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Romanos Exposigéo sobre Capitulos 7:1 a 8:4 _A LEI: SUAS FUNGOES E SEUS LIMITES D. M. Lloyd-Jones FES PUBLICACOES EVANGELICAS SELECIONADAS Caixa Postal 1287 01059-970 — Sao Paulo - SP Titulo original: The Law: Its Functions and Limits Editora: The Banner of Truth Trust Primeira edigdo em inglés: 1973 Copyright: D. M. Lloyd-Jones Traducado do inglés: Odayr Olivetti Revisao: Antonio Poccinelli Capa: Sergio Luiz Menga Permissdo gentilmente concedida pela Banner of Truth Trust para usar a sobrecapa da edicao inglesa Primeira edig4o em portugués: 2001 Impressao: Imprensa da Fé INDICE PrefAcio wrssesssecseees sree LL A correta abordagem de um capitulo controvertido — 0 propésito do capitulo — vista panoramica — a relevancia do ensino — trés erros cometidos pelos cristaos. 2. . 30 A Lei em geral, abordagem indireta—o casamento, uma figura da relagao do incrédulo com a Lei — quatro motivos para a escolha dessa ilustragdo — a natureza da nossa morte para a Lei. 3 see 48 Uma definigo geral da vida crista - uma mudanga radical - as provas da vida —a centralidade de Cristo - 0 corpo de Cristo, crucificado e ressurrecto. 4a. : . 64 Aunidocom 1 Cristo em Sua r morte para a aLei -0 ‘antigo marido eo novo—lealdade ao novo marido — uma relagao indissoltivel. Sau 80 O privilégio do nosso casamento — as nossas posses em Cristo ~ Seu amor e cuidado — fruto, o propésito da unido. a 96 A necessidade da mudanga-—a vida na carne — paixdes e cobicas — 0 poder positivo do pecado — a futilidade da moralidade. 7 ens we LIS A completude“ da mudanga para todos os cristéos — nosso livramento do controle da Lei—a meta da nossa libertagdo—a nova escravidao — letra e espirito. 8... «131 Sete diferengas singulares entre a velha vida e a nova-—o exterior e o interior — entendimento — letra e espirito - motivo — liberdade — poder — progresso rumo a gloria. 9. - 148 A vindicagao da Lei - a “obra” preliminar da Lei — as cobicas eo pecado — 0 décimo mandamento e o conhecimento que Paulo tinha do pecado. 10.. see 162 Oo pecado como poder ~ a Lei tilizada c como 6 fulero (como centro de interesses) — o senhor de escravos — 0 agravamento da ilegalidade (do desrespeito 4 Lei) — conclusées praticas. vee 177 dlise da sua experiéncia pessoal - 0 pecado adormecido - a “vyinda” da Lei — morre a auto-confianga — 0 teste da nossa reacao 4 Lei. 12. A Lei e a vida — a Lei e a morte — diagndéstico das condigées morais do pais — 0 uso pecaminoso da Lei para enganar — 0 obscurecimento da mente. ‘i Neologismo que deliberadamente assumi a partir de 1996. 6 13.. sere 214 A santidade e a bondade da Lei — a exposicdo da gravidade maligna do pecado — a experiéncia de Paulo sob a convicgéo de pecado — a ocasiao dessa experiéncia. 14 232 Trés interpretagées dos versiculos 14 e seguintes — 0 método indutivo — andlise geral da segdo — o tema continua sendo a fungao da Lei - mudanga do tempo verbal — o sentido de “carnal”. 15.. 7 wee 248 A frase-chave — as implicagdes ‘de « “vendido sob o pecado” quanto aos diversos conceitos — versiculo 15, descrigo de toda asua vida — derrota, fracasso e regeneracao. 16 ws saesnenenseneeneanennensen woes 263 Inferéncias légicas - uma declaragio ousada— umacomplicada descrigéo da dualidade — confissdéo, néo escusa — 0 pecado frustrando a Lei. 17. 278 A lei da sua experiéncia didria — 0 ohpmem interior e os membros — uma lei diferente — varias interpretagdes de “cativeiro” — um angustiado grito de derrota. 18. Uma interjeigio de louvor— consideragao geral da passagem ~ comparacao com outras passagens aparentemente similares — GAlatas, capitulo 5; 1 Corintios capitulo 9, etc., mostram vit6ria, nao derrota. 19.. i A descricéo que Paulo faz dohomem regenerado, incompativel com esta passagem — considerados outros escritores — algumas tentativas de conciliagéo — a teoria da segunda béncfo — conclusao. w+ 335 Aconexao do capitulo 8 com 0 capitulo 5 —esboco do capitulo ~ desenvolvimento do tema enunciado no versiculo primeiro. 2D veeecese 349 O tema é justificagao, nao santificagéo — nao mais condenagao —uniao com Cristo, garantia da nossa glorificacao final. 22.. 363 Questées de tradugao — uma interpretagao errada em termos de santificacgao — prova de que “a lei do pecado e da morte” faz parte da Lei de Deus — a lei do Espirito e 0 reinado da graga. 