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DIANA TAYLOR

O arquivo
, .
e
o repertor10
Performance e
memória cultural
nas Américas . ·
DIANA TAYLOR

O ARQUIVO E O REPERTÓRIO
Performance e memória cultural nas Américas

E111\NA LOURENÇO DE L I MA RE.IS


Trndução
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Rr.rroR Clélio Campolina Dmiz
V!CE:·RP.JTORA Roc ks~rne de Carvalho Nonon:
llclo l lorizo.nte I Editora OFMG 1 2013
EDITORA UFY!G
DIRB'íOR \'(1:mdcr Melo Mirnnd;1
V1cF.-D1RIJ.TOR Roberto Alexandre do Carmo Said

CONSJ,!.H~) EDITORJJ\L
Wander Mdó M_iranda ({)ft.J~SlDEN'l'B)
An:i Maria Cact.?no de FadJ.
f lavio de Ltn1os Ca rs3bde
Meloisa Maria Murgcl Starling
M,rcio Gome$ Soa rcs-
Mnria das Graças Santa ltírlnra
Maria l lelen.i. Ü;(lmasctnô e Silva M<::g.1lc
R()b,c,crn Alcxa.nd rt. do Carmo Said
IH!OU, lkm., r.,~li..11
ü .!lH ~. hl1ttm.1 L'J<M •
L..,h! livro ou p,uw Jdc náo pode ~ct r~pmdui.i,Jo por (1U.tlquc.r mt'.1u i.ern .1utori1.g,;J.u
(!"S'-rit,l do Editor.

T2.3~1.1.PI Taylor, Diana, l~S0-


0 arguwo t' o rcperróriu : petiurm,1n.:-e t' memôrb ..:ul.ur.al n.l
AmfticJs / Diaru T,1rlor; lrádução Ji: [liatM Lnt..m~n~u <le L1m.1 Rch. -
Bdo Hurizonre: E<liw.r a UF~·IC., 2013.
430 p. : 11. - 1Artcs Cênk,'1.•Ü

Tradulj,\O de: The ,uchh·t' and the rep('rWt.r(:: Pcd . ru'Lmt; (:Ultural
m~rr.ory ni thr Ameri.;a!..
Inclui bihbografü.
ISBN: 978-85-7041-962-0

1. Pt'rfurm,1nl't (artd - Aspectos políti-.:o; - Arr:ên~a..


2.. Amér,,:"' - C'i\'1li2açãu. 3 . .\.1cmórta - Asre(·tos o;o.;1.ais.
4. Arte-. cêni~.is - Aspcçtm politii.:o,; - Amé.-ic,1. 5. Amerii.:a -
Rt>laçô~5 émi.:-as. 6. Americi1 - Pm-rnluni.,h~mo. 7. Améric;\ -
~1inorias. 1. Reis, Hian:.\ Louren\u <lc Lunj. 11. muln. UI. Série,.

CDD: .VJ6.·F
CDt.:: 316.72

El.tbornd~ peh D11Tl - St'Wr de Tr.u.1mcoto d.1 lnforrn.1.ç;11)


B,bliot~..:: L1nln'l'$it.fria <lJ. UF~ 1G

DLRETORA D.\ COLEÇAO Riu de Cassia Santc,s Buuqu~ de Gmm.10


COORDE"AÇAO D'I íORIAL ~foria Ffüa .\.fore:il'a
ASSISTEXCLI\ l:.f>HOJll .\.L Ei.::,::Jlâ. :\la..:cdo e fli:in\} ~uuz.1
COORDENAÇAO DE TEXTOS :\l.1r1,1 d C.1mF'> 1.eu:c Rib('iro
Par.1 Susanica e Halfciw.
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t:.mpu~ P.impulh.1 - .H!.-O-lJ1ll - lklu Horim·Hl'fl\H'"i
1 l • '5 ll .H ) ~>-4'1~0 1 F.1x: • 55 3j .'l40Lt-Pt-S
www.nl1tm.1.11fm~J,r 1 <'Lhtt1r.~<i!uimg.ht
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

l. ·•1)~rFORwhac Studies?", 26
l úesenhu de Alberco lkhrán, 44
1, llcrnardino de S~h,,g,í,,, Códice (lore11t&10, 76
·1, Miguel Sánchcz, Vicgem de Guadalupe, 8S
' · Mcna, lmagen de la Virge-n de Guadaht/Je côh las armas ·mexicanas)' vista
.I,• /r1 Plaw ,\1ayor de México, 86
~. lu<é de Ri bera y Argonianis, Jmage1r de jura de la Virgen de
r,'utuf,tlupc, 1778, 87
1, /\mid I-ladad como Coatlicue, em Heavy Nopal, 89
li, lhcodoro de Bry, "Colón cuando Uegó a la lndia por primera vez . .. n, de
11•• v«,rdrc buch von der neuwen Welt, 1594, 95
1, Mnpa de Tcnochtitlán, xilogr,avura provavelmente foica para Cottés,
1

1S.íA, 127
10, Vis" das ruínas do Templ1> Mayor, 130
11 André.s de lslas1 De espa,lol. e ind;a, 11ace mestho, 1774> 135

11, 1.tlut11González como a l nrcrmediári,a em Yo también hablo de (a rosa,


,111 IM1do por Diana Taylor, Teatro Cuatro, No1·a York, 1983, 139
11, 14. Dona Marina negocia entte os grupos indígenas e os esp;rn,hójs, do
t dr/irt' Florentino, de Bernardino de Sa hagún, 142
Meus agradecimentos à H umanities lnitiative,
11 Walter Mercado, 167
da New York 1/niversiry,
pelo apoio à tradução deste livro Ir, PC\litt:r de EI lndio Amazón ico em seu consu ltórfo em Queens, Nora
\urk, 172
I"' \Jm J>Ôstcr no consu lrót io de EI lr'ld io Amazónico, l73
IM 11,uitóric, privad<> de EI lndio Amazónico, 17'f
,~ cnn,ult6rio de El lndio Am01.ónico, 176
lll, 2 l, 2.?. Oiana, FHsn 1 ~ lr.n,l cm 1·11ur:1is pintados po,· Chitot na cidndc
J, Nn•~ York, 199
JJ • 1n M~,nory c,í R,l}yalty .ind Holinc,,• !Em memória do rt•le, 1 r ,1.,
111t11l1hl•·I, r11u1,1I fH11n:1do por Ch1c:0, 1l11 "ttl.u.Jc ele N,w.1 York, 201
l•I, 25, ló. Ov<.·rl...ill, Di:111~,. l'up,h.. Sh.,kur, 111nr:t1'i I"'' .,\ , Chadcs. na 50, S 1, 52. Estes filhos de clcs;iparecidos conhccenun se us pais apenas
dd,,Jc de Nova York~ 202,203
por fotogr., fios, 257
27. D,·. Ara e o corpo de Evita, em Pági11a/2, 22 set. J996, 209 53. H.1.J.O .S. usam ampliações das fotos de documentos dos dcs•parecidos
28. "la orra Eva". Pág,'na12, seção R•dor, 22 sc1. 1996. Foro: Diana cm .:,uas manifestações, 259
Taylor, 2 lO
H. "Usted esrá a qui, l'Ocê est:i aqui", 261
29. EYica aos. poucos se transforma em .~vladonna na capa de La Mt1g,:, 31
jan. 1996, 2 1l 55. Teresa Ralli em Coniraelt:iento, 266,267
56 Pátio Casa YuvaclLkani. Edmundo Torres, produtor ele m áSCj r ;l-:;
JO. ''No 1nore s pecc~clcs" [Sem ma is esperácu1osl, mural alterado <.:om ,1,,'grupo'há n;u iro' rcmpo, d•11ça o papel d a China Dia bla , rm jullto de
gr:tfire, por A. Charles, na cidade de Nova York, 222
1996, .273
31. "·i'\'o ::,ainis, no sin ners)' fNe nhum santo, nenhuiti pt'cadorl 1 grnfite )7. Ana Cor.rca, e ,n .~eu figurino de Los m:ísh:0$ ,1111/Jufafltts,
sobre u mural de Diana, por Cbtco. na cidade de Nova York, 224
p:micipando dr um protesto pú hlico, 1996, 279
32. •iDie, die-' die'' [Morr.a, morra, mo1'f-a l, grafite sobre o mural de Diana, .) ~. TCre,;a Ralli, com seu figurino de Los músicós ambulantes,
por C hico, cidade de Nova York, 226
nprcs.cnta-se em 1.1m or fanato, 1996, 28 1
33. A faclwda que A. Charles p i,uou n• H ouston Strcct passa por
enobr~dmento, 227
~q. Cena de Adiós Ayacuc/10, 1990, .283
1,0. 6 1. Teresa Ralli em A11t(go,,a, 2000, 286,287
34. "Ovetpopuhuion is k ilHn~ usr (A superpopuJaç.i<) está nos matando],
mural por Chico, i.28 1,z. Dcn ise St0klos anda pelo palco em Civil Disobedie11ce, 19 99, 296
3S, 36, 37. ''F.scrachc '11 J>lan Cónclor'', 31 de maio de 2000, 231 fd, 64. o bosque de Thoreau/Sroklos - mna ílore~ta de co,das -
ft1l lhfol'ln:lvSe e m cela de pds5o em Cit'il Disobedte,ice, 298-
,lS, 39. H.1.J.0.S. e o C rnpo Arte C•llcjero poricipa,n de""' cscrache, 234
r,~ n ,to np.1.relhos de revê fazem~ cúmagem regressiva pa l'8 o miléni.o,.
40. Sinaliz'1ções de rua com a fmogrnfia do pcrpeirndor, 23S r 1il1uumo Denise Stokloli se apressa a transmitir s ua mcnsagCJn em Cwtl
01
41. Você esui aqui": ;:i. SOO metros de um campo de concenrr;iç.ã o, 236 1),,,1/,edieitce, 299
42 . Protestos das Abuelas e Madres da Plaza de Ma)'Q denunciam o tit,. Dt'ní~e Sroklos se rerorcc em 1rcnce ao espelho cm Civtl
governo t1sando faixas, 238, 239 J//11>/irt/u•11cf,, 300
43 . .\1adrcs d:1 PJnza de !\.fayo continua m sua condenação aos a busos aos t,K, ti9. Dc-nisc Stok lo~ rr:.rnsforma seu rosto ern uma séde de
,1 ,,

dil'eiros humanos con,cridos pelo governo~ 241 IJl~<t.Jl ,1<, 301,302,303

44 . "Orto gobierno, misma impunidad'' jOurro governo, mesma 'O, 7 1. Dc:nise Sroklos se: esforça J.H ll\l consegu ir se comunicar, 305
impunidade), 242
',l, Vl'c~lo de Coadicue 1 a '' mãe" asteca ele todos os mexicanos, 308
·15. ".A natomia do 1enorismo, r'.n osfra o uso d..-. fotogrnfia como l.!\'ldência 71 A,c,·i<l Hadad, cm Heav)' No/1al, 1998, 309
<luranre o julgamento dos Generais e111 1985, 246
"'·I Denis\! St0klos explora o mHiull'ismo brasileiro e a a lic:n,lçâo pós-
46> 47. A colocação de espelhos ju nto às imagens dos desaparecidos na
nmt!erna cm C,1$(1 , 1990, 311
exposi~ão de fotografias Memoria Gráfica de Abuelas de Plaza de Ma)'o
110 Centro C ultura l Rt'cole.ra, em Buenos Aires, 251 ,, l)ruis~ StQk1os apresenta sua resposta aos efeicos com.ínuos ~º~ ...
1 olonlalismo em SOO mws- Vnt fax de Denise Stoklos para Crtst()t'ao
48. Xos protesros, H.l.J.O.S ., comu as. Mac.lrcs, usam a fo11go fa ix:1
horizonral cúm seu nome) 253 1 "'ª"'"ª· 1992, 311
,,. Oom>< ~roklos cm /Vft1ry Swart, 1987, J 12
49. Grandes ca rrazcs com foros dos desaparecidos assorn bram a pr;ith:11 Lf1:1
prot-csros, 253 n~u Mtdtit.li aprC'F.CflrlÇ11o de Smklos CUI 1995, cm quo Mrdl"U
llt\1o lt n\n rn1U,l 1 seu~ l1lhm1, H 2
78. Obra de Stoklos, apresencada em fe~uvnl <Jc tcrurn n1J Brasil., 313
79-80. As Torres 1 e 2 do World Trade Cenrcr cn1 ( ha mas depois do
ataque de tJ. de setembro de 2001, 330
S1. As ruas se esvaziaram depois dos araques cm 11 de setembro de
2001, 332
82, 83. Uma torre desabou, em seguida, a outra ... , 335
84, 85. O primeiro jogo dos Mcts depois do 11 de setemb,·o, 3 40
86. Desenho das Torres no fugar onde elas escavam ames, Brooklyn,
SUMÁRIO
serembro de 2001, 34·1
87) 88. As pessoas nos ca rtazes pareciam vir de codos o.s ambientes e
parrc.s do mundo imagináveis, 342 tlu1•M, QUANDO, O QUe, POR QUfl, 'J3

89. .\'1u ro de Orações no Bellevue Hospital, 344 /\Tos DE 'J'RANSFERtNCI,\, 25


90. A cidade de Nova York de cepcntc tornou-se parte da "América", 345
' Jtc r, I-.IRúS oo DESCOBRTMENTO: reflexões sobre a perfo{mance
91 . .Mortalhas de plásdco para as fotos das vítimas, 346
1, IUnJZrafia, 91
92, 9.3. Santuários o porrais em memória dos morros, 348
., Ml'MÓRIA COMO l>RÁTICA CULTURAL: 1nesciçagen1,
911, For.og1·3 fia pllhllc:,lda 110 New York Times no dia scguinre ao
:ttoqllc, .349 1!11111<1,~1110, cransculruração, 125

9.5. Os nova-iorquinos começaram a imeragir com a cidade de modo <I ,\ 1111i.11 cuSMÉ'rt CA: W,ilter Mercad o performatiza o espaço
diference, como participames :uivos de urna c rise~ 350
lq1111 o l.uino, 165
96. Homem lendo a inscriçfo cm um mnra l de C hico, c id :><ie de Nova
York, 350 1,., ,1111rM.,õr;s FALSAS: as mi11orias c horam por Diana, 195
97. l)esenho de Marina Manhelmer-Taylor, .'l5J
, 1 1•srA AQUI'': 1-1. LJ.O .S. e o DNA d,1 performance, 229
98. lvluralisrns loc~is, como Chico, do Lower East Side, ofereceram sua
homenagem , 352
. 1 NAN DO A MF.MÓRIA TRAUMA'l'ICA: Yuyachkani, 263
99> 100, 101. Pedormances ''ao vivo",, i11stal('Çôes e protestos mostraram
um âmbito muito maior de oplniões· do que a cobertura da tevé, 352 , .153 1, m • STOJ<J.,OS: .1 políttca da dccifrabilidade, 295
102 1 103. Torres para a p az, [orres para a guerra ... , 353
l I au1nos Nc> CA~IPO DE VISÃO: cescen1unhando o
104, 105. Foram colocados cana1,es pr.oibindo fotograJias perto do
1 1 •ctcm bro, l29
marco zero) 355
'106. Pessoas na plataforma de o bservação do World Trade Center, 3S6 li l'I lll•OllM/\.NCf,S HEMl~P~l\JI.AS, 363
J07. Desrroços do Woclcl Trade Centcr entex ibição na plataforma de
observação, 361 "1 /IS, l8 J
108 . .Marco zero, N~o havio nada para ver, 361
li, , , e• nNr.,,11~, 409
109. Diana T:iy~,r Jllnundo a p1llícia no Cencrn l PArk, oldndc de NOVA
Y11rk, 19YR, Ili 1 !til I ttl Ml~SlV(l 1 f 1
QUEM, QUANDO, O QUÊ, POR QUÊ

Quando cr iaoça, vive ndo em uma pequena cidade de m ine-


ração no norce do México, aprend i que as Américas eram uma
só e que nós compart ilhávamos u m só hemisfério. M.uitos
anos depois, quando cheguei aos Estados Unidos para fazer
meu dourorado, o ,1vi que "América" signi ficava os Estados
Unidos. Havia dois hemisférios, norre e sul, e, embora o .México
pertencesse tecnica mente ao hem isfério norte, era geralmente
relegado ao sul-corno parte da "América Latina". Anos depois
observei, no Atlas Ilustrado do 1'v1undo (ed ição de 1993) da
cdirora Rand McNally, em que minlrn filha estudava, que
as Américas haviam sido divid idas em três, e que o México
e a /\mér ica Cenrral ernm chamados de "América Média",
um termo que con sumava o d istanciamento linguístico que a
formação da terra se recusava a jt1stificar. Nu nca aceice i essa
tentativa inflexível de ten iroria li zação. Declaro ,ninha iden-
cidade como ":1111erica na" no sentido hemisférico do termo.
Isso significa que tenho vi vido de modo confon::ívr.l, 0 11 ta lvez
dcscon fartáve l, em vár ios mundos sobrepostos.
Minh,1 carreira acaclê111lc,1 t:omc\011 cm uma es,nl 1 ,h, 11111
un1<0,or11odoe111 Parr.11.< h1h11 ,1h11 1,m nacid,1de.1in l111p1 1r 1111
cuja ú11ica pretensão à fama era que o grande líder revolucioná- 1,il.ívnmos a língua deles. Sabíamos pouco sobre seu modo de
rio Pa ncho \/il ia havia sido morro a ti ro ali. Era uma salinha de v1dn. Nós apenas observáva mos sua chegada e partida - outra
a ula pobre, co111 tel hado de metal ondu laJo, reservada aos filhos l1çfo de indecifrabi lidade.
dos mineiros. Meu pai, que fugiu do Canadá aos 21 anos, era \ e cu fosse estudai.; meus pais insistiam, cu teria de sair. "Você
engenheiro de minas. Minha mãe, uma aluna de Northrop Frye ~.1i para um colégio em Toronto", minha mãe dizia. "Você vai
cuja ocupação na vida era ler Livros policiais, levava-me de carro, ,11,!cll' de lá. Você va i estar perto da vovó. Mas cem q ue aprender
subindo a estracb de terra sinuosa até a escola. Nunca sabíamos lll!il~s." Isso sign ificava aprender mais do que a única palavra que
em que série est.lvninos. Como que por mágica, passávamos do 11 lrnvia aperfeiçoado, embora o modo como a prommciava se
primeiro para o segundo ano, do segu nd o para o terceiro. Nunca , 11c11dia em ranrns sílabas que eu pensava que era uma sentença
recebíamos notas; não havia reuniões de pais e mestres, oenhum , 11111pleta: sonofabitché. Lembro de esta r em pé, com minhas
bolet im. De modo igualmente mágico, nós nos formamos. Eu 11111,,~ de caubói, saia xadrez com suspensórios antigravidade,
tin ha 9 anos. 1uptera marrom de camurça com franjas e com pedrinhas nos
Eu adorava min ha cidadezinha. Considerava todos que viviam l,111, os. Minhas tranças esr.ivam puxadas para trás, tão esticadas
nela como amigos. Dom Luís era o proprietário da farmácia ,1111• (' li não conseguia fechar os olhos. Meus brincos em forma
e morava num aparta mento no andar superior com sua linda 1, 1c~ou rinhas que se abriam e fechavam pend iam de minhas
es pos~, que me convidava para o chá; havia boatos de que eles "' ~lhn~. F.u pro meti: "Sí, mamá. f lea rna da inglish." Foi assim
<'mm ricos, donos de milhas e milhas de maravilhosos campos ,1111• logo fui para o Canadá, que era então anunciado como sendo
de papoulas e de todos os tipos de máquinas de refino que 111111h11 rnsa também e pane de minhas Américas.
provocavam as imaginações locais. Seu assistence, pai de meu M111ho av6 assllmiu uma atitude rígida de desaprovação. Ela
colega de escola, foi encontrado morto uma manhã, cortado ,111111 111l11has botas, a jaqueta, as tranças, e me lembrou que
em pedacinhos, dentro de um saco pendurado em um galho 11 111•. o, ~clvagens furavam o corpo. Minha educação, ela me
de árvore - uma espécie de recado, na época i11decifrável para 11 111111, ,-~rnva para começar. Tenrei mudar de assunto e começar
mim. Dom Jacinto era o lixeiro que salvava coisas preciosas """' , 1111vcrsa educada. "Vovó, como está seu cilncer?"
para nós, crianças, como tampinhas de garrafas de refrigerantes 11111 1111tt· meus qu atro anos de internato, tive de aprender
que escondiam prêmios por bai xo dos forros de cortiça. Dona "'" u línguas -e n:io apenas inglês, francês e latim, que eram
Esperanza, uma sem-rero, carregava uma mal inha de meta l cheia ,l,1111,1tôrias. Duas vezes por dia, tinha de participar dos encan-
de pedras para jogar em seus muitos inimigos. Ela confiav,1 cm , 111w11tos rituais do a Iro anglicanismo. Em resposta às deman-
mim; nós costumávamos sentar, com as pen1as balançando no l I fltlí ofertas sema nais, eu enchia de botões a caixa de coleta,
a r, na ponte sobre o leito seco do rio . .Ela abria sua mala de mera! t • • 11dcndo minha saia e meu casaco com alfinetes. Escondi
para me mostrar suas pedras e, em troca, eu tirava dos bolsos 111111h,1 Virgem de Guadalupe de plástico em uma caixa atrás
os pequenos seixos que h.1vin guardado. pa ra ela. Duas vcze.~ 11 , nmoda. Também tive de aprender uma oova li11guagem
por ano, os rarimmaras (n grupo ind ígena que Ar taud ta nto •q1<1rnl. Descartado o traje do Velho Oeste, vieram o blozcr
admirava) deN<i.1111 d,1~ montanhas para comprar suprimentos. ,11111r.1vata, a ca misa branca abotoada, os sa patos amarrodos
Nossos mumh, 111111 • 1• to,.1v,1111; nunca soube por quê. Não 1111 l ,ul,1rços e me ias três-quarros. Âpre11di a comer sentada

11
hc111 ereta, com um livro sobre a ca beçn e um jorna l dobrado Porque para mim tem sido impossível separar meus compro-
debaixo de cad.1 hraço. Corrnran, meu cabelo; foram-se para missos e enigmas acadêrnic<>s e políricos daqui lo que eu sou,
sempre meus ndorados bríncos de ouro de tesour inhas que se os ensa io$ deste livro refletem uma vasta gama de tons e de
a briam e fechavam. Meu corpo, minha cabeça, meu coração intervenções pessoais na d isc ussão. Os três primeiros capítulos,
e minha l[ngua estavam em treinamento. Meus pequenos atos rm particular, mapeiam as questões teóricas que enforma m os
de resistênc ia, inspirados por meu herói Pancho Villa , bariam capítu los que se seguem. Como o comportamento expressivo
de frente com a máqu ina disciplinar. Meus castigos eram rão (.1 performance) rransnúte a memória e a identidade cultural?
reg ulares que se tornara m pane de meu programa sema nal: lJIJla pel'specriva hemisférica ser ia capaz de expandir os rotei-
ti nha de co rrer ao redor da escola 20 vezes às seis horas rns e paradigmas colocados em fo ncionamento por sécul<>s de
d,1 111a11hà nos fins de semana, enquanto as outras meninas , olonial ismo? Embora as implicações teól'Ícas não sejam menos
dormiam . ?vleus protessores me batia m com escovas de cabelo, prementes, o tom dos capítu los seguintes se torna cada vez ma is
faziam-me masrigar comprimidos de aspirina e tentavam me pessoal. Com<> minhas reflexões decorrem de meu próprio papel
ensinar a enrolar lã pa ra eu pa rar deme remexer. O objet ivo, ,1 tlc participa nte ou testemu11ha dos acontecimenros que descrevo,
d iretora me informou, era eu me tornar uma dama respeitável , inco-me compelida a reconhecer meu próprio envolv imento
no modelo inglês, q ue merecesse a compan hia do que hav ia de ,. sentido de urgência. Como defendo cm todo o livto, nós
melhor e de mais inteligente no Canadá . .,prendemos e t ransmitimos o conhecimenr.o por meio da ação
Fk:o feliz crn dize r que, pe lo menos pa ra m,m, o treinamento 111corpornda, da agência cultura l e das escolhas que se fazem.
fracas~ou tornlmente. Entretanto, q uandú vo ltei para .c asa - 1\ performance, para mim, funciona como urna episteme, um
agorn n Cidade do México - ,ios ·14 anos, eu sabia que não era modo de conhecer, e não simplesmente como um o bjeco de
canadense, mas não me senría mais comp letamente mexicana. 1111:ílisc. Ao me situa r co1110 mais um ator social nos roteiros que
Como cidadã das Amé ricas, eu não era/sou um súdico feU1. do ,111alíso, cspe1·0 posicionar meu invescimenro pessoal e teórico
NAFTA (Tratado Norte-Amedca no de Livre Comércio), um nn minha argumentação. Escolhi niio encobrir as diferenças de
produto dos mercados " livres" e das zonas culturais. Em um rom, mas colod-las em diálogo com quem eu sou e o que faço.
mundo org,111iz,1d<> em re rmos de "Primeiro .Ivlundo" e "Terceiso Escrevi este livro durante os cinco anos em que chefiei o
Mundo", uhrancos)• e "escuros''. "nósn e c;dcs'·, eu não era l>cparramento de Estudos da Performance na Univers idade de
"eles", mas tampouco era "nfo". Eu não era anglica1la, 111as Nova York; assim, ele reflete mu itas d:Js conversas que tivemos
não era ca tó lica. [ronkamentc, ralvez isso me tenha lerndo a me ,10 redor da estranha e instável mesa en1 forma de meia-lua na
idenrificar com tudo, em lugar de com nada. [cientificar-me com , .il., rodeada de janelas a que demos o nome de aquário. Como
tudo, cm lugar de com nada, pode dac na mesma, mas o espfrito definiríamos performance? O 4ue indu,rfomos no curso de
por trás disso estava longe de ser niilista: eu rransbordava de l111 roduçào aos Escudos da Perfo rmance? Deveria haver um
identificações, brancos e escuros, falantes de inglês e espa nhol, dnone dos estudos da performance - definidos por alguns
anglicanos e cató licos, nós e eles. Eu sentia mioha subjetividade tlc nós c:01110 um campo pós-disciplinar, por out ro s como
como intdcada r cm excesso, puxada para todos os lados, cheia J11Lcrdiscipl i1lar, por oucros, ainda, como antidisdp lmnr ou
de pressões t f'' .vt rt·~. 1:u contin uo a incorporar essas forças que nwsmo pré-disciplinar? Quem iria definir essa questão? Corttó
me puxam .111 ,vr,dt• 11111a série de prá cicase rensôes conflitantes. podemo~ pensar sobre a perfornrnnce er11 termos históriCOb,

1~ 17
quando o arqu ivo não consegu" c:iptar e Armazenar o evenco indivlduos, pr omovida pelas forças militares da Argent ina, e a
ao vivo? Eu ainda ouço aquelas vozes e aqueles debates: Fred onipresença paradoxal dos desaparecidos. Meu comprom isso
Moren resistindo a cânones de qua lquer tipo, enqua nto Barbara acadêmico e político com essas questões conti nuou por meio do
Kirshcnblart-Girn blett ten mva organizar as lisras de materia l Instituto Hemisférico de Performance e Polírica, uma associação
para os exa,ncs de seleção da área. Richard Schechner e Peggy que organizei e dirigi durarne esse mesmo período (http://hemi.
Phelan costumavam de bater se poderíamos aré mesmo falar de 11yt1.edu). Pesquisadores, artistas e ativistas em todas as Américas
uma "ontolol{ia" da performance, enquanto Barbara Browning, 1rnba lham em conjunto em encontros anuais (festivais/grupos de
José Muôoz e A11dré Lepecki encravam na dispu ta em lados dife- 1rn ba lho de duas semanas), por meio de cursos inter d isci pi ina res
renres. Ngugi wa T hio ng'o (uma pt'esença que sempre inspirava de nível de pós-graduação e de grupos de trnbalbo on-line,
calma) e eu convers,ívamos sobre ,a oferta de um curso sobre a p,1ra explorar como ,1 performance tra nsmite memórias, faz
política do cspai;o pt'ihlico, ou ralvez sobre os direitos Linguísticos. l'c ivindicaçôes políticas e manifesta o senso de idencidade de
Todos nós senrados ;1l i - docentes e, frequentemente, a lunos - um grupo. Para rodos nós, as implicações po líticas do projeto
vínhamos de diferentes histórias pessoa is e ~razíamos posições rstavam claras. Se a performance não ri:ansmitisse con11ecim ento,
diferentes sobre cada quesr,io. Uma das coisas de que eu ma is .1pc n~s os letrndos e poderosos poderiam reivindicar memória
gostava em nossas conversas é que nós nunca concordávamos ,, ,denridade socia is.
renlrnenrc; 11a verdade, ainda não conseguimos formu lar uma Este livro constitu i, então, minha intervenção pessoa l em dois
linh,1 cla ra Jo g,·upo, ou mesmo do deparrnmento. A a bertura e 1·,1n1pos: os estudos da pe.-forma nce e os escudos (hem isfêricos)
a mu ltivocal idadc dos estudos da performance são um desafio l.1tino-americanos. Busco, aq uí, co loca r esses campos em
adm inistrativo (corno delinear um currícu lo significati vo ou 1lhliogo. Como cada ca mpo amplia o que podemos pensar no
mesmo listas de leitura para os exames de seleção?), mas creio lltltro? Como pode o desconforto dos estudos da performance
que eles consricuem urna prova da pwmessa mais importante 11ccrc11 das fronteiras disciplinares nos ajudar a desesta bilizar as
desse campo. Não impo.rta de que modo nos posicionamos em 1,1.inciras co,110 o carnpo de "estudos latino-americanos" rem se
relação a outras d isciplinas, temos sido cautelosos quanco às <Ons1i111ído nos Estad<)S Unidos? Como outras áreas, os estudos
fronteiras disciplin,1 res que impedem certas conexões e áreas de 1111100-a mer ica nos surgi ra m como um resultado dos esforços do
a nálíse. Assim, continuamos conversando e, mesmo à medida 141wcrno dos Estados Unidos du rante a Guerra Fria para melhorar
que m udam os indivíduos ao redor da nlesa, as conversas pros- , "111religê11cia", competência linguísrica e influência em países
seguem. Inevitavelmence, esses deba tes estendem-se por todo o ou.1dos ao su l. Consequentemente, a área rende a manter um
livro, não porque meus colegas e a lunos são meu público ideal, 1111•0 unid irecional norte-sul, com o analista escadu nidense postu-
rnas porque foram interlocu tores próximos enq uanto eu escrevia. 11clo como aquele que vê sem ser visto ou exa minado. Os estudos
i\ lgumas das questões se revestiram de maior urgência para limni&féricos poderiam potencial111enre se contrapor aos estudos
mim como "latino-americ.inista ". Seria a performance aqui lo 1111110-ame ricanos de meados do sécu lo XX e do naftaísmo da
que desaparece ou o que pcrsisre, transmitido por meio de tun I' t, t<' fiual do sécu lo XX ao explorar as histórias cio norte e cio sul
sistema não arquivai que acabei chamando de tepertório? Meu 111110 profundamente inrerJigadas. Esses estudos nos permitem
livro DisapfJ,·,11·1111( \, Is !Atos de desapareci mento] já havia se 1 1111hém rnncctar as histórias de cont111isca, coloniznçào, cscr,1•
dedicado à ,,.. Ju" ,t tl11 Jr·~apnrecimento: a a usência forçada de 111.10, d11,•110~ indíp;cnas, impcri:1Jisn10, migrnçiio e globnlízn1,,w

IH
•~
(rara citar apenas algumas questões) arravés das Américas. A outras áreas "não ocidenrnis". Ao invés disso, o que proponho
c:ircuh1ção nas Américas inclui o tráfico militar de pessoas, aqui é um encontro verdadeiro entre dois campos, que nos ajude
armas, drogas, "inteligência" e conhecimento técnico. Inclu i as ., repensar ambos.
indústrias culturais: televisão, cinema, música. lndu i também As performances incorporadas têm sempre tido um papel
práticas associadas a línguas, prá ticas religiosas, comida, estilo ..:enrral na conservação da memória e na consolidação de iden-
e períonnanccs incorporadas. Se, contudo, formos reorientar iidades em sociedades letradas, semi letradas e digitais. Nem
os modos como se rem estudado trad iciona lmente a memória rodo mundo chega à "cultura" ou à modern idade por meio
e a idemidade cultural nas Américas, com ênfase disciplinar da escrita. Acredito ser imperativo continuar reexaminando
em doc.1.1me11to$ literários e históricos, para olhar através das ., ~ ,·elações entre a performa nce iocorporada e a produção
lentes de comporrnmcntos performatizados, incorporados, o que de conhecimento. Poderíamos examinar práticas passadas,
saberíamos então que agora não sabemos? De quem seriam as o:llnsideradas por a lgu ns como desaparec idas. Poderíamos
histórias, memórias e lutas que se tornariam visíveis? Que tensões ,·xaminar práticas contemporâneas de popu lações geralmente
poderiam ser mostradas pelos comporra rnentos em performance ,·cjei tadas como "retrógradas" (comunidades indígenas e
que n5o sedam reconhecidas nos textos e documentos? marginalizadas). O u poderíamos explorar a relação da prática
De modo inverso, os estudos "latino-americanos" (como 111corporada com o conhecimento ao estuda r como os jovens de
qualquer outro estudo de área) têm muito a oferecer aos estudos hoje aprendem por meio ele tecnologias digitais. Caso se diga
sobre a performance. Os debates históricos a respeito da narnreza que os povos sem escrit,1 desapareceram sem deixa r rastros,
e do papd d,1 performa11ce na transmissão do conhecimento e rnmo podemos pensar sobre o corpo tomado invisível 011-line ?
ela memória socia l, que rernonrnm à Mesoamédca do século F. difícil pensar sobre a prática incorporada no interior dos
XVl, permitem-nos pensar sobre a prática incorporada em uma "stcmas episrêmicos desenvolvidos no pensamento ocidental,
estr utura mai s ampla, que rorna mais complexos os entendi- 1•111 que a escrita se tornou ava lista da própria existência.
mentos que prevalecem atualmente. Os estudos de performance, Este livro é intensamente pessoal ele ourra forma também. No
devido a seus desenvolvin1emos históricos, refletem ,1 conjunção, di,1 27 de janeiro de 2001, meus maiores amigos, Susana e Half
originada na década de 1960, entre Antropologia, Estudos de /anrop, foram bruraltnente assassinados por dois adolescentes
Teatro e Artes Visua is. Refletem também um pos icionamento ~m sua casa em Ne.w Hampshire. Era uma tarde de domingo,
predomin antemente de língua inglesa e de Primeil'o Mundo; a ',u~ana estava fazendo o almoço, Half andava de um lado para
maior parte cios estudos nesse cam po foi produzida nos Estados 011tro, executando pequenas ta refas. Inesperadamente ... Mais
Unidos, na Grã-Bretanha e na Austní li a. Entretanto, nada há 1.irde nesse mesmo ano, quando estava saindo da academia, vi o
de inerentementc "ocidenta l" ou oecessarfamente de vanguarda World Trade Ceoter, mais abaixo na rua, em d1amas. Um avião
11cs.~r c~mpo. A metodologia que associamos com os estudos da h,wia eatido nele, a lguém me disse na rua, inesperadamente.
performance pode, e deve, ser revisada constantemente através l} rerror desses aconteci mentos aíecou-nos profundamente. O
do cmcosamento co,11 011tras realid,1des regionais, políticas e mundo rnudou para mim e para aque les que amo durante o
linguísticas. Assim, t•rnbora eu conteste o paroqu ialismo de algu- 11•mpo cm que escrevi este livro, que dedico a Susana e [ la lf, que
mas pesquisa~ ,•1111•-i t1dos ela performance, não estou sugerindo 11,\11 ~ohrcvivernm ao horror. Mas também o dedico àque les que
que no, 1111·1 1111,,111, ,•,11•11(/amos nossa prática analítica para 11h1L'\ IVl'hllll: ns íi lbas deles, Veronik.1 e Mariana, meu marido,

'1
Eric ,\.fanheimcr, nosso, filhos, Alexci e Mari11a, e minha i.rmii, anformante fa lante de nauatlc conta sua hisc6ria para o escriba
Susan. Nós estamos ainda lutando para .1prcmder a viver ncsre 1.1 la nte de D(luatlc, que, por sua vez, a passa pa ra o trnducor,
estranho mundo novo. ,111~ a cransmite para o escriba fulanrc de espanhol, que fala
Gostaria de agradecer aos amigos proximos, que me confor- p,1.-a o Frade espanho l, o r~ceptor, organizador e tra nsmissor
t aram com seu amor e suas conversas Jurante esse período e nlKial do documento escrito. Em seguida, ele dá sua versão,
nos últimos anos. Algu ns s,io meus interlocutoees cotidianos, que va i fazer o cam in ho de volta até o informante naua. O
seja na saunJ, na academia, no sushi bar ou no café. Sinto ,lornmenco também encont ra seu cam in ho para o interior dn
a presença deles em rodo este rrnba lho: l\.!ariannc Hirsch, ,·,lcr.1 pública, em que ele é recebido com deb.ues que vão desde
Richard Schechner, Barbara Kirshenblatt· Gimblett, Leo Spirzer, ,, desaprovação crítica rigorosa até n gn1tidão profund,1. De um
Si lvia Molloy, l oric Novak, Fnye Ginsburg, José Muiioz, Uma l.1.lo para outro. As vcr,ões mudam com cada trammissão; cada
Chaudhuri, .\lary Loui,e Pcart e Fred Myers. Outros eu vejo 1111rn ena deslize,, falhas e novas interpretações que resultam
com menos frequência, mas continuam a ser uma presença tão ,·111 11111 origina l de cena forma novo. Neste estudo também,
próxima que ouço ~cus comemário~ antes mesmo de falar com , 1111,1 ruo ~obre o que recebi de outros e busco contribuir para

eles: Doris Sommer, Agnes Lugo-Ortíz, Mary C . Kclley, Silvi:1 ,. tl,·h.11c para, cnnio, devolvê-lo pnro a arena pública para ma is
Spitra, Rebecca Sch neider, Jill Lane, leda Marrins, Diana . h ~ u,,i,e,. O, deslizes e falhas são, evidemememe, apenas meus.
Ra1.nonch, 1 uis Peirano, A.nnelisc Orleck, r\lexis Jettcr e
Roxana Verona. O que faria sem minha família e meus amigos?
Esta é u 111:1 pcrgu nrn que eu nunca quero explorar.
Também quero agradecer àqueles que me ajudaram de outras
formas. David Román cncorJjou-me a escrever um pequeno
comentário sobre a tragéd ia para um volume especia l que ele
estava editando para o Theatre ]011rnal, um coo,·ire que me
fez escrever novamente depois de J I ele se.te111brn e inspirou
o último capitulo deste livro. l\leU\ agradecimemos aos meus
maravil hosos ,1lunos de pós-gr,1dua~ào e assistentes na NYU,
todos companheiro~ cspecrrólngos, em especial Alyshia Ca lvez,
Marcela FLtentcs, Shanna Lorcnz, Karcn Jaime e Fernando
Cal1adilla. Karen Youngc Aranna Lce,do Instituto 1-icmisférico
de Performance e Políric,1, ,1judam a tornar minhn vida mais fácil
no dia a di,1. Kcn Wi~sok,·r, Ch.-is tine Dahli n e Pam Morrison,
da Duke Univcr"t} Pres,, 1êm me oferecido apoio consrante.
Como indk 1 .1 Fi1111n1 J dc,tc estudo, a produção do conhe-
cimen to é ~~111prr 11111 e\Íurço colet ivo, uma série de conversas
de um lado p.11 ,111111111. que produzemre~ulrados rmílriplo~. O
1

AtOS DE TRANSFERÊNCIA

lk L4 a 23 de jun ho de 2003, o Instituto Hem isférico de


I', rlur111 :111ce e Política reun iu artistas, ativistas e pesqui sadores
l 1~ A1nérirns para seu segundo encontro anual, a fim de compar-
1111111 a, maneiras como nosso trabalho usa a performance
J 11 .1 lllll'rvi r nos cenários políticos que nos interessa m.' Todos

11wnd1r1111 "rolícica", mas ,1 compreensão de "performance" em


11111 difícil. l'arn alguns arrisras, performance se referia à arte

1 do1·111n1 ica. Outros brincavam com o termo. Jesusa Rodríguez,


, 1111~1.1 de cabaré/perfo rma nce mais aguerri.da e influente do
1, h 11, ~e referia aos 300 participantes como performenzos
, 11 <la ,iµnifica idiotas).' /:'erformalu cos (performnuts) pode-

, , , 11nm lraduçiio aproximada, e m uitos dos espectadores


11, 11i.lttrinm que é preciso ser louco pHa fazer o que el,i faz,
111 rr111t,H1do nbcrramente o Estado mexicano e a igreja católica.
"" \',1>\Utlcclos, um dos primeiros performers abertamente
,111111,~lo dos anos de 1980 no México, apa réceu em cena
"" \l.11111 Sn lrngtín, na época, a manre, e ago ra, esposa do
, p1 n1,lcntc do Méx ico, Viceme Fox. Em seu tró1je branco,
11 'f' 11,,, de sa lro combinando, ela deu as boas-vindas ao
, , ,ln, <11tl(rcsso de "perfumancc". Sorrindo, ela adm itiu que
111 , .. 11.1 hem sobre o que ,·ra n ,ongresso; recun hrLr11 que
111ni,:t1l'lll d,t\'.1 a 1111n11na p.1 r,1 o q111· l.t1i.1n1os, mas, mesmo assim , num meio cult ural em que as corporações promovem a world
d.1 no, dava as boas-,•indas. l'l'rPI\RJ\<111ê? (PerFORwhat?), 11111sic, enquanto organizações internacionais (como a Unesco),
perg unta ll ,nulher, con fusa, 110 ctu·cum de Diana Raznovich. hl'm como as agências de fomento, tomam decisões sobre os
As piadas e trocadilhos, apesar de hem-humorados, revelavam di reitos culturais " m undiais" e os "parrimônios imateriais".
ramo a ansiedade pela definição qu,rnro a promessa de uma nova As performances funcionam como aros de rransferêncta
arena para mais inter venções . vitais, transmitindo o conhecimento, a memória e um sentido de
i.lcntidade socia l por meio do gue Richard Schcchncr denomina
".:omportamenro reiterado". 3 Em um primeiro nível,3 perfor-
111.rnçc co nstitui o ob jet0/proccsso de análise nos estudos da
performance, isro é, as muitas práticas e eventos - dança, teatro,
, 1!ll.1l, comícios políticos,ll!.Ueta.is - que envolvem comPQrta·
111l'11to~atrais, ensa iado~ o~onvcn~lltlis/apropriados para a
u,as,iio. Essas pr~as são &eralmente separadas de outras à sua
volt:i ~a coni,riru ir(focos de aná li~cldistintos. Algumas vezes,
r"c cnqundramento faz parte do próprio evento -determinada
.l.111ç.1 ou comício têm começo e fim; não afluem, de modo con1í-
11uo nu sem divisões, para dentro de outras formas de express:io
,ultural. Diz!Lque a\s2.f um.a gerfo,rmanc~ significa fat.!:!.:..!:!.111!!
.,lmuaçã~ ontológica, embora localjzada..Q_q_ue uma sociedade
l. •r('rfOR""hat Studic-s'" C::utum dt: uH1,idera \!]Jlll-.perfonuauc.e...podcri a ser considerado um não
Diann Ra,noYich. 2000.
, vento cm outra.
Fm um segundo nível, a performance também con~rirui a
J 1,·m,· '}!etodolóiikii) que per mite que pesquisadores analisem
ESTUDOS DE PERparaOUt?
, vemos como performances.• Obediência cívica, resi~tência,
Este livro, como o Instituto Hemisférico, propõe que os , id.1d,1n ia, gênero, etnicidade e identidade sexual, por exemplo,
estudos da performance peldcm contribuir para nossa compre Jo rnsaiados e performatizados diariamente na esfera pública.
ensão das tradições de perfo rmonce da América Latina - e do 1 ,m·nder esses itens como performance~ sugere que a perfor-
hemisfério - ao repensar as fronreiras disciplinares e nacionais m.111,c t:i111bémJw;icioiu1 co m<L!!ma epistemologia. A prática
do sécu lo X IX e focalizar comportamentos incorporados. De uKorporada, juntamente com outras práticas culturais associadas
modo mvcrso, os debates que acontecem , desde o século XVI, 1 ,•l,1~. oferece u 111 modo de conhecer. A qualidade parenrécica
acerca da narureza e função das práticas de performance nas ,lc".1s performances é externa, l'indo da lente metodológica que
Améric;lS podem ,1mplia r o âmbito de uma recém-pós-disciplina 1. orit,tn11a como uma "totalidade" analisável. A performance e
que, devido a seu contexto, tem focalizado mais o foturo e os 1 , ,t,•tica da vida cocidinna variam de comunidade para comu-
fins da performu n,c do q ue sua prática histórica. Finalmente, é 1mlAtlr, rcílec,ndo a cspr<:1ficidnde c11lturnl e histórica exisrente
urgente íocJhz.11 '" , 1racwrísticas específicas dt1 pe rformance e11110 11., 1•11cen.1çào ,1111111<1 111 rr,r1,ção. (Fnl111anto a recepção
,e ,nodiíica nn pcrforinance ao vivo, bem como naquela med iada
1 r •<1 ndo por Sh akespeare , Calderón de la Barca, Arraus!.!
tecnologicam<111tc, apenas na performance ao vivo o ato em si se
, ,ru1owski , chegando até o presente. No campo dos negóci os,
modifica .) As rcríormances viajam, desafiando e influe11ciando
1,·1 mo é usado com mais frequência do q t1e em qualquer
o utras perfor111nnces. Contudo, elas estão, em cerro sentido,
1111ro, embora geral mente com sentido diferente, isto é, pára
sempre in situ: ~ão inteligíveis na estrutura do ambiente imed ia to
"' liu11· que ~ lg ttém ou, mais írequcntemenre, alguma coisa
e das questôes que as rodeiam. O é/como realça a compreensão
1 ,, ~111 prá1ica todo seu potencial. Os supervisores aval iam a
da performance como simulraneamente "real" e ''construída ",
1, ,1d11 dos trabalhadores em seu emprego, sua performance,
como um conjumo de práticas que reúnem o q ue historicamente
111111 ~e fosse m carros ou computadores, e pa rece gue os
ficou separado como discursos ontológicos e epistemo lógicos
, , 1, ,1Jos competem para ter utna performance me lhor do que
distintos, supostamente autônomos.
" , 1v,11s. J'er/orm ore/se [1enha uma boa perfor ma nce, ou
Os muitos usos d a palavra perform ance apontam para
11 ln ... l, o título do livro de Jon McKenzie, capta muito bem
as comp lexas camadas de 1·eferencia li dade, aparentemente
111111érntivo de a lcançar os padrões de negócios (e de ct,dtura).
contrad itórias, que às vezes se sustenta ,n mutua mente. Victor
, uu1> 11 !tores políticos enrelldem que a perfo rmance como
Turner toma como base para seu cnteJ1dimenco do termo a raiz
1/,1 l'lll vez de no sentido de levar a cabo o u completar
etimológ ica francesa, parfo11rnir, "forneq;r", "'com pletar' on
'execurar completamente"'. 5 Do francês, o termo passou para
, ,.~,m - frequentemente determina o resu ltado p o lítico. A
11, 1,1 r.1mhém começou a explorar o comportamento humano
o inglês como performance no século XVI e, desde os séculos 1111,11111 r ;1 cu 1tum expresstva . arraves , de memes: "'1' -
,,. emes sao
XVI e XVII, tem sido usado com o sentido que tem hoje, 6 Para
1111111~. ,ançôes, hábitos, ha bilidades, ínvcl\ções e m,rneiras
Turner, ao escrever nas décadas de 1960 e 1970, as perfor-
.,s
11.•,•r coisas que copiamos de pessoa para pessoa por
mances revelava1n q çaráter ,na is profundo, inais verdadeirq ,, , .I,1 ín, iração .. - em s1.11na, os atos reiterar ivos que venho
e mais individua I da culturn. Guiado por uma crença em sua
1111 uulu de performance, embora, é claro, ela não envolva
universa lidade e re l.iriva trnnsparência, Turner afirmava que as
.. iri,1111c11tc comportamentos miméticos.8
populações poderiam aprender a com preender umas às outras
"' c•,wdos da performance, portanto, as noções sobre a
por meio de suas performances.' Para outros, evidrntemente,
1 111 1 ,.,, o papel e a função da performance variam mujro, Ela
o rermo significa justamente o oposto: o caráter constru ído
1 11 d11 r,·,pciro apenas ii incorporação? Ou questiona os
d as per formances indica sua arrificia lidade - cla é algo "simu-
1 1111. 1•11ntornos do corpo, desafiando noções trad iciona is
lado", nnritético ao "real" e "verdadeiro". Em alguns casos, a
" "' pnrnçiio? Desde os tempos antigos, a performa11ce tetn
ênfase nesse cará ter construído revela um p reconceito a ntire-
op11l.,du, ,m,pli,ido e experi111emado com a incorporação -
atra I; em leituras ma is complexas, o construído é reconhecido
1111 11 1c•xpcrin1cntação não começou com Laurie Anderson.
como vizinho do real. E,ubora uma dança, um ritual ou uina
1'.!Wlll 1, 1figi1ais nos convidarão, mais e nrn is, a reformular,
manifestação exijam uma separação o u um enquad ra1nento
''"!" ,·,·ns:io ele q uesrôes como "presença", lugar (agora
que os diferenciem de Otttras práticas soc iais ,1 sua volta, isso ,,., l1m•, n:jo localizável), efêmero e incorporação . Os
não impLica que a pcrforlllance não seja real ou verdadci ra.
l'l•>ltft'I .im,
Ao co ncrário, .1 ideia de q ue esra desrila uma ve,·dade "mois
, , 111111n do iirnblm dessa compreensão é o debate sobre
ver d a dei r,1" cio que a própria vida vem desde A ristótefcç,
1 ,,l.111i dt•.0·rrn,111t·1win J., pi:rformnncc} l'u rrindo clc 11111a

JH
posição lacan iana, Peggy Phela n delimita a vida da per formance lo, 1n11lação não repetiu uma declaração 'codificada' ou iterá·
ao pre.sente: "( ...) a performance não pode ser salvada,gravada, vrl".' 3 Entretanto, o enquadramento que sustenta o uso, foíco
documentada ou participa r de o utro modo da circulação de por llucler, de performatividade -o processo de socializaçâ~r
representações da representação. (... ) O ser da performance, como ,11cio do qua l as identidades de gênero e de sexo (po r exemplo)
a ontologia da subjetividade proposta ;iqui, roma -se ela mesma -lo pl'Oduzidas mediante práticas rcgu latórias e citacionais - é
por meio do desaparecimcnto." 9 Joseph Roach, por omro lado, n111is d ifícil de identifica r, pois a norma lização tornou-a invisí-
amplia o entcnd imemo ao colod-la ao lado da memória e da 11•1. Enquanto em Austin o performarivo aponta pa ra a língua
história. Assim, ela participa da transferência e da continuidade ,111c age, em Butler o performacivo segue na direção oposta,
do conhecimemo : u,h~u mindo a subjetividade e a agência c u lrural na prática
,l,~cursíva normativa. Nessa t rajetória, o performativo se rorna
As genealogias da pedormancc trazem consigo a ideia de movi- nwnos uma qualidade (ou adjetivo) de "performance" do que do
mentos expressivos con10 reservas mnemônicas, incluindo moviment~ ,11~c11r,o. Embora possa ser tarde dema is pa ra t razer de volta o
padronizados feitos e lembrados poi· corpos, movimentos residuais 11·1 lurmmivo para o reino não discursivo da performance, sugiro
guardados implicirnme,ue em imagens ou pa lavras {ou nos sil~; ,111r se tome empr estada uma a lavra do uso comemporii11eo
:_ntre eles) e movimentos imaginários sonhados em mentes, não ame- ,1, prrformance em espan hol , er ormáticd.- para denotar a
riorme,ue à linguagem, mas como partes cgnstiturivas del a. 10 l, ,, 111n adjetiva do reino não discursivo da performa nce. Por
,,ur ,,,o é impo rtante? Porque é vital sinalizar que os campos
Os debates sobre o caráte r efêmero da performance são, eviden- 1 •r!om,Mico, d igita l e vísua l são separados (apesa r de estarem

temente, profundamente políticos. De quem são as memórias . 111prc enredados enrre si) do campo discursivo, tão pr ivilegiado
1
o tradições e reivindicações à história que desaparecem se faltaà; 1 , ln lngocentrismo ocidental. O fato de não cermos uma palavra
111 inglês p:ira si nati zar esse espaço performático é 11m produto
práticas performáticas o poder de p ermanência para transmitu·
conhecimento virnl? 11q11dc mesmo logocentris mo, e não uma confirmação de que
Pesqu isadores vindos da filosofia e da retórica (como J. "1" h,i M, lá."
L. Austü1, Jacques Derrida e Judith Butler) criaram termos l'ur10 11to, um dos problemas de se usar a perform ance, bem
como performativo e performati11idade. O pedor mativo, para """ 1~cu~ falsos cognatos "per formativo" e "pcrformarividade",

Austin, refer·e-se a casos ern que "a emissão de um enunciado , 111 cio ôm liíto extraordina riamente amplo de com portamentos

[utterance] é também a rea lização de uma ação'·. u Em alguns "' 111111do~ pelo termo, que vão desde uma determinada dança
casos, a reiteração e o processo parentético q ue associei com 11 1 i,,.rformance mediada tecnologicamenre ou o comporta·

a performa nce anteriormente são claros: é dentro da estrutma 111, ,,,., Lll li ural convencional. Contudo, o fato de a performance
convenciona l de uma cer imônia de casamento que a pa lavra 1 , un.11h1unúltiplas ind ica as interconexões profundas entre

"sim" contém peso legal.'! Out ros continuara m a desenvolver J,. ,., \", sistemas de imc lig ib ilidade e as fricções produtivas
a noção de performa dvo de ma neiras diversas. Derrída, por 11, 1, ( nmo os usos d iferc,1tes do termo/conceito- acadêmi ·
exemplo, vai mais além ao enfatizar a importância do aspecto l'"l1w o•, científicos e relnciooados a negócios- raramente
ciraciona l e hcrac.ivo do "evento de fal a", questionando a idcía 1 , 11:ri11 llr modo df 11·10, ,, pt•rformancc tem também uma
de.- qu<: "nm,1 d,·claroção períormativa é bem su.:cd id,i se Ru:1 ltt , ..,,., d,• 1111 r,1tÍ1111h1l11I 11lr/ lr,1111t,11nrr,tc, ,1 própria palavrn

111
ficou trancada dentro das caixas d isciplina res e geográficas que , ,•rt·n_çasY Os que discordavam dessa posição est rutura lisra
ela desafia; também teve negada a un iversa lidade e a transpa-
,L lend iam que a cultura não era a lgo grarnito e reificado, mas
rência que , para a lguns, ela prometeria a seus focos de análise.
um,1 .irena de disputa social em que os atores soc iais se junta-
Ev identemente, esses muitos pontos de incraduzibil id ade são
,1111 parn lutar pela sobrev ivência. A pa rti r da ala comumente
o que torn a o termo e as práticas capacirn<los teorica mente e ,l,•nomi nad a " dra macúrgica", antropólogos como Turner,
reveladores cu ltura lmenre. As perfor ma nces não podem, como
\ 111!011 Singre, fry jng GQffrnan e C! jfford Geert:r. começaram
Turner esperava, nos da r acesso a outra c:u lrura, permitindo
1 r,~rt·v<'r S<Jbre os indivíduos como :igentcs cm seus próprios
vê-Ja em profund idade, mas elas certamente nos dizem muito
,1, ,1m.1,. As no rmas, eles argumentavam, são contestad as, e não
sobre nosso desejo desse acesso e refletem a política de nossas
1p,%1; .1plicadas. A aná Jisc de encenações rornou-se cru cia l
inter pr etações.
,.,, 1•,1:1hdccimcnro de reivind icações de agência cu lrural. ..Qt
Pa rte dessa indefinib ilid ade caracteriza os estudos da
l1111m1nos não se adaptam sim1)lesmente aos sistemas. Eles os
performance como campo de pesquisa . Na época de seu apa re-
t, ,, 11i.11JJ . C:1)1n o reconhecer elementos, ra is como escolha, opção
cimento, nos a nos de 1970, como produto dos leva ntes sociais
1 , J111110111enco adequado e auroapresentação, a não ser por meio
e d isciplinares que, no final da década de 1960, sacud iram á
1i. maneiras como indivíduos e grupos os pel"formarizam?
aca demia, os estudos da performa nce buscavam atenuar as
, 1 moddo d ra ,natúrgico também saliencava os componentes
divisões d isciplinares entre a antropologia e o tea tro, enca-
ld 1cm e lúdicos dos evencos sociais, bem como o caráre r
rando os dramas sociais, a _J imina ridade e a encenação co,no
.,11, rv.tlnr d,1 liminaridade e d a inversão s imból ica.
formas de escapar das noções es r,·ucuralistas de normativ idade .
l',1r1i.:ip,1ndo da corrente linguística, antropólogos como Deli
Os estudos da performan ce - que, corno já indiquei, não têm
11 111r~, 1\ ichard Baturnu, , Charles T:ldggs, Grcgory Batesón e
apenas um signi ficado-cla ramente surgiram dessas d isciplinas,
1,. lll'llc Hosa Ido foram influenciados por pensadores como
mesmo rejeitando suas fronteiras. Ao fazer isso, eles herdaram
J 1 .\mtin , J ohn Searle e Ferdinand de Sanssure, que focali-
a lguns dos press upostos e pontos cegos dos estudos do teatro
, 1111[.1 Í1111ção per formativa da comunicaçã~- a parole, nos
e da a nrropologia , mesmo q ua ndo procuravam t ranscender a
'"'"' ,k· Saussu re.,. Nova rnenre, assim como aconteceu com o
formação ideológica desces. C ontudo, é igualmente impor tante
" 11111111 d r,,mnnírgico, o modelo ling uístico enfatizava a agência
ter· em mente que a antropologia e os esrudos do teano ern m (e
,1J111r.1 I l'lll (undonamento no uso da Língua. Como, nos termos
são} composros de variadas correntes , muiras vezes em conflito.
"I'"''"\ pelo título da obra de Aust in , faziam-se coisas com
Nesre mon1eoro posso apeoas oferecer alguns exemplos rápidos
1/ 11·r,1,? l>n 111<:sm,1 fnnna que o modelo dra matúrgico , o
de como a lgumas dessas preocupações d isc iplinares e limitações , 1111tllU t,unhém enforizava a criatividade em jogo no uso da
merodológicas foram t ransferidas para o pensa mento sobre a
11,. J1,111uc v~ fo lan tes e suas audiências traba lhavam juntos
performance.
, 1 1"111h111r performa nces verbais be11J-suced idas . A corrente
Da anrro pol<Jgia dos anos de 1970, os es tudos d a perfor- '" ,111 ,1 t.1n1béru invr~ti:1 no reconhecimento da criatividade
mance herdaram seu compím ento rad ical com as noções de
111, , 111 1.l i.11,íl de outros povos, maneiras ele usar a linguagem
comporramcnco oomrnti\'O promu lgadas pelo sociólogo Émi lc
1,tlll I ll&f'I I hc)snq, C'J?CcíficAS e '':auçênticas".
Durkhcim, q11e o firmava q ue a çondji;ão..J10.1.:i.nJ...d.as.J.utm11uQs
1ll'lli 11 110 11, pe,qu1~,1dun•1, cln r~rfonnancc ndnc11ram pron-
(I" lllio .i ,11,lL'U. 1,1 rnd iy ltf 1111!) 6 r~çpil.l.1$ml J)OI 1 11mp<1rrn mçn 11/~
ltl 111, " p1r111·111 d,· Jc, 11 ,1 , , "' ,,. l'n~c11,1çúl'• 11,corporad:1~,

1
vistas como uma maneira de entender como as pessoas gerenciam ~lc faz sobre a ubiquidade do conceit o se resscnrem do
suas vidas, absorveram cambém o posicionamento ocidental da , h:isrante est reito que usa pa ra comp reendê-lo: ó dra ma
a ntropo logia, que continuava a Jurar com sua herança colonial. 1111/lico. Segundo Turner, "ninguém poderia deixar de notar:
O "nós" que estuda e escreve sobre "eles'' era, cvidentcmenrc, , dogia, 11a verdade a homologia, entre aquelas sequências
parte de um proj~ro ..:oloni,1lista do qual provinha a antropologia . l'lltos suposrarnente 'espontâneos', que rornam total mente
Contudo, os pesquisadores que trabalhavam na década de 1970 1 irtt, as tensões existentes naq uelas duas aldeias, e a ' forma
buscava m romper o paradigma que forichizava o local, negava , Mini' característ ica do d rama ocidenta l, desde Aristóteles,
agência aos povos que estudavam e os excluía da cirCLt lação do 11cpico e da saga ocidentais, embora em uma escala limitada
conhccimtnru criado sobre eles. Apesar disso, a comunicação, 111 miniatura" . Ninguém deixada de notar, isto é, exceto
na maior parte dos casos, continua1•a a ser unidireciona l. "Eles" Jr, <1 ue participavam dos eventos sem a men or noção desses
não tinham acesso :i "nossa" escrim. Essa prática de escrita de ,. ligmasY Como que para se prevenir de u ma acusação, já
mão única revehw,1 a ambiva lência c011cínua e111 relação à dúvida hld~, de eurocentrismo, Turner completa:
sobre se "eles" ocupavam um mundo diferente - no espaço e no
tempo- e se nós somos inter-relacionados e coevos. A uniditecio- • 1~10 de que um drama social (... ) couesponde de perto à descrição
nalida de da criação de sentido e da c0municação, por um lado, ijrd,;i por Aristóteles na Poética, de que ela é "completa e inteira,
também provinha do privilégio dado, há séculos, ao escr ito em 11111" ~crrn magnintde (... ) possui ,tdo um começo, um meio e um
relação ao conhecimento iHcorporado e, por o utro, o refletia. "lo .tconrecc, repito, porque tenrei de modo inapropriado impor
Além disso, pouco se pensava sobre as muitas maneirns como o rnldo "é1ico" ocidental de ação no palco à candura da sociedade
contato com o "não ocidenta l» havia, dura nte séculos, moldado ,, .1kkia africana, mas porque existe tuna relação interdependente,
,1 própria noção de identidade "ocidental". Alguns amropólogos rlii,létic;i, entre os dramas sociais e os gêneros dç· pecfol'mance
e pesquisadores do teatro estavam profundamente influenciados 11 rn1 rodas as sociedades. {p. 72)
pelo impu lso modem isca de procu rar a expressã o autêntica,
" prim itiva" e, de a lgum modo, 111ais pura da condição humana 11111•11lc, as teorias de Turr1er sobre acontecimemos estruru-
nas sociedades não oc identais. As tentativas feitas na litera tura , orn começo, meio e fim reconhecíveis podem ter menos a
dos anos de 1970 para ilustrar q ue esses "out ros" eram de faro 111 m aconrccimenros "supostamente 'esponcã neos"' do que
compleramence hu manús, com p rá ticas de performance cão 111 lmcc an~lítica. A lente, para ele como para qua lque r um,
sign ificativas qu,rnto as "nossas", t raem a ansiedade produzida 1 ~11~ (nossos) desejos e interesses. Ele pode estar correro
pelo co lonia lismo sobre o status dos sujeitos não ocidentais. , 1r .1 interdependência das performances socia is e culturais
Apesar dos sentimentos descoloniiantes de muitos antropólo- r111r ele uma sociedade específica, mas seri.i im portante
gos da década de 1970, as estruturas de explicação que usava m r, ,11.ir se, e como, essa interdependência poderia atrnvessar
eram decid idamente ocidentais. Voltando a Turner -a inflllência 11111.1~ Além disso, sua posturn ele observador "objccivo",
mais direta sobre os Estudos da Performance devido à associação Ih, ,l,, rrmíl posiçílo ~uperior o "objct0" de aná lise, cria a
produtiva deste antropólogo com Richard Schechner -, fica claro m.1 dl·siguul t• d1,1orç11h1 qHC re•u h·a IH> geçco duplo que
que, emhorn o rnnc,•ito de di:ama social tenh,1 sido fundamenta l 1111 111u r1t1 d,1 , •• 111 1 • .,l,11• pr .11icn, d~· performance cm
p.1r.1 o~ l"udw 1h Performance, as afirr11 ,1,ur, 1111ivers11llsr,1, 11 • d1J 1~11,111t i do ,,., r1 Jl11t rh'ttu, ,-l nhM rvndor c.fodarn
1
reconhecer o que está acontecendo na performance do Outro, ou 111,uavilhosa de se ver", e por onde os espectadores/participantes
sobre o Outro. De algum modo, esse acon tecimento é rcificado e .111davam para alcançar um efeito "natural" .19 Afirmações como
interpretado por meio de um paradigma ocidencal p~eexistcme. ,1 proposta por Kirby no fina l da década de 1960 constituem a
Segundo, o reconheci mento é seguido por uma afro nta: essa <"pírome da obsessão aumconscienre pelo novo, comum naquele
performance se mostra como tun a versão "em rninianua" ou rcríodo, ao mesmo cempo que se esquecia o u se ignorava o que
diminuída do "origina l". 1,1 ~xistia. Esses tipos de afirmação incitaram acusações de que
Dos estudos de teatro - o parceiro "materno", de acordo o ~a mpo nascente dos estudos da performance era a-histórico
com Turner. (p. 9) - os estudos da performance herdam outra 1111 ;iré mesmo anti-histórico.

forma de rad ica lismo: sua propensão à vanguard,1, que valo riza a 1-1:i muitos outros exemp los de esquecimentos se melhan-
l(•s, acompanhados de novas "descoberras" que, novamente ,
\ originalidade, o transgressivo e, nova mente, o "aurêntico". Essa
é uma operação diferente, mas comp lementa r: o não ocidental rr1·11cenam as omissões ele laços entre práticas ocidentais e não
é a matéria-prima a ser retraba lhad,1 e tornada "original" no 11~1<lentais: Arcaud, inspirado pelos Ta raumara; a dependência
Ocidente. Presume-se, evidentemente, que a performance- agora ,Ir llrecht de formas não ocidentais como base para sua estética
entendida como prática insp.irada fortemente nás arrcs visuais 1rvolucionária; o interesse de Grorowski pelos Huichol, para
e em representações tea tra is não convencionais, bappe11i11gs, 11t.1r apenas nos casos mais óbvios. Poucos teóricos e pro fis-
instalações, body arte performance art - é uma p rática estétig_ 1011a!s - com notáveis exceções - pensam com seriedade sobre
5=om ra ízes, por um lado, no su rrea lismo e dadaísmo e, por outro,_ 1 ,ons trução mútua do ocidental/não ocidenral nas Américas.

em tradições perform:íticas ma is antigas como.o caba ré, o jo,p1.9cl 1•,., exigiria dos pesqu isadores não apenas aprender as línguas
vivo e os rituais de cura e possessão. A ênfase da vanguarda na ,111, povos com os qua is procuram interagi r, mas ram bém
originalidade, no efêmero e no novo esconde mú ltiplas cradições 11 ,11.i-los como colegas, ao i.11vés de vê-los como informantes
ricas e antigas de prática performática. Em 1969, por exemp lo, rn1 ohjcros de a nálise. Isso, por sua vez, sign ificaria que esses

Michael Ki rby, mem bro fundador do Depa rtamento de Estudos ,1ovc,s colegas permaneceriam a par de rodos os projetos que
da Performai1ce na KYU, criado logo depois, afin m)u que "o 11111111 réspcito a eles, desde a produção até a distribuição e a

teatro ambiental é um desenvolvimento recente", associado com 11111lisc. Isso também acarretaria u ma mudança metodológica,
a vangua rda, embora ele r.econheça que, desde o teatro grego, 11111.1 reflexão sobre o que deve ser considerado como expertise
existem p1·oduçôes que poderiam receber esse mesmo rótu lo. É 111 ~1111w fonte vá lida. Dema ndaria também o reconhecimento
o "elememo estético específico" que, para Kirby, o d iferencia de l t reciclagem perma nente dos mater ia is e processos c\tlturais
formas anteriores.l8 Contudo, sua ênfase na estética não conse- 11111• o ocidental e o niio ocidenta l. F.sse contato recíproco tem
gue, na verdade, distingu ir os exemplos recentes dos anteriores. 1,lu cm 1,1eral teoriwdo na América Latina como transcult ma-

Frei Motol inía, um dos primeiros 12 franciscanos a alcançar as '" A Lrnnsculturaçào denora o processo transformativo por
Américas no século XVI, descreve 11ma celebração de Corpus 1111 r.1~snm todas as socied,1dcs quando entram em contato co111
Christi em 1538 durante a qual participantes 11ativos de Tlaxcala , 11, 11 ti c11lt11ra l estrangeiro e o ndqu irem, voluntariamente o u

criara m elaboradas p iara formas externas, '·rodas de ouro e 110 (vr r C.1p11ulo 3). A tr,111~1:uluiraçiio acontece desde que o
trabalhos com penas", bem corno 1J1ontan has e florestas intci.l'ns ,111111lr1, 1111111do .lll f!nré11 1, ,I\ ,ii,L11ssões sobre os cruzame ntos
povoaclo5 com nnimais vivos ou artificia is, que eram " uma coisa 1, , 11hu1 ,t, cc>r11111lh\111 i,·11 , • u1111<1 sempre.

