAZ JR. (1996, p. 190-191): nossa hipéteseé de que ordenamentosou sistemas normativosjrdi- «on to constiuidsprimaramente por norma (repetco do sistem) aque guardam entce si relagdes de validade reuladss por regras de calibro (ertruur do sistem) .] Quando, port uma siento dt conta das demands, o sistema cige uma mudanga em seu padre de funcionament,o que ocore pela cristo de nova norma-orgem ¢ em conseqiéncia de nova série hicrizquica Ferraz Je. denomina eses expedientes de ruptura do funcionamento li- near dos sistemas juridico de “egras de ealibragio®. “Estes valores que com- Sem 0 termostat, io sio propriamente elementos do motor (nfo operam 0 cefiiamento), mas 0 regulam, isto &, determinam como os elementos funcio ram.” (FERRAZ JR,, 1996, p. 190). [Essasregras dé calibragdo, como o termostato de uma geladcira, server para regular a dindmica fancional do sistema, de modo a conservar 0 seu ‘equiltrio, imipedindo que ele incor em disfunclo. [Em um plano mais geral, porém, x pragmtica de Ferraz Je. €tibutiria da abordagem pragmatica de Apel/Habermas, sem ratificar, porém, 0 que 1086 -ABo14 0 Joco: Un Merisoxa“Pavonmaia Arno "Diswi poderiamos chamar de “apriosismo pragsnético"caracterstico (FERRAZ JR, 1978, p. 89) Como afirma FERRAZ JR. (1978, p. 124), avalidade, do angulo pragmé- tic, ‘ndo expresa mera relago entre normas, mas entre normas enquanto inters- es, pois a rela de imunizaco incu os omportamentos comunicantes.” Reparemos que ele usa a palavra “incu” e nio “consste de". Com efeito, distingue Ferraz J na combnicagio, os planos da “relato”e do “cometimenta” (FERRAZ JR, 1978, p. 47) ( que ele chama “relato” nos parece padecer ainda daguele modelo “in- {formético” da comunicagio, em que uma “mensagem®, idéntica a ela mesma, é ppassada, conteudistcamente, de um emissor a um receptos, como 2 bola, na partda de téns. Esse modelo, com efeito,é bem mais apropriado, para explicaejusifcar o que ele chamada de relacto de imunizasio, que ¢ correlato do que procura- mos entender retoricamente, a neutralzasto da decisio. Fica dlaro, porém, que sua compreensio pragmatica da norma jurdicaesté Jonge de seringénua, em termos de losofia da linguagem. Nio & possivel cate~ goricamenteafirmar que no hérelato. O que ocoee€ que o “elo” é semoxe hhermeneuticamente indeterminado, o que devolve ao impasse kelseniano. 7. PARA TERMINAR © Dircito (¢ entra aqui de propésito esse “d” maisculo, anunciador de Singulaidade)€ uma gigantesea pantomima da verdade. Como as rligibes¢ 1s teologias. E ademais de toda verdade humana. ‘A“Verdade” ea “ncutalidade" em que se asentalegtimidade das deci- ses jusiticas€ produto do sucesso performativo da encenagio, que oblitera a selativa “filsidade” de sua imprecasio & objetividade. Para fechas, € sem pretender que inferimas isso do que dissemos, o Di- reito parece prinipalmente uma zligizo, cyja teologia € realizada sob alou~ tha de cigncia. Na face ostensiv, religito da “verdad, religito dos “fates rcligio do observador neutro, Da “azo”, Céu epirtemoldgica. Na face ocul- «a, um jogo sem fim no limite dimo entre confiangs ¢ trigio. Seus mitos centais, metdfors abtolutas, so “a norma” eo ordenamento”. Escapar do concsituaismo? Pelo conceito, para além do conceito? Tosquno Casto J, 1087 © aque parece certo & que a “grasa” ~ penso no termo Witz (WITTGENSTEIN, 1991) ~ do jogo esti no sucesso da conservacio dessas "bolas" que nao exstem. Rererencias ANTONIONI, M,; PONTI C. Blow Up~Depois daguele bj, Fime-des]. Produsfo de Cuilo Pon diego de Michelangelo Antonioni ite Reino Unido 1966, DVD. Colo. $e, Som, {11 min, BLUMENBERG, Hans. Pandigmencinee Metphorloge Franktuct tm Main Sabha, 1960 ——— Ahetsche und meaphorlogeche Seiten. 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