23... 381 O gozo da seguranga — o impossivel da Lei — refutada a interpretagao do Dr. Hodge — justiga concedida bem como imputada. 24. a 397 O desamparo do homem - a salvacg&o que vem de Deus - a filiagao eterna de Cristo - o segundo Homem, a garantia da nossa salvagao. 25. 410 A realidade da encarnagéo — a impecabilidade de Cristo — 0 nascimento virginal e “a imaculada concepgao” — as debilidades da natureza humana de Cristo — a necessidade de Sua vinda como homem. 26 .... sratsaesasesnsenseseenees 428, Uma oferta pelo pecado — 0 perfeccionismo nao é ensinado aqui — a morte de Cristo e a justica concedida — nao se deve separar a justificagdo da santificagao. O teor geral da vida crista— diferentes aparéncias do andar na carne — a diregio do Espirito — uma falsa diviséo entre os cristaos — santidade e seguranga. Apéndice Testemunho puritano 461 PREFACIO Este volume trata do que indubitavelmente é um dos capitulos mais controvertidos da Biblia. Seja qual for o conceito que se possa formular com base nele, inevitavelmente leva critica e 4 discordancia. Isso, por sua vez, ajuda a explicar grande parte da dificuldade a seu respeito. O perigo é aborda- -lo partindo de uma posi¢4o ou tradicéo obstinada com a determinagao de defendé-la a todo custo. O preconceito é um dos maiores inimigos da verdadeira exposigao. Como eu vejo a quest4o, e como a explico ao longo da minha exposi¢ao, a maior causa de dificuldade é a pessoa ficar obcecada pelo chamado “homem do capitulo 7 de Romanos” e, conseqiientemente, abordar o capitulo inteiro do ponto de vista da experiéncia crista. Fazer isso é nao captar o tema reale o objetivo central do capitulo e o propésito da Lei dada por Deus mediante Moisés aos filhos de Israel. Este capitulo é, sem dtivida, o “locus classicus” do conceito cristéo sobre a Lei, especialmente do conceito de Paulo. Esse ponto evidentemente era crucial no sentido evangelistico, no tempo do apéstolo, e também do ponto de vista da necessidade de resolver a tensao entre judeu e gentio na Igreja Primitiva. Também é vitalmente importante para o entendimento de como a Biblia veio a existir, e quanto 4 razio pela qual uma igreja mormente gentilica incorporou a sua nova literatura no Velho Testamento. Recente- mente notei com interesse que o Professor von Campenhausen, em sua obra The Formation of the Christian Bible, 1967 (A Formagio da Biblia Crista - tradugao inglesa publicada por A &C Black, Londres, 1972), chega ao ponto de dizer que a MW Biblia jamais seria possivel, nado fosse o conceito da Lei aqui ensinado pelo apéstolo Paulo. Fiquei muito animado também com uma resenha publicada no Westminster Theological Journal (Jornal Teolégico de Westminster) de um livro escrito pelo professor H. N. Ridderbos, da Universidade de Kampen, Holanda, que me deu a idéia de que o professor Ridderbos tem 0 mesmo conceito que eu tenho. Eu tinha resolvido esperar que a tradugio inglesa dessa obra, feita pelo Dr. J. R. de Witt, fosse publicada para que eu pudesse citd-la, mas, como vi algumas folhas das provas, pela bondade do Dr. De Witt, confirmou-se em mim a impressao que me fora dada pela resenha da edigo original holandesa. Mais uma vez nao me desculpo pela repeticao. O texto a exige — deve ser dado pleno peso a cada declaracdo, e nada deve ser omitido ou considerado por alto no interesse de uma teoria. Fago um pedido aos meus leitores: se a tese que vou defender no os convencer, pego que suspendam o julgamento final até que seja publicado o préximo volume, especialmente enquanto no lerem a exposi¢do do capitulo 8 naquele volume. Decidi incluir neste volume os versiculos | a 4 do capitulo 8 porque, embora o versiculo primeiro desse capitulo comece uma nova secao, os quatro versiculos iniciais me parecem primariamente um sumério do argumento anterior, e, portanto, langam muita luz sobre ele. A exposicao mostraré claramente que 0 tema deste volume nao éum simples e fascinante problema teolégico ou intelectual, e sim, uma questdo de vital importancia para a experiéncia crista e para a satide, o bem-estar e o vigor da Igreja. Terminar a leitura de Romanos, capitulo 7, numa condig&o deprimida é ndo entendé-lo; ir