J
O nervosismo q ue cerca o não ocidental contitJua a assom- '\111da assim, eles são "estrangeiros" e "Outros", e suas visões
brar grande pa rre da escrita sobre a performance como prática ·, 1•.d mente d iferem rad ica Imente das visões dos interculturalistas
estética. Um exemplo: Parrice Pavis, no sun1:írio introdutó rio da ,•11rn-a111ericanos, sendo menos seguras de si" (p. l47).
seção "Contcxros h istóricos" em The Intercultural Performance F,,a jogada crítica dupla realça tuna área de preocupação/inre-
Reader, apresenca um projeto que soa defensivo e bastante ,, ,,e (o não ocidental) e. ao mesmo cempo, nega-a. Ela distancia
paremalisra: 1 rirocl ução cu ltura l oão ocidental como rndicalmenre ourra e, em
, 1111ida, procura abarcá-la dentro de sistemas críticos existentes
Propomos começar juntando documentos e declarações de imenção, ,,mo sendo elemen tos menores ou disntptivos. A performance,
sem nos perm itirmos ser intimidados pelos hipócritas e fa náticos do 111111, aponta Roach, diz respeito tanto a esquecer quanto a
''pol icicame;ue correto". Em uJnrt ~ltea como esta, pl'ecisamos ser 1, ,nhrar. O Ocidente se esqueceu de muitas partes do mundo
pacientes e calmos. Esta mos ainda na fase de observar e fazer um 111r ,·~..:apam de seu alcance de explicação. TodaYia, lem bra-se
levantamento das práticas culru ra is e nossa única ambiç~o é oferecer l I m·,es5ídade de cin1encar a centralidade de Stta posição como
aos leitores um certo nú mero de declaraçôes, escolhidas dentro de um • 1, 1<lcnrc ao criar e congelar o não ocidental como sem p,·e
âmbito infin itamente possível, sem a imposiç,io de uma reoria g lobal 111 rn, '·estrangeiro" e impossível de conhecer. A dominação
ou universal para analisar esses exemplos em defi nitivo." 1, 1, rnltura, pela "<lefiniç5o", pela pretensão à origina lidade e
1111~111i,id:1de rem funcionado em conjunto com a supremacia
O simples aro de pensar sobre como lidar com prácicas não ..11/1111ica e militar.
ocidentais deixa Pavis r.enso. As declarações de inclusão (o Ap1's.1r de serem a-históricos em pa rte de sua prát ica, nada
"âmbito infinitamenre possível") não mascaram mais a prática 1 dr mcrencemente a-histórico ou ocidental nos escudos da

d,1 exclusão: em seu lívro, não existe um ú1\ico ensaio sobre a , 1,1rni,11ice. Kossas metodologias podem, e devem, ser revisadas
performance latino-americana, por exemplo. Críticos ocidentais ·11•1.u1ttmenre por meio elo encontro com outros inrerlocutores,
assediados devem manter a atitude de paciência e calma, no estilo 111 l'nmn com outras realidades regionais, raciais, po líticas e
"papai sa be o que foz'º. Duas ou crês décadas depois de Turner 1 ,,, 111füc:1s, rnnco dentro de nossas fronteiras nacionais quanto
e Ki rby, muitos pesquisadores perderam as pretensões f,íceis f , 1 dcl.l\, Isso não signi fica estender nossos paradigmas a mais
com relação à decifrabilidade e ao núv(). Pavis emende que os 11 1 111duir outras formas de prod ução culrural. Também não
teóricos "ocidenta is" nos anos de 1990 precisam ren1.1 nciar às ,,, 11111.,1 limitar nosso âmbito de interlocucores àqueles cujas
reiv indicações de uma teoria global ou universalizante, embora 1 , 111n,1, d(• vida e habilidades linguístíc,1s se parecem tom as
sua ênfase na observação e no levantamento, aparentemente , , ,~. O que eswu propondo é um empenho e um d1álogo
desinteressados, reinscreva o domínio da posição cdtica. As m 11,, lllC\ar ele complicados.,\ performance existe desde que
declarações e os documentos "históricos", todos escritos por 1 1,111 J><'i~Ons,cmhora o campo de estudo em sua forma at1.rn l
teóricos incgavelmenre de Pr.imeiro Mundo - Ericka Fische1·- 11 rrl,111v,1mcnte rec.:enre. Os estudos da performance :;urgiram
·Lichte, Richard Schechner e Josette féral - pteparam o cam i- 111 ,ll.11le111ica com 11 m:1 bngagcm hcrdnda e ,•êm cenrando,
nho. Em uma seção separada, "A performance intercu lrura J de 1111111, • H•mpo, supenir muit,1s ve1cs com sucesso - a lgumas
ourro pomo de vista", Pavis incJuj perspectivas "não ocidenta is", 1 hrn ,1.,~uc,. O ,·11rm,•111r1,1110 e o esteticismo de parte dos

embora o bse rve que a maioria daqL1.eles que escrevem "vivem, "'J,, ·ul>rc o lC tuo, 11"' , "1,1pl11, ,nl!ilm oni c:011flíto com
o u cnt:io viveram e trabalharam. nos Estado, Unidos" (p. 147). Ít!r• ,lo IJ11< 1r,11fü1n11111111111, ,1 1111r11J1<Jlo111,1 (1x.1líu· p1,i1i,,1,

IH
não ocidentais como sistemas criadores de senrido. A crença Teatra/idad e espectáculo, assim como teatralid ade e espetá -
de antropó logos como Geerrz de que "fozei- etnografia é como culo, captalll o sentido constru ído e abrangente da performance.
procurar ler( ... ) um manuscrito -estrangeiro, descolorido, cheio As muirns maneiras como a vid a social e o comporramenro
de elipses" e de que a culttu-a é tun "documenro performarizado.:' humano podem ser visros como performance esrão presentes
va i contra os princípios dos esrudos da performa.nçe, que insis- nesses termos, embora com valor específico. A teatralidade, para
rem na participação e reação ativas de rodos. 11 Estamos rodos mim, comporta mn roteiro, uma configuração paradigmárica
presentes nesse q uadro, wmos rodos atores sociais ern nossos q ue coma com 12anjcjpantes suposcamenre ao vivo, estruturados
dra mas sobrepostos, limírrofes, litigiosos. Aré mesmo O distan- ao redor de um enredo esm1emárico, com um fi m prereudido
ciamento de Brechr se apoia na ideia de que os especrndores (a pesru· de adaptáve l), Seria possível dizer q ue roda a escrira
estão fortemente ligados aos aconreciment·os no palco, não por do século XVI sobre o descobrimcnco e a conquista reencena o
1nc10 da idencificaçi.io, mas da participação, e de que eles são que Michel de Cerrea u denom ina a •·cena inaugural: depoi.s de
frequentemente chamados a intervir e mudar o curso da ação. um momento de pasmo, nesse umbral ponti lhado de colunatas
Na América Lat ina, onde o termo não encontra um eq ui va- de árvores, o conquistador escreve1:á o corpo do ou tro e traçará
lente satisfatório no espanhol e no português, e,u geral se refere a li sua própria l1isrória" .2 ' A reatraiidade roma o toteiro vivo e
ii per(orma11ce tomo arre performárica (performance an). irresisrível. Em outras palavras, os roteiros existem como imagi-
Traduzida simplesmenre, mas de modo a mbíguo, para O espa- ná rios específicos culturahnente - conjuntos de possibilidades,
nho l como e/ performance ou la performance, um rravestis 1110 tnanciras de conceber o con.flito, a crise ou a resolução - ativados
linguístico que conv ida os falantes de inglês a pensar na perfor- com maio r ou menor teatralidade. Diíercncemeute do tropa, que
mance de sexo/gênero, a pa lavra está começando a ser usada é uma figu.rn de linguagem, a reat raiidade não se bHseia na língua
~na is ampla ,nente para se referir aos dramas sociais e às práricas para transmitir um padrão estabelecido de comportamento ou
mcorporadas.H É comum se referir atualmente a lo per(ormático de ação. 25 l\o Capítulo 2, sugtro que o "encontro" colonia l é
como o que se relaciona à performa nce em seu senrido mais um roteiro teatral estrutu rado de maneira previsível, como que
amplo. Apesar das críticas de que "performa nce" é um termo uma fórmula, daí ser faci lmenre repetível. A teatralidade, como o
inglês e de que não h á uma maneira de fazer com que se torne teatro, oscenra seu artifício, seu caráter construído. Não importa
confortável de pronunciar em espan hoJ ()li português, pesquisa - quem reencena o encontro colonial da perspectiva do Ocidenre-
dores e profissionais estão começando a apreciar as qualidades o romancista, o dramaturgo o u o funcionário do governo-, no
multivoca is e estrarég icas do termo. Embora a palavra possa ser elénco estão sempre o mesmo proragunista·sujeitomasculino e o
vista co mo estrangeira e inrraduzível, os debates, determ inações e mesmo "objeto" encontrado, de pele escLtra .. A tea tra lidade lma 4-
esrratégias vindos das muitas readições de práticas incorporadas Eela eficácia, Rào 13ela a11 teAticidade. Ela conota tuna dimensão
e de conhecimenco corpóreo estão, nas Américas, profuncl amenre conscien te, concrolada e, portanto, sempre política, que a per for-
enraizados e prontos para a lura. Conrndo, a linguagem que se mance não precisa conter. A tea tralidade difere do espetáculo
refere a esses conhecimentos corpóreos 111ar1tém uma ligaçãti por ressaltar a mecânica do espetáculo. Concordo com Guy
firme C<>m as tradições teatra is. A performance inclui qua lquer Debord, q ué a.firma que o espetáculo não é uma imagem, mas
uma série. de relações sociais mediadas pelas imagens. P()rtanto,
dos seguimes cermos usados para substituí-la (se111 se reduzir a
como a pomo em outro le)(tO, t> espetácu lo "liga os indivíduos :1

1(1
-
eles): _fMtralidad, esp<1ctái:ulo, ~ ' ri:frt'St'lltnci61t.
uma cc~nomia de 'l[l,l r,•11t ili~ t ,I,• ollrnr" 9.llÇJ)Od!...l![lrC~cr m:1is
jnvisivclmcnre normalizadora, isto é, menos " teatral" .26 Ambos t,tl,tdas nas Amé d cas? Oli11, que significa mov imento em
. --·--'-= ·-
os termos, entretanto, são subscanrivos sem verbo; assim, eles 11,w,nlc, parece um cand idato possível. Qlin é o motor por
11ão dei.xam espaço para a agência cult ural ind ividual como 11 ts dc_UJdo que acon tece na yida, o mQy i menro repetido do
fa:i a performance. Perde-se muito, em n1inha opinião, quando rnl. 1hs estrelas, da terril e dos eleuwm . 0/in, que também
a brim os mão do potencia l para a intervenção dirern e ativa ao ,i1111ifica "hule" ou borrncha, era aplicado nas vírimas sac ri-
adotar palavras como teatralidade ou espetáculo cm lugar do l1d,1i~ para facilita r a transição do r eino terrestre para o
termo performance. l1v111n. Além disso, Oli11 é um mês no calendár io mex icano
Palavras como.~ e representación a brem espaço para a . , .tssi 111, permite a especificidade temporal e histó rica . 0/in
ação e intervenção individuais. Acción pode ser definida como 1 u11hém se man ifesta como uma divindade que inrer vém em
um ato, um happe11i11g de va nguarda, uma manifestação ou 1m•,tôes socia is. O termo capra simultaneamente a natureza
intervenção política, como, por exemplo, os protestos em forma 1mii~ ampla e abrangente da performance como processo
de teatro de rua encenados pelo grupo de teatro Yuyachkani, , 11rr.irivo e de ajuda, bem como seu potenc ia l para a espe-
do Peru (ve r Capítulo 7) ou os escraches ou atos de execração 111, i,bde histórica, pa ra a tra nsição e a agência cultural e
pública contra torturadores por H.1.J.O.S., a organização de 1111ltv1dual. Também poderíamos, ta lvez, adotar antito, termo
direitos humanos composta por filhos dos desapareci dos na 111r des ig na música e dança. Areit os, do arnuaque aririn, era
Argenrina (ver Capít ulo 6}. Dessa forma, a. acçión re úne tanto 11 1tln pelos conquistado res para desc rever um ato co letivú

as d imensões estéticas quanto as polícicas da performance. 1111' envo lvia canto, da nça, celebração e culto, que reivindi·
Porém , os mandatos econômicos e socia is que pressiona m .,1 ,1 lcg iri111idade não só estét ica, mas cambém sociopolítica
os indivíduos a performatizar de acordo com certos modos 11•l1giosa. O te rmo me at rai porque embaralha rodas as
normativos desaparecem - a manei ra como performaci zarnos 11,,,oc, ar istotélicas de gêneros, pú bl icos e fins desenvolvidos
nosso gênero, etnicid ade e assim por dianre. O termo acción lt11i11t.1mente. Ele reflete claramente a suposição de que as
pa rece mais dirigido e intenciona l e, portanto, menos imbricado 11 1111festações culturais excedem a cornpartimemalização, seja
social e polirica mente do que performatizar, que evoca tanro I , 1u,r gênero (música-dança) ou por pa rricipantes/atores, seja
a proibição quanto o potencial pa ra a transgressão. Podemos, 1 111 cft•ito pretendido (religioso, soc iopolítico, estético) em
por exemplo, performarizar, ao mesmo tempo, múltiplos papéis 111, se baseia o pensamento culcural ocidenta l. Ele ta mbém
construídos socialmente, mesmo enqua nto nos ocupamos de ,,, ~I i1rn,, nossas ta xonomras, mesmo ao apontar para novas
uma acción antimi li ta r claramente definida. A representação, 1,, .,1h ilidades interpretativ,1s.
mesmo com seu verbo representai; invoca noções de mimese, de \1•11do ass im, por que não? Creio que, nesse caso, substituir
uma quebra entre o '' real" e sua representação, que os termos 1111.1 p.d.ivr,t com uona história recon hecível, embo ra problemá-
performance e pcrformatiza r tornam mais produtivamente , , omo a performance-, por ourra dese nvolvida em um
complicados. Embora esses termos tenham sido propostos, cm ""''~ ro diforenre, para sinaliznr u 111a visão de mundo profun-
vez de performa nce, de som estrangeiro, eles também derivam l 111111111• di ferente, seria apenas urn ato de racionalização dos
de línguas, histórias cu lturais e ideolog ias ocidentais . 1•, , u 1n:i aspiração a esquecer nossa história compartil ha da
Por que, então, não usar um t ermo \•indo de uma das 1 , l 1,11r, de poJ cr e de dominnção cultura l que niio desapa-
líng uas não europe ias, co mo o nauatle, o quéchua, o a im ara ,, 1, 11w,mo que 111111h1~scrno, nossn lír:og1rn .J\...,eerfo rma nce,
ou qua lq uer urna das cente nas de línguaq indígenas ainda 11111111 111111 1('(11 1u1 r n 111 "'"'" ohw10 ou pr.i 1k,t, 6 nova nesse

ll li
Embora surgida nos Estados Unidos, em uma época
.C.ill!.,lpO.
li ARQUIVO EO REPERTÓRIO
de mudança s disciplinares, para fazer frente a áreas de análise
que, a meriormente, excediam as ironreiras acadêmicas (isto é Meu investimento particular nos estudos da performance
" a esrécica da vida cotid iana"), a performance não es tá, come~ l.•11v,1 menos daqui lo qne ela é do que daquilo que ela nos
0 teatro, sob o peso de séculos de at ividade evangélica colonial 1• 1111ire fazer. Ao levar a performance a sério, considerando-a
ou normalizadora . Considero tranqui lizadoras ~.té mesmo sua ,1111 , i,tema de aprendizagem, arrnazenan1enr<J e t ransmissão
próp.r ia indefi nibilidade e complexidade. A performance rraz 1 t <>n hec imenco, os estudos da performance nos permitem
consigo a poss ibilidade de desafio, até mesmo de autodesafio. 1111pli,1 r o que emendemos por "conhecimento". Esse gesto, para
C~m.o termo que conota, simu ltanea mente, um processo, uma 11m·~.1r, pode nos preparar para desafiar a preponderâ ncia da
praxas, uma ep1steme, um modo de transmissão, uma realização 111,1nas epistemologias ocidentais. Como sngiro neste estudo,
e um modo de 1nrervir no mu ndo, a perfor111ance excede em , , 1.rna, paradoxalme1ue, passou a subst ituir a incorporação
m1tiro, as possibilidades dessas outras palavras oferecida~ em , ~.- , oloc,u conrra ela. Quando os frades chegaram ao Novo
seu lugar. Além d isso, o problema da imraduzi bil idade cm 11111,lo nos séculos XV e XVI, eles afirmavam que o passado
1. ·. povos indígenas - e as "v id;1s que viveram" - havia desapa-
m inha opi nião, é na verdade positivo, uma pedra no can~nho
. 1tl11 porque eles não tinham escrita. Agor~, à beira <le uma
~ue nos lembra que "nós" - seja em nôssas várias disciplinas ,
ult1~,io digira! qne ao mesmo tempo util iza a escrita e ameaça
h ng uas ou situações geográ ficas por todas as Am éricas - não
1111 ,1-la, o coJ'po parece, novam ente, esrar suspenso, presces
nos compreendemos uns aos outros de modo simples ou não
problemático. Proponho que se pa r ta desta premissa - a de .Jt ,1p,1reccr no espaço vir tual que foge i, incorporação. A
prt•,\:in incorporada conti nua e, provavelmente, conti nuará a
que não nos compreendemos uns aos outros - e se reconheça
,, 11, 1p.1r da transmissão do con hecimento social, da memória
que cada esforço nessa direção precisa t rabalhar com noções
l I ld1•ntidade pré e pós-cscrica. Sem ignorar as pressões parn
como acesso fácil, decifrabil idade e t ra duzi bilidade. Essa pedra
"111·1,sar a escr ita e a incorporação do ponco <le vista das
no caminho constitu i um encrave n5o apenas para os falanres
11.l 111,:1s epistêm icas ocasionadas pelas tecnologias digira is, vou
de espa 1: hol e portugnês que se deparam com uma pa lavra
· Ullll'llll'Or agu i em a lgumas das impl icações metodológicas
estrangeJra, mas também para falantes de inglês qne pensavam
t, 1, 1,dnrizução da cultura expressiva e incor porada.
sa ber o q ue significa performance.
\11 n111d.1r o foco da cultura escrita para a cukura incorporada,
ili~, ur~ivo parn o performático. precisamos mud ar nossas
",.Joloi,;ia,. ~111 n:z de focaliza r os padrões de expressão cultu-
1 111 r,•rn10~ de textos e narrativas, podemos considerá-los como
, , , " que n:iô reduzem os gestos e as práticas incorporadas i\
, l\,IO narn1civa. Es~a muda nça nccessarian1ente altera o que
h , 111hnus ,1cadêmicas veem como cânones apropriados e pode
t h 11 " lmnwiras d1~ciplinnrcs crndicionais a fim de incluir
1t , 11111,r1ormo11tc f111,1 d,· , 110 Jt1r1 stlição.
li, 1111, • nn dr fll' I lu1111~11u·, <111110 r,r.i,ciç e cpÍ$l'e n,e incor-
2. Desenho de 1\lber10 Dchr~n. Cor1C$ia Pi,lUJ 'fo)'lor,
1111, pm 1•x,·111pl1 ,. ,nn 111111 , 1 111111111 1 sr drfini rem os

11
esmdos latino-americanos, pois ele descentra o papel histórico da , , pílpel da escrita. Seria muito limitador enrender a performance
escrita int roduzido pela Conqu ista. Como observa Á ngel Rama ,., ,,rporada como voltada basicamente para a transmissão desses
cm A cidade letrada, "o lugar exclusivo da escrita. nas sociedades 1 ,1n~ essenciais" (p. 39), escritos em códices ou livros pinraclos.
latino-americanas era tão reverenciado que assumia uma aura , 1, ,miices com unicam muito mais do que fatos. As imagens, tão
de sagrado.( ... ) Documentos escritos oão pareciam sa ir da vida 1 ""'' visualmente, t ransmitem o con hecimento elo movimento
social, mas, sim, ser impostos a ela e forçá-la para dentro de um , ,, 111111.ado e das práticas sociais cotid ianas. Muitos outros tipos
molde que não havia sido de modo a lgum feiro sob mcdida." 21 1 , ,mhccimento que não envolvem nenhum componente escr ito
Embora os astecas, maias e incas praticassem a escrita antes ,111i>c111 eram passados adiante por meio da cultura expressiva
da conqu ista - em forma de pictogramas, hierógl ifos ou sistemas 11111,.,s, rituais, funera is, huehuehtlahtolli ("a palavra antiga",
de nós-, ela nunca substituiu a expressão voca l perfonnatizada. 11 rdnri~ rrnnsn1.itid,1 através da ia la) e exi bições majestosas
A escrita, apesar de altamente valorizada, era originalmente 1111,k-r e riqueza. Os escribas eram treinados em u ma escola
um lembrete para a performance, um auxíli o mnemônico. I" , 1,1ltnda, ou calmecac, que também ensinava dança, recit a·
Informações mais precisas podiam ser armazenadas au·avés da , , nut ,'<lS formas de comunicação esse ncia is para a interação
escrica, o que exigia habilidades especializadas, mas dependia ,~1 J\ educação tinha como foco basicamente essas técnicas
da culrura incorporada para sua transmissão. Como na Europa 1 , . 111 p11 para assegurar a dourrinaçâo e a continuidade.
medjeva l, a escrita era uma forma privilegiada, praticada apenas 11 q111• mudou com a conquista não foi qtie a escrita deslocou
por poucos especia listas. Por meio do in tlilli in tlapalli ("a tinra 1 , 1111;11 incorporada (precisamos apenas nos lembrar de que
vermelha e preta", como os nauas chamavam a sabedoria asso- 1 u,tns trouxeram suas próprias práticas incorporadas), mas

ciada à escrita), os mcsoamerica,ws armazenava.in sua compre- , , 111 clc leg itimação da escr ita em relação a outros sistemas
ensão do movimento planetário, elo tempo e do calendário. Os , 1• 1111cos e mnemônicos. A escrita agora assegurava que o
códices transmitiam narrativas históricas, datas importantes, 1 , , i.nm P maiúsculo, conforme Rama, poderia ser desenvol-
negócios regionais, fe.nômenos cósmicos e outros tipos de conhe- 1 , , ,111posto sem a opi nião da grande ma ioria da população,
cimento. A escrita era censurada, e os escribas indígenas viviam ,11,ll11rn~s e as populações marginais do período colon ial,
com um medo mortal de alguma transgressão. As históri as eram " "•·•~o ~ escrita sistemática. Os colonizadores não apenas
queimadas e reescritas para se a justarem às necess idades de 11,1d1 ,llll os códices anrigos, mas também li miraram o acesso
,nemorização dos que estavam no poder. O espaço da cultura 111 , ,1 u111 wupo muito pequeno de homens conquistados que
escri ta na época, como agora, parecia mais fácil de controlar do 111111111 que promo\'criam os esforços evangélicos. Enquanto
que a cu ltura incorporada. Porém, a escrita dependia muito mais 1111111,1 ,11lore~ se esforçaram por elaborar, ao invés de trnns-
da cultura incorporada para sua transmissão elo que o inverso. '" 11. 111n,1 pr:itica de el ite e um determ inado arranjo de poder
Enrique florescano, um eminente historiador mexicano, observa: uh, nu 1~ê11oro, a importância dada à escrita aconteceu às
"Além dos tlacui/os, especia listas que pintavam os livros, havia 1 ,1•• 1•1.ilicas incorporadas como modos de conhecimento
especia listas que os liam, inrerprera vam, memorizavam e comen - 1 , , ll 1v111dicaçocs. Aqueles que controlavam a escrita -
ravam em dera lhes fre1ire a audiências de não especia listas."l8 11" ". lt 11dr, t·, t'lll ,q;11 ldn, Ob letrnd<>s - ganharam poder
Contudo, a meu ver, a descr ição, fe.ita por Floresca no, desses \ 1•,, n1 ., 1.unlwm 11crmit1u aos ccnrros imperiais
sisremas que se sustentam mutuamente confere ênfase exagerada 1 •I' mh.1 ,. l'ot 1111!,il Hml mlnr ~u,11 popu lnções
c.oloniais de longe. A escrira d iz ,·espeiro à disrihlcia, como nota , 111, 1nciro lugar, o governo. Ao t ransformar os verbetes do
M icbel de Cerreau: "O poder que o expansionismo da escrit a 11 lomi rio em um arranjo sintát ico, poderíamos concluir que
deixa inraro é, em princípio, colonial. Ele é estendido sem ser ,11l1u ival, desde o começo, susccnra o poder. A memória
modificado . Ele é tautológico, imunizado ramo contra qualquer •111111v,d trabalha a distância, acima do tempo e do espaço;
alter idade que possa transformá-lo quanto concra qualquer coisa 111<•,1,gadores podem voltat para reexaminar um manuscrito
q ue ouse res iscir a ele." 29 111tlHo; cartas encontram seus ende.a:eços através do cempo e do
/\ separação entre palavra escrita e falada, o bservada p or 1 1, M; tl iscos de computador às vezes cospem pastas perdidas,
Rama e também presente em Cerreau, aponta apenas pa ra tun 1111 1> uso do software certo. O fato de que a memória arq ui·
aspecto da repressão à prática incorporada indígena como forma 11 ,111,scgtte separar a fonte ele "conhecimento" do conhe-
de conhecimenro. Práticas não verbais -como dança, ritua l e culi- ,fu, - no tempo e/ou espaço - leva a comentár ios, como o
nária, entre outras-, que há muito tempo serviam para preservar 1111 por Cerreau, de que ela é "expansionisra" e "i munizada
um senso de idenridadc e de memória comun itária, não eram ,111r,1 :1 .ilreridade" (p. 216). O que muda ao longo do tempo
consideradas formas válidas de conheci mento . Muitos tipos de , ,·,dor, relevância ou significado do arqu ivo, como os itens
performance, considerados idólarras por autoridades rel igiosas 111 1•lc <:oncém são interpret ados o u mesmo incorporados . Os
e civis, fon11n totalmente proibidos. Asse1·ções manifestadas por "' pnJem conti nuar os mesmos, embora sua histór ia possa
meio da performance - seja a ação de amarrar as vestes para 111d.ir, dependendo do paleontólogo ou antropólogo forense
sign ificar casamenro ou reivindicações de cerra performatizadas 111, '" examin a. Antígona pode ser encenada de ma neiras
- deixaram de concer valor legal. Aqueles que ti11ham dedicado 111h111las, enquanro o cexto imutável assegura um significado
suas vidas a estudar as práticas culturais, como esculpir máscaras 1lvd. lextos esc,·itos penn ice m qLte pesquisadores descubram
ou tocar mlÍsica, não eram considerados "especia listas", t1111a 11li~ncs literárias, fontes e influências. Na medida cm que se
designação reservada aos pesqu isadores formados por meio de 11•11tui de materiais que parecem dura r, o arqu ivo excede
liv.ros. À 11Jedida que a Igreja substiniía suas próprias práticas 111t• nconrece ao vivo. Há vários mitos que acompanham o
perfonnáticas, os neófitos não poderiam mais pretender utilizar 1111vn. Um é que ele não é mediado - que o bjetos hí localiza-
seu conhecimentú o u a tradição para legiti mar sua autoridade. JIOdcm significar algo fora da moldura do próprio ímpeto
A fratu ra, a meu ver, não é entre palavra escrita e falada, mas 1 1111v,1I. O que torna um nbjeto arquiva I é o p rocesso pelo
entre o ttrquivo de materiais s upostameore d uradouros (isto é, 11 d 1• ~clcdonado para a nálise. O ucro mito é q ue o arq uivo
textos, documentos, edifícios, ossos) e o repertório, visto como 1•1, ,1 mudança, à corruptibilidade e à manipulação política.
efêmero, de prát icas/conhecimentos incorporados (isto é, língua 1 11 ind ividuai~ - livros, amostras de D:-JA, documentos de
fa lada, dança, esportes, ritual). 1111d.id~ co111 fotos - podem aparecer misceriosamente no
A memória "arquivai" ex iste na forma de documentos, , 1111v11, ou então dc,.1parecer dele.
mapas, textos lirerários, cartas, resros arqueo lógicos, ossos, 1 1 , , 1w1 tório, por o utro lado, encena a memória incorporada
vídeos, fi lmes, CDs, todos esses irens supostamente rcsist<:n- , 1, u 1111111-t•s, K<'Stns, oro Iidade, n,ov irnento, dança, canto -, em
ces à m uda oça. t\rquivo vem do grego e etimolog icamente se , 11, 1111ln• ,llJlldc, ,,tu~ ~1·rnlmc11rc vistos como conhecimento
refere a "um edifício público", a ·'um lugar cm que se g ua rdam 11 1"· 11,10 ••'I'" 11 l1111v1 1 fl , upt•r 1ório, ,'tirnólogicamenre "11ma
regiS1ros"!º Vindo de arkbé, si~11ific:1 r;1111hém um começo, nr.111.1, 11111 111" 111.1, ,,. , 1mlx ,n l'"fl 1111,, ., a),lcn"a ind ivid11a 1,

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referindo-se também a "aquele que encontra, descobridor" .31 O 1 ,,m frequentemente aca be por subs,ituir a performance como
repertório req uer presença - pessoas participam da produção , , , tJtsa em si (o vídeo é parte do arqnil•o; o que representa
e reprodução do couhecimenro ao "estar Já", sendo parre da 1 li' do repertório). A memória incorporada está "ao vivo"
rra11smissão. Em oposição aos objeros no ,1rquivo, suposrameme rtlc a cap;icidade do arquivo de captá-la. P.orén1, isso não
estáveis, as ações do reperrório não permanecem as mesmas. O ,1h,J que a performance- corno comporramenro r it ual izado,
repertório ao mesmo tempo guarda e transforma as coreografias 111,tl11auo o u reiterativo - desaparece.34 As performances
de senrido. Os entusiastas cios esportes afirma m que o futebol ,,J. J111 replicam a s i mesmas por meio ele suas próprias
não teve mudanças nos últimos IOO anos, apesa i, de que fãs "11111r.1S e cód igos. Tsso significa que o repenório, como
e jogadores de países diferentes se apropriaram do evento de "q111vo, r mediado. O processo de seleção, memorização
diversas maneiras. Danças m uda m ao longo do tempo, mesmo 11111•rna lização e, finalmente, de transmissão acontece 11<>
que gerações de dançarino, (ou mesmo dançarinos individuais) , 1111 de sistemas específicos de reapresentação (e, por sua
jurem que elas permaneceram sempre iguais . Porém, mes mo .u,~oli;i a constiruí-los). Formas múltiplas de aros incorpo-
q ue a iJ1corporação se modifique, o significado pode mttito bem 1.. 1·~1~0 sempre prcse mes, em bora em estado constante <le
permanecer o mesmo. or1d.1dc''. E les se reconstituem - transm itindo memórias,
O repertório, então, perm ite ta mbém que pesq uisadores ,,.d," r va lmes co muns de um g rnpo/geração para outro.
investig uem t radições e influ ências . .\,1u iros ripos de perfo r- 11<1• inco,.porados e performatizados geram, gravam e
mances cêm viajado pelas Américas, deixando stia marca à " 1111tem conhecimento.
medida que se movimentam. O pesqu isador Richard F lores, , 1.,.,q11ivo e o repertório têm sempre sido fomes impona nces
por exemplo, mapeia corno as fJastorelas, peças de pastores, , 11111 m.1,;âo, sendo que cada un1 excede as limitações do outro
passaram da Espanha até o cenrro do México, ao noroeste , ll'd.1dcs le[radas e semi letradas. Além disso, eles, cm geral,
deste país e, então, ao sudeste do atual ter ritório estadunidense. 1lh,1m em conjunto. 111iimeras prát icas nas sociedades mais
As diferentes versões permit iram que ele distinguisse várias J 1~ req uerem tanto a d imensão arquivai quanro a incorpo-
rotas.n Max Harris pesquisou a prática de uma bata lha simu- 11\ 1;,1sa111enros precisam tanto da declaração per formati va

lada específica , moros y cristianos, desde a Espanha ames da 1111 " 1111a nto do contrato assinado . A legalidade de urna
conquist,1 acé o Méxi co do século X \II, vindo acé o presente. 33 O 1,1 111rídica depende da combinação do julgamento ao vivo
reperrório permite o aparecimento de perspectivas alternativas 11 m lto do re).\istrado. A performance de uma reivi ndica-

dos processos h istóri.:os t ransnacion ai s de cont ato e sugere um . ,,11, 1b11i par:i ~ua legalidade. Temos apenas de pensar em
remapeamento das A rnér icas, dessa vez seguindo tracl ições ele 1 ,,111111 Lr,1var1do a bandeira espanhola no "Novo Mw1do",
prát ica incorporada. 1 1 •-i,,11 Armsrrong fincando a baodei,·a esradunide.nse na
Certamente é verdade que instâncias individua is de perfor- 1 l 111111,raais do :irqui vo dão forma à prática incorporada de
mances desapa recem do reperrór io. Tsso acontece, cm menor , ov, 1~ <11n11eira$, mas nunca ditam totalmente a incorpora-
gra u, no arquivo. A questão do deso.parec,menco em relação ao l 11. M,,rttn · Bsrbcro, o teórico co lo mbiano que t rabalha
arqui vo e ao repertório difere em tipo e em grau . A performance 111,J.,~ 1111 mídia, ilu~tra os usos que os espectadores fazem
"ao vivo" nunca pode ser captada o u transmitida por meio do , J\li 1 ,1, 11,.,~.., como, ror c.x emplo, n telenovela.-'5 O que
arquivo. Um ddeo de uma performa nce não é mnn performoncc, t 11 10 r tJII C,u nml1 m, •1mph·~mente impõem estru niras
de desejo e de comporcamcmo apropriadas. As ma neiras como ,, o• tl ifcrenres de públicos e comunidades. Sua diferenciação cai
as popu lações desenvolvem modos de assisti,; conviver, recontar ot m Je uma temporalidade antes e depois, uma fenda entre
ou reciclar os materiais levam em consideração um âmbito amplo 1 .11~ado (tradicional, aurênrico, agora perdido) e o presente
de respostas. As mediações, ele afirma, e não as "míd ias", ofere- 11,•r.1lizado como cultura moderna, global e de massa).
cem a chave para se compreender os comportamentos sociais. \ 1<'klção entre o arquivo e o repertório, a meu ver, certamente
Essas resposrns e comportamentos, por sua vez, são tomados e 11.111 ,equend al, como imagina Nora (para este, o primei.o
apropriados pelas mídias de massa de maneira dialógica, e não ,·nderia à pree minência depois do desapa reci 111ento do
de maneira unidireciona l. , 1111110)." Não se trata, rampouco, de verdadeiro versus falso,
Embora o arquivo e o repertór io exisram em consta nte 11.td<J versus não mediado, primordial versus moderno. Não se
estado de interação, a tendência tem sido banir o repertório "1, 111nda, de um conjunto claramente binário - com o escrito
para o passado. Jacques Le Goff, por exem plo, escreve sobre a , ttquiva l consti tuindo o poder hegemônico e o reper tório
"menlória étnica":"(... ) o domínio principa l em que a memória 1r,~mlo o desafio a nri-hegeJ11ônico. A performance pertence
coletiva dos povos sem escrita se cristaliza é aquele que oferece '"" ,111, forces quanto aos fracos; ela subscreve as "estratégias"
uma fundação a pa rentemente histórica para a existência de • ,•rn~au, bem como suas "táticas", o "banquete" de Bakhtin,
grupos émicos ou fam ílias, isto é, mitos de orígem.''1' Ele sugere, 1111, 111110 seu "carnaval". Os modos de armazenar e transmiti,·
então, que a escdca proporcio11a consciência histórica, enquanto 1!11·~1111cnto são mui tos, e as performances incorporadas cêm
-.p a oral idade oferece consciência mítica. A disti nção estabelecida 11w111crncntc contribuído para a man utenção de uma ordem
por Pierre Nora entre os /ieux e os mi/ieux de mémoire cria , il u·1~rcssiva. Precisamos apenas olhar para o amplo espec-
um conjutlto binário em que os milieux (que se parecem muito ,lr pr:íricas políticas nas Américas, exercidas sobr.e corpos
co111 o reper tório) pertencem ao passado e os lieux são algo do ,,, 11tn\, desde os sacrifícios llllmanos anteriores à conquista
presente. Parn Nora, os milieux de mémoire, que ele chama de , q11dmas nas fogueiras ordenadas pela Inquisição, ou até
"ambiente real da memória" (p. 284), encenam o conhecimento J.,, 1111111c111·os ele afro-americanos ou os atos contemporâneos
incorporn do: "(... ) gescos e há bitos, em habilidades passadas , 11111r,1 e os desaparecimentos, patrocinados pelo Estado.
adiante por tradições não dicas, no autoconhecimento inerente l'"'('isnmos polarizar a relação cnrrc esses tipos diiei:entes
do corpo, em reflexos não estudados e em memórias anaiga- ,,1hn:imcnto parn reconhecer que, frequentemente, eles
das."17 A diferença entre o meu pensamento e o dele, contudo, lllONt raclci :mragônicns na luta pela sobrevivência ou
é que para Nora os milieux de mémoire constirnem o local 111,H m c11 ltural.
p ri,nordial, não mediado e espontâneo da ''memória verdadeira", 1,·11 ~m·~ hbroricamcmc desenvolvidas tmtre o arq Ltivu e o
enquanto os lie11x de mémoire - a memória arquivai - é sua ,, 11111 (Cll ltinu:im II se mostrar nas discussões sobre a cultura
antítese moderna, ficcional e a ltamente mediada. Um ''rastro ", 1111111,ln'' e o ''patrimônio imaterial". Este não é o lugar cerro
a "mediação" e a ''distância", ele argumenta, separaram o ato °'
, 1,1 11 debate~ em dcrn lhcs, mas gosrnria ao menos de
do significado, levando-nos do reino da verdadeira memória ao , 11 111111m,1\ d11~ quest·ões que dizem respeito a meu tópico.
da história (p. 285). Esse paradigm a opõe história e memória 11111 11•111 ,1p,irl•( ,do (,tdn vc.: mai, leis para protege r a
como polos opostos ele um cónju nro birnírio. Nora niio diforencin , ,1 ,d, .,,r.•I,, 111111 ,. .trl l,11ca, çnmcçou-se a pensar em
enrre formas de rransmissão (i ncorporndns m, .lrqllivais), ou cnirc I" 11lq\<1 ,1 11111p1 1nl.1dr "1111.11~r1,il". Coll1o pn>tcgcr

n
performances, comportamentos e expressões que constituem o 1, ,..,r.e momento, "Tesouros Humanos Vivos", protege os
1 msu idores de habilidades CL1!turais tradicionai s", Para mim,
repertório? A ünesco está agora lutando _para descobrir modos
de prqmover o trabalho "de salvaguardar, proteger e revitalizar 11 evoca visões do objero humanoide fetichiz,1do, sonhado
espaços cu ltura is ou formas de expressão cu ltural proclamadas 1 ••r (;uillcrmo Gómez-Pciia para um d io ra ma vivo em uma
como 'obras-p rimas do patrimõnio oral e imaterial da humani- ,111.li,u;ão. Essas soluções pa,ecem destinadas a reproduzir os
dade'". Essas salvaguardas prntegeriam "as formas tradicionais e •11bh·mas de o bjetificar, isolar e exotizar o não ocidenta l a
populares de expressão cul tural''; como exemplo, a orga ni zação I"' dcs dizem se dedica r. Sem entender o funcionamento do
cita a a rre de conta r histórias oralmente. 3 • l'l'rtorio, as maneiras como se produz e se transmice conhe-
Considerando que os materiais no repertório participam da 111w111'<> por rneio da ação incorporada, será difícil saber como
produção e transmissão de conhecirnenco, concordo que eles 1 ,•11vnlver reiv indicações legais parn a propriedade. Porém,

iustificam a proteção. Conrudo, não está claro que a Unesco "diíere do argumento da " preservação" que, a meu ver, mal
tenh,1 sido capaz de conceber o melhor modo de proteger esse , qudc uma p rofunda nosta lgia colon ial.
''patrimônio imateria l". Embora reconheça que "os métodos de \ 1cusão en tre o que denomino arquivo e repertório tern sido
preservação aplicáveis ao patrimônio físico não são apropriados , 1111cntcmentc construída como exisrentc entre a língua escrira
parn l> patrimônio imaterial'', essas d iferenças apenas podem ser 1 li1l.1da, O arquivo inclu i textos escr itos, mas não se lim ito

imaginadas na linguagem e nas estratégias associadas ;10 arquivo. lt•,, O repertór io contém performances verbais - canções,
O rermo obms-/1rimas aponta nãó só para objetos, mas para ,,,,,cs, discursos-, bem como práticas não verba is. A divisão
todo um sisrema de valorização que A rtaud havia desca rtado ,,,• r,crito/ora l, em um nível, capta a diferença entre arquivo/
como antiquado no início do século XX. O patrimônio, ligado , , 1c'1ri,> que ~-enho desenvolvendo neste estudo, oa med ida em
eti mo logicamente a h~rança, ressaira, novamente, a propriedade , rn, n,cios de transmissão d iferem, como acontece também
material passada para herdeiros . A humanidade poderia bem ser 11 .1~ t'xigências de armazenamento e disseminação. O rcpertó-

considerada canto como o produtor quanto como o consum idor ••111 ern termos de expreS5âO verba l ou niio verbal, t ransmite
desses bens culmrais, mas sua abstração prejudica o sent ido de 1rn;orporndas reais. Assim, as Lradições são ar mazenadas
agência culcural. Além disso, o objetivo da ü nesco parece ser . 11rp11, por meio de vários métodos mnemônicos, e são
proteger cercos tipos de performances - basicamente aquelas 11 111iucl;1, "ao vivo" no aqui e agora, para uma audiência

produzidas pelos setores '' tradicionais" e "populares". Essa d 1 urmas legadas, vindas do passado, são vive nciadas como
atitude repete a etnografia de salvamento da primeira metade ntc,, Fmbor,1 isso possa descrever bem a mecânica da língua
do sécu lo XX, sugeri ndo que essas formas desapareceriam sem 11.l 1, 111111hém serve para descrever nm recita l de dança ou
a intervenção e preservação oficiais. Parte do projeto da Uncsco 1, ,11v,1l rcli11:roso. Ê apenas porque a cul1ura ocidcotal csrá
envolve transportar materiais do reperr.ório para o arquivo .. 1, ,nm 11 pa lavra, escrita o u falada, qL1e a língua rejv indica
(''gravar sua forma em fita"). Contudo, a U nesco está també111 J , ,,h•r cp1stêmico e explanatório.

buscando consciememente proteger a transm issão incorporada \ , 1Jt1,l\,l0 c~crita = o,crn6ria/conhccimenro é centra l para

(·'facilitar sua sobrevivência auxiliando as pessoas interessadas 11 1o m11lu14ü1 n~1dc1H.il. "A 111N1lfor.i do memória corno uma
e assiscindo na transmissão p;1ro as gerações futuras"), Porém, 1 ,l,, ,, ç ali,\ e 1,ln ,11111i,t,1 t' t,io pcrsistcnre em wdas as
como isso será ren lizndo? O ú11icu rmip.rn,nn dc,cnvolvido ir,,
,tr •J 111111111• ,, "" 11 l\lin l 11r11ilw1,, "q11c dcvc,a meu
ver, ser considerada como o modelo dominante O l l 'arquétipo 1>1•rnda, em "Freud e a cena da escrita", refe,·e-se à "metáfora
cognitivo'".''' Esse modelo continua a causar o desaparecimento , rira que assombra o discurso etuopeu" sem, entretanto,
do conhecimento incorporado que anu ncia com rama frequên- rwolvcr a ideia na direção de um repertório de conheci-
cia. Durante o sécu lo XVI, como observa Cerce,11.1, a escrita e 1110 incorporado." Mesmo quando sugere á reas para fucu-
a imprensa levavam em conta "uma reprodução indefinida dos pc~qu isas, ele ind ica a necessidade de uma "história da
mesmos produtos" como "oposta à fala, que nem viaja muito , 11 ,1" (p. 214) sem o bservar que a h istória pode desaparecer
longe, nem preserva muita coisa (...) o significante não pode ser r1111111c1iro mesmo em que é trazida à luz. Quando afirma
sepamdo do corpo individual 011 coletivo".•• (Um parêntese: a ',t 1·scrita é impensável sem rcptessão", a repressão que me
limitação que Cerreau atribu i aqu i ã fala - o sign ificante não pode 111 t ll'mbra nça é aquela h istória de repúdio colonial por meio
ser separado do corpo individual ou colerivo-também contribui, , ,j,., 11rnenração que remonta ao século XVT nas Amér icas.
evidentemente, parn o poder político, afetivo e mnemônico do , t I k rrida, essas repressões são "os apagamentos, espaços
repertório, como afirmo neste estudo.) , hr,111co e d isfarces" (p. 226) da escrita e dentro da própr ia
O rexm de Freud, "Uma nora sobre o bloco mágico", evita ,11,1- .:om certeza t1 m aro de escrira que encena sua própria
o corpo humano situado historicamente em suas teorizações 111,,1 de rasura e forclusão.
sobre a memória . Usando a analogia do "bloco mágico", que 1 I domínio da linguagem e da escri ta acabou por significar o
admite ser imperfeita, Freud busca aproximar "a capacidade ,111111 sif(11i(icado. Devemos nos lem brar de que práricas reais e
receptiva ilimi tada e uma retenção de traços permanentes" que 111 H>r.1das, não baseadas em códigos linguísticos ou litcnírios,
ele vê como propriedades fundamentais do "aparato perceptual ,., podem reivindicar sentido. Como dii, Banhes, "considera-se
da mentc":'2 Um computador moderno, evidentemente, cons· n 1111digível seja adverso à experiência vivida".+' Isso sugere
ritu i uma analogia melhor, embora ele também não consiga ll.tr1 hes discordava de que se situasse a inteligibilidade como
gerar memórias e sctt corpo exterior - uma concha translúcida , 111, l1t:.1 à experiência vivida, mas, em otmos ensaios, afim1a
num modelo Macinrosh recente - sirva apenas para proteger e , 1mlo que tem significado se torna " uma espécie de escritau :'5
ressaltar o maravilhoso apaJ:ato interno. Nem o bloco mágico l' 11 te do que a perfor mance e os escudos da performance nos
nem o computador· levam em conta o cor po. Da mesma forma, 11111c111 fazer, enriio, é leva r a séri.o o repertório de p,ráticas
a analogia de Fr.eud se limita ao mecan ismo excerno da escri rn ,, r,or.,das como um importante sistema de conhecer e de
e ao puro aparato psíquico sem corpo que "tem uma capacidade "' 11111ir conhecimento. O repertório, num nível muito prático,
receptiv,1 ilim itada para novas percepções e, contudo, deposita 1 111dc o a rquivo tradicional usado pelos deparramenros
nelas traços de memória permanentes - embora não inalteráveis" 1,h•1111cc>s nas huma nidades. Nos Estados Unidos, por
(p. 228). A psique só pode ser imaginada como uma superfície ,111110, deparra,ncntos de Espanhol e Português enfatizam
onde se escreve, e o t raço permanente, como o ato da escrita. A ll11pt.1 e a literatura , embora a literatura seja claramente seu
escrita, ao invés de reforçar a memória ou oferecer uma analo- I,"
,, ! instituições larino-america nas, os departamentos de
gia, coma-se a própria memória: "Preciso apenas ter em menre 11 ; , •1uc incluem literatura e escudos culturais, pertencem
o lugar em que essa 'memóri:i' foi deposirada e en tão posso 1 ,, 11l,L1dc, de Pilosofin e Letras. Alguns desses departamen-
'reproduzi-la' a q ualquer momento que queira, com a cerTeza " ~l111rt1H' foc,1llz,1m ns lirortHlintS círnis, o que, ao menos
de que rcrá ficado inalrerada" (p. 227). ,,,,,, liu,·, p111,·,·c ,omb11w 1 111,11<•riois do repertório e do
arquivo. Contudo, o próprio termo literatura oral nos diz qtte ,1r1;1 t' cada teoria representa na esfera pública. Por causa de
o oral já foi transformado em literatura, que o repertório foi li ,,1r,íter inrerdisciplinar, os estudos da performance podem
transferido para o arqu ivo. O oral foi "consriruído historica- 11,11 ar discipl inas que haviam sido anteriormente mantidas
mente como uma categoria (... ) até mesmo fabrkado como tal" 1 1r,1d;1s .:m contato direto wnas com as outras e com seu
sob as forças do nacionalismo, afirma Barbara Kirsben blarr- 111, ><to histórico, intelectua l e sociopolítico. Esse treinamento
- Gimblett.46 O arquivo, 110 caso da literatura oral, é anterior ,li.,os alunos a desenvolverem seus paradigmas teóricos ao
e constitu i os fenômenos que ele parece documentar. Todavia, , 11 1•<1rrido canto da prática textual quanto da incorporada."

muitos desses deparramencos, na verdade, combinam o Funcio- tt'e<•bçin treinamento em várias metodologias: trabalho de
na mento do arqui vo e do reperrório de maneiras prodmivas, •tipo c!llo!(ráfico, técnicas de enrrevista , análise de movimentos,
embora talvez não do modo como esses pesquisadores poderiam 111l11j,1i,1s digitais, som, análise textual e escrita performaciva,
esperar. Departamentos que realmente leva m a sério o ens ino da 1, O\l(l'ilS.
l íngua, por exemplo, têm alguma experiência em pensar sobre a 1 ,. ,·,tudos da perfonnance oferecem, então, mn modo de
prática soci,l l incorporada e reiterada. Os alunos aprendem uma 11 1r n cânone e as metodologias críticas. Isso porque,
segunda língua imaginando-se em um ambiente social d iferente, 1111 que pesquisadmes nos Estados Unidos e na América
encenando roteiros em que a língua adquirida assume senrido, 11, ,,·~on heçam a necessidade de se Libertar do domínio do
im itand o, repeti ndo e ensaia ndo não apenas palavras, mas , 01110 o objeto de análise privil.egiado, ou mesmo único
rambém atitudes culrnrnis. Teorizar essas prãricas não apenas , .H ferramentas teóricas continuam assombradas pelo
como estratégias pedagógicas, mas como a t ransmissão de um 11 lllcrurio. Alguns pesquisadores se voltam para os esrndos
comportamento cultural incorporado, romaria possível para os " 11, 1• 11iin se limitam ma is ao exame dos textos, mas seu
pesquisadores am pliar sua visão para uma nova maneira crítica 11111 nro cm close reading e aná lise de textos pode fazer com
de pensar sobre o repertório. As lentes dos estudos da perfor· 11111isformem tudo que veem em texro ou narrativa - seja
rnancc enriqueceriam essas discipl inas, constitu indo uma ponte , , 11, t1111a campanha eleiwral ou o carnaval. A tendência
não apenas entre as tradições literárias e orais, mas também 11.!1"' cu lrurnis de tratar rodos os fenômenos como textos
ent re a prática culru ,:al incorpornda verbal e não verbal. , 1r,~l· campo dos estudos da performance. Ao expandir
De modo seme.l hame, os estudos da per formance desafiam 11111111i11, 11[,• 111,Heriais a serem examinados, os estudos cultura is
a comparrjmenca lização disciplinar elas artes - a dança sendo 1,, .1111 Lodo o poder exp licativo com os [errados, ao
designada a um departamento, a música a ourro, a performance ,, 111rn ,Jlll' omitem 011trns formas de u-ansmissâo. Dwight
dramárica a ainda outro - como se essas formas da produção ,, ""ti kv., esse pon to adiante em u ,11 ensaio recente: "Só
a rtística tivessem algo a ver com essas divisões. Essa compar- , ". ,1, d11s~c média poderiam presumir alegremente que
timentalização também reforça a noção de que as artes são 1 ,,,.111 e 11111 t exto porque textos e leittua são centrais
separáveis cios construtos sociais dos quais participam - seja 11 11111ndu e para sun segura nça profissiona l." 48
pela primeira ou pela enésima ve,,. As performances, mesmo 111>11 111nm npcsor de csrnrmos arrasados-prestar
aq uelas com pretensões puramente esréticas, movimentam-se , ",., 11111111 M h o que resu ltaria disso cm termos
em todos os tipos de circuitos, incluindo os espaços e as econo- 1, •\ ,1111·,r.10 n.11> e N1mpkm1cme mudar 11osso
mias naciona is e tra nsnacionais. Cada performance encena 11 ma ,1 ll" 11vn ', 1111111 11hw111 d, ,1111il1~r. O u clv,cnvolver

Ili
estratégias variadas para coletar informações, tais como fazer c111plo, podemos ser encorajados a não notar o deslocamenro
pesquisa etnográfica, entrevistas e anotações de campo. Ou ,ll'~aparecimento de povos nativos, a exploração baseada em
mesmo alccrar nossas hierarqu ias de legitimação que estruturam th•rios de gênero, o impacto ambiema l, e assim por diante.
nossa prática acadêmica trad icional (corno o aprendizado em r <.:ega mento parcial constitui o que chamei onceriorrnente
fivros, fontes e documentos escrítos). Precisamos repensar nosso pcrcepticídio ''. sa
método de a11álise. e) roteiro inclui aspecros bem teorizados na aná lise !iterá-
Vou focalizar aqu i um exemplo. Ao invés de privi legiar. ' , 0 1110 narrativa e enredo, mas exige também q ue se presre
textos e narrativas, poderíamos também ver os roteiros como H\•'º aos mi/ie11x e comporramenros corporais como gestos,
p,iradigmas para a construção de sentidos que estruturam os uutlc e rom, que não se reduzem à linguagem. Si111ulra11eamente
ambien tes sociais, comportamentos e consequênc ias poten- r/,1gem e ação, os roceiros moldam e ativam os dramas
ciais. Os roteiros de descoberta, por exemplo, têm reaparecido 111,. A montagem exibe a extensão de possibi lidades; todos
tonscantcmente ao longo dos últimos 500 anos nas A méricas. li•1nc:11tos estão lá: encontro, confli to, resolução e desenlace,
Por que conci nuam tão atraentes? O que justifica seu poder 1 ~1·mp lo. Certamente, os próprios elementos são produtos
explicativo e afe tivo? Como eles podem se.r parodiados e ,tr11run1s econômicas, políticas e sociais que, por sua vez,
subvertidos? O roteiro - "um sumário ou esboço de uma peça, 1, 1H a reproduzir. Todos os roteiros têm significado localizado,
gue dá informaç.ões sobre as cenas, situações ecc." -, como a 1 ,11 ,1 muitos tentem se passar como válidos universalmente. As
performa nce, nunca significa pela primeira vez.'19 Da mesma \ ,• m componamentos que surgem dessa monragem podem
forma que o discurso mítico de Barthes, o roteiro coosiste de 111rv""'cis - uma consequência aparenrementc narnral dos
"materia I que já foi trabalhado ames" {lvlythologies, p. 110). 11pmtos, valores, objetivos, relaçôes de poder, aud iência
Seu arcabouço portátil carrega o peso de repetições cumu la- ,11111d.1 e as grades epistêmicas estabelecidas pela própria
tivas. O roteiro torna visível, ma is urna vez, o que já está lá 11 111,·111. .vias eles são, em última instância, flexíveis e abertos
- os fantasmas, as imagens, os estereótipos. O descobridor, o ,, l.111~.,. Os atores sociais podem receber papéis considerados
conqu istador e o "selvagem", a princesa nativa, por exemplo, , . ., ~ i11flcx ívcis por alguns. Emreranro, a fricção irreconci·
podem ser personagens básicos em muitos roceiros ocidema is. 1 111 rc• os atores sociais e os papéis permtte o aparecimento
Algumas vei,es eles são registrados como scripts, mas o roteiro , "" 111- disrnnciamento crítico e de agência cu lmr.il. O
precede o scripr e abre a possibilidade de mu itos "finais". As , ,t.1 t:unq uista, ree ncenado em numerosos atos de posse,
vezes, pode-se realmente em preender aventuras para viver a , ,i111 cm pcçns, rituais e baralhas simu ladas por todas as
fantasia glo riosa da posse. Queros podem assistir regulannentc 1 . podr ,cr su bvertido a partir de seu interior, o querem
na televisão a programas do tipo Survivor ou 1/ha da fantasia. "'" rn111 frc11uência. Os exemplos variam desde bata lhas
O roteiro estrutura nossa compreensão. Ele também assom bra l d11 ,<',·11Jn XV I até "Dois ameríndios não descobertos",
nosso presente, consrituindo uma forma de especcrologia (ver 111111 1wrhwrm1ncc dc:nrro de uma jaula, por Guillermo
CapítuJo 5), que ressuscita e reativa velhos dramas . Já vi mos 1 11 1, l ·,,._·,1 Fu~cu. Cnmn a 11:irrativa, do modo como
rudo isso antes. O arcabouço permite oc.lusões; ao posicionar r~ rnr V. 11111pp L·111 1?21l, os rorciros se limitam a um
nossa perspectiva, ele p.romove cenas visões enquanro ajudn n f11111r1 ,1,. ,,11 i.1v" ,, ~,1111 ~11,1, pr6prin~ clas~ificilçõcs,
fazer outras desaparecerem. No roteiro de Ilha d11 fantasia, por li"'·"· '"' Ili l 1 "' 1 011 lj{PIII ,. ,l•\111\ por di,llllC. '
1

nu
Aqui, vou simplesmente indicar algumas das maneiras como o 11111,los de comportamento apropriado, o rorei,·o nos perm ire
uso do roteiro como paradigma para se entender as estrutmas 11 c·nmpletamente mante r em vista ao rnesmo tempo o ator
e os comporramencos sociais pode nos permitir valer-nos tanto 1111· seu papel. reconhecendo, assim, as áreas de resistência e
do repercório quanro do arquivo. , ln. /\s fricções entre o "enredo" e o personagem (no nível da
Primeiro, para relcm bnu, recontar ou reativar um rotei ro, , , 1l1v.1J e a incorporação (atores socia is) fazem surgi r a lguns
precisamos invocar o local físico (cm inglês, a "cena " como , "l"lllplos mais noráveis de paródia e .resistência nas cradições
ambiente físico, o u se ja, um palco ou lugar; em espa nhol, J' 1formance das Américas.
escenario, um fa lso cognato que signjfica pa lco). Cena denota l111tlt•rnos analisar, por exemplo, as batalhas simuladas enrre
intencionalidade em termos artísticos ou de outras ma neiras (a 111 pç e cristãos e.acenadas no lvléx ico no século XVI. A

cena do crime) e sinaliza estratégias conscientes de exibição. A .11,,1o, como ind ica o nome, veio da Espa nha, um tcansplame
palavra sugere apropriadamente tanto o palco materia l quanto 11 1t111 d<1 reconquisca da Espanha depois da expulsão dos

o ambiente altame11ce codificado que dá aos es pecradores infor- 111<>' e judeus em 1492. No 1v1éxico, essas bata lhas previsi-

(llações pertinentes - por exemplo, sobre a classe ou o período 111111111: terminavam com a derrota dos índios-como-mouros
histórico . Os móveis, o vestuário, os sons e o estilo contribuem ,11 11111 barismo em massa. No nível da esrrutura narrativa
para a compreensão, por parte do espectador, do que se imagina pul,iriza g rupos em termos defin(veis de nós/eles, remos de
acontecer ali. Os dois, a cena e o roteiro, se colocam em relação u1tl.11· com os comentaristas que veem nessas performan·
metonímica: o lugar nos permite pensar sobre as possibilidades 1 h11111ilhação reiterada das populações narivas. 54 Quanto

da ação.52 Porém, a ação também define o lugar. Se, como sugere '" 1d,1 mensu rável , podemos concluir que esses roteiros
Ccrtcau, ''o espaço é um espaço praticado", en tão não exjstc 111 ,ilta mence bem-sucedidos da perspectiva dos espa nhóis,
a.lgo como um lugar, poís nen hum lugar cst,i livre da história e 1111lt1 ;1 conversão de milhares de pessoas. A performance
da prá tica social. 53 , 1'tlr,1da, entretanto, permite-nos reconhecer ra mbém outras
SegundQ, nos roteiros, os espectadores precisam lidar com t1Mk~. Isso porque codos os "atores" das bara lhas simuladas
a corporalidade dos atores sociais. Por.tanto, além das funções ,11111.Jigenas- a lguns vestidos como espan.hóis, outros como
que esses a tores pcrfonnarizam, t5o bem catalogadas por Propp ·~ 1\0 invés de cimentar a d iferença cultural e racia l, como
em relação às estruturas nacrativas, o roteiro exige que enfrente- 111lrn1 o enredo e a caracterização, a ence nação pode ter
mos a construção social dos corpos em contextos particulares . 1 • ver com o masca ramento cultural e com o reposiciona-

Propp enfatiza a importância cios detalhes visuais ao descrever '" r\l rnlég ico. Os performers não eram nem mouros nem
os atr ibutos dos personagens: "Por atr ibutos queremos d izer a 1 ,,,. , e ~llflS encenações permitiam que eles se fantasiassem e
r.ota !idade das qualidades externas dos personagens: sua idade, masscm suas próprias versões da oposição nós/eles. Em
sexo, starns, aparência ex:tema, pecu liar idades de aparência , 1n11•rprernção partiq ilarmeme engraçada, o p.ersonagem do
e assim por d ia nte" (p. 87). Porém, os roteiros, por definição, 111,I 1du rei muçulmano transformou-se, surpreendentemente,
introdnzem a distância crítica produtiva entre ator social e 1 1 ,1111,1gem do conqu istador Cortés. A derrota obrigató-
personage m. Q uer isso seja uma questão de .r epresentação 1 , 1n1111rt,, na ve.r$ào que consrava d,1 scripr, mascarava a
mimética (um ator assumindo um papel) ou uma questão de 1 , ,h" c~p,inhóis fora do script, na performaace. Nessa

performatividade, isro é, atores socia is assumindo padrões 11,., 1n111l,1dn, o~ tnnqu,.r,idus c•nt'eunvnm seu desejo por sua

,. l
própria reconqu ist.i do lv1éxico, como afirmou /\fax Ba rris. O 11,1 do s~culo, como es forços para mitigar a violência dos
espaço de ambiguidade e de mano bra não está, entretanto, na •i"IO' envolvidos.58 A conquista, ma is como termo do que
"tra nscrição escond ida" (hidden transcriptj - termo desenvol- 11111 projeto, estava fora de moda . Assim, corno acontece com
vido pelo antropólogo Ja mes Scorr para I11arcar uma est:ratégia 111,..,10 de habit11s, formu lada por Bourdieu - "um tipo parti-
criada por grupos subordinados e "qt1e representa uma crítica IM de Jmbienre (p. ex., as cond ições materiais de existência
ao poder, dica pelas costas dos dominantes".·" As transcrições, , "tt·rísticas de tuna condição de classe) produz o habit11s,
norma lmente entend id as como cópias ou documentos escritos, , ,na, de disposições duráveis e tra 1,sporráveis" - os rotei-
transferem o conhecimento arquivai no imerior de uma econo- .lo "d isposições durá veis e transportáveis" .'9 Em o utras
mia de interação específica. Essa baralha simulada torna cla ro l 1v1 ,", os rot eiros são passados adiante e permanecem como
que é a nat ureza incor porada do repertório que coniere a esses 1 nhgmas noravelmente coerentes de a ti rudes e valores aparen-
atores sociais a oportunidade de rearra njar os personagens de 11 '*' imutáve is . Entretanto, eles constantemente se adaptam

maneiras pa ródicas e subversivas. A paródia acontece d iante ,111d rçües reinantes . Diferentemente do habitus, que pode se
dos próprios espanhóis, um dos quais ficou tão sur preso por r , 11 ,l ~struturas sociais amplas como classe, os roteiros se
essa exibição in acreditável que escreveu u111a carta deta lhada 11111 ,1 repertó rios mais específicos ele imagi1rnções culturais.
para outro frade.s~ , )11,11 to, a transmissão de um roteiro reflete os sistemas multi-
Terceiro, os roteiros, ao.condensar tanto a montagem (Juanto ' 1d11, cm foncionarnenro no próprio roteiro: ao passá-lo
a ação/compo rtamentos, são es trurnr as que seguem certas 11111•, podcrnos nos inspirar em modelos variados que vêm
fórmulas e que predispõem pa ra certos resultados, mas deixam 11 , 111 rvn e/ou do repertório - a escrita, a narração oral, a
margem para inversã o, paród ia e mudança . O arca bouço é 11111;5o, a mím ica, o gest o, a dança . A mulriplicidade de
basicamente fixo e, po r isso, repet ível e transferíve l. Os rote iros 11 , tlr 1rnnsmissão lembra-nos dos múltiplos sistemas em
podem conscienrernence fazer referências uns aos outros pelo
1111111iio é redurível ao oucro; eles têm diferentes estruturas
modo tomo concebem a situação e citam palavras e gesros. Eles
111 1v,1s e performátic,1s. Um griro, ou um gesto brechtiano,
podem frequcmemente parecer estereotip,id os, com sinrações e
11 lo cnco11rra1· uma descr ição ve rbal adeq uada, poi s essas
personagens como que congelados dentro deles . O roteiro da
nr~ niio são redutíveis ou posteriores à língua. O desafio
conquista tem sido encenado repetidas vezes-desde a entrada de
1, ,ttiu, ir" tuna çxprcssão incorporada em uma expressão
Cortés em Tenochridán até o encontro entre Pizarro e Ataualpa,
, 1, .1 ou vicc-vcrs,1, mas 1·econ hecer os pontos forres e as
ou a declaração de posse do Novo !\,léxico por Oiiate." Cada
1 ,1 de L,ula sist.:n1a.
repetição acrescenta a lgo ao seu poder afetivo e expl ica tivo a té
,1111111, u roteiro força-nos a nos situ~r em relação '1 ele;
o resultado parecer uma conclusão previamenre determinada.
1 1111di,;111tcs, l',~'Ctadores ou testemunhas, precisamos
Cada novo conquistador pode esperar que os nativos ca iam
l 1 . ,ur1w p11r1r cio ato de transferência. Portanto, o
a seus pés simplesmente devido à força do rotei ro reativado.
11111•1 d,,, Nto 11po d<' distanciamento. Mesmo os escritores
Contudo, com o rempo e as novas circunstâncias, o paradigma
podes~ tornar obsoleto e ser subsriruido por ou rro. Os r<)teiros
,,. ",, q11r ~·· 111'(,H r,1111 a fomasins de que podem observar
11~ , p,1rt11 .J ,I\ n1.tr)lrn~, $ão p~rrc do rmeir<>, embora
de conquista, no início do sécu lo XVI, como observa J ill l.,a ne,
foram r.ernode lados como roteiros de couvcr~:io por volta ,lu o 1 11 "'I'" , 1, ·, htt,1111 ,,.. r,, <lcsc:revcr,,.,

~I
Sexto, um ro~eiro não é necessariamente, ou mesmo pr imo r- 1111r~t.1das; as várias rcajetórias e influênc ias que podem
dialmente, mimético. Embora o paradigma pcqnita a continui- ",, ,•r cm um, mas não em outro. Os roteiros, como outras
dade de mitos e suposições cu lturais, ele geral mente funciona '"••de transm issão, permitem aos comcmadores hiscoricizar
por mei o da reaciv~ção, e não da duplicação . Os roteiros 1" 1~ específicas. Em resumo, como discuto nos capít ulos
invocam situações passadas, algumas vezes tão profunda mente , ri;u~m, a noção de roceiro nos permire reconhecer ma is
.internalizadas por uma sociedade q ue ninguém se lembra do ,111li11,11nente as m aneiras como o arquivo e o repertório
q ue aconteceu antes. O rotei ro da "fromeira" nos Esrados , 111n,1m para constituir e tra nsmitir conhecimento. O roteiro
Unidos, por exemplo, organiza eventos tão d iversos quanto as 1 n ~ espectadores dentro de sua moldura, enredando-nos

propagandas de cigarros ou a caçada a Osama Bin Laden. Em 111 ,•1i,a e política.


lugM de ser uma cópia, o roteiro constitui algo que acontece 1 11.ir1c seg11ince, apresento um exemplo ampliado do que
repetid as vezes. 1 11,, ~,·r uma busca de biscorização da performa nce. Embm a
Pensa r sobre um roteiro, ao invés de sobre uma narrariva, 1 , ,~ ,npítulos desre estudo ana lisem performances contem-
contudo, não resolve algumas das questões increntes à represen- 111, 1~ nas Américas, ao longo do livro eu proponho que alguns

tação em qualquer forma. Os problemas éticos de se reproduzir 1, h,1tcs com que lido podem, na verdade, ser rastreados aré
a violência, seja na escrita, seja no comportamento incorporado, 11111 X VI. Os roteiros mudam e se adaptam, mas parecem
perseguem pesqu isadores e artistas, leito res e es pectadores. , li r mbora.
Saidiya V. Harrman, em Scenes of Subjection: Terror, Slavery, and
Self-making in Ni11eteenth-Century America [Cenas de sujeição: 1 IIIRICIZANDO A PERFORMANCE
terror, escravidão e a construção de si na América do século XIXl
A fim de oferecer um relato verdadei ro e confiável da
afirma: "Apenas ma is obscena do q ue a bruralidade à so lta no <Jrigem dessas nações indígenas, uma origem tão duvidosa
pelourinho é a exigência de que esse sofrimento se mater ia lize~ e obscu ra, precisaríamos da revelação ou da assistência
se evidencie pela exibição do co rpo torwrndo ou pelas recitaçôeN div ina para revelar essa origem para nós e ajudar-nos a
sem fim do medonho e d() cerrível." 61 Concordo com H art.man compreendê-la. Contudo, falta ndo a revelação, podemos
apenas especular e conjerurnr sobre esses princípios,
q ue "são dignos de interesse os modos como somús obrigado,
b.,sc,indo-nos na evidência oferecida por esses povos,
a participar de ca is cenas" (p. 3) - como testemunhas, espectn cu1os modos e conduta estr,rn hos e ações inferiores são
dores ou voyeurs; contudo, o roteiro, como postulo no Capítulo tiio parecidos com os dos hebreus que eu não cometeria
2, coloca o espectador fisicamente dentro da moldura e podt urn gr::L11dc erro se afirmasse que C$tC é um faro, consi-
fo rçar o aparecimento da questão ética: não podemos csq uettr dernndn seu modo de vlda, su.:1s cerimônias, seus riros e
de que o significante não pode ser separado do corpo i11divid11,1I , upcrs tiçõcs, tão semelhantes e caratrerísticos daqueles
dos judeu•; d~ nenhuma maneira des parecem ser dife-
ou coletivo. Qual o nosso papel " lá"? renres, As Sagradas Escriruras dão testemunho disso e
Ao refleti r sobre os roceiros, bem como sobre as narr~rív,1 dclo~ podemo~ rerirnr prnmfi e rn,õcs para confirm;ir
expandimos nossa capacidade de anal isar com rij(Or quesu, qu~ f,1,1 opiuiao é verd:idcira.
como o "ao vivo" e o "que segue um scrip1 "; as pníticas di: d1 1 r,,v / l/l•JlfJ /Jur,111, [ht / ltsl<llj' Q( thc /nd,es o( Ne111
ção que caracterizam aml>os: como 1~ t rml1~,w~ ~,iO l:OU.111 11111,1 S/1,1111 {/ /J1tnr1,1rl,11111d1as da Nrwa Espanha/

H,
O momento inaugural do colonialismo nas Américas introduz
hu, .t:vcsse,~, con!iecido a escrita anteriormente, as vidas que
dois 01ovimc11tos discursivos que contribuem para desvalorizar a
IIHram nao. reriam desaparecido de nossa visra até agora."•?
performance nati,·a, mesmo enquanto os colonizadores estavam
' 1111t·~1e -ª~,"vidas que eles viveram" desapareceram, rornando-
profundamen te em penhados em seu própdo projeco perfor- 1u,t·111.:1a quando apenas a escrita funciona como e,·idência
marivo de criar uma "norn" Espanha a parrir de uma imagem 1111v.1I, como prova da presença.
(idealizada) da "antiga": ('I) ,1 reicição das tradições de perfor- l'ml,·mos afirmar. de modo anacronístico que os estudos
m:mce indígenas como episrcme; e (2) a rejeição do "conteúdo" pr,Jo iance arricu ar se inicialmenre nas Américas
(crença religiosa) corno sendo objetos maus o u idolatri:1. Esses '" ('t·,rudos da ausência", f 1.endo desaparecer as próprias
discursos simulraneamcnre ,e contradizem e se sustentam um ao 11 s"c~.que p1oca,a1a1lÍcxplicar. A sentença inicial de
outro. O primeiro postula que as performances, como fenômenos ",111 t·111 1he 1-íistory of the lndies of New St1ain (escrita na
efêmeros, n:io escritos, não pc,dem servir para criar ou transmitir ,111d,1 n1:tadc do século XVI) insiste que nós precisaríamos
conhecimento. Portamo, todos os traço• de po,·os sem "escrita" 11·v~laçao ou da assistência divina" para "oferecer um rei t
desapareceram. Apenas o revelação divina, de acordo com DurÁn,
1111 (' , ao
• t'tro e ~on rnvd da origem dessas nações indígenas"!l
pode a judar observadores, como ele próprio, a relatar o passado, 1 1111r _<lo seculo XVf, os pesquisadores rêm se queixado da
ao fazê-lo ajustar-se a relatos prccxisren res {como os relaros 11 >de tomes vál idas. Embora essas dech raçõ~s nªo te h
1 • ' · , ·• n am
bíblicos) . O segundo d iscurso admite que a performance, na ' •!Ul'monadas, os frades do mício da colonização deixam
,·crdadc, transmite conhecimento, mas, como esse conhecimento 11 li .is ,upos1ções/preconceims em relaç,io ao que consideram
é idólatra e opaco, a própria per formance precisa ser controlada HIii fomes. Durán enfarizal'a o valor dos texcos escritos para
Oll eliminada. Eu diria que os remanescentes desses dois discu11>os i lif1tJcrn arquiva i.' lamentando que ''alguns frndes anteriores
conrinuam a filtrar nosso entendimento das práticas de perfor- ,11.111, queimado li vros a ntigos, que assim se perderam. Além
mance contemporâneas nas 1\mér icas, mas minha ênfase será na · '•
0
' 111 ª~ 5 velhos, que poderiam escrever es~es livros, não
urilizaç,io inicial desses dois discursos no século XVI. Embota eu ltt lll~IS nl'OS p,Ha conrar a históritl do estabelecimento de
procure delinear os dois discursos scpMadamenrc, da maneira , «>loma ~este país e seriam eles que eu teria consultado
como nos foram legados, eles são, certamente, inseparáveis e ' i 111111ha croruca."(p. 20) Esse conhec imento, ele supõe, deve
funcionam em conj unro. .,,m.1111c~w ser perdido com a destru içno da escrita. Por
Parre do projeto colonizador por todas as Américas consistia '
1111
r., "· :ªº
1
ele aão consultaria os hecdeirns dessa "memória
em desacreditar os modos aurócrones de preservar e comunicar , 1 1 le_i1ao ri~ha outra escolha, conclui, a niio ser confiar
· 11 propno discernimento.
o entcndimcnro histórico. Como resultado, a própria existência/
presenç,1 dessas populações tem sido questionada. Códices, ou l •r~dv .Hll'c•s ela Co nqu isr:i, como o bservei, a escrita e a perfor-
livros pintados, astecas e ma ias foram destruídos como ()bjcws " • incorporad,1 rêm frequenrcmente funcionado juntas para
11l111r ,1, cam:,das de mcmórins hi~tó ricns que constitue111
maus e idólatras. Porém, os conquistadore~ também procu-
•11111111d,1tlc. A Figurn 2 ilusrra a produç.io colabor,1tiva de
raram destruir os sistemas mcorporados de memória, não s6
eliminondo•os, mas rambém os desacredirando . O M,11111scrtto
li,' 1111~11111 hdt'rod.1 pelo Frei l\ernardino de Sahagún, que
' 1 t l< ll ,l\,II>, •1 i·sçnro e o diá logo de um l.1do para
111
H11arochirí, cscriro cm quéchua ao final do sécu lo XIX pelo frei
o < > tr 1,lr 1r,ul1.1 Jo,<' d, h m1.1 dr\nrvt•u co1110 O\ jo,·en:
F1•anci\co d,· Aviln, d,í o tom: "Sem a11n·~rr.11, do povo chumndn
h, 1111 rr,·m.11111•111 11 '"'"' "Ir 11 1.~,~, or,u,:

8
Dever-se-ia saber que os mexicanos tinham como peculiaridade o • 1,·111.is<e sustentam e produzem um ao outro; nenhum
interesse de ql•e os jovens aprendessem de cor os ditados e composições • 1 lnra o u é antitético à lógica do outro.

e, par;a isto, tinham escolas, como colégios ou seminários, onde os \ mies, escribas locais rêm também mantido registros
mais velhos ensinavam aos jovens estas e muitas outras coisas que, 1 ,11 quéchua e espanhol desde o século XVI. Mesmo
por t radição, eles conservam por inteiro como se tivessem escrita ,. 1n formações históricas e genealógicas foram, e

entre eles. 64 '"' 111 . , ~cr, performatizadas e transm itidas por meio de
<I 111,cmória" performarizadas, nos termos usados pelo
Danças/canções (areitos e cantares) fu ncionavam como um modo 1 ,l,1110 T homas Abercrornbie para se referir às invocações
de conta r a história e de comunicar as glórias passadas: • 1,l,as dos nomes dos ancestrais e de lugares sagrados, feita
""'"' inebri ados, quando relembra m e recit am os eventos
, "'"' , 1 eles. Por meio dessas tri lhas, eles rêm acesso a hisró-
Os cantares se reforjam a coisas e eventos memoráveis que aconre·
" , " '',1 i,, boatos e relatos de testemunhas oculares. (Como
cera m no tempo passado e presente; e eles era m cantados nos arei'.tos
111,\J;cm de pessoas alfabetizadas nos Andes na verdade
e danças públicas e neles também [se] contava m os louvores com que
'""' tk·sdc o século XVI, a necessidade de reconhecer a
engrandeciam seus reis e as pessoas que mereciam lembrança; por isso
•ttl 1,lo rnltural po.r meio do con hecimento incorporado
tomavam muito cuidado para que o verso e a linguagem fossem muito
, .1 ,nda mais premenre.)" 7
polidos e elevados."
.,h11r,, '1 relação cntte o arquivo e o repertório não esteja,
1 1111 iç:io, cm sit uação de antagonismo ou de oposição,
O poera in dígena do sécu lo XVl , Pernando Alvarado
1 1unentos escritos rêm anunc i,1do repetidamcnrc o
Tezozómoc, compôs um poema para ser recitado, descrevendo
1 11•'<'imento das pníticas de performance envolv idas na
a memó ria como sendo baseada ramo na oralidade quanto na 1111 ~:,o mnemônica. A escrita tem serv ido como est ra-
escrita (picrogramas): 1· 11 " se repudiar e excluir a própria incorporação que
• 1 Je,,n;ve r. Frei Ávila 11ão estava soziJiho ao amu1ciar
N unca será perd ido, nunca esquecido
, 11111,1111cnte o fim de práticas e povos que não conseguia
o que eles conseguiram fazer,
11tnprccndcr nem controlar. Novamente, e111 forma de
o que eles conseguira m registrar cm s,tas pinturas:
111 ,r~. é importante realçar que o repúdio das práticas que
seu reno111e, sua história, sua memória.
•11Jn cxam i nadas não pode se limirnr :\ documentação
(...)
nós sempre teremos Í$SO em nlra estima ... 1 ~, ( :0 1110 Barbara Kirshenblatt-Gimblett deixa claro
1 1111<1tio11 Cu/Jure, exposições, aldeias modelo e outras
nós, que carregamos seu sangue e !>Ua cor,
contaremos isso, passaremos adfa.nte.t;f. 11 iil' l'Xihição "ao vivo" frequellCemente fazem o mesmo:
11~1 1~ cu lrnrns que afirmam rorna r visíveis. 0
O ato de contar é rào importante quanto o de escrever; o fazer l JUr ,·~t.aria cm risco politicamente ao se co nsidera r o
é tão cemral quanto o registrar a memória passada por meio de 1 11nc·1110 lncQrporndo <.' íl performance como efêmeros,
col'pos e de práticas mnemônicas. Os cam inhos da me mó ria e os ,,11,1 .,qutlu qut> dtsapnrcc<'? ne quem são :is memórias que

registros d ocumcnra dos po dem rerer o q 11c o o urro « esq ucc•..Au " , ,p 11,, rm'' .,. ,tpl%1~ o ,1111111, 11111·nto de arquivo é valorizado

li 71
e visto como permanente? Deveríamos simplesmente ampliár do s~t 11111 X VI, 13ernardino Sahagún, em seu prólogo ao Livro
nossa noção de arquivo para acomodar as práticas mnemôni- Ido (:,.,/,, 1• fl11rc11tino, o idólatra cu ltua a imagem construída,
cas e gestuais e o conhecimento especializado transmitido "ao esque(r11dn -e de que Deus, e não os huntanos, é "o Criador''.
vivo"? Ou ir além das fronteiras do a rquivo? Retomo a pergunta "Infoli;,c ,1q11des, os mortos amaldiçoados que adoravam como
de Rebecca Schncider em "Archive Performance Remains" [A deuses r111,llhn c m pedra, ema lhes em madeira, representações,
performance de arquivo permanece]: "Se considerarmos a perfor- imagen,, Loi,,1, fe itas de ouro e cobre." 'º As "coisas feitas",
mance como um processo de desaparecimento( ... ) estaríamos nos represéut,1\11,·s e imagens, eram todas consi deradas folsas,
limitando a um enrendimento da performànce predeterminado engaMdni ,1H, , Ir pioráveis, efêmetas e perigosas. O "fato" de
por estarmos cultura !mente habituados à lógica do arquivo?" que os povos indígenas havia m sido "enganados" custou-lhes
(p. 100). Pelo contrário: como tenho buscado estabelecer aqui, a hu111a11iduJc : "O povo aqui na ter ra que não conhece Deus
há uma vantagem em se pensar sobre um repertório performa· não é cont:idn .:omo humano " (p. 55). Ao despedaçar um ídolo,
rizado por meio de práticas (como dança, ceacro, canção, ritua l, Sahagún crin ,na própria represemaçâo falsa: a imagem dos
testemunho, práticas de cura, trilhas da memória, e de muitas povos nativo,q <:cHn(> '~vãos», ''sem valor~>, ''cegos'\ "confusos.
outras formas de comportamentos repetíveis) como algo que não (...) Todos os ~e11s atos, suas vidas, eram viscosos, imundos" (p.
pode ser abrigado ou comido no arquivo. 59-60). Latour, reconhecendo totalmente o caráter construído
Vou examinar agora o segundo d iscurso, que admite que a do fcr.iche, defende o carácer construído do próprio fato também:
performance gera e transm ite conhecimento, mas reje ita esse "O iconoclasrn (... ) aaedir.a, ingenuamcme, que os fatos mesmos
conhecimento como idólatra ou indecifrável. A acusação contra que ele estava usando para despedaçar o ídolo eram eles próprios
a natureza efêmera, construída e visual da performance, tem produzidos sem a a juda de qua lquer agência bumana" (p. 69).
se associado ao discurso sobre a idolatria. Como Bruno Latour É importa nte notar que o argu mento de Sahagún escá
adverte ern seu ensaio ''Towards an Anrhropology of the lcono- ~entrado em bina rismos criados entre o visível e o invisível, entre
clast ic Gcstore" (Por uma Antropologia do gesto iconoclasta), o conhecimcnco incorporado e o de arquivo, entre os idólatras
que adoram o que pode ser visto e aqueles que sabem que o
grande parte de nossa perspicácia crítica depende ele uma distinção Deus verdadeiro é aquele ''que não é visto".7 1 Sahagún pede
clara entre o qLLe é real e o que é constrníclo, o que está lá fora, na .,os nativos para abartdonar a imagem e aceicar "a palavra(... )
.,qui escrita" (p. 55). A palavra condensa o poder do sagrado
natureza das coisas, e o que está lá, na reprçscntação que fazemos delas.
(' do político, pois é a palavra de Deus, "enviada a vocês pelo
Algo se perdel> para sempre, contudo, em favor dessa clareza, e pagou-
·se um preço alto por essa dicotomia entre, por um lado, as questões !lei da Espanha", bem como pelo Papa, "o Santo Padre, que
mora em Roma" (p. 55). Os narivos, ele a lega, apenas conhe -
ontológicas e, por outro, as questões epis,emológicas.••
cem seus deuses por meio de suas manifestações físicas (o sol,
,. e o~ ep1sremol'. .1 lu a, a chuva, o fogo, as estrelas, e assim por dia m e), mas não
eomo essa fratura entre o onrologtco og1co
recoo heccm o criador (invisível) por crás dessas manifestações.
como) se relaciona com o iconoclasmo? Por meio a dcs eg1rimi-
Clnrnmcnte, os méxicas e ourros grupos nativos conquistados
zação do construído como fetiche ou [dolo, o iconoclasta araco-0
11áo c11do'>:>,1v,un i\ rlivi\.10 enl're verdadeiro/fa lso, visível/ invisível.
com o "martelo da verdade", isto é, Deus, que niio foi feito ou
Hc, 11.lu ,1<1111111o1111 11111h11111,1 di~t111<;:lô <Jnrológicn entre criação
construído, sendo o único cn paz de c:rinr, Como c.xplic:n uni frncJ,,

71
7l
hLJmana e não humana (isto é, ritual/''nacureza"). Ao invés disso, 1 , . 1h1lita ao deus apresentar aspectos de si mesmo".76 Em
para os méxicas a criação humana participava do d inamismo da 1 1111lavras, o ixiptlatl coincidia mais de perto com a ideia
ordem cósmica. A narureza era ritualizada assim como o ritual 1 , de 1rn11substanciaçâo do que com uma imagem ou ídolo.

era nacuralizado. As montanhas e os templos compartilhavam • 1,v.1ção da hóstia, embora feita pelo homem, é o corpo
a mesma fu nção cósmica de med ia,· entre o cielo de arriba (o 11-10, e não uma representação ou metáfora . Embora seja
céu de cima) e o cie/o de aba;o (o céu de baixo). Esse cooceito l,1,•10, os católicos a veem como imbu ída da essência divina,
rem pouco a ver com as teorias da representação, mimese ou • indo a integração da substância espiritual e física. Não é
isomorfismo que subscrevem a separação entre o "original" e , 11 d1z<:r que a profunda ansiedade dos católicos para garan-

o quê se afasta ligeiramente. As performances - rituais, ceri- ,,11ndoxia no entend imento da relação espiritual/físico em
mônias, sacrifícios - não eram "apenas" representações, mas 1 1, 11111.1 prática (especia lmente na era do Concílio de Trento)
(entre outras coisas) apresentações para os deuses como formas dlt111u para sua rejeição do ixipt{atl méxica como "objetos
de débito-pagamento. Elas consticuíam não só o é, mas também (kh1los).
o como se. Essas performances eram cercamenre também 1 n.uurcza remporária do ixipt/at/ não deveria, como os
políticas - elas cimentavam e cornavam visível a ordem socia l, 111hrn, iriam sugerir, conotar a natureza efêmera e passível
remapeando o universo conhecido, tendo Tenochtidán como o 1. . 1p.1r~timento dos fenômenos. O constante processo de
ombligo ou centro. , r desfazer indica o papel ativo dos seres humanos na
A palavra nauatl~ ixi(Jtlatl, ~m geral traduzida corno imagen, 1111 ,i,:11n da qua.l idade regenerativa do u.niverso, da vida, da
aponta para o cquívo~o básico. Jmagen pertence à mesma família '11111.111cc - rodos em estado constante de ''renovação". De
etimológica que jmitar.72) vfas ixiptlcitl não significa imitar, mas 1,, lnve,·so, podemos notar brevemenre que a clependênchi
seu oposto, o enr"endi111;,1to elo "ser espiritua l e do ser físico como Ivo da participação ritual rambém sugece que os méxicas
completamence inregrados". 73 lxiptlatl constitu i uma categor ia nrm grupos esravam presos na armadilha de um sistema
muito flexível que inclui deuses, representantes dos deuses, perso· 1, ,político definido e mantido por meio. da crise induzida
nificadores de deuses, sacerdotes, vítimas sacrificiais vestidas , 11,ncnte, seja a repetição do fim do mundo a cada 52 anos na
como deuses, mendigos que usam as peles esfoladas de cativos, h11r1n1n do Fogo Novo, seja em relação a outros cataclismos
figuras de madeira e de massa de sementes vegetais.74 Um dos ,11.tl\ .:01110 a seca ou terremotos. Esse fazer/desfazer reflete o
vários requisitos do ixi(Jtlatl era que fosse feito, construído, sendo 11tn ~ o terror associados ao desaparecimento: os primeiros
"temporário, prepa rado para a ocasião, feito e desfeico durante •li n "fü l1aviam todos rido um fim catastrófico. A co nfiança
o desenrolar da ação". '·1 Sua qual idade de algo construído 111t1 na performance constituía as te ntativas, por parte dos
tornava possível sua qua lidade sagrada, ao invés de prejud icá· ".1,, d;: evitar o fim, ao coreografar constanremente as várias
-la, pois o fazer sign ificava aceitação geral da participação. Ao 1 1,1,c\, correspondências e intervenções (divinas e humanas)
1

invés de ser um fetiche, em que facere (fazer) passa a significar 1111nunhn111 o universo em movimento.
feitiço (bruxaria, artiticia lidacle, ídolos), oca rácer construído do 1 ,ntN<.'sSa nrc notar que Sahagún entrevistou os "anciãos mais
ixipt/atl abre espaço para a comunic,1ção, a ~\resença e a troca, 1 '" 1.1111c~ " dos aldeias durante anos; rambém tra balhou com
Delegado, representante ou enuiado são traduções mais pre~-isas 1 1.J.J1Nt,1N ' 1c111 todas 11s coisas que diziam respeito;) corte, ao
de ixipllatl, pois captam melhor o significndo <ln pnlavra: "aquilo •• nu, ,10 il()Vcrno e nw,mo .1 ,~lnl.1trio ".n lma~ina-se que ele

71 !
teria enrendido as múltiplas funções e signi ficados do ixiptlatl ln Í).11' as comprcendem." 79 A pretensão do colonizador
como algo mais complexo do que a noção bíblica do ídolo. Mas ,, ,·ncontra a opacidade cl,iabólica da performance: " E
isso não aconteceu. São estas imagens que ele incluiu para apoi,ir 111co~I são cantados para ele sem que se entenda sobre o
seu argumento sobre as práticas idólatras dos povos indígenas. ,,10 , com exceção daqueles que são naàvos e versados
li1111un (.. . ) sem serem entendidos por outros" (p. 58). A
111,,nc~ cnmpartilhada e as práticas linguísticas constituíam
11 ~o,1111nidade. Oua·os n,io poderiam decifrar os códigos.
lll" l ll espirit ual, esses frades temiam, era, no máximo, uma
11 1 () Diabo espera o " retorno para o domínio que ele
111 ( ... ) E para esse momento é bom que tenha mos armas
p,,r.1 podermos enfrentá-lo. E, para esse fim , servirá não
, 11 1111c está escrito neste terceiro Livro, mas também no

11 11, srgundo, quarto e quinto Livros" (p. 59) .


