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r ESCOM, ESTAID &SOCIEDADE Barbara Freitag Sexta edicto revista: Prof' José dos Santos Souza UESB/DFCH EDITORA MORES 1986 “ QUADRO TEORICO Estudar a educagiio no contexto da realidade brasileira re- cente, a partir de um enfoque socioldgico, exige um referencial teb- rico que pode ser encontrado em parte na sociologia e na economia da educacio. ‘Nao tentaremos aqui uma revisiio de todas as posigdes teéricas existentes; basta-nos, para justificar a posigo por nés adotada, recapitular os limites e as vantagens das teorias mais conhecidas. Quanto conceituactio de educago e sua situagio num contexto social, existe, em quase todos os autores, concordancia em dois Pontos: 1) a edueagio sempre expressa uma doutrina pedagégica, a qual implicita ou explicitamente se baseia em uma filosofia de vida, concepgfo de homem e sociedade; 2) numa realidade social concreta, o processo educacional se dé através de instituigdes especificas (familia, igreja, escola, comu- nidade) que se tornam porta-vozes de uma determinada doutrina pedagogica. Essa posigio foi primeiramente sistematizada por Emile Dur- kheim,' que nfo especifica os contedidos educacionais mas que parte do conceito do homem egoista que precisa ser moldado para a vida societéria. As novas geragbes apresentam uma flexibilidade 1, Veja DURKHEIM, Emile: Educagio e Soclologia, Melhoramentos, 8 ed., StoPavio, 1972. 16 Para assimilar, internalizar e, finalmente, reproduzir os valores, as normas e as experiéncias das geragdes mais velhas. O proceso educacional 6 mediatizado basicamente pela familia, mas também Por instituigdes do Estado como escolas, universidades. As gerac&es adultas suscitam na crianga, através dessas instituigdes, “certo ni- mero de estados fisicos, intelectuais e morais, reclamados pela soci dade politica no seu conjunto e pelo meio especial a que a crianga particularmente se destina”.? A filosofia de vida implicita nessa teoria educacional pressu- oe que a experiéncia das geragdes adultas é indispensével para a sobrevivéncia das gerages mais novas. A transmissio da experién- cia de uma geragto a outra se dé no interesse da continuidade de uma sociedade dada. Também transparece aqui a posigao do soci Jogo que se opde a qualquer forma de reducionismo. A educacio é um fato social. Portanto, se imp®e coercitivamente ao individuo que, Para 0 seu proprio bem, sofrera a ago educativa, integrando-se ¢ solidarizando-se com o sistema social em que vive. Os contetidos da educagio so independentes das vontades individuais; sio as nor- mas e os valores desenvolvidos por uma certa sociedade (ou grupo social) em determinado momento histérico, que adquirem certa generalidade e com isso uma natureza propria, tornando-se assim “coisas exteriores” aos individuos.> E no processo educacional que essas coisas, ao mesmo tempo que so impostas de fora ao individuo, sao por ele “internalizadas” € ‘com isso reproduzidas e perpetuadas na sociedade. O individuo que originalmente apresentava uma natureza egoista, depois de edu- cado, adquire uma segunda natureza, que o habilita a viver em sociedade dando prioridade as necessidades do todo, antes das necessidades pessoais. A educagao é para Durkheim 0 processo através do qual 0 egoismo pessoal & superado e transformado em altrufsmo, que beneficia a sociedade. Sem essa modificagaio subs- tancial da natureza do homem individual em ser social, a sociedade ndo seria possivel. A educacdo se torna assim um fator essencial € constitutivo da propria sociedade. 2. Ibid, p. 41 3, Para a conceituagao de “fato social” em Durkheim confira: DURKHEIM, E.: As Regras do Método Soctoligico, Editora Nacional, 6* ed., especialmente os Caps. le Il, S80 Paulo, 1971. 7 Talcott Parsons, absorvendo'em seu Social System‘ parte substancial das idéias de Durkheim, vé na educago (em sua termi- nologia apresentada como “‘socializagio”) 0 mecanismo bésico para 4 constituigao de sistemas sociais e de manutengo e perpetuacdo dos mesmos em forma de sociedades. Sem a socializagao 0 sistema social € incapaz de manter-se integrado, preservar sua ordem, seu equilibrio e conservar seus limites. ° Para que o sistema sobreviva, os novos individuos que nele ingressam precisam assimilar e internalizar os valores e as normas que regem o seu funcionamento. Parsons, ao contrério de Dur- Kheim, nao destaca tanto 0 aspecto coercitivo do sistema face ao individuo, mas ressalta a complementaridade dos mecanismos em atuacio a fim de satisfazer 0s requisitos do sistema social e do sistema de personalidade. Assim como o sistema tem necessidade de socializar seus membros integrantes, também o individuo tem neces- sidades que somente o sistema pode satisfazer. HA, portanto, no processo educativo uma troca de equivalen- tes em que tanto 0 individuo quanto a sociedade se beneficiam. A fim de maximizar as gratificagdes e minimizar as privagées 0 indi- viduo se sujeita a certas exigéncias impostas pelo sistema. Este con- cede ao individuo certas gratificagdes para amenizar as tendéncias disruptivas do individuo e garantir assim o equilibrio e a harmonia do todo. O equilibrio do sistema de personalidade, por sua vez, é Fequisito do equilibrio do proprio sistema social. A crianga, ne- cessitada de amor e carinho materno, aceita as normas e as proi- bigdes formuladas no interesse da ordem social. A propria satisfagio desses interesses do sistema, mediatizada pelos pais, vai sendo expe- rimentada como gratificagdo (reflexo condicionado) pela crianga. Reforgada pelo sistema com elogios, carinho, sorrisos, ela no per- cebe que as necessidades do sistema esto se tornando suas préprias necessidades. E assim que o individuo passa a atuar no sistema ‘como um elemento funcional do mesmo. ‘Como Durkheim, Parsons ndo fixa quais seriam os valores ¢ as normas especificas de cada sistema. Mas como Durkheim, Parsons deixa claro que valores genéricos como continuidade, conservagio, 4. PARSONS, Talcott: The Soctal System, The Free Press of Glencoe, Lon des, 1964 (1? ed. paperback). S. Tbid. Confira especialmente o Cap. VI. 8 ordem, harmonia, equilibrio so os principios bisicos que regem 0 funcionamento do sistema societério como um todo e de seus subsis- temas, aos quais os individuos se sujeitam no seu proprio interesse. E por essa razo que tanto Durkheim como Parsons tém sido criti- cados por seus pressupostos conservadores, que os levam a exor- cizar, com auxilio de uma teoria educacional, o conflito, a contra- digo, a luta e a mudanca social de seus sistemas societfrios. Os dois autores ndo véem na educacdo um fator de desenvolvimento e de superacdo de estruturas societérias arcaicas, mas sim o know-how necessirio, transmitido de geragdo em geracdo, para manter a estru- tura eo funcionamento de uma sociedade dada. Divergem substancialmente dessa posi&io autores como De- wey ou Mannheim. Ambos véem na educagdo nao um mecanismo de correcio ¢ ajustamento do individuo a estruturas societérias dadas, mas um fator de dinamizagio das estruturas, através do ato ino- vador do individuo. No proceso educacional o individuo € habili- tado a atuar no