a ele como um meio de obter consolo em tal estado de depressao, ou como uma justificativa para esse estado, € perverter 0 ensino do apéstolo, como eu 0 entendo. Rogo, pois, que se faga uma leitura paciente e cuidadosa; e espero que, sob a béncao de Deus, este volume liberte muitos 12 do “espirito de escravidao para outra vez estarmos em temor”, levando-os a terem uma experiéncia com “o Espfrito de ado- go de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai”. Estes sermoes foram pregados nas noites de sexta-feira na Capela de Westminster, Londres, durante o perfodo de abril de 1959 a fevereiro de 1960, havendo um intervalo durante os meses de vero de 1959. Como aconteceu com os volumes anteriores, devo muito a Sra. E. Burney, ao Sr. S. M. Houghton e aos editores, por seu bondoso e gracioso auxilio. Eles de modo algum sao respon- sdveis pela conceituag&o apresentada. Como sempre, minha esposa foi o melhor critico construtivo quando estes sermées estavam sendo pregados, e me deu grande incentivo durante o trabalho de prepara-los para sua publicagao. Setembro de 1973 D. M. Lloyd-Jones 1 “Nao sabeis vés, irmaos (pois que falo aos que sabem a lei), que a lei tem domtnio sobre o homem por todo 0 tempo em que vive?” — Romanos 7:1 Este capitulo 7 € um dos famosos capitulos da Epistola aos Romanos, e, na verdade, da Biblia toda. Qualquer pessoa que tenha algum conhecimento da doutrina e da teologia cristas terd falado e discutido muitas vezes sobre esta capitulo. Talvez nenhum outro capitulo tenha sido mais vezes causa de discussdo, debate e argumentacio. E por isso que muitas pessoas o conhecem melhor do que o capitulo 6, mas, se eu fosse compelido a comparar estes dois capitulos um com 0 outro, eu diria que o capitulo 6 é mais importante que o capitulo 7. Entretanto isso nao importa. _ Muitos esto familiarizados com este capitulo 7 por causa da troca de argumentos que geralmente se d4 com relagdo 4 parte final, que vai do versiculo 13 ao fim do capitulo. O grande ponto de discusséo é quanto ao que exatamente Paulo esta dizendo ali. Estaria ele se descrevendo como era ento, ou como fora no passado? Seria a descrigéo de um homem anterior A sua convers4o, ou posterior? Esse é 0 assunto da grande argumentacao. Permitam-me dizer agora, logo no inicio, que terei bem pouca coisa a dizer sobre isso, porque, como eu a entendo, essa nio é a quest4o mais importante deste capitulo. Descobriremos a interpretacdo correta se abordarmos 0 capitulo todo de maneira correta. A abordagem errénea, como hé pouco indiquei, é correr apressadamente através dos primeiros 15 ALei versiculos para chegar logo 4 parte final. Muitos que nao conseguem entender a parte final nao a entendem justamente porque nunca entenderam a primeira parte. O apdéstolo Paulo tinha mente sobremodo légica. Ele sempre caminha passo a passo. Segue-se, pois, que, em sua argumentacdo, é muito perigoso isolar ou extrair um ou outro versiculo ou pardgrafo. Por isso é muito importante, ao passarmos a considerar 0 ensino deste capitulo, que nos lembremos de como ele o iniciou. Como foi que ele veio a escrevé-lo? Que é que ele esta tentando fazer ao escrevé-lo? Comego, pois, lembrando a vocés a conex4o, 0 contexto. Os capitulos 6 e 7 desta Epistola, ao que me parece — e como vimos quanto ao capitulo 6 — devem ser considerados como um paréntese. A exposicao que o apéstolo faz da grande dou- trina da redengao, o contetido de maior impacto do seu argu- mento, vai direto do capitulo 5, versiculo 21, ao capitulo 8, versiculo primeiro, ou talvez até 0 capitulo 8, versiculo 5. Os capitulos 6 e 7 sao um paréntese no qual o apéstolo afasta-se da sua rota a fim de esclarecer certas dificuldades que ele sabia que surgiriam na mente dos leitores desta sua carta em Roma, e que jé tinham surgido na mente de muitos cristaos noutras igrejas. Essas dificuldades decorrem da tremenda declaragio que Paulo faz no fim do capitulo 5, versiculos 20 e 21. “Veio, porém, alei”, diz ele, “para que a ofensa abundasse; mas, onde o pecado abundou, superabundou a graca; para que, assim como 0 pecado reinou na morte, também a graca reinasse pela justiga para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor”. Essa €a declaracéo fundamental que encerra o argumento do cap{- tulo 5, principalmente os versfculos 12 a 19. Ali Paulo trata da nossa incorporagao em Cristo e explica que agora somos para Cristo 0 que outrora éramos para Adio, e que, por conseguinte, © nosso futuro é certo e esta garantido porque “onde 0 pecado abundou, superabundou a gra¢a”, e, “assim como o pecado reinou na morte (ou, para a morte) também a graga (reinar4) pela justica para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor”. 