, n1 .1 servia como uma arma reconhecida no arsenal colo-
1h,\gu11 nfirmava que precisava registrar todas as práticas
J. Bernardino de Sshagún, Códic.e {lorentmo)
,1 .1, ,\ fim de mel hor· erradicá-las: "É indispensável saber
cd. e 1rad. ;\nhur j. O..A.nderson e Charle~ E.
Dibbte, Saut;) Fc, ~t-.'1. School of Amc:ricán r lt•, .1s praricavam no tempo de sua idolatria, pois, por
kesearcl,'Vnivmicy o( Uroh, 198,2, v. 1-
,1, 1110,sa I fa lta de conhecimento djsso, eles praticam co.isas
, '" l'lll nossa presença se m que nós as compreendamos."
Se as perfonnances méxicas eram efic ientes para mante r a 1, p. 45 ). A " preservação" servia como um chamado para
ordem cósm ica ou se, ao invés disso, consticufom um sintoma de
1 11uc11to. A a bordagem etnográfica do assunto oferecia
desordem profunda continua urna questão a se debarer.i8 Mas
11 ,n êgi:1 segura para se lidar com materia is perigosos.
não havia nenhuma dúvida nas mences dos eva ngelistas da época
,lin,1 ,·spaço, simulrnneamcnre, para a documentação e o
de que as prát icas de performa nce transmitiam com eficácia as
1 1r1·~ i111cnto; os relatos preservavam hábitos "diabólicos"
memórias coletivas, os valores e sistemas de crença.
, ,.,,uJo sempre estran l10s e inassimiláveis, crnnsmitindo
Sahagún reconhecia claramence que as cre.nças eram transmiti-
1vrrsiio profunda pelos cornporramenros descritos. 1" O
das por meio da performance, embora admitisse que não entendia
11 1,1111c11to estudado, erudito, funciona1•.i como repúdio.
0 conteúdo. O Diabo, "nosso inimigo, planeou, nesta te rra, uma
,111.tr1 , 111cs1110 depo is de 50 anos de compilação do vasto
floresta ou um mato trançado cheio de espinheiros densos, de
, 111, Qhre as prá riças méxicas, Sa hagún s uspeitava que elas
on de pode praticar seus trabalhos e onde pode se esconder para h 1, 1.im dcsap~ recido to talmente.
não ser descoberto". Inimigo da transparência, o Dia bo se apro-
, , , «-rito, do inicio d~ colonização são todos sobre o
ve ira de músicas, danças e outras práticas dos povos indígenas
~Hh rHo, •Wlll .1fi1n1111idu que as prál'lcas antigas havhtm
usando-os como "esconderijos para praticar St'us trabalhos( ... )
1 11" i<ln , wj,1 hw« ,11Hl11 l'ictu,1r o dcsupn recimento que
Os tais cancos contêm tanta malícia que dizem qualquer coisa e
i 1111 11 ,111i. .in1,·1u ~, 1lr, 11•1 ,•l.1111 umn llro(undn " dmirai,;ão
proclamam aqui lo que ele ordena. Mas apenas aqueles a quem
p11v, t , 1111111,1 qur v1 11 1111 ,li-,111111 ~11h11r,un ~e refere
mais de uma vez ao "gra u de perfeição desre povo mexicano". E, Ili ""ª antigu idade, de to rnar solenes suas fostas a seus deuses com
o que é ainda mais irônico, esses escritos se cornaram recursos de l 111~n,, música, regoi.ijo. Eles acreditam e aceitam como doutrina e lei
a rquivo, de valor inestimável, sobre práticas amigas. Durnnre a 1111 ncsla rolice reside a santificação das fiestas. /p. 241-242)
vida de Sabagún, de fato, o Sa nto Ofício da Inquisição concluiu
que, ao invés de servir como "armas" contra a idolarria, os livros tJm cJiro de l 555 chama atenção para a natareza continuad a
preservaram e transmitiram o que eles pretendiam erradicar. A J. ,~r1 ~ práticas: "lvluito inclin ados são os índios destas partes
proibição era completa: " ( ... ) com grande cu idado e diligência, 1 11 ,1 d ,1 nças e areitos e outras formas de regozijo que, desde seu
tomem-se medidas para se apreender esses livros sem de ixar 1 111,111 ismo, eles-tinham o hábito de praticar." Pw íbe também
originais ou cópias deles . ( ... ) Fique avisado que não se pode " 'f.\11inre : qualquer "uso de insígnias ou máscaras antigas,
pennitir que ninguém, por qualq uer razão, em qua lquer língua, 1111• podem causar qualquer suspeita, ou cantar as canções
escreva so bre as superstições e o modo de vida que esses índios 1 ~r11~ rimais e hisrórias a migas" (p. 2 45). Vou sa lta r para o
civer.am" (Livro l,p. 36-37). Sahagi'.u1 morreu sem saber que uma 1111 dt 1651: "Que l\as (iestas de Páscoa não seja m permitidas
cópia de seu trabalho havia sobrevi,•ido. 11111•di as profanas, nem coisas indecentes misturadas." Mas as
Apesar de todas as ambivalências e proibições, esses escritore.s ,nbu;ões hav iam se ampliado; agora os ed itos cin ha rn como
do século XVT, a conrragosco, observaram algo repetidas vezes: 1, o 11.10 apenas os povos nativos, mas também os religiosos:
essas práricas não estavam desaparecendo. Elas continuavam 11~ membros do clero não devem se vestir como mu lheres"
a comunicar sentidos que seus observa dores nervosos não , 'Q). As práticas, esses editos sugerem, estavam de fa to se
entendiam. Em 15.39, um edito do governo lançou um ataque à J1,111díndo, popu larizando-se entre povos não indígenas. Em
observância indígena do sagrado, rebaixando-a a uma distração t) m ed itos incluem " não apenas os índ ios, mas os espanhóis
seculat Ele ordenava "que os índios não tivessem fiestas (... ) em , , k•ro" (p. 253) . Em 1702, a baralha contra a performance
que há areitos" e proibiram as igrejas de atrair as populações 1 ,J 11ra continua va com novas proibições: "Que não haja
nativas "por meios profanos que incluem areitos, dançarinos, 11\ll\ ou outras cerimônias que façam alusão ou referêncía às
paios voladores, que parecem coisas de teatro ou de espetáculo, 11 , rMiçôes do paganismo antigo" (p. 25 7). E os ediros se suce-
porq ue esses esperácu los distraem seus corações da concen- 111 1768, 1769, [770, 1777, 1780, 1792, 1796, 1808, 1813.
tração, da quierude e da devoção que se deve ter pela prática 1 h poderes civis e eclesiásticos tentaram substituir as práticas
di vina" .81 As fiestas, bailes e /Jalos 1Joladores, componentes inte- 111<11s" e "idólarras " dos povos incügenas por outros compor-
gra is do sagrado, recebiam agora o rdem de se afastar em favor " 11rn~ mai~ "apropriados": as demonsrraçõcs de obediência e
dos comportamentos calmos cios espanhóis, associados com a 1 1111,~Jo. Isso envolvia cl ara mente a transformação da relação
"prática divina". Em 1544, um ed iro lamentava , r,puço, tempo e prática cu ltural. A Igreja buscou impor-se
1111 o unico lugar do sngraclo e organizou a vida religiosa e
a vergonha de que, em frente do Santo Sacramento, havia homens 111 11 r,p.1c1~I t: temporalmente, Ordenou-se que todos os povos

com máscaras e vestindo roupas de mulncres, dançandú e pula ndo, 1 , 11.1, vivc~~~m 11,1 dd.idc com "umo boa igreja, apenas uma,
balançando de modo i11dece111e e lascivo. (,.,) E, nlém disso, h:I ou1.r11 111 ai tr\dm podelr to 1r" • J\ l11d.11nh,1 dl' prnibições procurou
objeção maior, que é o cosmme q11r ~~rr, 11,11, vo, l11111tir,1/1•i f 11nh11111 , •I"''
111 ,v,n ti· ,qvc ~.1da,J 111 ,1111 ,14, 111" t· mrnor visível ,1

/(
nova hierarquia social: "Os índ ios não devem viver longe, nas · hm,,,,nce das proibições parece tão ubíqua e contínua
florestas( ... ) sob pena de açoiramento o u prisão"; "Os caciques , 11roprias práticas banidas. Nen.huma delas desapareceu.
não devem fazer ,.euni ões, nem circula r à noite, depois que se
tocam os sinos pelas almas no purgatório"; " Tc>dos devem dobrar tnKMANCE MULTICODIFICADA
os joelhos diante do sacramen to"; "Nenhuma pessoa batizada
possuirá ídolos, sacrificará anima is, t irará sangue ao furar as Ao redor di,s colinas há crês ou quarro lugares onde (os
1mlios) costumavam f.ver sacrifícios muito solenes e eles
orelhas ou narizes, nem praticará nenhum rito, nem queimará
1,1111 a esses lugares vindos de terra~ distanres. Uma delas
incenso ou jejua rá em adornção a seus falsos ídolos"; "Não r\l.i aqui 110 .\!léxico, onde há uma colina chamada Te-
serão organizados bailes ,1 não ser durante o dia"; "Todos os pfocac e os espanhóis a çhamam de Tepeaqu illa e agora
arcos e flechas deverão ser queimados"; "As cida des deverão ser é cha mada de Nossa Senhora de Guadalupe; nesse lugar
à maneíra espanhola, ter hospedar ias, uma parn os espanhóis de, tinham um templo dedicado à mãe dos deuses, a
e outra para os índios"; "Nenhum negro, escravo ou mestiço , p,em chamavam Tooantzin, que significa nossa Mãe;
enrrará nas aldeias sem estar acompanhado de seu senhor, e 1., desfazia m muitos sacrifícios em ho nra desta deusa e
1.1m até ela de terras que estavam a mais de vinte léguas,
enrão não ficará mais do q ue um dia e uma noite."
d<' io,las as regiões do México, e traziam muitas ofrrcn-
Esses editos buscava m limitar a capac idade dos povos indí-
tlas; homens e mulheres, rapazes e moças ia 111 a essas
genas de movimento, independência ecollômica, autoexpressão, fo"ividades; havia um grande ajunta mento de pessoas
construção da comunidade, e tentavam simplificar a vigilâ ncia ll<'sses dias e todos diziam querei· ir à fcsra de Tona ntzi n;
a fim de controlar os comportamen tos visíveis. As mudanças e Jp,ora que a igreja de Nossa Senhora ele Guadalupe foi
no pad rão buscavam interromper o que Maur ice Halbwach construída lá, eles rarnl->ém a c hama m de Tona 11tzin (...)
de nominou "o arcabouço social da memór ia"Y Está sob ataque, isto é algo que deveria ser corrigido (... ) isso pare<:e ser
um:i invenção satânica para dim inuir a idolatria sob a
certamente, o entend imento, confo rme afirma Roach, de que "os
ambiguidade deste nome Tooantzin e eles vêm agora de
movimentos expressivos (funcio11am] como reservas mnemôn i-
lo nge visitar Tonantzin, de tão longe qua nto antes, uma
cas que incluem movimentos padronizados feitos e lem brados ,krnção q ue é também suspeita porque por t0do lado há
pelo corpo". 84 Qualq uer coisa q ue lembrasse comporramenros muitas igreja~ de Nossa Senbor,1 e eles não vão a elas.
passados dever iôl ser evitada, bem como qualquer coisa que
Bernardino de Sahagú11,
complicasse a caracterização visível e o controle. As categorias Historia general de las cosas de N11eu11 Espafía
raciais minuciosamente definidas, lançadas no século XVI por
meio da Inquisição - c.om sua ca tegorização de mestiços, mu !aros,
mom iscos, cafuzos, entre outras-, part icipa ram no movimento prdQrma nces indígenas, paradoxa lmente, parecem ser
de técnicas de controle visua l. •-' Os muitos editos contra todos 1, 11da~ e reproduzidas no inter ior do próprio sistema
os tipos de práticas de performance, desde músicas dançadas ou ,11, ,1 w11cchido para elimi ná-las: o catolicismo romano. A

areitos, até reuniões "sccteras", transmitiam o reconhccimenro ''" 111<1~1rnu ,orum cana l virn l docomportamentosocia.l (e
de que eles funcionavam canro corno uma episteme quanro comó 1 "' 1,·lr~iti~o). A~ tra11sforências ocorreram não apenas nas
uma prática mnemônica. 1mu111od11, c•ntrl' o, ~1srcm11~ religiosos, mas também

MO "1
dencro deles. Não demorou muito para que os mesmos frades 11l,1dc de imit ação cios povos nativos e usavam isso para
que haviam se gabado de uma virótia espiiitual antecipada
,uur que se poder ia ensiná-los a ser cristãos e receber os
sobre os conquistados suspeitassem que esses novos conver-
, nws. Por outro lado, o arremedo era impróprio e bestia l,
tidos estavam de fato cultuando seus deuses a nrigos cm nova
, lllll,acos". Como poderiam os frades dizer se seus conver-
forma. 86 "As oferendas para os ídolos", Sa hag1ín observou, "são 1.11r1 sinceros quando eles dobravam o joelho cl iarite do
praticadas clandestinamente, sob o pretexto das festividades
\ rwrformance de piedade confirmava a devoçiio cristã?
. a Deus ,,.s 1 Ao .inves
que a Igreja ceie bra para reverenciar , de
1•r,i1icas religiosas dos vários grupos de colonizadores
substituir as formas de c ulto anterio res à Conquista, os novos
111111\mo e carolicisrno - aforavam as maneiras como as
ritua is perm.itiram sua conrinu idade; o "s ubrerfúg.io" satânico 1t 11a1 ivas sobreviviam. lvlesmo os católicos como Durán
admitiu que aqueles que se ajoelhavam perante G uadalupe
1t ~111 os "índ ios" aos judeus por causa do q ue ele via como
diiigissem sua atenção para To11anrzin.
111.11,ças entre seus riros e cerimônias reljgiosas; o ca to li-
Os frades se irritavam com qua lquer mistura e sobreposição
• , 0111 sua ênfase em imagens, autos sacramentais e ceri-
de sistemas de crença, ameaçando suspender o ensino cristão
" c·,pt>raculares, era considerado, pelos protestantes, como
"até que as cerimônias pagãs e os ctiltos fa lsos de suas divinda-
111,lo ~ idolatria. Comentadores posteriores, como o etnólogo
des imposroras sejam exrintos, apagados". 88 A natureza ambí-
11ln X[X, Charles de Brosse, afirmavam que o fato de os
gua (porque multivocal) da prática rel igiosa levou os frades a
1, '" contarem com imagens na verdade oferecia o ambiente
suspeitar da veracidade da piedade dos nativos. lnsistind<> na ,111c sistemas de crença nativos concinuassem a florescer.
ortodoxia restrita, eles temiam qualquer coisa na prática indígena
1 1, Mirchell, em Tco11ology [Iconologia], eira a visão de
que, de alguma forma, se parecesse ou se sobrepusesse à sua
1 111 llos,nan de que as "cerimônias ridículas" do catolicismo
própria. Durán, no Livro de d euses e ritos, foz ,1 lgunrns compa-
1111 o~ católicos aos infiéis. 90 E fica cl aro que os esforços
rações inquietantes cnrre a prática naua de sacrifício humano , li\ tios evangelistas para converter os povos nativos por meio
e a con1unhão cristã, observando "a maneira astuta corno esse 11 do teatro religioso permitiram não apenas a criação de um
rico d iabólico imita o de nossa Santa Igreja" (p. 9S). Ele conclui
, 111•ncro (" tea tro missionário" ), mas rambém a t ransmissão
que ou os povos nativos já conheciam o cristianismo (e eram ltnflt•as nativas, técnicas de encenação e práticas de opos ição.
infiéis, e não pagãos), ou "nosso adversário maldito forçou os \ rwrformances e imagens da era pré-Conquista continuaram
índios a imitar as cerimôn ias da religião cristã catól ica em seu
1 rrnnsm itidas por meio d(0ú~plas formas si ncréticas~
próprio benefício" (p. 95). Os povos nativos começaram a ser
" cul111 rndas como música, dança, uso da cor, peregnnações,
vistos como performers perpétuos, ocupados cm "simu lação u, 1~uo rirua lizadn de htgares (como as pequenas estruturas
idólatra"; ''porcam-sc como macacos, olhando t udo, de modo ,h,, 1tlas como sanropan, isro é, lugar do santo), que mais
a imitar qualquer .:.oisa que veem as pessoas fazer".89 O uso do
1 vit1 rr11n a ser conhecidas como a lrares, mas que datavam
çcrmo simulação rransmite o profundo desconforto vivenciado
1,·mpos amcriores à Conquisrn." Embora II prá tica incorpo-
pelo observador co lonial quando se depara com a performance
l 1 1wrlor111,ttl1.1d;1 possa ~cr limirnda em seu alcance porque
nativa. As suspeitas relacionadas ã onodoxia religiosa eram , 111l1t.1d11 11,ln pnrl<' \N ,cp.irn<lo do significame, a re lação
expressas também como uma ambiva lência em relação ii mimese. 11" ·,111111li. tdo l' ,1g111l,t 1111r 11.111 1· d1rn1.1me111e biunívoco. O
Por um lado, os europeus, a parrir de Colom bo, hav iam clc,gi:ido IJ,., d11J,c,1d11 pu.l,· r , 11111 111,11 dt drvc'l, ,lo ,111 ,.11110 c.1rólico
mesmo quando manifesra reverência conrinuada a uma divindade
méxic.a. O ato de transferência, nesse caso, funciona através da
duplicação, replicação e proliferação, ao invés de através de su b-
-rogação , termo desenvolvido por Joseph Roacb para se pensar
sobre os modos como ocorre a transmissão por meio do esqueci-
mento e do a pagamento: "Nos espaços vaúos criados pela perda
por meio da morte ou outras formas de desaparecimenro (...} os
sobreviventes busca m colocar alrernativas satisfatórias." 92 Roach
dá um exemplo de sub-rogação: o Rei está morto, vida longa ao
Rei. O modelo de sub-rogaçãQ esquece o que veio ames, cQmO
nos lembra Roach, ao enfatizar a estabilidade aparentemente
ini nterrupta em lugar do (Jlte poderia ser lido como ruptura, o
reconhecível em lugar das pa rticularidades de muitos. ·1.Virgern de Gm1da.lupe> iluStraÇào d;1 c.1pa
A contribuição de Roach para nosso pensamento sobi:e a de Jmagen de la \li;gen Ma,ri:J, de ~iiguel
performance como forma de sub-rogação tem sido extremamente Sánche,z, Méxi<'o, 1648. Domínio público.

prodmiva, mas é igualmente urgente notar os casos em que se


rejeita a sub-rogação como modelo para a continuidade cultmal
' 1 '11lto ú Virgem de Guadalupe, que tem se disseminado
11•1,uncnte desde a metade do sécu lo XVI até o presente
po rque. como o bser va Roach, ela abre espaço para a falência de . '
11111 Pº:·c,ona um exemplo. Cortês marchou em direção a
vínculos históricos virais e de gestos políticos. Os frades podem
· ht11lan ca rregando o esrnnda.-re da Virgem de Guada lupe
bem re r desejado que os novos comporramemos sociais que
l •lrt•111adura. Em 1531, diz-se que a Virgem de Guadalupe
estavam impondo à população nativa funcionassem como uma
11 • cu a .Juan Diego, um méxica recentemente convertido ao
forma de sub-rogação . Os recém-convertidos, conrudo, podem
1 H11~1110, em Tepe}'ac, no local ded icado à deusa mesoarneri-
ter abraçado, ta mbém prontamente, esses comportamentos
1 lor1nnrzin. Os frades do início da Conquista, com<>observei,
ambíguos como um modo de rejeirar a sub-rogação e de poder
11p,wnriH>c com o foro de que Tonamiin havia desaparecido
continuar suas práticas culturais e religiosas de uma forma menos 1 ,l~prns .-c,1parcccr no culto da Virgem de Guadalupe. H avia
reconhecível. A mudança e duplicação da performance, nesse
11 1 pré-Conqu ista sido sub-rogada com sucesso pela Virgem,
caso, preservavam as antecedentes, ao invés de apagá-las. As
iYrrio c:l:i dr fato na divindade cristã? Será que a ininterrupta
proliferações do significado -os muitos samos e rituais - contam
, 1111tç,1u a seu santuár io sinalizaria uma aliança à a ntiga
histórias de continuidades instáveis e até mesmo de conexões 11 ,l.11111nu /\ nova ? Como foi que ela passou de Virgem dQs
ieimaginadas em face de rnpruras históricas. A "invenção sat ã•
111 M,1dorés il "Virgem negra" dos conquistados, de padroeira
nica" a que Sahagúo foz alusão na citação que abre esta seção
1 1111.I,, d t' "mexicana" que começava a se desenvolver (1737)
do livro permite não a penas que uma divindade seja cu ltuada
hn~11.1 ~k· to<fo o Am11 rica l .nrina ( 1910) e das Filipinas, e
sob a a parência exter11a de outra, mas tam bém que, ao mesmo t l1uprr,1tru d.is A111(·rk.1, ( 194 ~)?"
tempo, seja cultuada como ourra - uma forma de multiplicação 1111.1)(,•m 1111~ l 11\111,1, •I,, ,• t, tl11,1r,1111 ,is lum~ pnrn idenri-
e si,m1ltancidadc, ao invés de suh-rn~~çiio e ausência. 1\ 11w rtl\ 11111 •1•1< 11, · • , ,,. , 1111 "'d,1 popul,1, io,1•nf.i11u111du

..,
sua "mexicanidade" por meio da acentuação de sua proximidade
com a terra mexicana (a planta maguey, a agave americana), com
panoramas de cidades (a Virgem co1,10 a padroeira da Cidade do
México) e com povos (os indígenas). Se observarmos atentamente
a Figura 6, notamos que há quarw outras aparências externas da
Virgem nessa (mica rela: nos camas superio res esquerdo e di1·eito,
bem corno em cada ponta das asas da águia. A prática represen -
tativa de mul ciplicar as imagens da Virgem reflete a mu ltiplica-
ção das próprias aparições. Há inumeráveis transformações da
Virgem em múltiplas figuras regiona lmen te específicas.'' Cada
área colonizada pelos espanhóis tem um panteão de Virgens
- além das numerosas versões e ap,Hecimenros .regist rados
da própda Virgem ele Guadalupe, que é padroeira de grupos
emicamenre diversos por todas as Américas. Esta esrrarégia de
6. José de; Rfbera y Argomanis: 1
duplicar e continua r o mesmo, de se movimentar e permanecei; de Imagen de jrtra dt la Vfrgau de
se multiplicar dia ote de políticas sociais e religiosas constritivas, Guadalupe tomo p:itrona de ln
Ciudad de Mhico, 1778. Coleção
conta uma história muito específica de opressão, migrações e ~ÍU$e\l da 83síli,a de Guadalupe,
reinvenção q ue poderia se perder se o modelo de substituição, Cidade do :\,1éxic.:o.
perda e redução fosse usado para explicar as "continuidades".
\ performance incoi-pora<la torn a visível, assim, todo um
1·• ,·1ro de atitudes e valores. O fato de essas práticas serem
11 ll tcrizadas por muitos códigos faz com que se transmitam

111,1~ ca madas ele senrido quanto for o número de espectadores,


1tt1, ipantes e testemunhas. Algumas vezes as performa nces
1 l.1111 a convergência da prática religiosa (por exemplo, o
,uumc de en feitar os santos com intricados trabalhos de
11.,s e flores nos ca min hos por onde passa a procissão de
•111111ij C hristi). Algumas vezes a perforinancc de submissão
1,,,. lh,11·-sc durnme II missa ou participar de um ritual d,i
111<•1r.t ",1propriadn") esconde lea ldades múltiplas (conside-
1,l 11 1Hcco1Kili.ive,~ pelo, frades) ou profnnda priváçâo de
111 1111, \ , W/\,, os 11,11ivm performntizava111 sua idolatria para

S, Mcn.1, lmagen de la Virg,,, d~ 1, 1,11!,liu, ilr lr,1dc, ,11~rr1to,n,, que c·sciginm que os novatos
c;u11tlalupr 1 ,.,,, lilS vrm,1s mf!.:âca,w, 1111 i: ,. "Jn u·u~ "tdulm" e, 11111,•h,1'\l'rll, soh p<'nn de torrura,
)' ,.,.,, ,/ 11 J'I.,?., M')'qr <fet Ml~1,a,
~ · ,l ·, tfl1l1lm1r~ 1N,11 ln,ii•l, M,ultl 0111111111111<li! ,1,, 111,,~ p1, 111,p 1111,"' ", orno ~Ir, cr,1m tl\.1dn~
e acoscumados a fazer no tempo de seu passado infiel".•s Co
aqueles que protestavam na época apontavam, essa exigên~
Jcvou os povos nativos it rarefa ridícula de "vasculhar as ru111
de Coba, a mais de vinte e cinco léguas de distância, à prorn
de ídolos" para produz ir evidências fictícias. 96 Outras vezc,
rrausferência de performance excedia a d uração da memóri,1
seu significado, pois as populações se viam repetindo iielnwn
comportamentos que não mais compreendiam. Entoutras v1n
ainda, a qualidade de faz de conta, tã o com umente a tribuíd~
performance, ofetece oportunidades para a paródia aberta; 1
exemplo, uma representação em que o ator que "fazia o pap(')
Jesus Cristo saiu do teatro nu em público, com grande indecêu,
e escândalo".'" Muitas performances contemporâneas lev 1
adiante essas tl'adições representativas, pois conrinuam a form
uma corrente viva de memória e contescação. As peregrina,,
m,111têm certos tipos de crença transcu lturada, combinn11
elementos de vários sistemas de crenças. A performatlce polírl
por exemplo, pode se inspirar em enredos anteriores à conqu,
para ehicidaJ' cond ições coniemporâneas para as popula~,
iodígenas. Os artistas perfonnáticos tomam o reperrório c11
base para aérescentar profundidade histórica a suas reivind1
ções políticas e estéticas. Coarl icuc, mãe de Huitz ilopochrh
principal divindade naua é deus da guerra, reapa rece em Hc-"
Nopal, de Astrid H.idad, para denunciar a poluição, as rcln,,
desiguais entre norte e suJ, as relações de opressão de gênc•1
sexo e qualquer coisa mais que ocorra a Astrid Hadad enqu,11
ela canta, dança e profere seus comentários no palco.

7, Astrid H.idad como ( ,fhtt li


He,1:,y Nop(l/, CtdiJa pot A-. t1J t 1
1999,

HH
Este estudo investiga algumas das questões levantadas
aqui, focalizando as performances dos séculos XX e X:XJ nas
2
Américas: como ,t performance participa de aros de transferência,
transmitindo memórias e a iclemidade social? Como o roteiro
do descobrimento concinua a assombrar as Américas, criando
uma armadi lha até mesmo para aqueles que buscam desa rmá-la
(Capítulo 2)? E, se a memória culmrnl é uma prática incorporada,
como gênero e raça a afetam (Capítulo 3)? Como Ll lll arquivo
radicalmente d iference faz surgir um novo senso de identidade
cultural (Capítulo 4)? Como certos roteirns estimulam uma
"identificação falsa" que acaba usada politicamente (Capítulo
5)? Como o arqu ivo e o rcpertócio se combinam para fazer lfôTElROS DO DESCOBRIMENTO
tuna re ivindicação política (Capítulo 6)? Como a performance ~eflexões sobre a performance
participa da transmissão da memória traumática (Capítu lo 7)? 11 o etnogra f ia
Como a performance pode nos ajudar a abordar, ao invés de
negar, estruturas de indecifrabilidade inrerculrucal (Cap ítulo
8)? O Capítulo 9 investiga meu próprio posicionamento como No dia J1 de setembro de 1995, um pequeno jornal da Nova
testemunha elos acontecimentos de 11 de setembro de 200'1. O lnl{l.ncrra apresentou um artigo informando a seus leitmes que
capítulo final advoga um remapeamento de nossos cónceicos 111.1 "expedição d iz ter encontrado uma nova tribo 11a floresta

atuais sobre as Américas e a utilização da performance incor- .,,picai da Amazô1tia". O líder da expedição, Marcelo Santos,
porada para rastrear trajeró,·ias e formas de interconectividade. pccialista da Funai, relata ter encontrado "dnas cabanas" na
Parto de meu próprio repertório para uma pai:te do material \111111.ônia, "cercadas por roças de milho, bana na, mandioca e
desce livro: minha participação em eventos políricos, perfor- 11hn111e. Fizemos barulho para nos anunciar e, depois de tun
mances, o ataque ao \Vodd Trade Cenrer. Como agente social, 1 l'fodo de espera, os índios se aproximaram." Havia dois deles.

procuro esrar atenta a meu próprio compromisso e envolvimento Os indios - um homem e uma mu lher - usavam cocares e
nos roteiros que descrevo. Algumas das transferências de que '1ÍcÍLC~ feitos de pedaços de plástico, aparencemeuce tirados de
participei <llreramcnre aconteceram em encenações e encontros , 1111pamentos de mineração ou de extração de madeira. Eles
11 regavam a rcos e flechas", disse Santos. Por duas horas, os
ao vivo: durante os encontros do lnstiruro Hemisférico., em sala
de aula, 11as atividades que compartilho com colegas e amigos. l,11, ,;rupos se ma raY ilharnrn um com o outro. "O índio ficou
Esce livro, contudo, é destinado ao arq uivo. , nnado com meu relógio", disse Santos. Ele deu ao homem o
loi,:io e duas facas. Santos jurou que iria retornar à área, levando
1111 "tspj!<:inlbta cm línguas ou 11111 índio com um dialeto scrne-
llt 1111t• 1,,Ha cs1,1lwleccr uma comun icação verba l". Emborn haja
111 "' 1ft; mo 111 upos int1t1wn11fi no llrMil, de a~ordo com Santos,
111, 111111.to tl111111\ ,1ut· pndt·1·111111 .11111!.1 1111111t 1 ,idn "dc,wobercos",
/ ~ó.-0 /
um advogado representando os proprietários de terra afirma que 1111 q ue parcicipanres e leitores de jornais se sinraiÍÍ rransferido~/ .
a história é um emhustc, encenado para justificar reivindicaç.ões 1r.1 trás no tempo e no espaço? A1 modernidadel como Paúl ~-Pt.t~
indígenas pela reera .' · ,mnerron observa, "nega crédito ao pensamento de que a vida ~
Este é apenas um em uma longa !isra de roteiros de descobri- 1, 11 m ind.ivíduo ou comunidade pode, ou deveria, deri va r seu --::=::::::
mento de homens e mulheres " selvagens" no Novo Mundo . Seu ~lorde atos de revocação consci.ememence performarizados",
caráter banal esconde sua instrumencal idadc e transitividade: o 11, n )mo as f cclebrações da rccorrência'/.l Roteiros como este
roteiro transporra "nós" (como líderes de expedição ou lei tores de 111 se torn adÓ tão normal izados que transmitem valores e fanta-
jornais da · ui ).Ha um "lá'' exótico; transfere o " não nosso" para t" sl'm chama r atenção para si mesmo como uma perfonnance
o ''nosso"· t raduz os sistemas de comunicação do Outro para , unsc iente>".
um sistema ue afirni amos compreen er; t ransforma encenações h re capítulo explora o roteiro como um aro de transferência,
passadas (roteiros de descobrit 1ento mais antigos em resu rndos ,,.,,.> um paradigma sem no,·idade, portátil, repecível e frequen-
futuros (geralme nte a perda de terras nativas). o azer isso, o , mente bana l, pois exclui a complexidade, reduz o confl ico a
roteiro simultaneamente constró i o objeto selvagem e o sujeito 11, elementos comuns e esrimula fancasias de participação.
que vê - prod uzindo um "nós" e um " nosso" enquanto produz 1 l11lrn de comp lexidade não precisa sugerir que o roteiro oão
um " eles". Elelnonnahza p conceito exr.raordinário de que o 1 .id1: provocar uma reaçã o afetiva ou invocar m últip los medos
descobrimento ainda é p ossível, que os povos " não descobertos" l,1111as ias ent ranhados. O simp les número de versões do roteiro
ainda existern, sem questiona r o óbvio: não descobertos por ln descobrimento atesca o transbordamento de sentidos, níveis e
quem? Esses povos, objetos merecedores de notícias, vão quase , r,pccti\'aS possíveis. Mas o arcabo uço básico inclui elementos
certa mente perder sua terra e modo de vida ao se emaran harem 1 u ticulares que os ' ctadores reconhecem apesar das varia -
nos sistemas políticos e legais do Brasil. O roceiro a tiva o novo ~·,. Assim com Propp fi rma que há um número lim itado
ao conjurar o antigo - as muitas o utras versões do roteiro do 1 nnrrariva;; com ,n mcrávcis variações, os roteiros também
dcscobrime11to que conferem a ele poder afetivo e explanatório. 1urcm as possibilidades múltiplas de urna sequência básica.3
A construção dessa maravilha de Alcerid.iíde não descoberta não é 11mbora muito se renha escrito sobre narrativas como e.srru -
pei:nirbada pelo sentimento de "oh-não-de novo" de tudo isso. O "" .1, de comun ic:ição, há ta mbém urna vantagem em se refletir
que mais há pa ra dizer a respeito da atrocidade <la Conquista? O ,hrc os roceiros que não são redutíveis à narrativa porque eles
próprio roteir o que nos enrotpece com sua fam iliaridade oclu i o 111c 111 a incorporação. Os roteiros, como as narrativas, pegam o
resultado a troz. Como um sistema paradigmático de visibi lidade, , 11 po e o .:olocam dentro de uma moldura. Contudo, no rotei ro
o roteiro também assegura invisibilidade. Ainda há ma is razão , mpo tem e~p.iço de mnnohra, pois não está dentro do script.
para nos perguntarmos, então, por que esse roteim continua a ,111to .1fi ri nei no Cnpítll lo 1, os roteiros geram tuna distância
ser reencenado e por mie ele ai nda exerce tanto poder. Como esse , 111t ,l 1111port1111t~· entre o (l[(Jr social e o personagem. Quer seja
roteico funciona como um ato de transferência que liternlmente 111 queR1ào c.le repc~senrnçâo mimética (u m ator assumindo
transporta os "eles '' narivos para dentro de nosso campo de visão, 11 p.q1,•IJ 011 dr 1wrfnrmonviclntle, de atores socia is assnniindo
para nosso sistema econômico e kgal de operações? Como dt• 1.!1u, rc11ul.1dm de ,·oinport,1111cnto ndequndo, o roteiro nos !,vv.- ~
transfere o aparentemente passado (prim itivo, pré) para dcnm, 11 ,utt 1ru1m1, 1111 Vl\1,1 m.11, plc•anmcruc ranro o ator soe.i a ~
do prcscnrc com ~ O u , uv mndu 111ver~u, con111 d1· (111 I'' ,11r, 1 ~ 11 11 f.' ~111ult u11 .0111 111, . , . .1"-.ln1 1cc unhl'<. t'f n~ 1 - '('L
1

,, 1
incômodos e as áreas de tensão. Depois de examinar o roteiro
do dcscobrimenco original, exploro o que podem ser esses espa·
ços de dis tância crítica e de manobrn bilicladc no repertório - a
performance de Coco Fusco e Gu1Ilermo Górncz-Pefia, Ttuo
Undiscovcred Amerindians Visit [A visita de dois ameríndios
nõo descobercosj-e o arq uivo - o vídeo da mesma performance.

FICÇÕES DE ORIGEM
Na primeira carta de sua pcimeira viagem ( l 4 93), Colombo
descreve corno "encontrou povos inumeráveis e um enorme
número de ilhas, das quais tomei posse em nome de Vossa
Majestade por proclamação rea l e desenro lando a bandeira
real, ~cm nenhuma contradição".• Em 1552, quase 60 anos r11ais
carde, Barrolomé de las Casas remontou essa cena em seu resumo
do d iá rio de Colombo. Esse relato é especialmente importante
porque tanto o origin a l quanto a cópia desapareceram do
arquivo. Isso ralvez seja o primeiro sinal de que o roteiro de
fund.ição do descobrimento, como sua documentação inicial,
não tem um original. Ele é sempre uma citação, urna cópia da -..... __,. - . ,
.. Thcodoru de Br)', Das vierdt<' 'Ruch \'OO der
última cópia: i tru111 llcgó a b Jnd1a pnr r;1mera .vez.:· nJ
dcm NtdetJJng.:...che:n, , . 4 de G,,1,ids
O drr ceuwc und grundtlt\'.ht ,l-ht.~ôr-~ - ,on
4• l'h iW, Fl'Ji1kfur1 , I S94. Dontln10 pubb:o.

Eles a lca11çaram uma pequena ilha das Lucaias, que é chamada na


[e, rn«Tr'o do descobrimento é realmente ce~c'.a . Os :1ut~~
língua do; índios "Guanaaní". lmediatamcnte eles viram pessoas nuas
'" 11111:idos de~cobridores perfonnatizam ª. re1vmdb1caçda? e)
e o almirante foi até a praia no barco armado.( ... ) [El e] de$fralclou à • .pec'íicos (fmcar a ao eua e
,1,lico .10 encenar movunencoses l , , . d
bandeira real e os capitães foram com dois estandartes da Cruz Verde,
',, it.1r ·" de~brações ofici,üs em um espetaculo apoiaª o p:
que o o1inirnr1te hasteou em todos os navios como handcira, com um . . . ., d 1 ( bandeira real e os estandartes co
111• Vl~ÍVC IS de ,llltOII 3 1. e ·ª h
f e um Y sobre cada letra de ;ua co roa.( ...) O almirante chamou os
" "J'r ,v11d~. ,\ performance é assistida pelas res~ed''.'~ ~~
dois capitães e os outros que haviam desembarcado (.. ,) e disse que . ' . b ~la "rc••istr.1da em detalhes na cv1 enc1a a
, ~ rt'vt·r ..\o ,o rc... ~ r, ,. ·
eles deveriam servir de testemunhas e testemunhar como ele, diante de scriro" ,, Os outros <1ue aqs isccm - as mu,ras
1 1i;11.1t1,1 por e · , h f e como
todos, tomou posse do ilha, como de foro foz, para o Rei t n Rainha. uJ• J,t 1lh,1 l,i rl'urlldos"' a qnem Colom o ~e rc er .
seus soberanos, fazendo as decl,1rações que são exigidas, como apl recc "" ·tadorcs n,10 autoriL<~dos.
lm . ilJ 1mm1·ir ,1, art,1 .10 n, e,,..~
de modo mais extenso nos testemunhos que foram feno~ por escrito. ~ ",r11 ,•k, () puhl1u, h·Kitin10 dr europeu~ e
1li•" ( , t 1111''"• 1• 1 1 J' 1
Logo, 111uirns pessoa, ela ilha ~r iunrnram ld.' , ll'r,1r1 u\ lfhlt 111n11hui.. tlt,\ tlr ,un ,H- 0, ·nr.
,1111 Ir' IJl11' t i1
do palco, mas centralmente importantes, o Rei e a Rainha da , 1rocípicos" ! Baseado em at os de tom,ida de posse passados,
Espanha são os destinatários e beneficiários do ato, rece bendo , rn, relação às ilhas Canárias ou à Reconquista, o roteiro foi
a transferência da possessão. E Deus, vendo a cena de cima, é o oK!·afado na Espanha. Certas coisas ti nh am de ser ditas e
espectador máximo: ''Que Cristo exu lte na terra como exulta 1 "p11ra execmar a transferência. A reiteração dava ao roteiro
no céu diante da perspectiva de salvação das almas de rnnras l1111hilidade e legitimidade. O estilo cerimonioso realçava a
nações, até agora perdidas ." 7 Aparenremenre perifédcos à ação •11111111de da aquisição. Enffetanro, a estrutura burocrática e
estão aqueles que,por meio desse aro de rransferência, se tornam 1tvo'lh.:ional era familiar e assim normalizava aurornaricameme ft.V"t
desposstúdos, escravos e servos em porencial. Colombo interpreta
a "não contradição" corno sinal da aceitação, por parte dos
,v,dadc radical do encontro, passando por cima de possíveis ----:::::: r
t, 111•, e preocupações sobre legalidade. O pap~~::=:-;:;.fuvt',
povos indígenas, de seu srntus de subordinado.• A aquLescência
rnrc,ro e também seus relaros log;p_.,,.clregarar:n~eino, i,/
muda dos povos nativos nus e iodefesos passa a fazer pane, para
sempre, dessa sequência de ações.
,•rvados tanto no~perróriojquant6-ííoJarqu,vo.(Em todos ,'<:,- - R
'1111.ircs cm que os exploradores espanhóis desembarcavam, C' ,Jvv,ú:><1
O roteiro acontece no aqui e agora da primeira carta de 1111 ,e uma variação desse roteir o, "ao vívo" e registrado no ,r""'
Colombo - o C1cibe, 1493 -, porém, com t1m olho na Espanha povo.''' O ato sublinhava o feito. Ele se rornou um modelo de
e no futuro. A reiviodicação é performat izada para ser testemu- t, ,, 11s atos de posse seguintes, por parce da Espanha; contudo,
nhada e registra da: os movimentos do repertório encenados para 1wnrecia não apenas ao afirmar ser um ato de fondação,
o arquivo. O roteiro funciona como a moldura que possibilita a 1 1111h.:m ao assumi r~ simulta nea mente, set, lugar como mais
transferência do repertór io para o arqu ivo. O aqui estava sendo 1111 crn uma longa tradição. Assim, o roteiro faz uma ponte
"encenado pUta o la. ó paradigma estava estabelecido: a inspeção , , p,issado e futuro, bem como entre o aqui e o lá. E le nunca
do cerritócio, a leitura da declaração oficial, o desfraldar dos 111t <t' pela primeira vez., oem peb última, ,nas continua a ser
estanda rtes, a romada de posse da terra (que apenas incidental- 'intcmenre reativado no agora da performa nce, explicando
men te parecia já ser habitada). A cerimônia legitim~va o ato; ·1•11· "nós" temos o direiro de estar lá, quer seja em expedi-
Colombo, o protagon ista pr incipa l, incorporava ú poder do "" filmes espaciais, loca is para férias de aventurns ou terra
reino. Os espectadores auwrizados ratificavam a rransferência; , qiudc rada.
os espeé.tadores não autorizados estava m reduzidos a objetos 1
1, orpu~ do descobri,neoto exigia um corpo físico. Colombo
transferíveis. O Rei e a Rainha foram louv~dos; Deus, agradecido; 1 \11u11s povos que ele "desco briu" como desarmados,
a rransferência, efetuada. , ,1,•1·0\os, "<>s melhores povos sob o so l, sem maldade ou
Contudo, o roteiro também olhava em direção ;w passado. 11
11111" , L1s Casas eira o diái:io perd ido:
Enquanro celebra o " novo",a fórmula já estabeledda se legitim!I
p<1r meio da referência a uma rrad içiio existente. Um aspecto
1111 n• s~11ue siio as palavras verdadeiras do almirame, no livro
particularmente surpreendente do roteiro de Co lombo, como
pr111wir,1 vingcrl1 e descohrimento destas Índias:
aponta Srephen Greenblatt, é q ue, enquanto ele é um rrimeiru
, , ,li,.~ rle, '111 fim de <jue eles possam senrir grande amizade
(Greenblatt ressalta, juntamente com Todorov, a magnlwdc
,n,,.11, 11or,111t cu ~ab,a c1ur eles eram um povo a ser libenado
desse primeiro contato europeu com o Caribc), o roteiro tem
1111111 1 11m,,1 11111 h• 111.11~ ,,elo nmor clç, que pcln for,n, dei
um "esrranho nr de cirnçõcs", fom, d1· 'w•,wM ct1f\vt'ndono11
11 ,1 l,1 /!'lllc,·, vrimc lhe,, e .1!~11111.1, «1111,1, Jc vidro, quedes

~,.
flV'"' 11 K...
penduraram no pescoço, e muitas ourras coisas de pouco valor. Com lt•m roupas, nem credo, nem ferro, nem, cerramenre, civili-
isso e les ficaram muito satisfeitos e se rornara 111 tão inteiramente n 011 escrita - em suma, "um povo a quem faltava rydo".
nossos amigos q ue era uma maravilha de se ver. ]\,fois carde, eles vieram .i~ c.Jc relações e ntre os mLifros grupos nativos praticamente
nadando até os barcos do navio, onde esrávamos, e nos trouxeram 1p.1 rcce, reduzida a um s imples antagonismo de povos q ue
pap agaios e fio de algodão em bolas, e lanças e mu itas omras coisas, 111 nqui, do continente, para levá-los como escravos''. Não se
e nós trocamos por outras coisas, como pequenas contas de vidro e l,,11, ,1 que Colo mbo, bem como outros depois de le, imaginasse
s inos de ía k ões, que demos a eles. De faro, eles levara m tudo e deram , ,~cs recipientes vazios nunca contestariam a perda de
tudo q ue tin ham de boa vontade, mas pareceu-me que eram um povo 1,·rras, Dllnca se orga nizar iam co nt ra eles e aceitariam
a q uem faltava tudo. Eles a ndavam nus como s uas mães os puseram 1l,1wn1c o cristianismo. De raça i.ndetc.r minada ("nem negros
no mu11do, e as mulheres também, embora eu tenha visto apenas uma
11 hrnncos"), eles surgiam como exterimida d e decorath' a
moça muito jovem. E rodos aqueles que vi eram jovens, de modo que
lic1111S estão p intados de branco, a lguns de vermelho, e a lguns
não vi nenhum com mais de trinta a,10s de idade; eles eram rodos
,11111k1ner cor qlle en contram") . Sua " inteligênc ia rápida"
muito benfeitos, cc,111 corpos muito bonitos e rostos mui to bons. Seus
n1km1 -se em tesmos de aquisição d e lingu agem:"( ... ) eles logo
cabelos são áspetos, quase c:omo os cabd<)s do rabo de um cavalo, e
, 1111 o que era d ito a eles." Colo mbo elogia os povos indígenas
curtos: eles usam seus cabelos até suas sobrnncelhas, com a exceção
nem capazes de imitar palavras, como os papaga ios que os
de a lguns fios atrás, que eles deixam longos e nunca cortam. Alguns
1n1M11ham. Aoui começa o deba te sabre a mlmc.&e que preocu-
deles cst,'io pintados de preto, e eles têm a cor dos povos das Ca,1árias,
1"' tolonr;;;dores. Seria o asp ecto redentor da mimese q u e ~
nem ncgr.os, nem brancos, e alguns estão pintados de branco, alguns de
J.,111ho vi:1 como s inal d e intéligência? O u a p rática mecân ica
vermel ho, e alguns de qualquer cor que enconri:am. Alguns pioram os
"" lk•uda que outrns viam com o igual à imitação feira por
rostos, alguns, o corpo rodo, a.lguns, apenas os olhos, e a lguns, apenas
, "n\ ~ papagaios (ver Capítulo 1)? A linguagem não facilitava
o nariz. Eles não carregam armas ou as conhecem, pois eu lhes n1ostrei
11111nicaçào, mas Colombo tem p re tensões a poderes de deci-
espadas e eles as seguraram pe la lâmina e se corraram por ignorância.
l ,hrl ,1de; crJ1bora os nati vos a inda não tivessem " aprendido a
Eles não têm ferro. Suas lanças são cercos caniços, sem ferr<>, e alg,ms
1, (pelo menos de uma maneira reconhecida pelo coloniza-
desses têm um de11tc de peixe oa ponta, enquanto omrossâo apontados
', e olombo a fi rm a que "j~ en tendia a lguma coisa da língua
de várias maneiras. Eles são rodos geralmente bastante a ltos, de boa
1.. mm is feicos por alguns índios" .B Os comportamen tos
aparência e bem proporcionados. Vi alg,ms que dnham marcas de
1o 1111111ti1,ndos eram, ao que pa rece, igualmente transparentes:
ferimenros em seus corpos e fiz sinais para eles para perguntar como
111.11~, e les fa lnm <le ferimentos infligidos por povos inimi-
isso havia acoorecido, eeles me indicaram que povos vinham de outras
l'ºr filllnis contam que "ao sul, no continente ou ao longo
ilhas, que estão próximas, e desejavam capturá-los e eles se defendiam,
.. 11, h,wiu um rei que t in ha grandes embarcaçôes"'. 14 Ele se
E eu :tCl"editei, e ainda acredito, que eles vêm aqui, do continente, para
, , , 1111 1i.intc ele que poderia decifrar suas intenções e sentidos:
levá-Jo.s como escravos. Eles devem ser bons criados e de inteligência - . .
t,1rnnr,11n•sc tao mte,rnmente nossos amigos.
. ,,
viva, pois vejo que eles logo d izem rndo que é dito a eles, e acredito
1.,uiJ,11 u11.~n_11~ se inventou corno munificencc e semi-
q ue eles se torna riam cristãos facil mente, pois pareceu-me q ue não
tinham nenhuma crença. Se Nosso SenhM quiser, na época de mínlin
• , 111 ,t•u tli.tno e' cnu\s canas, 111as també1n i11ventou seus
partida, levarei de volta seis deles pnrn Sun• Altci.is, para que possam lll1J1n ,\lem clr gc111 1,dí111r ,<1hrc a prática difundida,
aprender a fnlor. 12 ,u mulheres andam
111.J11 ·, r111 , "·111pl11 1,11l.1tf1,, (rml.1>,
nuas, embora ele tenha visto apenas "uma moça muito jovem"), ele •111~ vi, que são provas dos faros que declaro" (p. 51). Terceiro,
também produziu imagens de " nativos" que nunca viu: os canibais Jlür meio do "nar.ivo", o descobridor promove sua centralidade
de Caribo, que "comem carne humana( ... ) e usa m o cabelo longo ,• 11 de seu povo. Colom bo afir mou que os nativos, espantados,
como fazem as mulheres''; aqueles de uma ilha que ele chama de \<'red itavam nas noções da superioridade inara do descobridor
Faba, onde "codos nascem com uma cauda''; e povos da Jamaica, , tl ~ propagavam: "Eles continuam a nutrir a ideia de que eu
"onde rodo o povo não tem ca belo" (p. 43). As mulheres da "ilha .!,·~,i do céu e, a cada chegada nossa em um lugar novo, eles
das mu lheres" (provavelmente Martinica) "não se comportam 111r11avam isso público, griraodo imediatamente numa voz a lta
conto mulheres" (p. 41). Elas "não se dedicam a crnba lhos 11.ir,1 os outros índios: 'Venham, venha m e vejam seres de uma

adequados para seu sexo, pois usam arcos e azagaias" (p. 51). 1 1ç, 1 celestia l"' (p. 9). Quando voltou pa ra a Espanha em 1493,
A ficção central dessa invenção do Outr(> é que a comuni- 1 nlombo tinha vário, araucanos com ele. Um foi deixado em
cação parece ser recíp.i:o..c,1 . Se Colombo não podia provar que \ib1çao na corte espanhola até morrer, aparentemente de rris-
suas propostas aos nacivos eram retribu ídas, seja através da ' ,.,. dois anos mais tarde.
oferta de presentes ou de outros sinais, então como ele podia O roteiro situa, assim, o descobridor como aquele que "vê"
interpolá-los como participantes voluntários (ou pelo menos, controla a cena, e que nunca se sente obrigado a se descrever
que não se ma nifesravam conrra) do ato de posse? Essa era uma 111 w situar. É ince(essante comparar as extensas descrições dos
m era fonnalidade, assim como era a rccícaçâo do Req1,erimie11to 111,lm< por Colombo com a gravura de T heodoro de Bry, no
(um docu mento lido em latim pa ra as populações indígenas , 1ilo XVI (Figura 8). Colombo se coloca como protagonista
pel()s conquistadores espanhóis anres de romar a terra), embora 1111 .il - um "eu" autoritário, munificenre, quase onisciente; ele
vital politicamente. Em oposição à narrativa que, como afirma 11 ,111.1 para si o papel de o bservador não visto ("eu vi", "eu sa bia"

G reenblatt, pode "criar a ilusão de presenças q_ue são, na reali- 1·11 :1crcdico"). Os nativos assumem características im aginá-
15
d,1de, ausências", o roteiro pode esvaziar a . rescnça tísica Os '" ou su bstituem um inimigo antigo. 16 Na gravura feita por
ameríndios, apesar de presentes fisicamente, são reconhecidos 1,, nry. Colom b() e seus soldados a miados são recebidos pelos
apenas para "serem desaparecidos" nesse aco. Como muitos , 11,vo~, enquanco n, ais e mais espanhóis transbordam de dentro
animais com que Colombo dizia que eles se pa reciam, comam-se 1 1111,1vios. Outros espanhó is, com suas espadas no chão ou ao

parte da pa isagem, objetos achados a serem transferidos (como 11 !.Ido, ~rigem a cruz. ao fundo. Como na descri.ç ão do diário,
servos e escravos), não sujeitos e pro prietários de terra . Seu , 1lu111ho ocupa o ce ntro do palco, Os nativos generosos, semi-
presente, bem como sua presença, ê reca rdado pelo rotei ro. Sua ,1 111nvimenram-se para frente, de modo tentativo, vindo de
human idade poceocia l é ad iada para uma data posterior, quando 11 l.tdtJ da imagem. J\,lais pessoas seminuas dançam ao fundo
eles serão exibidos na corte espanhola: "(... ) levarei d.e 1-'olca seis ,,., <li~tância, eles se tornam quase indistinguíveis das árvores,
deles para Suas Altezas, para que eles possam aprender a falar." 11,·nkmcnte " unindo-se à n,:nureza". Os espanhóis, ao contrá-
O va lo r de uso dos "índi os" era mú ltiplo . Pr ime iro, os ' n1111·olnm n unturcza, seus navios e barcos pequenos domi -
í ndios poderiam facilitar a missão de rec<;mhecimento se "ele.~ 11,111 ,, ,1f1U<I, Mas o coisn nrni.s estranha, a meu ve.r, é qlle roda a
apl'endessem nossa língua e comun icassem a nós o que sabiam o 11111•111,1~fo \ t11pur,tl que Colombo ~ssodou com os nativos é
respeito do p,1ís" (p. 9). Segundo, sua presença física nutemicoria 1 1,l.1 p111 1>1• 11, y 10, p1n111 io, < ,11;11lh6is. Os gibões enfeitados
sua h istór ia: "Levarei comigo individuo~ cksrn ilho e tlc ou1r;11, 1 l 11 , <" po, ,, ,,p.11111, 1.1 <11 1,,111,l)!\'m, Ab f)C llílb no f:Orro

11111 1 li
Je Colombo, usando s11a própria lógica, poderiam colocá-lo no
111•1 e da Rainha, mas também para as gerações seguintes. Além
reino anima 1. Os rosros somlncados dos soldados a rrás dele e
l1~rn. os relatos do Novo .\1uado constituem uma leirura fasci-
a expressão atormentada no rosto de Colombo COlllparam-se,
,, mre e uma d iversão dramática na Europa . "Como históri,is de
de forma negativa, com os rostos abertos e expressivos de seus
,wuntros sexua is e de família", observa Susanne Zanrop, "essas
intedocurores nativos, descr.itos como belos no estilo da Grécia
1111c.1çias coloniais ~oderiam assumi r qualquer forma genérica.
antiga. Enquamo eles estendem as mãos com presentes, Colombo
1 ln, num apresentadas como livros para cri;rnças ou diversão
está com uma rnâo a trás das costas, um comentário irônico
,, 11·,1 adu ltos, Como narrativas, poesia ou drama." 18 Os índios
sobre sua insistência na reciprocidade. Na outra, eJe segura urn
1111· n,io cnrend iam a performance ernui, contudo, interpolados
bastão de coma ndo com uma lâmina projetando -se na pm1ta.
11110 os avalis tas indispensáveis de sua eficácia, embora fossem
A formalidade da cena, a desigualdade da troca e o sentimento
~.,dos ao segundo pla,10. O a ro transformava o roteiro de força
de inevitabilidade ameaçadora enquanto mais e mais espanhóis
,Ir ,·xpropriaçâo em outro, feito de amor e conscnrimemo: ".Eles
chega m à praia evidenciam os limites da visão perspectivista
r.. ,r,1111 enormemente satisfeitos [pelos presemesj e se tornaram
apresentada por Colombo em seu di.írio.
111111rdramenre nossos amigos que era uma maravilha dese ver."
Transmitir o roteiro como narrat·iva, como faz Colombo,
1,rr ce àqueles que fracassaram ao seguir essa performance. O
contribuj para arcnuar a lgumas das incongruências que neces-
,•,111erimiento prevenia que qualquer um que não reconhecesse
saria mente vêm à luz por meio da incorporação. A imagern feira
, •uperioridade do catolicismo e dos monarcas católicos seria
por De Bry complica a narrativa, pois não só rnostra as tensões
"'"''" ou escravizado. 19 O papel do espectador era central,
em torno da linguagem corpoi:al, mas também lida com questões
111hora às vezes confuso. Não apenas aqueles que, como teste-
de incorporação, embora de modo ideali1.ado. Uma representação
111111has, legitima ram o ato, mas também os que se beneficiaram
dessa mesma cena exigiria que os corpos humanos lutassem com
1 I,• ou o usa ra m, codos estavam pasmos. "1Vlesmo o emi nente
essas imagens preexistentes, e courrn elas. Onde, fisicamente, se
l,1111i11icano es.panhol Bartolomé de las Casas", observa a antro-
localizaria o "encomro "? Que111 incorporaria os espanhôis? E
1 ,l,1~0 Patricia Sced em Ceremonies of Possession [Cerimônias
os nativos? Qual seria sua aparência? De que raça eles seriam?
1 po~~cJ, "escreveu que, quando ele ouviu o Requerimie1lfo, não
De que gênero? Como eles perfonnat izariam suas identidades?
1hi.1 ~e ria ou se chorava ( ... ) O modo como o Requerimie11to
A encenação poderia transmitir muitas das mesmas informações
t ,1 unplcmentado suTpreende a muitos, mesmo hoje, como sendo
encontradas na descr ição de Colom bo e, apesar disso, transmi tir
,,, 1h~11rdo quanto o próprio texto" (p. 71). Mas a performance
os sistemas rmí!riplos em funcionamento na estratificação histó-
"' 1cv1· de ser lógica ou convincente - ela apenas tinha de ser
rica de atitudes e interesses culturais.
11. Fssa cena seria repetida diversas vezes nos inumeráveis
Os encontros teatrais são certamente captados nesses roteiros
b111~ e rep resentações dos acontecimentos.
transmitidos por ,neio ta'nto do re erró rio uanto do arquivo. As
t I Jr,1111n <lo descobrimento e a exibição dos corpos nativos-
canas e os iários de exploradores, conquistadores e missionários
, pot , e n~orn - serve a ván,1s funções. Os corpos indígenas
fora m a mplamente publicados (e censurados) d urance o século
1, •rt11111711111_ um fator ''verdade"; eles "provam" a facticidade
XVI." Performa tizar o a ro de posse significa fazer a reivindi-
11 ,1 ,Ir nrn 011tm e .111tc 111 I< nnr a perspectiva do descobridor/
cação; testemunhar e escrever legitima-o. As cartas e os diários
uur II lo/,11111111wl11~11,, 111 tr, 11111, tlt• puRicionnrt1ento gcográ·
asseguram a repuração do colon izador, mio apeníls nos olhos do
11(, 11111111.. , 1 r 11111, 11111.I ulr "r111111111rt' 11110 c·onfirmíl
apenas um ponto. Como no caso das populações nat ivas das jWcialiscas em lít1gnas e em ética , cientistas, etnógrafos e
Améficas e também da t:ribo recentemente "descoberta" no u 1üg rafos. Como Colombo, mu itos se sentem confiantes de
Brasil, o cor po narivo serve não co mo prova da alreridade, 1111• são capazes de interpretar os gestos e as performances do
mas mera mente como o espaço en1 que grupos don1ina11tes, em , 11,vr). O próprio d iscurso colonialista que produz o nacivo como
competição, travam suas baralhas pela verdade, pelo valor e pelo 11, 14,11ividade ou falta silencia a própria voz qu e ele pretende
poder. Os debates emre Gínes de Sepúlveda e Bartolo mé de las l 11c1 fa lar. Santos, o chefe da agência encarregada dos índ ios,
Casas no século XVI são um caso ilustrativo. Eram os índios 1 ,1.rcve o cncomro para o jorna lista que, cm seguida, passa
inferiores por natureza, sem a lma, co mo assegurava Sepúlveda, , rd.1to para nós, o público forjado involuntariamente para
e, portanto, "obrigados a se submeter ao governo espanhol, já , r(n.-i ro. O corpo "primitivo" como objeto reafirma a su pre-
que os menos intel igences são go vernados pelos que são melho- ,, tl.'1,1 cu ltura l do sujeito que vê, aquele que é livre para ir e vir
res"? Ou eram os índios seres humanos com a lma e, portanto, nq11.1 nro o nativo permanece fixo no rempo e no lugar), e aquele
merecedores de rtaralnento humano, como Las Casasdefendia?20 11111 vê, incerpxeta e reg istra. O nativo é o show; o observador
As apost as eram enormes: poderi,1 m seus "superiores" fazê-los 1 1l11..1do, o espectador privilegiado. Nós, que vemos através
traba lh a r até a morte com impLLnid ade morn l? O resultado da r.., olhos do explorador, estamos (como esre) seguramente
controvérsia afetava não ,ipenas a a utoimagcm dos conquista· , ., 1rionados fora da moldura, livres para defi nir, teoriza r e
dores e o desti no dos conquistados. A inscrição do corpo nativo 1 h,tter suas (nunca as nossas) sociedades. Os "encontros" com
como fraco resultou na a bdução e escravização dos africanos de , 11,111vo nos cr iam como audiência, assim como a violência da
ncorpo forte", levados às Américas para continua r o trabalho 1, 11111,õo cria a eles, os primit ivos . Não é necessário d izer q ue
exaustivo. Nem por isso os povos nativos foram poupados . · ,11lnn izndor suspeita q ue não compreende tudo; nem rudo é
Nos 50 anos q ue seguiram o contato com os europeus, 95% " tn~par·cnte. Como Bernardino de Sahagún, ele pode suspeitar
da população morreu. 21 Preocu pações com o va lo r econômico 111, o diabo se esconde na pexformance que acontece diante de
têm sido sempre profu nda mente en redadas nos debates sobre o ,., prúprios olhos. Contudo, a dominação depende de manter
valor rnoral em relação às populações tint.ivas e têm a limemado ,111 nlliar unidirecional e encena a falta de reciprocidade e de
ou frustrado as discussões que cercam a de finição, o srnrus e os •"1Jlr~cnsão mútua inerente ao descobrimento.
di reitos do corpo nativo. Se esses nativos existem, os propriet,í-
rios de cerras brasileitos querem saber: o que isso faz com sua
própria r eivind icação pela terra? Exisrem re,il mente "tribos
rt RFORMANCE
não desco bertas" que, de a lgu m modo, deixa ram de entrar em 1 111 1992, os artistas performáticos larinos Coco Fusco e
"nosso" campo t'.SCópico/legal? Ou está o gove rno brasilei ro ,,1llrr1110 G6mei-Peiia decidiram colocar o espectador nova-
encenando essa farsa para confiscar as posses dos propr ietários, nte dentro da mo ldura do descobrimento. Eles começaram
conseg uidas com muito esforço? , 1 lurné Mundinl Guarina ui como uma resposta sardônica às
Assim, na medid a em que os corpos nativos s~io invari a• 1 111 '\ut·~ do 5º Cente nário:
velmeme apresentados como não falantes (ou não se faiendo
entender pelo sujeito definidor), eles fazem 511 rgir uma ind1ístrin ,,. "pl:1.110 1•r,1 ~1vrr cm um.1 j,rula dm,rada porirês dias, apresen-
de "especialistas',, neçç$SÓCÍ0B POC-0 ,1hnrd~• los e inn-rprcrri ..Jo~: ' 1, 1111K w11t11 11111·110,Iu,, ,wltl , 11 \11 i.l,· ,uhtm,•. vindos de uma illrn

IOI
no Golfo d1> México que havia, de alguma forma, sido ignorada pelos 11 tli<lade do colonia lismo! Um pouco como um roteiro, um
europeus por cinco séculos. Chamamos nossa cerra nata l de Guarinaui 11 f1,1rcce ser ramo um lugar quanto uma prática. Embora
e a nós mesmos, guatinauis. Nós perfor111atizávamos nossas "ta refas l11111~o memc seja um lugar ou telllplo dedicado às musas e
tradicionais", que iam desde costurar bonecos de vudu e levantar pesos, 10 1..01110 um a.rquivo, devido ao foro de que também signi-
até ver televisão e trabalha r em nossos laptops. Uma caixa de coleta 1111 ça la de leitma ou biblioteca, o m useu também si nali;:a
de doações ~m frente da gaiola indicava que, por uma peq uena raxa, 1 , H1ça cultura l que converte um lugar em um espaço. Os
eu dançaria (música rap), Guíllermo contaria histórias ameríndias 11, 1ir111, há muito tempo, tomado o Outro cultural fora de
autênticas (em linguagem disparatada) e posaríamos parn as câmeras 111, ,~olando-o e reduzindo o que é vivo a um objeto morro,
Polaroid com os visita ntes . Dois "guardas do zoológico" estariam à , 1, d,· um vidro. Os museus encenam a relação conhecedor-
mão para falar com os visitantes (já q ue nós não entenderia mos), levar• !, , 1,lo ao sepa1·ar o visitante transitório do objeto de exibi-
-nos ao banheiro presos numa trela e nos alimentar com sanduíches " ulo. Como os desco bridores, os visitantes vêm e vão;
e frutas. No Whifney Museum, em Nova York, acrescentamos sexo llt.1111, conhecem, acredü am - fica no lugar apenas o objeto
a nosso espetáculo, ofercc<ondo uma espiada em genitais masculinos ,1 u1,1do, enfeitado e "vazio". Os museus preservam uma

guatinauis autênticos pot 5 dólares. Uma cronologia, com os ponros , 11 !p,1r1:icu lar), (certas) tradições e os valores (dominantes).
altos da história da exibição de povos não ocidenrnis, foi colocada '" ,•n.1111 o encontro com a a lreridade. A monumentalidade
em um painel didático e, em outro, u111 verbete de uma Enciclopédia 111,ti,1 dos museus enfatiza a discrepância, em relação ao
Britânica simu.lada, com um mapa falso do Golfo do '.víéxico, mos- 1111rr n sociedade que pode comer todas as outras e aquelas
trando nossa ilha.2' 11r11d11, :ipenas pelos restos, os cacos e fragmentos sa lvos
1hl\Ul·~ cm miniatura.
Durante o ano seguinte, Tzvo Undiscovered Amerin.dians Visit j4uln guatinau i confronta o espectador com a história "não
viajou pelo mundo, desde a Plaza de Colón, em Madri, até o , il ' l' extremamente violenta da representação e exibição
Museu Nacional de História Natural, no Smithson ian lnstitutc, humanos não ocidentais . Contudo, ela também entra
Covcnr Gardens, em Londres, e Buenos Aires, Argentina. Fusco 1, ,111110 com outra hist6ria:\o ato de enjaular/indivíduos
e Gómez.-l'eiía escolheram países profund~men te envolvidos na 111, nn América Latina, desde os tempos pré-h ispânicos
exterminação ou cnaus-crnros de povos aborígenes. Ao encenar • H, C'ntcs prisões, em jaulas, de Ahimael Guzm,ín, líder
seu show em lugares bistóricos e em inst ituições, eles situavam mlt'ro Lum inoso, no Peru, hem como de combatentes
a prática desmnan izadora no próprio coração das esuuw ras pnr rarte dc)s Estados Unidos, em Guantánamo. Essas
majs veneradas dessas sociedades. A performance (ent.re muitas , ,,1.1nc1·~ dt poder têrn histórias diferentes. Em uma jau la ,
outras coisas) repetia o gesro colonialista de produzir o corpq 111 11111~ru. cm uma sociedade que segrega e encarcera seus
''selvagem" e historicizava a prárica ao rea lçar se\1 caráter de . l 11~ru t' G6mez-Peiia se enrrega 111, abertamente, para
citação. Como na corte espanhola 110 século XV, os narivos 1 , l.1, ,IÍ1~.1dos e corulndos. Com poucas roupas, como
eram novamente construídos como Outros exóticos, mudos § , 111 ,,im 1'111 um cliornma, eles se expuseram ao escru-
enrreglles para serem vistos. Além disso, a performance ativava 1 11hliL•I ~,1.1 prrfurm,,ncc combina bem com ns ficções de
controvérsias atua is sobre o que e como O$ museus expõem. 11111111d 11h du 11111,<•u, JHl1~ u pn~~nJo .,Ihcado e o presente
....
Desde seu início no séc ulo XIX, o~ n111•r11\ têm tornado litera l , ,d., 1'·"'' 1.1111, ""'' 111 do~ .lm, l:1do, d,is bnrrn s.

