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OUTRASPALAVRAS

A desmetropolização regressiva do Brasil


Enquanto as cidades médias, sobretudo as ligadas ao agronegócio exportador, se
expandem, grandes centros urbanos estão estagnados. Sem dinamismo produtivo,
imperam o inchamento dos serviços, os trambiques, os bicos e a vida débito-crédito

por Marcio Pochmann


Publicado 12/01/2022

A transição do campo para a cidade e o avanço da metropolização foram produtos


do intenso ciclo da industrialização nacional registrado entre as décadas de 1930 e
1980. Por força disso, a passagem da antiga e longeva sociedade agrária para a
urbana e industrial foi acompanhada do crescimento do total da população brasileira
vivendo nos grandes centros urbanos, que passou de 17% em 1920 para 30% no ano
2000.

Neste primeiro quarto do século XXI, contudo, nota-se uma nova dinâmica urbana
em curso no país. De forma concomitante com o esvaziamento da sociedade
industrial, ocorre o fenômeno da desmetropolização, que se expressa pela
estagnação dos grandes centros urbanos, protagonizada pela perda do dinamismo
econômico e populacional.

Ademais da continuidade do já conhecido declínio do número de residentes no meio


rural no total da população do país, transcorre também o inédito estancamento
relativo da presença dos habitantes nas grandes metrópoles brasileiras. A nova
dinâmica urbana tem fortalecido a expansão das cidades médias, sobretudo daquelas
vinculadas ao dinamismo agrícola, pecuário e extrativo mineral exportador.

Isso porque o ingresso passivo e subordinado do país na globalização levou à


desarticulação interna do sistema produtivo gerada pela desindustrialização,
reprimarização da pauta das exportações e inchamento dos serviços nas cidades.
Com o fechamento do modelo de substituição de importação, emergiram enclaves
econômicos que têm movido alguns espaços locais/regionais, cada vez mais
relacionados com o exterior.
Em consequência, o aparecimento dos sinais da desintegração sistêmica desses
espaços geográficos privilegiados pela exportação com o conjunto da nação indica o
quanto alguns poucos municípios se beneficiam da mudança em vigor no capitalismo
brasileiro. Ao se tomar como referência as atividades do agronegócio exportador, um
dos principais expoentes da situação econômica nacional atual, constata-se, por
exemplo, que ¼ do total do valor adicionado bruto se concentra em somente 149
municípios (2,7% do total), sendo quase 2/3 deles localizados nas grandes regiões
do Sul e do Centro-Oeste, com destaque para a produção de soja, cana-de-açúcar,
minérios e pecuária.

Com isso, evidencia-se o protagonismo de certas localidades crescentemente


conectadas com o exterior, cuja melhora no desempenho econômico parece deslocá-
las cada vez mais da realidade nacional. Diante do esvaziamento industrial, os
principais centros urbanos de povoamento perderam atração e dinamismo,
refletindo-se no fenômeno da desmetropolização, ou seja, a estagnação das
metrópoles em relação ao crescimento dos municípios menores, sobretudo das
cidades médias.

Assim, os grandes municípios populacionais brasileiros, por perderem capacidade


produtiva provocada pela desindustrialização, esvaziam seus atrativos para a
continuidade da recepção tanto de novos investimentos como de imigrantes,
conforme registravam no passado recente. Em 2019, por exemplo, do total de
municípios brasileiros, o seleto grupo de cidades formado pelo 1% mais rico
concentrou 42,5% de todo o Produto Interno Bruto, ao passo que em 2000
representava 45,5% do PIB e, em 1920, 21% do PIB.

Ao que parece, a trajetória de concentração da riqueza nos grandes municípios


populacionais brasileiros sofre importante força no século XXI, traduzindo a nova
dinâmica urbana demarcada pelo fenômeno da desmetropolização no rastro da
desindustrialização e da reprimarização da pauta de exportação.

Apesar de o declínio da sociedade industrial não ter impactado a continuidade da


urbanização brasileira, tem alterado a sua natureza. Destaca-se, por exemplo, o
processo acelerado de inchamento do setor terciário nas cidades. Em geral, resulta
da difusão dos trabalhos gerais vinculados à prestação de serviços às famílias ricas,
distanciando-se das atividades econômicas capitalistas propriamente ditas,
apontando a dissolução da centralidade da relação salarial.

Em virtude disso, emerge a relação débito-crédito, que se estabelece


simultaneamente ao modo de vida, traduzida pela nova dinâmica urbana. Em vez da
centralidade da relação salarial que resulta do exercício do trabalho mediado pelo
contrato do trabalho assalariado, sobretudo formal, assiste-se à propagação de
trabalhos gerais que buscam conformar o crédito necessário para se equivaler ao
débito contraído para o financiamento individual ou familiar do custo da vida nas
cidades.