16 Romanos 7:1 O apéstolo imediatamente toma consciéncia do fato de que essa declaragdo estd sujeita a grave erro de entendimento, de que na verdade ja estava sendo mal entendida. No capitulo 3 ele ja havia dito que estava sendo injuriado com caltinia como se estivesse dizendo certas coisas (versiculo 8). Freqiientemente lhe faziam injustica falseando suas palavras dessa maneira. Também nés temos procurado lembrar-nos de que, se a nossa pregacao nao nos expée a esses ataques mentirosos, a proba- bilidade é de que nao estamos pregando realmente 0 evangelho. Ninguém foi tao caluniado como Martinho Lutero, que, sob a diregio do Espirito Santo, redescobriu a grande verdade que levou 4 Reforma Protestante. Ele era constantemente exposto a toda espécie de declaragées falsas, tanto com relagao ao seu ensino como com relag4o 4 sua vida pessoal. Qualquer pessoa que pregue fielmente a doutrina da justificagao pela fé sera mal compreendida. Isso por causa do estonteante cardter dessa grande doutrina. O apéstolo logo vé que havia a probabilidade de que lhe fossem feitas duas graves acusacées. A primeira era a acusacio de antinomismo, a acusacao de que ele estava dizendo mais ou menos isto: “Viva como quiser, peque quanto quiser. Tudo esta bem; a graca cuidard de vocé e cobrird todo o seu pecado”. Ele se ocupa dessa acusacaéo no capitulo 6: “Que diremos pois? Permaneceremos no pecado, para que a graca abunde?” Nos primeiros capitulos sobre esse texto vimos que ele refuta completamente esse argumento. Ele faz isso nos versiculos 1- 13 do capitulo 6, onde afirma que o efeito da graga abundante n4o € 0 pecado, mas sim a justiga, a retidao. No entanto depois, no versiculo 14, diz ele que “o pecado nao teré dominio sobre vés, pois nao estais debaixo da lei, mas debaixo da graga”, e ai também ele sabe que sera mal compreendido e que as pessoas dirdo: “Pois qué? Pecaremos porque nao estamos debaixo da lei, mas debaixo da graca?” Ele refuta isso também, e de maneira terminante e incontestavel no restante do capitulo 6. Ele demole essas sugestées falsas; ele prova que 0 efeito da graca 17 Ale abundante, longe de estimular o pecado, visa 4 morte do pecado eleva a santidade, a justica e a gléria na presenca de Deus. Na verdade, ele prova que toda a finalidade da graca é promover a santidade, porque o propésito da graca é fazer-nos santos, inculpaveis e perfeitos na presenca de Deus. Contudo ainda hé outro problema do qual tratar, porque no fim do capitulo 5, versiculos 20 e 21, ele nao somente havia feito declaragées acerca da graca, mas também se referira ao lugar e a funcio da Lei. Isso também, tendo sido mal compre- endido, levou 4 segunda acusacao que estava sendo movida contra o apéstolo, a saber, que a sua pregacio da justificagéo somente pela fé e da nossa uniao com o Senhor Jesus Cristo parecia eliminar totalmente a Lei e toda idéia de lei, nos procedimentos de Deus para com a raga humana. Pois bem, nao admira que as pessoas digam isso, porque Paulo tinha empregado uma frase um tanto audaz acerca da Lei no versiculo 20 do capitulo 5. “Veio, porém, a lei”, disse ele; e nds 0 parafraseamos dizendo: “A lei entrou, nao na linha principal, mas, por assim dizer, pelas laterais”. Paulo sabia que as pessoas de mentalidade legalista e de antecedentes judaicos estariam inclinadas a dizer: “Vocé nao deve falar desse jeito da Lei, nao deve falar da Lei como algo que corre por fora. Nao seria isso menosprezar a grandeza e a gloria da Lei? Nao seria virtual- mente sugerir que a Lei é uma coisa mais ou menos indife- rente?” E porque o apéstolo sabia que a sua frase estava sujeita a ser mal compreendida que ele dedica este capitulo 7 a uma explanacao e explicagéo do que ele quis dizer com aquela forma de expressao. Depois, 0 apéstolo tinha repetido essa declaracao, talvez