11111 11/
O "exótico", como a exposição nos provocava a acreditar, pode· 1 1·11,s na economia global, neocolonial e imperialista. Fusco
ria ser contido com segu ranç;i. Como as o urras exibições, esses , •llwz-Petia encenaram as vár.ias economias do objeto a que
dois seres se ofereceram conio superfície - enfeitada, pinrnda, h 111reriormente: o corpo como artefato cultura l, como objero
vazia. Parecia não haver mais interioridade em sua performance 11 ti, w mo alteridade ameaçadora, como espécime científico,
do estereótipo, exceto o próprio e, rereótipo, e nada a saber que ,111 prova viva da d iferença tadi9l.L.Eles eram qualquer coisa
não estivesse prontamente d isponível para o olho que observa. ,, r ühlico q uisesse que fossem, exceto humanos. O modo
Como o estereótipo, a atividade da performance era motJÓtona , , de~ represe ntavam seus corpos ligava, de modo muito
e repet itiva. O voto de si lêncio de Fusco e Gómez-Peii.a, o ltllHc, uma série dú que Brechr chamaria de gestos "cicá-
a ro de evi tar o contato olho a ol ho e de qualquer outro gesto ' i cd rados do repertório de corpos na tivos, desenvolvido
de reconhecimento despojava sua perfor mance de qualquer ,,,riu d\' (eiras etnográficas mundia is, espetáculos de circo,
coisa q,te pudesse ser confundida com urn traço "pessoal" ou 1111.1~, fi lmes e mostras pseudocientíficas. Como "objetos",
ind ivid ua l. O colon ialismo, afina l, buscou privar seus cativos •, 1i C,ornez-Pefta se rornaram n1ais fetichizados do que o
de in d iv idu alidade. Esses corpos eram apresentados comú 110 ícriche. Fusco fazia o papel de espéci me científico e de
pouco ma is do que o homem e a mu lher genéricos anunciados 1.J.1dc exótica, com seu rosto pintado, seu torso voluptuoso,
no painel d id ático. Os observadores, como visitantes típicos, u, de ,apim, peruca, óculos escuros e tênis. Gómez·Pefia
moviam-se a esmo, às vezes perturba ndo o repouso dos objetos, • 1111 111,h cnra de ttnmascarado deplata (em honra ao famoso
que esravam a li para serem o lhados. 111 m11,c1rado do México), óculos escuros, tuna pasta (com
A crítica ao colonia lismo em multifacetada. A performance ,h, ,1 dentro) e botas pretas; seu peito estava nu. Si lenciosos,
arrística desa.fiava a cultura l, a manei ra como a história e a 11,•,-, scJurores, eles performatizavam o subalterno com
culrura são embaladas, vendidas e consumidas dent rn de esrrutu• \ 11,1 ,1tm; rrcpresentação percencia menos ao grocesco
ras begemônicas. A performance como objeto de estudo (na ja ula, ,,,J (do t·ipo da Vênus 1-Iotentote) do que a um chique pós-
nescc caso) empregou a performance como urna episteme, como ,, 1J Apesar disso , havia também algo latino-americano,
uma leme produzida culcuralmeme.23 Ela chamou a a tenção para , , ulhorn, rebelde, engraçado e desdenhoso no modo corno
a história ocidenta l e para a prática de colecionar e classificar.l' ! ,c irrtt1.-Pctia ahordavam suas audiências. Crítica pura,
Ela evocou a con$trução e a pedormance do "exótico" encenad11 l 11,1, um modo especi ficamente mexicano de ridiculari·
nas feiras etnográficas do final do século XIX, em que os nativ~ 1,,•1,•11sõ<.'~ hegen1ônicas por meio de uma representação
eram coloc.ados em habrrats-modelos, do mesmo modo que espé ,1 d1u11rtiva. O relnjo sinaliza uma ati tude de desafio
cimes sem vida são colocados em d ioramas.25 Ela rnmbém par(}- 11~l t11, J.Í que conrcsta o espetácu lo dominante - ou o
diava a designação de va lor que o Ocidente atr ibu i ao exóticn 11111 il.1 dt1minaçiio - proposto por aqueles a utorizados a
um dólar. Ela sugeria a impossibilidade de aucorrepresen taçfü 1111 11111 museu, o objeto exi bido encaix a-se na lógica da
pelo "indígena", comi do pela tirania da representação. Ilia 1.. , ,,~, 111rbnndo-a.
;onfroncava aberrameme o desejo voyeurístico ele ver o O utr< , h11111,111rn cri ri cava as estrut uras do colonial ismo,
nuJpassando, certamente, como interesse legítimo pela difcrcn\ h,, 1,1 t ltllo um nraque às estruturas de sexisrno ou
cu ltural), que anima nrn ito do etnoruri~mo ntuol. Alé111 di ~,o. 1 '"" prrdom111an1C'1 . Os pcrf<.> rm er, faziam o papel
turnê mundia l realçou a circnlnçno, on1111u,1~1;s.1s 11n,1grn •11 ,1 t 111ulh,·1 ., ,1111• ,., p,11111·1• ,·xpl1.:,11ivo~ ~e referia m.

ltl~
111
Havia algo menos auaente em Fusco,com seu li ndo rosco pintado () espectador não estava apenas dentro da moldura, mas
e vestindo uma saia de capim e um sutiã diminuto; as frequentes , ,111bém se tornava o principa l ator. ComL1do, um dos aspectos
propostas sexuais pelos homens sugerem que talvez o prazer ,,. U\ interessames e complicados da performance na jaL1la era que
erótico de sua performance eclipsasse seu ecos. A performance lire'rsas performances estavam acontecendo sim ultaneameate,
de masculinidade, feita por Gómez-Peiia, era perturbadora para i.l.111 111a com mn protagonísta, objet trouvé e audiêncía supos-
algLlllS membros do público. Sua apresentação de estilo macho 1111c1uc diferentes. O espec.iculo da jaula tinha códigos múltiplos,
afirmava e desafiava a antiga ambivalência e ansiedade acerca da tido que uma performance acontecia dentro da outra, como
sexualidade do homem niio branco. Seus cabelos negros, longos 111 ocorrido nas Américas pelo menos desde a Conquista.. Como
e lisos traziam de volta a descrição, feita por Colombo, dos 1111tece com a encenação da reivi nd icação na primeira viagem
aativos efeminados com seus "corpos muito bon icos" e cabelos 1 l olombo, a performa nce dirige-se a muitos públicos sin1u lra-
"ásperos", "como o cabelo da cauda de um cavalo". Quando, m1cnte.A jaula também nos faz perguntar se o espetáculo é on
por cinco dólares, ele exibia seus gen itais no Whitney M useum, 11111,1 ra nós que estamos lá, de pé, observan do. Enquanto Fusco
) ele prendia o pênis entre suas pernas, mostrando apenas um 1,umcz-Pcfía andavam de um lado para o outro em sua jaula,
\_1 tr iângLtlo "fcm i.nino~. Contudo, havia algo de ameaçador em 1 J1·1Us do olhai· dn público, um ·'especialista" com um broche em

seu andar pomposo e macho, bem como em suas luvas e coleira 11 ,·~rnva escrito " Pergunte-me" explicava as roupas, os há bicos

com rachas.Várias vezes em sua turnê, as mulheres o tocavam ~- rmi.;ens dos nativos. Uma pessoa com uma Polaroid tirava
realmente. Como narra Fusco, em lrvine, Califórn ia, uma mulher • ,1 de lembrança de membros do público posando perto do
"pediu luvas de plástico para poder tocar o espécime macho, 11 na jaula . E, o tempo todo, Fusco e Paula Hered ia estavam
[elaJ começou a acariciar as pernas dele e Jogo se dirigiu a suas , 11110 um documentário, cm vídeú, das performances e do
,,..p I emrepernas. Ele deu um passo.atrás e a mulher parou" .27 Conmi 1hl11 o. Trechos de filmes ant igos representando os chamados
/4.fV' ui• o corpo-como-rote1ro -pnm Lt1vo, a espectadora pa rece ter se 111 ,is eram inseridos em números realizados pelos artistas, bem
} t,f"' sentido tentada a assum ir nm papel protagonísdco e exploratório. "'" cmrev istas com rnembr.os do público nos muitos locais
· - lo>"") E a normatividade assumida do " casal" heterossexual inco modou nlbiam o espenículo da jaula. Assim , enquanto em tuna
CT' muitos comentadores. Por que a construção de gênero é ma is h1\,lo os observadóres eram turistas, consumidores, cidadãos
difícil de desconstruir do qne o colonialismo? A natura lidade 111uu~ ou fãs da performance que se divertiam, eles eram atores
não questionada do casal atuando em público evidenciava um , •Hlrn - cm que, encre.outras coisas, faziam o papel de tuJ'istas,
tipo diferente de cegueira e levou a pesquisadora de performance , 11111idorcs, cidadãos confusos e fãs da performance. A lém
lésbica Sue-Ellen Case a sugerir que o lugar próprio de todos os "· n ftlmc da jaula faz de bobos os espectadores que pensam
heterossexuais é uma jaula.28 • 1,10 ínlando da pe rformance ao vivo. Poderíamos ficar
Porém, o foco da performance, segundo Fusco, era "menos hlu, ,, Jizcr que o vídeo documenta de modo t.rnnspareute
o que fazíamos do que como as pessoas interagiam conosco r 111 ,1L n111cceu na performance. Mas esses são atos de rrans·
interpretavam nossas ações. ( ... ) Nós pretend íamos criar uma , 11 11)111!'0 diícrentes, em parte po,·que as duas mídias - a
surpresa ou encontro 'estranho', em que as audiências tinham de "1111111, r ,tu viv,, (repertório) e o filme (,1rquivo) - afetam a
pa ssar por seu próprio processo de reflcxiio. ( ...) ap,rnhados de 1,l.111-.11;,to da ,llldi~ndn. A imcn~a controvérsia acerca da
surpresa, era mais provável que Slll1~, rnn~11s nlluras~cm » (p. 40), 1 , , mru, ,•r, ,·m JM< h•, 11rn pmd1110 cl1·s,11 cuccnaçõo d upl a.

110 li l
Procurando resistir à tenrn çâo de " ler" uma performance 11 p1'iblico em turistas . .V1uitos identificaram a mensagem
como a ourra, vou agora examinar rapidamente como se constrói , ,1~, escondida na performance altamente paródica (ou se
o público da performance no vídeo. Embora os cineastas cen ham 1 1111fitaram com ela); um espanhol, por exemplo, sabia que
selecionado as i·eações, segundo Gómez-Peíia a variação das 1 d11ia respeito à Conq ujsra e colonização; um índio pueblo
r espostas ao espetáculo era na verdade mais ampla do que ,1. vdho olhou para n íaub e reconheceu o rosto de seus netos,
Fusco e Heredia poderiam conseguir incluir no vídeo. Gómt>z- 1111•111.1ndo, então, o fato de os na tivos americanos não esta rem
-Pei'ia fa la de skinhcads tentando entrar na jaula, enquanro ele 11 ,ncl hores condições boje. O vídeo mostra um J1omem de
e Fusco documentavam o incidente em Buenos Aires, quando ,,,,•111 europeia ollrnndo fixamente o casal, totalmente absorto.
alguém jogou ácido em sua perna. 29 Entretamo, o vídeo mostra 1111<> Santos em sua expedição brnsileira, ele se maravilhava
um alcance razoável de reações. Muitos espectadores, para ,,,,, ,orno os " nativos" são fascina dos com os milagres da
su1·presa de Fusco e Gómez-Peõa, acreditavam que o espetáculo 11111!1,::ia que não conseguem entender. Ele continuou olhando,
era " real" e que os guatinau is vinham daquele mundo distante 111.1do, para a fascinação de lcs.J '
da terra da National Geograpbic.30 Eles descobriram traços de \ t r,,;1ções que o v[deo realça, contudo, são aquelas ele pessoas
ação ritual e outros sina is de 1>dmitivismo que reconheciam, ,r senti ram enganadas ou ofendidas pelo espetáculo. Elas
mas não compreendiam completamente. Outros mostravam ,h 1111 de pessoas que se sentiram atraídas ou coagidas a entrar
mais ceticismo. Uma m ulher, que parecia ser de origem maia 1111t•irn do descobrimenro e acr.ed itaram, ou sentiram, que
e que expressava interesse e conhecimento sobre a Gua tema la, 1\,1111 .~endo convidadas a acred itar que os "primit ivos" exis-
recusou-se a se deixar levar por mn,1 abordagem simplisrn (do tipo " " () cJUC explicaria essas reações, já que havia pouca ilusão
"é ou não é"') da questão da identidade nativa . Sua pose bastante 11,1rnticidade na performance? Com exceção da estrutura
defensiva e desafiadora sugeria que ela não era ingênua e que não 1t1tl)rid,1de oferecida pelo museu, os guias e a Enciclopédia
comentaria o fa to de que existiriam povos "não descobertos''; 1 111<:a, tudo que o público via era ostensivamente teatral.
ela d isse apenas que, quando se está disposto a pagar para se mnaui s, palavra que imitava "gua naanis" de Colombo, exigia
viajar para vários lugares em uma jaula, provavelmente vão 1c•dulid;ide. A ideia centra l da per formance era realçar, e não
aparecer cand kfatos . Ela rambém evitou noções essencia listas ,n.1111.n,-, a tearra[idade do colon ialismo. Fusco e Gómez-Pei\a
de a ure nticidade cultu ral, afirmando que as pessoas entram ... 1t,1VMl1 os e,rereóripos do que fazem os povos "primitivos".
numa sociedade e levam o que querem. Sua noção de sociedades l 1, 1tercóripo c,.a exagerado e contestado - os óculos escuros
em fluxo constante, a bsorvendo e ressemanti,.,ando materiais 11, 1b,1l.111çavam a pintura corporal, as "tarefas tradicionais"
culturais ·'estrangcii:os" , seguia as ideias latino-americanas ele 11111111 tr.1bn lhar em um computador. Qua ndo era paga para
transculturação, que explicam como aspectos das cu lturas nativas 1,. l 11sco cxcc11rava um rap altame nte não ritua lístico.
sobreviveram e contin uam a prosperar depois de 500 :mos de 111 1•11t1lo, duas perg,mtas: como se podia acredirnr no
conquista, co lonização e i111peria lisJ110. Outros espectadores s~ , "nlu 0 11 semi r-se ofendido por ele, afirmando-se que as
sentira m desrerritoralizados por meio do encontro. Uma mulher, , , . n1,1v,1m ~cndo "enganadas"? E, cm segundo lugar, por
percebendo esrar em terreno pouco firm e, dava risadinhns 11111• li•\ r~pr~iadorc\ do fil111t•, e o~ outros que se seguira m,
nervosas ao chegar à concl usão de <1wc o r~pl'tikulo transformava e 1111, º'" 1.uul\ r.1w~,?

112 l 11
Vamos começar pela primeira questão. A ingenuidade e ,,1 ,1 Cidade do México, não há lá lá. Eles, como muitos
engano são dois lados do mesmo desejo de acred itar. A pcimefr , 111d usive eu mesma, são realmente de lugar nenhum;
ace ita "a verdade" da pretensão colonia l, o segundo vê apena 111 1,·i10 ou de outro, somos rea lmente guatinauis, embora
a "mentira". Uma se agar ra teimosamente à versão ofici11 lo mudo como os espectadores são convidados a acredi tar.
a despeito das contradições patentes; <) outro sente apenas 11 de todas as armadilhas da d iferença, os sujeitos e objetos
afronta -será que não se pode mais confiar em ninguém? Algu 111 ~rr mais semelhantes do que se im agina . Para aJguns
espectadores queriam, clara mente, acreditar nos guarina ui 1.ulorcs, então, as barras da jaula na realidade ser viam para
Eles ansiavam por autenticidade. Um dólar era um p reço baix 1 , lo, dessa compreensão, marcando a fronteira rad ical
a se pagar por um encontro "real" com a alteridade. A noçâ uqui'' e º lá'', unós" e "eles'', não pennitindo nada que
tranq uilizadora de uma alteridade estável, identificável e "real 1111..r ou transculrural. Os sujeitos pré-coloniais, congelados
legitimava fanrasias de um eu real, cognoscíve l. A jaul a poderi "' 11·~,ência estática, não vivencia vam as identidades étnicas
indicar deslocamento, j,i que escava co.l oc.\dà no pró prio coraçã , 11~ 111isruradas de hoje. O corpo nativo era inacreditáve l,
da civilização. Entretanto, pode-se preferir acreditar qltC o desl 11.tn por ser "real", mas precisamente por não sê-lo. Ele
camcnto resultou de uma inter rupção momentânea do primiciv 1 p.tra ma nter uma djsrância entre o pré- e o pós-: pré-
dentro de " nosso" mundo. Não tinha nada a ver com as diáspora 111 d ~ 111 relação ao pós-colonial, pré-moderno em relação
e transformações cultu rais provocadas pelo colonialismo. VaH moderno . Ao invés de nos desafiar a reconhecer ma is
um dólar imaginar que a jaula prim itiva dos guatinauis nií , tml'lltc a heterogeneidade racial e cultural das comunida·
refletia indi rerarncnre os problemas de nossas sociedades pó , t , l\méricas Latinas, em que os próprios indígenas reais
-modernas e, de modo mais enfático, não indicava o que Ho11 ,.,,1<1111.t viver nos centros industrializados, Oll ao lado deles,
Bhabha denomina a "estranheza" (unhomeliness) da condiçii , ,11 força a criaçã.o de fronteiras distincas e identificáveis.
colon ial e pós-colonia.1 , que se estende de 1492 aré o presente. 11 " /11 longe, forn do tempo, mais além da civ ilização, o
A jaula prometia a segurança do reconhecimento parcial; 11111vo nu e mudo seduz o espectador pós-moderno deses-
visitantes podiam se maravilhar com o estereótipo dos nativ( !, 11ln, ~unhando com posições fixas, identidades csníveis e
desenraizados sem se preocupar com a realidade contemporâ no o,. 1 1rconhccível. O grau em que alguns dos espectadores
do deslocamento e da migração. Hoje, a maioria dos povos na1 "" 11 ,1111 n negar a rea traliclade marcada da performance
vos do mundo (se não forem todos) são desenra izados, forçad , , 11110 r rn profundo seu investimento em manter a fantasia
a migrar ou empurrados para dentro ele reservas de a lgum tip , 11 l'.trccc que a 1í lri111a coisa que queriam era recon hecer
Porém, pode-se fingir que o espetáculo de des locamento na 1 mpurnncidade do encontro colonia l pós-moderno e pós·
escava relacionado com essa história, ou com a história acua i ( , 1 1 1lvc1. seja isso que torne o espcrácu lo rão perturbador
exílio político ou de migração, nas Américas, de artistas como 111111, r,pcctnd ores - quando chegav,,m perto da jaula e
cubano-americana Coco Fusco e o chi/ango-mexicanó·chican 111 li .unente pnrn os "selvJgens", eles viam a si mes mos
Gómez-Pefia. O "lar", para o migrante, "está sempre cm outr 1 ""' u~ 11Jo~ e~cu ru~ dos a rrisrns.
lugar", como observa Gómcz-Pefia.33 Para Fusco, desrerrirot •.t , 11, 1w11.11lur pur,1dt•11lro dn ,noldura, fazer as pessoas
lizad.a de Cuba após a Rcvoluçiio, ou para Gómei-Peiia, qu 11111 ,n1.1, u11110 ~,1101'·1d111111r, ,11 ~ f.1111.1sin~ coloniais: é

li 1
d isso que i:rata ni a performance e o vfdeo. Enrão, por que tantas , •• que realmenre tentaram a br ir a jaula durante a turnê mundi al
pessoas que concordam politicamente com o projeto ficam cão 1,11,1111 os skinheads que queriam atacar os arores fisicamente. O
zangadas? Eu adoro o vídeo, bem como a performance ao vivo 111~ fazer, então? Entrar no jogo como um "bom" público? E o
q ue imagi no ver nele. Entretanto, acredito que a raiva vem, em IH<', exatamente, significaria isso? Participar da fantasia, posando
parte, d,1 qualidade de "teste'' que am bos têm. Não importa o t· 1111 uma fotografia com os "nativos"? Seria apropriado rir do
que, somos maJ.s uced idos. Porém, somos ma lsucedidos por dife- 1hvi11 modo paródico? Ou seria isso altamente inapropr iado,
rentes razões, dependendo do modo de i:ransmissão. Deixe-me ,11,i<lcrando a histó ria violenta do Oc idell te, relacionada à
aqui apontar a lgumas diferenças importa ntes envolvidas na lhi,ào, encarcera mento e exterminação de seres humanos?
transferência do repertório para o arquivo. 1' vrríamos sair do museu e cancelar nosso status de sócios da
Na performance ao vivo, o '' teste" tinha a ver com a dúvida , , 1ruição? Como Bartolomé de las Casas, não sabemos se rimos
sobre se os mem bros do público ir iam concorda r com as ·• ~,· choramos.
expl icações do "especialista" sobre os guarinauis e sua ilha. P,,rccé·me que a jau la p ren dia os especta dores em uma
Se os espectadores acreditassem no espetácu lo, eles eram tolos 11h1tlilha, na situação é/como da performance (ver Capít ulo
cJédulos ou colonialistas egoístas. Mas, e se eles não acrediras- 1, ~ jaula é uma performance - sua o ntologia determina sua
sem no espetáculo, isro é, se eles ente11dessem que se u·atava de 11u1·c,a efêmera, colocada entre parênteses. Ela é uma obra de
uma performance artística? Alguns reconheciam que era uma 1,, produzida e apresentada po r dois artistas que saíram em
performance sem reconhece r que Fusco e Gómez-Pcfia era m "11~ para criticar o 5° centenário do descobrimento. Contudo,
os artistas. Coco Fusco se queixa de um visitance da Biena l do 11111,> da performance sinal iza sua outra d imensão como lente
Whitney Museum,q ue qlleria pagar 'LO dó lares para lbedar uma 11 h ,1, rnmo sistema heurístico. Como comenrário crítico da
banana para comer. Em seu ensa io ela diz: "(... ) mesmo aqueles 11 111w1çiio colonial e da exp loração dos povos nativos, a jaula
que viam nossa performance como a rte, e não como um artefato, .., ,111 espectrologia da performance, a aparição incorporada
pa reciam ter prazer em se engaj,ir na ficção, paga ndo para nos 111 ,uicas colonia is que desaprova o gozo e o prazer e,srético. O
ver encenar atos completamente sem sentido ou humilhanres." 3' h n evoca roda uma histó ria de apresentação e representação
Seria poss ível argiunemar q ue, pelo contrário, o homem estava ll to desapareceu. A citação do jornal que abre este capítulo é
apenas querendo entrar no jogo? Perguntei a Gómez-Pefia o 11.1~ rn:iis uma indicação de que as orga nizaçõesgovernamen-
que seu espectador ideal teria feito . Ele afirmou: "Teria a berto ", orporaçõcs e os cidadãos ele todos os ambientes políticos
a jaula e nos soltado." Porém, diferentemente da performance ,111111.1111 ~cu em bate com o rt>teiro do descobtimemo e de que
que Górnez-Pefía e Ro berto Sifuentes encenaram na fromeira o l1l poder afetivo e explicativo. Não há reação apropriada,

Tijuana/San Diego, em q ue eles se cm cificara111 e pediram cxpli, 111111111 resposta ''verdadeira" ou "falsa" a esta perfor mance
cita mente ao público que os descesse da cruz, não há nada nessa , 1111u ob5crva l'usco, "encaixa-se em a lgum lugar, enrre a
performance que convide a uma interYenção. A proibição contra J .,J, ,. ,1 ficção" (p. 37). AlgL1 11s espectadores se sentiram

a intervenção não solicitada vem especificamente da natureza l1ol11, Outros se sentiram tristes e confusos.
art[stica da peça. As pessoas que reconhecem as convençõe-~ do r
'"~ ,Ir r~•,C C~todô de COnfusàoj prazer Cu lpado t risteza
performance, como Cervantes demonstrou de modo feroz cm ,, o,, ru 1111to, o poder e o bri lho da performa nce. O roreiro
Dom Quixote, niío interrompem o csp,•1,1c11 lo, E, im11icamt>n1t'. 11hn111r111 o "1 111intm n nos;1~qombr11r; em bora se associe a

Ili, 117
conquistas passadas, é repetidamente conjurado, no aqui e agora, uma história de desumanização de sujeitos humanos? (Apesar de
para o ganho político, evangélico e econômico. Os espectadores ,1preciar sett humor sardônico, sa bia que eu não havia passado
precisam se posicionar dentro desse roteiró e não há neohum ,u, teste.}
lugar seguro ou confortável. Participar da performance ao vivo Outra questão: a performance critica a história da prática
permite aos espectadores se sentirem ao mesmo tempo conta- 1•1 nográfica do Ocidente. Contudo, colocar o espectador ern

minados pelo espetáculo e çesponsáveis por se posicio11arem cm Keque seria automaticamente LHna forma de criticar. o foco
relação a ele. ,•tnográfico de mão única? Enquanto a performa nce ao vivo nos
O vídeo - a performance, agora captada e transferida para ,1rua a todos no campo Jacaniano <lo olhar - em que estamos
o arquivo - acentua mais o desconforto does ectador u.ando rodos dentro da moldura, observa ndo-nos uns aos outros em
se depara e repente com o eseetáculo perturbador de pessoas on~so ato de olhar -, o vídeo muda as fronteiras. Novamente,
trnncadas em jaulas. Diversas pessoas com quem assisti o vídeo ,piem o assiste está fora da moldura, é o que vê sem ser visco.
se zangaram com a câmera iJnportuna que revela os espectado - Jlodemos rir das reações uns dos outros. Nós sabemos, eles não.
res como colonialistas secretos ou como simplórios. Saltando ,\s hierarquias e epistemologias que a performance atacou estão
sobre o espectador com a intenção de criar " uma surpresa ou 111 perigo de sere1n reproduzidas. Nosso ato de olhar se coma

'encontro estranho"', o espetáculo surpreendetia qua lquer mn:u unid irecional e invasivo. A credulidade "deles" reafirma nossa
Como afirmou Gómez-l'eíia ao final do vídeo, às vezes demora 1,1bedoria superior; "eles", novamente, servem para "nos" esra-
um pouco até que os espectadores entendam o que estão vendo hil izar. Será que reverter a lente et nográfica, embora de modo
e seu papel nisso. A maioria de nós sabe cudo sobre respostas 11·tlônico, se mostra menos invasivo do que a prá tica ecnográiic.a
imperfeitas, pausas dolorosas ou ditos espir\cuosos atrasados. •IUt está sendo criticada? Diferentemente da performance ao vivo,
Entretanto, embora houvesse sido a incenção dos artisras criar •111c oferece aos espectadores a oportunidade de olhar e olhar de
uma pausa parn a reflexão na performance ao vivo, esse é o 11ovo, em suas tentativas de lutar contra o colonia lismo no cora-
espaço que o vídeo não nos possibilita. Muito pelo contrário, ele . lo e na alma das culturas ocidentaís (considerando que quem faz
congela a resposra imediata. Antes que o espectador possa digerir ,, vídeo nãt) se lança sobre eles}, o vídeo "captura" ou "enjauJa"
o espetáculo e chegar a um acordo com ele no aqui e agora do ,11•,pectador. Como os sistemas de representação que parodi.i,
"ao vivo", essa resposta é transferida para o arquivo e transfor• 11mdu1. e expõe, ele produz e expõe o outro e, involuntariamente,
mada em uma ex ibição para outra pessoa. Como espectadores cunívente com os prazeres etnográficos que, a principio, tem a
de vídeos, n~1sso prazer é, de algum modo, ligado aos tropeços 11ucnção de desconsrruir. Encão é este o objetivo? Mostrar que
dos membros da audiência ou, pior ainda, à sua humilhaçãó. 11.lo h,í nenhum "Outro", nenhum sisrema coercitivo de represen-
Pessoalmenre, sinto-me gloriosamence. l,uino·àmericana quando ' ,,~o? Estamos todos presos em nossas tradições performáticas,
assisto ao vídeo, dotada de poderes, sabendo que eu entendo e •• 11•r11edando os gestos originais e elucidativos, aparentemente
"eles" não. É isso que é relajo. Por meio de um ato disr.uptivó, ,11 fim, de limpar a lousa, feitos por aqueles que vieram antes
relajo cria uma comunidade de 1·esistência, uma comunidade de 1 uós, mesmo enquanto lutamos para pôr fim à jaula? Ou será
oprimidos, como diz o teórico mexicano Jorge PorriUa. 36 Relajo t 1111 o problcmn tem 111t1is n ver com o modo como a etnografia
um ato com atitude. Deve ser por isso que eu o adoro. Mas meu , prrí1>r1111111cc se 111111,1111 p,11,1 rnlocar no palco a alteridnde
próprio prazer me im:omodn . .~ c~rn ,1n•,pn,1,1 "npropriado" 1>11r,1 11q1i.111111 huAc1un 1•111, 1d,11 ".J1 1111.1 do~ encontros cu ltnrais?

11·1
ETNOGRAFIA <.:<>mo afirma Turner, citando a afirmação da ordem incontes-
1,ivel de nosso sistema solar por Ga li leu: "E, no entanto, ela se
A etnografia não apenas estuda ,1 pcrforrn ~ (os rirnais e
fll OV':, · acu 1o e' " rea l" ; e !e vem primeiro, o etnógrafo
. ,. uJS O espet,
dramas sociais a que os wmenta ores em gera l se referem); ela
insiste, o arcabouço teórico vem depois. 39 Ainda assim, nós
é també1n uma espéc ie de pecforrna nf'e Alguns cornentadores
poderíamos responder: so mos os produtos de nossos própr ios
sa lienran, que eles rea lizam emografia ao registrar dramas
sistem as epistêmicos; não estamos mais fora dos repertórios
sociais, ação ricua I e o urras formas de comportamento reite-
ru ltura is que nos produzem do que a Ter ra está livre da atração
rativo . O etnólogo estud a os aspecros teatra is normalmente
do sol. F.s te O utro criado e ficcional, filho do repertódo cu ltural
associados com a representação teatral (movimento, linguagem
wlunial, é a figura que Coco fusco e Guillermo Gómez-Peiia
corporal, gcsro), a encenação (pano de íundo, contexto), a
1:ipturam e colocam atrás das grades. Sua encenação mostra a
criação de enredos dramáticos {crise, conflito, resolução} e o
violência da performance etnográfica que tenta se passar por
significado cultural. O objeto de análise é o comportamento
rc.11, violent a porque seus cordéis teatra is esriio escondidos das
cu lmral incorporado presence que, como nas perfomlanccs
Vl\ras do espectador. Supõe-se que o observador da etnografia
teatrais, acontece no aqu i e agora. O etnólogo (como o diretor
"verdadei ra" (em oposição à paródia de Coco e Gómez-Pefia) a
teatral} faz a med iação entre do is grupos sociais, apresentando
vt'ja como autenticidade objet iva ou como prova da alteridade
um grupo para o outro de modo unidireciona lY O grupú alvo
1,11lical, e não como fantasia .
que é objeto de análise (os nativos) em gera l não vê ou analisa
Enrreranco, há também uma maneira como a performance,
o grupo que se bene ficia dos relatos do etnólogo ou os consome
(o público). E, ,nu iro raramente (se é que isso acontece), esse
º" pelo menos esta performance, é etnográfica - embora calvez
grupo tem a oportunidade de responder às observações que, em 11110 Jo n~odo que precende ser. Muito da performance·, de certa
111,111cira, tem algo em comum com a matéria-prima da etnografia,
alguns casos, pode nu nca ver. O público presente no encontro
,11·1g111ando-se dos comporramenros sociais, rituais e dramas que
etnográfico não é o público pretendido.
Além disso, o etnólogo tem um papel no drama que ele ou ela "Htnógrafos transformam em seü ioco.A performance, tambem,
(teoricamente) está a li apenas para observar. O enc(>ntro é cons· • 1,lorn o uso da significação do gesto, do movimemo e da lingua-
truído de modo reatrai, encenado no aqui e agora, e não como , ~m ,orporal para dar sentido ao mundo. Os arriscas do século
descrição narrativa no tempo verbal passado, mas sempre de X te111aram ativamente se reconectar à ação ritual, como está
olho nos leitores futuros. O ernógrafo isola um momento (aqu i, vldcmc na escrita e 110 trabalho de praticames importantes c()mo
o drama do descobrimento), escolhe o elenco de perso nagens \11.1ud, Grotowski, Barba e outros. Contudo, a performance não
graças ao enquadramemo do acomecimento e lhe co11fere forma qwnns algo que se faz, uma forma de se levar algo a cabo. Como
e sentido. O Outro etnog ráfico, como o personagem dramático • •111ografia, ela também rcm serv ido como um insn'Ulnento de
11 lh~e c11lrural, embora a sociedade q ue está sendo examinada
representado por um ator ou como o "índio" de Colombo,
11 1111•1·,1l scjn a do artista, e não a do Outro. O sujeito da análise
é em parte "ve.r dadeiro", e cm par.te "ficção"; isto é, corpos
verdadeiros passam a incorporar qualidades e característica~ 1l"'J forinnncc d11 jnL1 la 11i'io é o c:nsal dentro dela, mas o pú blico
ficciona is, criadas pelo etnóg rafo/dramatu rgo/dcscohridor. 1 J n1,1 Iara. C.t·rt.1111,·nr,•, ., lu~tórrn e o prática da emogr;ifia
11 1, '" il ,,10 " ,1h n d,1 11,11 '" 11,1 11111 r111 1 ,1 prríormo11ce ~. em si,
Contudo, o crnógrnfo insi~t\' \'111 q11C' (l CNflCtúrnlu (: "rcnl" m,,

1111 1 1
etnográfica. Como o etnógrafo, esses artistas performáticos fize- 1 rlutbador (o tratamento dos povos abodgenes)? Em parte,
ram suposições sobre os espectadores imaginndos (um "público " 10 .:u, o desconforto é relacionado à desconcer tante estrutura
branco", como Fusco o descreve no p,irágrafo de abertura de seu 1 v~rdadeiro/fa lso. Mas d iz respeito também à maneira como o
e.nsaio), formularam seus objetivos (''criar um encontro surpresa 1lhlirn está sendo construído. O exame minucioso do público no
ou 'estranho', em que as audiências tinham de passar por seu "lco ~caba por transformar· os espectadores em espécimes. Será
próprio processo de reflexão quanro ao que estavam vendo"), llll' o encontro nos dá mais in formações sobre nossos próprios
definiram sua metodologia (performance interativa), ajustaram '"dose fantas ias culturais, sendú que " nossos" se refere tanto
suas expectativas de acordo com a informação obtida nesse ,, ~úblico na performance quanto àquele captado em fica; ou
campo ("Nós não antecipamos que nosso comentá rio autocons- 1111111 os dados usados, class ificados e apresentados a outro

cienre sobre esra prática pudesse ser crível").'º Eles em.ão deci- ,1hlirn diferente? Será que este público consegue responder ao
d iram medir icoletar dados quantificáveis) o tamanho e alcance l'fl.ículo, e não como espetáculo?
das reações dos públicos que assistiram às performances. Essa t'ssas perguntas, embora dirigidas à performance e, parti-
anál ise levou \l cerras conclusões so bre esrereódpos e ansiedades 11l11r111cnte, ao vídeo da jaula, valem para oucra.s formas de
1 1lon11ance que reriram o foco do palco, passa ndo-o para
cult utais profundamente arraigados, que se ma nifestam cm certas
formas de cúmportamento público por parte dos espectadores 11ublico, em uma busca de aferir seus hábitos e sistemas de
(desgosto, discurso insultuoso e humilhante etc.), que foram , . 11(,1. À medida que a cu lrura se torna menos um sinônimo de
1 1lormance do que seu campo de trabalho, e que a performance
então desmembrados e classificados de acordo com idade, raça,
classe, gênern e origem nacional. "Descobrimos que as reações ..111rilica nosso entendimento da prática CLLltural, de modo que
dos jovens têm sido as mais humanas", escreve fusco (p. 52). onhccemos a natureza ensaiada, produzida e criativa da vida
Ou: "Diversas artistas e intelectuais feministas em performances •t11diana, talvez possamos ser desculpados po( querer saber
nos Estados Unidos" d isseram isso (p. 55); "Artistas e burocra· 11111m são os artistas, quem é o ett\Ógrnfo, quem o crédulo ou
ras culturnis, a autoproclamada elite", fi7,eram aquilo (p. 52); , olonial ista enrnstido. Quem, em última instância, mexe os
"Pessoas de cor que acrediravam, pelo menos inicialmente, que 01déis reatra is? Neste drama extremamente estranho e p6s-
a performance era real" fizeram ou tra coisa (p. 53); e "Brancos 111,1derno de encontros cultura is, quem está posicionado, e cm
fora dos Estados Un id os eram mais lúdicos em suas re.ições 111r lugar?
do que brancos americanos" (p. 55). Enquanto a performance
arremeda sardonic.amente os gestos das exibições etno ráficas
e desmonta o' real" que e es s1mu am revelar _Q,Qr sua
vez, quer funcionar como um "documento" de comportamento
cu tural. Assim, seria esta tuna etnografia inversa, que sardoni-
camente destaca a violência inerente à prática etnográfica, como
pretendem Gómez-Pefia e fusco; ou seria apenas emúgrafia,
incluindo sua própria violência inerente? Seria o dcsconfortú
manifestado pelo público,hnplesmc.,m(• rclucionadú ao conteúdo

IZI
1,ll
3

MEMÓRIA COMO PRÁTICA CULTURAL


Mostiçagem, hibridismo, transculturaçõo

11.1rio: Cidade do México. (Mrisica de espi11etn. Silêncio.


1 .. 11r1dão. Um foco de /11z sobe até a rNTERMEDIÁRI/\. Ela esttÍ
,,1,,d,1 em ,m,a cadeira de vime e se veste como uma mulher do
, ·hlo - blusa bra11ca e sa,a tão esc11ra como o rebo1.o que //,e
,1,,., ,, wbeça .)

1111Ml!01ÁRIA: Escutei meu coração batendo a tarde toda .Terminei


m111has rn rdas cedo, então sen tei aqui, quieta, olhando parn fora
0111 olhos embaçados, escutando meu coração bater de leve de
11um1ro a meus seios, como um amanre cauteloso barendo antes
,1, 1•m,·nr, ou um pintinho bicando as paredes de ~cu ovo, tentando
111 .,o ,•ncon1 roda luz. Comecei a imagina r meu cornção ... (Ela
1 , 1 a 111,10 ,w seio.}... um,1 anêmona-do-mar... intrincada, de
"' ,lt'licada, guardada em sua caverna, um organismo eficiente,
,h 11nrnte mct6dirn, clcvocado ii tarefa de regular dist~ncias
111 hm de canai\ crepusculJCeS, alguns largos o bastante para

1111dnJ.1, rc,11\, outros ,1uc mal dão tl:'1ssagern para um barco,


111 11 11onv1mr11111 v,111t1ros11 dos remos, levar legume~ e çomidn
r, , , 11u·r. nln. r,11111, dr pul, 1mlu rr1411l,irmcnt<', rm ordem.
1, 111 ,. .,hr,·111 r le h 1111 1111 111111u ,l 1 ""li·n• rn11111lu; 1d,I\ J.1
flor sempre poderosa do coração. E então pensei ... E se todos os l1 ,1~ilo que marcam a C idade do México, hoje a cidade mais
corações do mundo batessem ao mesmo tempo? mas volto a isso ,pu losa do mundo. A Intermediá ria faz um intervalo em seu
mais tarde. Pensei no ar também ... Ele tinha cheiro de fumaça ' ,b,1lho que, como somos levados a supor pelo seu nome s ,
e comida estragada ... mas eu era como um peixe, sentada em / i e_ ~c u. grito de "NOTICIAS!", tem algo a ver com ; a:;
minha cadeira submersa no ar. Eu podia senti-lo de encontro a ~s~1m1lar e comunicar informações e conhecimenros. El
min ha pele. Podia sentir suas correntes roçando em mim, como •lltl·mp!a o que sabe e como sa be. Ao descrever os movimen-ª
pétalas da anêrnona - ar que bate e circula. E então comecei a . tlt· seu cora çao - - um orgao
, - que, no pensa mento méxica
pensar sobre tu.do que co11heço. Conheço muitas coisas. Conheço hn1111 a memória -, fica claro que seu corpú funciona com;
11 odu lo de convergêricia que une 0 ·111 d. ·'d
ervas. AlgLunas curam, outras têm gosto bom ou um cheiro doce, l\·1 ua1ao colec1.vo o
algumas têm efeito poderoso ... elas reconcilia01 ... algumasçausam 'IV.ido
J ·
ac:, social, o diacrônico ac:, sincrônico, a merno· n.a 'ao
morte ou loucura, e outras simplesmente fica1n pesadas com ,o 1L-c1mento. Ela encarna o lócus e os meios de comunicação.
tantas florezinhas. Mas eu sei rnais. Guardo dentro de mim parte
de tudo que vi: rústos, multidões, vistas, a textura das pedras,
cantos, muitos cantos ... e gestos!. .. contatús! Também guardo
memórias, memórias que antes pertenceram a minha avó,a minha
mãe, ou a meus am igos ... muitas que eles, por sua vez,ouviram de
seus amigos e de pessoas muito velhas! Conheço texros, páginas,
ilusões, sei ir a lugares. Conheço estradas! Mas o conhecimento é
como o coração, escondidú e batendo, brilhando imperceptivel-
mente, regulando canais que correm para trás e para freme para
outros canais, torrentes e corrcmes inesperadas, controladas pelá
complexidade radia l de venrrículo.s centrais muito poderosos.
Todo tipo de notícia chega a mim rodos os dias: acontecimentos ...
todos eles tomam forma. Aconteci mentos cêm som e brilho; dos
se fazem explícitos, oraculares. Eles se entrelaçam e germinam. As
coisas acontecem e eu as úUço ... Eu as recebo! Eu as comunico!
Eu as comunico! Eu as contemplo! (E/a. se levanta.) NoTfCJAS I
(Escuridão. Escutamos o bamlho forte e. o guinc/Jo do descar-
rilhamento de um trem. Clarões de relâmpago. Escuridão.
O JORNAi.E iRO entra correndo.)'

A peça de Emilio Carballido, Yo también hablo de la rosr1,


ap resentada no Méxicú cm 196.5, abre com ti imagem de umn
mulher mestiça, senrada ca lmamente em meio aos sons e il
,•l,1~ pulsando regularmeme, em ordem". A memória, como o
A jornada at ravés dos movimentos intcrnoscfo seu corp e dos
, oração, funciona no aqui e agora - oma linha do tempo ent re
r itmos dele é também uma jornada para fora, através de sua
p.1,,ado e futuro. A consciência da Intermediária liga momentos
pa isagem da cidade, passado e presente. Seu coraç~o bombe!a
lu~1úricos: Cidade do México, capita l da República do México
os fluidos virais por e.mais largos e passagens estreitas que sao
,111tcmpo1·,h1ea, México-Tenochtitlán, centro do amigo império
suas veias e as veias da antiga cidade de Tenochtitlá n. No século
nwxica. E sua identidade culrural como mestiça é um produco
XVI, esses cana is permi tiam que alimentos fossem transportados
l,•ssa história. Há lHll continuum entre o interior e o exterior,
por chi/ampas (cano.is rasas) através das rotas inni ncadas da
1~, im como há um continuum entre o presente "ao vivo" e o
cidade. As gôndolas reais dos tfatoa11is {governante, literalmente
1•,1ss;1do v ivo, e uma noção (ou, ta lvez, ato de imaginação) de
"aquele que fala") méxic,,s também passavam pelos canais na
1111• indivíduos e grnpos partilham coisas em comum 110 aqui/
anciga cidade do tvléxico-Tenochtitlán, a cidade mais populosa
11111r., e no lá/então se torna e.vidente por meio da experiên·
de seu tempo -, uma cidade de canais, caminhos fluviais e pontes
2 1,1 mcorporada . Como afirma Connerton em How Societies
feitas pelo homem - situada em uma ilha no meio de um l~g?.
1 m1e111ber [Como as sociedades se lembram):
A lntermed iária percebe seu co rpo como receptor, deposito
e transmissor do conhecimento que vem do arquivo ("Conheço
textos, páginas, ilusões") e do repertório de conhecimento incor· ( h gmpos oferecem aos indivíduos estruturas dentro das q ua is suas

penado ("Também guardo memórias que pertenceram a minha


•·1 mi'>rias se localizam , e as memórias se localizam por uma espécie
avó, a minha mãe ou a meus amigos") . Ela sabe navegar en tre 1 111.1pea menro. Nós situamos aquilo de que nos recordamos dentro
as fonces e os tipos de conhecimento e faci lita sua circulação. • , p.1ços mentais fornecidos pelo grupo. Porém, esses espaços men-
' ti ( ... ) se reponam a espaços materiais ocupados por determinados
Seu corpo não é simplesmente uma meto1úm ia da cidade e da
rede socia l maior. Em vez disso, a forma como ela se encaixa , 10·11 •s sociais.3
em seu ambicnce, a manei ra como sua consciência está ligada
à pulsação psíquica da cidade, pode sugeri r qlle cada uma é o e icl.1dc do México certamente funciona coJno o espaço mental
produto da per o rmance a outra. Como se pode vir a habitar e 11111tcrial que oferece uma estrurura para a memória individual
pressentir seu corpo como sendo de extensão igual a seu ambien:e nlct1va. Os ed ifícios e o plano arqu itetônico lembram até ao
e a seu passado, enfatizando a natureza porosa da pele, e nao 1 "1111c mais distraído que este espaço é um lugar que traz as

seus limi tes? Como construir uma cidade com o formato de um "' ,,, dn vio lência. A Cidade do México é, hoje, um palimp-
coração, con1 as artérias levando pessoas e me1·cadorias parA '" de nisrórias e temporalidades. A fotografia na Figura 10,
, 1,l.1 Jas ruínas do Templo Mayor, evidencia a prática social
dentro e para fora? . .
A 111emória cultural é, entre oucras coisas, um ato de 11nag1• 1111qu1laçiio e sub-rogação por pane dos colonizadores. O
nação e de interconexão. A Intermediá ria começa a irn aginar 111111, 11,, a~tcca, ou templo mayor, que se local izava no centro
seu coração- sua memór ia. A memór ia é incorporada e sensuah 1111111<10 11nu.i rio século XVI, foi derrubado por indígenas
isto é, invocada or meio dos sentidos; ela li a o rofunda111ent 1,111111rndm que foram forçados ,1 desmantelar seu próprio
privado com práticas socia is, até mesmo oficiais: às vezes 111,111 1 k, fornm, ~·111 se!(nicln, obrigados a usar ns mesmas

mcmócia é difícil de evocar, mas é :dta mcnre ef1c1cnrc· c~t Ir 1 1•o1r,1 ,n11~1r1111 1 l.lll'.lt,d <j\lt' domi11n o :;:;ócalo, o centro
sempr<: 11·abs lhn 11do ~m conJ.u11u1, 0111 crn1 r~1116ria~, "rodn1 l 111111.i r,111v11 .ln \a11 , 1, • I ,\,, 11111dn 1•1y.u1· s1• o monumenr,, no

1 '/
neocolonialismo contemporâneo, a corre la tino-americana, o 11,111anto se levanta para apressar a ação. Os acontecimentos
edifício mais a lt<) da América Lati na. A paisagem, como a cu lmra, lo mín imos. Durante toda a peça apenas uma coisa acontece:
como os próprios povos (a peça sugere), são todos produtos h1J, crianç,1s pobres (Polo e Toiia), que esrâo brincando em um
mr>111c de lixo, dcscarrilharu um t rem de carga que passava. Os
de práticas sociais violencas, que se definem mutuamente e se
1111c.:cdentes também são poucos. Polo não est~ na esco la porque
caracterizam por códigos duplos e triplos - tradiciona l e pós-
11 (11 tem sapatos. Tona falta à aula porque não fez o dever de
-moderna, enraizada, sobreposca e incer,ticial.
1~,1. Eles mexem nos telefones públicos procurando moedas;
Jlnsram as n10edas que encontram com um vendedor de balas,
l'~r,lcm as moedas, depois as recuperam, compram ba las e dão
1l1,1uns centavos a um vagabundo que passa. Eles encontram
1 u .1migo Maxirnino, que lhes oferece clinheir.o para ir à escola,
,11,1, eles recusa m, para br incar na lixeira: "N6s podemos achar
1l11111na coisa. A gente pode ver o trem passar" (p. 49). As crian -
1~ dançam, fazem p iadas e ap<1nham coisas. Uma delas é un1
1, 1ldc grande cheio de cimenro, usado e depois descartado por
1l1111ns operários. Por impulso, eles rolam o balde por cima dos
nllhos enquanto o trem se aproxima. As luzes do palco lampejam
h1' 11cticamence, enquanto o público ouve U11l estrondo terrível.
\i luzes se apagam e, em Lun segw1do, ouvimos o jornaleiro
,11 rendo pelo teatro, gritando as mancheres .
As 21 cenas da peça pulsam em bacidas de coração.A io1agem
1~ rosa no t ítulo funcio11a como um conceito episremológico
"'fl·\niz,1dor; cada cena acrescen ta mais Ltma camada de sentido
~,, todo. Com humor delicado, Carballído apresenta as várias
h nri;Js em relação ao aciden te, que é reencenado quatro vezes,
1, JWrspcctivas diferentes. Um psicólogo freudiano fa la da "culpa
• m1d ida e desejos de autopunição" e diz que podemos entender
11h10 nu exa minar cuidadosamente o indivíduo, a péta la da rosa.
1 1~ compara u depósito de üxo à natureza humana: "Não acre-
h111 que seja necessário rea lçar q ue, pela própria natureza, existe
10. Ví">t::i das ruínas do Templo Mayo(. Arrás dele fica a C:atedrnl 1 111m de cada um de nós L1m verdadeiro depósiro de lixo!" De
~açional e,ao fundo, ::'I torre htüno~,m,cricart.t. Foto: Dian~ Taylor, L999, , " ' do com o teórico marxista, snmcnce podemos compreender
Somente depois que a Intermediária se local iza como uma knl\munos no o lhnr o coletivo, a rosa completa. O aro das
recepcora/transm issora dentro clessn rede de comunicação, , ,.111\,l'i rdlc1,• u, "'11 ,11lr.1cl11, ex1remos" da violência econô-
Carba lli du c<;>nrirrn.1 ,1 nçfio: "Ntl'l ÍCIASI", c ln ununc i,1, 111, ,, " 11, ~r111 d11~11l 1 111111 r,pr,,,~.10 dara da lura de classes."

1 1
1111
As manchetes do jornaleiro dão, alternadamente, às crianças os ,,, s11hcm como inrcrpr.etar o sonho, ou a qual cidade ir. Essa
papéis de vagabundos, esquizofrên icos, criminosos e de p ro le- 11 •1,1\·:fo difícil é antiga, como aresra a lenda nau a, mas é também
tários sem direitos. O professor das crianças culpa a armosfera •nt'rmporânea e urgente. Eles atiram para cima uma moeda
geral de "indolência", ''estupidez" e "falta de espírito cívico". ,11110 as crianças na peçn), que cai em uma fenda . '"É um sinal',
As mães das crianças culpam a ausência dos pais (por morte ou 1 di sseram, e acamparam naquele mesmo lugar e esperara m
alcoolismo). A atenção públ ica focaliza o "acontecimento" como , rn ,rrq sinal ( ... ) out ro sonho. (...) O sinal não veio nunca e
um caso limi te que resume o sensaciona l e o extremo, mas ignora 11,lo decidiram cumprir a qrdem a li mesmo onde estavam. Era
o crime da pobreza, marginafüaçâo e desigua ldade social. O 111 lugar estéril, coberto de mato e pedras" (o depósito de lixo?},
apresenrador de um p rograma de perguntas e respostas mostra I"" rlcs limpáram e em que construíram uma "igreja muito
três imagens de uma rosa-o dose da estrutura celular, a pétala, a ,111t·nn", Os homens, ,•estindo os trajes de seus ancestra is de
rosa inteira - pedindo ao público para identificar a única imagem ui,·~ da Conquista,
autên tica. Todas as outras imagens devem ser eliminadas como
fa lsas. Os c(>mpetidores que escolherem a imagem certa da rosa l .. -1>cr,11n mescal e enrão dançaram e rezaram. Eles dançaram naquele
ganharão um prêmio. Para os caradores que apanham os sacos "'" rnmplicado que havia sido passado a eles por seus pais. Rezaram
de comida espaJhados no descarrilhamento, o acidente é uma ""11·ilcs que haviam aprendido desde a infância . Doís homens can-
bênção. Para os proprietários do uem, é um ato crim inoso de ,I<>~ <' sujos, e11feitados com penas e espelhos, dançaram e rezaram n.i
vanda lismo que custou cinco mi lhões de pesos. Os passanres e 11.11111,clade rtoturna desse loca l ermo, sem respostas. (...) Seu tempo
outros personagens variaclos oferecem suas teorias - nenhuma, 1hou e eles não corthcciam outra maneira mel hor de sarisfaztr os
na verdade, mais atraente do que as oucras. 1 ' " hos do ser arbitdrio que havia falado a eles em seus sonhos.
No total, a Inrermediária aparece quarJ"o vezes na peça -com
livros, com advertências, com histórias, com incer.prernções 1',,r meio de h.istórias, a Intermediária vê o passado e o futuro
enigmáticas. Ela enfatiza os desafios da interpretação na história Hll<'jlra as muitas partes ao som rítmico do coração de cada
dos "Dois que sonharam". Trata -se da história de dois hol)lens " l1111endo ao mesmo tempo. O depósito de lixo se transforma
(gêmeos? irmãos? amigos?} que viviam cm aldeias diferenres, 11 11111 loca l mágico de recontextualização e transfotmação.
Chako e Chal111a. Cada um em sua aldeia e exatamente na , 1111erpretação, de que as crianças se tornam pa rte de tudo
mesma hora, os dois homens sonharam com uma figura prodi- oh,1 deles, pode não ser mais convincente do que as outras,
giosa q LLe apa rece, insrruindo-os a ir aré à cidade do o utro e, , 11'111 o papel vital de abarcar as muitas interprerações. Nessa
junto com ele, rezar dianre do sanmário ao lado de sua casa. , 11111rição fina l ao término da peça, ela é uma figura verda-
Os dois acordam, andam em direção à outra cidade e se encon ,, 1111t•1uc respla ndescente- dotada de luminosidade espiritual.
tram no t11eio do caminho. "Cada um conta para o outro se11 i,I ,, ,•m tlltima instância,é decidido na peça, que oferece apenas
sonho e eram idêmicos (... ) como um espelho co,11 duas imagens u11, 11,1lp1tcs a rcspeiw do destino dos personagens. Ao final,
contraditórias." Essa história, cujas raízes datam do século XVI. fui. 111wdiiirin 1105 pcr14unt,1, de maneira enigmática: "Vocês
fola tanto sobre a multiplicidade dos sil(nm e sistemas quant,> 111 «111111 l'olo I hrw,11 11 demo d,· ~1111 própria g~ragem? E
sobre os probJemns de dcciír,1hil11l,11l,· 11111· d,1/ dcrnrrNn, i 1'.lr, ,,., 101 ", 1,,uru-11111 dt 1..,1, f ) rs1., ,, 11111,1 outr.l hi,tórin.~

li
,1'1\'ria conceber uma memória mestiç,1, niio é, cerram.ence, por
ETNICIDADE, GÊNERO EMEMÓRIA CULTURAL
' 10 do ,c<:nceito de raça ou sangue, como defendiam os prin-
A cencraüdade da Tncennediária, combinada a sua capacidade 11' '" ~eoncos d,1 rnesriçagem ,1a década de 1920: "Por mi raza
de transformação, desafia a impressão de que o indivíduo ou o ;l,J11n1 cl cspíritt," [Por meio de minha raça folará meu espírito].
grupo é, de alguma maneira, uma entidade estável, um conduto J11\·,,, certamente, tem sido hisroricamenre imaginada como
imutável para receber e transmitir o mrbillião de aconcec imentos orporada, equiparada ao sangue. A partir do século XVI a
à sua volta. O corpo, na memória cultural incorporada, é especí- l111111isrração espan ho la na ~ova Espanha estabeleceu o sistct~a
fico, fundamenta l e su jeiro a mudanças. Por que essa insistênóa 1 •·•~tas para den1arc,1r c!acamence as ascendências e categor ias
110 corpo? Porqtie é impossível pensar sobre a memória cultural 1 ' ' " " produ:lidas pela miscigenação. Surgiram termos como

e a identidade como desincorporadas . Os co1:pos que participam " •11,;o, mulato, mourisco, lobo, coiote, entre ourros.- Embora
da transm issão de conhecimento e memória são, eles mesmos_._ 11,·.,d~s oste1Jsiva111enre em noções de sangue, essas categorias,
o produto de determin ados sistemas taxonômicos, disci linare 1 '" cc)mo as muicas pinturas que as representavam na verdade
1 . ,
e mnemônicos. O gilnern tem impacto em como esses corpos • 1 1::1vam mais questões que identifico com a performance-
participam, do mesmo modo que a etnicid,~dc. As técnicas de ,, 11w1ras, roupas, estilo, linguagem, religião e cen,írio.' Tanto
transmissão variam de um grupo para outro. As estruturas 11rnpos indígenas quanto os espanhóis tinham um sistema
mentais - que incluem imagens, hiscórias e comportamen ros - 1 itlcnrificação altamente cod ificado, baseado em marcadores

constirnem um arquivo e um repertório específicos. Claramente, · .. 1.iii; visíveis.


a própria mestiça é um produto da memória cu ltural; seu corpo
também é mapeado por prácicas de identidade ind ividual e cole·
tiva racializadas e marcadas pelo gênero. Enquanto pesquisadores
que trabalham nos campos de humanidades, ciências sociais e
demais ciências estão cada vez mais convencidos de q\te a raça
é construída socia lmente - e eu como isso, aqui, como um dado
conhecido-, menos se cem estudado a maneira como a memóri3
5
cultura I é moldada pela etnicidade e pelo gênero. Vou sugerir,
aqui, a impossibilidade de separar esses três: memória cultural._
raça e gênero. A fala inicial da l.J1cermediária estabelece que ela
é uma mu lher do pueblo, u111a mestiça, racia l e culnll'almenrc,
6
uma mismra das linh agens indígena e espanhola. O termo
"n1estiça" diz tudo, sinalizando, simultaneamente, gêneN, raça,
origem étnica e o posicionamento cultural de linü naridadc -
europeia e indígena, meiQ a meio, central ern relação à identi
dade nacional mexicana, mas politicamente marginalizada. O
que significa mestiça, contudo, em relação à memória cu lcurol? At1,J,,,.lof•l1\1,IJ1,p.tdtl11d,,.,,,,,,(II<''
\ , 1"'74 , u,v,u.scu
. d
J,\ mcn.:a,
, ·
M,1dn.
Embora a figura da Intermed iária sugira in ancii:as como se

1 11
O si sr.ema de castas, como a Figura J l deixa claro, marcava ,lcfinem a etnicidade participam dessa transmissão. Isto é, ao
o que se constitiúu como diferenças raciais ao torná-las imedia- Invés de voltarmos para a linguagem do "sangue" e da here-
tamente discerníveis ao observador por meio de gradações na Llitariedade que reóricos como Vasconcelos usaram 11a década
cor da pele, marcadores de classe e práticas de performance. As 111' 1920, precisaríamos pensar sobre a memória, a etn icidade

estratégias vis11ais e de performance acompanhavam as estraté- 1


o gênero levando em consideração a duplicidade dos códigos
gias discursivas para produzir os novos sujeitos racializados e rnvolvidos nas práticas linguísticas, epistêmicas e incorporadas
identificados por gênero que se pretendia meramente retratar.~ 1,snciadas à mestiçagem.
homem é em geral retratado como europeu, eJ1quanto a mulher e A Intermediária, por exemplo, fala espan hol, mas seu uso
retrarnda como indígena. A imagem sugere a prática do reconhe- ,J., língua transmite a acumulação poética de im agens e o ,·itmo
cimento paterno,ioicialmente associado aos mestiços. Acriança, ,rnra nte, cheio de ecos, do nauatle, que conta com recursos
vestida como o pai, se parece com ele como gente de razón 11111cmõnicos como a repetição e a amplificação para se lembrar
(pessoa dotada de razão, em oposição aos indígenas, a quem se 1lr inform ações. Con10 as péca las da rosa, as palavras e expres-
negava a razão: gente siit razó11) . Desse modo, ele é identificado <lcs se enrolam umas nas outras para ad icionar mais e ma is
com os espanhóis e assim garante a proceção do pai espanhol.9 ntinnces sobre wria mesma ún ica coisa. Um exemplo, retirado
Contudo, essa prática de idencificar as crianças de casamentos ,ln rcxto em líng ua nauatle, H11.eh11ehtlahtolli, testimonios de la
mistos como espanholas diminuiu depois de ·1570, conforme R. 111/igua palabra, podem ser os rerm()s utilizados por uma mãe
Douglas Cope: "( ... ) os colonos passaram a considerar os termos 1
1 1r,1 se dirigir a sua fil ha: "Mi ni,i ica, mi tonolita, mujercita,
'n1estiço' e 'ilegítimo' como praticamente sinônimos" (p. 18). As 1J1111cs vida, has nacido, has sal ido, has caído de mi seno , de mi
crianças provocaram aquele dilema desconfortável de definição: 1•ccho" [minna men ininna, minha rolinha, mulherzinha, você
nem uma coisa, · t 10
nem oura. 1
111 vida, você nasceu, você caiu de meu seio, de meu peicoJ.'i
O tempo complicou o sistema de castas, especialmente com o 1m uma contin uação desse estilo, a Interm ediária se refere a
rirmo acelerado do casamento entre pessoas de origens diferen- 11 coração como "um a ,nante cauteloso" que bate à porta para
ces. Por volta do século XIX, as exigências políticas resultantes 111 r.ir, ou como " um pinti nho bicando as paredes de seu ovo",
dos movimentos pela indepen dência forjaram novas alianças 11
1110 uma "anémona-do-mar" e urna " flor sempre poderosa".
en tre grupos, q ue enfraqu.eceram ai.nda mais essas d istinções . ,•11 uso part icular do espanhol, então, evidencia a coexistência
Nos séculos XIX e XX, pensadores descobriram que precisavam 1, mnrn língua viva dentro dela, constituindo um bilinguismo
incorporar a população indígena em suas imaginações nacionais, l,111111fs1·ico e culru ra l.
ao menos discursivamente, se não política ou economicamente. A Alé m d isso, suas crenças e se us modos de pensar indicam a
retórica sobre mesnçagem, como a condição definidora da nação · 111llu~nci~ de diversos s istemas episrêm icos. Como <JS antigos
emergente, realçava o valo r do passado do México anterior à 111111~, n lntcrmcdiária revela a lógica da acu mulação, como
Conquista e a vitalidade de sua linhagem racia l - aprimornda, ,11·.1•r( ,1 citação acima. Uma ideia se liga a outra, mas não de
como diziam os reóricos, pela influência civilizadora da infusão ,, ,,111 ~íl11sol. Ao invés disso, da man ifesta o que o antropólogo
europeia." '' 1, .1110 /\lfrcJt1 l.61wi l\11stin chnnrn ele pensamento" mítico",
Se a memór ia coletiva se apoia em estruturas sociais par:, '" 1, unm 1nopr1h,10 ,, t,11<,1110111!,1\ que conectam diferentes
possibilitar a trnnsm issào, as práti cas compúrtamcnrnis q11c 1 11 , "''º' \lH t1lt.\ t 11.111u ti• 'p,u,1 ,~nn11irr.1r rquivnléncins

11
e parale lismos entre sistemas de class ificação distintos, em
uma tentativa de descobrir( ... ) a congruência absoluta e urna
ordem rota i do universo" . 13 O sistema de equivaléncias liga o
corpo humano (o coração) iis plantas (a rosa), aos animais (a
anêmona-do-mar), à natureza (a caverna), à harmonia globa l
(todos os corações batendo ao mesmo tempo) . Os rropos
linguísticos e os sistemas de equiva lência (como a metáfora e
a metonímia) sugerem uma semelhança, um "como se", q ue
fa lta aos dela. Sua maneira não linear de pensar, em geral asso•
ciada ao domín io senlialfaberizado do passado, ironicamenrc,
se parece· com o conceiro digital ele redes, citcuiros e interco-
nectividade. Excetuando-se, evidentemente, o fat<> de que seu
conhecimento é incorporado e que ela o comunica no aqui e
agora da performance.
A Intermediária conta histórias do passado que contin ua-
mente se desenredam no futuro. Sua presença, segundo o rexto
dramático, é ao mesmo tempo discreta e central. Ela é unia
força vital importante, n1ediando, in terpretando, transm itindo.
Sem da, não há hisrória . Embora uma m ul her humilde, ela é
agora uma espécie de tlatoani, cuja autoridade se origina do ato
de falar. Ela assLm1e o orgLtlho/a autoridade dos curadores da
memória." Seu discurso ao público é íntimo; ela fala tanto do
passado quamo para o futuro. Ela conta histórias que datam dos
tempos anteriores à Conquista para elucidar as ambiguidades
do presente. Essas histórias consticuem os arcabouços cultu rais
(étn icos) que levam em conta a memória cultural e permitem a
transmissão do conhecimento particularizado. Como ela se vale
ranro do repertório quanto do arquivo, os sistemas heLUísricos
I
nela se reúnem; seu coração, aquele potente "venrr.fculo central",
mistu ra-os e bombeia vida nova por todo o corpo individual e 11,,1,1 t:11nt.ill't como J lnrerm«L.,,i.1 em Yo kmrbién h.1blo de 111 rosa, dirigido poc
social. Embora suas maneiras e roupas sejam simples, condizen1:c, 11 1,.yl1 1t, TttJtro C:ui.1lro1 Nm·d York, 1983. fu1ô1 George Rul,cn.

com uma mulher do pueblo, ela gradualmemese torna luminob,l.


Seu rebozo e saia escuros da cena inicinl tornom-~c os rr~jes Jc \ l,11~tm('d1.11"1 t'Xl'ft•, r11 1.lo, cm constante estado de trans-
gaze, brancos e etéreos, do final (v,•1· l•il{ur.1 12). 1111\ ln lil11 "' 1111·1 1111111 lm, , ,. ,.,,•.111dn de mulher do p"eblo
11 ,11.~lfl'•• 1u,th 11a1·,1t11 111111., •1 Ul\lt11111ln}'n>',t1 1nniR11m11

1 IN
na looga linha de figuras de deusas/virge.ns de origens misras, Além dessa dualidade, as mulheres eram vistas como veículos
indígenas e europeias.Aq ui, o pensamento sobre a raça se mistura 11.ir,1 a transmissão não apenas da vida, mas também de bens
a construtos de gênero. Eles provam ser física é politicamente , 11 ln 1rais específicos, como direitos de propriedade e de privi-
inseparáveis. l1·gio socia l. Como observa Rosernary A . Joyce, as mulheres
Para as mexicanas, arnericano-mex.icanas e chicanas, o gênero , r,1111 "especifica mente tratadas como ligações às t radições de
feminino é sempre dual, sempre liminar, sempre o espelhamento , ,·,nçii.o". 21 Por causa da indeterm inação e liminaridade básicas
da mãe desprezada (Malinche) e da Virgem. 15 Essa dualidade data ti~ociadas ao gênero, as crianças nauas eram disciplinadas em
dos tempos anteriores à Conquista tanto para os méxicas quanto p,1péis de gênero por meio de comportamentos incorporados -
para os espanhóis. A identidade de gênero, para os méxicas, não , tecelagem e a cozinha para as meninas, exercícios de guerra
era estável. 16 A feminilidade e a masculinidade eram associadas p.,rn os mcninos. 22
com o fluxo, e alguns deuses eram considerados simultaneamente 1\ dua lidade e limi naridade, particularmente associadas corn
masculinos e femininos. A parte feminina da dualidade, contudo,
t km inilidade, tam bém sustentavam a ideologia dos conquista-
ainda ocupava o espaço da negatividade - o que Alfredo López
dores espanhóis, com a polaridade entre bem e mal incorporada
Aust in mapeia como uma série de agrupamentos tão comuns
rrln Virgem e Eva. Quando Cortés chego11 à Mesoamérica,
ao pensamento ocidental. O feminino era "esctuidào, terra, o
11rcga va diante de si o estandarre da Virgem de Guadalupe, de
ba ixo, morte, humidade e sexual idade, enquanto o masculino era
,11 ,1 região da F.xrremadura.
associado à luz, aos céus, ao alto, à v.ida, ao seco e à glória» .11 As
l) contato entre os méxicas e os espanhóis pode ser resu-
referências a algumas das deusas predominanccmeote femininas
1111.lo por meio de duas imagens femin inas que produziu: La
por todo o Códice Florentino, de Sa hag(m, são frequenrement.e
M,ilinche e a Virgem de Guadalupe de pele escui'a. Ma linche,
ambíguas: diz-se, por exemplo, que Tzapclan é "representada
"" nascer chamada de Malina l ou Malintzin, era de família
como mulher". Chalchiuhcli "era considerada utlla deusa. Eles
11ohrc, mas, de acordo com Berna! Diaz de Castillo, sua mãe
a representavam como mulher". Algumas descrições também
J,,~foz-se dela para passa r a herança de Ma lintzin para seu filho
insisrem na negatividade das deusas. Ciuacoatl era " uma besta
Ir um novo casa111enro. Ma lintzin e outras 19 mu lheres focam
selvagem e sinal de má sorte( ... ) A noite ela andava chorando, se
"lt•rcci<las como presentes a Cortês ém 1519. Assim começa sua
lamentando; ela também era um presságio de guerra" . As deusas
h1 ~tcíria de circulação e substituição que permanece até boje,
chamadas C iuapipilrin "eram cinco demônios, cujas imagens
eram de ped ra". 18 A ideia de dualidade de gênero sustem.ava I""~, segundo o relato, sua mãe a deu sorrare irnmente: "l?ara
o universo naua e embasava rodos os seus papéi~ e práticas v11,u qualquer impedimento [eles a deram] à noite a fim de
sociais, incluindo sua ideologia rnilirarisra. 19 A ordem cósm ica ,1,h1 wrem observados. Eles então espalharam a notícia de que
era firmada no sacrifício (de deuses e humanos) e era mantida t, 110 11ça hav ia morrido; e, como aconteceu que a filha de uma

em fu ncionamento por meio de guerras constantes, durante as ,l I t ~crnvas índias havia morrido naquele dia, eles divulgaram
qttais o feminino era conquistado e licern )mcnce despedaçadç,. 1111·~·,tt1 era sua fil ha.'' 21 -Uma fillrn substituída por outra, dad;J
Hu itziolopochtli, a principal divindade dos méxicas e deus da 1w~soas que, por sua vez, a da.riam como presente a H ernán
guerra, todas as noites derrotava sua irmã Coyolxa ul1qui e n t 11 te~, qu e, m.1is 111rd1•, .1 daria em caçamento a um de seus
1

desmembrava .20 1111111r, 11•rw1111•,.

MO 1 li
mn , uma terceira entidade mista, a mest iça. A Intermediária,
· 111111 a figura da Mal inche, foi humilhada e empurrada para
, margens.
.... A transformação da lntermediária de Carball ido, contudo,
,onlka como a Malincbe desprezada é, de faro, inseparável da
' " <\,~ 11i,:c111 de Guadalupe. Como Mal inche, a Virgem rnmbém foi

~
lwnada de mãe da nação mestiça. Ao final do século X IX,
tl lr mava-se que a fundação do México poderia ser datada a

/1,._,_
1 111ir da a parição da Virgem Ma ria em Tepeyac {...) saudava-se
V,rf:em como a fundado ra de uma nação nova e mestiça" .2'
01110 a Tnrermediária, ela envolve as muitas histórias e memórias
14 Bernardino d~ Sahaglm, C6a1ce Florenth-m. Ed. e rr-:td.J.. O. An:Jerson e Ch~rle& 111 ~l'II a braço abrangente. Ela também performatiza a consciên-
~30·bbl
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de Hnguas
Sanca f t ~>,,t: School of American Rese,nch; U1HVC~.s1t)' oí~t-'.h, t9Sr v.12.