Enquanto a relação salarial parece perder importância forçada pelo decrescimento


econômico e pelas reformas trabalhistas e previdenciárias de redução do custo do
trabalho, expandem-se as atividades sem precisar mais as fronteiras entre o legal e
ilegal. A centralidade negativa do trabalho que emerge na atualidade faz com que a
busca por rendimento de sobrevivência seja constituída por diferentes formas, desde
as tradicionais (salário e programas de transferência de renda) às mais recentes
(escambo, endividamento e atividades ilegais).

Retrato da regressão brasileira


Entre 2002 e 2019, estados com maior peso industrial (SP, MG, RJ e BA)
estagnaram. PIB cresceu nas regiões marcadas por devastação, agronegócio e
extrativismo. Nesta reprimarização, mercado interno e empregos são demolidos

Por Marcio Pochmann


Publicado 17/01/2022

A perda de importância relativa da indústria no total da produção interna seria


menos traumática, não fosse acompanhada pela desintegração do sistema econômico
nacional. Isso parece ficar evidente ao se analisar a evolução econômica dos estados
brasileiros nas primeiras duas décadas do século XXI, conforme o Sistema de Contas
Regionais do IBGE.

As regiões do país com maior dinamismo estiveram vinculadas ao comércio externo,


especialmente à produção e exportação de commodities (minérios e agropecuária).
Os quatro estados com maior vigor econômico, entre 2002 e 2019, foram: Mato
Grosso (5,0% a.a.), Tocantins (4,9% a.a.), Roraima (4,2% a.a.) e Rondônia (3,8% a.a.),
representando uma espécie de desempenho chinês no interior do Brasil.

Para o Brasil como um todo, a economia apresentou, entre 2002 e 2019, a variação
média anual de apenas 2,3%. Das 27 unidades da federação, oito estados registraram
desempenho econômico ainda pior que média nacional no mesmo período de tempo.

A maior parte dos estados com estagnação econômica foram justamente aqueles com
maior peso industrial, cuja produção, em geral, direciona-se para o mercado interno.
Dos estados com pior desempenho econômico no período, destacam-se: Paraná
(2,2% a.a.), São Paulo (2,2% a.a.), Bahia (2,1% a.a.), Minas Gerais (1,9% a.a.), Rio
Grande do Sul (1,7% a.a.) e Rio de Janeiro (1,3% a.a.).

A perda de vigor nas regiões produtoras para o mercado interno seguem a trajetória
da desindustrialização e, por consequência, da desintegração sistêmica da dinâmica
nacional. O Brasil cada vez mais conectado com o mercado externo, pouco contribui
positivamente para o mercado interno, portanto somando pouco para o nível da
produção nacional, para o aumento do emprego e para arrecadação tributária.

Depois de longo tempo convergindo para a integração nacional, a economia nacional


aponta para a desintegração, recolocando o problema que foi central no passado. Há
cem anos, o diagnóstico crítico da economia brasileira centrava na dinâmica
diferenciada estabelecida entre as “duas economias” que resultava de sua formação
social de passado colonial.

Mesmo depois de um século da Independência nacional, tanto o Império (1822-


1889) como a República Velha (1889-1930), não conseguiram desfazer um
arquipélago de enclaves regionais que conformavam o país de dimensão continental.
As economias mais dinâmicas concentravam-se próximas ao litoral, cuja produção de
matérias-primas e produtos semi-processados eram voltados para exportação.
Ademais de suas ligações com o mercado mundial, tinham bancadas parlamentares
suficientemente fortes para pressionar internamente por uma condução da política
econômica mais favorável aos seus interesses (isenção tributária, juros subsidiados,
postergação de dívidas entre outros).

A outra economia, no restante do território nacional, voltava-se fundamentalmente


ao abastecimento do pobre mercado interno, quando não somente às áreas de
subsistência, pois social e tecnicamente atrasado. A fraqueza econômica se
expressava no sistema político, cuja representação no Congresso Nacional, ademais
de minoritária, ficava, em geral excluída da política econômica e social.

A constituição do Estado moderno, a partir da Revolução de 1930, enfrentou as


forças do passado com um projeto nacional de industrialização que produziu as
bases da integração da economia. A proposição da substituição dos produtos
importados pela produção nacional, trouxe expansão das empresas, do emprego, da
arrecadação tributária e desenvolveu o mercado interno.

Para, além dos problemas de gestão macroeconômica que atualmente aprisionam e


empobrecem o debate nacional, tem fundamental importância o diagnóstico crítico
acerca da desintegração que avança sobre o sistema produtivo nacional.
Para isso, as luzes das ideias inovadoras de futuro precisariam estar conectadas, pois
do contrário, o conservadorismo seguirá predominando no pensamento econômico
do país, senão o reacionarismo.

Marcio Pochmann. Professor titular do Instituto de Economia da UNICAMP.


Ex-presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômicas Aplicadas).