em termos mais fortes, no versiculo 14 do capitulo 6. Ao concluir o seu primeiro argumento no capitulo 6, ele tinha dito: “Porque 0 pecado n&o tera dominio sobre vés”, e aqui esta 0 seu motivo para dizer isso: “pois nao estais debaixo da lei, mas debaixo da graca”. Ele parece gloriar-se nesse fato. Parece que ele est4 dando outro golpe na Lei. Ele j4 a tinha 18 Romanos 7:1 derrubado, digamos, no capitulo 5, versiculo 20; agora pisa nela. Imediatamente os seus opositores pegam seus cacetes e dizem: “Certamente essas declarag6es séo muito erradas e muito perigosas; 0 certo € que, se vocé vai ab-rogar a Lei e elimind-la completamente, estar acabando com toda a garantia de uma santa e reta conduta e comportamento. E impossivel a santificagéo sem a Lei. Se vocé tratar a Lei desse modo e se descartar dela, e ainda por cima alegrar-se por fazer isso, acaso nao estara encorajando a ilegalidade, e nao estar4 pouco menos que incitando o povo a viver pecaminosamente?” A Lei, eles acreditavam, era a grande garantia de um viver santo e da santificagdo. E evidente que o apéstolo precisa salvaguardar sua pessoa, bem como a verdade do evangelho, contra esse entendimento erréneo e essa acusago em particular. Pois bem, é precisamente esse 0 propésito deste capitulo 7. E explicar o que ele quer dizer quando afirma que a Lei veio como que por fora, e que se regozija no fato de que nao estamos “debaixo da lei, mas debaixo da graca”. Este capitulo 7 € uma exposigdo ou explicagéo expandida dessas duas declaragées, ou, para dizé-lo mais positivamente, seu propésito é mostrar-nos a fungdo e o intento da Lei dada por Deus, mediante Moisés, aos filhos de Israel. Mas 0 apéstolo tem mais um objetivo em vista, a saber, mostrar que a santificagao pela Lei ¢ tao impossivel como a justificagao pela Lei. O tema dos quatro capitulos iniciais da Epistola é que o pecador nunca pode ser justificado pela Lei. Ele ja tinha resumido isso numa grande declaracao no capitulo 3, versiculo 20: “Por isso nenhuma carne seré justificada diante dele pelas obras da lei”. Af esta a afirmacao categérica. Agora, ei-lo aqui praticamente dizendo no capitulo 7: “Por isso nenhuma carne seré santificada diante dele pelas obras da lei”. Como é impossivel ser justificado pela Lei, ¢ igualmente impossivel ser santificado pela Lei. Como veremos mais adiante, ele se expressa fortemente, ao ponto de dizer que, nao somente o homem nio pode ser santificado pela Lei, mas é de 19 ALa fato certo dizer que a Lei € um obstdculo para a santificacao e que agrava o problema da santificagéo. Essa é a tese deste capitulo 7. Nao somente 0 homem nfo pode ser santificado pela observancia da Lei; a Lei é até um empecilho e um obstd- culo para a santificagdo. Essa é a tese geral, a proposigdo fun- damental que ele se disp6e a provar; devemos té-la firme em nossa mente. Ao passarmos a seguir 0 minucioso desdobramento da referida proposicao, dividimos 0 capitulo em trés partes. Em nenhum outro lugar é mais importante que olhemos panoramicamente 0 capitulo, antes de passarmos aos detalhes, do que nesta passagem. Fi facil ficarmos confusos e perdidos nalgumas das exposigdes detalhadas, se deixarmos de ter em mente 0 que basicamente Paulo esta dizendo a seus leitores. A primeira divisio consiste dos versiculos 1 a 6. Temos ai uma exposicéo na qual o apéstolo define a nossa relagéo como crentes com a Lei. Ao mesmo tempo, ele mostra por que a mudanga em nossa relagaéo com a Lei é absolutamente essencial para a nossa santificagao, como foi para a nossa justificagéo. O versiculo chave nesta secdo é o versiculo 4; é um texto crucial. Diz ele: “Assim, meus irmaos, também vos estais mortos para a lei pelo corpo de Cristo”. Por qué? “Para que sejais doutro, daquele que ressuscitou dentre os mortos.” Mas por que vocé deve estar unido como que matrimonialmente a Ele? Por que devo estar unido a alguém e, em particular, a Cristo? Eis a resposta — “a fim de que demos fruto para Deus”. Esse é 0 verdadeiro assunto, a questao de vital importancia. O que interessa ao apéstolo é a producao desse fruto para Deus; e sua tese no capitulo todo é que vocé jamais podera produzir fruto para Deus, enquanto estiver ligado 4 Lei, casado com a Lei. Ha somente um modo de produzir