'
i Oél'C:Ci.i entre os gru_pos indígenas e os c.sp~oho1s. Os SLOMS em orm,ato
9
representam - d e u1n Jado para
<lS pa 1nvnls que ... ao o o~mo•
11 t.:ompartilhada de um povo, un ido apenas na devoção a ela.
.. ,, México, essas imagens têm sido duplicadas historicamente,
mllora sejam mantidas separadas de forma veemente e violenrn.
H ist oricamente. Malintzin, batizada Jvlarina, sempre foi l III reranto, como sugere o teórico da culcura, o mexicano Roger
., ec1'da.: como La Malinche, um sinô11in10 de traidora; (cu ltural/
coru1 ; 1 11 rrn, só podemos entender a Virgem ou a Malinche levando
de gênero/da raça). Trad ,atora e conselheira de Hernan C_ortes 1l11:1s em consideração. Ma lintzin era uma das 20 virgens
- d e seu f'll10
e mae 1 ,
ela é frequentemente chamada

de mac
.
dn
'n} 11,l,1~ pelos povos indígenas a Corcés; Corcés deu a Virgem de
raça mexicana (mestiça). Ela incorpora a dualidade (Malmtz1 ,11 .1dnlupc aos povos nativos, que a fizeram sua. "Desse modo",
Marina, princesa/escrava, nauatle/esp.1nhola) e oc'.1pn o espaç_o 11 fü1rtra,
. 1nar
1un . d e ·1nter1n ediária , negociando e comunicando . eoa e
dois povos. Como na peça de Carba ll ido, abundam mterpa:e· .au,nreceu a primeirn troca, carna l, simbólica e material, de vi(gens
rações dessa figura, mas há poucos facos.i• Retra~ada por seu , ,uJc,, entre os e.spanl1óis e os indígenas. (... ) Malinche traiu seu
contemporâneos indígenas e pelos cronistas espanhoas como uma •vn tamo qua nto a virgem rra iu o dela, p<>is ambas se deram. (... ) a
. bd'1a' r1·a ,,la asstUne sua J)Osiç1ío entre os conqu1stadore,
1merms ,,- ' · · 1 1111,ar,1 deu origem a uma linhagem de mestiços, a segunda renasceu
e os conquistados. Desprezada pelos pensador~s mex1tanos, e A 111<1 li Virgem indígena e de pele escura.Z8
é vista não como a fo1u e da identidade mesnça; mas c~mo ,,
origem do ódio a si mesmo e da violência _racial.·~ Ocra~ao P:11
a chama de nossa Mãe, La chíngada (a violentada). Po1 causa
' 1açao
- " .-'16. . MI HIÇAGEM, HIBRIDISMO, TRANSCULTURAÇÃO
dela, os mexicanos são "o fruto de uma v10
Como Ma linche, a Intermediária traz o novo/noncaas pa rn, \ hRll\,IO virn l que a lottcrmcd iária realiza entreconhec:imenro
mundo. O que ela tra nsn1ice, m iscurndo por meio de ~eu oro d , 11 pur,1d1,, on~mórí,1~ hi6tÓrl<l .ijudn-nos n entender as ruanei-

transfcrênci,1, é um novo ori~innl 11.-io o ~uropcu, noo o nau, p, 111\ qu,11~ ·•• 1m11uc•11, dr "111h1m.1" r.1cin l ~ cultural, cão

1l 141
encra nhadas nos imaginários sociais larino-americanos,ca rregam 11,dn tão convincente na peça de CarbaJlido, são vitais para
também histórias de t ransmissão. A própria noção de identidade , ,., compreensão das performances latino-americanas da iden-
racia l entra no cenário americano como produto dessas cumpli· 1t1lc cultural e racializada. No que se segue, vou explorar como

cidades complexas entre os sistemas arquivais e incorporados, 1,•orias de mestiç,1gem, hi brid ismo e transculcuração diferem,
esde o momento em que Colombo pretendeu "obse rvar" e 11 ,ua relação com a incorporação ta mbém é diferente. Cada

f'descrever" os corpos nativos, identidades racializadas su bi·


amenre st~gi ram dos siste~nas discursivos e performáticos de
presenraçao e representaçao.
Poucos pesqLtisadores vão contestar que as muirns cultura.s
indígeoas das Américas no século XV foram arruinadas peln
codclo realça uma faceta diferente da história colonial.
"'1· 111 h ibridismo nem mestiçagem são t er.mos novos.
1- 11 ,.;,1gem refere-se a um conceito de fusão biológica e/ou
hur.11, Sua forma de utilização nas Am éri cas La tinas não só
11 1111m história, mas também conta uma história e incorpora
chegada dos enropeus . Porém, surgem mais di ficuldades quando , 1 lmrória. O loca l p ri mordia l da mestiçagem é o co rpo, já
buscamos pensar seriamente sobre o seguinte: como as popu ,·,td ligada ao mestiço, criança nascida de p,1is europeus e
lações e a cul tu ra sobrevivem a um gra nde impacto? O que lt11c·11,1s. Sua ra iz, mixtus, significa t,rnto a cr iança nascida de
aconrece quando as próprias populações passam por mudança · 1ui, rurados racialmente quanto o cruzamento de plantas
e se tornam o produ to bio lógico do "encomro"? Mestiçagem, ,11l111,1is. Porém, o ter mo enfatiza o biológico em relação ao
palavra em geral utilizada para denotâr m ismra racial por melo • 111,co.1 • Contudo, a despeito de toda a centralidade do corpo,
do sexo inter-racial e heterossexua l, oferece um termo para st' 1 ~.u· de q ue os conceitos de mest íço e mestiçagem emanara m
falar sobre fusão c ultura l. Hibridismo, te rmo botânico que s, ' • lll'nhum dos termos pode ser reduzido ao corpo. A subjerivi-
refe,-c ao enxerto (assexual) p lanejado de duas entidades dessemt 1, nrgodada cio/a mestiço/a evidencia alianças q ue vão muito
!bantes, constitui outro. Embora sejam frequenremence ucilizadoa · 1 ,lus lnços racia is, e as ramificações políticas do conceito
de modo intercambiável, os termos não são sinônimos. Apesn 11 tiçagem moldam as histórias culturais latino-americanas.

de ambos reva lo(izarem a "m iscurn" (assim como termos com, , 11nc11tc com o nascimento do primeiro mestiço vem toda
crio ulizaçào e sincretismo), vou aqui argumenta r que a fa lênc1 , 01mclaçào de histó rias que explicam a formação racial,
não examinada dos dois si,prime diferentes histórias da colom ,, 11nciona l e de gênero. Cada país nas Américas performa
zação. Significativamente, mestiçagem foi o termo preferido at 1, 111 idade nacional por meio da encenação e mit ificação do
recentemente na América Latina, enquanco hibridismo domi11 c111~1dera seu corpo r·3óa 1 (em ger:;il, ao siog11lac),·;!) Embora
nos estudos pós-coloniais oriundos da fndia e da diáspor 1 1, l',•r1no~ ,~ja m ampla1neme usados por toda a América

africana . Finalmente, seria úti l incluir o termo transculturaç,1 , 11lt~d~ o a no de 1600, neste capítu lo vou foca lizar a história
nesta discussão? C unhado em ·1940 pelo antropólogo cuban " '"º no México. 11
Fernando Ortiz, o termo uansculmra - ·1 o rocesso trnn 1• 11 urdo com a lenda mexicana, o primeiro mescíço,corno
formativo por que passa uma sociedade na aquisição de matg1 , " 11111ri hrcvc111c11tc, foi o filho de Cortés com Mal intzi n/
cu ltura l estrangeiro - a per.da o n o deslocamento da cu lrurn 1 cc 111,1/L.1 Mnlinchc. Qua lquer que 1·cnh~ sido a natureza
uma sociedade dev ido à aquisição on irnppsjs;ão de mawn • 111, 1cu1,11nt'11to pnrticula r, o termo carrega cons igo uma
estrangeiro, bem como ,1 fusão do ind(eç11,u: du csrr.111gciro p 1 , • ,li r,•l,,\l>l''lk puder dr:s,gunis, d<lrn inação racial e sexua l
criar um produto novo e uri11w,1L h,,1,, qm·siõc~. lcv.111wda, ,1 J," u honw111 hr,1r1111 tt· 1111pundo ,, mulher indígena pela

111 1"
força. A criança ilegítima, de raça misra, vivia na própria pele 1ur na e tát ica inferiores e doenç,1s devastadoras) é contada como
as tensões, as contradições, as forças que puxam e repelem, o •IIM história de desejo e traição. Como em outros parad igmas
racismo, o ód io e o ódio a si própria, associados com a domina- ,,luniais, a m ulher "somente se torna um agenre produtivo por
ção. Havia pouca alegria no nasc imento dessa "nov,1" raça, q ue ,,~10 de um ato de vio lação" ,l4 Malinche tam bém func ionava
era acompanhada pelo des locamento político, social e cultural. , 11110 o eixo elo discu rso de construção da nação no sécul o XIX.

A respeito d isso, Eríc Wolf observa: "Dese rdado pela sociedade, 1 m 1886, Ignacio Ramirez comparou Ma linche à Eva, dizendo:
o mestiço era t a mbém deserdado cultural mente . Privado de 1 11111 dos mistér.i os do desti1to q ue todas as nações devem sua
um lugar es tável na ordem socia l, ele podia apenas usar de 1•1••da e ignomínia a uma mulher." 35 A condenação de Ma linche
modo limit ad o o patrimônio cu lrural heterogêneo deixado a ,111111 ~aminho para a subjugação do O urro em termos de gênero
ele por seus diversos a ncestra is." 32 Em bora o t ermo mestiç.o 11111 lher) a fi m de recuperar retoricamente ú Outro racial, o
fosse usado orgulhosamente por alguns - o inca Ga rcilaso de •illwn~. Tanto os indígenas quanto os mestiços tinham de ser
la Vega constitu i um exemplo importante - , a categoria r acial 1,rnçados (se não de foro, pelo menos siJ11 bolicamenre) para
pe rmitiu que se instalasse um sistema de castas d iscrim inatÓ• ,IM um sent ido de identidade nac ional único e coerente depois
rio e coerente. Há aind a um profundo preconceito social em ,,.. o México se declarou indepe ndente da Espanha. Afina l, o
relação ao mestiço e à mestiçagem por pa rte do pai branco, , ,ido indígena era o que mais verdadeiramente diferenciava
que se recusa a reconhecer o filho. O Diccionario de la Real k xico da Espanha, e substanciava as afirmações deis mexi-
Academia (o dicionár io oficial da língua espan hola) incluiu 11111~ ncerca de sua identid.ide única. O preço dessa identidade
mestizaie em seu vocabu lário apenas em 1992, enqua nt o o , 1,1, .i Ira mente ambiya lente, contudo, sígnifica va q ue o racismo
Diccionario dei uso dei es/)míol (q ue abro lutame nte não inclui 1~.w a ser deslocado e recanalizado corno misoginia . O aro
o rermo) define e> aco (o verbo mestizar) como "adttlrerar n lr~prczar a i\,lalinche complerou o ódio racia l não declarado
pureza de uma raça por meio de seu cruzamenro com outras" 11 , ,nm os indígenas, nws subsu mido no ódio contra as mulhe-

O pai não pode nomear o fi I ho ou abrir espaço para ele ou el11 lJl,1rentemenre justificável. Como Octav io Paz argumenra
em seu vocabu lá rio . De fato, se não em teoria, o mestiço e a ,nodo revelador em "Os filhos da Malinche", a violência
mest içagem são inseparáveis da conquist a e da colon ização. •li• 11 a, mulheres (indígenas) aumenta porq ue ela é, semp re e
:vfas há reprovaçiio dos dois lados. O fi lho culpa a mãe por 11,wl'imcnte,aJ\1alinchc. No mesáço, o biológico passa a ter
sua con dição de ilegítimo. Uso a forma masco l ina porq ue, comu , 1 ,duç,fo de contiguidade com o nacionalismo, enq uanto o
explico a seguir, os ataques à }.,falinche vêm vários séculos apo 111 N\ ' mrna o oposto deste. Para Paz (novamente), o me.xicano
a Conq uista, por parte de homens mexicanos qL1C, calvez incon 111111·,· mascu lino, sempre me~tiço, defin id o em oposição ao
cientemenre, se identificam como brancos. , , , , krninino. A mestiçagem era vista como a pedra angular do
Durante o período mexicano de construção da nação, 11 ,,lo nm;iio que sustentava urn scmido de identidade nacional
século XIX, a Ma linche era culpada pe la queda do mundo in dl J,,, 1l,•1u~, singular e sempre negociado. A mesriçagem, como
geJia.n E la trai por am bos os seus lábios - su:1 boca e seu sex 11111 l\,H> 1dcol6gicn/políáca do mestiço, incluía uma tenta tiva

- uma combinação que rea lça a simultaneidade d:1 pcnetra~,I 1 i•u I dr v,dorirnr um11 identidAdc nacional mista .
cultura l e sexua l do conquist~dor. U11111 hi~16rin de dominn~.I 1 l , f'·L\" tl11 anr\rl\,lf:rlll ~· 1111\lbéin centra l para esta discus-
imperia l (c,na~ada 1wl,1~ p,11rr1µ, 11 IIIV,1' 1111.,rarn,, 1111l<JU111nrm d l 1m,1111r o rnrm 111, p, t111.l11 111w ~r H1'j1U it1 J C'naHll•ism, l)S

11
sobrevivemes do impacto diziam habitar o nepantla, o espaço .umpr ir os mandatos. Eles continuam a agir, sabendo que não
intersticial enrre a cultura indígena e a espanhola. Neplanta \:1 hem a resposta, tota lmente conscienres de que cada tentativa
refletia as feodas, a limina ridade de uma zona que niio era mais de compreender o impacto é uma ourra história e sempre uma
apenas indígena, mas ainda não era (e nunca iria ser) comple- tc11rariva de interpretação.
tamente espanhola. Assin1, a mestiçagem (diferentemente do A mestiçagem rem uma história não apenas porque se refere
hibridisJ110} se refere a "tanto um/quanto o ourro", ao invés de ,1 mistura e à dupl icidade cultural, mas também por ter sido
a "Mm t1m /nem o ourro",a visão da su bjetividade como dotada 11 ~ada em vários projetos socia is. No início do século XX, a
de códig0 duplo, em oposição ã sua percepção como fragmen- m,·stiçagem celebrava a centra !idade d a rnça e da mesclagem
tária . O depósito de lixo, como o local da peça de Ca rballiclo, 1.1,ial na identidade nacional das Amér icas. O famoso tratado de
ca pta a geografia do desastre e a revalorização da mestiçagem. JtJ,é Vasconcelos, La rm:a cósmica (1925), buscou compensar 0
Esse espaço desvalorizado que foi usado para receber o lixo, 111ograma de eugen ia para "branquear" as Américas oo final do
que transforma nossos objetos mais íotimos em abjeros, coisas n :ulo XIX e início do século XX, ao a firma r que, longe de ser
' .

mortas,€ tam bém o espaço da tra nsformação mágka. As coisas 1!,•, prezível, o mestiço era o modelo da "raça cósmica", " final "
crescem no depósito de lixo; há evidências de uma nova vicia e • universal " . Porque o mestiço fundia as raças iodígena, negra,
de infinitas possibilidades de ceconfiguração. O termo nepla11ta i ,11i rica e branca,ele/ela abria caminho para a próxima fusão, que
rem, cacla vez mais, explo rado as possi bilidades gloriosas do • u111binaria e ultrapa.ssaria todas as outras raças preexistentes.
entrelug,u arerrorizanre, bem cúmo sua estética conco1J1 itante, ll.1dicada no conceito de raça e sangue, a mest içagem era ta nro
da mesltla forru,1 como fazem teó ricos concemporilneos e artis• t,cn.:ia li sta quanto normacizanre. Ela chegou a ser vista como
ras pcrbrmáricos. Artistas larino-americanos e chicanos usam 111u,d à identidade nacional, co11Jo expressa o famoso lema do
o termo pHa descrever S\la experiência de viver nas fronteiras: ~kxico : Por m i raza hablará e/ espíritu. A mestiçagem nasce
ra mo un:J/quanro O o urro.s• A estética associada à mestiçagem 1'<1f meio das economias visuais, oferecendo o corpo e a voz da
(e, a té certo ponto, também ao hi bridismo) é o que Roben 1
•1lt lll'idacle (nacional). Nós, mexicanos, somos; mas apenas na
Stam chama de "redençâ<J estratégica do baixo, do desprezado, 1111•dida em que sQmos diferentes. A identidade, especialmente
do impe,t-feito e do desprezível como parte de unrn reviravolt,1 1 Identidade como " di ferença" (o riginal, única - não espa-
social" .·' 7 Os montes de lixo oferecem amplas o porrwiidadei, lll1 ola, não indígena}, tem de ser performatizada para set vista .
para reci_clar, revalor iz:ac e reafi rmar o que a cu ltura dominante 1
1,eoncc los, em Raza cósmica, deslocou-se do enraizamento
jogou fo:a:a. Trara-se, por definição, d.o lugar do incongrnente e d• 1
tologico do mestiço parn o reino esrético da mestiçagem. Um
que tem muitas camadas, associado ao rasquachismo, a esrécic;.i t 111/1•10 que começou acent trnn do a cenrrnlidade da popu lação
da vírim.,1 el a injustiça socia l. Como lugar e como prãrica recu 11, ~riçn das Amét'Ícas terrn inou aspirando a transcender a" raça "

perariva ,. a mestiçagem nos co11duz ao espetáculo dos pcrd i<l, •1 li mente: quando rodas as raças se fundem em tmi:1., a própria
.e achad<::>s em termos de raça, gênero e memória cultura l; ca,J • k\11" se mos1rarií sem sentido. Esse movimento mostrou o
iteraçiio ;revaloriza e à fi rma o que seu a ntecessor ,rifamou. Co 111 111rn l,, do cio mo vi111cnro pcb eugenia, apesa r de que aqui o
ler os cód igos, os signos, os conceitos dcsc.utaclos cuconcr.i~• 1p,1rtd11wnto ocorre por meio de um a política de inclusão,
no lixo? <:arba ll ido retrata umo populnç~o c1uc enfrenrn o dr:un • 111v;I, d,• 1•x, lt1Jno, por lllt'1u do .1mor, do dc~eju e da misci-
sem fon c:..ln i11decifrnbi lidndc, utu1<,.1 ~,,h<'ndo rn,no mtcrprrtn1 " 11 1\,Ho, ,•111 lt1p.,11 d,1 "h111p11,1' 1.1d11I 11ur<'lll, ,1 ,in, i,•dodc do

1 IN
desaparecimento sustém os dois discursos; o 1novimenco pelo ,,1 detrimento da pureza - asteca ou espanhola - e o papel de
eugenia visava assegurar que a raça branca não se tornaria , 11•rmcdiá ria" .39 Também o papel da Virgem e seu significado se
suja e desapareceria, enquanto a cósmica aspirava apressar o 11,11 ,diram além das fronteiras nacionais: a "Virgem Mexicana"
desaparecimento da raça como questão. (Esse desaparecimento Fi:nix ,'vlexicana" dos tempos coloniais) foi éoroada em 1895
final da raça espelha uma "transcendência" anterior da raço, ,, 1ornou a padroeira das Américas em J 999. As duas figuras
negociada por José Maní inspirado revolucioná{ . Cuba n 11 orporam as tensões de se pensaT as identidades como locais
final do século XIX: "não pode haver ódio racial porque nãu h1•misféricas: quem pode reivindid-las? Legidmá-las? Como
~.:..~as.")38 Vasconcelos celebrava a mestiçagem par.a combater il1~i· um nacionalista mexicano no sécu lo XlX, a Virgem "não
o impel'ia lismo crescente dos Estados Un idos, bem como par,1 1111•1 srt americana; ela é nossa e somente nossl!.'.'. Na ocasião de
compensar noções de superioridade anglo-saxônica. O mestiço ,, 1 ~oroação, alguns objctMam, dizendo que "a imagem não deve
seria maior do que a designação depreciativa de bastardo parn t c1>roada, já que Deus já a coroou" .4º Como ,1 Imermediária
se tornar modelo da raça cósmica. Em seu projeto sociopolítico, 1 Cnrballido, la Malincbe e a Virgem de G uadalupeconstimem
Vasconcelos descrevia a história como um a:em: unidirecional, 1111 , ina l da mestiçagem comó uma questão biológica (a mãe da
implacável. "Não há volta na história, pois ela é toda trausfor •\·' mestiça); como incoxporação de uma cu ltura viva e, calvez
mação e novidade. Nenhuma raça retorna" (p. 16). A ansiedade ,1 tis i111portan te, como uma presença vita l que liga o passado ao
41
acerca da "destruição" do desapareci111enro dá lugar à visão 1 , r sc11tc de uma ma neira incorporada. Embora aparentemente
utó pica da " fusão de povos e culturas" (p. L8), como na peç~ ,,,,·~cmcil iáveis, as figuras formam os dois lados de wna mesma
de Carbal lido, que termina com uma fusão biológica/cu ltural 1<1t1t·,ln, encarnando a consciência da luta: você está conosco
semel hante, em que rodos os corações batem milagrosamem, 111 u mcra nós, nossa salvadora ou uma traidora, a Vi.rgem ou
como wn só. li1li,1c:he. Em rodos os casos, essa figura dupla está posicio nada
O projero recuperativo da mestiçagem no início do sécu.Jo , ,mo a ligação (a intermediária) entre o velho e o novo, passado,
XX continua, de modos diferentes, a moldar seu uso. Po r tr:í~ 1-rr,cnte e futuro, o eucopeu e o ind ígena, o local eo hemisférico,
do termo atual, o mais antigo permanece, transvalorizado, ma, 111•pcrrório e o arqu ivo. Seu coxpo permite c1ue o "novo" entTe
lá está . Apesar de que a 111estiçagem tem estado estreitamente 110 1111111do, seja ele uma nova raça, um novo sistema de crenças,
ligada aos projetos do Estado- naçiio, prindpalmente os do 1111 novo sentido de identidade nacional ou érnica, ou, como na
México, como demonstram os exemplos que dei, o rermo não 1 • \·' de Carballido, a face da modern idade.
se lim ita à nação ou a um senciclo fixo de identidade nacional /\ " 11ovidadc" se estende a novas teorias de idemidade cu ltu-
Novamente, a Malinche passa por transfon11ação, dessa vei ' 11 entre grupos. As feministas chicanas como Norma Alarcón,
para se tornar um símbolo, ao i.nvés de uma mãe, pa ra todt1 , lll'rríc Moraga, Cheia Sandoval e G loria Anzaldúa, por exem-
oós. Todorov, baseando-se em imagens do Códice Florerztinn 1lo, ~e baseiam em La Ma linche, em "b raza" de Vasconcelos e
de Sahagún, pinta uma imagem mais positiva da MalinclH ,n 1,·orias da mestiçagem para defini,. seus próprios semimen-
como uma personagem que prefigura o nacionalismo, mas qut .. de r~tnrcm situadas em dois mundos. Gloria Anzaldúa, de
o excede. "Como símbo lo (... ) do cruzamento Jc cu lrur.1s ·, t 11,1, Jl,lrt'cc ier se inspirado no Intermediária de Carballido,
Mal inche"anuncia o moderno F~rndo cio México e, além dele:, 11 1 .. 1,1on,1tln 11.1 tnt,•1 1~ 1t1111nv11111•n1adu entre o velho e o novo,
estado presem~ dr todos n6s. / ... ) .1 M.il111d1~ i;lorifi.,1 .11ni\t11r.1 ,,, 111,ln de 11" 1 1111 li\ , l 011111 outros qut tlim mais de uma

1111
cultura ou que vivem em ma is de uma, nós recebemos mensagen& ,,111ro visível. Ao mesmo rcmpo, ela também é um produro das
mú ltiplas e frequentemente opostas. A reunião de dois sistemas "11111rns de gênero e raça dentro das quais a memória funciona.
de referência autoconsisten tes, mas comumente incompatíveis, • ,1111tim1um entre passado e presente, entre o outro e o eu,
causa um choque, uma colisão de cuJnuas." 42 Assi n1 ,aqui estamos ,11rr opostos em confüco, caracteriza o que Andalzúa denomina
nós, de novo, na cena do desastre de trem. n~dr:ncia mesrica] que acarrera o abandono da "divisão entre
As figuras de Ma li nche e Guadalupe moldam a manei.rn Jc,,, (... ) de modo que estamos nas duas margens ao mesmo
como as mu lheres mexicanas, mexicano-americanas e chicanas '11(111'' {p. 78). Acarreta também uma duplicação, uma dupli-
pensam sobre si mesmas corno sujeitos marcados pelo gênero 1llk de códigos, tanto anrerior à Conquista guanro posterio r
e pela rnça. Elas foram completamence internalizadas, Como , J.1, tanto indígena qua nto espanhola, bí língue e bicultural.
o bserva Moraga: "Quase não há hoje jovens chicanas <Jue nãt, ,1 du plicidade caracteriza nepantla da mesma forma que
sofram por causa do nome dela lMa lincheJ, mesmo q ue nunca ,d,,,·Jands/La frontera, de Ancla lzúa (o <Jue reflete a duplicação
se mencione diretamente a antiga p rincesa asteca." 43 Em uma , proprio título). Ao invés de indicar ou uma coisa/ou outra, a
de suas histórias, Sandra Cisneros conta ter corrado seu cabell, , 11,,·agem resulta cm tanto um/gua nro o outro.
para do,í- lo à Virgem. prendendo-o em sua erní tua como um A. despeito de toda a sua flexibilidade teórica, a mestiçagem
pagamento de débiro."" Os mapas menrais, como os sujeitos, 1K111'f'a tenazmente ao corpo. Nésror García Canclini, o teórico
se modificam ao long<> do tempo. As es trumras sociais que tllm•ameriçano ma is em inenre a abordar o assunto nos últi-
possibilitam ,i memória regulam as maneiras conflitivas como " ,, .111os em Culturas híbridas, abandona o termo mestiçagem,
as mexica11,1s, mexicano-americanas e chicanas ha bi tam suo , ,.111do a titilizar híbridação, "pois esta inclui diversas misturas
sexualidade e pertença émica. Contudo, não podemos transferir o111 rcrrltma is - não apenas as racia is a q ue mestiçagem rende a
a memória fora dessas estruturas. hmit,ir" .45 Claramence, há uma nova mudança paradigmática
Assim, a mestiçagem ao mesmo tempo revela as marcas dai 11 .1çi\o nesse movimcmo. Novo, porém na verdade nem tão
condições de seu início e as transcc11de. Ela tem urna história, •vo. l'ar,1 García Canclini, a hibridização oferece um conceito
conta uma história, encena uma história por meio da incor , 111 i.cra l para se pensar sobre a tradição e a modernida de na
poração racia lizada e é rereorizada em diferences momento, 1111·r1ca Latina. Esse movimento, contudo, reaprese nta uma
\ históricos corno parre d.e processos sociais diversos. As teoria , 1,11in anrerior de mudança da mestiçagem para o hibridismo.
da mestiçagem migraram, passando da explicação do colonin 1 ormo logicamcnre, híbrido, como mestiço, denota o cruzamcnco
!ismo interno na América Latina para a luta pós-col<>nia I chicana l"'~Mms, animais e plantas. Sua raiz lati na, bibrida, significa
contemporânea. Apesar de suas dife,·entes estratégias-culturai, 111111,1I mestiço, crnhora não seja claro se seu outro sentido,
estéticas, políticas-, H história da violência colonial, da dominn "mrlro, devassidão, violação'· (o sentido que associamos a seu
ção, do estupro e do desejo nunca consegue se livra r d<>s corpo 46
111 l''léticn e político), é grego O LL latino. O que me interessa
que a vivem, marcados pelo gênern e pela raça . Encrern nco, is" 1111•, em bora a palavra híbrido apareça em francês em 1595,
nu11ca se reduzsornenteà biologia.A Intermediária de Carba llii.J, , IJl,lfl'Ct' i:m espanho l crn 18 17, qua ndo emra na língua vi11do
é mais do que apenas uma mistura racial - ela pcrfonnatiz:1 /1,111cês. (~ in1crcss,1n1e notor que esse período se segue à era
contimúdade entre passado, presente e futuro. Ela m11. a memór, •1 .,J,•n111t 1 11.1 r,p.1nl1,1 hso ~· mcliça1ivo do fato de que os
do passado para dentro d(l prc~cn,~· .itt· m~rn10 q1wndo torthl, 111,, 111,1" r,p,111hn1> 11 l Nn, 11111111•11.1<10,, conhecidos co111u

IH
afrancesados, abandonariam o termo mest.iço (calvez próx.11 111n .1 mestiçagem, o termo hibridismo reafirma e revaloriza
<lema.is de sua própr ia história de colonização) e se voltariam ,, , qu e havia sido menosprezado ameriormente. Os teóricos
híbrido para favorecer seu projeto de modernização. A esc1il h111ll o termo útil são predominantemente os teóricos cultu·
de rermos diferentes, em entroncamentos históricos diferem , 11.1110s e negros que escrevem no mundo pós-moderno d<>
acrescema outro estrato a esta discussão: quando é que um te1 ,h~mo tardio, cuja história de colonização difere daquela
deixa de funcionar e por quê? ,1111rca Lacina. Em sua obra, o hibridismo com bina a teoria

Apesar das etimologias semelhantes, o uso atual de "híbrid 1rn111 ralista e desconstrucivista da subjetividade, vista como
contém um aspecto mais botânico, científico, ou mesmo plon Ili 1,ida e desenra izada, com teorias vindas de sua experi-
jado. Em gera l, ele se refere a uma mistu ra de espécies, ao inv 1 r1u,-colonial e diaspórica. Um modo de se pensar sobre

de raças. Este termo cem uma história violenta, porém ligad.a lilNl'llÇas nos roteiros de colonização pode ser. em termos
engenharia racial e à eugenia. Os teóricos .racistas costumava 1lu11ização interna versus e.xtema. A colonização inrerna
, 111cs longas e antigas na América Latina, que vão desde
fa lar de _povos híbridos ou de "espécies" humanas híbrida,
Contudo, em gera l a palavra se reíere a plantas híbridas, em q i.11 do séctdo XV até o início do século XIX. Nos 50 anos
duas espécies são intencionalmente juntadas por meio de enxe, 1 , SL'f\lliram à Conquista, estima-se que 95% da popu lação
ou a cu ltu(as híbridas, definidas (pelos latino-ame,·icanistas) • 1 loi exterminada. As populações nativas foram, portanto,
meio de "modos em que formas se separam das práticas existe d,~ ,1Jas (oo Caribe) o u então transformadas por meio da
ces e se reco111 bi11 am com novas formas, em novas práticas· 1ml11çâo inter-racia l.49 Não é surpreendente, então, que as
Enquanto a mestiçagem conta uma história de dominação, cs1 1.1, <le mistura cultural começassem no próprio corpo. A
pro e reafümação, o hibr.i dismo conota um processo de categor i1111.1ção externa, como no caso d~ Índia, começou como
• ,mprccndi mento comercial, com a estrutura colonial sendo
zação social. Ao invés do impacto frontal histórico da mestiçagr
•l'<"hl de cima e de longe.~ ma ior ia da população e as muitas
(com todos os seus efeitos colaterais violentos e transformadorr
• ltçoes profundamente enraizadas sobreviveram à chegada
vivido no corpo do conquistado, e por meio dele, o hibridismo e
111glcses. Houve menos violência, menos coabitação e muiro
geral evidencia um projeto científico, mais consciente. Durante
1111~ rnisrura sexual. Nenhuma raça no,•a surgiu desse enconrro,
século XIX, o apogeu das teorias racistas pseudocientíficas, 11
1110 que tenha havido mistura sexual, violência e esmpro.
dos argumentos principais era que os híbridos, por constituím
11 1c111c111c11te do caso da Amér.ica Latina, a prole nascida
espécies diferentes, e não raças, não poderiam se reproduúr. f
•1ncln "colisão" se identifica com grupos étnicos específicos,
produtos desses cruzamentos, afirmavam esses "cientistas",
11.10 0.:01110 um a nova raça. Portanto, seu uso do hibrid ismo
degenerariam depois de algum tempo. O modelo de replicaç,1
11 ,10 mesmo tempo separado e ligado à raça - separado
no hibridismo, portanto, comistiria de acréscimos, acumulaçJ
'"111~ foca lizado na culrura, mas ligado porque os teóricos
justaposição. Assim, embora haja sob,·eposição cmre mestiçagc 1il~ntlflc,1m como " negros" o u " pessoas de cor". Por causa
e hibridis1110, o primeiro era um termo usado pelos mestiços pnr 1, hrMória e implementação diferentes do colonialismo, parece
descrever sua experiência de um biculturalismo incômodo u, ,1 "" q11c 1córicos como Gayatri Spivak e Homi :Bhabha falem
vezes, violento. O hibridismo era um rermo pejorntivô, impoM I, h,h, 11h•ma çomp efeito do poder colonia l.S0 A "duplicidade"
por aqueles que buscavnm cauteriMr as repercussões biol6111rn 1,11l1111d,1pel11h1br1tliN111011111J 1t' n.fc~c:o pessoas, mas a signos,
do coloninlismo por meio do cate11uri1,oçiio cli.~crimi11nt6rín , ' 1, 11111, ,li" p, ...l,·r, 1 -1111~", 1 l hlhr 1d1, 11111 ,11ud11,1 cxplic;nr C()mo

1\ 1
a autoridade colooial é produzida , perfonnarizada e. mantida. personalidades midiáticas, estudantes e homens de negócios,
Ele loca liza o "nativo" no entrelugar impossível e contradi- l ,tpra o hibridis mo da experiência pós-moderna do capitalismo
1,1rdio. Essas interpretações não são orgân icas o u enraizadas no
to.· rio do mimetismo colonial. O coloniz,1do buscou imicar o
senhor, ou ser como ele. Entretanto, o "como" era sempre um n>rpo (c.o mo são as interpretações da Inrcrmediáría ou dos "dois
que sonharam"). E las são sintéricas, acréscimos, enxertadas de
; "não exatamente". 'Essa "articulação dupla" se parece com o " raízes" reóricas estrangeiras. Isso não dim inu i sua va lidade o u
"nepantla", mas, nos rermos de Bhabh11, eu realçaria o como,
mas não exitamente. Nepant/a sina liza a desterritoriali2.ação pode~ de persuasão, mas na verdade as coloca cm uma ca tego-
produzida pela Conquista - que incluiu ataques brutais às ria diferente. A Intermediária, corno presença que paira sobre
popu lações nativas, a destruição de seus edi fícios, a profanação todos, une os povos ta nro hot'izontalmente através do espaço
de seus deuses, a queima de seus livros . Mudou a própria base ~cu coração pulsa com a cidade do México - Tenochtítlán -
que sustenta o mundo ind ígena e sua cosmologia. Era a mesma quanto verticalmente (por assim d izer) , ao longo das gerações. O
cerra, mas um espaço difereme, novo, porque era irreconhecível. luhrido, por outro lado, se abre para fora -mais e mais vat:iações
A mestiça, como a Intermediá ria de Carballido, era um produto p, ,dem ser aCJ'escentadas à mesma raiz. Portamo, uma pie tora de
tanto daquilo que foi p rofanado quanto do que foi imposto. Ela 111>~sibilidades, justa posições e novas con figu rações é possível. A
ocupa a posição na intel'seção. E la recebe e transmite os d iferen- tltcstiçagem se origina de culturas nativas; seu poder explicador
tes códigos; ela contempla os signos. A "artic11lação dupla" do 1·,·;1de no fato de que ela elucida as negociações envolvidas na
hibrid ismo não se refere a esse e$paço mediado entre. Da forma ,,dnpcação à auto ri dade imposta. Ao contrário, o hibridismo e a
como Bhabha o descreve, esse espaço nao ·. lo " , mas
- é " enra1zac 111írnica colonial de Bhabha realçam as demandas vindas do colo-
funciona na superfície, por meio do controle colonial do espaço. 1111ador. Como a peça ilustra, ambas as teorias elucidam nússo
prtsenre e não são nem mucuameme exclusivas nem idênticas
/ Difcrentem.ente da mesriçagell1, o hibridismo (para Bhabha) não
é ''um fnoblema de genea logia ou de 1derltldade entre duas cultu- elas nos dizem coisas diferentes sobre nosso presenrc colonial
ras diferentes" (p. 1141. O hibridismo, produzido como efeito heterogêneo e composto de mui tas ccunadas.
~1... do poder colonial, voka-se para ameaçar ou para subverter esse As duas teorias, a mestiçagem e o hibridismo, baseiam-se
1'111 imagens de reprodução - seja humana, seja botânica. Mas
poder. Já que o "narivo" mudou por meio da mfmica colonial
para se parecer mais com o senhor, ou pan1 agir mais como h,1 ainda o utra maneira de os teóricos latino-americanos obser·
ele - rornando-se como, mas não exatamente -, o hibridismo v.,rt:m os processos cu lturais sem se basear nesses modelos. A
rambém complicou o controle visual dos colonizadores: o sen hor Jlc,a rambem oferece o utra perspectiva da mudança, perda e
não consegue mais recon hecer ou loca lizar auromaticamentc 11·i11venescimento cultura is se111elhante ao que, nos anos de L940
o sujeito colonial. O h ibridismo, outrora imposto pelo poder l't·rnando Ortiz chamou de" transcult uração". A mrnsculruraçà~
,·11volve um processo em três fases, que consiste na aquisição de
colonial, agora a meaça desestabil izá-lo.
Poderíamos pensar também em Yo también liablo de lu novo matcl'i íll cultural de uma cultura estrangeira, a perda ou
11 dcs~camcnto de si propno e a cnaçao de novos tcnômcnos
rosa em termos do hibridismo, como diferente de mestiçagem.
produzido no México. Essa peça ilustra de ma neira bri lhante ,1 , ult11rak hs~a teoria também surgi u para explicar lima condição
vita lidade da prese nça (associada com a mesciçngc1n) por mci11 LUloninl <' rwocolonLil cspec/ric11. Nn década de 1930, antropolo-
<la Tntermedi:íria. O ,i~t~mo t'tn que t·h, opc,·,,, com seus teóricP~. .in~ 1•,1,1du111d1m,,·, 1 r,nw I{ 1lph l 1111,111 L')tnvam desenvolvendo

1!
IU,
teorias de aculturação para compreender a mudança cultura l. 111 ~eletividade e inventividade de que fala Rama, bem como do
A acult.u.rnção, contudo, enfatizava as perdas sofridas pelos 1110 ele denomina a ".redescoberta" de "valores primi tivos, quase
povos na tivos ou por imigra ntes quando confrontados com ,1uccidos dentro de nosso própri o sistema culmrnl, capnes de
forças culturais dominantes. Politicamente, isso se enquadrava t 1zcr frente à erosão da cransculcuração" (p. 39). Rama, então,
no pensamento assimilacionista nos Estados Unidos, pois o país f!rnpõe quatro etapas no processo - perda, seletividade, redes-
propunha uma visão pós-racial, bas.eada na ideia de mistura <1hcrta e incorporação - , que aconteceriam simultanea mente. É
de raças (melting pot), em relação à população cm processo de 1~1111.lém importante enfatiza r que a cransculturação abre espaço
mudança e às suas práticas culrnrajs. Para os latino-americanos l' 1r., uma troca recíproca, de mão dupla, por meio do contato. Ao
q ue não tinham a intenção de se fundir dentro do cadinho norte· 1111•~1110 tempo que a Conquista certamente mudou as trad ições
-a mericano, era preciso compreender e resistir à aculturação, 1 dorniativas nas Américas, por exemplo, ela também afetou
A transculturação complicava o modelo ao defender a criação , deba tes e as práticas culturais na Europa.
de novas práticas cu.lcurais. ~ interessante notar que a teorin Examinemos agora Yo también hablo de la rosa sob a pers-
da transculturação, cão vira i nas pesquisas la tino-americanas, 1 c•niva da transculturação. Os "empréstimos" são óbvios e
continua quase desconhecida nos Estados Unidos, exceto enrre h11·n1 respeito não apenas à psicologia freudiana e às teorias
os latino-americanistas .51 nnômicas marxistas, preclominances no 1Vléxico à época do
Em Trctnsculturación narrativa en America Latina, Ángel tp11rcc i01 ento da peça. Há ra,nbém empréstimos teatrais. O
Rama observa que a teo.ria de Ortiz é muito la tino-americana, 111npno Carballiclo chama a peça de loa, que é tanto uma <>bra
pois "revela sua resistência a considerar uma cu ltura tradicional1 c1rt.1 (cm geral, em um aro) a presentada antes de uma peça de
que recebe o impacto da cultura estrangeira que a modificar~, ,11,11or duração, quanro um "bino", gênero que, embora comum
como meramente uma entidade passiva ou até mesmo in ferior, 1, ~de a Idade de O uro do teatro espanhol até o século XIX, saiu
destinada a sofrer perdas representativas sem a possibilidade de 1, moda gradualmente no sécu lo XX. O narrador e a estrutu ra
uma reação criativa" .;z Parn Rama, desdobrando o processo 0111 11l~ôdica parecem brechtianos; os el.cmcntos ritualíst icos,
três etapas, Ortiz nã< iciencemente a seletividade ,,1dusive a cena final, lembram Arrnud. Con tudo, examinar as
inventividade exisrenres na transculturacão. Afinal, as cu lwrn• 1 ~ltcs separadamente pode nos levar a enganos. Embora Yo
não fazem empréstimos ind iscriminadamente; como o catador 1111bi611 bab/o de la rosa tenha elementos brechtianos, esta não
<le lixo na peça de Carballido, pega-se apenas aqui lo de que 11111a peça brechciana, como afirmam alguns comentadores.s3

necessita. O teatro latino-americano, segundo Rama ,~ \o t'Xa minar a Intermediária à luz de suas próprias tradições,
apropriou do musical da Broadway. O que foi apropriado foram 1110 i11cluem teorias ocidentais, mas não se limitam a elas, vemos
~s técnkas absurdas, grotescas e fragmencadas que rcfletet 1•111 ~cu papel de na rradora se origina de sua experiência com
uma percepção da realidade caótica da América Latina, be, , 11ltura oral. Nós, como público, vivenciamos essa tradição
como técnicas dramá ticas de orientação mais social, associad,1 , 1 111n11eirn dn personagem. Sua fola nos seduz, envolvendo-
a Piscaror e Brecht, para estimular a mudança das situaç&- ''"'• t'l11 lugar de nos distanciar, despertando-nos para a beleza
sociopolíricas locais. Além disso, quando se tomaram cmprc h 11d c1 de &Ll:l liugungcm. Dinnte dela, Carballido nos coloc.1
t:idas essas técn icas, elas foram radic:ilmcnte a lteradas po,· ,t , 11w,mn P'"'{,lo (/~ica qu~ assun1iríomo~ frente a um bardo;
novo conccxco. Yo 111mbih1 hablô de la ms11 é um bom cxcmrl "I• ,crMs ,.w 11111,n,.1,,., tt1 l111,1~, 111tro~pecrivas ou reflexivas.
1
~omo afirma \X1alter Ong: "O modo corno se vivencia a palavrJ
e sempre momentoso( ...} Para as culturas o,·ais, 0 cosmos é um 1, 7S) , e que ele havia utilizado técnicas e ideias de fontes como
. w.itro asiát ico, os mistérios medievais, o tea tro espanhol dás-
aconrecimcnto contínuo, rendo o homem em seu cemro."s' EssJ
experiência, enrão, é profundamencc diferente daquela vivenciada
º• o teatro jesuítico e o uml.s. De faro, Brecht é um dos ma iores
no teatro de Brecht. Este defendia que se deixassem acesas a• 1<·mplos de vital idade, seleção e inovação associadas com as
,...,.,s iarerculturais. Contudo, o que o torna brechtiano é seu
luzes do local de apresentação a fim de criar urna atmosferu
informa l de teatro de variedades, e,n que as pessoas se senriria
,u1 p11rticular dos materiais adquiridos. O que roma Carball ido
confortáveis para fumar, rir e comentar a ação.
111 1,, brechtiano é seu uso particular desses materiais.
A, formas ocidentais, aparentemente recon11ecíveis, escondem
A tradição o ral também explica o ertredo episódico de Y1,
utrns lógicas dentro de si. A dupl icidade de códjgos segue a
t.ambién hablo de la rosa. Como no teatro brechtiano, alguma
, hlição de esconder um sistema deocro de outro, característica
das 21 cenas parecem amarra das arbitraria mente; seria possívcl
h rc,istência indígena ao colo nja Jismo. Do mesmo modo como
muda r a ordem sem alterar significativamente nossa experiêJI
t·,rnftores colocavam uma divindade anterior à Congu isra
c,a da peça. Entretamo, os episódios não são brecht ianos se
,11 ,1, de uma imagem cacól ica, ou dent ro dela, a prática de orga-
aceicannos a descriç,lo, feira pelo próprio Brecht, dos enred()II
11,,,r , istemas 1míltiplos em camadas continua, como demonstra
episód icos: ·' Os episódios individuais têm de ser amarrado
, 1t1111bién hablo de la rosa. Como mencionei 110 Capítu lo 1, a
emre si de modo a gue os nós sejam facilmente notados. (),
, 10 de mundo ante rior à Conqu ista era regida por tnn sistema
episódios não devem se suceder indistinramenre, mas dar a opor
1 t·qu iva lêocias, e oão por um sistema baseado na represcnra-
tunrdade de mrerpor nosso julga,nenco. (... ) Para isso, o mellior
111 t: no mimetismo. Uma imagem, por exemplo, não era uma
é.aceitar o uso de tículos.»s; i\ estmrura episódica da peça não
presentação do deus, mas uma atualização do deus. O coração
visa a nos d istanciar. Embora episódicas, as cenas derivam su
11 ,11111.1111), oferecido em sacrifício, nut ria as divindades, porém, na
esrrutttra da sequência narra tiva característica da tradição oral
A lntennediâria está comando uma história; desde seu monv
,dnde era apenas uma das muiras oferendas. O fruro do cacro,
,. , ínnnaro de um coração, rambém servia para o sacrifício, não
logo inicial, ela sabe como se desenrola a história parcicul,1r
'1 ,,,,,1, porque sign ificava, ou substituía, o coração humano,
de Torf a e Polo - "mais sobre isto mais ta rde" (p. 47), ela no
,. 1, porque era equiYalente, sendo mais uma manifestação do
d,z, ou "esta é outra históri a" (p . 54 ). A leitura equivocada çl
11 1111,cnw nutritivo. Ocsse modo, os mesoamericanos estabelece-
enredo episódico reside 11a insistência de rorular o episódico d
"'' rndo um sistema de equivalê ncias em que o coração, como a
"brechtiano", ao invés de reconhecer que o rearro "épico''(],
.,, çompnrtilhava de u.rna correspondência profunda. "Como''
Brechr recolhe ("ro,ua emprestado") elementos da tradição oru l
, rc se a c,te sisc.,ma de correspondências multifacetadas, e não
Como observa O ng: "O que tornava uni poera épico bom er
, ,1111,1 ~ub~Liruiçüo o u aproximação metafórica. C-0rnprccnder
certamente, entre outras coisas, primeiro, a aceiração tácita th
.,, 11,,rnizoçii o cln ~ cenas mcrn foricamente significaria que elas
~ato de que a estn1ru.-a episódica era a única maneira e~ rnnnc,r
to talmente natural de imaginar e de lida ,. com uma 11an1111
,ri 1111 ro1110 blltido s du ,;ora~,ão e se completam cómo as péta·
1 111 unin n>M, U111 méxico, por outro lado, poderia enrendcr
longa. (... ) O enredo rígido de uma narrativa longa vem com
1,, .,,, "u11,1\.1U, o, ,.rn.,i~ tia, ,11 1frias, <• espaço da cidade, o
~scr'.r:1 "_(p. 144). O próprio Brecht foi n prlm1'iro II ad111idr """
c~11h9t1ca111cnre foi ando, mio hu n,td., .!, 1111111 1111 te.uno <'/'ll,,
111'1" 11111·11111 ,• .r 111rn1<ur.1 u,1110 t·lt•nwntos que esriio ligados
11ll11c111< '"'" p11111I .,,. 11 qru ll11h11 1111r.1 p,,ru dentro da
,~,,
1 1
outra, conrribuindo para a composição e imerconexão compleX'íl 1ln corpora l - o microcosmo em que esses conflitos foram
d o todo. Essa inrerpretaçifo dos clcrnenros aparenrcment~ Idos co mo expeTiências incorporadas . As memórias e as
desconexos claramente apo ia o entendimento, por parte d11 1,.11égias de sobrevivência são transmitidas de uma geração
Intermediária, da interconexão expressa por roda a peça. Estari11 ,111 r,1 por meio de práticas performarivas gue incluem (entre
essa dimensão pré-Conquisra escondida dentro de u ma estrnturn 11, ,1, coisas) práricas ricualísticas, corporais e lingu ística .
apa rentemente brechtiana, ou esraria simplesmenre vis{vel parn 2
•A' 1míticas têm histórias. A mestiçagem, enrão, leva em
aqueles que compreendem os ..:ódigos? Como Sahagún suspeitava m,, o modo como essa cultura é transmitida por/através/como
no século XVI, as performances podem oclu ir mesmo quand1, , orporação. Porém, com clareza, essas práticas são formadas
tornam a lgo visível. As precensões à comp1·eensão chocam-sr 1, uló~ica, bem corno geneticamente; embor a geneticamente
comra a opacidade da performance.s• 111111~ mestiços possam não sei; de modo significa rivo, diferen-
A mesma opacidade transcultmalcomplica Luna compreensão cio~ indígenas, sua percepção de si próprios, rornada visível
dos elementos r ituais da peça.A histórià dos "dois que sonharanl 11 meio das vestimentas, língua e estilo de vida, está baseada
e a cena final da peça não são artaudianos porque invocam u ~'llll'la separação, naquela distância. 58 A Intermed iária, co mo
rimai; ao invés disso, Artaud é "ritualístico" porque invoca, ou ".riça, é tanto/quanto. O hibridismo, por outro lado, enfatiza
11té mesmo mistifica, os ritos indígenas mexicanos. Para Artaud, o h,•ttTogeneidade cultural de luga.rcs como a Cidade do México,
11ão ocidental é a "verdadeira culrura [que] aciona a exa ltação e 11,1 ,1 qual o índice in finito e acelerado de acréscimos contribui
;1 força.( ... ) No México, já que estamos falando sobre o México,
•um plica. O hibridismo, então, ilu,~ ina um aspecto altamente
não há arre: as coisas são feiras para o uso. E o mundo está em 111porcanre dessa r ealidade contemporânea e pós-moderna que
perpétua exa lraçâo."F Por o utro lado, Carballido não mistifica • IU pode ser explicada pela mestiçagem. Finalmente, a crans-
o passado do México ou, como Arraud , assume riscos suicido 11huração, concebida de modo mais amplo, abo rda questões
para recuperá-lo. Ao invés d isso, mais da maneira ql1e associam(ll •mdomenrais de transmissão, encontradas em teor ias da mesti·
à transcu lcuração, ele "redescobre" (termo usado por Rama) o lijl'lll e do hibridism<>, mas não em grande- trans - escala, q ue
incorpora o passado ao presente. O ritual, como observamc> ,1r.1 ra movimentos, 1nudanças e reciprocidades culturais. Ela
não aponta em dixeção ao passado; ele relaciona a expedênc111 111 1:1111 bém um papel potencia lmente libertado1; pois permite
de dois homens que buscam aruar de modo apropriado em um 1il111ra "menor " (no sentido de marginalizada em termos de
deserto i,1explicávcl, desprovido de ori<:nração sobrena tural ou 1 ""ç:io) 1·ec um im pacto sobre a cult urn dominante, embora
divina, ins pirando-se nas t rad.içôes que têm à mão. Além disfü • i111craçôes não sejam, em sentido restrito, "dialógicas" ou
o da nça ritua l de Carballido, que une os personagens ao final d ,11,tléticas". A tra nscu lturnç5'o suge re um padrão de movimento
p~Çíl, não é uma volta a-histórica ou nostá lgica ii comu11idml 11h11ral em mudança ou circ11lação. O impacto mensurável do
rit1rnl. F.la é unrn descrição historicanwote exara da heterogent·1 m~11or" sobre o "maior" ainda está por vir. Comentadores do
d11dc cul tural da América Latina. l q111c1ro Mundo freque ntemente se referem a trocas inrerculru-
O que, então, esses crês termos elucidam? O que eles cleix~, "• ~omo se isso fosse um projeto consciente, uma decisão de
ob~euro/ Diria que todos os três são pro3utos do descarrilh.i IIIVl'IW~ccr suri próprin cu ltura exaurida, tomada por aqueles
1111•1110 ele, tre1n r.Jo Conqu ist,i e clo ~01011\;rnção. A mestíç,111,·1 1111 <lllllu llrt•i'h1, exrlm11111 1 .1do1,1m 011 minam outras culturas.
111>~ '"" 111 111• ,rn11pr1•ender as.·,,11111 ,111.I 111, 1.,d,11~ e culrurAí,, 111 11 J.mn" ,tt>1«r1e 11111, 1•m 111•, ,,1 11110 r,1,c•111 ,11\•Ylkl n tQI escolha;

IA 1
para eles, os conceitos de pe rda e deslocamento são fu,1dllme11
wis (porém visivelmente ausentes da maioria das discu ,ões 11 4
Primeiro lvfundo). tv1ultos teóricos mexicanos refletem tn tens,1
mente o sentimento de deslocamento de suas culturn, 1mtiv,1
ao mesmo tempo que reafirmam a vi talidade de sun·, nol',1
culturas. Ao realçar a sob.i:ev ivência cu ltural e a cria tiv1J11de cl
t ranscultuniçiio, eles compensam a sugestão de passividade
reificação sugerida pelo poder desigua l. Devemos, enr;iu, ndo t,1
um rcr1110 e insistir para que os outros dois "sejam ba11ldos d,
registro", como sugere o .Mescre de Cerimônias de Cnrballith
em seu progra ma de relevisão? O u bL1sca r entender como cad
um deles contribui para se compreeder a trauso1issâo cultural ltAÇA C O SM ÉTICA
'11 l ter M e r cado perf o rm a ti za
PÓS-ESCRITO 11spaço ps íq uico lat ino

En1 meu escrLtório, no tra balho, ten l10 um altar da Virgen


de Guadalupe. Há estátuas de Virgens de madeira, algumas dr Nós, na América, chega remos, antes de qualque( ourrn
meta l, outras de cerâmica, a lgu mas enfeitadas com rosas e ot1tr~ parte do mundo, à criação de uma nova raça, formada
ado rnadas com a bandeira mexicana. Algumas são Virgens d, a panir dos tesouros de rodas as ameriores: a caça final,
pele esctu·a, outras negras e outras brancas.1-iínha mãe me legou a raça cósmica.
várias. O unas eu adqui(i em minhas andanças pelas América José Vasconcelos, A raçc, cósmicc,
Ao lado de m inhas Vi(genziuhas está uma grande figura d
papier-maché, estílo Posada, de La Soldadera. Porque acredite O que é um "kosmos"? qualquer coisa ordenada ou
cm tudo, ourros ícones culturais também entram em meu alto, harmoniosa> mas também, por uma excensão óbvia,
qua lq uer coisa adornada em virmde de seu arcanjo - daí
Tenho figuras de Che e Fidel, uma amostra de lembrnnças d
no~sa ''cosmttica" .
Evita Perón, e "pós mágicos" para afastar a poli cia e rra~cr
sucesso {especialmenre populares entre meus alunos}. Os q11 Robert Wa rdy, The Birlh oJRhetori~: Gorgias, P/1110 and
precisam de proteção cont ra o mau-o lhado podem se servir d Their Success
poeira cor-de-rosa q ue um amigo t rouxe do Brasil. Minha filh~
Eles Jos habitantes nativos das Lucaias] são da cor dos
Yla rina MaLi nczin, recenremente contribuiu com uma oferenda povos das Canári,1s, nem brancos ,wn negros, e alguns
especia l - uma Virgem de Guadalupe cujo coração .,cencle e pL1l cst,10 pintados de branco e alguns de vennelho e outros de
qua ndo se aperta o botão em suas cost as. Ela sabe que gosi, qu~lqurr cor que acham. Alguns pinram os rosros, a lguns,
de art'e q ue petformatíza. O milagre da reapa rição ncont\/c todo o cotpo,a lguns, apenas os o lhos ealgmts,só o natiz.
diariamente - calvez não todos os corações do mundo baremh Cri~róvão Colombo> Primeira carta
ao mesmo tempo, mas a reativação co nt'Ínun desses repert6m
que abastecem nossa; noçôcç dr q111·111 11cíN ~01111Jq,

11 1
Mal posso esperar até 17h45 em dias de semana, quandi , 1111,·ntal de ramanho exagerado ou unia linda rosa. Escu lturas
Wa lter aparece .no programa de notícias latino l'rimer bnpact, t, de belos jovens enfeitam as superfícies por detrás dele. De
na Univisión, para revelar o que as estrelas dizem que yai acontt , m q uando temos um fundo tropical - \Valter está de volta
cer. }lessa hora do dia , preciso de toda paz que ele tem a oferecer. , 11111 trono, em meio a un1 mar de cores fortes e palmeiras,
sem fo lar de "mucho, mucho amor". Espero as duas âncor,1 u cmemente ve rdadeiras, balançando-se ao vento.
latinas nos conduzirem pelo prngra ma -elas cobrem os espon< l 11trcranw, em meio a essa variedade que parece sem fim,
e depois a saúde, insistem para co,1tinuarmos ligados para sabe 11, .:oisas continuam as mesmas. O cabelo de Walter, lo uro
as notícias sobre os desastres na rurais e aí, até que enfim, chego, 111e11tado, na altura dos omb1·os, está sempre escovado em
a vez de Wa lrer. A pulsação ritmada, a música estranhameni n prnteado exuberante. Seus dedos, com unhas bem cu ida-
desinco rporada e os gráficos giratórios do cosmos coberto <l ' ,·~•hem enormes anéis, Suas sobrancelhas arqueadas, os
estrelas prometem levar-nos rapidameme à presença de Wa ltc 11uk s olhos e os lábios cheios, belamente maquiados, sorriem
Mercado em pessoa. l1110" m1ente. Pergunto-me q uantos anos ele terá. Ma is de 60?
,~.ivdmente, sim; mas é difícil dizer. As operações p lásticas
O CRUZADO DE CAPA , m,14uiagem revelam tanro quanto escondem. Seu espanhol,
,, h11ni1·0, tão d ifícil ele classificar, tão há bil e artificial, sina-
Esqueça a previsão de meu futuro. Não sou crente . Ou melhot , 11111a panlatiniclade. Por sua fa la nunca se saberia de onde
acredito em tudo que d,í uma interpretação mais positiva ,1 v1•n1 , mas sabe-se que é Jarino. Ele adora su3s palavras e as
mesma coisa. O que quero sa ber é: o que Wa lter Y,!l i...!1~ªr hoj~ 1m 1.1, rolando-as na boca . A encenação é a mesma também.
"Jà lvez uma de suas capas glamorosas - segundo os boatos, h,1 p,\\,~ pelo horóscopo, signo por signo, às vezes inspirando-se
milhares delas guardadas em um hangar ele avião em Miami ,, nu pa rtindo de d if erences tradições: tarô, 1-Ch ing, santería,
que inspiraram seu apelido de "O Cruzado de Ca pa". Adore ""hci~mo, 111isricismo hind u. Ele afirma que csmdou todas. Os
essas capas, quanto mais espalhafatosas, melhor: salpicada "'' que consulta cm seu programa autenricam sua afirmação.
de péro las, com bordas douradas, pregas longas e pesadas em
tecidos fabulosos. Ou será que vai aparecer mais discreto, com
I
seu terninbo de velu do preto, colete dourado brilhante e sedn
suntuosas? Qual de seus numerosos cenários vai servir de pa1111
de fundo? Será q ue ele vai fazer seu número como egiptólogo
aq uele em que ele se senta no rrono dourado, quase mumificadc
em tule, rodeado por uma coluna grega, uma esfinge dourad,1 r
centenas de velas bruxuleantes? Ou será aquele que vejo com<
a sa la de visita da vovó- igualmente opulenta, no estilo do fitrnl
do século XIX, abarrorada de sofás de brocado, cxccssivamc111
estofados (com xa les de renda vermelha drapejados p<>r ci1111
deles), cortinas pesadas, flore~e 1116vci~ de madeim escura c111,1
lhada. Walter senta•se no suf:í, 111111rJR Vl'te, sc11urnndo um liv 111 1t. \'C.. lf,r Mt n..J<lo.
' " '" l'•IJu ( ,rn•by, 200(),

IM,
Ele é "culto", como dizem os porto-riquenhos, ou "fino", com(, 1J11,1is tenho escrito. Walter circula nos loca is pós-modernos do
falam os brasileiros. Walrer, navegador dos siscemas sígnico
1111rnlismo tardio. Podemos pagar para ouvir sua voz gravada
infinitos, conduz-nos cm uma ~agem noturna para as estrela, ,11 ij ua linha especia l mediún ica, o Círculo de poder de Walter
para o passado, o futuro e para o utras trãàições e civilizaçõe$, 1, tf'ado. Ou enrâo ouvi-lo diaria mente oo rádio, ou ler sua
Geralmente ele é brincalhão, um pouco coquete, às vezes at~ 111111.1. Seus livros, aud.iolivros e CDs vendem aos m ilhões.
mesmo malicioso- "Agora, meLt leãozinho", ele provoca em tom
1hc1·, um produto da mídia, nunca (mas também sempre) está
conspirarório, "escute bem, estou fa lando com você". Walter 1<1 vivo" . Ele oferece a ilusão de q11e está sempre "lá", à nossa
conhece nossos segredos, embora nos advirra contra a aucorre 11 pm ição, apesar de nunca sabermos onde. Seus locais são
velação. "Guardem bem os seus segredos - eles devem ficar entre 111pre sets - sabemos que ele tem um apa rtamento em Nova
você e seu travesseiro", ele sussurra astutamente. Às vezes ele e 1k, uma linda casa em M iami e uma mansão deslarnbrame em
uma comadJ·e, u111 vizinho de porta de quem se é amigo, o u um
,1 IO Rico, mas nunca sabemos onde ele escá. Em hora viaje sem
gai·ente que dá conselhos simples e diretos sobr.e t udo, desde amor 1i.11, os cenários indepeudemes nunca dâo uma pisca do que
(que ele distingue clara mente de casmncm o} até decoração. Ele 1~11· Jo lado de fora. O "além" é puro simulacro . Mas acredito
sempre nos adverte para não julgar os ouu-os: "Não se esqucç,1
"· ck exista pessoalmente. Parece que celebridades com o Bill
quando você fa la inal de alguém, saiba que vão também falar m11l ht11c>1i, Susan Sarnndo n e l'vladonua tiveram en.contros com
de você", ele avisa, levantando a mão elegantemente coberta do C:randes compan hias pedem-lhe para examinar seus futuros
joias. A encenação e o trabalho da câmera também continuam on.111t>eiros). Mulheres la ti nas mais vellias, que constituem a
quase sempre os mesmos. E le pontua cada sina 1 alrcrnancln i111r parte de seu pú blico na televisão, confiam nas opin iões dele
sua atenção entre uma das várias câmeras fixas. Seus olhos ~r
1,1 ,alnii nistrar seus pro blemas diários . Uma delas, apresentada
toldam com um o lhar longínq uo - seria o cosmos q ue ele esl.1 111111 d_':_seus vídeos promocionais, afirma que ele sempre fala
examinando? Sua maquiagem? Ou suas anotações? Seu gesto ti ',•rd.1de" JAJguns latinos gays q ue conheço também o adoram
despedida pa rece a bênção de um padre. Em um movimento ent
• • hnmam afetuosamente La Carroca, "porq ue se echa la casa
quatro etapas, ele levanta as mãos para cima para nos deseju , tt11A" [ele é superproduzidoJ. Seu estilo estranho e a osten-
paz, leva as mãos ao peito, faz um círcu lo ao redor do coraçã<• 11, l'Xubera nte de referências culturais caracterizam-se pelo
rraz os dedos aos lábios e os estende em nossa direção, enquanto ~ Pergu nro-me co mo ele consegue escapar impune dessa
joga um beijo. Ele nos deseja muito, mu iro amor. Seus olho , 1,;rn1.1nce bizarra, considera ndo que o programa tem como
c(mti nua1J1 focados, estabelecendo confianç;i e intimidade Cúm • 11111 omplo espectro de público dech.tsse média e classe média
espectador não visro e desconnecido. Ele fica olhando para n<
• 1 por todas as Américas. A extensão de stta popularida de
até sua imagem ser transferida para o gráfico cósmico origi11,1l • ,111r considero inrcressanre, principalmente ena·e o público
Um narrador nos convida a escrever para Walrer diretamente 11 1110 r latino-america no, comumente visto como convencio nal
endei:eço na tela. Eu sei que ele está fala ndo comigo. •tlll'~llks soeiois. O céu é o limite, parece-me, quando se t rata
Bem, de cerra forma. Comigo. e, ao que parece, com os 1 1 11, ltr,1~ mí~1·ka&.
111 ilhõ<;,s de ou t1·as pessoas \lºr d ia, de acordo com sua divul!l,1\,l 1
1 \111,1.:ulosJl(or~m de .1utoridadc: especial nas Américas
publicitária . W!,1'ter y las estrellas é transmitido 11n conn l 41 tnd,
1111 , l , ltnil ~,· r,uck oh,l'r VM no fenômeno \Valter. O enrcn-
os dias. Esses alOs Je trn nsferências silo dif1·r1mic~ doqut'lc• •oh 11, 1111, 111-11111111, <1111111 1t1d1, ,1111 11~ m IIIUN" uo~ r códice~ do

J •
século XVI, abra nge camo os acontedmentos passados q ua,i 1lntasma do oposicionismo continua a assombrar e dar
os futuros. Moorezuma, por exemplo, confiava em pressá~1 11 pt-rformances espirituais latinas. Elas insistem na espe-
e adivinhos para prever os prejuízos trazidos pelos invaso 1, que os sem poder podem se esqu ivar do poder domi-
estrangeiros. Na Mesoamérica dos sécu los XV e XVI, o a<.h l<J, Esrados Unidos, os la tinos se volta m frequentemente
,,,..V nho era "o sábio, em cuj as mãos estavam os livros, as pinrnr "lluções rituais readicionais de seus locais de origem paca
111 1 ns problemas a tuais de deslocamento cu ltura l e físico.
,.,. aquele que preservava os escritos, que posstúa o conhecime11
a tradição, a sa bedoria que foi prommciada".1 O segredo est.i •111111 ~orma de[pensa111enco mágicolesperar que uma lata
não apen as nos livros (no banco de memória que cha mei ,11.1µ1cos, suposrameme desti nados a afasrar policiais, vá
11 o l>cpartamento de Polícia de Nova York? Podem _ pós
arquivo) , mas, o que é igua linenre importante, na interpreta
e performance das falas (o repertório). Contudo, os adivinl i l1hcrrar sujeiras modernos do escrutín io e da vigilância ?

pagavam um preço alro por proferir interpretações atcrrort h~r, rei da indústria de QrácuJos, é d<; longe o mais bem-
dorns. Montezuma matou alguns de seus visionários por pr 1,.fn <l<:'.,s muitos médiuns, curandeiros e eseiriru aListas que
zerem a queda do Império Méxica e traocõu oucros na pri t 111 pe lo mercado latino nos Estados Un idos. Botánicas,-
descobrindo depois que eles "desapareceram" milagrosame 11111~, websites e lojas especializadas vendem muitos dos
11111 associados com essas práticas de cura populares.
A autoridade dos adivinhos e, mais tarde, dos espiritualist,1
xa mãs, baseada em sua ha bilidade de 1·eve!a.r o ímprev is(v ,n~. ervas, velas, sabões, pós mágicos, mapas, perfumes,
na capacidade de se esco nder dos que estavam no poder, pe " r lattts grandes de spray ajudam a afasrnr as forças do
' 1rt,1~ de rarô, estátuas de santos católicos, eleguas ele
tiu atTavés dos séculos. Figuras visionárias carismáticas vier
1 1 1• honccos de vodu estão lado a lado nas prateleiras
à tona nos sécu los X VII e X\/111 como líderes de resistô11
oferecendo fontes de conhecimento de oposição e prát1 /1111,,nicas ecumên icas. Como as populações latinas gue
11r,1c 111, essas prá ticas tam bém compa rtilham o espaço
cultura is ban idas pela fnquisição e pelo .Escado. A influê
ti 111ois ou menos pacificamente.
deles permaneceu, apesar de todos os esforços da igreja cat61
111 r~cn ç.1 de Walter, es tran hamente desincorporada, é
e das autoridades civis para pôr um fim em seu poder proEct
• <11t111111 pa ra os espiritualistas, muitos dos quais não têm
e pessoal.2 Uma das acusaçõ.es contra eles foi sua habilidade.'
• mid in e dependem da transmissão incorporada. EI lnd io
se tornarem visíveis ou invisíveis, de acordo com sua vont.i
"111u,, pnra da r o utro exemplo de um célebre curn ndeíro/
Diferentemenre dos sujeitos comuns, eles pareciam controlar
1 11 1l1Nrn, tem três co nsu ltórios em Nova York, além de outro
incorporação e provara m ser imunes ao exame e à vigilôm
\1111clcs e 11111 rcmplo na Colômbia, sua terra natal. Ele
Além disso, sua fonre de podei' se baseava em visões e prát
,•rviços de diagnóstico e rrara mcnto - leitura de mãos
não disponíveis para aqueles em posições de autoridade secul
' 1/ 11,1< disponíveis em outras lmtánicas. Seus consultórios,
'
religiosa. Eles se esquivavam do sistema hegemónico de conrr 11" u1~t11c Jest,1s, mais pa recem um consu ltório médico do
Uma maneira de entender como a prática incorporada tron• 111 l.mn.írnl. Ele ndo vende nenhu m produto. Ao invés
a memória socia l e a identidade através dos sécu los pode cx1 11 1111 1,·<rflrn>11i~t~ ve~tindo jaleco de labora tório - uma
aná lise dos movimentos de oposição nas Américns, orgnmi.1 • 1d1· LOIII 1·~11 <'1," e tím l)(l(o, cuida dos clientes que,
ao redor dessas figurns vi~ioná ri n~.• ' • l,J . 1 ~,,,,, ,1111 .11.11, , l'mt\Ut< ~ 11n1;1 c<•l<·bridnde, FI lntlio

1~11 l 1
:.spit<'
1. ,sn1 el/i~ J:/1-{/
1

, 'J h(j. hlo tnql! f


·. ./O.IGR., C!Jucl'e~
17. U1n póster nú o:('>11.s11hório de FI (J\dio
:\m,\lÓJlico informa ao sup!ic:1tne o que
dizec "Jdmi". foto: Ll i:m,1 T.tykir, 1999.

(> consultório de El Jndio é, fra nca e pobremente, reatra i. Um


, tliu de madeirn de 1,20 m de altu ra recebe os visitantes ã porta.
1 111.1 , a ixa de doações, estrategicamente colocada, convida-nos
11uc,11· dólares por desejos. O gra nde cômodo na parte da
, 111c da loja contém uma parede divisória, enquanto a área
l 11t·t:cpçâo sinta-se à esquerda. Uma placa forma elevada, posi-
,, ,11,1da logo à frenrc, é enfeitada com velas elétricas, enormes
,d,1, da fortun,i , carras, uma imensa palma da mão e outras
l 1,1fornálias cósmicas. Espetácu los milagros os de cura supos-
111t•ncc acontecem nesse palco - vemos os acessór ios de ceua
1 l,1111.:0 d ,1 passagem que leva até ele. Muletas avulsas es tã.o
,, o,1adas a uma parede, parecendo prontas para o suplicante
l6. Põi.tt'r de= EI lodio ,>\m.12ónico i:in .St'U c-oos.uhódu ein Quee,,s, Nova 11 i',11' ,lo se dirigir ao palco em direção à cura. Um pôster,
York. Fotú: Diana Taylor~ 1999.
•1110 11111 ponto teatra 1, diz ao suplicante o que fal ar: "Jelmi"
lp 111e, isto é, ajude-me). Ao lado, uma máquina de coseu ra
Amazónico pode co brar o dobro de oucros curandeiros, 111 1.1 ., nccessidadt· de consertos de úlrima hora . Uma grande
isso significa ta mbém que a clientela depende de sua pres~n~
11111r,1 ern tela, representando E! lnd io fazendo uma cura
pessoal. Em bora seus assistentes assuma m q uando EI lndin e
11 11111,1 1l'ihu 11:1tiva, Sl:r vc para ancorar essa prática em uma
cm seus ourros lugares de rrahalho, a maioria dos cl i('ntCS c~r• ,, li\.lt1 ":luri'nrica". Uma rei~ de vídeo do tamanho da pa rede
seu rewrno. 1, , , dn p,11.11 mnNrr,1 ri lndin t•m nçfü> - uma mise en abyme.

1 l
Existem duas áreas privadas ao lado desse espaço. Atrás d m monio y herencia de una cultura que no ha m ueno y se
cômodo da recepção está um escritó rio imerno privado, onde J 11,cr va en este personaje" [testemunho e herança de uma
lndio rea liza suas consu ltas individuais, isto é, lê ca rtas, tarô, 11111 11 que não morreu e que está preservada neste personagem.),
mãos e receita remédios ou traramenros caros. Esse consultór1 ,i111 diz seu vídeo promocional. 5 Embora ele também ext ra ia
interno, como a grande área externa, está coberto de signo~ mr ntos de roda tradição que se possa imagina r, reivindicando
símbolos de todos os sistemas de c(enças que se p ode imat1l " fl'1{1iritismo universal; a legitimidade de EI Ind io está rad i·
nar - ferraduras, figuras de Crisro, busros egípcios e cabe l I t•m seu corpo e em seu conhecimento nativo. Em um a to
mumificadas. No porão, que não me permitiram visitar, EI Jnd1 • irreflexivo de ''etnografia de resgate", ele se o6fetifica, ele
montou um estúdio em que prodttz os vídeos que ele distrib11 '"''º corpo, um personagem que funciona como recepcácu lo
gratu icamenre para os visit an tes. 1111duror de conhecimento. Ele é uma prova viva de uma
O grande número de pôsceres, pinmras m urais e imagens 111,·.1 ''anrêntica" que claramente pressupõe uma prática falsa.
vídeo mostrando EI Ind io prepa ram-nos para a aparição de 11 , orpo serve como palco para seu poder milagroso, que ele
próprio. EI lndio, vestindo roupas tecidas a mão, um cocar ( ,v,1 ao en fi ar pregos em SLta língua e lábios ou ao reta lhar
penas, uma pena atravessa ndo o nariz, pintura facial, cont ,1 hr.1ço com uma faca.
e dentes de tubarão, a presenta uma performance , ao mesm 11111' m;Jis " anorinal" que essa performance pareça, El lnd io,
tempo que oferece uma autenticidade " nativa'', um modo ind 1110 Walter, ainda assim cumpre uma função normalizadora e
gena de ser, con hecer e curar. Ele se apresenta expliciramen ul.1<.lora. Ele encena a noção de uma tradição pura e autêntica,
como o repertório de conhecime nro inco rporado tradicionnl 1ul11 intocada, às margens da sociedade moderna. Ele liberta
l.11i1ms do frenesi pós-moderno de J ackson Heights /noroeste
i~ucc ns, em Nova YorkJ, levando-os ã t ranqui lidade do pré-
" 1ilcmo por meio da reencenação performática. O corpo de
l l11d io transmite a "memória" da integridade corporal pnmá-
' qnc, como ele 110s lembra, nós perdemos e apenas ele pode
111v1JI:._Dúzias de velas em forma de casais de noivos e imagens
, 1~.1is herccossexua is felizes afirmam somente as noções mais
1,l1ciona is de amor e felicidade. E por que, eu me pergunto, os
•l'lica ntcs têm de se dirigi,· a El l ndio com expressões cm inglês
lt111entar ("Jclmi"), que eles leem em ca rtões ? Apesar de toda
, , 1ôrica de autoa juda do vídeo e da informação promocional,
, lir ntc ninda precisa de EI fodio para fazer uso de forças
1•rnns a fim de assegurar o sucesso. O suplicante, distanciado
,,..,ricn~ "nut8m icas" de 11 ma Amazôn ia em rápido desapa-
111wnro, enquanto a inda não es tá fluence ou incorporado à
18. E~cr1t6r)() priv.1do de FI Jndill Amuónkó. l~o1ot OituilJ i.ylor. 1999.
1h11n1 d!lminnntl· dos !h tndoç Uaidns, pa rece estar fadado
fl,1,,1S\O Ao IIIVl' ' 1k 1irn r,1m,1/q1111\11u, uu mc~mo de um

l 1 1 \
ou/ou, o espetácu lo coloca o cliente cm um espaço de ne , 111.:.1. ,·est~ntas ét~cas, re~rório cultural e esrilo de
~ . . . ,.
nem. Pode-se argument:tr qur es,a, performances de sujeiç "111a11ce pnmmvos :.prm:ocagr~rcações. Os progres-
seguem a longa tradição latino-ameri.:ana de peregrinaçõ podtriam argumentar que e~sa é a incorporação que de,·e
estafantes, auroimolação e outros ri trn11s de humilhação. M 1 111Jonada se quisermos ir comrn a ,•isão essencia li st:1 de
a performance do clienre como um suplicanre aflito, incap · 1·111icidade, a figura ancestrn l que se deve rranscendcr se
citado e não fluente também reforça ,1 pr,ítica politicamcn mu.rn11os a endossar a noção de raça cósmica e mestiçagem,
desastrosa de forçar os ln tinos a assumirem papéis subm,ss 1l1J.1 <'m 1925 pelo educador mexicano José Vasconcelos:
O~ roteiro~ encenados ·nesse palco foram concebidos por m•11h11ma roça retorna."' Cu lturalmente, as Américas têm
lndio, que fornece o, acessórios de cena e as falas. Esse rim 11110 tortememc no desapare.:imemo da presença mdígcna
prova o oposto da confissão, o oposto do testemunho. Ele fo J, noções de modernidade dependem disso. Não há volta,

os diemes a encenar histórias doloro~as que não pertencem ·• 11," kmbra Vnsconcelos (p. 16), nen hu m espaço para um
ele, em lugar de buscar processar sua própria dor ou trauma. •1orio de práticas performáricas nativas no processo social
su jeição sociopolícicn, portamo, é ensa iada no próprio e,pa • 11,;.1gem que transcende a "diferença".
• • I'~ 1remo oposro do espectro da representação, Walrer
cm que alguns latinos procuram o empodcramenco.