contexto societério em que vive, nao simplesmente reproduzindo as experiéncias anteriores, transmitidas por geragBes adultas, mas em vista de tais experiéncias, sua anilise e avaliago critica, ele se torna capaz de reorganizar seu comportamento € contribuir para a reestruturagio e reorganizagao da sociedade mo- derma. Tanto 0 individuo como a sociedade sao vistos num contexto dinfmico de constantes mudangas. ‘Uma andlise mais detalhada da posig&o desses autores mostra, porém, como também a sua posicdo encerra limites intransponiveis, Dewey’ exige que ndo se faca uma separagdo entre educagfo e vida. “Educaco nfo € preparagao, nem conformidade. Educagao € vida, 6 viver, & desenvolver-se, € crescer.””” Ao viver sua propria vida o individuo é forgado a atuar e sua gio se transforma em processo educativo. Isso porque Dewey parte do principio de que o individuo se dispde para novas agdes depois de avaliar e reorganizar suas experiéncias. O ato educacional consiste, ois, em dar a esse individuo os subsidios necessérios para que essa 6. DEWEY, John; Vida e Edueaglo, Melhoramentos, Sio Paulo, 1971 (7! ed). 7. Tbid. Veja a introdugto de Anisio Teixeira: A Pedagogia de Dewey — Esboyo da Teoria de Educagio de John Dewey, p. 31. 19 Teorganizagdo de experiéncias vividas se dé em linhas mais ou menos ordenadas e sistematizadas. Ora, para que isso se efetive, o meio em que se dé 0 processo educacional tem que ser organizado e reestru- turado para que haja uma seqiiéncia adequada de experiéncias que Possam ser avaliadas ¢ alargadas de forma mais ou menos siste- mitica. a Dewey este meio € a escola, que deve assumir as carac- terfsticas de uma pequena comunidade democritica. Aqui a crianga aprenderia pela propria vivéncia as préticas da democracia, habili- tando-se a transferi-las, futuramente, em sua vida adulta, A socie- dade democritica como tal. Ainda mais, a vivéncia democratica na escola, onde ficariam excluidos os momentos perturbadores do estilo democritico de vida, fortaleceria na crianga e no futuro adulto as Tegras do jogo democratico. Pois os cursos dessas escolas estariam aptos a reestruturar e reorganizar a sociedade global, que muitas vezes apresenta desvios em relacdo aos principios da democracia, seja no campo econdmico, politico ou ideolégico. Assim vista, a educagdo exigida por Dewey vem a ser uma doutrina pedag6gica especifica da sociedade democrittica. Educagio do é simplesmente um mecanismo de perpetuac&o de estruturas Sociais anteriores, mas um mecanismo de implantagao de estruturas sociais ainda imperfeitas: as democrticas. Educagao no se reduz 0s valores e normas formuladas por Durkheim e Parsons, de card- ter extremamente formal e conservador, mas est incondicional- mente ligada aos valores € normas da democracia. Pressupée int viduos que tenham chances iguais, dentro de uma sociedade livre € igualitaria, onde eles competem por diferentes privilégios. A compe- tigdo se d& mediante regras de jogo claramente fixadas, accitas internalizadas pelos individuos e em vigor e funcionamento nas diferentes instituigdes democrticas. Pode haver diferengas de nivel ¢ de qualidade entre os individuos, mas eles as aceitam como justas Porque adquiridas democraticamente pelos diferentes individuos. O modelo societirio subjacente ¢ 0 da igualdade das chances, no o da igualdade entre os homens. Essa igualdade das chances é reconhe- ida e aceita pelos individuos que se admitem e aceitam como dife- Fentes quanto a certos dons da natureza (forga, inteligéncia e habi- lidade). As desigualdades na sociedade nao sto percebidas como diferengas geradas histérica e socialmente pelo proprio sistema so- » cial estabelecido, mas como Justas, decorrentes das diferengas natu- rais entre os homens. Por isso este modelo societirio também nao ¢ questionado, criticado ou modificado. Reina nele a ordem regulamentada pela competigao: 0s conflitos sto democraticamente solucionados. As mudancas admitidas nesse sistema societario se resumem no aper- feioamento das estruturas democraticas. Uma vez implantado esse sistema societério, todos os mecanismos funcionardo para a conser- vagio do mesmo. A divergéncia inicial constatada entre a concepcdo de Durkheim e Parsons se apaga ao compararmos os resultados a ‘que ambos os processos educacionais levam. Em Mannheim temos uma versio ampliada da teoria de De- wey. (0 jovem sociblogo de formagio hegeliana, depois de experi- mentar 0 caos do fascismo e da II Guerra Mundial na Alemanha, emigra para a Inglaterra onde se deixa seduzir pelo modelo demo- cratico da sociedade britanica. Em seus trabalhos, a partir de ento, se torna advogado de uma sociedade democratica planejada." A natureza ea historia do homem e da sociedade precisam ser contro- ladas de forma racional e democritica. Para tal se oferecem uma série de téenieas sociais e entre clas, estrategicamente, a educagio. Essas técnicas precisam ser manipuladas de tal forma que impegam a repetigio do caos e garantam a manuteng4o de uma ordem social essencialmente democritica. Para que as sociedades modernas alcancem esse objetivo su- premo da democracia, precisam educar os seus membros nas regras do jogo, valores e normas democraticos a partir das bases e desde 0 infcio da vida do individuo em sociedade. A educacio assume aqui claramente uma conotagio politica. A educago vem a ser 0 pro- ‘cesso de socializagao dos individuos para uma sociedade racional harmoniosa, democratica, por sua vez controlada, planejada, man- tida e reestruturada pelos préprios individuos que a compdem. A pesquisa é uma das técnicas sociais necessarias para que se conhe- ‘gam as constelagbes hist6ricas especificas. O planejamento é a inter- vencio racional controlada nessas constelagées para corrigir suas 8, Veja MANNHEIM, Karl: Freedom, Power and Democratic Planning, New York, 1950. a distorgdes ¢ seus defeitos. O instrumento que por exceléncia poe em pritica os planos desenvolvidos é a educagio.” Essa, compreendida no sentido mais amplo como sociali- zagdo, encontra agentes nas mais variadas formas ¢ instituicdes. ‘As mais fundamentais so a familia (mas também grupos de refe- réncia, vizinhanca, ete.), a escola e 0 lugar de trabalho (incluindo sindicatos, partidos, clubes, 0 boteco da esquina, etc.). £ nessas instituigdes que as priticas democraticas so adquiridas, forta- Iecidas ¢ reproduzidas. No complexo societério uma e outra insti- tuigfio exercem um controle recfproco sobre os individuos que a integram. Assim, Mannheim, apesar de partir do objetivo final de uma sociedade democratica em pleno funcionamento, revela-se como um. tebrico na linha das reflexdes de Dewey. E na propria experiéncia da vvida em instituigdes de cunho democrético que se dé a educagio para a democracia. Resta perguntar para ambos 0s autores o que ‘vem primeiro: a democracia ou o individuo democr&tico? Pois, por um lado, a educagao deve produzir individuos democraticos, capazes de criarem e manterem em funcionamento instituigdes ¢ estruturas democraticas. Mas, por outro lado, esses individuos s6 virio a ser democratas convictos se as proprias instituigdes em que vivem thes transmitirem as regras do jogo democratico. Ambos partem do pres- ‘Suposto que tanto os individuos como as instituigdes so — do ponto de vista dos valores bésicos da democracia — imperfeitos. Essa imperfeigo deve ser corrigida pela educagiio. Mas a propria edu- cago se efetiva em estruturas sociais concretas, as quais por sua vez silo imperfeitas. Surge o impasse. Dewey, que se limita ao nivel da institucio- nalizagdo da educagio em escolas, propde que essas assumam 0 carter de comunidades democréticas artificials que reproduzam de maneira perfeita as comunidades imperfeitamente democriticas da sociedade global envolvente. Os alunos que deixam essas escolas- -modelo sero futuramente capazes de aperfeicoar as instituigdes deficitérias da sociedade. Mannheim recorre a ciéncia e aos homens que a praticam: a intelligentsia. 