fruto para Deus: estar casado com o Senhor Jesus Cristo. Essa éa tese de Paulo! Nos versiculos 1 a6 ele o dizem termos gerais. Como crentes, qual € a nossa relagéo com a Lei? Nao é a que foi outrora; houve mudanga. Ele nos diz como foi que isso aconteceu, e qual o propésito 20 Romanos 7:1 disso tudo. Jamais poderiamos produzir fruto para Deus, se aquela relacfio nao tivesse sido mudada e nao tivéssemos entrado numa nova relacdo. Essa é a primeira parte. A segunda parte vai do versiculo 7 ao versiculo 12, eéuma vindicagao da Lei. “Que diremos pois?” Se aquela primeira exposig&o esta correta, alguém iré dizer: “Muito bem, quer dizer que a Lei é pecado”. “Que diremos pois? Ea lei pecado>” Eis a resposta: “De modo nenhum”; e 0 apéstolo prossegue na vindicagao da Lei, até ao versiculo 12, vindicando-a pelo que ela €ée mostrando que nao é a Lei que é responsavel por nossa falta de fruto, porém que o problema est4é em nés mesmos. Nos termos em que ele tinha feito a exposic¢aéo da questao na primeira parte, um leitor desatento poderia tirar aquela dedugao tolae errénea c dizer: “Ora, entao, havia algo de errado coma Lei, se é que ela nao podia fazer-nos produzir fruto para Deus”. “Nao! exclama Paulo,” a dificuldade nao est4 na Lei; est4 em vocés.” Assim ele nos oferece esta grande vindicacéo, esta grande defesa da Lei. A Lei foi dada por Deus; portanto, o problema nao pode estar na Lei; s6 pode estar em nds. Mais tarde ele dird algo parecido numa grande asserco registrada no capitulo 8, versiculo 3, quanto ao que “era impossivel a lei”. Por que [he era impossivel? Porque “estava enferma pela carne”. A enfermidade ou fraqueza nao estava na Lei, mas em noés; a Lei estava enferma “pela carne”. E isso que Paulo explica nos versiculos 7-12. O capitulo 8, versiculo 3, € apenas um sumé4rio do tema sobre o qual ele argumenta aqui. Aterceirae tiltima parte do capitulo consiste dos versiculos 13-25. Nada mais € que uma explicagao, de maneira pratica e experimental, da exposig&o que ele tinha feito nas duas primeiras partes. O apéstolo quer que fiquemos bem conscientes da verdade e por isso a declara como um principio geral; ele procura mostrar qual seria a nossa situagao, se ainda estivéssemos debaixo da Lei. Ele mostra que a nossa santificagdo seria completamente impossivel naquela condigao, e, com uma palavra final, apresenta-nos a (nica esperanga nesse 21 A Lei aspecto — “Gracas a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor”. Aiest4, sugiro-lhes, a linha geral do contetido deste famoso capitulo. Noutras palavras, a tarefa do capitulo 7 é repetir e reaplicar 0 que ele dissera tao grandiosamente no capitulo 5, versiculo 10, onde lemos: “Porque se nés, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, estando j4 reconciliados, seremos salvos pela sua vida” — completamente salvos, salvos inteiramente, plenamente santi- ficados e perfeitamente glorificados. Como? Na vida de Jesus Cristo. E 0 tinico meio; nenhuma outra coisa pode fazé-lo. O apéstolo repete isso aqui, no capitulo 7, versiculos 24 e 25: “Miserdvel homem que eu sou! Quem me livrar4 do corpo desta morte? Dou gragas a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor”. Como indicamos anteriormente, os versiculos 12 a 21 do capitulo 5 séo apenas uma explicagao da declaragio funda- mental que lemos no versiculo 10 do capitulo 5. E, 4 medida que formos percorrendo este capitulo, veremos que Paulo repete bom nimero de coisas que tinha dito no capitulo 6, especialmente mais para o fim desse capitulo, onde ele introduziu a nogdo de produgao de fruto. No versiculo 21 do capitulo 6 ele pergunta: “E que fruto tinheis entdo das coisas de que agora vos envergonhais? Porque o fim delas é a morte. Mas agora, libertados do pecado, e feitos servos de Deus, tendes o vosso fruto para santificagao, e por fim a vida eterna. Porque o salario do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus nosso Senhor”. O que ele demonstra neste capitulo 7 é que ha s6 um meio de produzir fruto para Deus, ¢ esse meio é estar casado com o Senhor Jesus Cristo, estar unido a Ele. Estar casado com a Lei significa “fruto para a morte”. Ha somente uma maneira de produzir “fruto para Deus” e para a vida, e essa maneira é estar casado, estar unido ao