,-,, ~-----
... . . ·-·=--=- 1,lo oferece um espetáculo e uma pr:írica da latinidade
1 • ,lifcrcmes. Isso não significa que ele quer se mostrar

l,q t·111 relação ao "primit ivo" associado a El lndio, no


111 d." pr.íricas esrét,cas da "alra/baixa'' culrnra, ou que
I'' 1:knlo apela para fonrnsias d isrinras a respeito de classe,
• ,cx11.1lidade. Enquanto El Inclio aponta conscicmemt:nte
uma form.1 de çaoit:il cultural radicado no E.assado em
1 ,reli11tcnro, W<tlrer tcpruenra 11111.::! ident idade que ;e
1'" " mc,ma.i..S!.csincorporada, em permanente expansão e
, t·m formação. Suas opções de representação resultam,
111,·mt'nte, do foto de de ser branco. Nunca se pcnn itiria
1 l11d10 pcrfmmalilar sua persona por rodas as Américas.
, 1"11111c \t'u p.1pel de guru resplandecente que preside sua
111 wr,.io da~ "América,", que inclui "países" como Miami,
, 1\ 1,0 e mu11a, das n.1çõcs amigas de W.1her, que podem
19. Con,\l1rórin de li lndio Amal'imj,:o. t'oro: l>1..1n.t T.aylor, 1999. rintr.1J.1\ cm wu~ map.1s. As América~ que ele habit:1 se
11 1H por mc,o de seus hfoitos relcvis,vos - não atra\'éS
A performance de EI lnd10 Am:1zó11it:c1 a111dn a entem,lt'r 1111,u, · ,li- perfnrman.:c cm comum ou d:i cultura escrita,
limirnções da incorporação quando ~e pen,a sobre o, l,wn 1111dJ1 pd..., lonylnlllt'r.tdo~ de mídia como a LJnivisión. A
hso ~,gnifirn não apcn.1s cri1kar n pcrfor111,111~c de c11r,1 en 111um, d, \\ 1hr1· nt'IIOl 1,1 ,nm o fmuro, com ~s populações
n.1dn por 1i 1 lndio, 11111R tnmlwm n que \'it• pt•r.c1111I"·' 1\ r,p 111pr , n,I, ,l,,r i.. •1111 , 11.11, ,.. toro.indo rapidamente
li~11l111lr J1 ,tu 1,p,·1 i.11111 , 111 ll 111111, ti, r ,, 1 • ,o, 1,....1l1t ~ dl.lu1n111o, 1,,r\ 11p11l11I ,1,r.,,nno111k 1\/n,porrnmcs.
O modo como esses médiuns determinam o passado/furnr 1i.1das para transcender o que revelam muito clara mente - o
de uma identidade latina esrá profundamente enredado com 1 obertamento sexual. O tecido pesado suprime visua lmente
narnreza incorporada e desincorporada de suas performanc • ~orpo humano que está embaixo. As barras de seus mantos,
EI .lndio e Walter parricipam dei aros de rr~sfecêncial muít , 1.-,1mente enfeitadas, lembram a faixa da batina de um padre.
diferentes - um, legitimado por uma incorporação precária; ~,,lrer, como o padre, é supostamente desencamado, todo ele
outro, espectral, arquiva) e desincorporado. _A pcrsona assu p,·nas "cabeça". Os anéis lembram a autoridade papa 1. Um
mida por Mercado também se inspira em um amplQ.Li:cp~i ,kus protético", de que fala Freud em A civilização e seus
de modelos vindos de vá.rios reperrório:;_e..arg.l!.ixos cult\trl!i idscontentamentos: "e le é verdadeiramente magnífico (...)
que incluem Hdcres espirituais de toda sorte, vide_!!t~s,_padrc 111,mdo coloca todos os seus ó rgãos auxilíares." 9 O santuário/
católicos, espiritualistas e celebridades~~ Libcrace e EI Ye <11:írio torna visível o poder da apropriação cu lru.ral. O recinto
astro do rock latino. Em cada caso, o status divino, oculro ou ti 11ol.1do, cercado, cheio de velas, perfumes, recidos pesados e
cel ebridade transcende a pálida normatividade da vida secula ,,,xturas de todos os tipos confere ao que é inan imado toda a
Ele se retrata como mais uma em uma longa lista de crianç.1 ·11,ualidade negada à ca rne.
profetas que vivenciaram tanto a c.1 rência pessoal quanto poder li interessante notar que, aqui, estamos de novo repud iando
d t nrpo .
mágicos aos seis anos. Ele próprio relata q ue, " um dia, m inh
mãe atendeu a porra e viu o q uintal ch.eio de pessoas esperand
para serem tocadas por 'Wa lter dos Mi lagres'. Meus pais niic ARAÇA COSMÉTICA
gostaram nada disso (... ) apesar de mi nha avó ser a maior leitor
A astrologia, a leitura das mãos, o rarô e outros r ituais de cura
de tarô da Espanha". 7
,tkrecem ma is uma entrada em um sistem a de signos, ma is uma
Parece que foi assim que \Valter foi esco.l hido. 1 Ao invés de,
llcna em que' sujeição psíquica é perfonnatizada. ' les também,
apresentar como a incorporação e o auge de uma tradição, com
1tln um à sua manrua, encenam o SUJe1to, azen.do-o existir",
faz E) Tndio, Walter salta diretamente para dentro da caregoil
, 111 hora se saiba,por meio de teóricos como Beauvoir, Foucmut e
f
~m?'er -bumana do extra-ordinário .\Imagino que faça sentid,
ll111le,; que as maneiras como os sistemas são encenados va)'iam
então, q ue sua pcrsona esteja a lém das convenções em termos J
sexual idade, riqueza, estilo. Como o vidente Tirésias, Mercatl

, n11sideravelmenre. Como as advertências e conselh.os de Walter
,lc•ixam claro, forças múltip las puxam e empurram os especra-
é uma figura sexual ambíguau;mem/nm lher; ~ ua runbiguidat
lurcs em sua audiência de um lado para outro. Para sujeitos
sexual, em suas palavras, reflete um roque do divino: "Deu
hicu lrura is, como os latinos nos Estados Unidos, o processo
não é nem homem, nern mulher", escreve M.ercado, ao lid,1 dt• sujeição envolve um script duplo, cluplam~cotnplicado -
com a ma is suprema das taxonomias judaico-cristãs. "A inép, pois os sistemas regularórios externos demandam Íonnas de
da língua nos força a descrever este se r supremo cm termo~ J 1,1uiescência difcréntes, às vezes irrcconciliáveís. A"Tcle.ntíclaõc
gênero, mas sua essência se estende muito itlém, abrangend , 11lt11rnl é a ltamcnre performativa. O reconbecirnentóbaseia-se
rudo" (p. 66). A ambiguidade sexual t:,rnbém funciona bct • m comportamentos incorporados e at0s de fala: as línguas q ue
com o catol icismo mais ortodoxo. O padre católico é o 111110 11!.1mos, J formu como "rnzomos" nosso gênero e sexualidade, as
homem no mu ndo h ispân ico que pode usar snia. As ro11rt1~ r1, m.int•tr.l~ ctJJno dn,"· ,. r,l\11 \iio enrendidas e romadas visíveis,
mente hord11das de Woltcr pnrcccm rnup,1~ 1:dc,htsr1t·.is e 11.1 1 111,111 d,· 1111•11,1,1 ,lrrnn,1\rradn r,,loN~Horcs sociais. ·

1 O
1 "
Porém, essas performances funcionam de modos diferent ,ln, à riqueza, à educação e ao sistema de saúde por todo
em s istemas cu ltura is diferentes, como demonst ra a situação d hemisfér io . O privilég io da brancura não foi supla ntado
latinos nos Estados Unidos. Latino-aitlerica nos de classe :11 1 luga r nenhum . Agora, nas Américas, como nos escritos

podem ficar espantados ao descobrir que são automaricamcn V.,sconcelos em 1925, a li nguagem da mestiçagem busca
considerados subalternos na imaginação popular dos Estad 1h'111nir as categorias rac iais e o racismo para fi ns políticos
Un idos. Negros de Porto Rico, República Dominicana e 111·dficos . Mas esses fins são diferentes. No Méx ico, durante
outras pa rtes da Afro-América são frequentemente roculad 1110s de 1920, os intelectuais estavam combatendo teorias
negros, e não hispânicos, nos Estados Unidos . Brancós, negro• upremacia branca vindas do norte . Havia poder em uma
ameríndios da América Latina podem ser todos reunidos con 111 idade colet iva rncia l imaginada. Hoje, no "norte'', latinos
lmpânicos perturbam todo o imaginário racial dos Estados
"povos de cor". As práticas visua is e tecnologias de identi fica
111,los. Isso não acontece porqtíe os hispânicos são conside-
que se desenvolveram nas Américas para estabelecer e cata lo•
categorias raciais - desde as pinturas de castas do século X
111,-;na etnia, e não uma raça. O próprio censo deixa claro
, os latinos " têm" uma raça, mas esta pode ser qualquer
e XVJT, aré a fotografia nos séculos XlX e XX - paralisam
1. Raça, o ma ior marcador visível no arsenal colon ial, não
d iante do dilema: os latinos não são identificáveis por raça."
11-.·,; ue tornar visível a maior minoria da nação.'5 A niça
O censo de 2000 nos Estados Unidos t ropeça <liame ele,
111ctica 1 definida por práticas performáticas, e nii2.rela ~i:_
compreensão. O país está agora d ivid ido em do is - não e
1 pdc, desestabiliza a própria "raça". A pesq lÜsa genética já
brancos e negros, como ames-, mas em não hispâ nicos (o q1
li, uhrizou os fundamentos biológ icos das caregorias rac iais.
inclui brancos, negros, asi,iticos e pessoas orig inárias das ilh
11n1, os latinos inccnompc:ram os sistemas de identificação
do Pacífico, mu ltirraciais e "ou tros" - grupos designados pc
l.iis e visua is. As ondas de imigração nos últimos 50 anos
raça) e hispânicos (uma designação étnica que abrange pesso
, 11 ar,1m indistintas codas as noções de identificação visual.
de qua lquer raça). 12 Os "latinos" ou "hispânicos", confon
"rn111 im igrantes de todas as cores: migrações de indivíduos
são chamados pelas aucor idades, demo tra m os lim ites d , l,1.sse operária de pele escura, vindos de Porto Rico, e,
class ificações e teorias raciais. 13 O cerm " his ânico" emho •• nnos de 1960, antirrevolucionários cubanos "brancos"
tenba adquirido um cará ter racia l na cultura dominanrc ti d.tsse alrn e média; por to-ri quenhos "brancos" de classe
Estados Un idos, não é u ma categoria racial. Não é uma r.1 .11.1 e os balseiros "negros" descartados, vindos da Bahia
cósmica, como afirmava Vasconcelos, que iria supla ntar M.1ricl, em Cub,1, no início dos anos ele 1980; as migtações
categorias existentes ("negro, branco, í11dio_, mongol") 111es de exil ados políticos de países predominantemente
se transforma r na c uinca ra a mes ri a da_s_Américas, a r,1 I , ,ncos'' como Argencina, Paraguai, Uruguai e Chile; o fluxo
---o· ..,,. inal", "cósmica", "moldada a part ir dos teSOltros de wd o1111.111tc de povos indígenas e mestiços, opr imidos política
as a nteriores". 14 Mas uma(iitça cosmécical em que a aparéu unomicomentc, vindos do México e da América Centra l.
~ externa não consegue revelar uma estabilidade on to lógic,1 "-.t·111cn1•sc e&tes grupos a aqueles que já estavam aqui ames
ÚV' -;-"- que isso significa, exata mente? Que as raça~ de faro "dc\,11 , 1rd~senh11r a fromeirn entre México e Estados Unidos em
"""'-,\..-..{\\ uc. receram" e que a população se fund iu em uma raça "cós1111,~ IH, t· 111 ,, dnrn 11or que OR latinos parecem simulrancamentc
sem raça, como Vasconcelos previu? t. pouct:l prov.w!'i 111 pu, 1o1dn l.ulu t, ,,p,•1111 d1siu, 11:10 locnlizávcis, visíveis,
pol ític~ dn "d ifcr~ niR" ·,1d a 1~·ont i lllhl ., r111 t1rnl.11 o 1L, "'' 11 11 ln 1J, r111l1t 1v1·1~ '

lMI
IH 1
Os latinos se tornaram a maior minoria nos Estados Unid1 educação. A incorporação apresenta problemas políticos,
e~bora ninguém parecesse notar. Eles,como w;lter,são d-e~t 11, e lega is que muitos funcionários do governo e eleitores

como c-;:;mpiernmente invisíveis, não locali~ eiOu cOt~1 , 11;.111os prefeririam não ter de enfrentar.
performát~ Eles ainda estão de fora da maioria das discuss,
sobre raça. Poucas universidades rêm programas de estudos la
nos, não há um Mês da História Latina e nem um Dia dos D ireit
I' ira <-,urros, os lati nos são barulhentos, temperamentais, com
f, ncia a demonstrar afeto excessivo e a se ex1bll'. A identidade
,11.1, então, pa rece menos uma q.u.estã.o-d~gero ra!;ial ou
? )1 /
Civis em honra de César Chavez. Procure a seção de li,,ros Jadn 1110 geográfica d9 que dustratégías de aurocriação: língya,_ •, •
em qua lq uer livraria. Supondo-se qtte haja algo "hispânico",
provável que se encontre material que incluí desde os templ
anteriores à Conquista e livros de culinária argentina, até livr
1,1, música,comida e auroidentificação. 18 Não é.isso mesmo?
fh imperativos culru rais, portanço, colidem uns contra os
11m, :'ts vetes ameaçando quebrar o sujeiro bicultura l no
-
sobre decoração com papel recortado. Quem sabe quem são , ,. Fm vez do tanrolquant() que define a mc.sciçagem cu ltural
latinos ou o que realizaram nos Esrndos Unidos? Que a rquh 11loi:;ica, os latinos nos Estados Unidos confrontam-se com
abrigam suas histórias, escritos e realizações artísticas? 1 1111:iç:io de ser uma coisa ou outrn:19 Wa lter resiste a essas
Não surpreende, emão, como a1·gu mentei no capítulo inic1 11,1\ <>cs, movirnemando-se exuberantemente no rantolqi1anco:
que ess{t'ãlta de presença â"rquivaOeve as pessoas a quesrionarc , 11 homem quanto mulher1 c2mo brruii;.o CWJ!Jl.!.O.latin.o~r.i.ço

a própria existência dessas populações. Para muitos, parece q lo povo'', fo lante de j~las. e de..es.p,anl19l,porto-riq_uenho e
/ os latinos não têm corpos. Eles são operários sem documenu 1 11 1nrc lo continente, leicor d.!!_ soJ't.e_~pessoa cle.s.o rte. Meu

indistintos, que fazem um rrabalho necessário, porém invisív , 1 1·111 sua performance permite-me esquecer que sua habil i-

Uma igreja latina no Lowe.r East Side de Nova York, etn frc11 1 ""' se movimentar nesses espaços está associada a seu status V
à qual eu sempre passo, t inha um mural que d izia : "Deem- 11,·fliildo de homem rico e branco. Em um nível, en tão, ele
suas almas-fiquem com o restame." Os políticos querem vor líl, ,1 poi,1 as cstrllruras de visibilidade existentes.

O mercado quer consumidores para carros de tamanho médl 1 111 outro níyeJ, eu gosto de acreditar (ou finjo acred ita r) que
cartões telefônicos para chamadas internacionais. Dramatur ,il1ur:1líêlãêle de Wãfter} ia da propõe um desafio à normati-
chica nos como Lu is Valdéz e Cherríe Moraga têm peças em q uh•, Cnmo políticos e cômencariscas cais com<> Par Buchanan
seus protagonistas revol\1cionários litera lmente não têmcoq 111,li1 Chavcz lamemam, os laünos frequentemente evitam a
- apenas cabeças.'~ Distorcida pelos sistemas de representa~ ....101>11/ou. Muitos não querem ser "assimilados". f\ maioria
opressivos, diz Moraga em Loving in the War Years, "eu 1 •Ih,· 11:io aba nQQ[la r suas ráticas culturais mesmo quando
tornei pu ro espír ito - sem corpo".'" Quando os latinos t 111111 11, novas Ser bié bom. Os lati nos procuram médicos
corpos, eles rendem a estar desarticttlados - são as costas 'I 11,ln c,tõo doentes e têm acesso à medicina ocidental, mas
se curvam para apanhar morangos, os braços que limpnm 11 , 1,11nhém pMticipnm de toda sorte de práticas de cura não
casas , as mãos que empur ram carrinhos de bebê. Ou cnriio • 1 111 ,llN. Ir ao curandeiro ou espirirualista é outro exemplo
os braços atrás das grades - entre as massas desproJ?o rcio11 111111.lt• 111nro/qua11to. Curandeiros, médiuns e espiritualis-
de homens e mullieres de cor nas prisões no1·re-nn1cric:,111 "' 1,IN,1m i:rrlnh ripos de arquivos e repertór ios cultw:ais
Quem se importa com o corpo larino, 011 cuidn dele? A 111,110 1w.l1 ,1,, , .ir1.1~. s111no~ cósmicos) como cquiva lcmes à
dos latinos nãú tem direito w voto, nccsso no s1stcm;1 dt· ,,111 1 , o, 11< 1,1 11111• t'\IK•· , <111/111, 1111111//n t' ,•11it'lldi111cll/O, 110 i nvés

1UJ
de crença. Participar de uma /ímpia (puri ficação) é um exerck Corno performer, Walter é especialista em artes como a inver-
o ncológico, outra maneira de ser latino. Nos Estados Unid1 "• o exagero, a mistura, a contradição, a imitação burlesca, lo
essas práticas realçam os momencos de ruptura, os nódul ,w, rasquache e rela;o. Ele confere à drag quee11 aurorid,ide
nos quais se reúnem sistemas co nfli tantes. Walter e ou1r 111.11. Ele lê a política por meio da astrologia e comenta a bruta-
espiritua lista s latinos torna m esses pontos visíveis , mapean ~.1dc da Conquista, da escravidão, do sexismo e de outros ma les
um espaço sociopolítico, e não um espaço cósmico ou psíquit 1,1is por meio do movimento das estrelas. Ao in vés de agir
11110 íntennediátio do amor de Deus, ele nos oferece o seu. Ele

OS PERFORMATIVOS ALEGREMENTE INFELIZES ,,1.iura o que se propõe passar por arte erudita -suas est a metas
u·g,is e grandes livros - com rasquache, ô mau gosto cursi o u
"D izer wua coisa faz com que ela aconte'i.!!_1_:·11• J. L. Aust, lkulo associado com os que têm de se concenrar com poucoY
como é de conhecimento de todo aJuno de estudos da perfo
Ir t'.• u.~ n1an atoi; uma diva> uma co111acke, um co.nhecedor, \!!U
mance, criou o termo f>erformativo, "evidenremente derivado,
unem de negócios e um homem culto. Mercado, o médium d<>
perform" (p. 6), para se referir à\linguagem q ue ag_eJ Há cas1
· rr:,,do, é um ar q uimi lionário q ue .;;.,-de e endossa produ tos.
- ce rimôn ias de casamento, batismos de navios - em. q ue d.ii
111,~r Mercado, como um comenraiiSta o cham<1, negocia de
uma coisa realiza algo (p. 12). Diferenremente dos constariv,
, ln, desde " pr odutos energét icos" a terços que ele afüma ter
ou declarações de um "fato", o per fonnativo se fantasia: é u11
•tkrcs es peciais. Mercado é um líder espiritual carismático,
forma " disfarçada ", que "macaqueia" asserções de um fo r
111' ,., acredita ter sido uma criança doentia, gaga, em seu Porco
(p. 4 ). Con tudo, Austin post ula que eles funcionam de modr
I• D natal. Ele manifesta o novo "destino" latino, demonstrando
diferentes: "O emmciado constativo é verdadeiro ou falso <'
1m1111essa de transfo rmação: da pobreza para a riqueza; da
\pêrtõrmatrvo é feliz ou 1ruêi iz::J:p. 5 4 ). ALtStin desenvolve, en.t,11
11111rira para a fala profética; de Porto Rico para o mundo.
um sistema elaborado, q ue identifica performativos ineptos -
Entretanto, outro elemento que talvez seja igua lmente imeres-
coisas "dão err.i do na ocasiiio dessas enunciações" (p. 14)
apollta as muiras razões pelas quais os perfol'macivos não ag,·1 nrc é o jogo d~esconde-esconde q ue acontece na performance
como antecipado. }{á insucessos (misfires), aros que não fa11· 1 Wn Ire~, um ocultação (doseting) ue opõe.duas prá ticas - o
1111(1 curo-a mericano o ~sq11ac ,e latino-amei-1can 'F q ~e se
efeito e que são considerados nulos ou vaz ios, seja porque ( 1)
111111111 para q ue uma escon a o que a outra revela. Desde suas
procedimento usado está errado o u a pessoa que o executa 1111
é apropriada - um "apelo indevido" (misinvocation) (p. 1 • 'ILU lações (cm oposição às práticas) teóricas iniciais, nem o
ou (2) o procedimento está correto, mas sua performa11cc ç,r ,•11(1 nem o rasquache são estranhos a esse ti po de ocultação

ma lfeita - "execuções falhadas" (misexecutio11s) (p. 17). Nc, ••cli11g). O fa moso ensaio de Susan Sontag, "Notes on Camp"
livro ma ravilhoso, gue. desen,·olve sua argumentação à medi 11t.1s sobre o c,m,p l, publicado em 1964, deu origem a deba-
que avança, Austin parece perfonnat izar o que eu gosrariu tt,dorndos a respeito da política do camp e até mesmo da
sublinhar aqui . .Qs insucessos, apelos indevidos e exccui;n ,lnk.1 dn própria S11san Sonrag. 21 Embora tardiamente associe
falhadas podem ser diyçr1 jdqs. Sugiro que Wa lter é o 111cs11<· 1111p ao~ hor1'1os~exuais (noca 50), Sontag tem sido acusada
insucesso, uma pessoa não a utmizada q11c usa 11iérodo~ lmpr tt11rum11,11· 11 que outr_us.c_Q.IJlCnraristas veem como o elo vital
prios pa ra desorganizar a sa bedoria convt•nciou.11 l' prn111111, 1 111 • ~,, ,1111/1 ,. ,1 rrrínm1ntivlc.J,1de q11cer.} 1Comudo, é i11tercs-
-~ - bem como prod111ir 1111111 nnv11 onl1•111 ~rw111I 111c 11111,11 •1111•, <\t', 11,,110 1.1111h,,111 ·ifi.11 or11111m ,\ tet>rização Jo

IN 1
rasquache. Embo.ra
..r -- -,tenha uma lo11g<1 h isr.?1
'l ra~quachism~ 1 ir Sontag, de "trair" a sensibilidade ao definir publicamente
na cultura popula r mexrcano-amerrcana, a d 1vert1d a e suc111 • té,digo priva do e asmme uma abordagem não solene, até
articulação teórica do rasquachismo de Tomás Ybarra-Fraust "'~nto rasquache, à sua exploração. Ambas as teorias andam
"Rasq11achismo, a chicano sensibilit)'" [Rasq1,achis1110, un , 1 vosa111ente na linha . Seria camplrasquache sobre eles/isso?
sensibilidade chicanaJ, de 1991, parte do ensaio de Sonrag.2• 111 seria sobre nós? Ser:á q ue nos comamos camplrasq11ache ao
maneira como Ybarra-Frausto usa as "notas" de Sontag com 1l,1r sobre isso?
modelos para suas.reflexões sugere uma interligação profum fcrnos aqui, então,Jduas ''sensibi lida desf relacionadas em
(bem como uma d ivergência radical) entre as duas teorias q ,im:ionamemo. A divergência radical tem a ver com os agentes
busca m, frequentemente, ignorar a existência uma da outra. 1. ,s.1s seosibil idadcs e com as políticas de sua prát ica. Cada
Como o camp, o rasquachismo é definido como o "b(I ,iria rejeita ou nega o sujeito - cm termos de classe, raça e
gosto do mau gosto " .25 Pofüicamente, am bos são discursos 11c11tação sexual-no cen tro da outra. O camp, para Sontag, "é,
minorias que captam o prazer e a d iversão na atitude de opo or ,ua nawreza, possível a penas em sociedades ricas" (nora 49),
ção. Esti lísticamente, os dois são cursi, termo traduzido cor m111anco o rasquachismo, para Ybarra-Frausto, ~eflere o gosto
"cheio de ostentação, espalhafatoso, pretensioso" pelo Ne l 1~ dasses mais baixas: ele é "uma perspectiva do mais fraco",
World Spanish-Eng/ish Dictionary. O camp, definido por Sont 11111n atitude rad icada na engennosidade e na adaptabilidade,
como "um emblema de identidade", encontra sua contrapnr 1 1r,:m atenta à posrura e ao estilo" (p. 156). Nos Estados Unidos,
no rasquachismo, definido como "os códigos verbais e visu 1 · 1,1squachismo "se desenvolveu como uma sensibilidade bicu l-
que usamos para falar para cada um de nós entre nós mesmo 111r,1l" (p. 1.56). Os homossexuais de Sontag pertencem também
(p. 155). Nem o camp nem o rasquachismo são "elevados" 11 • tlm~\ "minorja '\ n1as trata-se de uma nünoria "cJ'iativa \ cerra ..
"sérios" . A lista de itens camp fornecida por Sontag, como lun •11, nté não étn ica (nota 51). De modo inverso, os chica nos podem
nárias Tiffany e óperas de Bellini, encontra sua contrapa rte 1 11.1r cm condição inferior, ser animados, resilientes e engenho-
lista de irens rasquaches de Ybarra-Frnusto: tam,1/es de mi,r ••, mas nunca gays. O ensaio de Son tag associa, a conrrngosro,
-ondás e '' retratos de Emi liano Zapaca em veludo" (p. 155). • Jl ~ibilidade com prática sexual e privilégio de classe, enq uanto
camp", segundo Sontag, "vê tudo entre aspas. Não se trato 11nn por certo o privilégio racial. O ensaio de Yba rra-Frausto
uma luminária, mas de uma ' lum inária'" (nora 10). O rasquat , f1•lw.1 a sensibilidade como marca das classes baixas mcxicar)_()-
também se baseia m1 citação, na reciclagem, na transposição p.1 1111cricanas, enquanto toma por certo a heteronor.matividadc.
um contexto que ocasiona a inversão do alro para o ba ixo, I' ,r,ct• que cada ensa io brinca de esconde-esconde; cada um
reverente para o irreverente: Emiliano Z apata, o grnnde hcr ll'<lnta para n que rejeita . Sontag levanta as questões de classe
revolucionário em veludo b,;llrn nte barato. Sontag afirma •I , ,tça, para então descartá-las; o camp pertence não à classe
--- '
"a essência do camp é seu amor ao inacura l: ao artifício e •rh•rior; mas àqueles que vivenciam a "psicopa to logia da ri ucza"
exasero" (p. 277). Como o camp, o rasq11ache é extrav,Jgam 11,11,1 49). Ela classifica a cantora cuban queer La Ln e omo
exagerad~, "um senso decorativo exuberante cujo axioma bilsr ttllf) - um hrncc que pode ter abeno o âmbito da discussão
pode ser ' demais nunca é o bastante'" (Ybarra-Frausto, p. 1~ 1 1r,1 incluir 11110 euro-nmeritarrns e pessons de cor desde 1964-,
Como o camp, o rasquache é inseparável das pcssnnq qu, 111 ~ iil,l afll'llll\ c!bo~,, 11111 gcNto cm direção n possibilidades que
praticam. Portanto, Ybarra-Pm usro rcperc o medo, nrnnif,•.i., .i11t1111111n, 111nplqr,1d,1•. () ,•m.1"' ,6hrr n MUJ11(1r lu.' rombélll
se desvia da questão q11ecr no centro de sua articolação. Tom 4p.1gamento, do sujeit·o rasquache, mas uma participação na
Ybarra-Fraustosu prime o q11eer intencionalmente, ta lvez aten "11;1cional de "sucesso" .Até mesmo os latinos podem entrar
aú fato de que o movimento ch i.c ano da década de 1960, q ue Jogo. Isso tam bém torna visível o desejo (mesmo que fugaz)
afirma "ter revigorado a atitud e e o estilo do rasquachismo'' ( 11111 cmicamente de "passar-se" por outro e de transcender

159), tenha se colocado contra o racismo, em parte atravé~ 1 110s da discriminação racial. A aparição de \Valter é rão
mn machismo que não toleraria questionamentos. 1n1 I, riio desencarnada, tão vinua l, que a realidade rasquache
O que isso diz a Yespeito do médium Wa lter e do espn ,h.1 de poder que a sustenta se destaca totalmente. Como
·-
_.lllÍsl ujço latiu o, iá que. ao final do século XX, ele perfonnatiza
;
• 1 ,1 l'rausro suspeitava, a performance tasquache torn a seus

camp sem sexua lidade e oras 1 he sem etnicidade? Que Jan 11dores e comentadores também rasquache, essa pcrfor-
sias e identificação ou de ocultação de identidade são negociai ' 1• ,obre ''nós". como participanres de sua fantasia, e não

nessa encenação de tanto/quanto ou ncm/11et;?\'Çalter, o lati 111,· ,ubte Walter, que a estrela.
111vcrsão do rnm[J ta mbém ridiculariza a ocultação da
6ra nco e muito afluente, espalhafaro~mente cha ma atenç
para seu corpo e para sua história de vida, apenas para enfati lid11dc de Walcer. Assim, apesar de podermos afirmar que
1 rrocurn esconder suá sexuaJidade sob visrosas vestimentas
que o que ele cem a oferecer nadarem a ver com sexualidade
emicidade, mas com o espírito, a alma. Walce1; a estrela, trilll ,,,, acho sua opção estética prodmiva. Embora nunca se
como latino. Contudo, seu senso de beleza e ordem elimina qu 1 ,11,1 rrópria preferência sexual, ele não apenas a perforina-
tudo que poderia sec "americano" no sentido hemisférico 111 i. também advoga a rolerância sexual, )em brando a seus
termo. Sua inspiração flui da Amigttidade, do Egito, da Euro •h • q11e o amor nada tem a ver com acordos contratuais. Ele

da China - embora seus apelos à santería o levem para 111w "estamos entra ndo na era do amor e ne la as relações
perto de sua origem. Apesar disso, sua performance de "civ h11111cns e mulheres, encrc homans e outros homens, entre
zação" afirma tacitamente que a civilização vem geralment~ " , t' 1Jutras n1ulheres - mes mo entre o que chamamos de

"lá longe" e, em termos pessoais, de sua avó espanhola. Tam h, ' - se rifo alteradas de modo dramático e perma nente" .27
da mesma forma, ele disfarça sua sexualidade ao mesmo tem ,h.1~.w de sua sexuali dade vem com instruções para seu
q ue a pedormatiza no mais público dos espaços. Contudo, olhem parn mim, ele parece dizer, e pensem o que
gttarda seus segredos e nos esr.imula a fazer o mesmo. Walter on; nm~ niio julguem, não critiquem, porque, lembrem-
diva do "não pergunte, não conce" na comu nidade latina, qu~ ' 111<!0 s<: ílponra parn a lguém, trê"s dedos aponrarn de volta
1 1111 ,n10. 1\ performance, enrão, dii respeito tanto ao papel
mesmo tempo pratica e prega nma recusa estratégica de definii,
Entretanto, parte de sua performance inclui a inversão m~q 1111 ,, 11.1 0~1lrasiio da sexua lidade quanto à sua própria.
chelcamp de s 1ia própria pre missa. A ex ibição exuberantt ",111•r 111classificóvcl de Walrer,Jem todos os sentidos,
riqueza e sucesso por parte de Walter é tão transparente que , • , li '<li,\ pópularidacle. Ele está em todos os lugares e
torna engraçada. Ela torna visível, como fantasia, a aspira 11111111 h111,1r, vi,lvtl e não carcgorizável. Ele é um artista

de vencer em um país que valoriza a brancura. o estrclat() 1, 11111, qur pt•rlorn1nt11a de maneira exuberante o espaço
sucesso materia l. Não se trata tanto de uma meta, mas de t •t 11l.1d1• l dr ,1ltrrn.11ividncle, tornando-o glamoroso.
tipo de expressão freud iana do "tlesejo".'6 Assim, essa J)t·r ~I 1l,w11111vu r~liz,i fon· ~1J:i..lha1.Wtdn pnsiciouamento
mancc de riqueza e de brancura nilo é npcnns umn r~Jt·i~·1w, ,, lJtmu, u1.111n""'uLmu~111h11mktlll~ (· ,1!llJ<'le que, no

1 ij
INN
reivindicar a proeminéncia, faz com que isso aconteça. Ele ele • , 11alização repetida. É um performativo por causar o efeito
a liminaridade a um condiçiiocósmical"Estamos atravessan drdara, tornando visível a acitude de recusa, o momento
um porra! oo tempo" (p. 2), ele escreve. E completa: "Estam 1nrcrrupção ou de i11terven%ãQ.'. Wa lter exulta em seu cará -
realmente nu m tempo de torai destru ição do velho, antes 1,1squad1e. Por meio d~lªlí?., \ele zomba das convenções,
tempo do renascimento" (p. 57). Ele ocupa o horário de 17h lr11irimando os sistemas regularórios norm ativos. Ele forja
na televisão, entre o dia e a noite, entre o público predomina o 1 r11so de comunidade latina cx rravagante, liberada e bilín-
mente ferninino das telenovelas e o público misto dos nocicián , capaz de fazer as regras - e não apenas de segui-las ou
Ele navega na zona limi nar da especu lação que m istura fanrn h 111,-:i-las. Por meio do 1'ela;o, o mundo passa a se dividir enrre
e futuros. Ele se leva a sério, mas sabemos que se trata de p11 · •1,·, que compreendem o gesto e os qne não o comereendem. 1
rehiio, somente brincadeira. l,11,1 inve rte a configuração colonialista de ínsidcr/outside;, 1
O relajo é um perform at ivo be m-avençui:ada mente ma l, l\.llldo os que entendem a piada e exclui ndo os que ficam
cedido, um aro que rompe o sistema apropriado d~ compo 11,,,hcr do que se trata. Como o camp e o rasquache,_9. relqj,.o_ 1

tamento convencional, tornando suas ações nu las e vazia.s Uij,1 o acesso fácil. É um a forma de codificação minorit á ria
um modo liminar de açao q ue imp lica a ação de se exibir 1 1t•vclar e :scon<itê!' - a fim de sobreviver na esfera pública. 1
representar. Relajo, um ato de ruptura espontânea, um ato q 1 ,sal liminar idade e a lternatividade do re/a;o~ fa lail1 de
quebra a configuração conhecida de um grupo ou comunidn 11wir:1 atraenre à experiência latina de expropr iação social e
Face ao relajo, o procedimento convencional não pode pros 1I !':i ra começar, os larinos estão sempre em um entrcluga~,
guir. Como fonna ele comporcamento disruptiv() e traosgress, lu marginais e1Úrelação ao imaginá rio tanto larino-amer i-
o relajo manifesta ta nto o desafio aos limites de um siste1 '"' lluanro estadunidense, vítimas frequentes de insucessos
quanto o reconheci mento tácito destes. :f: um ato de desva l h1r111arivos. Nos Estados Unidos, a lei e a o rdem em ge ra l
rizrção,~ .Q_g!lC o intelectua l mexicano Jorge Por tilla cha • tuncion~m a favor dos larin os, parte da população forçada
de "des-solidarizaçâo"5om as normas dom inantes a fim 'iporrnr um pol iciamento cada vez mais agressivo. Por razões
criar uma solidariedade di ferente, jubilosamente rebelde , h•nrcs, o espaço político da lirn inaridade tem sido getal-
do vencido.18 O relajo é um ato de desidentificaçâo tta medi 1111' ,1ssociado à a ngúsria e ao terror. Para o{Porto-n quenhos, \
em que rejeita qualquer ca tegorização já dada sem declar l, •mi<.lade ,,aciona l tern sido um entreluga r, frequentemente
ou possuir outra . É uma forma "negativa" de expressão, p, • l'UXn· cmpurra entre a ilha eo continenre, entre o espanhol
t ra ta-se de um a declaração com ra uma pos ição, nuoca a fav1 lnKlês, entre a " identidade" porto-riquenha e o passaporte
Contudo, o relajo most ra-se não ameaçador, pois é côn11 • 1tç,1no. Os c ubano-america nos expressam, com frequên-
e su bversivo, de modo a abr ir espaço para o distancianw1 . 11.1 ide1uificaçâo com a identidade c ubana. embora não
crítico ao invés do desafio revolucionário . Ele é um apRrtll, n 1t 1111 mnis um la r para o qua l voltar. Q uanco ao sudoeste,
um ataque fronta 1. O rasquache (a estét ica, a atirn<le),-e.om 111r•%tcanos estovnrn lá antes da ex istência da fronteira e têm/

-
relq,io.(o a.co), € libeccadar para as comunidades ma.rnirrnlizml
O relajo de Wa lter é uma performa nce por coostitu ir sem
111 111 , ido dJud.io~ cstaclunidenscs desde que o Trarado
1,11.1d11 l11p1• 1 ltd.ilgo lhe~ oforçccu seu status ambíguo em
uma ciraçiio, um ''comportamento reiterndo'', e pur ,·xiAit 11 I.~. ,, p11111u-'1,1 ilt' qur 'l•rt,111'1 ",1dm11ldos, no mome nto

,~,
cerco (a ser julga do pelo Congresso dos Estados l,Jnidos), exercício de relajo que encena a esperançH de que a Lei,
li

gozo de todos os direitos de cida<lãos dos Estados Unidos• mo sistema norma lizador, possa ser revertida e transgredida
Para eles, a cidadan i.a legal e cu lw ral cem sido sempre u modo seguro.
fa ntasia, mna crença em futuros perpetuamente poscergad htc)u convencida de que Wa lter fa la ma is de uma fancasia de
Recém-chegados, como os su l-americanos que auavessa ,n hq ~ar lá" do que de crença espir itual - mais de fazer de conta
front eira dos Estados Unidos, enfrentam uma zona limi1 • que propriamente de acred ita r. O médium latino reflete, de
a inda mais assustadora, cheia de pol iciais, coiotes, La Nll nnas interessantes~ o espaço psíquico latino/ O que é essa
e ourcos perigos. Como observa Al berto Ledesma, eles "pr 111,1sia de participação cu ltural, e por que ela é tão atraente,
sam aprender a viver nas sombras, sem saber a língua que li que darnmen te mais exclu.i do que inclui? De que modo a
é falada, sem informações sobre qualquer direito que pos5 , lormance de latino-americanidade feita por Walrer se vincula
ter e incapazes de protestar contra sua difícil situação" .3U 11111-ras formas de se autoimaginar, talvez mais sociológicas,
mesmo os residemes legais são, muito fregueru.erru:.ru.Ç.,.JJ"11 11110 as formações de identidade que se refletem no censo de

dos como forasteiros culturais e párias econômi_çQS. O crib lll!l? Talvez ha ja muitos porquês, alguns qtte dizem respeito à
psíquico da sujeição faz com que os latinos desejem uma ni dormance, outros, ao gênero e à sexualidade, à raça e etnici-
Lei, ou tro s istema de significação, uma ordem que vá a lém hfl'. à economia, à política, à espiritua lidade e, finalmente, à

Igreja e do Estado. ,,,..ira como rodos esses elemencos se jtu1tam.


A performance de \'<'alter, creio eu, torna ,, isíveis tanto a Di ria que a perform ançe de um espaço psíquico, feit a p<:>r
quanto sua rra,isgressão: o que exige aquiescência e, ao me• 1ltcr, é complicada, contraditória, mas, 110 todo, afirmat iva.
tc!11J)O, o que só p<Jde ser decifrado pelos bem informado t· o inroma da comocl ifica ão das identidades e da hiper-

Lei, pa ra Baudri lla.rcl, é "parte do mu ndo ela represent11 1li,1do artifício. \Valter d á visi bilidade ao lacjno como estre a
e está, portamo, sujeita ii interpr etação e ao deciframc, r111rnnco que seja branco, lou ro, homem, rico e empreendedor.
(...} É ul1'1 texto e encontra-se sob a influência do sentido < ,. o latino altamente artificial, que sinaliza que o latino como
referencialidade."3 ' Walter oferece um desafio paródico à pro 1o•goria pan-étnica é paradoxal mente algo criado. O latino
Lei ao aludir a uma lei mais a lta que someme ele pode deçit 111 si, uma acumulação de grupos: simultaneamente um
Ele rompe o arquivo trad icional que guarda a informaçâll urso político muito real como identidade política coletiva e
que estão no poder ao ler as estrelas, o tarô, o J-Ching, os síp. 1,1bilizável'", um construto da míd ia, um estilo e um mercado
todos estes baseados em uma Lei mais profunda, ma is a ,11 11,11midor. 1\ sociedade consumidora interpola seus sujeitos
mais mister iosa e, de algum modo, ma is válida em tc11 , meio d() mercado, e o qu,; é \Valter a não ser a (des)incor-
universais e ecernos do que a Lei el a Terra. Ele, também, p11 , tç,io do tdfico de idcntiuades do capital ismo tardio? Apesar
acreditar em tudo (e em nada). Ele não exige nenhuma e, r 11, Walter oferece uma ordenação cósm ica e cosmética das
Não há uma ética do traba lho a se ader ir e nada a provur. h 111los força, conflitantes e caóticas que puxam a identidade
se trata de uma religião nem de uma obrigação. Tr<l!n , ,.,Jos us l,1do~. Fl<•oforccc k iturns mú ltiplas e abre múltiplos
particip,1ção, de formar urna umnn, l ltn C\LÍlo, U111íl ,11111 l 1~r1, dr ,1 l1,·111a11vld11dc. Talvç, o Ql.11: sua figuro promere

IV1 1'll
aos espectadores larinos s,~ja um espaço psíquico/mediúr11
vital, com opções. espaço para m.1nobras, que promete ace 5
aos diferentes tipos de con ht'cimento, diferences reper tórr
diferentes textos c ultur~ is, diiercntc·s t stratégias hermenêutil;
Há muitas va riáveis para os cidadãos bicu lturais, vários fato
linguísticos, ideológicos e sociopolíticos a negociar. E, no Ca
41, a cada noite durante a sema na, Wa lter assegura a nós, s
es pectadores, que estamos no controle das variáveis, ao in
de ser.mos as var iáveis a serem controladas.

l~TIFICAÇÕES FALSAS
11llnori as chora m por D i a n a

111,1<h1s no sofá - m inha filha adolescente, Marina, no meu


111 mentávamos a morte de uma mulher que não conbecía-
\ mvuida que o ca ixão seguia vagarosamente para a Abadia
, 1minste r, os comentaristas continuavam, rel'crentemente,
l 1, sohrc o si lêncio, o estado de espírito, a demonstração
, ukn de emoção pública . Porém, parec ia haver tantos
1, 11~ part icipa ndo do que se assemelhava a um ú nico e
"', lt'íl l'ro de luto. O público exclusivo, bem comportado, de
111 r1e1s t! estrelas de cinema dent(O da Abadia, a aud iência
,l 11 , cn rregada de emoção, nos gramados do lado. de fora,
, 1111 lhôes de pessoas que assistiam umas às out ras assis-
' " hincrn 1, por todo o mundo. Em todo lugar focalizado
l111c(,1 , n~ pessoas soluçava m silenciosamente. A emoção
,111 1wosn - pesa r por Diana e seus men inos, o terror da
11h,1 ,1, ,, roivu para com a rairtha insensível, o desprezo
11 1111111 drsa fei,oo do. Como no teatro, à emoção se seguiu

11 " 1,11~ irrompeu do lado de fora da Abad ia, logo depois


,, , l11111•hm do Conde de Spencer, e aos p oucos ent rou na
1.. l11111ln .11 c ., trrn1 c, nilo ucmondado, inrcrrompendo a
1l ,ti, , lr111hr.111d11 ,111•, il11,1 ' \' e•prnhm1soH1uc, nfiua l, essa
aos espectadores larinos seja um C&paço psíquico/med· , .
vital com
,.
-
opço~s, espaço parn manobras, qlte promere aces1
mn1c s
aos d1fere11tes tipos de coo hecim enro, diferentes repenório
d1~erentes tex to~ culturais, diferentes esrrart'gias hermenêutic~
)'Ha muitas
, , vanave1s
, para os cidadãos bicu ltu ra1s,
. va1, .·1os fator
ingu isncos, ideológicos e suciopolir,cos a negociar. E, no Cana
41, a cada noite durante a semana, \'Çalrer assegura a nós sei
espectadores, que esramos no controle das variávéis . '.
de ser ., . . , ao mv1
111 os as vanave1s a serem controladas.

IDENTIFICAÇÕES FALSAS
As m i nori as choram por Diana

Sentadas no sofá - minha filha adolescente, Marina, no mell


,olo - lamentávamos a morte de uma mulher que não conhecía·
mos. À med ida que o caixão seguia v;,igarosamente para a Abadia
,ti• Westminster, os comentaristas continuavam, reverentemente,
1 t,,lar sobre o silêncio, o estado de espírito, a demonstração
,lrnmática de emoção pública. Porém, parecia haver cancos
p,íblicos participando do que se assemelhava a um ú nico e
mesmo teat ro de luco. O público exclusivo, bem comportado, de
,hµnitá rios e est relas de cinema dentro da Abad ia, a audiência
po pular, carregada de emoção, nos gramados do lado de fora,
,,. dois milhões de pessoas que assistiam umas às outras assis-
mcm ao funeral, por todo o mundo. Em todo lugar focalizado
p••l,1 câmera , as pessoas soluçavam silenciosamente. A emoção
,., contagiosa - pesar por D iana e seus meninos, o terror da
morte sú bita., a raiva para corn a rainha insensível, o desprezo
,..•tn marido dcs,1fciçllado. Como no teatro, à emoção se seguiu
, 11•1.rnso. 11.ste i rrompcu do lado de fora da Abadia, logo depois
,ln dn111Q fúnebre do Conde de Spencer, e aos poucos en trou na
,, 1111,1, dn l11mlo 1\1<' ,1 frente, niío çlcrnündndo, interrompendo a
, ,lt 111cl,uh• e' 1~rntir,11nlu µm 1h1\Hf~c: poderosos que, afina l, essa

1 1
era a performance exigida pelo público. Em seguida, ã medi ri, estava presa em um drama que havia, ines peradamente, se
que o carro fonerá rio ca rregando os restos mortais se diri 1rnado meu. Semi um arrepio, percebi um fantasma.
para fora de Londr.es, o público jogava seus últirnos buq1
pa ra a d iva que i:rnrtia. As repecições incessantes da coberrn
nos asseguravam que estávamos assisrindo a tudo "ao vivo".
.AIXANDO O ARQUIVO DA TRISTEZA
q~e sig~ ifica "aovh,o'', eu me pergunrava em voz alra, já q De quem era essa fancas ia? Continuei me fa~endo essa
nos estavamos ass1srmdo do outro 1,tdo do Atlântico? "Signifi rrgunta durnnce as semanas seguintes à morte e ao funeral
1
q~e nós esra mos vivas e ela está morta ", explica Ma.tina. "V J,· Diana, Princesa de Gales. O u, então, como tantas fa mas1as
nao va i morrer, não é, mamãe?", ela ponrua enciio chorand jf,pares convergiram nesse ser humano baseante comum ? A
"Não, querida, não, eu p rometo", respondo de repen,te, tamb~ 11\par idade enrre o aciden te enquanto acidente e o caráter
choran?o, ma.s_ um pouco constrangida. )\;ossás lágrimas ern i petacula r da reação por rodo o mu ndo dem,rn dava uma
de espec,es d1tcrences - as dela, por dó e rnedo; as minha 11,ilexão. Suspeitava que o fantasma de Diana tinha mais a nos
comphcad:s por minha deterntinação de resistir a esse ripo 1 J11er a respeito de relações internaciona is do que Madeleme
1denuf1caçao que achava coc,·civa e hum ilhante. \lhright. Qual seria a base dessa ide ntificação ap.aren~eme11te
O que é Diana para mim, que me faz chorar por ela? E.,.1 1.10 diimw.ida? F~ríamos assistindo a um a 1n1scelane.a_ de

l
era um estranho efe ito de espe lhamento - u,na Diana choram! li .,.lições fu nerárias íou seria este realmente um caso de esti los
pela o utra. 1,; ~ o que se unem diante de nossos olhos? Q ual
11
Novamente, eu era aq uel,i. criança gorducha , desajeirada, l'II\ ,•ria ~~- essa ener ia men · · e d. e~f. a e
Parra l,. Ch,huahua - meu ca belo puxado pa ra trás em marin 1111,néticas e dor ence na~as sim\l.lcaneame1~te :Ill_Y.ilf.!l\il'ar ~
-chiqu 1Jlhas tão apertadas que eu mal conseguia fechar , ,lo rnundq.,_Q.S..l]lQOlClltoS.SJOCr.omzarlos de s1len_c;_,_o_,,.JI.~ ,1_~111att~
olhos, a sa ia presa p or um alfinete, pois o botào havia caíuc nos livros de condolências, os santuário~d9 .fu>rs~ Na Argentma,
as botas de v.aqucira , o casaco de camurça com franjas e mru ,1 111 ,1 revista veiculou um desenho de Santa Ev ita e Santa Diana
adorados br. mcos de tesour inh as de ouro, q ue se ahriam cmadas lado a lado no céu. Lá escava ela , "a danrn ma is amada
fechavam . Minha avó anglo-ca nade.n se dizia que eu pare, 1 ,k nossa época", eL1feitanclo os selos da Repú blica do Togo. O
uma selvagem. A p r incesa Anne, ela me lem brou, não us,1, ,,,rnaval de Trinidad apresentou um numero, ' "[> aparazz11· ·s Helf"
casacos de camurça, qua nro mais bri ncos de tesou rinha~. h [Os pa parazz.i são um in ferno], como um "Tributo à Ra ioha dos
certamente não era sua " princesinha" e, qua ndo cresces,., C'orações". No tower East Side de Yianhamrn, artistas esrndu-
nu nca me casa ria com um príncipe se não tomasse jeiro e 111 nidenses não brancos pio raram muros exn ho menagem a Diana.
co m~ortasse como uma boa menina. Cada período de féria~, I IJm mura l, feiro por Chico, coloca-a ao lado de outJ:as vitimas
trazia ~':1 novo corretivo para minha condição selvagem 111 l.itinas: Sclina e Elisa (Figu ras 20-22), ambas assassinadas por
calendano real, uma xícara cornemorariva. Agora, lá estnvu rf ,,~sons que lhes eram próximas. Seria esse um mural da conspi-
11
a Otttra.Diana, a que havia sido alta, loura e linda , a que 11111,. 1,tçiio? Em outro, Diana é urna salvadora, juntamente ~om )viadre
morre'.rn com uma roupa em que fa ltasse um botiio, n qui· 1,·ri r,,rcsn, cm "rcaleta e sa ntidade" (Figura 23). E aqu i, em outro
preferido morrer a se,· gorducha: .1 c111,· h,1v1,1st· ~.1&,1do ,·nu, 111 11111 rnl, dei\ eh1rlc~, que funcionn como aJvertêncin e cobre uma
p ríncipe. E v~jn só o que acon1<·,c11 1um ,.1,11 ,\11111 , 111,11 ~ 11111 1 ,1 11 •1111111 ,1 1 111 l lu11,JC111 ',[H'i·t, ,1 mtirrr tll' Diílllíl é descrita como
urna supermatança da mídia (Figucas24-26). Ela está colocada
lado de ícones afro-americanos, ambos decaídos, Tupac Shak
e .\1yke Tyson. "Viver pela arma, morrer pela arrna." Os murg
deram visibilidade às versões da santa, vítima e objeto da míd
que circulam na esfera pública. Como é que os arq uivos des,
imagens globais fornm baixados nesses muros de bairro? 1'1
que populações minodt,írias se importariam com ela, qua11
seus ícones- de Evita a Selena e Tupac - civer,un um trntamen
menor pela mídia? Por meio de que mecanismo a popularidu
de Diana passou a ser interpretada como "o popular"? O mun
suspendeu seu descrédito voluntariamente qua ndo essa mu ll1
altamen te arist ocrática, casada com wn príncipe e futuro ,a
mãe de prÍilcipcs e futuros reis, que convivia socialmente e<
bilionários e celebridades, se ~ransformou diant e de nos"
olhos, n· "princesa do povo" e "rainha dos corações do pov11
A vida, morte, funeral e vida após a mone de Diana, co111
relí~. ·, ~ ~las em exibição, mdo isso ilumina a manrt
co1 o dramas sociais núltip los e em interseção são represenrad,
tanto ~ a i quanto local. Todos os cipos de quest6
que vão desde desordens a limentares, casamentos infelizes e Ali)
até o funcionamento da mídia, o neocolonialismo e a glob.11
zaçào, parecem magicamente encarnados em sua imagem,
transformação dos eventos que cercam Diana e1~ enredo trág1~
feãcraTi'êtaae da encenaçã?/ cransmitida imcrnacionalmenl
cria a Usão de uma audiência" universa l" e coesa. Mas talv
esse não seja um especáculo internacional, no sentido que Deho
dá ao termo, isto é, que "se apresenta si mulraneamcntc con
toda a sociedade, como parte da sociedade e como instrumt11ll
de u1lificaçâo", pois " concer\tra todo o o lhar: e toda a consc1r
~luuti\ 1'1ot.1clo~ p-Or Chicu, n..1 f..ast Houston Stree11 na dd,1dc de Nov.1 York:
cia"? 1 Há uma diferença emre representar para uma audiêm M, \cic:n,1, f',lhJ$: l)i m.t Taylor, 1997.
global e afirn,ar que o drnma tem apelo universa l. Ao olha r p,1
a natureza e encenação desses dramas socia is, pretendo explor
como a globa lização faz o papel de " universa lidade" e ço11111
arqui vo dessa " universalidade" é briixndo cstratcgic~nwnrc 11111 um 1111n11to. s~1wirn1os o modelo e e "d rama social"
"reconfigurn do em nível ~1 1. 1\111 l"" Vrc1m 1'1111wr, um mod,· lo que e a ter

1 'IH
validade un iversa l, poderemos faci lmente reconhecer as quat
fases q ue ele identifica: 1) uma fissura ou rupcura Súcial Q
desprezo da norma; 2) a crise, em que a fissura se ampl ia e
incremema; 3) a ação de reparação, q ue busca conter a expa
são da cr ise; 4) a reintegração, o reordenamento das nonu
socia is.1 Cada uma das q uat ro etapas se desenrola de um mod
d ramático d iferente, cada uma rivalizando-se com a anceri,
na ação de estender os Urn ices da reatra iidade.
A fissura - seu divórcio de Charles e seu afastamento ,i
Família Real-foi puro melodrama. Representado na tonal ida
aguda de interrogações, declarações e den úncias, o drama desc
rolou-se em griros explosivos espon\d icos e em sussurros. Qua
todos poderiam se sintoniza r (e · cem ter feito isso) com ,
episódios mais recentes, com marido insensíve a outra mul hc
a(iôgra desaprov~ As íromciras e o apropriado" era,
repetidamente enfatizadas e transgred idas. Esse d ra ma privad,t
encenado cão pu blicamente, situava igualmente prntagon ist<i
e espectado res à beira do admjssível, ou mesmo a lém dele. E1
como mi lhões de outroS', viv i os t raumas das infidel idades e de
comportamentos au rodestrutivos, espiei conversas e cornparcilh
as re\l'elações e as negações. Quando ela não escava lutando par
s , r as lá rimas, as legendas apontava m a evidência de su ir oi H•))',1h>• and HoJincss" (Em memória da cc,dt>za e da sanudadc), mural pint:1<lo
,. I J'" 'i1rrcc { 11nt Avenue A, ci<l::uJe de Nova York. Foto: Diaoa Tarlor. L997.
vu lnerabilidade Sua dor tornava-se espetáculo, rep resentad
em modo de esconde-esconde de autoexposição estratégica, d , 111u1, vivo; e ela está morra - ela deixou o anonimato do
parte dela, e de voyeurismo não arrependido, da minha. O qu .. ' 1)111·.1 habita r a si ngu laridade do "ela". Ela se crisralizou
tornava isso tão emocionante, evidentemente, não era sua o rig, '"' ma <l(.;;~rnnc~riginal, bela pr~11cesa, a njo.de
natidade, mas sua previsibilidade: sua história, representada <l , , , kt>nlia e mãe apaixonada - rndo elevado a qumta-essen-
modo tão glamoroso no aqui e agora, era basicamente a mesm '>11,11.1ridmlc repenri na e $Ua g,·andeza t rágica nos f izcrnm
vel ha hist,íria. Como tantos outros, eu tinha vivido ou visto tutlc I'", N por um momento q ue eÍa era também produto de tuna
isso anrenormence. , ·, l111,to1111 dt: imaginações colecivas que n..ormatiz,11:am a

0 fat~::a'.na :a;
0 1
~ e:1~;~:: ae;:e;~;i a~~::n~et~~f~º~~ ::~:;:,~ , "'"r \ 1i.tl id.1t!J:.. glori fica w 111 a matem idade, fetichizaram
11 , 11111Jt' r .1 ft•m 1nilitlade, g lamoriz~m a br.111cura,_eroti-
..,. } de novo em deta lhes mais tarde, retirou Diana da sirnaç:w ' 1111 1, 1mpc11.dl!imo ç promoveram um d iscurso de rrabalho
de "a mesma ,•elha histó ria", doudo lhe o papel de :i "1í11 1c,1" ' () • .. .... .) ,. • ,,,
1lllll.1 1111 1\11 VIVOr li 111,ll~ ll111,1 l'(:j'lCIIÇO() uO 3() \'IVO ,

)lkl
24, 2S, 26. J,,•l\tr.1is por A.
Ch.1rles, na Houston Strec,
C<.lm First A\'C1\ue1 cid;,cfa de
Nova York: Overkil1, D.fana.
Tupac Shakur.
focos; Diana Ta)·!o:, L997.

1,1v10 reparadora - o f"unera/ - (oi uma perlormance teatral.


<1l11do a tradição de oucros funerais estatais, esse aconteci-
110 fui m,1is uma repetição, apenas o mais reccme, mas nunca
11ntiro ou o último desses espetácu los. Parece que Leonor
• 1,1rl;1 teve uma despedida suntuosa e,n l 290. O funeral de
1, t•m 1952, foi um espetáculo magnífico, tão imponente e
,111tn~o quanro o de Diana. Tratou-se de uma performance,
I'" itr.tda com começo, meio e fim. A teatralidade em,mava
u!<hulosa corcogra fia de cor, movimento, som, espaço e
1 111,1~ reais. r~ tea tralidad e, comumente vista como um atri-
, ,ln 1ca1ro, claramente o precede e se estende além áe'íe. As
1u11t,bclcs sem teatro (por exemplo, cu lt uras n·ão ocidemais
, , o\ méxicas) enrcn,iia m a reatrnl idadc e ernm regidas por
;\ I< m disso, questões relativas i, tea tralidade csrão no centro
11111 ta J,1, tensões enrre a rninho e a população britânica. Que
11111l.ul1• dr tqtr.11íd.1dc deveria o país exigir para honrar o
1111( 111,, d,· ~1111 pnn,·,•,.1?

lll 1
A teatralidade do acomecimenr~n esmo como espetác "tnrntemente obsoleta? Seria Diana a no va face da h1glaterra
estata l, reivindicava o poder visual por meio da produção 1 111y Blair, mais bondosa, mais gentil e mais moderna? Será
camad as, a adição e o aumento de elementos trad icionais e n . r •L'lllitério consrruído por seu irmii9 se tornará um emblema
t rad iciona is. O funeral de Diana, com o pe$o de seu esplend 111111.irerra, prnjetan do sua "imagem no mundo [como] um
ultrapassou todos q ue o precederam. ,\.1as a repetição não 11w remático do esplendor rea l', de baixa tecnologia"?; Ou
simplesmente um reto rno mimético às exibições de pomp 1 ,-l,1 se cra nsforinado em wna r elíquia completa mente não
circunstâ ncia qu e aconteceram anres. Ao invés disso, ele cal<><: 1111,a cm 1un santuário pa)'-per-view fora da Disneylandia?
a pompa associada com o passado a serviço da monumem~ 1 'llll' as rupturas e divisões que se rornaram mais visíveis
zação do presente. Cada r·eencamaçâo ganha poder por m ,lo .i sua morte são superndas nesse momento de reintegração
da acumulação. A possibilidade de citação, portanto, foi po 111 u>11rrário, ficam mais visíveis do que antes?

a serviço da original idade, realça ndo os toques "no vos" e n


trad iciona is, corno E lto n Joh n cantando sua música de suces
1\l'[CTROLOGIA DA PERFORMANCE
"Candle in the wind", em si mesma a recordação de uma mor
anterior. Contudo, a natureza pres.;:fta, de comportamcn ,Ir ,.1~modalidades de culmra expressiva são tornadas visíveis
reiterado, dos funerais também tem outra função, isto é, un •llt'h> do paradigma do drama social delineado por Turner.
função ritual. O trato formal de transições, ou passagens, dol 1, r,t,í provavelmente correto ao afirmar q ue esse modelo
rosas ou perigosas aj ud a a regu lar o d ispên_dio de emoção. ( 1u.11rn erapas ilum ina todos os çipos de conflito socia l,.
funerais têm servido, há muito tempQ, J,).Ua..caoa Iiz~ I , v,,,, desde disputas em um escritório até conflitos nacio-
a tristeza. Porém, esse funeral televisionado, com sua insisrên~ l 111 recanto, esrou menos convencida de que esses dramas
na participação, parecia prnvocar as próprias emoções q ue seu 1 111 ,cr entendidos exaramente do 111esmo modo no âmb ito , '
l. t1' \ ,.
, 11.1uon:1I ou transcultural. O "drama" da morte de D ian~ ".'~ ·.e
seu papel canal iza!'. Os espectado res, do mesmo modo qut , 4-:-i.1
·'t~
esquife e as realezas visíveis, tornaram-se o espetáculo pn 1,·,11rniidade" de seu funera l suprimem, ao invés de csdnre-
:~
uma a ud iência globa l reunida , talvez pela tris teza, mas, mal ., "1r,1.umt1" do cruzamento de fronteiras quando espectros /
"-....~
cerramenre, pela telev isão, pelos jornais, pelas revistas e pel 1vt·s~.1rn fronreiras étnicas ou nacionais. O que é visco como
inrernct. Diferenrememe de acontecimentos anteriores, as mídi.l 11111" cm um contexto é rebaixado a um mero incjdeq1~
e os sistemas de comunicação performarizaram a idemificaçu "' O espec tro de D iana torna-se visível e sign Lficativo ao se
que eles afirm avam relat ar, certificando-nos de que a perd rrucnrar denrro de vários repertórios escópicos, políticos e
con10 a princesa , era (( nossa". 11Prniuis - e vice-versa. A i:o·s a da Inglaterra odui Norrna Jean
A fase de reintegração, o período de reordenamento d,, " " 1 nova vela dançando ao vemo.A dança realiza mais jogos

normas sociais, refJrese11to11-se em dramas múltiplos, 111e1111 ,,1',1rLuiçiio, <>li de s11 b-rogação,como p rnpõe Joseph Roach
coesos, menos centralizados. Após a fase inicial de partici paç.u ,.,,.,, dn Inglaterra excluj, pela força dos 111:ímeros, Selena, a
virtual por meio da memoria lizaçâo frenérica, o fonrasrno d 1 .tu l rxo6; seu funera l ultrapassa o Je Evita como o funeral
1
Diana tornou -se um local de intensa renegociação enrrc vfü1.r ,111,1 mulher mais superproduziclo do século.' O espectro, o

comunidades. Poderá o staws quo, rorn.pido po•ln lusur,1, "r , 111110 l' n c~pccrndor, wdo~ uançam nesse funeral. Talvet

resraura<io? Será lJUC"' 111011,rrqu,11 ~.1i1 ,1 n•vinoroJu ou li. 11,1 1111 1·1,11.lo difídl t0mprc1'r1d,•r, S/>t>r-ert• (ver), que fan rasmas,

Ili
fantasia e performance têm sido trad icionalmente colocados no 11111 sorriso agridoce - mais uma restemun ha de um acontcci-
lado oposto do "real" e do "histórico". As fantasias em jogo "1emo que a surpreendeu. O corpo que supomos estar dentro
podem ser ligadas às ansiedades chamadas de universais e eter• 1,, ~.1ixão é tudo que témos para nos assegurar de que Diana era
nas relativas a uma vida gloriosa, a uma morre inesperada e il ll'.tl'' . Ele oferece a materialidade autenticadora que sustenta a J
queda de personagens notáveis. A narureza iterativa e a ltamenre 1 •rformance da ressuscitação. Em espíriro, ela esta va presente em l_
estilizada dessa exibição majestosa não deveria sugerir que el:'1 11 f11neral, como calvez, de modo inverso, poderíamos afirmar )
não é, ao mesmo tempo, profu ndamenre po lítica e historica•
mente específica. Que condições permitem que essas fantasias se
p1r da est~va a~seme de ~ua vida. O ~antllário qu_e abriga seus
rus commuarn a garantir a materialidade do fenomeno global
-
~ f,r,:;,
tornem encarnad; s visivelmente em uma mulh,'r a qnem não se 11w ,. "Diana", o reapa recimento madço d~n~õTI-ti-c ,·-1_e_ __ -=
t~m apreço especia l? Em bora o espectro possa entrar e sai r do llllh<Jlicameme, não vimos seu fill\. A legenda da foto recente de
tempo, e embora as performances tornem vislveis os conflito~ 111111 banca de jornal em Lo ndres afirma que "pode-se ser perdo-
que de outro modo ficariam difusos, tanto os espect ros quanto lo r<>r imagina r que Diana nunca morreu em agosto passado.
as per formances acontecem 1Jastante " ao v1·vo " . "O assom brar ,. 1 flt111cesa de GaJes sempre mantení as impressoras func ionando
1udo va por."' Uma capa recente da People retrata Diana como
observa Denida, "é histórico( ... ) mas não datado" .J Sugiro, aqui,
que as fantasias que convergem em torno da figura de D ian;l 111111 iva na motte quanto ela foi em vida: "Na morte como na
exig;~1 cerras co1: dições de visibi'.idade e trazem à luz várias , l,1, ela levantou mi lhões para obras de ca ridade ."
(
historias, ontologias eíespecu-ologias da er formance. \ Minha visão da perfacrnaoce baseia,se aa noção de assombrar, ) l / /
Em Unmarked (Não marca o, eggy Pbelanesboça a "ontõ
=. 1, u:1lização que continua a~ir politicamente mes!lli) quando l
• ••
,?J logia da performa~e" , enfatizando que o evento per formatt~lJ 11·~lc o "ao vivo" . Como a definição de Peggy Phelan, ela se
• ocorre ao vivo, no agora em que acontece a per formance: ' A , 111 na relação entre visibilidade e invisib ilidade, ou apare-
~.._;; única vida da performance é o presente. A performance não 1111~111~ ck~<1pac.e_cimento,-1-11as..ch.eg11 a_ i~so poU!.m..iugulo
,of- .~,,.,p ode ser guardada, gravada, documentada ou pa rticipar, de outr~ 11, 1r:J.l.Ií;, Para Pltdan, o aspecro definidor da performance - o
if"" ..;1'1" forma ) da circulação de representações
ç.......: '
da rep.resentação." 6 Um
.
1 3Cpara de todos os outros fenômenos - é gue ela acontece
,.,~ acontecimento como a morte e o funeral de Dia na, contudo 1,, \'1vo" e '·desa ,uece" sem deixar rastrQ§. Em minha op inião,
\. também nos pede para ol har para o outro lado da " ontologio 1 1(nr1nanc · orna visíve (por um instante, ~'ao vivo\ "agora '')
d a performance, chamada de "especcrologia" por Der ridn 1111 ~cmpre esrevc la : os fantasmas, os rropos, os roteiros que
Mu itas culturas se baseiam na noçã<> de uma volta - entre chi 1111111ram nossa vida i ndiviclual e coletiva. Esses espectros, que
os méx icas, os cristãos, os judeus e os marxistas. O fanras1 1n.111ifostam por meio da performance, a lceram os fantasmas
por definição, uma repetição, o revenant de Derrida. Este é ma1 111 n~, ,1s fantasias futu ras. Diana pode rer sido o produto de
o momento do pós-desaparecimento do que o momento que , 11mueirn de se ver a realeza, mas ela mudou o aspecto, o estilo
precede, aponrado por Phela 1\. A su ntuosidade da cerirnôm • 1,•n~,'io em 4ue a rea leza será pcrformarizada, e também
performatiza a sacralização dos restos, o que é teoricamenr 111!.1, no futtiro. Sua cncenaç,io deixo u uma marca. Cada
antitético ií performance. Os restos, nesse espetáculo, nssumN Ih,, qu,· se rnndiclri ta n um cargo político na Argentina hoje
vida própria - tanto que uma foromonu1gcm cm um rob loul • ••llJll~· 111111ul11 dt louro obrigntório e um ternin ho Di<1c,
mostra Di cm ur11 cn nto, oll11111tl1111.11 .1 11•11 prcíprio funt•r.,I rn 111 1 " .1,,11, t ulu, ,, 1 vu,1. l 'm 0111m ~l'mi,Jo, evidenrcmcute, n
performance ao vivo ilude a~"e;o~omia da reprodução", rn, ,h·~aparece a penas para contimiar pairnndo; ela pwrnece ou
diz Phelan.8 Porém, eu diria que sua eficácia, seia como arte 1,,1 reaparecer, embora em ourro formato ou forma.
como política, deri va da maneira como as performances faz11
uso das fanrasias e deixam um traço, reproduzindo e às vc
( alterando os repertórios culturais. A performa,~ce, então'.envo
\ ma is do que um ob1eco (co mo na arte pcrforn~ca),~1s do ,1
/ uma realização ou finalização. Ela constiru i uma prática i11v
cativa (quase m,ígica). Ela provoca emoções que afirma ap<:11
representar, evoca memórias e a tristeza 9..\!!.Percencem a ou1
~orpo. Ela conjura e toma visí1•cl não apenas o q,1e está ao v1
· mas também o poderoso exército dos que estã~, desde~ l'

- vivos. O poder de não se deixar enganar pela performa nce t


reconhecimento de que já vimos tudo isso antes-as tanrnsias
moldam nosso sentído do eu e da comunidade, que organi1.1
. <1

nossos rotei ros de interação, conflito e resolução.


Que condições de visibilidade são necessárias para conjur
o fantasma? De rodos os espccrros potenciais, po r que ,1lgu1
ganham tanto poder? Por que Diana e não outra pessoa? l' , 1,1 , o u,rpo d.e EYita. f o tv ; Págb1<1l2, ?2 set. 1996. Foco; Diana T.lyl<>r.

que, como Michae l Taussig pergunta em Mimesis and Alter,


\Mimésis e alceridadeJ, o espfrito (e, poderia acrescenta r, pc1·forma11ce se torna visível e significativa dentro do

-
fantasma) afinal precisa de incorporação?j O corpo de fa1 10 d.i:u1m repertório fantasmagórico de repetições. l\'1as
111 mecanismo novo em funcionamento. Por um lado, vemos
ta lvez possa lançar luz sobre a necessidade de dar forma matrrl
1 1• o que fomos condicionados a ver: o que vimos antes.
a uma força política. Evita, a mulher mais poderosa policicamcn
no mu ndo do início dos anos de 1950, cem o corpo mais caro 111, porl·c da rrisreza que sentimos em torno da morte de Diana
mundo. Cusrou 200 mil dó lares embalsamá-la e foram produ • jllt' ela nos é tão familiar. Ela represenca a versão ma is geral

das três cópias de cera para enganar a rodos os possíveis ladtt hh rt•n..: iada da morte da mulher bela, um cropo cão pode-
de corpos. t\s cópias eram tiio autênticas que o Dr. Ara retirou • l~O 11a1 uralizado q ue subscreve o imaginário ocidental e

ponta de se u dedo míni mo para distinguir o corpo rea l de MI • 11•r sempre estado al i.'º Por outro lado, o espetáculo se
rép licas. O original, aqui como em outros lugares, nunca e 1 111.1 wmo um acon tccin1e1uo un iversal e unificador. Mas

inteiro qu anto sua representação. Seu corpo, o íctiche poliu 1 11~1110, 11ns pabvc:s de Debord, "não é uma coleção de t \//
mente mais carregado do século XX, é crucit1I porq1Jc ancur ,,,. JllWi. l!JD;J ccla~oo social entre pessoas, mediada por ""~
111" , 11 <) cspctncu' Io, t:nrao, - e' o que nos ' nao
- vemos, o mv1·
. .
" outra Eva", a mais podero~a, aquela cuj o fantMma co111inu
dominar a política argentina. lt possível spcc-en•, ver, ,1pc111u I' 1111 M,IJllll'C<:L·" wumcntc po r meio d,1 mediação. O espectro
meio de uma hi~tória ele espetáculo~ e fani,1,111,1\, /\ p11rforni.1n 1111 11111· u, ~•prt1.1J11rrs na fnnrasin de amar e perder uma
~cja ar1·í.s1ic;1 011 pol/11~,i. r1•,1 li7,1 um 111111111•0Lu Jt rcvos11,1 l11.1\ 1 , q111 1111111111'111 u 111h,·, r 11·,1lnw111c, n1l'çmr, q1rnndc1 esconde
as relações sociais ent re as próprias pessoas que, teoricamente, 1 ~e roceiro, aparencemente universal, suprime a púlítica da
participam da fantasia. A morte de Diana ma is parece wna 1,,111,missão cul tu ral. O que nãú vemos, enquanto o mundo
repetição do mesmo. Sua morte (singular e repentina) representa J111ra Diana, é que essas mulheres (julgadas inocentes ou peri-
tanto o instante de seu passamento (" rea l", não performáticol ,.\,1s, e geralmente as duas coisas) fazem parte de imaginários
qua nro o reaparecimento de outra morte: Evita, Selena, Marilyn rofundamente diferentes e que as fronteiras desses imaginários
Monroe, Madre Teresa. Como afirma El isaberh Brnnfen, 111 ruliciadas. O espectrn escÕnde o esperáculo. Os rf;-u;Ts de -
• l
110 podem ser semelhanres; eles podem até mesmo esrimular
a morte de uma mul her bela emerge como a exigência de uma 1111.,~ias de que são comunicáveis a populações d iferentes. Mas
preservação das normas e valores cultura is existentes. ( ... ) sobre seu pulíricas são intraduzíveis(
corpo mo rto, normas culmrais são reconfiguradas ou asseguradas, seja
porque o sacrifício da mulher virtuosa e inocente s.e rvc como críric~
e transformação social ou porque um sacrifício da mulher peri(\O&d
restabelece uma ordem q ue foi momentaneamente suspensa devido~
sua presença. 12

)."1, l::.\·irn aos poucos se u-ansforma cm Madon na na l.'.apa


de 1-J Afoga, 31 j:m. !996. Foto: Diítn.l T,.l)'lnr.