9, Cf. MANNHEIM, Karl e STEWART, W. A. da Bdueasio, Culrix, Sdo Paulo, 1972, p.41 estas. Introduslo a Soctologia Treinados pela inteligéncia e péla razo, conhecendo as estru- turas em que vivem e os mecanismos historicos que as regem, os intelectuais se libertam com auxilio da reflexdo consciente, dos condicionamentos ¢ das deformagies de classe, tomando-se aptos a planejarem e executarem 0 modelo da sociedade democratica racio- nalmente planejada e controlada." Sao eles, portanto, uma elite arefeita que impor& aos demais membros da sociedade os princi- pios da organizagio da vida democratica. Os demais individuos, membros da sociedade, assimilardo, de bom grado, essas impo- sigBes, porque nelas aprendem a reconhecer sua propria felicidade. A democracia se transforma assim no autoritarismo democritico consentido pelo povo. Também nesse modelo se visa a implantac&o do sistema perfeito, ao qual os individuos precisam se adaptar. Os conflitos so controlados racionalmente e erradicados a longo prazo pelo comportamento democratico inculcado em cada um. ‘Também aqui, na doutrina educacional de Mannheim, desco- brimos, subjacente, o modelo da ordem, da harmonia, da auséncia de conflitos e contradigdes de uma sociedade sem classes em que as diferencas horizontais e verticais entre os individuos sao justificadas por uma ideologia democritica. Admite-se, porém, que, para che- gar a esse modelo, muitos esforgos ainda precisam ser feitos, espe- cialmente através da educac&o, para criar nos individuos as cons- ciéncias adequadas de aceitagdo e reprodugio do novo status quo proposto. Apesar de a educago ser uma “técnica social” de dinami- zagio, superando velhas estruturas pela sugestio do novo modelo democrético, este — uma vez implantado — nio permite novas mudangas. A educacdo passa a ser um processo rotineiro de cons- tante reproduco do mesmo: estruturas sociais supostamente demo- eriticas que de fato perpetuam desigualdades sociais e histéricas, interpretadas como naturais e devidas a diferencas individuais, com auxilio do postulado da igualdade de chances. Além dessas restriges feitas ao modelo te6rico proposto por Mannheim permanece sem resposta a pergunta levantada por Marx: quem educa os educadores, quem planeja os planejadores, quem forma a intelligentsia que decidiré (democraticamente) sobre o des- tino dos homens na sociedade planejada de Mannheim? 10. Cf. MANNHEIM, Karl: Freedom, Power... op. cit. 2B ‘As teorias educacionais até agora revistas pecam por seu alto grau de generalidade e seu extremo formalismo. Assim, referem-se a individuos © sociedades histéricas, de caracteristicas universais. Todos os individuos sdo sujeitos ao mesmo proceso de socializagio em uma sociedade dada, caracterizando-se esta por seu funciona- ‘mento global, sua harmonia e ordem interna. Durkheim e Parsons, negando a dimensio hist6rica e com isso & possibilidade de mudanga do contexto societério em que vivem os. individuos, negam também a concepcaio do homem hist6rico que seria produto dos condicionamentos s6cio-econdmicos, a0 mesmo tempo que ator consciente dentro das estruturas que o condicionam. Negam ainda a dimensfo inovadora e emancipatéria da edu- ago, que em suas teorias é reduzida a um instrumento de manu- tengo ¢ apologia do status quo. Nao se fala nos contetidos educa- ccionais especificos e no interesse de grupos em nome dos quais esses esto sendo transmitidos de geracdo em geragio. Isso porque nfo artem de uma concepgdo de sociedade estruturada em classes ou ‘grupos com interesses e aspiragdes distintas, jé que a sociedade é ‘concebida como um todo sistémico composto por elementos (0s indi- viduos) interligados que garantem o funcionamento harmonioso do todo. Os referidos autores expelem os conflitos e as contradigbes de seus modelos tedricos, escondendo com isso as diferengas sociais existentes. Ainda mais, postulam ser o sistema educacional o meca- nismo de ajustamento por exceléncia entre homem (individuo) Sociedade. Somente se aquele falhar, podem emergir os conflitos, ‘concebidos como disfungdes do sistema. Dewey ¢ Mannheim parecem, ao contrério, ver na educagio um instrumento de mudanga social, j& que é através dela que se imporé e realizar4 a sociedade democratica. Educagiio, em verdade, éconcebida como agente de democratizago da sociedade. A teoria dos dois autores esté subjacente a concepgo de ‘sociedades empiricamente imperfeitas, contraditérias, conflituosas, niko (perfeitamente) democraticas. No caso de Dewey a democrati- Zacio global seré alcangada pela ago da escola “que educar& para a vida". Quanto a Mannheim essa democratizaco se daré mediante estudo cientifico meticuloso das condigdes societérias vigentes (ta- Tefa da ciéncia). A base dos resultados desse estudo entra em ago 0 planejamento social que recorreré educagio como um dos seus m instrumentos estratégicos para encaminhar e garantir a democrati- zagio. © objetivo final, no caso de ambos os autores, & a sociedade democrética harmoniosa, em que reina a ordem e tranqiilidade, ‘onde conflitos ¢ contradigdes encontram seus mecanismos de solu- ‘soe canalizagao, Assim sendo, Dewey e Mannheim nao diferem — quanto aos resultados finais de suas teorias — da posigdo a priori conservadora de Durkheim e Parsons. Pois, uma vez implantada a sociedade democritica, a fungio da educagio se reduziré a sua manutengio. Divergem fundamentalmente dessa concep; do proceso educativo autores como Passeron e Bourdieu. Tém eles uma visto historica da sociedade e do homem. Partem da anilise e critica da sociedade capitalista (especificamente da sociedade francesa do sé- culo XX)."" A caracteristica fundamental dessa sociedade 6 a sua estrutura de classes, decorrente da divisio social do trabalho, basea- dana apropriagio diferencial dos meios de producao. sistema educacional é visto como uma instituig&o que pre- enche duas funcdes estratégicas para a sociedade capitalista: a reproduc&o da cultura (nisso os autores coincidem com as colo- ‘cages feitas por Durkheim ou Parsons) e a reprodugao da estrutura de classes. Uma das fungdes se manifesta no mundo das “'repre- sentagdes simbélicas” (Bourdieu) ou ideologia, « outra atua na prépria realidade social. Ambas as fungdes esto intimamente interligadas, j& que a fungio global do sistema educacional é garantir a reprodugdo das, relagdes sociais de produgdo. Para que essa reprodugfo esteja total- mente assegurada, no basta que sejam reproduzidas as relagdes factuais que os homens estabelecem entre si (relagdes de trabalho e relagdes de classe); precisam também ser reproduzidas as represen- tagdes simbélicas, ou sejam, as idéias que os homens se fazem dessas relagdes. Durkheim, Parsons, Dewey e Mannheim praticamente reduziram a funco das instituigdes escolares a essa tiltima, ou seja, & reprodugio de cultura, deixando de lado o que Bourdieu chama de reproduc social, isto €, a fungdo de perpetuar a propria estrutura 11, BOURDIEU, Pierre ¢ PASSERON, Jean Claude: A Reprodugo — Ele ‘mentos para uma Teoria do Sistema de Ensino, Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1975. 