Senhor Jesus Cristo. O apéstolo passa a provar isso. Ele o faz demonstrando que a Lei nao péde fazer isso, e que Cristo pode. Esse é 0 tema deste capitulo 7. Ao mesmo tempo veremos que este é um capitulo 22 Romanos 7:1 admirdvel em certos aspectos. E, sem dtivida, de toda as Escrituras, a mais profunda andlise do pecado, como também dos meios do pecado e dos seus resultados. Nao hé nenhuma exposi¢éo mais profunda sobre o pecado, do que ele é e de como age, do que aquela que se encontra aqui. E de fato incom- paravel, nesse aspecto. E também uma vigorosa explanac4o a respeito da fungao da Lei e do lugar da Lei na vida do crente. E também a mais grandiosa exposi¢ao, de toda gama de exposig6es contidas nas Escrituras, sobre a impoténcia final da Leino que se refere 4 salvacgdo. Logo, devemos manter- -nos atentos a isso. Agindo assim, veremos ainda que este capitulo é, inquestionavelmente, a mais excelente demons- tragdo da total futilidade da posigéo daqueles que acham que a moralidade, sem mais nada, é suficiente. Mostra a completa futilidade em acreditar s6 na moralidade ou na ética, repudiando a doutrina crista da salvacdo. Em nenhuma outra parte se vé uma exposicdo que arrase tao completamente essa posicéo como a do capitulo 7 de Romanos. E, pois, um capitulo muito necessério atualmente. Somos confrontados hoje em dia por muitos que assumem uma posicgaéo muito superior como se fossem grandes intelectos, grandes homens. Nao estao mais interessados na doutrina crista. Claro que nao! Eles nao acreditam no miraculoso e no sobrenatural; néo créem na necessidade absoluta da uma expiacio vicdria, substitutiva. Jogaram fora tudo isso, porém afirmam que esto ligados a ética crista. Aqui temos 0 capitulo que, de todos os capitulos, desmascara a completa futilidade dessa posicao. Eles falam com soberba, simplesmente porque nao conhecem este capitulo, ou ndo o entendem. Este constitui a refutacao final e definitiva da estulta exaltagdo da ética e da moralidade a custa da doutrina da salvacio. E uma gloriosa exposi¢4o, nesse sentido. E, finalmente, em muitos aspectos ele coloca a doutrina da nossa relagéo com 0 Senhor Jesus Cristo em sua mais elevada forma. Aqui nos é ensinado — natural- mente nos é ensinado noutras passagens também, mas aqui é 23 A Lei feito de maneira muito clara e franca — que estamos casados com o Senhor Jesus Cristo. Essa é a ilustracao especial empregada pelo apéstolo. Af estéo, pois, os principais temas nos quais devemos concentrar-nos. Vocés j4 tinham percebido a presenga desses temas aqui? Ou pensavam que havia sé um assunto tratado no capitulo 7 de Romanos, qual seja, a questao: seria descrigdo de um homem convertido ou nao convertido? Estaria Paulo num estagio transitério, passando, por assim dizer, da sua situacao de nao convertido para a gléria da sua posicdo descrita no capitulo 8? Nao teriam vocés visto nada, senao isso? E uma tragédia que, por causa de um falso interesse intelectual e, muitas vezes, por causa de um espirito de facgdo, os cristaos se privem das riquezas deste grandioso capitulo. Quanto cuidado devemos ter em nosso manejo das Escrituras! Eu me aventuro a asseverar que muitos, para nao dizer a maioria, dos nossos problemas na vida crista sao ocasionados por nao captarmos o ensino deste capitulo 7 da Epistola aos Romanos. Por exemplo, que conceito totalmente inadequado do pecado as pessoas tém nos dias atuais! Quio pouco se fala do pecado; como nao gostam de pregar sobre assuntos ligados ao pecado! “Ah”, dizem eles, “devemos ser sempre positivos. Fale-nos da salvagio. Nao precisamos esquentar a cabega com ensinos sobre o pecado ¢ sobre as profundezas do pecado.” Isso explica por que muito do nosso cristianismo moderno é téo superficial! Pessoas que nunca estiveram no capitulo 7 gastam tempo discutindo sobre “passar do capitulo 7 para o capitulo 8 de Romanos”! Nunca se aperceberam das profundezas do pecado dentro delas préprias, nunca conheceram realmente 0 poder do pecado, sua pavorosa tirania e feitira - esse poder que, por assim dizer, é capaz até de torcer a Lei de Deus para adequd-la ao seu proprio fim, e para anular a Lei de Deus. Que coisa terrivel é 0 pecado! Muitos acham que quando creram, ou quando “tomaram asua decisdo”, ou “foram 4 