OUTRASPALAVRAS

A opção subordinada do Brasil


Retrato da regressão no pós-golpe: frente a ascensão da China e do
capitalismo informacional, país aprofunda o desmonte da indústria em
nome da reprimarização e das velhas riquezas. Papel do Estado limita-
se à gestão da tragédia

Marcio Pochmann

Publicado em 07/02/2022

O Brasil se encontra atualmente submetido a uma nova condição periférica que se


configura no interior do sistema capitalista mundial. A cada uma de suas fases
(comercial, industrial, financeira e, atualmente, informacional), o capitalismo opera a
partir da existência de um centro dinâmico específico que compõe, diante de suas
próprias circunstâncias, o seu entorno periférico.

Para assumir o centro dinâmico, três são os seus elementos constitutivos: moeda de
curso internacional, poder militar e produção e difusão tecnológica. Uma vez
constituída essa tríade centralizadora, a hierarquia do sistema capitalista se
consolida, sendo atualizada ao longo do tempo a relação direta e indireta com a
periferia de países e regiões do mundo.

O Brasil pós-colonial se manteve relacionado perifericamente com os distintos


centros dinâmicos ocidentais. Há 200 anos, por exemplo, com a crise do sistema
colonial europeu, o Brasil emergiu como Estado nacional, integrando-se à
perspectiva do desenvolvimento capitalista liderado pela Inglaterra e ancorado
ainda na prevalência da sociedade agrária.
Na época, a integração brasileira transcorreu na forma periférica, pagando a conta do
consumo importado de bens e serviços industriais com a receita obtida pela
exportação de produtos primários. No século 20, com a decadência inglesa e a
ascensão estadunidense, a condição periférica do Brasil foi alterada, passando à
posição de semiperiferia, com a internalização da produção de manufaturas e a
constituição da nova sociedade urbana e industrial.

Neste início do século 21, com os sinais crescentes do declínio estadunidense e a


ascensão da Ásia, especialmente da China, avança o capitalismo informacional. É
nesse cenário que o Brasil vem alterando a sua condição periférica, regredindo da
posição alcançada de semiperiferia produtora e exportadora de bens industriais para
a de periferia primário-exportadora.

A desistência histórica que se constata atualmente corresponde à opção dos


governos Temer e Bolsonaro que aceleraram a passagem à nova condição periférica,
cada vez mais rebaixada. Isso porque a resistência política interna que até então
procurava resguardar a soberania nacional, concomitantemente com as garantias
possíveis de vida e trabalho melhor para todos, passou a ser minada insistentemente.

Face à inédita fase do capitalismo informacional que se estrutura fortemente


polarizado internacionalmente, transcorre o deslocamento do centro dinâmico do
mundo do Ocidente para o Oriente. Neste contexto, o Brasil, que aderiu à
globalização de forma equivocada – por ser passiva e subordinada –, convive com a
desarticulação do seu complexo e diversificado sistema produtivo acumulado até o
final dos anos 1980.

O resultado disso é o seu reposicionamento na Divisão Internacional do Trabalho,


passando de produtor e exportador de bens manufaturados para ser
majoritariamente primário-exportador. Por consequência, a perda de vitalidade
interna da economia nacional tornou o país crescentemente dependente de
estímulos estrangeiros, uma vez que as decisões internas de produzir commodities
não decorrem do atendimento do consumo nacional, mas da demanda externa.

O que sobra ao Brasil atual tem sido o avanço do capitalismo de plataforma que ao
destruir o emprego de classe média e do operariado industrial encaminha à
desproletarização a serviço das grandes massas e à situação da mera subsistência.
Nestas condições, o papel do Estado tem se limitado à gestão das emergências,
buscando postergar – como se comprasse tempo – a própria barbárie.

Para tanto, o Estado busca oferecer ao andar “de cima” a valorização financeira do
estoque de sua riqueza velha, enquanto ao andar “de baixo” restam os programas
assistenciais de formação de clientelas. Essa perspectiva não abre a possibilidade de
reversão da trajetória periférica atual que já acumula oito anos de decrescimento
econômico em meio à simultânea consolidação do país como quarto maior
consumidor/importador de bens e serviços digitais e como primeiro exportador de
produtos primários do mundo.

O reconhecimento de que o Brasil se encontra diante de uma nova condição


periférica, regressiva, requer outra orientação nacional assentada na formação de
uma nova maioria política, capaz de construir um horizonte de expectativas
superiores ao conjunto da população. Do contrário, prevalecerá o rumo que cancela o
futuro da nação.

Fonte dos artigos:


https://outraspalavras.net/cidadesemtranse/pochmann-a-desmetropolizacao-
regressiva-do-brasil/

https://outraspalavras.net/crise-brasileira/pochmann-retrato-da-regressao-
brasileira/

https://outraspalavras.net/crise-brasileira/pochmann-a-opcao-subordinada-do-
brasil/

MARCIO POCHMANN
Economista, pesquisador e político brasileiro. Professor Titular do Instituto de
Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi presidente da
Fundação Perseu Abramo de 2012 a 2020, presidente do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada, entre 2007 e 2012, e secretário municipal de São Paulo de
2001 a 2004.

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