2s social hierarquizada, imposta por uma classe social a outra. Assim, as palavras de Bourdieu, o sistema educacional garante a “‘trans- missdo hereditéria do poder dos privilégios, dissimulando sob a aparéncia da neutralidade o cumprimento desta fungio”.!* Dai deriva uma nova conceituago de sociologia da educagio. Esta — segundo Bourdieu — “configura seu objeto particular quando se constitui como ciéncia das relagdes entre a reprodugio cultural e a reproducao social, ou seja, no momento em que se es- forca por estabelecer a contribuigdo que o sistema de ensino oferece com vistas & reprodugdo da estrutura das relagies de forga ¢ das elagdes simbélicas entre as classes, contribuindo assim para a reprodugio da estrutura da distribuigdo do capital cultural entre as classes”."" O sistema educacional consegue reproduzir as relagoes sociais, ou seja, a estrutura de classes, reproduzindo de maneira diferen- eiada a “cultura”, i. ¢., a ideologia da classe dominante. Como Dur- Kheim, Bourdieu considera 0 proceso educativo uma ago coerci- tiva, definindo a acto pedagégica como um ato de violéncia, de forga." Neste ato so impostos aos educandos sistemas de pensamento diferenciais que criam nos mesmos habitus diferenciais, ou seja, redisposigdes de agirem segundo um certo cbdigo de normas e va- ores que os caracteriza como pertencentes a um certo grupo ou uma classe. ‘ Bourdieu e Passeron mostram que o sistema educacional fran- és moderno consegue, desta maneira, desempenhar, de forma mais fjustada que o sistema tradicional, asua dupla fungdo de reproduco (cultural e social). Se o sistema tradicional se caracterizava por dois tipos de escolas: as escolas da classe dominante (de “elite") ¢ as es- €olas “para 0 povo”, hoje, 0 moderno sistema educacional nao ostenta mais essa dualidade. Aparentemente unificado, ele “cul- 12, BOURDIEU, Pierre: A Economia das Trocas Simbélleas, Perspectiva, Sto Paulo, 1974, Cap. 7: Reproducto Cultural e Reprodugio Social, p. 296. 13, Tbid., p. 295. 14, BOURDIEU, P, e PASSERON, J. C.: A Reprodugio, op. cit, p. 20. 15. BOURDIEU, P.: A Economia das Trocas Simbéllcas, op, cit. Veja espe- lalmente 0 Cap. Sistemas de Ensino e Sistemas de Pensamento, publicado origi- Iplmente em: Revue Internationale des Slenes Sociales, Vl. XIX, 3.1967, pp. 8 2% tiva” certos sistemas de pensamento que permitem por um lado a retenglo do individuo no sistema escolar, garantindo-Ihe a ascensto 408 nieis superiores do ensino. Para os demais que vio sendo excluidos oferece outros sistemas como justificativa de sua exclusto, Dessa maneira, o sistema educacional no reproduz estritamente a configuragao de classes, como o fazia o antericr, mas consegue, impondo o habitus da classe dominante, cooptar membros isolados das outras classes. Tendo tido éxito segundo os padrées fixadcs pela agto ped S6gica © estando por isso familiarizados com os esquemas ¢ rituais da classe dominante, os cooptados vio defender e impor de manei mais radical a classe dominada os sistemas de pensamento que a fazem accitar sua sujeigdo & dominaglo. Ao mesmo tempo que 0 sistema educacional promove aqueles que, segundo seus padrbes mecanismos de seles4o, se demonstram aptos a participarem dos Privilégios ¢ do uso da forga (do poder), ele cria, sob uma aparéncia de neutralidade, os sistemas de pensamentos que legitimam a exclu. sto dos nio-privilegiados, convencendo-os a se submeterem & domi. ‘ago, sem que percebam que o fazem. Em geral, a exclusio ¢ explicada em termos de falta de habi- lidades, capacidades, mau desempenho, etc., colocando-se o sis. tema educacional como drbitro neutro, Como mostra Bourdieu, a propria escola canaliza e aloca os individuos que a percorrem ou deixam de percorrer em suas respectivas classes, facilitando-Ihes a Justificagdo desse fato, através de sistemas de pensamento que ela mesma transmite. Assim a escola cumpre, simultaneamente, sua funsdo de reprodugao cultural e social, ou seja, reproduz as relacoes sociais de producdo da sociedade capitalista. Mas seria ela somente isso? Suas fung6es realmente se limitam Areprodueo cultural e social das relagées sociais? Se assim fosse, como se justificariam as investidas ¢ interfe- réncias das empresas e do Estado na esfera educacional com a inten¢do de aprimorar recursos humanos e refuncionalizar o sistema educacional? Parece Sbvio que a sociologia da educagdo tem negligenciado 0 Aspecto econémico da educagio, dando origem a disciplinas para. {elas como planejamento educacional e economia da educagto que Procuram preencher as Areas ndo consideradas pelas teorias educa. n Gionais até aqui recapituladas, Becker," Schultz," Edding'™ Solow sio os pais dessas novas disciplinas que hoje orientam as ecisdes de muitos governos na érea educacional, Partem eles de uma constatagdo empirica que fundamenta Suas reflexdes tebricas: a alta correlagdo entre crescimento econd. mico e nivel educacional dos membros de uma sociedade dada, Partindo de uma abordagem econémica, nio encontravam eles uma €xplicagio satisfat6ria do crescimento econdmico do mundo oci. dental dos dltimos decénios que seguem a II Guerra Mundial. Os fatores input da funcao de crescimento — capital e trabalho — nao bastaram para justficar o output (taxa de crescimento) registrado, Durante muito tempo essa grandeza residual foi atribufda a um Atereeiro fator", fator desconhecido que para alguns era a técnica, Para outros ““a measure of ignorance”, da propria economia. Becker Schultz procuravam desvendar o mistério, atribuindo a educagio a causa do crescimento excedente. Aceita como valida essa hipétese, ‘9s investimentos econémicos “‘rentaveis” seriam aqueles que se con. Centrassem no aumento quantitativo e qualitativo da educacdo for. mal da populacdo ativa. Desde entdo se vem falando em investi. ‘mento em recursos humanos, formaco de capital humano, for. maco de manpower. 