01ICIANDOO IMAGI NÁRIO


1 hknnas , chicanos, bem como outros la ti11os, choraram
, 111,,~sJ por Selena, cohrirarn seu ca ixão com mi lha res de
,,. 11111mrnm dezenas de milhares de assinatmas em livros
28. "la otr3 F.111
111 11111rillivos, declararam oficialmente um Dia de Selena e
Pdglua12, H\ l
R ad11 r, 22. HI , 111111 m~crever seu nome e rosco em tudo, desde wcbsites e
iq96,
1"'º' lll•n., l•yh] " '" ,0111rmor,u1vn,. ,\lt· 11,1rr.1fos de C<)ca-Cola. A semelha nça

J 11
dos rirua is re,i lça a fa lta de reciprocidade empática; a teatra , 1vida após a morte como sa nca, ou como mãe do futuro rei,
dade cega a té mesmo quando roma a lgo visível. O momento 1111da corno levantadora de fundos para o bras de caridade.
reparação em um drama social (o funeral de Selena ) assina i 1 , lo seu visto garantido, seu rosto arn1Vessa fronccinis em selos
momento de fissura em outro. Poucas horas antes de seu funer , m. calendários, revistas. Sua imagem serve como ocasião
o rad ialísra Howard Stern já a havia mandado de volta par,1 1 ,,. reun ir ,, rrisras a serviço de comunidades sem direitos,
México: 111i1nto se nega a memb,·os dessas comunidades um espaço no
1 ,,. Contudo, parece que rodos são convidados a parricipar

Selena? Sua música é hoi:rorosa. Não sei do q ue os mcxicau , 1111jecturar - a partici par ao conjecrnrar. A encenação de
gostam . Se for cantar sobre o que está acontecendo no .México, o 11 , morre ricocheteia entre dois polos gêmeos de singularidade
se pode d izer? (... ) Você não pode planrar, tem uma casa de papel ,m w:rsalidade; a vida e morre de Diana, embora completa·
sua filha de J. J anos é prosti turn . (... ) Esra é música para ouvir quan ole 1ínicas e irrepetíveis, ainda assim ilumina m a miséria, o
se fazem aborros! IJ •flHlcnto e o estoicismo em todo lugar. A cobertura se deliciou
111 ~.1<la detalhe, inclusive o que ela comeu no jantar daquela
Segundo Stern, essa morte se mostra modesta dema is para co,1 Ih' l.1tídica! Encretanto, evitou o particula(ismo, enfatizando

rirui r um drama. Ela se reduz a um incidente - não há dram , r~sa morte tinha a ver també m com tudo e com rodos.
ou fissura. Esses não dramas não foncionam em c>utros lugarr , ,l,.aamence, a morte foi estetizada como drama e colocada
Como, então, podem alguns fantasmas dançar sobre fronreir,1 11,1r,1digma mais poderoso e universalizante disponível na
~ culturais enquanro outros são parados, revistados nus e têm su iltu r,, criadora de sentido: a cragédia.
{
ent · da?
O espectro tão visível e poderoso quanto os roteiros cul111
rajs rcam. A pergunta de Stern - "o que se pode dizer
\ morte e o funeral de Diana são o exemplo ma is claro de
- relega Selena à ignomínia do pa rticularismo: pobreza, dcsv11
J1r Ji:1 aristotélica de magnitude internacional que já teste·
genocídio. Stern se co1\stró i como a migra do imaginário,
,1111hci, "tornada atraente sensualmente( .. ,) interpretada pelas
polícia de fronteira que assegura que cercas identificações n1\
enrrem fu rtivamente para clenrro da culrura dominanre. Não l, "'lll'lf1~ pcsso,1s", pcovocando piedade e medo em miJhões de
, .. , 1,1dorcs. É verdade que Aristó teles insiste que a tragédia é a
aqu i as ficções de reciprocidade que Wa lter Benjamin atribu i
,11111 ,t~iiq_" de uma acão, e não a própria !!_ção real. 's E, em certo
tradução, nenhum simulacro de apoio à comunicação, nenhuin
1111.lo, n disti nção entre arte e vi.da é vital. Mas há também uma
convite para dar um seDtido a esse caso enigmático - nós 1111
111r1ru C(>mo a vida imita a arte, ou se constrói por meio da arte,
emendemos vocês;(ifu que gostam os mexicano!11·1 Ponto fin,11
11 \11 o comdrio, permitindo que se pense.a vida.como perfor,
A performance de descaso explícito performatiza a fissura .u
mesmo tempo que nega o drama.Ao se recusar a reconhecer um
perda , ela forclui a possibilidade de uma ação reparadora e d
--·-·-
111v,1M sentido inicialmente dado ao termo por J udith Butlcr,
1 1, , l omo ~11ma repetição estilizad<\.f!.ç ,1.19;;''... 16 A "Diana" que

11hr«•rno~ cr,1 um con$truto pcrfonnativo, o próduto de aros


reintegração. O desprezo ao rito de luto nega ao fantasma MIi
, 1111 ulm prolocolo renl, contos de fadas, esti los de moda e
vida após a vida - trata-se dt1 abono. Díona, por outro l(lclo,
1111,1~11, holl ywc1mli11n,1 - , 111110 pl'incr,n rc,11, 11111 modelo real,
invocado cm term os nhafaclos, wvcrc11 tc.~. Jllll Lc111 ,1s~c11ur.1.l11

l il
bem como um modelo no.vo para a realeza. A cerimônia de nlora sendo caçada. Os papa razú que dedicaram sua vida a
casamento ofereceu o papel e 11 inseriu no script moldado 1 111 Diana, a Jazer blitz, enganar e arrancar fotos dela, 11 fina l-
tradição. E la temporariamente deu conta do recado (uma vir1,1 ""' conseguiram sua presa. O ritmo do d rama foi rápido, o
bonita, jovem, aristocrática, maleável) do mesmo modo cor 1, ~cmelhante a uma rumba em seu espaço fechado; o enredo
um ator pode receber um papel por ter o tipo físico certo. O \I 1 cm torno de sexo e amor; a inversão da a legria suprema à
pode•se pergunrar, é real nessa performance ao vivo? , ,~ súbita foi abrupta; o fina l, inesperado, chocante. E havia
A morte·de Diana parecia igua lmente fazer parre de um se, 1 111r~ rno um toque de conspiração nesse fim de uma vida que,
dessa vez, não preparado pelo protocolo real, mas pelo " desdn , 1u1ro lado, era cão transparente, tão desprovida de mistério.
e pela mídia . Tudo nela era "imposs ivelmen te t rágico " . J , 1,1 ideia de Diana se casar com um playboy egípcio com u.ma
significativa e de "magnitude" a ristotélica, devido à nobre1 ,, 1.1 pessoal supostamente mafiosa demais para a família
beleza (estan1ra lteroica) da 1uulher; à luta para ta lbar seu próp 1 /1 mulher inoceme havia aos poucos se tornado a mulher
destino, aos truques para se proteger do destino (o verdade, •11mn - a mu lher cuja bulimia, tentativas de suicídio e infide-
motorista sa indo do Ritz como chamariz). A hamartia de DiD .tr, nn1eaçavam a imagem cio corpo real e, agora, sua pureza
(sua falha rrágica) era cão simples, tão humana, de acordo çu lt1, ividade étnica. Ou seria o acidente tramado pela família
a mídia/coro: el.a n1eramenre queria ser feliz. A per-i/Jeteia, 1p.ira ind ttzi r apoio popu lar para si? O Projeto lnterflora, wn
inversão da sort,\ foi a brupta. A inevitabilidade d;i catastr()fl 1 tlt' que a lertava para a conspiração real, já rinha visco tudo
era algo quase dado, considera ndo-se a perseguição persistct1t 111tcs e alertava seu público: "LEMBREM-SE! Acordem!!!!"
louca pelos papa.razzi e as tenra tivas de foga, igualmente louu 1~ "o caso D i" como uma maneira de assegurar a "continui-
A identificação, coono sempre na t ragédia , est ava inserido r 1, iln Monarquia". Os tributos florais seriam um exemplo
performance. Não temos de conhecer essas grandes figuras p~ 11lower Power (... ) um programa de controle da mente,
chorar por elas. 1,, t-.,1 l 5,com o o bjetivo de manipular em massa os corações e
E a escolha do temj)o não podia ser mais trngicameme irô111 11t-t·~ do povo da Grã-Breranha. ( ... ) Esrcs tributos florais NÃO
Logo quando estava começando sua nova vida, que havia con • • tpontâ neos!" Nem mesmo Aristóteles conseguiria prever
guido a duras penás, ela morreu na noire mesma em que ele 1 , , 11Hriga mais perfeitamente criada . Enquanto uma manchete
deu "o anel" . Não apenas isso, ela morreu com seu amantr , 1hlnicle grita "ela não tinha de morrer!", a maneira como a
versão mais recente dos "amances perseguidos pela desgr:1çA li\ ,•111cndcu sua morte realçava a inevitabilidade trágica do
conforme um tabloide. Até mesmo os nomes era m apropri'1d 111111 pelo qual morren" . 18 Q ualquer um que tenba crescido corn
para a tragédia quando Dodi, que s ignifica " meu amado'', 1• ,, 11 <' Julieta ou West Side Story, além de Agatha Christie e o
dispararam para seu "destino" (corno os tabloides se refor "li" rcscnmcnro, pode encontrar· alguma coisa para relacionar
repetidamente ao acidentei . Já esrava escrito - não a pena~ e 11 , N~ drama.
Aristóteles, mas também no Cantico dos cânticos:"Dodf li v11 \ rnori-ç dti!IH&-f> · · tou lllll processo de transformação e
lo" [meu amado é meu e eu sou de lel . Outros encont rn111 ,h,,,10 "' _níveis míikiplos. iana, a mull, er perigosa e trans-
morte já codificada no Gênesis. O espetáculo da mon~ for or,1, " m rcu cõJl o nma ntc" .'' Contudo, ela foi encerrada
os espectros do que já está l:í. Picnmos cn1<;>eio nodos, 11<11~ 1111 111dr, v1t1111n irmccntc, modelo de humanitarismo, benfei-
co nhecemos ;1 história:,, 1ú11el CiLuro, :1 i:01r 1d11 lw1w1w,1, 1ll 1 , ,11111~,· ,,1111,1 t· 111t1ntbrn tia fomflin rcn l. Mnis umíl vez, sua

Jtl
imagem foi transposta de uma economia para outra: a prim 1•11dcu a atração erótica, embora ambiva lenre, do Estado.
de contos de fada no pesado vestido das foros de casamento, 1 1111, o funera l foi um ato de conflito nacional e de reso lução,
como·a esposa marernal dos anos iniciais, vestida formalmentr 1 11 0 de lembrar uma Diana ao esquecer as outras , de celebrar
haviam dado lugar à imagem posterior, casual, com roupas lt , 1 vida e de transcendê-la (obscu recê-la) com declarações de
ao estilo da iet set. Sua morte tornou-a novamente mais pes,, propósito m ais a lto e de uma sa ntidade que el,1 nu nca teve.
com o brocado carregado, nas cores reais. Ela estava de volt 1li,111:1 transgressorn e casua l estava agora totalmente apagada,
casa, ocupando um lugar central na autoimagern (pol ivaleu 11,1rtc pelo próprio povo que afirmava amá-la.
do Estado. Depois de seu casamento com Dodi, um sunrm •} í11nern l como teatro imperia l foi o oposto da morte como
funeral estara) teria sido impensável. 1',1esmo na situação 111111. Como no rearro - uma palavra que se refere canto à

época, a rainha inicialmente exig iu que "o corpo de Di~ td,,r~ física e institucional quanto à ação intencional que
não fosse co locado em nenhum dos palácios reais e q ue ío 111t·.:c dentro de seus limites - , a teatralidade do funeral elidiu
levado para uma capela mortuária privada " .2º O corpo, ag11 11ocs a respei to das relações de Dia na com a monarquia,
saturado do poder sagrado/abjeto do rransgresso{, precisava 11urma lizar o rito ele passagem dentro das demarcações da
mantido longe do real. Ele era "p rivado" agora, exilado pa1d ,li~.lo hístórica. As tensões desapareceram por trás do caráter
esfera 111undana do ordinário. Mas os não reais não aceirar,1 , 11,,l e cerimonial de tudo aquilo. A rota, as filas de especta-
" M, a -:oreografia da festa funerária: essa era urna encenação
isso,não parn "s na'' princesa. Foi então a vez de a rainha pa,
pela humilhação pú bl ica. O "povo" forçou-a a performa t11 llhr r,1da da restauração da ordem, cuidadosamente modelada
, h111crais ordeiros anteriores. Era sobre o "novamente", o
SLtas emoções, quer as sentisse, quer não. "l\1osrre-nos qur
11•1r,1" e o "como sempre" da autor.representação. Ela desapa-
importa", exigiu The E:xpress; "Seu povo está sofrendo: FAI
, , ,1penas para reaparecer.. A procissão penosamente vaga rosa
CONOSCO, SENHORA", The 1v1irror gritava das bancas. '' 011
, 1lj1~va a q ualidade aparentemente eterna e estável de uma
está nossa Rainha? Onde está sua bandeira?" The Sun quer
1,111 ,·ca l, agora tão aber tamente pronta p,m1 ser arrebatada . A
saber. "Deixe a bandeira a meio mastrn'', insistia o Dai/y M,,
,,1.1r11uia em exibição era muiro diferente daquela que acenava
dando à rainha uma a ula de protocolo.
, 111t111do durante o casamento . .Mas a encenação física era
O funeral foi igua lmente dramático, embora de modo d,I
,nh~m um aro de resta uração; ela separava e dava um enredo
reme. Esse era um teatro imperial, teoricamcnre inrermediml
11 , o evento, o primeiro e o último ato da princesa de Gales.
pelo " povo" e negociado elaboradameJlte por rodas as pari
l'<il~ í.la crise a brnpta causada pela colisão, o funera l oferecia
envolvidas. As bi:igu inhas por trás das cenas a respeito do pon
"' l,•clrnmcnto estético e uma resolução emocional. Com o no
ou do muito (seía em termos de espetáculo, emoção, cspcl 1
111,il, esse csr:igio fina I prometia ser profundamente conservador.
dores) foram suspensas pelo esplendor do ;1comccimcnto
11 11tuíçõo í.la ordem social, rompida pela crise, mas prova-
prod iga lidade do funeral tornou visível que as r ixas, como
l111~ntc niio profundameme alterada, significava que Diana
corpo, podiam ser encerradas; agora que D iana estava mm 1
r 11111n ve1. volrnvn ao COl'po oficial de q ue ela tentava rn11ro
as r ivalidades e contendas podiam ser esquecidas. O país e~M q, 1r. Enqu anto Charles, os dois jo vens prú1cipes, o príncipe
mais uma vez unido na u:agédia, e a experiência irresistivcln,u,r h1hp ,, n n mcle de Spencer seguiam o caixão a pé, era claro q ue
sensual (o perfume das flores, o som CCl) nntc dos co~co~ d, ,.,.,, ,-.,ln tlí1.111 rc,pcito tanro ii posse e ao controle quanto à
cavalo s, os corpos .-rementes do. ,•,111•, 1,1du11•, qur ~oh,\1W,1111 1111 '\ IU t' 4l l~lllJMllü

'I
O que "o povo" tem a ver cqm este teatro imperial, com as O drama, enrão, não é apenas sobre a morte trágica de Diana,
lutas entre a rainha e o príncipe, os Windsor e os Spencer, os ,cu funeral régio, ou a situação política atual da Inglaterra. O
Tories e o Partido Tra balhista de Tony ll la ir ? Que vela tenemos nconrecimento, como insistem os comenta ristas, é performa tivo
uosotros e11 este entierro? Como se constrói "o povo"? A "ence- - ele é sobre as estruturas de sentimento, que estão mudando. Ele
nação do popular", como afi rma García Caoclin i em Culturas 111udou a maneira como os ingleses performatizam suas emoções:
híbridas, "tem sido uma mistura de participação e simulacro" } 1 l'i~am fora o rosto impassível e a politica de espírito mesqui nho;
Os jornais de todo o mundo apresentaram o mesmo artigo, 1•11tram o toque, o sorriso e as exibiç.ões públicas generosas de
ampl iando o alcance do " nós" enq uanto ampliava sua audiên• r,poncaneidade. Ao tocar em pacientes de A1DS ou crianças perto
eia. O mesmo retrato de Diana aparecia, frequentemente com o ,la morte, Diana sinalizou um novo modo de ser (britânico).
mesmo texro, relatando "nossa'' reação ao abalo desolador dos
acontecirnencos, Um website dava instruções ao usuário parn PERDA
"enviar seus sentimentos, condolências ou lembranças em relação
Perda. Um fantasma diz respeito à perda, à perda ma ni festada,
à Princesa Diana cl icando aqui". A "pesquisa de o pinião por fax
,\ visão do que não está ma is lá. Mas eu me pergunto o Qlle foi
sobre a princesa Diana" (o rganizada pelo jornal The Post) pedin
perd ido. As velas de Diana, como as de Evita e Madre Teresa,
às pessoas para definirem o que ela sign ificava para eles.1 i
11roporcionaram os milhares de pontos ele l uz que os governos
Na 1nglarerra, o acontecimento era interpretado como (urn
, orporativos não se sentem mais obrigados a p roporcionar.
cipo de) "revolução", pois mostrava ao "povo" seu novo poder.
11rnlidas, também, estavam tanto a cl asse traba lhadora q uanto
The New York Times relata a ''confrontação notável entre ()
, ,11,enda feminista. Diferentemente de Evita, que veio de uma
povo britânico e o Pa lácio de Buck ingham e ( ...) uma redradil
l,11nília oper,í ria e exerceu um poder político sem precedente na
real ainda ni ais notável" .23 "O povo" venceu a lura final com .1
\rgcntina,Diana e Madre Teresa não tinham aspfrações políticas.
rainha. Ele havia exigido a pompa e a ccrimôuia da aucocriaçã1,
\ popularidade de Evita, cana lizada para um popu lismo formi-
do império. O ritual, tradicional ao extremo, podia ser lido comi•
,1 lvcl, foi a lém de sua ,norte, a ponto de seu fantasma ainda ser o
uma inversão subversiva, pois ern o público, e não a coroa, que o
· lr1ncnto politicamente mais forte da política argentina hoje. Este
l1aYia ordenado. Agora, Tony Blair gostaria que acreditássemo,,
11111111.Ju não está pronto para ourra Evita. A fome de influência
os modos aristocráticos antigos desapa recera m em mais um a111
li 111ini11a da década de 1940 e início da década de 1950 torna-
de sub-rogação: a rairu1a está mo rta; vida longa a Diana, rainhn e o sofisticado apolítico e não ameaçador dos anos de 1990.
dos corações do povo. Diana era a nova face da nova Inglaterra 1 •11,1 também cem seu visto negado. Q uando ela foi ressuscitada
elegante, jovia l e compassiva. A hegemon ia agora gozava de um "" í1l111c Evita, Jvlaclonna era um estilo, um "visllal". O público
aspecto mais informal e fotogênico. Diana, como a Inglaterr.1 ,,, 11xonado de atores políticos que mantinha Evita no poder se
estava saindo da depressão. Ela seria a embaixadora da boa l1111Jíu aos espectadores e consumidores de olhos lacrimejances.
vontade, a face mais bondosa, mais genril , da era pôs-Thatchtr pmíecia de Evita, de sua reuenance - "Voltarei e sere.i milhões"
Ao inves de política, estilo. Ao invés de divisões ideológic.1 1•,1n·cio ironicamente reali7.ada. Pois aqui estava ela,encarnada
amargas, consenso e unidade nacional. "ü povo" atua no drn111 ,, n,1d11 m~i~. nndn 111cnoo que Madonna. Até mesmo os muros
nacional como um conj unto de n1ores, e n:io de cspccto don•,. 111,11,u11 ,•111 pruh ,1111 ' l 111·,1, M.1dot1na, Evita vive." Evitn vive,

l i~
1 "'
mas apenas na Argenrina. Nos Esrados Unidos, ela é um bam1 '"'·' viva de que o Amor Real havia fracassado. Contudo, o
uma fascisra, uma prosriruta e uma excentricidade. O q_ue ve111 1<11 Jo Rea l podia conrinuar por meio ele nosso amor por ela.
seguir? , pergunta Frank Ricb. Ta lvez ''bonecas Barbie à imagr tlllS\O anwr por ela nos levou à possibilidade de transcender o
de Evita, em pequenos esquifes de plástico transparente".~• 1.i 110 no coração do colonialismo por rncio de sua nova ligação
.iro de conjuração efetua mais um desapa recimento pela repr 1111111tica com Dod i. Esse Outro moreno, atraenre, playboy, o
ção - um rosto por outro, um nome por outro. Evita se disso! 11cumiclor supremo, era a antítese ele Charles, o supremo "um
!_m Madonna, enquanto Madonna ganha yjsjbjJidade._Qor mt•t 1•i" , ;rntiq_uado e esqu isitão. Tsso supostamente a rransforrnou
de Evita. ,, "um de nós" - um daqueles abandonados ou tra ídos por
Assi m, as escolh as não eram, e nunca poderiam ser, e111 11111 idades estabelecidas cruelmente rígidas. Está bem, Dodi
Diana e Evira, mas relacionadas a Dia na e Madre Tere , 11111 bilionário do iet set, talvez não exatamenre um de nós,

Um cartum publicado na rev isc;i New Yorker em 1998, 1 1111 iundo, temos dúvidas sobre a possi bilidade de eles serem
autoria de Frank Cotham, mos trava habitantes alados do e~ h11•,. mas a beleza dos contos de fadas depende precisamente
movime11 tando -se ao longo da Via Princesa Diana e do Bulevd • r,q,idez e da intempesrividade de seus finais.
Madre Teresa. O cam inho do Império e o caminho da Jgrc1 1 k outra maneira, evidentemente, a morre ele Diana tinha a ver

cada um leva suas embaixadoras na viagem, claramente apc11,1 111 ,1 perda de outra forma de ma terial idade. Sua imagem dava
ele ida, arravés ele fronteiras, prova não solicitada, porém viv~ ",n~to "universal" para o glo balismo desincol'porado, faci li-
de que o Primeiro 11undo se importa. Na linguagem do amo 111 pelos sa télites e pela rede de computadores. Um produto
e não do poder, essas mulheres afirmam renunciar a seu enor111 ~"1c111as de interco municação, a Diana que víamos nunca
ca pita l pol ítico, econômico e simbólico a favor dos despossuídt• , t\ ~t~ e se1npre escava, "ao vivo,,.. Nunca estava "ao vivo\ pois,

Como todos os ícones sobrecarregados, essas mu lhere.s parecip 11111 disse uma publicação, "sem for.os, não há Di" ("No Pix,

bastante transparentes. É', tão simples essa conversa sobre amo • T>i"). 2" Sua qualidade "ao vivo" era um produto dà mediação.
Era possível ama r Diana e amar Madre Teresa e ainda odiar 111Stewart observa em TV G11ide:
política, como se o ato naturalizado de doar para a cMidad
não tivesse nada a ver com o expa nsionismo do imperia lis111< 1•1 q11e Diana existia de faro forn da televisão: uma ve,. eu apertei
catoli cismo e capitalismo tardio. , 111.to. l'oi emociooame - ela já era um ícone imemacional - mas
Ta lvez esteja ta mbém perdida a nost.i-lgia colonia l pelo I\Jttu 1cm sentido. Tudo que lembro é ,,m borrão de cabelo louro, um
Rea l. Para os espectadores nas antigas colônias, Diana tamb~t 1n1111 r ru111Q cu-mprimen co . I-Iá pelo menos uma dúzia de cenas de
incorporava uma relação de amor-ódio com o Império e o impr m11is vívidos em minha mente do que nosso encontro real fora
rialismo, que ela simultaneamente represenrava e transcend i~ ' J.,~P
Seu esrranhamento da realeza permitia um posicio!larnenl
ambíguo, o nepfanta do pós-colonialismo latino-americano, 011 , l~t:anciA física, mesmo sendo redundante na vida, servia
a ''am biva lência" que se origina do que Hom i Bhabha de110111u1 m,•ntc 1,nr,1 .rntenticAr sua inrngem m,1is complera, '' real " e
a "articulação dupla" (parecido, mas não tanm) ela difíci l situ,1 111, qur rnnt111un a desafiar os limites de espaço e de tempo.
ção colonial. 23 Que opções os colonini~ rôm, íl niio ser cnncil, ir \ ,1111, 1•l.111111,c.1 l'~(('Yt (mns sempre está) ao vivo e aqu i, em
o jogo complicado de klcnriík,1~.10/d(· o,lrn1ifi,,1~.1<,? Jllu 1•r.1 1 J,,. '" h114,1rc~, ,1-.nmbr.1111111 uo~,o prc~ontc. Uma Di Virtua l,

•J
sua imagem sobrevive à sua morte; o significante não precl w•1 fetic h,, (q uer no sentido psicanalíck o, quer como
do sig nificado, exceto como restos autenticadores. Ela existi l1[q1110 da mercadoria). seu sucess_g s.,Loi:igirut tau.to_da
isso é suficiente para persistir em nossos dramas. A internet nc d1d:1clc com que as ansiedades e os medQS...S.ã.Q...d esloc;idos.
pede para acender uma vela para ela, ampliando o simulac t ,•l,1 quamo do processo de recusa da realidade po1. meiQ
de participação. Ela é um fetiche, lima imagem sagrada cuJ ,p,~I u público pode admirar a imagem ,LO_mesm0-.cemp..o
significado não emana de dentro, mas lhe é conferido de for lijnora a violência que contribuiu ~ a suii._qiaç_ãq. Sua
111,,,,,hilidade, infelicidade e sua difícil situaçiio fís.ica apenas
111 ihuíram para sua popularidade, pois, como se observou,
uw mais infeli z ela era, melhor era sua aparência. Depois
11,1 morte, uma geração nova (e apri morada) de mercadorias
111,1 com sua im agem: selos comemorativos, pratos e booe-
1\ 1111'1sica e os livros que ela inspicou chegaram ao topo
li~t11, e geraram m il hões de dólares. Seu nome é invocado
'" l dirigir alcoolizado, minas terres tres, AIDS, bulim ia e
, "v:iriados males sociais. Um novo exército de desenhistas
,1111d,1 vai se encarrega r de vestir e instruir o fanrnsrna . Já se
11 11 ,1 m apa rições. Novas performances, políticas, a rtísticas
111pr~saria is, surgirão desses restos de arquivo. Queras
lh1•tcs irão dança r nesse mesmo espaço de impossibi lidade
•11,1 performance to rnou visível.

1 • ,.tda a o rgia de identificação pro míscua, será q ue as


,,1111,l11clcs senrem o abandono e a exploração desse caso que
11 ,,penas uma noire? Quando olhamos nesse espelho colo-
., ,1 que seu reflexo nos olha de volta, ou será que vemos a
111, ,ums, co111 rna rias-chiqui11has, botões caídos e tudo? Os

11 111,~ Figuras 20-26, como espaços de luto comunitário e


11 11, 1t10stram sinais de um debate contínuo. Ma is do que
1 1111'1fü• reiternr a demonstração " univer$al" de amor e
,, , mur.11 ~ totnnm os aconteci mentos locais, trazendo-os
111 dt'rlfrn da comunidade, "Por gue nos importamos com
JO. "No more sptctadesot (Seom ITI IU.\ c~pC1H1c 11loaiJ, ro11r41il 11lcct1hto cttn
gr.ifüe, por A. Charle.'i, no l lcnmon 1urt1 t ,um Hru Av,nur, N1wi1 Yo1~
, 1•l1•, p,,rt'c(nt nn~ Jlt l'f:lllrlfilr, Ao prestar hooras ã sua
1:oro: l)ÍQM T~ylnr, 191'17,

l'l
mor:ce prematura, os nrnxos memoriais situa m-na di retam ,., mos anos de cra ba lho duro para nos libercarmos da
na longa história não reconhecida de morres prema turas nc wl,1 do controle inglês. NENHUM SANTO, NENHUM
vizinhanç,1s. Eles chamam nossa a tenção para a violênci11 • Al)OR'' (Figura 31). O mura l da sanridade e da rea leza
bandos e da polícia 11a cidade de Nova York, de que as pes 1pl'esenrava Diana e Madre Teresa não apenas gr ita "DIE!
prefe rem não romar conhecimento. Jvias os muros taml 1 1 l)JE!" (Morra!), mas também participa de outra forma de
manifestam a rniva dos não correspondidos, os qtte pergu11 t ul.1ç60 (Figura 32). Esta fotografia mostra mais do que as
"por que devemos nos importar com ela, guandú ningug 141•115 deslocadas da globa lizaçâo transnacional. Ela capta
importa conosco ?" Os murais la tinos pa ra a "princesa 1tlt1•111 o o ut ro lado da mesma econom ia que deixa as pessoas
agora tê m a pala vra "Dic" (morrer) escrita sobre eles. AJg tor.1, no frio: os deslocados, a pobreza e a falta de moradia que
escreveu: "NO MOR.E SPECTACLES AT ALL, LADY DIE" [ 1lu11rariado não consegue dissipar no l.ower Easr Side. O sem-
nenhu m espetáculo mais, Lady Die] com tin.ta amarela sobr '" ,e coloca, como oferend a, nesse "altar" para a santidade.
mural reprovador que havia advertido sobre a supermata 1) f.mcasnrn de Diana continua a dançar, registrando a conver-
da míd ia (Figura 30). O mural q ue havia declarado seu amo '" 1.1 de fantasmas preexistentes e a crise ma is receme - sempre
Diana, anunciando que sua falta seria sentida no mundo cc, ,, 1 reescrita, uma atuaJização, um tornar presente de algo que
agora apresenta uma mensagem conscienremcnre pós-colo111 l'ocque estamos todos ptesos nos sistemas econôm icos e
11ogr:Hicos transnacionais, parece que não temos escolha a não
p,1l'l'icipal' da circulação do capital, ta nto s imbólico quanto
,11011,ico.A maneira como baixamos esses arquivos de imagens
l.u,1os com eles, contudo, reflete o poder da comunidade local
, 1 .:mnpor os termos dos debares. Em um nível, evidentemente,

11111 cc e o funeral de Diana constituem um d rama global q ue

11 ,1~ mas:;as. Ele cem todos os ingred ientes de um filme piegas:


111rn te de uma princesa nobre, linda e mal compreendida.Assim,
, 1;111 to o primeiro quanto uma repetição, um fantasma,
11 ( 1·c.1parição performativa. ~essa encenação parricular, "o
., .. não é apenas o consum idor, mas também o conscrutor
1 111orte. O espcrácu lo <lo espectro faz o espectador. Em vez
h110, ,1s mu ltidões indiferenciadas consomem a tristeza - os
liedores, não os agentes, de uma emoção q ue não é deles
ums. "O povo" acende velas imaginárias na internet para
, 11111, cm um ato virtu~I de identificação. Purém,em outro nível,
outl·dmento também enceno tt a necessidade de participação
1 St•riu tã(l ~~tranho querer atuat cm um drama que sabemos
3 L. "No sam~s, no sinners" JNenhum sn mo. nrnhuin ptt41tlt1tJ 1 ,lr.1fJte H1t,,
n1ural de Dfom1, l)Qt CJuco, n~ lluf Uo1nt11n \IH'l!lf. ,rn c1<h1dr llr Nt)vlll. Yl•I
111111 h,•111 11.10 ser nos~o? Se elevemos no, comprometer, como
Foto1 D1,rn,1 Ti.iylGrt J997, u, i qUl" Jrwnm,, l·s~t', murn ll~c,i. 11wMrM11 que o povo vai

,U•I
estabelecer os termos da conversa . Ao invés de constituir mn1 11pumes por um ano. Recentememc, abriu como um cinema
um espaço para se baixar o arquivo do global, abre-se mais u1 lt•11,1nte, que apresenta excelentes filmes alternat ivos {Figura
lugar estratégico para a negociação do local. Talvez não st·J tJj. Depois do 11 de setembro, Chico usou o mu ro em que
muito estranho que nós,como os artistas dos murais memorio1 1, 1v1:1 pintado seu mural "Em memória da realeza e da santi-
desejemos inserir nossa própria versão dos acontecimentos li 1uk-" para homenagear os moHos no ataq ue (ver Capítulo 9).
colocá-la ao lado de nossas vítimas, ao lado de ícones daquel 1 u h,ivia esquecido que, há muito tempo, ele havia cobeno com
com quem nos importamos, sabendo muico bem que nunc 0
1111,1 os rostos de Diana e Madre Teresa. Ele havia claramente
seremos retribuídos da mesma maneira. ,\.1.as,como sempre, há 11 ~rjado rasurnr seu surto de identificação falsa . "O que esrava
movimento de puxa-empurra da fantasia imperial. O DI irrom1 111111 :rntes?", perguntei à Ma rina . Ela também se esqueceu. Ma is
no DTE (morrer). Esses r imais de passagem insistem para qu , mie. lembramo-nos: um enorme e bana l "Não seria lindo?"
esqueçamos que nós não pertencemos ao mesmo povo, 1nesm h l\'1,1 sido escrito sobre uma imagem igualmente banal do pôr
quando nós nos lem bramos. ln 101 sobre um mar calmo. Não tinha nada a ver com coisa
, 111,uma - o q ue é bastante incomum para a arte mural. Não
111 prcende que não 110s lembrássemos. Na Rua Houston, os três
1111des muros dedicados a Diana,Elisa eSelena ti nham rambém
1 1 ~.1,io por mudanças. Chico havia tepintado Selena e Elisa,
111t:J, rostos estão l.\ até hoje. Diana sum iu, substituída pela
111 ,11,1~111 de um gato e um cachorro contra o céu de No,·a York.

32. '"Die, djt. die" [Morr~, morra morrál, grafire s.obre o n,urál "ln m.emory of roy 1
and holii,e,ss", po!' Chico. Foto: Diat1,11~;for, 1997.

Andamos pelas ruas do L.ower Easr End, Marina e eu , riranJ


fotografias. Os muros mudam consranren1cnLc, rcfloti11,I
novos interesses e preocupações sociais. A sinagoga, mais r.11.I
convertida em um espaço pnra o teatrn niu9icn l iídiche, cJn qu
A I , h 1111 ifUC' A ~ l11uln 11m<M11111 11,dhhcth Strr<'I p.i\,11 por enubre-.:uncmo.
A. Charles pintou Tu pen,, TyN011 ,. l >1,11111, fit·ou n·r,·11d.1 d 1'1,.,... 1...1, •• 1il(,(J
"A superpopu lação está nos marando. Por favor. castre''
abaixo da frase, o nome de uma clínica. Até mesmo Selena tin 6
uma sera sobre sua cabeça, apontando para uma farmácia
esquina (Figu ra 34). Muitos desaparecimentos, muitas for111
de esquecer. Logo, vamos oos esquecer de que esquecemos.

VOCÊ ESTÁ AQUI"


t I I.J.O.S. e o DNA da performance

11 de maio de 2000, Buenos Aires, Argentina. 18h30. Eu havia


, ~bido um mapa e um folheto. "Escrache ai Plan Cóndor",
11,111izado por H .I.J.O.S. -os íilhos dos desaparecidos . Quando
l"•guei, estava escurecendo. Grupos de jovens haviam come·
1du " convergir para uma esquina previamente designada. Eu
34. "O\·crpopulatioo is kilJing us" íA sopcrpoputaçâo está nos m:arn ndo}, n1t.1t\l l ,11hecia alguns deles, os membros da o rga nização H.l.J.0.S.
Chj.,;o n,1 East f-louston Strt'ft. Fmo: Diana Tatlor. 1000.
1'11' me hav iam convidado a participar, a lém de jovens ativistas
f,. ( ,rnpo Arte Ca llejero. O barulho estava atm1entando. Uma
111 toin alto-falantes começou a tocar um rock. Alguns ativistas
1 11,p.1 ravam tabuletas, cartazes, fotografias e faixas. Apesa r de
,, do o movimento e comoção, senti um assombramento. Esses
, 11 r ns, de cabelos compridos, barbas, ponchos andinos e seu

, ilo nco-hippie chique, levaram-me de volta aos anos de 1970


, , \111érica Latina. Essa era minha aparência naquela época. Era
1 tn111bém a aparênci~i de seus pais - a geração dos desapare·

1,111, A~om. no nno 2000, uma nova geração de ativistas estava


1li ,·1gmdo às ruas cm Buenos Aires nessa noite para protestar
, ·•1tr.1 o "Plnr10 Condor", orgnnizaclo peb CIA e implementado
pelas diraduras militares por toda a América Lat ina. Essa re,
declarou que os esquerdistas perseguidos iriam ser apanhach
e "desaparecidos'', mesmo se tivessem a sorre de fugir de st
próprio país. Na Argenrina, esses esquerdistas eram torturad,
cm duas oficinas mecânicas (eocre outros lugares), chamad11
Orletti e Olimpo, que funcionava m como campos de concc11
tração. Hoje, as pessoas levam lá seus carros para conserto
muitas se esquecem dessa história. Os H .l.J.O .S. iriam lem b.r,1
a codos que quisessem ouvir essa história cri minosa por mel
do escrache. A atmosfera era festiva_, mas séria. "Cuidado",
pessoas alertavam umas às oucras. Sabia-se que pessoas havia
se infiltrado em cscraches anteriores e começaram a crill
problemas para provoca r a interferência da polícia. "Deem
as mãos. Não de ixem n inguém enrnu na roda. Fiquem de olh
nos yue esrão do seu lado." O círculo gigantesco crescia e nos
trajetória se caracterizava por paradas e partidas à medi da q1
nos movía mos juncos, da11çando, gritando.e cantando pelas rn
de .Buenos Aires. A van, o tempo todo rran,o;m itindo músic~
comentá rios, abria cami nho devagar. "Escutem, vizinhos! Voe
sabiam que moram ao lado de um campo de concentraçn
Enquanto vocês estavam em casa, cozinhalldo coscelera ,
vite la, as pessoas estava m sendo torcur,1das naqueles campos,
concentração." Olhei ã volca para ver nosso pú blico - pesso
nas sacadas., por deu ás de ja nelas, olhando para baixo, vem
<> espetácu lo de massa. Algu ns acenavam . Ourros fechavu
as corcinas e se refugiavam dentro de casa. Alguns devem t
se juncado ao círcul o, pois havia cada vez mais gente e111
nós. Continuamos a caminhar, primeiro até o Olimpo, 011
os po liciais estavam esperando, alinh ados em frente à ofü:111
Em seguida, depois de escrever com tinta amarela, na calç.1
em frence ao prédio do ramanho de um quarteirão, a lb1,1
crimes c<>metidos ali pelas Forças Aéreas, o grupo se dirigi11 ,l
a O fici11a Orletri. Novame nte, os policiais csrnvam c~pcr,I n •
e, de novo, os H .f.J.0.S. cobrirnm a r ua com tima ,rnm11•l.1 1 ... h~ ·" 11 rn ( dnJo; •, li Jt m.110 df 2unn l ·OU)ll Oi, 11 ., 1"1tylor.

nu 1t
M arcar o espaço em emocionante - os H.J.J.O.S. e toll •111 ro clandestino de tor tura. Os escraches são altamenre teat.rais
que os acompanhavam começara m a dançar e cantar nov he m organizados. Teatrais porque a acusação funciona apenas
11\ente. Alguns membros começaram a se dirigir ao nosso gru 1s pessoas toma m conhecimenro. Bonecos gigantes e, às vezes,
falando sobre o gue o evento significava para eles. O traiu mirrnes canazes com focos dos desaparecidos acompanham
era palpável, o poder emocional, contagiante, e o sentimento p.,rricipantes dos _proresros, enquanto pula m e canta m pelas
empoderamento po lític<>, energizanre. Até eu, uma estrn ng( 1 11 1, (Figuras 38 e 39). Aú longo do rrajeco, vans equipadas
com poucas relações pessoais com o comexco, sentia a espera i ,111 alto-falantes lembram à comunidade os crimes cometidos
e a determinação renovad as. Eu havia volt ado à Argentin a, , , <jt1<:la região. Bem organizados, porq ue os H .l.J.0.5. p repara m
um sentimento de perda - as .l\11ães da Plaza de Mayo estav 1 11111unidade para a ação. D urante um mês, ou aré mais, antes
envelhecendo . Embora continuem sua maTcha semanal ao rutlc r ,crache, eles investigam os ba irros em que os crimirtosos
da praça, eu me pergunta va como o m ovimento pelos dircn ,r,•1 11 e t ra balham , mostrando fotografias e dando informações
humanos sobreviver ia a seu fa lecimento. l11las lá estavan1 ,h11· eles. Eles sabiam que seu vizin ho era um corrurador? O
H.l.J.0 .5., jovens, alegres e determinados a levar adiantr ,11• ,1êham de t ra bal ha r com ele, servir-lhe o almoço, vender·
protesto perfonn ari vo . Se a pe rfo rma nce transmite a menwr lu ugarros? Eles colam as fotogra fi as nas lojas, restau rantes,
traumát ica e o comprometimento político, parece que nós, 11 , 11 1· muros da região. Q uando chega a hora do escrache, os
os acompanha mos, recolhemos essa memória. 11 .J.O.S. veem-se acompanhados não apenas por ativistas dos
E u me perguntava por que tão púucos acadêm icos reflete 11 0 110s humanos, mas tam bém por aqueles enfurecidos po.r
sobre o modo como a perfor mance transmire a memória trau111 '11 11111 nrcm a viver rão próximos da violência política. Com a
t ica. Como aqueles de nós que não sofreram a violência con• 1111,1 de a rtistas ativistas, como o Grupo Arre Ca llejero, eles
guem encendê-la? E m ais, como par ticipar, de nossas próp<1 l,,,,1111 placas de sin alização de ruas contendo a forografia do
maneiras, contr ibu indo para rra nsmitir essa memór ia? h , 1wtrndor, para indica r a d istância da casa deste (Figura 40).
capítulo explora essas questões. Embora não possa rrans í1·r , 111do chegam ao local de dest ino, os H.I.J.O .S. pintam, com
o impacto do acontecimento por meio da encenação ao v1 1 1 ,,mareia, o nome do repressor e seus cr imes na ca lçada cm
que experi mentei, espero, ainda assim , conseguir continu o, ,11,• ,111 préd ío ou à c'1sa. Embora a pol ícia, semp re avisada
rransm itir m inhas reflexões para o leitor por meio da cscri1.1 1,1111( 11 re, cerque a propriedade visada, os ma nifestantes, de
1,, pacífico e persisccnre, conti nua m o t rabal ho de tornar o
Escraches, atos dé execração públ ica, constituem uma formn
"' • v1\ Ívcl. Eles lembram aos espectadores q ue as violações
performance-guerrilha praticada pelos filhos dos desaparecid,
llrcitos humanos 11ão foram punidas, nem terminaram. Os
na Argentina, para atacar cri minosos associados à " Guerra Su1,1
,11t.-, 1nnccs oícrcccm um mapa alternativo do espaço sócio-
Geralmente, escraches são maoiksrnções espal hafatosas, fesllv
,, 111<11 Ja Argentina: "Você está aqui" - a 500 metros de um
e móveis, que reúnem de 300 a 500 pessoas. Em vez do mov
'"" de concentração (Figura 4 1).
mento rit ualístico e circular ao redor da prnça, que idemificam
11nlion1 n1rnnva lescos e arruaceiros, os escrnchcs encenam o
com as Mães da Plaza de Mayo, H.T.J.0 .S., a organizaçfto ,1,
,,. , u1lc1ivo. F,sn, performances t<Jrnam visíveis não so111e111c
fil hos dos desaparecidos e de prisioneiros polícicos,1 pro11111
1111,, wn1t11dn~ pelas dirndurn• milicarcs dos anos de 1970
prores tos carnava lescos que levam o~ participantes d irl'rnmm
li, 111.i, 1.1111lwr11111r,111m,1 duriduun'> ~()frido pelas famílias
até a casa ou o escritó rio cJe 11n1 criminoso político n11 ,111• 11
1 li' ,rri 1d, . h, 11 1",mu prlu p.11\1111110 11111wdo, Con1111.lo,

l ll
os movimentos de protesto inter-relacionados, organizad C·omo a per.formance transmite a mcmona traumática? O
pelos H.T.J.0.S e pelas Mães e Avós da Plaza de Mayo, usa o individua l dos estudos do tmuma claramente se sobrepõe
o tra uma para inspirar seu ativismo político. Esses grupos tc , l ow mais público e coletivo dos estudos da perforn1ance:
contribuído para os esforços em prol dos direiros humanos,
1. O protesto em forma de performance auxilia os sobrevi-
rransmitir a memória rra um:Scica n.iío apenas de uma geração ventes~ lidar com o trauma individual e coletivo, usando-o
outra, mas também do contexto po lítico argentino a um públk para incentivar a denúncia política.
internaciona l que mio teve experiência direta da violência. Es
J. () trauma, como a performance, caracteriza-se pela natu-
atos de transferência se mosnam virais para a compreensão
reza de suas repetições.
agência cultural.
Ambos se fazem sencir afedv,1 e visceralmcnrc no presente.
Eles estão sempre in situ. Cada um intervém no corpo
111dividual/político/socia l em um mornenco pa rticu lar e
reflete teosões específicas.
, ,\ memória traumática frequentemente conta com a pcr-
fm mance interativa e ao v ivo para sua transmissão. Até
mesmo esrudos que enfatizam a ligação entre o tra uma
e .1 narrativa evidenciam em sua própria análise que a
cransrnissão da memória traumática da vítima para a
11·,rcmunha inclui o ato, compartilhado e participativo,
d,· con.rar e ouvir, que se associa com a performance ao
v,vo .1 Dar testemunho é um processo ao vivo, um fazer,
um evento que acomece cm tempo real, na presença ele um
ouvinte que "passa a ser LUTl participante e coproprietá rio
do acontecimento rraumático" .3

38, .39. H.LJ .0 .S. e o Grupo Al'te CalJejcro p.uticipam dtr unHtc1i1'"h'
Os e.s,rJches se C.i.rJctcri1;u n p()r sua d1cpo<1t;.io de~orcl1m,1 r h:.,u,i.1
Umc:in1inh,l oc.atreg<1l'lo d~ m;a111(r111,ntu tJur: lcv11ni fah ,,_ l ' \. rU l 1110 •UI \111•l1ll•\&-1 111· 1"U, c•;)lll o1 Íi:ll OH,f'íll l11, d11 pcrpctr.idor
tt,:u . nele 0).dJtcre11: .. ~ lliQho, t w ,h,.a, t1.1u 11I umr\ r •l lu • '"'' • n :,111 ir .1, 1!1 •Jlm+ 1.1111 • "1" "*1.1,2000. h 11<1 ,·eJiJ.1
l·u1<t1 nd1Ju ''º' t r.1. 1tl \ 1 ~, ütupõ 1\1 , t li tuu
A possibilidade de recontextuali zação e transmissão ,,,loi;ia pessoal e as interações entre d uas pessoas, e os estudos
performance e do trauma, conwdo, aponta para d ifereil~ 1wrfomia nce, para permitir-nos explorar a causa e a cana -
importantes. Na performance, os comporrn111encos e as a~ •,.10, públicas e não patológicas, do trauma. Ao enfatizar as
podem ser separados dos atores sociais que os performatiza1 r " 11ssões públicas, e não as privadas, ela violência e perd,1
Essas ações podem ser aprendidas, encenadas e passadas p,1 111111.it icas, os atores socia is transformam a dor pessoal em
oucras pessoas. A transmissão da experiência traumática se par tqr da mttdança cultural.
ma is com o "contágio" - uma pessoa "pega" e incorpora o pc t h movimencos de protesto que examino aqui se desen-
a dor e a responsabilidade de comporramentos/aconteciment 1 rrn rn a partir de linhas geracionais claras relativas aos

passados. A experiência traumática pode ser transmissível, ri ,1p;1 recidos": avós (Abuelas), mães (Madres) e iilhos dos
é inseparável do sujeira que a so fre. lnnciros políticos, desaparecidos e ex iJados (H.LJ.0.SJ.
m,·,1110 modo como as gerações compartilham materiais
, l iw,, que esses g ru pos rêm rastreado arivamenre por meio
,,1111es de DNA, existem estratégias de performance (DNA
1 ,•rformancc) que ligam suas formas de ativismo. Um traço
1 11 t,1me é que esses g rupos se veem como I igados genética,
111 ,t ~ performativamente . Examino aqui várias iterações

r
i- 1 • donnances ele protesto que incluem a forografia e que
. .
,111'l<·ram nos últimos 25 anos. Uina esrratégia clara, que
EL
l 1 1.,mo â continuação quanto a tra nsformação de mate-
CAMPITO ' ulrurais, se torna reconhccí~el no u so de document<)S de
,'Ú o ,11d,1de com foros para i·euu ir, na transmissão da memória
. -. H
.,. 111.ítu.:a, canto as alegações científicas (o exame de D~A)
,1111 ,i- ped ormativas. As estra régias, co mo as pessoas, rêm
ir,"· Nesse caso, as estratégias fazem reaparecer as q ue
., 111 1p,1gadas da própria história .
•-"..,.,
.... ••
., ..
.,t, . .\ ' I • ,lc 1977, quase no início da "Guerra Suja", as Abuelas e
..... . .,.... ......_
,..:.. .. _ ......., .... ! •

...,,,.,,. .. v
,,.._. '"' ' · ...
·~i.-:1,,,..,11.., .... .• ,.,
1,, ~omcça r:\m a chamar a atenção pública para a prática do
. . . . . . . . > ; . 1 , 0 · ~.........
lJl,tt1•w11ento'', pcb di tadura,daqueles que de algum modo
41. "Voá t~I -' .a, r 11nh.11n a eles. Entre os 30 mi l desaparecidos que foram
" SOO metro, 11 , hluH e mortos, centenas eram mulheres g ráridas, mortas
campo de coo.:;.r, ,
2000. Fo10 c..J1,1 , , dernm :\ luz. Seus filhos, nascidos no cativeiro, eram
Gru1>v Al'cc <AII r• 11, , ,do~" - nesse caso, não foram morros, mas adotados
1111111 i. do militnres. Existem ainda cerca de 500 crianças
Assim, ao compreender o~ protestos-perfornrnncr~ 11111 1 '", 1d,1,", jovl'ns nascido~ em cam pos de cnnccntração
sionaclos pela menHírin traumóril.';1, é importilntc n1l11,.ir "'" ,·111rr I IJ 'f, 1· l ' 1H\ qur 111•r,1lin~·111c: con heceni pouco,
di.ílogo os esruclm tio tr.111111.1, •1uo fm ,d i1o1111 1iri11up11l1111111 11. •o,h11 ,1._ l 11, 11 11 -.ir 11h. 1,1, 1.(Ut' lt'lt tnl ~(·u 1111-.cimcnto.
Contudo, os milirares não sequesrra.ram os bebês que já hnv 11 ,• de dererm inação polfrica. No início, no auge da violência
nascido antes do "desaparecimento" dos pais. Refüo-me a ", 14 mul heres, de duas em d L1as e de braços dados, anda-
como '·filhos dos desaparecidos" (em oposição às "crianças 1 i• >redor da P laza, a fim de evitar as proibições de enconrros
parecidas"), pois nasceram anres que seus pa is fossem rapta Ir o ~. Embora ignoradas pela d itadura, a ideia de se encontrar
sendo criados por parentes. Como seus irmãos desaparc,, , 11;11 se espalhou por todo o país. Pouco depois, centenas
muitos desses jovens cresceram conbeccndo po uco, ou 11 111111t'res, vindas de toda a Argentina, convergiam na Pl::1za
sobre seus pais. Um rnembw da H.l.J.O.S. disse-me que crr 11y11, apesar da crescente violência m il ira r dirigida a elas.
acreditando que seus pa is haviam morrido em um acident ,1,1110 rirualístico, elas a ndava n1 ao redo r da praça, locali·
carro. Seus parentes mentiram porque não q ueriam que , ,u, ..:oração do cenrro político e financeiro da Argentina.
como seus pais, corresse o risc<> de se envolver em quesrõe~ r lurma ndo seus corpos em outdoors, elas os usavam como
cionadas à justiça social. Assim, há dois grnpos de criançá~ ,,11duco da memória. E las litera lmente vestiam as foros de
crianças desaparecidas, que cm gera l não con hecem sua hiM 1111,·mos que haviam sido apagados dos arquivos oficiais.
e, portanto, a exisrência desses irmãos e irmãs; e os filho1 11.1 ,tpós semana, na Plaza de 1'1ayo, as Madres acusavam
desaparecidos, sendo q ue muitos deles atualmente são meml 11ht,1 res pelo desaparecimento de seus filhos e exigia m que
bem informados e ativos d,1 H. 1.j.0.S., queconrinuam a pro,, lu~~em devolvidos vivos ("Aparición con vida"). Depois
seus irmãos e irmãs e a buscar j usti<;a soeiai. " ~u clo o pior momento da violência militar, as Abuelas e
Enquanro H.1.J.O.S. reconhece explicitamenre seus mui Ir,·~ .:omeçaram a canegar uma enorme faixa em sua frente,
débitos pata com as Abuelas e Madres - de modo especial, t,11 , 1111<> caminhavam ao redor da Plaza . Com a volta da demo-
o fa to de essas mulheres terem inaugurado o protesro em for 11 l'ln 1983, elas começaram a acusar o novo governo de
de performance que se associa com os desaparecidos -. ,ler impunídade aos criminosos (Figuras 43 e 44).
próprias performances refletem as mudanças pol,ricas egcr,1
nais que se segui ram. Que estratégias são cransmitidas? (,
esses grupos usam a performance para fazer reivindica\
Vejamos primeiro como as Madres e Abuelas perfonn~u
suas acusações e demandas .
O espetáculo de mulheres idosas, com lenços branco
ca beça, carregando enormes cartazes que reproduzem a, 1
de seus filhos ausentes, rornou-se um ícone do movimenu
resistência das mulhei:es e a favor dos d ireit<>s humantl,
tra nsformar seu "processo de luto interrompido" cm "u111
discursos de resistência ao terror m ais visíveis" (Figu r,I\
43), as Abuelas e Madres inrroduziran1 urn modelo de p1o11
perforrnático impu lsionado pelo m1u111n. ' Tochts ~, qu111
-íei ras à carde, ao longo cios 1;, ltimm 2 5 .1110,, .1~ 111ullrt1t t.h Pf 1 • Jc: M•70 l n111,nu..an1 \ li, 1.·u1xlrut~ilo tk,i; nhuws .1os d l'C'hos
se enconr.mclo nn Pio, ,, ,k <\-l.1v111 ,r, 11·p, 111 ·· •u 1·•1w1 ,, 111 n tll, ~ jtt'lnt_t11vr111 1, lt)fkJ fMU J>l,1n1 l~yku.

'Ili li
Us;indo alto -falantes, elas conri nuaram a fazer suas exig ,1~,·gne por si só? Como essa prática representativa constrói
cias, dizendo <J nome de seus filhos e dos responsáveis por tê '"' hase para os movimentos que viriio depois?
raptado. Elas reivindicavam a Plaza para si, pintando no Q 1) DNA funclona como urna espécie de arquivo, annne-
seus lenços emblemáricos, feitos das fra ldas de seus filhos, t 11.!o 1). transmitindo os códigos que marcam a especificidade
tinta branca, ao redor do círculo, Mesmo agora, elas continu 110,sa existência ranto como espécie quanto como incüví-
sua condenação à inércia do governo quanto aos abusos c<,>n 11,'· Entretamo, ele também pertence ao arquivo criado pelo
os direitos humanos cometidos durante a "Guerra Suja" (fi!I 11,•111, seja o arqu ivo forense ou de outro !ipo. Nesse caso,
44), "Otro gobierno, misma impunidad" [O ua·o governo, me1 11q111vo rnantérn u ll) núcleo particularmeme terrível - DNA,
impunidadeJ, Cada reivindicação foi apoiada por evidên, h 1, dentárias, documentos, focografias, fichas policiais e
per formativas - os cartazes com as fotos das identidades, a li "· supostameote resistcnces à mudaoça e à manipu lação
de represso res. Da mesma forma que as Abuelas contava m , 11111.,1. Corno observou o especialista forense Clyde Snow,
os exames de DNA para confirmar as linhagens interrompi 1, pessoas provavel mente estão com mais medo dos mortos
pelos militares, elas e as Madres usavam os documentos de 11111· dos vivos. Testemunhas podem se esquecer ao longo
filhos ausentes para esrabelecer a "verdade" e a linhagem, mos, mas os mortos, esses esqueletos, não esquecem. Seu
. 1r11111ho é silencioso, mas ram bém muito eloquente."' As
1 111:i.is científicas e arquiva is do DNA, oferecidas pelas
" •1.1\, rram daramentecenrrais para sua estratégia de rastrear
r 111es queridos ausenres enquanto acusavam os mi lirares
,•t1tlesaparecimenm.
1r,1 n,frrências tesremu n hais e prorestos performáticos, por
1 ido, são duas formas de comportamcmo social expressivo

1 ,•rtcncem aos modos de operação do que denominei "reper-


A experiência i1Korporada e a transmissão da memória
1111.11 ka - a interação entre as pessoas no aqu i e agora, seja
l II rc,tcmunho, na psicanálise, em uma man ifestação ou
11rlH,1mcnro - fazem diferença na maneira como o conheci-
'''' I! 1rnnsrnitido e incorporndo. A dimensão performática
11 J'fl)tcstos, em primeiro lugar, chamou a atenção para a
,1,, nocional. As Abudas e as Madres pe rformarizavam as
44. «Otro gobierno, misma impunidad'' (Out.to governo, mes•na unpunldQ.dc-J '",.,~no ~olocú-las sobre seu próprio corpo a cada ve1 que
Foto: Di.ina Taylor.
1'1 11,L j11lgo 111cnro~ de direitos humanos e comissões corno,
1 nttn,t, a Comissão Nacional sobre os Desaparecidos
Essa prárica representativa de ligar a alegação cicnuh~
1•ul,li~n11 N1111r11 Mt1• pnrn t.livulgar suas descobertas)
a performativa é o que denomino o "DNA da períornmn~
i\fl1L,1 do 'iul. ,, { ,m11".io da Verdade e Reconciliação
O que a prova performntiv:i rcnfü.1 ill"' o prov.1 c:i1•111 ífit ,1 n
, 11.I, 111 1 1111pm t,111, 111 ,l." 111<ht 11.-i,1, ,li) vivc, pn ra fazer

4}
com q ue os cidadãos se sintam coproprierários do pasM ,l ,1111, algumas vezes, tornando-se irreconhecíveis. Assim,
traumático do país. 8 , lui Dawkins, os materiais cu ltura is sobrev ivem se eles se
Sistemas de co11hecimcnto e de memória intermeclillr n 1111 popula res. Eles precisam ser "realizados fisíc,l lnente"
ou em sobreposição constituem um a mp lo espec tro, que I" j07 ) 11a arena públ ica . Dawkins dir ia que o movimenro das
combinar as o perações do ·' perma nente" e do "efêmero~ 1 l1t·~ era um meme que se tornou p o pu lar. Os m ovimentos
maneiras d iferentes. Cada s isrema de conter e transm itir con ; direitos humanos por roda a América Latina, no O r iente
cimento excede as limitações do outro. O "ao vivo" nunca J" ,llo, 1>:1 antiga União Soviética e em outras áreas começa ram
ser contido rio arqu ivo; o arquivo dum mais do que os lim1 ur,•i.;ar forografias de seus desaparec[d os.
do uao vivo)). • 1 l>NA da performance d ifere bast ante do que Joseph Roach
O DNA da performance, emão, conta com dois sist~n ,1111111 de "genea logias da performance". Ao refletir sobre a
heuríst icos, não apenas o biológico e o performa ti vo, 1 " 111i,sâo da memória culrural, Roach explora
ta mbém o do arquivo e cio repertório. Esse acoplamento n•I
noções colon iais de que o arquivai e biológico é ma is durad1111 utuo a cu lrura se reproduz e se recria por meio de um processo
ou exato do q ue a prática performática incorporada. A111l 1•01lc se r descdt0 pela pa lavra sub-rogação . Na vida de uma
os siste mas bin ,ír ios se mostram frágeis sob o ponto de ,, 1111,l.,dc , o processo de sub-,ogaçiio não começa e termina, mas
indi vidual, pois são ambos susceptfveis à corrupção e à deter r 11111.1 =1 medida gue ocorrem vacâncias rea is ou pert:cbidas como
ração. O biólogo Richard Dawki ns oferece uma contribui~ ,. 1r Jc Je relações que t onstitui o tecido social, :--Jos vazios criados
importante para se pensar as formas genéticas e cultura, , (lc· , ,la por meio da morte ou de outra forma de p,utída (... ) os
t ransmissão, bem como o arq ui vo e o repertório: os 1·eplica,lo , 1vc11rcs buscam colocar alternativas satisfatórias.11
cu lturais que ele denomina memes (termo criado para cvt
imitaç,fo, memória e a palavra .francesa même, bem co , cmplo é: "O Rei está m<>rro, vida longa ao Rei."
pa ra ter o mesmo som que gene). Entre os exemplos de mf1 \ ,11li-rogaçã<> pode explicar inúmeras reiterações que incluem
incluem-se práticas incorporadas e formas de con hecimenco q , 1rduç,io: ao invés de dois indivíduos rea is, temos um só Rei .
eu associo·com o repertór io : "me lod ias, ideias, slogans, mnJ 1,, de substituição apaga o antecedente. "Rei" é um papel
de vestuário, modos de fozer panelas ou de construir an:1> 11111to, que dura índependenremente <l<>S m ui tos indivíduos
Apesar de ser um cientisca, Dawkins desafia preconceitos 1111s~,1m vir a ocupar o trono. O l1\()delo de sub-rogação
va lorizam a permanência do a rquivo e do científico n,1
1h.1 ,1 wntinuiclade, aparc11remente ininterrupta, em lugar
do repertório. Em geral, nem materia is genéticos ind iv1tl11 111111 que se poderia ler como rupt ura, o "um" reconhecível,
nem materiais memétic.os duram mais do que e-rês geraçm 11111M das pa rticula ridades dos " muitos ".
Os liv ros se despedaçam e as canções são esquecidas. A, 111hur.1 seja imperat ivo co nsiderar a performance com o
a longevidade, sozinha, não gara nte a transmissão. As '"' 111 ,1r1cn que persiste e que pa rticipa ela trnns missão do
desaparecem, tanto do arquivo qua nto do repertório. A "h h , 111wnro e da identidade, é igua lmente urgente obsen'at os
]idade da cópia" rn mpouco pode responder pelo trou~nllt , 111 q111• n ~uh-rogqçiio como modelo par.i a continuidade
isso também se mostra errôneo, 1:11110 no caso dos f1Cnc1 q1111 1" d, 1 t'!('lt.1tln pn·d~n111t•nrt· porq 11 e, corno nota Roacb, ela
dos memes, cio 11rquivo r cio n·111·11111111 A, ídrin, e• .1, t•vu l1•11, 1li1l11, o cul,,p'<• d1• l1íl,tçcw, hi~rórica ~ vitai:, e mudnnças

'11
políticas. Caso se veja a memória c ultura l como algo con111 "alegações - ~s genéticas e as performácicas - funcionam
pois conta com a sub-rogação ou a rejeita, ela pode deptr 1• A relação não é simples mence meta fórica. Ao invés disso,
do observador. Há muitos exemplos, na h isrória colonial ~nibas como sistemas heurísticos inter-relacionados. E las
Américas, de colonizadores e evangelis tas se apegando 11 modelos ligados e que se susten tam mutuamence, desen-
crença nas substituições bem-sucedidas (com seus valor tilm pelos humanos para refletir sobre a transmissão de
imageos suplantando os "pagãos") quando, de faro, havia" 1, , 1111ento. Além disso, elas funcionam das duas maneiras.
rido uma mudança e duplicação perfonnácicas, preservan,1 pct:ialistas forenses têm, há muito tempo, cont ado com
não apagando, os anrecedemes. Umá divindade "pagã" r 1111•,c11tação, a performance e a apresentação ao vivo para
continuar a existir dentro da imagem catól ica cujo objetivo, 11111ir mn entend imento de seus achados. A foto na Figura
substiwí-la. A estratégia de usar fotografias cios desaparc~1 \11 ,1wmia do terrorismo", most ra o uso da fotografia como
que liga esses vários mov imentos é cambém nma maneii, 1 11<1 ,1 durante o Julgamento dos Generais em 1985. A sala
rea lçar. e oão de preencher, aqueles espaços vazios crin , escuras; o "pC1blico" está sentado de frente para uma tela
pelo desaparedme11to. Pensar sobre um DNA da performn 111.1d.1; um "diretor" pede às pessoas para focar a atenção na
ajuda-nos a focalizar cerros tipos de transmissão que recusu , .1fill e.lo crânio trincado. As balanças da just iça, entalhadas
sub-rogação. O uso dessas imagens s11gerc, como acontece L ~,f,•1r:1 de encosto alto à esquerda, prometem o processo
a análise do DNA, que nada desaparece: cada ligação es1,1 111, A demonstração produz mudança social, pois os que
visível, resistente à sub-rogação. Avós, mães, os desapace"
., r111 scrYiço têm o poder de julgar. As ex plicações científicas
e os filhos destes estabelecem uma cadeia na apresentaç.11 11ruv~s", as apresemações de fotografias, dependem, para
reptesenrnção, e por meio delas.
1lid,1dc, da maneira como são apresentadas e observadas
111Ji e pelo juiz. A natureza teatra l dessa apresentação não
11f6rica - ao invés disso, ela profere a própria alegação.
11111~ n~o fo Iam por si. O caso tem de ser apresentado de
, 11,1 cn,wincence. Do mesmo modo, pensar sobre um DNA
1, 1lormance significa q lle a performance contribui para a
1 d,1 própria alegação.
lmografias usadas pelas Abuelas e Macices e, mais tarde
111mlo bem diferencei , pelos H.I.J.O.S., apresentam um
,l, prova ou evidência da existência de pessoas nelas. E las
,111 11111 papel arquivai e performárico vita l no início do
1111<•1\lu, 1111 ausência de outras estrururns sociais e l<:g,1is que
, 111 repa rnr os crimes conrra a humanidade cometidos
l 111~'" Armados. Como o DNA, os documentos de iden-
1 1111 ,1111 [>ilr,1 c%1helcc<:r o cn rátcr único de cada indivíduo.
4S. F..srn foro. "'An:uomi., do tcn·1mimu•. m01ricr1t o U•Q d.t tn1()MtifJ14.t1111111·•
dur;m1c o Julg.1111cmo d41'1 \lmrr~I ti 1'lil l I h 1)a111 ·I Mu,ln. , 11·, l1111t1.111m r1111u..1 111111 r~11r.1111cnU' u mesmo DNA,

l·lt, l1
mesmo que nossa constituição genética compartilhada pos~ 1 n,csmo modo, essas performances mudam o meio a mbiente
suficientemente forre para ligar rodos nós à Lucy pré-h istor IClpolítico, mesmo quando se desenvolvem dentro dele. A
Como o exame de DNA, os doctrn1entos de idenridade cm li 1rmação tra nsmitida por meio das performances, como a
servem para identificai· os estranhos em relação ao Estn, ,, nuçâo genética, aparece numa forma altamenrecodificada e
Normalmente categorizados, descontextual izados e recolh , 1·111 rada, mas emine11reme11te legível. As imagens funcionam
em arquivos oficiais ou policiais, esses documentos conCt 11c1 marcadores, identifica ndo um movimento inteiro.
poder governamenta l sobre o cidadão "marcado". Fotogrnl • ! protesto performático com a utilização de fotografias
em condições de similari.d ade absoluta - fundo branco, 1 ,·111 si, um exemplo de adaptação ao conrextO político. Na
fronta 1, os ca belos penccados para trás, as oi-elhas de 1, 111 ina, o documenco de identid ade tem tido um papel central
nenhuma joia ou bijuteria - as diferenças individuais torn• ,,i u:is táticas das Forças Armadas quanco nos protestos por

·se ma is acessíveis ao escrutín io e à "identifícaçiio positivn r,• de pa rentes dos desaparecidos. Quando rodo um grupo
enquadramento estreito impede qualquer informação adicio 111,hvíduos (classificados como criminosos e subversivos) foi
contex to ou rede de relações. As imagens parecem natur,11 11cla das ruas, suas imagens nos arquivos desaparecera m
precisas. Emretanro, são altamente constru ídas e ideológ,, 1 ,•lcs. Embora o governo afi rmasse não sa ber nada sobre as
isolando e congelando um indivíduo fora do âmbiro de IJU Cl,I\ su midas, testemunhas asseguraram que viram funcio-
quer experiência social significativa. As imagens tendem ,1 111, destrnísem documentos com fotos e outras imagens de
organizadas em categorias não a filiadoras - isto é, os indiv1cl , 111r1ros sob seu controle.'J As fam íl ias dos desaparecidos
podem ser classificados como criminosos ou subvers ivos, 111 ,h1•on declarara111 que membros das forças-ta refas militares
não como membros de u1J1a família específica. t 1u1militares invadiram suas casas e roubaram .fo[Ografias
A fotografia e o DNA certamente oferecem provas ra<lii. 1i.1wvítimas, mesmo depois de terem ''desaparecido'' com
mente diferentes de "presença", pois cada orna torna vi&I 1 rnprias vítimas." A ideia, supostamente, era qlle, fazendo
o qlle é totalmente inacessível à outra. Não podemos tcst,1 p 1rrcer as evidências documentais de uma vida huma11a,
DNA de uma fotografia, do mesmo modo que não pod~r 1 pos, ívd apagar todos os rastros dessa própria vida. Essa
reconhece.r fisionomias ao ol ha r· para ôs nossos genes. Porr 11ri;1:i funciona co1110 a imagem negativa do que Roland
tanto o DNA qua nto as forografias transmitem informn~ 1lr1•, chamou de "credibilidade especial da fotografia"."
altamente codificadas. Corno o DNA, as imagens e estrau·11 , , 111r a fotografia seria destru ir a credibilidade ou a própria
cransmitidas por meio dessas performances panem de ma1cr ,. 11";1 de um a vida. T,rnro as \,fadres quanto os militares
a nterior, repl icando e transformando os "códigos" recehitl 111111 - cada um a seu modo - a fé na fotografia como um
Nem todo material genético é reutilizado- um a parte é incor I' 1m.:11lar de evidêni;i,1.
rada seletivamente e outra é descartada como "refugo de f)N )11111do a~ Madre~ fornm para as ruas para tomar os desa-
Além disso, o DNA não dita o determin ismo biológko, Esw1I 1111c-nt11h vlsívei~, elas ativaram as fotografias , performa-
recentes têm demonstrado como o DNA é capaz de 1t1<Hl1i1 ro,I,, •~. A 11ecc~sidndc de mobilidade, áliada à importância
códigos, em lugar de simplesmenrc trnnsmiti· los, dur.1111 1 ,),1hd,11 I~ p.1r;1 ~e ver 11 d i~to ncio, determinou a escolha
processo de adaptação cull'l1rnl por nw111 do wR NA 111u11,,1g,·1r, ,, t 111·, 111utt11 r.r,111dc~, port•m lcveq, p.1rn serem carregados

211
pelas mulheres em seu desfile ao redor da praç,1. Essa per/
mance, como todas as outras, precisava atrair a atenção 1
observadores. Será que os espectadores nacionais e in tern
dona.i s receberam bem essas ações o u desviaram o olhar?
usar pequenas reproduções dos documentos de identidade
pescoço, as Madres rrn nsformaram seus corpos em arquiv1
preservando e exibindo as imagens que haviam sido a lvo
uma tentatil'a de apagamento. Ao invés do corpo no arqu1
associado a est ratégias pol iciais e de vigilância, elas encenMd
o arqu ivo no/sobre o corpo, afir mando que a perform:11
incorporada poderia tornar visível o que havia sido purgado
arquivo.' 6 Vest ir as imagens como uma segunda pele real,
a relação afiliadora que os mil itares buscaram a niqu ilar.
Madres criaram uma imagem epidérmica, em camadas, sol,
pondo os rostos de seus entes queridos a elas próprias. E•
corpos, como as imagens deixaram claro, estavam ligados-e
termos genéticos, de afil iação e, agora, certamente, polítíac
Essa prática representativa de indexabilidade espelhava a pr1Ítl
mais científica realizada pelas Abuelas: estabelecer a liga\
genética entre os membros sobrev iventes da família e as crian~
desaparecidas ao in vestigar o DNA.
As Abuelas, por sua vez, retomarnrn as estratégias rcprc~
cativas usadas pelas Madres pa ra desenvolver mais o uso
fotografia na busca pelos netos desaparecidos. Elas continutlr,t
a util izar os exa mes de DNA para procurar essas crianças,
mesmo tempo que começaram a se iundamentar na fotogr.,t
Em uma exposição recente, Memorid gráfica de A/melas de 1'(,1
de Mayo, no Centro Cultural Reco.Jeca, em Buenos /\ ires (,11
de 2001), elas exibiram as mesmas fotografias que as Mn.l
haviam mostrado em suas manifesrações ao redor da r,111
Aqui, as fotos eram organ izadas em unidades fami liares: as fn
do pai e da mãe desaparecidos. Ao lado, porém, colocava m u
espelho em lugar da foco do filho dcsapa reciclo. Ao olh.1 ,. p4
'"ªº UI' eu~,e:lho, junto :h im.igcns dos des.iparecido:. na expo!;ição de fotografias
/11" i/t \luul," ti, PlatlJ dr Mayo, no Ccnuo Cuhu.tal Rccolct:l, em Buenos Aires
o espelho os espectadores prccisn m se pcrguntor: ,qn11 cm u •J l1>r,11 u, r1pti;(J\lt11'c:i ii 1c pcrgun1tarem: (':Usou sc11 Íllho dcsup.ttecido?
1 tct,I , , e. rchdu por 1'11ul1 $1g.a11c•m1h
filho(a) desaparecido(a)?