frente”, tudo estava claro, e iam 24 Romanos 7:1 viver “felizes para sempre”. Entao, pouco tempo depois, eles se véem em certas dificuldades, e ficam sem entender, porque nunca entenderam o pecado. Precipitaram-se a um nascimento precoce e duvidoso, nunca experimentaram de fato o arrependimento. Talvez tenham ouvido de algum evangelista que nao tinham necessidade de incomodar-se com 0 arrepen- dimento, que isso viria mais tarde, que o fato grandioso era crer positivamente no Senhor Jesus Cristo. No entanto, eles nao entenderam como nem 0 porqué 0 disso, e inevitavelmente entraram em dificuldades mais tarde. Nunca entenderam o ensino deste capitulo sobre a profundidade, ou sobre a gravidade, a torpeza, e o poder do pecado. Mas ha também alguns cristaos que estéo constantemente em dificuldades acerca da Lei c acerca da sua relagéo com a Lei. Trataremos disso em detalhe mais adiante; no momento continuo a oferecer uma vista panoramica. Muitos cristaos persistem em colocar-se de novo “debaixo da lei”. Geralmente isso acontece desta maneira: eles créem no Senhor Jesus Cristo, sao cristéos; mas entéo caem em pecado; e porque caem em pecado, comegam a pensar: “Sera que eu era cristo mesmo?” Ficam inseguros, duvidando da sua salvagéo; nao somente perdem a seguranga, a certeza, porém até duvidam se de fato sao cristaos. Outros ficam achando a mesma coisa a respeito deles, e dizem: “Aquele homem nunca foi cristao, Se fosse cristéo, nunca teria feito o que fez”. Que foi que aconteceu? Temos ai o resultado de um entendimento completamente erréneo da relacdo dos cristaos com a Lei. Cada vez que pecam, colocam-se de novo “debaixo da lei”, e se veem outra vez sob condenagao. O cristao nunca deve agir assim. Estou a ponto de fazer uma afirmagio que quase certamente vai ser mal entendida. Fago-a com a finalidade de explicar a passagem. Serei “blasfemado” por dizer isso, como até 0 proprio apéstolo Paulo foi (Romanos 3:8). Coloco a coisa nestes termos: Nao importa quéo gravemente, quao violentamente vocé peque como crente, nunca ficaré de novo debaixo de condenagao. Se 25 ALea ficar, € porque vocé nao entendeu a sua relagaéo com a Lei, e se colocou pessoalmente de novo “debaixo da lei”. “Dizendo isso”, alguém contestard, “vocé incita as pessoas a pecarem quanto quiserem.” Nada disso! Na realidade fago exatamente 0 oposto; porque, se vocé realmente entender a verdade sobre este ponto, vai por todo o empenho em abster-se de pecar. Torno a dizer que, por mais que vocé peque, e seja qual for 0 tipo de pecado que cometer, nunca deverd colocar-se de novo “debaixo da lei”; nunca dever4 permitir que o domine o sentimento de que outra vez est4 sob condenago. “Portanto agora nenhuma condenacgéo h4 para os que estéo em Cristo Jesus” ~ € como Paulo vai resumir tudo isso no versiculo primeiro do capitulo 8. Essa é a tese de impacto de todo o seu argumento. Todavia ha outra maneira pela qual os cristéos muitas vezes se colocam “debaixo da lei”. E quando nao conseguem atingir o padrfo que eles enxergaram no Novo Testamento para o cristdo. Pois bem, este ponto é positivo; 0 outro era negativo. Eles léem as diversas descrigdes da personalidade crista e dizem: “Eu nfo sou isso; nao cheguei a esse ponto”. Entao, visto que nao chegaram 14, comegam a dizer: “Pergunto-me se afinal sou cristao; pois, se eu fosse cristao, certamente estaria vivendo daquela maneira”. E comegam a pér-se a prova 4 luz das Escrituras. Isso é bom e certo; entretanto, quando eles véem. que nao cumprem o padrao das Escrituras, em vez de dizerem que sao cristéos fracos, dizem que nao sao cristaos; e é ai que erram. Colocam-se de novo “debaixo da lei”. Usaram mal os testes do cristaéo, usaram-nos para condenar-se; estado novamente sob condenacao, e isso significa estar “debaixo da lei”. Mas 0 cristéo nunca deve ficar nessa situagéo. O que o apéstolo esté interessado em mostrar neste capitulo é que estamos mortos para a Lei, que terminamos com ela. Estamos numa nova relacio de casados, e nunca mais voltaremos a antiga. Assim, o que vocé faca ou deixe de fazer, nunca mais deve voltar a estar “debaixo da lei”; jamais deve dar lugar aquele sentimento de condenagéo. No momento em que achar que 26

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