0 planejamento educacional s6 vem a ser uma conseqdéncia Hogica das colocagées anteriores. ‘44 que a formago educacional é considerada direito e dever de todos © o Estado tem a obrigagdo de criar as condigdes para que todos estudem, ser4 o proprio Estado o autor dos investimentos e do Planejamento educacional. A economia da educagio Ihe fornece o embasamento teérico e, portanto, a justficativa tecnocrética para tal. Como o investimento é feito em nome do desenvolvimento da 16, BECKER, Gary S.: Human Capital, National Bureau of Economic Re- search, New York, 1964, 17. SCHULTZ, Thedore W.: 0 Capital Humane — Investimentos em Edu: (oe Peaqulss, Zahar, Rio de Janeiro, 1971 18. EDDING, Friedrich: Internationale Tendenzen In der Entwicklung dex Auspaben fuer Schulen und Hochschulen, Kieler Studien, Kiel, 1958; ¢ EDDING, F.2 Otkonomte des Bildungswesens. Lehrea und Lernen als Haushalt und Investitlon, FreiburgiBr., 196s, 19. SOLOW, Robert M.: Capltal Theory and the Rate of Return, North Holland Publishing Company, Amsterda, 1963. % nacido, produzindo uma taxa de crescimento que beneficia a todos, 08 cofres ptiblicos podem e devem arcar com as despesas. A maior produtividade dos individuos nao beneficia, porém, somente esse crescimento econdmico da nagiio. Segundo os tebricos da economia da educacio hé uma “taxa de retorno social ¢ individual”. Isto significa em outros termos que a taxa de lucro criada com a maior produtividade dos individuos devida ao seu mals em educacto é repartida de maneira justa entre o individuo e o Estado. Aquele porque investiu esforco, energia e tempo, perdendo potencialmente salirios se tivesse utilizado esse tempo para seguir um trabalho remunerado. O Estado receberia de volta, sob forma de taxas © impostos, os investimentos originais mais a parcela da taxa de lucro, justamente repartida entre ele e 0 individuo, Numa anélise ideolégico-critica a taxa de retorno se desmascara como a taxa de mais-valia que em verdade nao beneficia o trabalhador que a produz, nem uma entidade abstrata como a nagio, representada pelo Es- tado, mas sim o empresério capitalista, que empregou a forga de trabalho, Toda concepgdo da educagto como investimento ¢ valida, desde que conscientizada como investimento lucrativo para as em- presas privadas. A politica educacional que adota essa concepcdo Barante 0 crescimento da taxa de lucro para essas empresas. Alt- vater,® um dos criticos da economia da educagto, reinterpreta e traduz para uma terminologia marxista a versio economicista dos investimentos educacionais. Para ele, ha de fato uma socializacao dos gastos educacionais, mediatizada pelo Estado, no interesse da empresa privada e do capital monopolistico. Os investimentos feitos, para aprimorar a forga de trabalho, sob a forma declarada da “qualificagdo da mo-de-obra”, “aperfeigoamento dos recursos hu- manos”, precisam ser vistos no contexto da produyo capitalista. A forca de trabalho nao € qualificada, no interesse do trabalhador, para que melhore sua vida, se independentize e se emancipe das re- lagdes de trabalho vigentes, mas sim, para aprimorar e tornar mais eficazes essas relagdes, ou seja, a dependéncia do trabalhador em 20. ALTVATER, Elmar: Krise und Kritik — Zum Verthaelthis von Ocko- nomischer Entwicklung und Bildungs und Wissenschaftspolitk, em: LEIBFRIED, Stephan (ed.): Wider dle Untertanfabrik — Handbuch zur Demokratisierung der Hochschulen, Koeln, 1967, pp. 52-6. » Telacdo ao capitalista. Os investimentos educacionais vistos no con- texto da reproduc&o ampliada precisam ser compreendidos como investimentos em capital variavel, que tornara mais eficientes inves- timentos em capital constante, aumentando com isso a produtivi dade do processo de producao e reprodugio capitalista. A economi da educacao, baseada nos principios da economia neoclAssica, nada mais faz.que explicar “o crescimento econémico” por manipulagtes feitas com auxilio da intervengao estatal na composigo orginica do capital. E mais, através do seu manpower approach torna-se uma disciplina normativa. Ela propde ao Estado as formas de investi- ‘mentos. Os gastos educacionais devem ser feitos com um minimo de desperdicio e desajustamentos entre o output do sistema educacio- nal e as necessidades do mercado de trabalho. Essas so, em ver- dade, as necessidades das empresas privadas em ter uma forga de trabalho adequadamente treinada. A forga de trabalho devidamente treinada, como mostra Altvater, funciona como capital variavel, no Proceso produtivo, sendo o verdadeiro produtor da mais-valia. A fim de cumprir com essa tarefa, a economia da educagio Tecorre ao planejamento educacional. Os dois modelos clissicos da ‘economia da educa¢ao — o modelo do investimento (Input ou rate of return) ¢ 0 modelo da demanda (output, manpower ou social de- ‘mand approach) — se complementam servindo a0 mesmo tempo como modelos explicativos ¢ normativos do processo econémico. No Primeiro, a unidade de céleulo ¢ o dinheiro. Aqui se procura res- Ponder as perguntas de como otimizar os gastos estatais; como alocar da maneira mais adequada os meios disponiveis (escassos) Para alcangar maior rentabilidade. No segundo modelo, a upidade considerada é a pessoa qualificada, formada pelo sistema educa- ional, a ser alocada adequadamente na estrutura ocupacional. Se 0 Primeiro modelo enfatiza a racionalidade (meios escassos ajustados 4 fins cuidadosamente ponderados), 0 segundo se preocupa com 0 ‘equilibrio entre oferta e procura de mao-de-obra no mercado de trabalho. No primeiro modelo ha uma manipulagio do orcamento Piiblico que vai beneficiar ou negligenciar certos ramos de ensino ou tipos de escolas. No segundo, a manipulagao do sistema educacional €dos educandos é direta, procurando-se fazer da escola uma fabrica de miio-de-obra. Na quantidade e qualidade de seu output, ela pre- cisa considerar a demanda (c as oscilagdes dessa demanda) do mer- endo de trabalho. Como sao os interesses da empresa privada que se Ey manifestam neste mercado, 0 modelo negligencia os interesses da sociedade global e os interesses individuais, a favor daqueles. planejamento educacional executa na pritica o que os dois, modelos propdem em teoria. Ele além de ajudar a alocar os meios escassos de maneira 6tima a fim de garantir o output quantitativo e qualitativo necessério para cobrir a demanda do mercado, funciona como mecanismo corretivo entre o sistema educacional e o mercado de trabalho. Naquele a lei da oferta e da procura nao funcionam plenamente, pelo fato de a norma da maximizaco de lucros nao the ser aplicavel. No mercado de trabalho tanto a lei quanto a norma atuam sem restriges. O planejamento educacional vem, pois, pre- encher a lacuna das leis de mercado inoperantes. Segundo Huisken,” 0s modelos da economia ¢ do planeja- mento educacional nada mais fazem que ajustar o pessoal formado pelas escolas aos ciclos e as crises geradas pela economia capitalista. Criam eles uma certa flexibilidade do sistema capitalista face a tais crises. Sob a ideologia do desenvolvimento e do crescimento conti- nuado da economia e alegando ao mesmo tempo assegurar empre- ‘g0s duradouros & forga de trabalho disponivel, defendem, em ver- dade, os interesses da maximizacao dos lucros da empresa privada, pois mantém em reserva um potencial de trabalhadores que cons- tantemente so reciclados em fungao das novas demandas geradas pela dinamica e irracionalidade do modo de producao. O planeja- mento educacional constitui assim uma maneira de manipular “o exército industrial de reserva”, dando-lhes sua plena funcionali- dade: fornecer a cada momento a forga de trabalho necesséria a expansdo ou contengao da producdo e degradar os salérios. ‘Os modelos da economia da educagao nao divergem, em seus pressupostos basicos, das colocagdes de Durkheim e Parsons. Pode- ‘mos dizer que os economistas da educagdo reassentaram 0 modelo sistémico de Parsons em suas bases econdmicas, pois a teoria do papel nele formulada consiste numa aparente troca de equivalentes. Ego define suas expectativas e suas agdes em vista de alter € vice- versa; € ego satisfaz as expectativas de alter porque espera que também alter satisfaca as suas, Por isso no se podem definir, no sistema, papéis isolados, mas sempre complementares. O papel do 21. HUISKEN, Freerk: Zar Kritlk Buergerlicher Didatik und Bilduigsoe- konomle, List Verlag, Muenchen, 1973. au Pai s6 esté completamente circunscrito vis-a-vis do papel do filho (dos filhos), etc. Também a mercadoria A s6 consegue expressar seu valor num equivalente de B (uma unidade de A = duas unidades de B), o valor deste s6 se configura em sua plenitude quando expresso em A. A maximizagio das gratificagdes por parte de individuos eorresponde em Parsons a maximizagio dos lucros ambicionada pelos capitalistas. A harmonia e 0 equilibrio do sistema social de- pendem da livre e igual competi¢ao dos individuos atomizados (por- tadores de papéis), por posigdes sociais (poder e prestigio) que tém diferentes valores na hierarquia social. Ocupa a posigao quem para ela estiver mais habilitado. Isso corresponde perfeitamente a lei da oferta e da procura no mercado em que diferentes vendedores compradores de mercadorias competem na fixagio dos precos, dando equilibrio ao sistema. A mao invisivel que regulamenta a harmonia e ordem dessas diferentes formas de competigio 6 a mesma. Ela também é responsavel pela “igualdade de chances” garantida a cada um, tanto no modelo social (de adquirir posigbes de prestigio e poder) como no modelo econémico (dz adquirir mer- cadorias). As recompensas e gratificagdes correspondem ao quan- tum de mercadorias disponiveis ou compraveis. As perturbagées do sistema nunca se originam de conflitos internos, mas sio sempre produto de intervengies externas. A economia da educagdo justamente ajuda a disfargar a essén- ‘cia do problema subjacente a estas ideologias da igualdade de chan- ‘ees € da troca de equivalentes. Marx mostrou em sua teoria do valor que de fato pode haver equivaléncia entre duas mercadorias desde que medidas com uma unidade padréo que seja comm a ambas: 0 tempo médio socialmente necessério absorvido para « sua produgio. Por isso se pode trocar um saco de arroz. por dois de feijao. A tinica mercadoria disponfvel no mercado em que a equivaléncia nao fun- clona é em relagdo a propria forca de trabalho. O seu valor de uso diverge do seu valor de troca. Pois ela, ao ser comprada no mercado Por um valor, quando usada no processo de trabalho, produz mais valor do que custou ao comprador, o capitalista. Os individuos ou 0 Estado, investindo pois na qualificagdo da forca de trabalho, e justa- mente para aqueles setores e ramos em que h4 necessidade de tra- bathadores mais ou menos qualificados, criam um valor. Este, no lo da troca, recebe seu equivalente (tempo socialmente necessério Para produzi-lo) em salério. Mas na hora que essa forga de trabalho 2 6 empregada no processo produtivo, ela gera mais valor do que 0 saldrio percebido. Este excedente nio retorna ao individuo ou ao Estado que nele investiram para qualificd-lo, mas ¢ apropriado pelo comprador, o empresério capitalista. A tese da economia da educagdo de que hé uma taxa de retorno individual e social, mascara esse problema da diferenga de equivalentes. Nos salérios que os individuos recebem, de fato se troca equivalente por equivalente. O salério corresponderé, em seu valor, ao tempo médio socialmente necessério para a produgdo € reprodugo da forga de trabalho, o que inclui sua qualificagao para o trabalho. Mas esse salario é bem menor que o valor que 0 trab: Ihador cria no tempo pelo qual vendeu sua forca de trabalho. Sua maior produtividade face & sua maior qualificac&o ndo beneficia a ele, aumentando gradativamente seu salério, mas ao seu emprega- dor que se apropria da diferenca, a mais-valia. ‘Assim como Parsons ¢ os economistas permaneceram, em sua anilise dos mecanismos de troca, na superficie dos fenémenos, assim também o faz, necessariamente, a economia da educaclo. Mais especificamente, ela procura mascarar a exploragdo ¢ alie- nagto da forga de trabalho com sua teoria do crescimento € das taxas de retorno individuais. A “taxa de retorno social e individual” corresponde exatamente a taxa de lucro, apropriada pela empresa privada para assegurar 0 proceso de acumulacdo do capital. Os modelos te6ricos sistémicos tanto de Parsons como de Be- cker ou Schultz. descrevem, portanto, o aspecto exterior do funcio- namento dos sistemas sociais. Nao revelam os verdadeiros meca- nismos que produzem e mantém as estruturas de desigualdade, mas os escondem atras de aparentes igualdades ¢ equivaléncias. Somente ‘uma anilise radicalmente critica pode desmascarar 0 carter ideo- légico dessas teorias ¢ da realidade que elas alegam descrever. Essa anilise é feita pela primeira vez de forma exaustiva explicita por Althusser,” Poulantzas” e Establet.* 22. ALTHUSSER, Louis: Idéologie t Appareils Idéologiques d'Etat, Pensée, Paris, junho de 1970. ts 23, POULANTZAS, Nicos: Escola em Questio, Tempo Brasleiro, n° 35, Rio de Janeiro, 1973, pp. 126-37. 24. ESTABLET, Roger: A Escola, Tempo Braslero, n? 35, 1973, pp. 93-125. jo de Janeiro, 2 ___Estes autores nao analisam somente fungdes isoladas preen- hidas pela educacdo, escola ou sistema escolar (como foi 0 caso dos te6ricos até agora examinados), permanecendo em um nivel mer mente descritivo, mas tentam chegar a esséncia do fendmeno, atr vvés de uma anilise critica da sociedade capitalista como um todo, fas instincias econdmica, politica e social. E Althusser que, pela Primeira vez, caracteriza a escola como “aparelho ideol6gico do @stado"" (ATE). Localizada no ponto de intersecgao da infra-estru- ura e dos aparelhos repressivos e ideolbgicos do Estado, a escola Preenche a funcdo bisica de reprodugo das relagdes materiais ¢ Sociais de producio. Ela assegura que se reproduza a forga de tra- batho, transmitindo as qualificagdes e o savor faire necessérios para ‘mundo do trabalho: e faz com que ao mesmo tempo os individuos Ae sujeitem a estrutura de classes. Para isso Ihes inculca, simulta- hneamente, as formas de justificagdo, legitimagto e disfarce das dife- fencas e do conflito de classes. Atua, assim, também ao nivel ¢ Através da ideologia. ““A reprodugio da forga de trabalho exige no somente uma Teproduclo da sua qualificacdo, mas ao mesmo tempo uma repro- uo de sua submissdo as regras da ordem estabelecida, i. e., uma feprodueto da sua submissdo a ideologia dominante para os opers- fos e uma reprodusio de sua capacidade de bem manejar a ideo- logia dominante para os agentes da exploracio e da repressto, a fim de assegurar, também pela palavra a dominagto da classe domi- fhante.”"® A escola contribui, pois, de duas formas, para o processo de feproducto da formacao social do capitalismo: por um lado repro- as forcas produtivas, por outro, as relagdes de producdo , existentes. es ‘Seem Bourdieu em certos momentos se tinha a impressto de a ficola ser nao somente instrumento, mas também causa da divisio asociedade em classes, Establet * e Poulantzas” deixam bem claro Me tanto a escola como outrasinstiuides de scializago (os AIE Althusser), como a igreja, meios de comunicagio de massa, 25. ALTHUSSER, Louis: Ideologia e Aparethos Ideol6gicos, op. cit. p. 6. 2, ESTABLET, Roger: A Escola, op cit... 107. 27. POULANTZAS, Nicos: A Escola em Questlo, op. cit.,p. 129, 4 familia, “nfo criam a divisio em classes, mas contribuem para esta divisdo, e, assim, para sua reproduco ampliada’”.™ Nisso se apéiam no préprio Marx, que deixou bem claro que a sociedade de classes nao s6 é gerada, mas também reproduzida na piépria esfera da produgio. ““A produgio capitalista..., em si mes- ma reproduz a separaco entre a forga de trabalho e 0s meios de trabalho. Reproduz e perpetua, assim, as condides de exploragio do trabalhador... © proceso de producao capitalista considerado em seu contexto global, ou seja, como um processo de reprodugto, no produz apenas mercadorias ou mais-valia, mas produz ¢ repro- duz, igualmente, a relagio capitalista: de um lado 0 capitalista, de outroo trabalhador assalariado.”” A escola vem a ser, portanto, um mecanismo de reforgo dessa propria relagdo capitalista. A contribuigio de Althusser, Establet e Poulantzas a teoria da educagao no consiste somente em perceber a multifuncionalidade do sistema educacional na complexa sociedade capitalista. Longe de verem nessas fungSes um mero somatério, revelam a dialética in- terna das mesmas, no contexto da estrutura global da sociedade. Assim a escola, na medida em que qualifica os individuos para 0 trabalho, inculca-thes uma certa ideologia que os faz aceitar a sua condigao de classe, sujeitando-os ao mesmo tempo ao esquema de dominagto vigente. Essa sujeigdo 6, por sua vez, a condigio sem a ‘qual a propria qualificagdo para o trabalho seria impossivel. E, pois, a escola que transmite as formas de justificagio da divisio do trabalho vigente, levando os individuos a aceitarem, com docilidade, sua condigto de explorados, ou a adquirirem o instru- mental necessério para a exploracio da classe dominada. Importante nessa explicacdo € 0 fato de que o caminho que ‘garante a reprodugao da forga de trabalho, e com isso das relagées materiais de produgao, precisa ser preparado pelos aparelhos ideo- logicos. A reprodugo material das relagdes de classe depende da eficécia da reprodugto das falsas consciéncias dos operdrios. Essas so criadas ¢ mantidas com auxilio da escola. A reprodugdo da ideologia vem a ser uma condigdo sine qua non da reprodugac das 28. Ibid. p. 129. 29. MARX, Kari: Das Kapital, Vol. I, Dietz Verlag, Bertin, 1958, pp. 606-7. as ‘Felagdes materiais e sociais de produgio. A escola, como AIE mais ‘importante das sociedades capitalistas modernas, satisfaz plena- mente essa functo.” A-escola atua no interesse da estrutura de dominacfo estatal e, ‘€m iiltima instincia, no interesse da dominag&o de classe. Essa dominagio nio se da por via direta, através da aplicagio explicita ‘da violéncia, mas de maneira disfargada, com o consentimento dos ‘individuos que sofrem a violéncia da “ago pedagSgica”. A escola tem, pois, uma fungdo basica de reprodugio das relagdes de pro- dugio. Para satisfazé-la, ela age de diferentes maneiras, ao nivel das Inés instancias. As diferentes formas de atuago, em seu desdobra- mento miiltiplo, vistas dialeticamente no contexto estrutural global, acabam por se reduzir a uma essencial: a da manutengfo e perpe- tuagdo das relacdes existentes. Althusser, Poulantzas e Establet fornecem um referencial te6- ‘Fico que realmente permite analisar, explicar e criticar 0 funcions ‘mento da escola nas modernas sociedades capitalistas. Até aqui, porém, ainda no foram esclarecidas quais as condi- bes hist6ricas ¢ estruturais que permitiram o fortalecimento dos AIE, em geral, ¢ da escola, em especial, como mecanismos hoje Indispensaveis da reproducdo materiale social das relacdes de produ- Glo. Em outras palayras, Althusser ndo revela como surgiram esses Mecanismos que procuram bloquear a tomada de consciéncia da Glasse operéria, na intencao de anular os dinamismos que — se- undo Marx — levariam inevitavelmente luta de classes. Nao que- Femos com isso insinuar que os althusserianos vejam nos AIE, ¢ especialmente na escola, os mecanismos exclusivos de formagio ¢ Perpetuagto da falsa consciéncia, impedindo a luta de classes ¢ Paralisando a histéria, Mas se aceitarmos as colocages dos autores 40 nivel puramente descritivo, entdo as coisas se passam na socie- ade capitalista como se de fato a escola tivesse esse poder. Essa edu seria falsa, j& que os dinamismos que criam o conflito a Ita de classes se localizam fora da escola, manifestando-se também {ios ATE, mas nao s6 neles. O peso da escola nao pode, portanto, ser Sobreestimado. A escola nao é nem a causa da falsa consciéncia nem Oiinico fator que a perpetua. 30. Cf. as exposigbes sobre Gramsci no texto. seguir, Em tiltima instfincia, a causa determinante da condicao de classe e da falsa consciéncia é a infra-estrutura econémica. Nas condig®es concretas das sociedades capitalistas modernas hé porém uma sobredeterminacio em que a escola assume um papel funda- mental na manutengio e reprodugiio das falsas consciéncias e, com isso, das relacdes materiais e sociais de producdo. Falta, na andlise dos althusserianos, a génese desse momento da sobredeterminagio, bem como uma andlise estrutural global detalhada que revele a conjungao de todos os fatores (adicionais a0 da educagéo) que permitem que esta, institucionalizada em um ATE, assuma um papel estratégico na manutencao do status quo, procurando bloquear a historia. Falta também a explicitagto de uma estratégia que permita, 0 nivel da superestrutura e dentro dos AIE, a superagio desse ‘momento de sobredeterminacdo. Uma teoria da educagao realmente dialética teria que incluir em seu quadro tebrico os elementos da pratica que possibilitassem a superacdo de um determinado status quo. Essa teoria deveria mostrar o caminho para uma ago emanci- patéria da educac&o no contexto estrutural analisado. Althusser se limita a admitir que os AIE e, com eles, a escola, do devem ser encarados somente como objetos de estudo, mas sim ‘como o lugar em que se manifesta a luta de classes. O autor nao desenvolve, porém, reflextes sobre a possibilidade de a classe opri- mida assumir o controle dos AIE e através deles efetivar a luta de classes nas outras instncia Althusser, apesar de admitir a importancia estratégica da ‘educagio como instrumento de dominagto nas maos da classe domi- ante, nfo vé nela importincia estratégica como instrumento de libertagdo por parte da classe dominada. Falta-the aqui, a nosso ver, a visto hist6rica e dialética dos AIE e da escola. Sua visto de mudanga em geral e refuncionalizagao da escola como AIE de uma nova formagio social segue o esquema clissico de Marx, A luta de classes se trava e se decide ao nfvel das outras duas instncias, a econdmica e a politica. E aqui que se decide o destino da superagdo das estruturas capitalistas, nao na instancia dos AIE. Essa constatagdo vem a ser um tanto paradoxal, jé que a impor- tancia dos AIE ¢ da ideologia para a manutengdo € reprodugdo dessas estruturas havia sido claramente reconhecida. 7 Gramsci vai ser o autor que atribui a escola e a outras insti- tuigdes da sociedade civil (ou seja, aos AIE de Althusser) essa dupla funcdo estratégica (ou seja, a funcdo dialética) de conservar e minar as estruturas capitalistas, A preocupacio central de Gramsci” nao é a escola e sua fun- do especifica na sociedade capitalista, e por isso no pode ser considerado um teérico explicito da educacio. Gramsci tem sido caracterizado, dentro da tradic&o do pens: mento marxista, como o “‘teérico das superestruturas" e & nessa qualidade que ele fornece os elementos que permitem pensar uma teoria dialética da educacao. Uma contribuicio importante de Gramsci a teoria do pensa- mento marxista consiste na revisdo do conceito de Estado. Se Marx ‘considerava momento exclusivo da coagao e da violéncia, Gramsci Propte sua subdivisio em duas esferas: “‘a sociedade politica, na ual se concentra 0 poder repressivo da classe dirigente (governo, Aribunais, exército, policia) ¢ a sociedade civil, constitufda pelas associagbes ditas privadas (igreja, escolas, sindicatos, clubes, meios de comunicagao de massa), na qual essa classe busca obter 0 consen- timento dos governados, através da difusio de uma ideologia unifi- ‘eadora, destinada a funcionar como eimento da formaco social”. A sociedade civil assume aqui um sentido novo, tanto em felacdo a Marx como a Hegel. Hegel confundia 0 conceito com 0 de Estado, caracterizando nele ao mesmo tempo a dominacdo e hege- monia burguesa. Marx o situa na infra-estrutura como expresso da Propria relacio de producdo capitalista. Para Gramsci a sociedade civil expressa 0 momento da per- aso ¢ do consenso que, conjuntamente com o momento da re- DPressio e da violencia (sociedade politica), asseguram a manuteng&o da estrutura de poder (Estado). Na sociedade civil a dominagao se expressa sob a forma de hegemonia, na sociedade politica sob a forma de ditadura, Os conceitos de sociedade civil e de hegemonia permitem Pensar o problema da educado a partir de um novo enfoque: Jory, 2 GRAMSCI, Antonio: I Materalisme Storie, Editor Riunit, Roma, | 32, ROUANET, Sérgio Paulo: Imaginisio © Domlnagfo, Editora Tempo Mrasiliro, Rio deJanciro, 1978, p. 69. 4 8 permitem elaborar um conceito emancipatorio de educagio, em que uma pedagogia do oprimido pode assumir fora politica, ao lado da conceituacdo da educag4o como instrumento de dominacao e repro- dugdo das relagdes de produgao capitalistas. Isso porque Gramsci admite que na sociedade civil circulam ideotogias. Nela a classe hegem@nica procura impor & classe subal- terna sua concepcao do mundo que, aceita e assimilada por esta, constitui o que Gramsci chama de senso comum. “E nesse sentido que Gramsci diz que ‘toda relacdo de hege- monia € necessariamente uma relagio pedagogica’: no caso da hege- monia burguesa, trata-se essencialmente do processo de aprendi zado pelo qual a ideologia da classe dominante se realiza histori- camente, transformando-se em senso comum. E uma pedagogia politica, que visa a transmissio de um saber, com intengdes. pré- ticas. ‘A fungiio hegeménica esta plenamente realizada, quando a classe no poder consegue paralisar a circulagio de contra-ideologias, suscitando 0 consenso e a colaboragao da classe oprimida que vive sua opressiio como se fosse a liberdade. Nesse caso houve uma inte- riorizacdo absoluta da normatividade hegeménica. Para realizar essa fungdo hegem@nica, a classe dominante re- corre ao que Gramsci chama de instituigdes privadas (que na termi- nologia de Althusser seriam os AIE), entre elas aescola. E por isso que na luta de classe o controle das instituigées privadas pode assumir um papel estratégico e, dependendo da cons- telagdo histérica, prioritério diante do controle das instituigdes re- pressivas ou dos mecanismos de producdo. Pois a dominagio das consciéncias, através do exercicio da hegemonia, é um momento indispensdvel para estabilizar uma re- lagiio de domingo, e com isso as relagdes de produgio. Por isso a estratégia politica da classe oprimida deve visar também o controle da sociedade civil, com o objetivo de consolidar ‘uma contra-hegemonia. Mas como assumir o controle, se'a classe dominante, no exer- cicio de sua hegemonia, monopoliza as instituigdes privadas, para através delas difundir sua concepgao de mundo? 33. Ibid.,p. 72. x» E nesse contexto que assume importancia a concepgio da Sociedade civil como o lugar da circulagao (livre) de ideologias. $6 ‘nifio haver4 essa circulagao numa situagdo ditatorial, em que a socie- dade politica invade o terreno da sociedade civil, transformando 0 que Althusser chamou de aparelhos ideolégicos em aparelhos repres- sivos. Desde que uma classe pretenda assegurar seu dominio pela hhegemonia, precisa conceder, mesmo ilusoriamente, um momento de liberdade, insinuando a classe oprimida que ela livremente opta Por sua concepeio de mundo. A contradig&o que aqui se expressa pode ser explorada de maneira consciente pela classe oprimida. Mediante seus intelectuais orgiinicos ela pode langar no ambit da Sociedade civil sua contra-ideologia. Esta procurard realizar-se atra- vvés das proprias instituigdes privadas, os ATE, refuncionalizando-os; ou criando contra-instituicdes que divulguem a nova concepcio do mundo, procurando corroer o senso comum. E ébvio que dentro dessa visio a escola ¢ as doutrinas pedagégicas assumem uma importancia estratégica. Mas também 6 ébvio que tal estratégia s6 era chances de éxito quando a classe hegem@nica oscilar no poder, delineando-se a corrostio do bloco histérico que garantia a sua hegemonia, e dando-se a emergéncia de um novo bloco. E evidente que as chances de éxito de uma pedagogia do oprimido e de uma educagio emancipatéria dependem da erosio das relagdes de pro- ugo capitalista nas trés instancias que compdem o bloco histérico. Nisso Gramsci nao diverge dos althusserianos. Mas estes, ao reformular na teoria dos AIE o tema gramsciano da hegemonia, omitiram o essencial da contribuigdo de Gramsci — tese de que a luta politica pode, e no contexto do capitalismo ‘tyangado deve, travar-se prioritariamente na instancia da sociedade ivil. © que ndo exclui que em outras sociedades em outros estigios de desenvolvimento histérico o papel decisivo possa caber a infra- estrutura ou a esfera estatal (sociedade politica). Dentro desse esquema gramsciano se torna possivel pensar dialeticamente no problema da educago ¢ no funcionamento da escola. Somente ele permite a conceituago de uma pedagogia do Oprimido ¢ uma educagdo emancipatéria institucionalizada. Isso Porque o referencial teérico nao se limita a anélise, explicagdo e Gritica de uma sociedade historicamente estabelecida (como a socie- dade do capitalismo avangado), mas oferece também os instrumen-

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