H I
Nas Figuras 46 e 47, mãe e fil ha cam in ham pela exp(
ção. Embora uma exposição de foros pareça pertencer 11·14
ao arquivo do que ao repertório incorporado, esta funcio
como uma inscalação pcdom1ática que causa choque e, co1
é esperado, algum nível de reconhecimento. O próprio espa
do museu transforma-se em um ambienre de rrauma politi,
mente assombrado, mas bastanre vivo. A instalação deman
participação e identificação "ao vivo". Não se pode a11dar p~
exposição sem se sentir preso no interior dessa moldura.
mesmo a fotógrafa, como essas imagens iluscram, se vê rcfleu
e incluída nessa mostra que não petm ite que alguém a veja
fotografe sem se comprometer. O cspecrador pode não s~r
criança desa parecida, mas 500 continua m " desaparecidu
Estão em jogo questões de memória e identidade pessoal,
mesmo nacional. Como dizem as Abuelas, "Encontra rlo5
encomrarnos" [Enconrrá-los é encontrar-nos]. 17 A memótl
como a exposição das Abuelas deixa claro, é uma prática pol!t
ativa. "Quando nos perguntam o que fazemos, nós podeu
responder: nós nos lem bramos." A memória traumática in1
vém, alcança-nos, agarra os espectadores despreven idos !'
coloca di retamente dentro da estrutura da política violenta.
espelhos lembram os espectadores de que há diversas mao~1
de "estar lá". O DNA da performance coloca participam,
espectadores na li nha genea lógica, tornando -os herdei ro~
uma lura contínua por identidade e definição nacionais.
Como as Abuelas e as Madres, associações que politizam
laços de afiliação, os H.I.J,O.S. enfatizam a identidade do gr11
como organizaç,"io baseada na coosanguinidade biológica (sc111
reduzir a ela).' 8 Do mesmo modo que as Madres se consid~t
mães .sociopolíticas de todos os desaparecidos, os H.T.J.O.S. h11
para assegurar justiça para todos os desapa recidos lev(lnti11
crimi,1osos a julgamemo. "J uicio y castigo" [Justiça e p11111\
é seu lema, e seus olhares estão cbramcntc dirigidos ao~ rçp Ju' M 1i11r• \11111 (oct,~ dt •• de1:.p:irccidos ~ssomhrnm ~ prárk:a Je pro tcstQ.S
IHI M "''"º 1t'tlcll '
sores. A mcmóda, pnrn n 111niorin dus jovens que crc~C'é11,1•111
pai.•, é <lc ccrm modo um pi 11J1•111 p11l1rkn,

'1
Como as .Madres, os H .I.J.O.S. continuam sua luta contra t1h11le de confronto em sua utilização ele técnicas e do espaço
impunidade e o esquecimento por meio da utilização altamcu ,1l1lico. Eles podem desafiar dir;eramente os criminosos e trazer
visível do espaço público, usando seus corpos para humil har lw :1 política criminosa da Argentina - desde méd icos pouco
que esrão no poder. Como as Madres, os H.f.J.O.S. se enco11tr,1 ,nh~cidos que auxi liavam nas sessões de tortura, até a CíA, ou
em horário e local predeterminados para executar seu protc 111í.1me Alfredo Astiz, conhecido como "Anjo ela Morre", q ue
em massa. Eles se movem em conjunto, gritando, cantando 111fifrrou no grupo das M adres e matou 14 delas; ou mesmo a
dançando de mãos dadas para cria r um anel de proteção nl.1 das Amér icas, operada p elos Estados Unidos, q ue treinou
redo r dos manifestantes, mesmo e11quanto eles proferem su ,111rndores; ou aos infames Campo O límpico e Plano Condor.
denúncias. Parte das características visuais de seu ativismo ' ,·~.:raches têm o objetivo de a umentar a consc,ência pública
parece com o das Madres: a t1t.ilização da longa faixa horizo •1uc rais crimes, criminosos e organizações criminosas impunes
ta l corno nome do grupo e as grandes fotos dos desaparecid ,n,nua m a existir no contexto de uma suposta volta à demo-
estampadas nos cartazes (Figuras 48 e 49). 1, 1.1. As políticas econômicas neol ibera is da América Latina,
Entretanto, sua performance, de faro, parece, dá a impre~~ 1111do eles, simplesmente continuam as potíti.cas econômicas
de ser muito diferente. Enquanto as Abuelas e Madres 1~ ditadura em aparência mais moderna.
expondo os militares desde que começaram, a encenação era d1 (), 11.l.].O.S. também prometem continuar: "Si no hay juscicia
rente: elas preferiram focar suas reivindicações nos desaparec1d 1•,Lrac he" [Se n_ão houver justiça, va i have1· escraches). Dois
{e, por extensão, acusavam os militares), ao invés de diretamt'n 111111 jogar o jogo da espera. As Abuelas e Madres, que estão
tornarem públicos os nomes de pe-ssoas e organizações. Sair r 1 , ,•lh('cendo, produziram a próxima geração de arivistas. Os
os cantos escuros de Buenos Aires durante a "Gue.rra Suj a" te 1 1 J,0.S. também continuam a usar as fotogra fi as de diversas
se mostrado um verda deiro suicídio. As Abuelas e Madres, 1 111~1r:is - eles caçam fotografias recentes de seus alvos militares
necessidade, tinham de fica r no lugar ma is visível da Arge111I , 111,nr em seus escraches e suas publicações. Não surpreende
e de enfatizar a natureza tradicional (de não confrontação) ••Kora sejam os repressores militares os primei ros a queima-
suas demandas; elas se apresentavan-1 como mães inofcns,v '" ~u,is próprias fotografias,enquanto luram para modificar sua
procurando seus filhos. Embora os H.I.J.O.S., como as Aburl m 111cia e reinventar su.as identidades. Parafrasea nd o Barrhes
e .11.fadres, admitam ser motivados por sua perda pessoal, e unente: elimina r a fotografia é eliminar o cr iminoso/o crime.
agem a partir de uma posição de alegria e esperança.19 Ao in ,nrmbros da H.IJO.S. seguem s ua presa e, furtivamente,
do protesto e do luto ri tua lísticos das Mad res, con finadas à Pl 1111 fotos deles quando não há focografias xecenres disponíveis.
de Mayo, os H .T.J.0.$. organizam escraches carnavalesco, 1111~ podem dizer que esse é um exemplo de como a orga-
atos de execração pública. A pa lavra escrache é etimologicnme ,, lo herdou est ratégias usadas pelos militares, bem como
relacionada a scrace = expect<>rar, significando aproximadam ",, ,,. ntivisrns usados pelas Madres. Afinal, os H.I.J.0.5.
"expor"-'º Alguns entre os H.I.J.0.S., agora na casa cios 20,111 , 11• 1wrp1•1 rnclorcs como alvos; eles os seguem até suas casas
gostam do esforço físico que caracteriza sua rnnrca de a1 iv1~1 ,1i11·\,lm p;ira que se sintam observados e inseguros onde
Por terem entrado na nrenn p1,blicn mnis de uma d6codo tlrJ• , ,,~,· 1·~11•j11m. Pie~ orquestram um~ guerra de relações
da queda dos milhnrc,, rl1•ij rmkm 11• rlnr :10 l111rn dr trr 111 1 lt 1-.11111r.1 ,r11H t1lltn111m, do mc~nrn modo c:omt> os militares

,, 1
convenceram a população em geral de que suas vítimas t
guei-rilheiros perigosos. Mais ainda, suas táticas servem
ident ificar indivíduos responsáveís por graves crimes con
a humanidade. A inter rupção performárica, apesar de ino
tuna , não ameaça a vida deles. Os H .J.J.O.S., como as M.1
e Abuelas, exigem justiça institucional, n.io vingança partic li
Outro usú da fotografia é muito mais pessoal e relacio11
às dimensões mais individuais e privadas do crat1ma. Eml
os H.l.J.0.S., como as Madres e Abuelas, não realcem a 1)(<
e o trauma individual e pessoal, o trnuma os define, não ap,
como indiv[duos assombrados pela perda e pela dor, mas 11
um grnpo formado em resposta à ,mocidade. Alguns mern
fazem colagens e instalações em que inserem sua própria 11
gra fia ao lado dos pais ausentes. Essas novas "focos de farnl
certamente dão uma sensação de proximidade e in timidadt li
que eles, na real idade, perderam.
Como indivíduos, alguns filhos dos desaparec id"
Tucumán posaram para urna série de 33 retraros fcit(>'
Julio Panroja, um importante fotógrafo argentino, que 1<>1
essas imagens seu próprio aro de protesto face à imp11111tl
política vigente. Ao serem convidados a se represcnrarern,
qu isessem, esses jovens descre1·eram s ua luta com sua pr,
história e se situaram em relação a seus pais e às víol,
rupturas criadas por seu desaparecimertco. Das 3.1 foro111
da coleção, 12 dos retratados posaram com uma foto ,1,
ou da mãe desaparecidos. A cemralidade das fotos ev11l
uma profunda verdade pessoa 1: esses filhos apenas con lw,
seus pais por foros. M uitos têm agora a mesma idade J.,
à época de seu desaparecimento (Figurns 50-521.11
Esses retraros ilurui11am a espectrologia política que cu 1 50. S I, 52. Estes fi1hos de desapa r<'<;t<ios
conhctc-r,1m seus r:i1s :1penat por fotoiv·aflas.
no escrnche. Neles, os jovens segtu·am foros da gcmç~o ,1111 \lfuuns ,êm ag1;m1.1111ehm1i<Llde.que seuspais
de jovens. Os rosros em a mbas as forngrofias (us de P.u1t, ,, 1aui.ndu c-~rf"> dc"i.:ip.1rrcer:u c1. Exposi~âo de
foro- (I(' JuBo l\')n1n j,1. '·Loc; 1lijos, Tu.::umán
que os rerrar<1dos estão segura ndo) exii:em 11in sc11u11du ui .,.,.nrt' 11ilc>t dttpuo". Tu~um,in, 1999.
1-i.,. JPl1t, J\11l1u1 1
As fotos dos desaparecidos, surpreendentemente, parecem r, 1pnrccet nas manifestações depois que as l\·fadres pararam
esperançosas do que as de seus herdeiros. logo, os filhos - , 11 µrande parte) de o rganizar as delas. As Madres continuam
serão sempre conhecidos como filhos dos desaparecidos -sr 11 .1r a pequena foto do documento de identidade, dentro de
mais velhos do que seus pais, Os ret ratos, entretanto, iud i, 1 lm·ólucro plástico, em seu pescoço. As grandes imagens
q ue os filhos, ranto genética quam o visivelmente, resistem c,11·tazes, contudo, pertencem ao passado. O obíetivo das
esforços da sub -rogação. Em bora mu itos dos filhos idea l!, 111lr1·s agora é não tanto apresentar evidências da existência
suas mães e pais desaparecidos, eles não assumirnn, a lura dt ,bapa recidos, mas principalmente denuncia r a política de
de nen hu ma ma neira direta - exceto como luta pela justi~ 1n111idade. ''Sabemos quem os desa parecidos eram", di ssera m
pelos d ireitos humanos. Ao invés d isso, eles assumem seu lu ~lndrcs ci.u an do mudaram sua estratégia em 1983. "Agora
em uma linha que indica ruptura e continuidade. O lugar 11111~ ver q uem eram os 'desaparecedores'."
membro ausente d a famíl ia está reservado e tornado visível
meio da foto. Em quat ro desses casos, os filhos escolher
as mesmas fotos usadas pelas Mad res em suas 1h a nifestaiô -..M
Cada foto 3x4 tem uma história recon hecível. Nessas fotos, ·'
pa is reapa recem como desaparecidos. Ao inclui r essas imai;
particulares em seus própr ios retratos, os filhos reconhc1
não apenas a existência de seus pais, mas ta mbém a Justo
vio lenta da luta política q ue cerca as imagens dos desap,,
ciclos. D ifere ntemente das fotogra fias de família escoll11J
pelos outros oito filhos, essas quatro são enormes, cortad11
montadas para serem vistas na arena pública. Usadas antc11
mente como armas numa guerra de imagens, as fotos (com
perda violenta) se mostram impossíveis de domesticar. Como
Mad res, os filhos lutam para retom ar a posse das imagens e f'4
recontextualizá-las, seja rein t roduzindo-as no espaço domé~t i I J,C > S. usam :impliacões das fotos de docume.nros dos desaparecidos cm su,1$
seja segurando-as de encontro a seu própr io corpo. Eles, corno f 11\Õc,. 2000. Foto: Mariano ·re.aldi.

Madres, tornara m-se o arquivo vivo paradoxal, a casa incpr


rada dos "restos morta is". Vemos o passado reiterado não 1,1 1 1 l.l.J,0.S. , por outro lado, nunca procuraram apresen tar
nas fotos, mas no posicionamento dos própri os fi lhos. 1 1 11,1ns do mes mo modo. Eles emra ram na arena política
como as Madres, representam-se como o conduto da menu 1, • H'IHPO depo is de as Madres terem declarado saber "quem
É interessante notar que os H. I.J.O.S. às vezes usum "' 111 desapa recidos». Eles nunca precisara m provar, como

documentos de identid ade amp liados dos desaparecido• 111h1·~. que seus entes queridos estavam desaparecidos. Sua
seus comícios (Figura 53). Acho interessante a uliliZí\Ç,ln •~ 111 1-1,ll fotoizrafíns reflete o poder do repertó rio, mais
mesmas fotos recc,n hecíveis dos d~~opnrccídos nos c~crnchc 111• d11 ,1n1u1vn, 10 que se trata de 111arcar as continuidades
H.f.J.0.S., priJ1ci.pa lme 11 tc cun,,dc, ,rntlu ~i· qur clna COl11<"VI J ri1111 ,1111wc•, «' n,tn ,u,1 1dc11tít11:ação pos itiva. Quando

~J
os H.I.J.O,S carregam os documenros de identidade ern su 11calogia da performance proposta por Roach, que considera
maniiestações, eles indicam a contin uidade de Lun travescimen li\' um lugar vago é preenchido por meio da subsrituição de
poltcico: o fato de que os repressores não fornm ptulidos. 111:1 figura/pessoa por outra (0 Rei está morto, vida longa ao
grupo conseguiu a lguns ganhos; por exemplo, o médico visal , ,), o DNA da performance, como o da fotografia, demons tra
por seu papel nas sessões de rortura perdeu seu emprego. Alé , onrinuidade sem a sub-rogação, Um elo específico - embora
disso, Astiz, por enfrentar pedidos de extradição por parte u-.·nce- pode, e precisa, ser identificado para q ue a genea logia,
diversos governos, não pode deixar o país; "em casa", a sima~. 111 como a den úncia, tenha sen tido.
se tornou descm1fortável e seus movimenros estão restri tos. P ,\ performance, então, funciona na transmissão da memória
ter sido alvo de escraches repetidos (sendo que o mais notá, 1111nácica, inspirando-se em tUll arquivo e repertório de imagens
aconceceu na própria sal.1 do tribunal), ele simp lesmente n 111 urn is compartilhadas, ao mesmo tempo que os transforma.
consegue encontrar um lagar para se esconder. A Argen.ci, 11 prorescos performát icos funcionam como um "sintoma" da
recentemente pediu a t~Xtradição de Pinochct para respond 1.imia (isto é, represenraçãoJ,como parte integrante do u·al11na.
a acusações por seu papel no Plano Condor. Tortnradore, 1, , rambém defendem urna distância crítica para fazer uma
assassinos não poder iam escapar da jllstiça, seja cm casa, se 1v111dicação, afirmando laços e conexões enquanto denun·
no estrangeiro. Pmém, fo lra muito a ser feito. , 1111 ,,taques aos contratos sociais. Como o trauma, o proresto
Ao carregar os documencos de identidade em suas manif r!ormárico intromete-se, inesperado e importuno, no corpo
tações, entrernnto, os H.I.J.O.S. apontam para a con tinuid11 1.d. Sua eficácia depende de sua hab ilidade de provocar reco-
de uma prática representativa. Eles estão "citando" as Madr h,·, 11nenro e reação no aqui e agora, ao invés de contar co m
mesmo q uando reconhecem out ras influências, como as imagc 11•,· prclação passada. 'Ele insiste na presença física: só se pode
carnavalescas de Goya. Como as Madres, eles levam as fotos m,cipar estando lá. Sua única esperança de sobrevivência ,
arquivo e as remobi lizam duas vezes, sinal iza ndo tanto o 11 11110 diria Dawkins, é que eles se [ornem popitlares; O\ttros
arquivai do documento de identidade quanto o uso performa t1 •nt i11m1 rão essa prática.
associado com as Madres. As fotos arquivais são nova111c11
performa tiza das, mas agora de uma maneira m ais complic11
que sina liza várias práricas representativas, bem como as pr,1
cas políticas claramente definidas. Em minha opinião, as for
servem, cm cerro sentido, como "marcadores de lugar", istt,
como uma forma de assegurar o lugar dos desaparecidos iOD
cadeia genealógica. Elas constimem unta garantia de que
desaparecidos 11iio serão nem esquecidos nem "su b-ro&ado
:N'inguém mais to1nará seu lugar. A focografia na Figur,1
~
roo
coloca os rostos ern camadas, fazendo com que todos ~l'I
vistos parcialmente, para reforçar a ideia de que nnda dcsap,1rt
Os H.l.J.O.S. continuam a linha gcnérlcn ti, ,Hé <:orto pon
a trajetória política de desnfio lh,11n,111do .1 ,lft'll~.1u I' u
i•I • l 1, ti r,,.--H-111í, \{l\.~ tttii 11t1ui''. 2000.
violência da~ rupti.irJ,. ' D,I, '""" 111, nh d,1 füh ro11,1~11n 1 1111 H 11,loi J lu C,r~IJ"(i Am1 r.a1Jc1cto.

J~ll
finalmente, esses protesto 5
trauma ~ .
0 ececem outro aviso. Com t d
f •.
per ormaricos induzidos 1
, lf .
7
organizada pelos sobreviventes -Abºue~;: e~a; na açao colr
esses grupos são os . . , ' a res e H.I.J.O
não podem ~squecer":~:1e1ros a lembrar os espectadores de
, d d' papel no drama (Figura 54) M .
nos, e JCados a essas '
f0 1.mas de perfor · um,
co111 elas ~ ,. mance ou compromcn
' nao somos vmmas b .
que não quer dizer c1ue • ~~o reviventes ou ci-iminosoH
, . nao teimamos u I d
das violações dos d. · rn pape no rama glo
U'e1tos 1iumanos A "G S .
pela CIA e pela Esco.la d Am, .' . uerra u1a "' pr(m1ov
as encas e or · 1
trabalho do PI C . .· gamzac a por meu,
ano ondor tor ve d d · . .
Assim o DN li. d
'
f
' a per orrnance com
' ª r eira mente hemisfér
. . 1 NCENANDO A MEMÓRIA TRAUMÁTICA
pode expandir ao inve·s d 1· ., o a pesquisa biológica ur
' e im,tat nosso se 111·1 (11yac hkani
conectad . d . , ' ·' mcnro de esta li
os. to os nos co111parrill1a mos u
materiais genéticos cul . •. · ma grnnde parcd~
está ·,, ' rur.a,s ' po1mcos e súcL ·oeconom1cos
• · "
aqui marca não apenas o es d . , 1 I m seu. trans·e, uma cmnponesa a.ndina, Coya, vê duas forças
também ambiente . · paço ª performance, 1111/indo, destrrii11do tudo. Quando Coya, traumati.zada, fala
O co1et,vo ele trauma q d' .
que nos afera. Estamo ( d ) . ue se mge a rod, 111 111w viu., ela transmite sua angústia à irmã, Hu.aco, e ao pai
s to os aqui.
1,/,g, Paf1ai. Em sua visão, um exéreito maltrata a popu.laçiio.
1,l1111,1stação é completa. Os cadáueres "desapareceram", assim
1110 a própria vida: "Ningún cuerpo quedaha sobre la tierra, y
Irdes ya no estaban más comnigo." /Não havia. corpos sobre
trrra e voe.és dois não estavam mais perto de mim.] Seu pai
mbra às mulheres que elas precisam procurar as sementes da
lo. 1\ tarefa parece ao mesmo tempo aterradora e ridícula: "Ei,
Jlrl'Senciei tantas mortes", diz Huaco, "e você está me pedindo
1111 ir firo curar as sementes da vida?"

111rari11os mascarados, de tradições performáticas pré· e


/11~/1111Jicas, aparecem no palco e lut,1m ferozmente pi/la
//1w11r h1 snl,rc os campo11eses - demô11ios dançantes e arcanjos
1/t ido~ co111 trombetas como mosquetes, transformados ent
.,,, dr /mdrr (•11lo11qu1•cirlas. Os arcanjos lutam pela posse
,1/111,11 ,/tJ; , ,1111/umi·st•S 1111 ''Ja11t a dt• la d1abh1da ", ou dança
do diabo, da Fiesta de la Candelaría em Puno. Essas dan n~amento orga nizado, especia lmeme q ua ndo se pe11sa
representadas anualmente há ceJ1.tenas de anos, contam u hrr o 1n1u nw? A noção t ransitiva de memór ia incorporada
história tão antiga quanto a Conquista, tão recente qu,1 umida em "Yuyachkani" - o "eu estou lembrando/cu sou
a violência criminosa associada com o Sendero L11mincm u pensamento" - implica uma compreeirsão relaciona l e não
Caminho de Luz. Os camponeses morrem, mas não antr l1v idualista da subjetividade. Coya, a sobrevivente ind ígena,
encontrar as sementes da i•ida. Eles jogam algumas no sot 111 ,1 uma visão de aniqu ilação que é, e não é, sua. O "eu" que
entregam o restante nas mãos do paciente Equeco, 11 figur., 11h1·;1 é simultaneamente ativo e passivo (sujeito peusame/
boa sorte do folclore andino, que termina a peça como ri 1 110 do pensa mento}. O Yuyachkan i, uma cooperativa de
começou: "estas sementes foram dadas a mim por uma m11/ 11, o, vê-se incluído - tanto como produto quanto como
que me contou uma históri(1 (...). ~ 11l111or - nos vários modos de transmissão cu ltural em um
1, ct11icamente mist urado e complexo. Nos últimos 31 anos,
1upo participou de pelo menos três luras pela sobrevivênc ia
A peça Contraelviento [Contra o vento] foi criad3 1
1 1,onecrada~: a d() Pern, atormentado por séculos de conflito
mais imporrnnce grupo de teatro do Peru, o Yuyachka111 1
11, .1 das diversas práticas performáticas qne foram obscu-
1989, no auge do conflito civil mais recente do país. Ela nl
id,1, (e às vezes "desaparecidas") em uma cultura dividida
o testemunho de um sobrevivente indígena do massacre
1 ilmc11te, apesar de ser mulriétnica; e, finalmente, a luta
Soccos,Ayacucho, cm 1986. "Em quéchua, as expressões 't,
prnprio Yuyachkani, formado por nove artistas q ue, por
pensa ndo', 'escou lembrando', 'eu sou se u pensamento'
1.l,is, têm trabalhado jumos a despeito da crise política,
traduz idas por apenas uma palavra: Yuyachkan i'', o renon,,
,1,11 e econômica. Ao adotar o nome quéchua, esse grupo de
comentador peruano, Hugo Salazar dei Alcázar, observou
1, 1.1 9 "bra ncos", mestiç.os e indígenas sinaliza seu compro-
um de seus muiros textos sobre o grupo de teatl'O 'ú1yachk.1
u com as popu lações indígenas e mesriças e com modos
O termo "Yuyachka.ni" ind ica o conhecimento e a mem
,,nhece r, pensar e lembrar compléxos e transculrnrados
inco rporndos, borrando a li nha entre os s ujei tos pensante,
11110~-cs paohóis). O Yurachkani busca tornar visíveis uma
sujeitos do pensamento. A reciprocidade e o caráter consti ui
1, e uma epistemolog ia mu lciétnicas em um país que opõe
mútuo que une. o "eu" e o "você" não significam uma polí1i. 1
t1111111idadc e etnicidade, letramcnto e oralidade, o arquivo e
identidade compartilhada ou negociada - "eu" não sou "vo.:
1·••t1orio de co n hccí men to incorporado. No Peru, o urba ao
nem afirmo ser você o u agi( por você. "Eu " e "você'' siiu t, rnstns para o rural, e as línguas (espanhol, quédrna e
produlQ das experiências e memórias Lllll do outro, do tr,111 , 1) ~ervcm mais p~ra diferenc iar enrre os grupos e para
histórico, do espaço encenado, da crise sociopolítica. Ma~ o 1.11 vozes do que para tornar a comunicação possível. O
é conhec imento/memória "incorporada" e como é rrans1ml1< 11 l1k,111i, pelo próprio nome, apresenta-se como produto
.E como difere do "arquivai", gernlmenrc considerndo <• 111 1 h1.i6ri,1 de coex is tência ét11ica. Sua autonúmeaçâo é
um recw:so permanente e rangível de matcri.tis dispoufv 1, l.11,11ivo 1wrfor.mativo que anunc ia sua confiança de
ao loogo do tempo, para a revisifo e n reinterprciai;,111 1 111, 01111•1.1 mnll li~a e e11trehiça comun idades no modo
que está em jogo quando se difcrc111:inm c•qM·, ,i,1t·rn.1 111111 d,· 1111 m.1~.111 ilo ,u,cito.

,1
éxiste uma série contínua de maneiras de armazenar a 1111,rnva e coleriva do nauma sofrido por comun idades letra-
rrnnsnútir a 111e111ória que abarca desde o arquivai até o in,c, , 111io !erradas e que é transm itido por meio de performances
rado, ou o que venho chamando de um repertório de pensamt ,,,,madas. Porém, essas formas de incorporação siio d ifíceis de
memória incorporada, perme.ido por todos os tipos de m, 1t1 ,1r. O arquivo e o repertório são específicos culturalmenre;
mediados e mistos. O arquivo, como observei no Capín.il , 1.111to os sisremas podem nos auxiliar a entender a memória
pode conter o registro terrível da violência criminosa - d, •111111 por rodo o hemisfério, o conteúdo de cada um não é,
mencos, focos e restos que falam de desaparecimentos. P(11 , r.11, transferível.
pergunta o Yu)'achkani, o que acontece quando mfo há nen l11 \ uhra do Yuyachkani tem se inspirado no arquivo e no reper-
focografia, nenhum documenr.o, quando aré mesmo os 11 " tln Peru, não apenas pa ra se dirigir às muitas populações do
estão espalhados à margem da estrada? O repertório, para 111.,~tam bém par.a elucidar a história constituída de forma
guarda as histórias dos sobreviventes, seus gestos, os flashh11 lupl.,. Alguns dançam, canram, falam 011 performadzarn a
as repetições e a lucinações- em suma, todos os atos gcralm 11111 rn1 histórica de outras maneiras, enquanro ourros acessam
considerados como formas de conhecimento e evidências el, 1 ,ilternativas: textos literários e históricos, mapas, registros,
rase não válidas. Como já apontei neste estudo, exisre uma 111 l•C1(ns e outros tipos de documentos arquivais. F.ntrecru1to,
tradição que, nas Américas, vem desde a Conqu ista, de ver l" ,1111r.1dições existem em grande número. Como pode Llm
conhecimemo incorporado tudo aqui.lo que desaparece por 1 1111 formado predominantemente (mas, com cerreza, 1tã o
poder ser contido ou recuperado por meio do arq uivo. Contu h"1v.1menteJ de pessoas de teaa·q urbanas, brancas/mestiças,
múltiplas formas de aros incorporados estão sempre prescn •.se média, falames de espan.hol, ser capaz de pensar/dançar/
reco1Jstituindo-sc - transmitindo memórias, histórias e vai, ,11, ,11· ,1s comp lexidades e divisões étn icas e culturais do país
comuns de ulTI grupo ou geração para os segniotes. , 1111nimizar os cismas ou sem represeo tar de modo errôneo
Ao foca lizar as práticas performática s po lítica, , J,,, que eles não são? Quem, exatamente, está pensando o
Yuyachkani, este capímlo procura esclarecer d iversas que~, ,111r1110 de quem? O pcnsamenco e a lem brança, como o
interconeccadas, todas elas cenrrais para os estudos da pt11 , Yuyachkani deixa claro., são inseparáveis do "cu" e do
mance, os escudos la rin o-americanos e a psicaná lise. O 1 , ' que os pensa. Como um grupo formadú predominante-
está em risco politicamente ao se pensar sobre o conheci1111 '"' [IOr habita11res de Lima, ser.'í que o Yuyachkani tem acesso
e a performance incorporados como aquilo que desaparc, t "" 111()rias elas comunidades andinas? O grupo consegt1iria
trauma, cuja natureza em s.i "impede seu registro", não dei:x-1 1n11r,1r suas festas OLl realizar seus rituais? O Yuyachka11i
rastros porque "sua n:anscrição ainda está para ser feita''? , . ,1r,11 LI~ contar sua história de tl'auma socia l cunrnlarivo?
quem são as memórias que ·'desaparecem", se apenas o co11h "" ,•vicnr acusações de personificação e apropriação?
mento arqu ivai é valorizado e só a ele se confere pcrmant•11~ 1 ,,.,, 11•spo•rn obvia a esse perigo de intrusão cuJrura l que
Refletir sobre as inrerconexões entre a atrocidade, o <1111 11 1m profissionais reside em simplesmente virar as costas
cimento incorporado e a subjetividade mostra-se urgm1,· 1 ~ pnj>ulnçõc, rurnis indígenas e mestiças, aceirando taci-
as muitas populações nas 1\mérit:n, ttuc viv~ndaram sc,,110 1111 qlh' ,1 1wríormance é uma prática eu ropeia, rea lizada
rraun1a soci,il. As abordagem~~ 111rrnóri 11• ,ltl rr,ium,1 qur prl J 1lhln ,i. u,h,111nh hr,111,0, nns Américas e parn eles. Pode-se
legiam o sujeito indiv1d11n l tlr, 1111 dt• l.11t·1· 1'"11\,I ,1 rrntur 1 , 111 11 ,1111 ,., 1,r,1111 i- 111d1111·1111, t• nwqriças ricnencem a
um circuito paralelo e independente de transmissão culturnl 1 v..te1 lllll tipo de noção romântica de autenticidade existence
econômica): festiva is, rituais e festividades orais, míticos, b.i '" festivais, cortejos e espetáculos uacionais.3 Não é difíci l ver
adas no calendário. Os profissionais de teatro, enrão, podr pnigos de separar as pníticas performáricas das pessoas que
decidir se )im itar aos repertórios e arquivos europeus. Pode r,.,,Jizam e da estrutura ideológica que lhes deu origem. Como
escolher entre os inúmeros tipos de tradições de encenação, ilum 11Je um grupo de rearro como o Yuyachkani sonhar evitar todas
nação e at uação, bem como métodos e teorias de treiname,,1 ,1, ,1rmadilhas de representação'
profissiona l. Ao se restringir a esse conjunto, os profissioi1~ lldletir sobre como a performance participa dessas redes de
poderão querer se distanciar dos elementos "não educados" tn6ria social poderia nos permitir considera,· a parricipação
população, ou então sina lizar seu medo de se apropriar am 1h11ral de maneira ma is abrangenre. Embora os peruanos
ricamente de linguagens que não lhes pertencem. Por que 11 11111los e de classe média co111partilhem inú meras tradições
encenar Brecht, a té hoie o profissional de teatro mais respeim, , 11,li,as com os europeus, eles também claramente participam
na América Latin a e, ironicamente, quem ma is tomou emp.re$M , H ,1 lidade de cacofonia social, racial, linguística e pol.ítica do
0

de rodas as culcuras? Após 500 anos de colonia lismo, muu , 11. As próprias categorias - cüoulo e índío -são um produto
latino-americanos, principalmente os oriundos de ambiente ,. mnilito, e não sua razão de ser.
educação de classe média urbana, estão muito mais familiam () povo chamado de índios" é um produto da 110111eaçâo.
dos com os materiais culmrais de Primeiro Mundo, faci lmen por meio dessa invocação performariva dos colonos que os
disponíveis através dos circuitos da mídia e de publicações, J 11.t1us" entram no palco mundia l. O arquivo, como o repertório,
que com as performances "não reproduzíveis" de seus próp, ,, 11, hcio de performances com roteiros - a lgumas que desapa-
países. Alguns aros ele apropriação são mais seguros e potenc1~ m, uutras que evocam, algumas que inventam seu próprio
mente menos ofensivos do q ue outros. Afinidades linguístic 11, 10 de pesquisa. A nomeação do "povo chamado índios" ao
raciais e de classe frequememence suplantam laços gerado~ Jl 1110 tc111po faz surgir e desaparecer um povo - os mui tos
interconexões geográficas e nacio nais . tjlll~ étnicos de repeme reunidos como "índios". O mesmo
Se, inversamente, se reconhece que as popu lações rur<1 1,•1ro da descoberta" criou os conquistadores ''brancos". Os
indígenas e mestiças também têm trad ições performá t,c lu111l~.Jores crioulos mostraram ser, na verdade, um grupo
profundas e que faze m parre do rico repertório das Amém 1111 ,,do, incluindo judeus convertidos (conVérsos), bem como
como os artistas de todas as procedências étnicas abordam ,u , mos liv res e escravizados.
tradições mu ltiétnicas e transculruradas? Eles podem se insr1r 1 ,,is posições antagônicas se po larizaram e se cimentaram
nesses ambientes cu lt urais diversos com a mesma naturalicht 111111r,in.írio socia I com() fato bio lógico. Esse modo de pensar
com que·profissionais europeus contemporâneos se inspiro o, 11 11 linhagem e a tradiçfo cerrnmenre insistiria em manter
seu passado recente e distante? Estaria este ou qualquer <1111 11 ,Jo, ós vários circuitos de memória e transmissão - cada
"emprésclmo" livre da bagagem política, históri.ca ou esréricJ ,1111 u seu. Ma~ existe um imaginá rio ern competição, o do
"valor" atribuído ao ''estilo"? Será gue performances c11n11 1,h1 11,1ç110, cri11do na A111éric3 Latino durante o século XIX.
(americanas de origem eu ropeia) ou mestiços que i11clucm ckn 11 11nt•1rn•, ,1 Identidade nocional suplanta a diferença regional
tos indígenas em seu traba lho ijC arri~cr1111 n tornn-loq or1~" 11 1111, 1 l·••c motlt·lo ~uplle que o~ J)('ruanos, por exemplo, são
exóricosou folclórico~? Pcdnr11111t11.11· 11 •t11d10" fn·q11cn1~incn 1p ·111~ 11111 protlinu dr prl){rsrns hi~toricos o culturais c111e

' ·n
se éúnstirnem mutuamente, mas também participa nte~
Contudo, o imaginário nacional é moldado não somenr
que prefere lembrar, mas mm bém pelo que prefere esquecer,
Ernest Renan observou 100 anos arrás.4 Os peruanos parti.
esquecendo, e não apenas lem brando. Porta nto, não se 11.1
uma questão de se, mas de como eles participam.
O Yuyachkani, o grupo de teatrn do Peru acla mado iur
cionalmenre, encena arivamcme a memória social do país. 1
produto de uma memória e de um pens::1111ento naciona l, tr
linguístico e CL1ltural. Os atores Tcres,1 Rall i, Rebeca Ràlh
Con:ea, Débora Correa, Augusto Casafranca, Ju lian Vur
Amiel Cayo, bem como o d iretor Miguel Rubio e o diretor 1,
Fidel Melquíades (a maioria dos quais estã o no grupo de,.!
início, em 1971.) se con heceram como membros do Ye1t11
grupo de profissionais de "teatro engajado". Quando decidi
forma r um gmpo, segundo Teresa Ralli, "a primeira co1, 1
tínhamos era o nome. Nós nos chamamos Yuyachkan1 4
mesmo de termos traba lhado em uma peça''.5 Agora dr
seu próprio ceatro pa ra 200 espectadores e seu loca l de crn l, 11
~~.,~., Ytl}'<h.::hkani. Edmundo Torres, produtor de niilS.:..i tas <lo grupo hJ muito
a Casa Yuyac hka1Ji, e trabalham juntos há quase 30 ario, lm, 1u p.lpel d:1 Chinca lJiabb> em julho di;- J996. Foto: Diana To>·lor.
realização significativa, considerando-se as sérias dificultl
econômicas e po1íticas que enfremaram. Apenas a lgm1s pn ,11,1 brnnca, ocidemaliiada, constrnída com as costas volta·
teatros de gr upo larit10-a111ericanos - os ma is conhecidos, 1 1 11.1 :1 região moncanhosa dos Andes (que foi chamad,1 de
Candelaria e T.EC, da Colô1n bia, e Galpão, do Brasil - I'" 11, h11 incl ia'·6), propicia ao Yuyachkani um dos espaços para
se orgulhar de realizações semelhantes. 11 11 1:~sa re-111emoração para as audiências urbanas. Eles
Esse grupo de nove membros tornou visível uma série dr 1 I'" wcntam por toda a cidade, encena ndo "atos públicos"
pela sobrevivência que cu lmiJ1aram nas atrocida<.les •T,, ,,ia,, csc:olas, na escadaria da catedral naciona l, em orfa-
associadas com o Sendero Lum inoso [C.1111 in ho Lut11i111 Lt·mitérios e prédios do governo. Eles também encenam
que deixaram cerca de 30 mil pessoas morras e 80 n1tl J ,, 111,111ces de rua em espaços não tearrnis por todo o país,
brigadas. Uma rnrefa tal\/CZ igua lmence ousada, contudo, ,mln ,onversas, participando de protestos e comemorações.
sido a insistência com que o YL1yachkan i tel11 le111hn\Clt1 ,, 1 ,11111cn, reconhecíveis da culmrn tradicio na l e popular
como um só país, complexo e diverso cm termos racinls, e111 , ,, ,,~ e figuras rnnscaradas em pernas de pau - desfi lam
e culmrais. "Perú es un país desmcmoriz;\do" 11\•ru t' 11111 111,1\ çunvidnndo os espectadores a se juntarem a eles.

desmemor ia<loj, diz Teresa R11 ll i, M'ntln tlllt' u "dt•," L,IJ t ,h ,Jilc·\, <nmo c"plscn Ana Correa, ter minam em uma
recusa vio lenta no âm:1110 dt· 11111 I' 11~ qur 111,0 11•u ml11" , ,h11,11H1· ,1 1111,d c1, p.1rrsc1i,.111te~ cnm~;,;:1m a conve rsar e
compreendi/ :1~ rfnllcl:iclt•, dt rn.1 11111111 p,1111•, ... uhr, N 111,1111 ,111do ,, ,·111 mnd,,Jn, ncidc,u,1i~ (O teatro

i '
político de Brechri e no Teatro do Oprimido, de Boa!, bem e, , 111110 jã discu ti em outro cexto, existem a lgumas limitações
em lendas, músicas, cantos, danças e fiestas populares de or il 1111enrais e contradições embutidas no "teatro ~opul~r",
quéchua e aímará, o Yuyachkani convida os espectadores
tornarem pa rticipantes das ricas trad ições performát icas do 1
1110 quando os projetos são importante: e lo~va~e1s . . ?
1, 0 popular apresemava, às vezes, uma vrsao mu'.to s1111phh-
Assim, seu trabalho os convida a levarem a sério a coex istf 11 t' rwogramática de confl ito e resolução. Na Amenca _L atina
desses d iversos grupos étnicos, linguísticos e cultura is e a do ,, outros luga res, o teatro popu lar era em geral 1mpuls1onad.o
testemun ho da históría peruana de extermín io e resistência irnrias marxiscas. Esrudances universitários e intelect uais
alienação e tenacidade, de traição e recordação.
, rl'~sisras, frequentemente militaotes, instruíam os desfavo-
Quando o Yuyachkani começou a traba lhar no início
' loH ~ melhorarem sua situação econôm ica ou a terem uma
década de 1970, os membros do grupo se viam como pr<
1 nu is produri va. Porque o marxismo pr ivi legiava as luras
sionais de teatro popular politicamente "engajados". O te•
1,1._c i:ontra o capitalismo e o imperialismo em dernmento
popular do final dos anos de 1960 e começo dos de 1970, •
onílito racial écnico e ele gênero, sua implementação nos
seu eros "pelo povo, pam o povo", desafiava os sistema,~
,1..,. de teatro ~opular ,ia América Latina corna o risco_de
colocavam o Teatro (com T maiúsculo) e a Cu ltura (co,
111 r diferenças cu lturais profundamente arra igadas a dLfe-
maiúsculo) ém reinos elevados, estéticos, fora do alcanc;c
11 de classe. No Peru, bem como em omros países com
pessoas da classe trabalhadora e das comunidades racialm
rnh•~ comunidades indígenas e mestiças, o "proletariado" era
ma rginalizadas. Grupos teatr.ais populares na América L.11
rltuído, de fato, por grupos indígenas e mest iços que vivia m
e nos Estados Unidos (Bread and Puppct, San Francisco Mt
llf\Cm de uma sociedade capira lisc~ por razõ.e~ d iversas, enr,:e
Teatro Campes ino, entre ourros) tendiam a trabalhar w
,liirrcnças linguísticas, cpistêmrcas e rehg1osas, que nao
coletivos. Os membros do Yuyachka ni , por exemplo, reun
1 11,1111 ser reduzidas ao desfavorecimento econômico, embora
-se rodas as manhãs em sua Casa Yuyachkani e crnball1am
desenvolvimento de novos materia is e ideias. E les alrnoç
, ,em ligadas a este. Um apelo a uma solida ri.edade c':,ntrnda
11 ,1, capitalismo levava à intrusão desmedida no ambico
juncos em sua cozinha comunitári a e se reú11em novam~11r
carde para ensaiar ou para fazer aquecimento para uma pr, i 1111 ai, étn ico e linguístico. Além disso, o "popular", da forma

mance à noite. Como toda cooperativa teatra l, eles rejeit.1v ,,, ~ro entendido por a lguns desses ativistas, estava enredado
os modelos reatrais centrados no teatrólogo e nas "esm·I 1111 ,,Hill\ de urn mundo puro, existente em algum lugar fora

que dominavam o teatro "de arre" e comercial. ' Eles retlr.ir ,1 .incc do cap. italismo e do imperialismo. Qua nro menos os
o ceatro dos espaços de elite, fazendo apresentações gr.11111 r1 11onn is de rcarro realmente conhecessem as comunidades
que ci nham a ver com a vida econômica real e com as con,1,, ,, \' dedicavam, ma is as discrepâncias relativas ao p_o~er
políticas dos traba lh.adores. Questões políticas e econ(1111J t~h,1 de reciprocidade ameaçavam coloc.í.-l?s em p.ostçoes
tinham precedência sobre as preocupações estéticas. Bits , 1 lll'•'rtnridndc mora l sim ilarc$ às do proselitismo ~el_rg'.oso.
cm rurnês pelas comunidades rurais que nunca ri11J,nm ·" ,r \ nrohlemas perseg uiam os esforços ,nic1a1s do

ao teatro e envol viam os espectadorei, em muitos nspe(ln h~ ,, 11 1. Os gnipo~ mal'j;inafuaclos a que eles se dmgcam em
produções. Trabalhando sob a influência do tca1ro hn·,h11 I, npno pnís uuhom suns própri;JS Jfnguas, cultura exprcss1n
o teatro popular d;1 Américn Lntinn 1•,r,1v,1 c~rn•1rn111Mr. Ir t,1,., d,• ri-ríurn11111ac, ~obre os quRis o grupo nada sab,a.
a greves e outrns lutns rrnh,1ll1i,1 .1, uu ,Ir, J,ia<t', 11 J 11 11 J,.,. 1, 11 th, 11 ,1· tl.1 prm1e1111 pt,;.1 que nprcsentaram para

l 1
J. 1
mineiros, P,ufo de cobre (1971 ), em que os atores, usamh 1111os a scmir e, talvez, a compreender a complexidade do
assumiam uma variedade de papéis e personagens. D 1, wllino".1º A performance de faro ofereceu esclarecimento
apresenta<;iio, um núneiro comentou: "Companheiros, <·,r 1 1rl•nsão entre os grupos, mas o Yuyachkani ad mire ter
é boá. É pena q ue vocês tenham esquecido suas vesti1ru, 11, primeiros passos no aprend izado sobre as populações
Ao conrnírio dos o urros grupos de tea tro popular daqucl 1 111 rnirticipar de suas práticas culturais. Segundo Hugo
(tanro na América Latina quanto nos Estados Unidos), , d\"! A lcázar, essa foi a primeira fase do desem·olvimenco
propw1ham a esclarecer uma população explorada, 0 Yuy.,~ ,, hkan i, centrada principalmeme em questões políricas. 11
compreendeu qlle eram eles qne precisavam de esclarcc11 Ir 1·,~e infcio, Yuyachkani rem continuado a aprender
como afirma Rubio: 11 11liçõcs linguísticas e performáticas pa ra oferecer uma
11 w, profonda do q ue significa "ser" peruano, refletindo

muito mais rareie compreendemos p or que os mineiros pt 1


Sf, , , 11111plexidadc cu ltura l, temporal, geográfica, histórica e
daquele modo. Tínham os nos esquecido de algo muito mais imJ' .1,· ,,, articulação. Há vários rempos verbais neste "ser ",
do que o figurino. O gue eles queriam nos dizer eraq ueemívon ,r111> várias maneiras de situar os marcadores de pré- e

esquecendo do público a que nos d irigíamos. Não esrávan1<l' 1 1. 1w11dendo de quem coma a hist ória. Para o Yuyachkani,
em consideração suas tradições cu lturais. 1\"ão apenas isso,"'' 1 tori11ançe inclui a organizaç_ão em camadas e a justa·

conhecía mos! Os mineiros vinham de áreas mrais ricas em 11., ,., cln, diversas tradições, imagens, linguagens e histó rias
culmrais. Eles esrnvam cerros. Como poderiam imaginar um ,u 11!,1~ no país. Equilibra11do-se enrre um passado violento
sobre eles que não incluísse seus cantos ou as roupas da~ mu .i111rn tt•rmina e um futuro que parece desa nimadoramcnte

que orgulbosamenre conservam seus vesridos tradicionais, ou·" 1 ntn, ~uas performances reapresentam imagens e rúteitos
que comam histórias enquanto eles dançam' , rm e drculam em uma variedade de sistemas e fo rmas
1, 111(ch:i, histórias infantis, artes marcia is e filmes mudos,
Isso se tornou o in ício da educação co ntínua do Yuyachk,111 '""' 111c.ligen:1s" Essa segunda fase de descnvolvimenro do
teatro passou a não ser "sohre eles", m as s'obre umn J, ti Ili ,111i, segundo Salazar, está ma is centrada nos debates
ma is complexa a respeito da heterogeneidade étnica e cuh 11r , 11, .1 rtspcito do nac.io nal. O grupo estudo u a obra de

Peru. Eles indufrám membros dessas comunidades rur.i l~ rr t ,rfo Arµuc,;hs sobre mitos e performances a ndinos para
grnpo; os arores aprenderam q uéchua e receberam trel11.,11 , , 1111\-r as trad ições am igas que persistiam nas práticas
sobre práticas performáticas indígenas e mestiças que 111, I , '" ,,11111:mporâncas. Uma peça como Los músicos mnb11-
canto, uti lização de insuumenros musica is, dança, 11101 111 l 'I~ l) 111spirn-,e no famoso como popular "Os músicos de
e mu itas outras formas de expressão popular. Eles cxp.111 I 11 ,, cm fodas las sa11gres, de Arguedas, para contar uma

a noção de teatro para abranger a /testa popular, que e nf ,1 11 1I\R1\lÇí\(b e bonirn sobre a fol ta de moradias, injustiça
a participação, apagando, assim, a distinção cnrre nu,r , 1 , 1 1r11r,ott,in.:ia de se tra b:tlhar cm conjunto. Em uma
rador. Para o Yuyachkani, como pa ra 0t1tros grupo~ popul 1111,,.,. (\L,•1icamente rica, cheia de figuras mascaradas,
, , IJll\.l r ccn,ts cômica~, per~onagens como a galinha
a performance oferecia uma arena pnrn .1 ~pr<·ndit,11(i·111
ago.ra , era o Yuyachk,rni ciu,· np1l'l11lu1 ,1•1 1, " pr 111w11," /,,,, ,,. ,,. .1rrwr1tn, o 11,1111 e~pt: rto e o burto hcsirante compre·
/Jdsacalfc e p,1~so, d1e d(11w,1 /111111•11,11. 111111 . ,,p, 1,11 ,lt'I udu~ ,11,h d1fr1c11~.1~ e 1ncompatihilidades,

J "
é muito melhor estar juntos do que separados. A peça també111
funciona em níveis diferentes para públicos diferentes. Em um
sentido, a peça é uma reflexão importante sobre a composiçfü
racial do Peru. O cachorro representa o criou lo de Lima, db
barrios altos ou de setores po bres da cidade. A ga linha faz ·••
ve7,es das populações afro-peruanas . O gato vem da selva,
,,a(e amazônico peruano, enquanto o burro representa o chólr
serrano, o mestiço dos Andes. Essas figuras, todas elas de alguma
forma perseguidas, vencidas e exploradas, reúnem-se para •
rebe larem contra o patrón de modo exuberante. A negociaç11<
entre eles exige que se conheçam melhor, q ue reconheçam <
pontos fortes de cada um e o que contri bu i pa ra o grupo. Porém )
exige rambém que o grupo respeite a individualidade de cad
membro. Nesse nível mais pessoal, a peça resume a situação diffr~
do Y11ya<.:hkani à época, segundo M iguel Rubio: como pode
gnip-o permitir q ue cada mem bro desenvolva suas capacidad
ind ividualmente, sem ameaçar a exiscência do todo? Contudo li ( ori-ea 1 c.om seu figurino de los músic:os awbu/aut~$, panicip;ando de um protcsro
1,••JG. Fotó: Miguel Villafaõe.
até mesmo pata aqueles que não entendem o su btexto racnil
ou pessoal da performa nce, a peça é ext rema mente attaenrc Yuyachkani desenvolveu peças mais inquietas para pensar
bri lhante em seu humor, energia, música e inteligência. A pt~
, 11:imentc sobre a violência civil e a aparente impossibilidade de
se regozija com o fato da transculturaçâo, pois a única mó~ll
•1<•xisrência respeitosa em um país d ividido pela injustiça e pelo
que esses personagens podem criar exige a reunião de vám
, uwor. E11cue11tro de .zorros (1985) pane de amigos mitos de e/
eternemos e trndições distintos. A música da selva hannonu
. ,rrn de arriba e e/ zorro de abajo (a raposa das montanhas, a
-se com a dos AJ1des, das planícies costeiras e das comunid od
, 1pnsa da pla nície), preservados tanto no repertório quanto no
afro-perna nas. A popularidade naciona l e internacional da pri;
uquivo. 12 A lenda das duas raposas já era considerada antiga
permitiu gue o grupo comprasse a Casa Yuyachkani. Além dii,
fU1111do foi escrita pela primeira vez no Manuscrito H1mrochirí,
porque essa peça é cão conhecida, esses personagens consegur
111 scc11lo XVI, e foi ret rabalhada na obra famosa de Arguedas,
in cervir no drama naciona l. Q uando a situação econômic,1
1 / tOrrn de arriba y e/ zorro de abajo (1968). As raposas,
Peru se corna particularmente crítica, a galinha ru iva da prod
1111holos de mudança, aparecem em momentos de crise socia l
ção (Ana Correa) rea liza um "ato pú blico'', junta ndo-se :1 li
m •mo . Em sua primeira aparição, cerca de 2.500 a nos atrás,
de aposentados que esperam o dinneiro do segu,ro socia l 1'·'
redatnarestar sem nenhum tostão. "Cómo como?" !Como l,1 f,. N1• rncc,mram para censurar publicamente a injustiça socia l.
11 ,lt·,~fio, oos hist6ria.s, é devora ,· o mundo e criar um novo.
para comer?], ela pergunta, impaciente, enquanto cacnreja r ,111
emproa da de um lado para o outro (Pi1111rn 57), J~ Tcrcs,1 I{ 11 nt 1d1k,1ni 11~:i o mito parn novamente refletir sobre os cismas
o cão sa rn cn to, vi sita crinnç,1~ c•rn 11111 orf,111o1m. 11111,altcos, ctnitn• e ling11fRtico, do Pt·ru; ui zorro de arriba

l7H
representa as popl, lações das montanhas andinas, enquanto forças arm,1das. O tremor atrela vár ios momentos políticos:
zorro de abajo tipifica os habitantes da região costeira de li m 1 reaparição não solicitada de um aconcecimento rraumácico
Elas se encomra m novamente durante os sofr imentos vio lem itnado firmemente no passado; a experiência de tesremun har
da migração em massa devido à guerra civil peruana nas décad 1 11111episódio atroz 110 aqui e agora . Este é o aqui, agome sempre
de 1980 e 1990. Mendigos, ladrões e videntes bêbados empu ,k uma his tória violenta de exploração e exter mínio de povos
ram uma carroça como a da ~àe Coragem, oferecendo um 111dígenas, que invoca a visão de uma futura carásrwfe. O corpo
perspectiva ass ustadora da paisagem urbana do Peru. Em lug 1 rr.,ge a essa ocórrência violenta, difícil de localizar temporal e
de uma coexistência respeitosa, esses personagens mostram 111 ~p,1cialmenre, e a comunica.
mundo devastado pela violência crim inosa, pelo deslocamcm
e pelo desemprego. O mundo está de ca beça para baixo, ",
pais contra os fi lhos, os filhos contra os pais, os vivos contro ,
mortos e os mortos contra os vivos". Retorno (1996) rnostrn .1
consequências da "Guerra Suja" peruana. As pessoas se vir.11
perdidas e desorientadas, as aldeias, destruídas, as terras culti\
Yeis, queimadas. Uma relei cura de Esperando Godot, de Beckc·1
Retorno encena o desespero e o isolamento dos que não rinh111
para onde ir. Não há como seguir em frente, nenhum caminh
de volta, nenhum lar para o qual rewrnar.
Dois dos trabalhos mais co nhec idos do Yuyacbka111
Contraelviento ( 1.989) e Adiós Ayacucho (1990) combin,1
momentos do passado remoto e rna is relevarite do Per u pu r
refletir sobre a trnnsmissão da exper iência socia l tntumálll
lI rt-.;:1 Ralli, com seu fi_§1>rino de L0$1m'íú,0J ,1mbu!Jnies. aprcscor.1-sc e1n
Desenvolvido e representado du.rante o con flito entre os m ilitar htMln, 1996. foto: Miguel v alafafie.
\JIT)

e o Scndero Luminoso, essas peças se dedicam a questões tJ


ja propus: como o repertório armazena e t ransmite a mem6r 1\ irmã e o pai de Coya escutam seu testemunho. Todos
social? De quem são as memórias/traumas que desapareccriio ,,mprccndem que uma tem pestade que se aproxima, furiosa,
privilegiarmos o arquivo em relação ao repertório da expcriê,i, 1 11 d 1~pcrsá-los. lluaco, enfurecida com a violência que vê
conhecimento incorporado? ,1proxi111ar, se junta aos guer ril heiros, respondendo com
Contraelviento, uma das maiores e mais espetacu lares JW\ ,,,l,•ncio 1 violênci.i. P~pai condrlUa firme em seu empenho
do Yuyacbkani, reencena o testemunho de u m indígena sohr 1 , nrni1trnr as sctn cntcs da vida por meio da prática de anti-
vivente de um massacre em que os campo neses fora m forç,111 rlloH de invocação. CtJya corre aos tribunais, esperando
a saltar de urn penhasco, vindo a morrer então. A pcrfor,11,111 , 1>11trnr repnrnção através do sistema judiciário. Os juízes -
encena mais uma repetição u:rnm!Ítica - Coya, e111 1r,111 111,1~ l.trs1•scns, 1dosns e cu rvadas, com chapéus enormes, que
revisita a cena da devastação, Seu corf)o treme ao rcv1vcm 1,1 111,1111, 1·111 J, 11111.1 d,• v 1udr,vilc:, umn versão cio cômica dança
imagem inoporruna. Toda 11m,1 ,1111111111,I 1d1· for ,in iq111l ,1th1 I" f tt ,,111qUM,1 dr /t, 111 ///" , l.d ,1111111glr, rudrn11'1tl,1r- íi11gc rn
não compreendê-la. Sua língua, represemada pela música 1, urna! ou internacional? Por meio da pecformance - música,
flauta, precisa ser traduzida pelo famoso personagem tralil linças com máscaras e invocações rituais -, como sugere a
do Peru, o Felipillo, tradutor dos c()nqu istadores. "Esta mui ,~. a atrocidade será lembrada e repensada, mesmo quando
diz que vem de lor1ge para nos contar que seus antepassados 1 lu há testemunhas externas ou a poss ibilidade de recorrer ao
djsseram .que o capataz os está matando. (...) Ela diz tamh 111111vo. Conrudo, essas memórias desaparecem quando pesqu i-
que a vida de todos está em grande perigo e que as semente~ 1tlOl'es e at.ivisras deixam de recon hecer os rastros deixados
vida estão sendo destruídas ." Os juízes descartam-na com ur lu éonhecimento incorporado.
boa surra: "Se essa mulher não consegue falar, é porque te 11,,seando -se em um rexro de Julio Ortega, Adiós Ayacucho
algo a esconder." Essa cena elucida diversos pontos em mi11 11 mais adiante a questão do testemunho: a vítima muri lada
argumencação: as cortes - um sistema arquivai produtor t1 ,r,;.1da a atuar como a única testemunha de sua vitimização.
arquivos - que, nas Américas, servem aos interesses dos pn ~111lll<lo a peça começa, o públ ico vê uma rampa que exibe um
rosos, não podem abranger ou "compreender" os apelos , 1 no e velas dispostas para um ritual funerário (Figura 59).
pobres. (Documenros oficiais, registros e números relativo
práricas genocidas quase nunca chegam aos arquivos nacior1111
Circuitos de memória e transmissão instiruciona lizados ma111
os setores dominantes da população protegidos das populn~
rura is mestiças e indígenas. É como se as expressões de tra111
fossem transmitidas em uma língua estrangeira.
Contraelviento foi apresenrado no auge do conflito milll
cizado no Peru. "Desaparecimentos" e assassinatos em n,u
haviam se cornado práticas políticas comuns na América L,ui
durante as décadas de 1970 e 1980. Como, Yuyachka 11 1
pergtuita, pode o teatro competir com a teatralidade da violê,
política e elucidá-la? Miguel Rubio resume esse desafio: "N~
que se crie no palco pode se comparar ao que está acontecrn
neste país." 13 Além disso, a espetacularidade elevada do rrr
rismo político, e.orno afirmei em outro texto, força as cestcmuul
potenciais a desviar o olhar." Essa espetacularidade CCI(,
próprios espectadores chamados a "vér" pelo teatro. Que J' 1
têm os artistas, pergunta Adorno, quando o genocídio fo, j>
de nossa herança cultura l? '5
Na mais lírica das formas, Contrac/viento consegue p1111
as questões mais u rgenrcs. Como podem os cor1111nhlJ 59. Cena de Adi6s
Ayoc:,"cho, .1 990.
indígenas e mestiças tratar de pol ít 1c.1~ r pdticn~ ln'"'" 1 forn ceJ id a pelo
que, frequentemente, não ,q1!11 11·1 ""I", 1J11s 1wh1 uo11111 111,I Gr upo Culcu r;;i l
Yonad,lc 1111.

lH'
81
Somente quando os olhos se acosrumam à luz fraca , pode 1 0
lhe faltava m. É melhor que se descubra que faltam ossos no corpo
discern ir um movimenro dent ro de um grande saco plásticc 11acional glorificado do que preservá-lo e fetichi·zá-lo frente à
preto colocado ma is a rrás. Aos poucos, uma fig ura sem nom violência contra a população. Essa imagem assombrada de Adiós
e quase sem voz se reconstitui e sai do saco. Enquanto co111 1\yac11cho sugere as várias camadas exisremes na abordage111, pelo
sua história, sua voz se forta.l ece. Ele foi rorrusado . Seu corp, Yuyachkani, da represenraç:io da violência . As roupas colocadas
arormentado foi cortado em pedaços e descartado, em u01 ,·m memória dos mortos reapresentam o co,·po desaparecido da
saco de lixo, ao lado da estrada. N esse crime sem nenhun,~ víri,na do desapa recimento, mesmo quando evocam uma antiga
rescemun ha externa ou sobrevivente, apenas ele pode exigi pnícica de sepultamento. Essas práticas estão vivas; outros corpos
q11 c se faça jusriça. Nen lmm documento, foto ou lápide atest~ '" perfomatizarão, d,1 mesma forrna q ue o homem vestirá de
sua aniqui lação. Apenas seus ossos, e1npu rrados para de11tro d, 11ovo as roupas que o esperam. Isso demonstra q ue as práticas
plástico, servem como "prova" de um acontecimento que n/i, 11crfor111áticas andinas não são coisas morras q11e se desva necem
deixo1.1 nenhum a outra evidência material. Somente por m,•u ,1<>s oossos olhos, o u que funcionam em um universo p ara lelo.
da performance pode-se rornar visível o desaparecimento. () Uma elas prodllções mais recentes do Yu)'achkani é o extra·
desaparecimento, como os ativistas e artistas latino-americano ,,rdiná rio espet,\culo Antígona (2000), com apenas uma perso-
bem sabem, toma-se ele próprio por meio da performance. 11age111, representada por Teresa Ralli, sob a direção de .\1iguel
Entretanto, einboca não existam testemunhas externas ern llubio . Os espectadores seguem , prontamente, a conhecida histÓ·
Adiós Ayacucho, a peça reafirma o papel virai do que Dori La11b 11.1, enq uanto Teresa Ralli assume os diversos papéis -Antígona,
chama de "testem unha vinda de dentro" ou "restem unha de l"nênia, Creonte, Hêmon, Tirésias, o mensageiro - utilizando
mesma". 16 A testemLmha vinda de dentro, segundo L1 ub, é imp< ,r )'enas ttma cadeira como acessório em um pa lco vazio. Seus
sivel de exisrir no contexto do Holocausto, que " tornou imp<'n movimentos precisos e eloquenrcs transforma m seu traje, nma
sável a pró pria noção de que pode existir uma rescemunbn 11nples túnica sobre uma calça e. corpete, em roupas variadas.
pois não permitiu nenhum "fora", nenh um "outro"; contud< 1.nm um simples bater de p almas, ela faz aparecer vários perso·
essa 11oção é postulada como a única esperança de justiça 11 11.,Acns, retirando-os cio arquivo para encarnar os infortúnios
contexto andino (p. 66). A víti ma se reconsti.t ui ao encontra , uua is do Peru. Di ferentemente de outros, como Aoouilh ou
maior parte elos pedaços espalhados de seu corpo. ,\os poucc Ciriselcla Gambaro, contudo, Yu)'achkani não i,woca Ant ígona
ela retoma sua forma humana. finalmente, enconrra seu ro,11 I'' 111dpalmente para falar de um estado divid ido. Como afirmam
finalmenre,encolltra sua rnz,q tte proclamará a violência cont r , rnro Miguel Ruhío quanto Teresa Ralli, essa reria ~ido sua
ela e sua comunidade. E la n,ío apenas dá voz a sua clenúnc, 1,11crpretaçiio da peça, caso a tivessem desenvolvido na década de
segtlidas vezes, mas também decide levar uma cal'ta ao presidt·111 l 'JllO. Ao final cl,1 década de 1990, as questões haviam mudado.
da Reptíblica, resumindo a violência que sofreu. Ess:1 cor l <\r\on1, no Peru, como em ourros países às voltas com os efeiros
finalmcme, conseguirá entrar para o arq1Livo, um teste1mn1lw J ,1, longo prazo cio rrnuma, as pessoas lutam para lida r com suas
q ue até mesmo o presidente pode reconhecer o apagamento d 1 roprias estratégias de sobrcvivên.cia em um am biente desumano.
populações indígenas e mestiças. E, num oto fina l el e rcconst1111t 1 mr111 u, u irm.1 que nuo ngiu em defesa de A111ígo11a e de seu
ção pessoal, a vítima ataca o ríimuln dn i:01u1ui~tador l'í1.11 r 111m1n, 1nrn,1 si 1 11011,1.Iur,1. ·~C)U ., irmã cu jas mãos esrnvam
alojado na principal c.11cdrnl dr 1 11111, r 1p,111h11 .th os o,~o·. qt 111d"~ por 1111 ,111 · .1, , 1, , .. 1111,rl d,1 Jl<"\,l, <111011do ~e idcntifica.1-

JH t
Ela reencena a h istória não como a lguém de fora, que releml
mas como uma testemunha que se havia cegado pelo medo."
é minha própria histó ri a", diz ela, ao tardiamente assun1 ír
papel no drama, ped indo desculpas à irmã e simbolica111
encerrando seu irmão (Figurn 60). Por meio da p erfonnu
Ismên ia completará as ações que não conseguiu reali1,11r
momento cerro. Antígona dá esperança às testemunhas t
participa ntes que foram incapazes de reagir heroicamente eh~
de a lguma atrocidade. Ismênia p romete lem brar, rodos os d
ao reencena.r, repetidamente, sua hisróda.

ft I l''erc$a Rnlli cm Autígmu,. 20-00. Foto cedida pélo Grupo Cultural


i ,, hk"'"·

•1),1Chkn11i baseou essa prod ução em entrevistas feitas por


, lt,, Ili CC)m c~posAs, mães e irmãs dos "desapa recidos".
11lircv1vc:11tcs folnrn de reações inadequadas e de tentativas
ul,is dl,111tc dn 1,ntler millt:1r. Apesar dí~so, elas continuam
,,, 11 ,11>1 h1N1ml 1 l 111 " l 1,1A1n,,n1•, nl Mcmory" fFrt1Ame11tos
da memória l, um texto curto escl'ito por Ra lli sobre o proces~ 11!,·,·"'iver tanto co,mo indivíd uos quanto como grupo. "Nós
ela comenta que, ao escutar os refotos das mulheres, sentiu l] 11,•ma mos canta coisa, apenas para pode r viver, apenas para
a melhor homenagem que poderia oferecer seria ªsentir coJ •,der tdar.n 19
as memórias inscritas em seus corpos e ass im repassá·las pu
Antígona". 18 Ka performance, ela incluiu os gestos queassoc1c p1crformances do Yuyachkani tornam visível a história de
às mulheres coino forma de assinala r a continttidade dos gesto 111 1l':luma cumulatirn, uma hisrória de conflito violento, sem

compol'tamentos cultura is (Figma 61). As mu lheres podem n~ 111 .:;1 ou reconhecimento. Como em Adiós Ayacucbo, as tenra-

se idemificar com a A11tígona de Sófodes, mas irão rcconhc, ·" de comunica r um acontecimento que ninguém se importa
essa história como sua. m 11cconhecer precisam ser l'epetidas muitas vezes. Para os
Desde que a peça estreou cm 2000, Ralli tem se ocupado éo 111hros de comw1idades rranmatizadas, como as comunidades
a Comissão da Verdade do Peru, formada àquela época p,1 111l111as às quais o Yuyachkani se dedica, a violência passada se
trabalha,: com mulheres em áreas rurais. O fato de que siru 11,rura à crise atua l. Como em Adiós Ayacucho, o trauma se
çôes de violê11cia social não podem ser dadas como terminaJ ,rn.1 rransmissível e compreensível por meio da performance
comprova os efei tos contínuos do tra uma, mas tam bém afere 111 tremor, do recontar e da repetiçâ<l rev ivenciados.
aos sobreviventes a oportunidade de rea firmar sua capacidack ll recontar e o reencenar, contudo, apresentam problemas de
intervenção, mesmo que com atraso. Em l 999, o Grupo Cu l1 LI 1t1111idacle. Embora as performa nces captem a natu reza conti-
Yuyachkani recebeu o maior prêmio no Peru por seu trabcil 1.111.1 da violência contra os povos indígenas, elas complicam
em prol dos direitos humanos. 111.1 u1ntabilidade histórica. O que é tempo sem progressão? O
Essas práticas perfo rmáticas, inspirndas em repett611 ,, é espaço sem demarcação? O que acon tece com o conceito
amiquíssimos ou em trad ições marginalizadas, abrem cspn lmtúria de um povo quando há poucos marcadores? Não
para reações imediatas aos problemas políticos awa is. 'lo 111·nhun1 arq uivo ou, como no caso da Argentina, nenhuma
reação à violência política traz cons igo uma história de reaç1 l<lf\f'afia para endossare~sas alegações de vio lência criminosa.
evocadas de um âmbito amplo de memórias incorporad,1 1111, ,1 violência é conhecida apenas po,· meio de uma repecição
arquiva is. Parn o Yuyachkani, a perfol'maL1ce não diz rcsp, 1 1 lt1r111á rica.
a voltar, mas a man ter algo vivo. Seu modo de ~rnnsmis 1\ 11~ru reza ind iferenciada e reiterat iva da história craumática
é a repetição, a reiteração, o "de novo" da pcrformanct'
111•r11 está entrelaçada indissoluvelmen te ao pa radigrna imd iuo
violência do passado não desapareceu. Ela reapareceu M re,1,
lll<'llHÍria (resumido no ciclo lukarríl, q ue desafia a Iixidci de
vio lenta contra a greve dos mineiros (19Tl), no massacr1
111 llllt·, e u111 depois. "O corpo despedaçado de lnkarl'Í (cuja
Soccqs (1986), no deslocamento de populações locais s11rr
J,, \•l C<Jrtada foi levada para locais diversos, como Cu2.co,
cndidas entre o Sendero e as forças do governo, nas ruas v,1
1t11 011 Espanha) csd se juntirndo novamemc, sob a cerra.( ... )
de Lima nos anos de 1980 e início dos de 1990, divld1d
•t11111do inferior, região de caos e fertilidade, rorna-se a fonte
rornaclas estranhas pela violência. O ato de lembra r ~rrn
l111111·ó, uma cxren,ão da crença na volta dos mor1·os para o
foi passado, presente e, aparcmcmente, futuro. Cm l10 ui»
11 1•<> I" ,•si•mt• <.lur,uuc ,1 csraçiio cio cresciment<l.":" Face ii cstra-
Rebeca Ra lli, seu craba lh(l repr,•,c11t.1 ,1 lur,1 pda ~ohr~v ,v, 1
do povo peruano, ao mc~11111 1<•111p11 cim· ,u,1 propr1,1 h11,, 1 ,,, crn,,wn1,·111t·11tc• unlizacl.1 <l~ desmembramento colonia l,
os mitos oferecem a promessa de um remembrnmenru. "Pr Yuyachkani, adorando e adaptando o caráter do próprio grupo.
es Lrn país desmemorizado." Depois de 500 anos de conqu" ~uas performa nces, exatamenre como as perfor mances em que se
e colonização contínu as, quem pode dizer onde está situady 111spiram,são inseparáveis deles como pessoas, O "eu" que pensa
memória do trauma? Mais ainda: o trauma afeta o sujeito ou r lembra é o produto dessas performances pré- e pós-coloniais.
coletividade inteira? Ele é vi},enciado tardiamente ou incor Além disso, diferentemenre de grupos que se apropriam das
rado? Esrá situado no arquivo ou ape11as no Tepertório? Como 11dricas performácicas de outros, o trabalho do Yuyachkan i não
é passado de geração em geração? Sabemos por mitos e histór1 u•para as perfonnances de seus públicos originais; em vez d isso,
apenas que as populações indígenas do Peru se veem como hllsca expandir os públicos. As produções não são sobre eles,
produto da Conquista e da violência. A violência, então, nà, ,,, O utros indígenas e mestiços, mas sobre t odas as diferentes
um acontecimento, mas uma visão de mundo e um modo de vi , om unidades que compartilham um espaço territorial definido
Parece-me que o Yuyachkani intervém nessa problemátic,, pnr grupos pré-Conquista, colonia lismo e nacionalismo. O
duas maneir;i,s fundamenta is: uma tem a ver com a tra nsmis~.t Y11yach.kani procura cornar seus públicos urbanos cultural-
a outra, com o papel e a íunção de tesremunhar. Em relaçlu mtntc competentes para reconl1ecer as múltiplas ma neiras de
primeira, Yuyachkani compreende a importância da perfom1a1 ~r "peruano". Ao se dirigir aos públicos de Lima, contudo, o
,11ya cl_ ,_ n,. sente que tem de começar "d o zero ' ,-1 A memo' t'ta
1
como um meio de re-membrar e de transmitir a memória sou JJ<a "

Seu uso de tradições performáricas etnicamente diversas n;11 1t,1trnl do país, como sua memória hist órica, culrural e política,
nem decorarivo, nem urna forma de citação; isto é, o Yuyachk.1 ln, dcsemaizada. Essas performances lembram os públicos urba-
não as incorpora como acréscimos para comp lementar ou "aut nn, das populações que eles esqueceram. Armazenar e t ransmitir
ticar" seu própri o projeto. O compromisso do grupo de entrar ,\,1s t radições mostra-se essencial, pois, quando elas desapa-
diálogo com as populações rurais levou-o a aprender as língu , •crcrn, certos tipos de conhecimentos, q uestões e populações
a música e os modos de performance dessas comunidades, ,h·•oparecerão com elas. Essas trad ições - as procissões nas ruas,
invés de buscar restaurar comportamentos específicos (i~tu 111•,tas, músicas, personagens mascarados - reúnem elemcnros
recriar peças de museu que de a lgum modo deslocam e repJk 4 pressivos crioLtlos, mestiços, afro-pernanos e indígenas, sendo
um " origi nal"), eles seguem a utilização trad ici onal de rcntív 111r cada um deles é vi ta l para a configuração histórica, étnica e
práticas amigas pai·a abordar problemas ou desafios atua is. AI , 11111 1 profundamente complicada da situação po lítica arna l do
disso, Yuyachkani ,,ão participa da reprodução e 111ercantil i,.1, 1, 111. A performa nce oferece as "trilhas da memória", o espaço
da cultura "popular". Seus textos não circulam; OLll'ros a uuir, 1, rniteração que permite que o povo represente as antigas lucas
companhias não os representam. A única maneira de ter acc 1, 11 reconhecimento e poder qne continuam a ser sentidas no
seu trabalho é participando dele - nas ruas, como o passont1 1 r11 ,ontcmporâneo.
emra de surpresa na ação; na Casa Yuyachkani, c<>mo c~p, l,~r, 110s leva a um segundo ponto. Ver a performance como
dor e pa1ticipante de discussões, ou nas muitas oficinab ,1 h1 r 1111 fn~mn de reter a memória social implica a histór ia sem
a esn,dantes de todo o mundo. Agora, membros lllíl1' 1,.v 111111nr necessariamente um "si ntoma da história"; isto é,
estão entrando para o grupo e eles rnmbém silo o Y11y,11 hk 1" tlnm11111c\'~ rrnrnm r m diá logo com a história do rrauma
Eles não vão representnr '\·01111," u Y11y11.:hk,111 1, 11111 ~ " , m ,111• ,•l,11 prr,pr1,1, ,1·111111 11·,1rn111itic~s. rias são trnhalhos
elaborados c uidadosamenre, que criam uma distância críh 1111i11a, o mesmo acontece com a compreensão comparti lhada
para '·reivin<licar" a experiência e possibilitar a ação de test 1 v1,hl socia l e da memória coletil'a . Performances como essas
munhar, ao invés de seu "colapso". 22 Esse cvcnro pcrformá11 lf/s, o cesremunho eas produções teatrais nos advertem a não
cem um "lado de fora", que, conforme Laub, per mice o ato li de lado o eu que relembra, que pensa, que é um produro
tesremunhar. O Yuyachkani, como seu nome indica, depcn , 1wnsamento cú letivo . Elas ensinam as comunidades a não
da noção de in terconexão: o "eu" que pensa/lembra é inr vi.irem o olhar. Como sugere o nome Yuyachkan i, a aren-
cricáve l do ''l'ocê" cujo pensamento "eu" sou. O eu/você 111 ú 1merconexão emre os sujeiros pensantes e os sujeitos do
Yuyachka ni promete ser uma cestemunha, um fi ador da liga, 11,,,mento permitiria um encendimenco mais amplo do trauma
entre o "eu'1 e o "você 1 \ o "dentro" e o '(fora '). O YuyachkJ 111rico, da memória comum e da subjetividade coletiva.
roma-se a cestemunha tardia do drama contínuo e não rt'<
nhecido da atrocidade e convida seu público a fazer o mesm
A prática elo grupo aponta para uma conclusão radica lmrn
diferente daquela a q ue chegou Adorno e m "Cornmitmrn
(Engajamento 1.A representação, para o Yuyach kani, não conr
bui para aumentar a dessacralização das vítimas, transforman
sua dor em fome de prazer para os espectadores. Em vez da,
sem a representação, os espectadores não reconheceriam
papel na história contínua de opressão que, direta ou inclirl't
mente, envolve a todos . Quem, pergunta Adiós Ayacucho, ,1
mirá a responsabilidade de testemunhar? A espera nça ofere,1
por Antígona é que o espectador, como Ismên ia, dirá "e,u ·
testemunha, como o ;·espect-ator " ele Boal, ?Ceita os peri110
responsabilidades de ver e agir levado pelo que viu . O oro
testem unhar é transferível; assim, o teatro, como o cesre11111nl
a fot ografia, o filme o u o relato, pode transformar outr/J•
testemunhas. A tes temunha (ocular) sustém tanto o nr,1111
quanto o repertório. Assim, em lugar de considerar a p,·r1
mance basicamente como o efêmero, aquilo que dcsapan,
Ytiyachkani insiste cm criar uma comunidade ele tcscc1111111
por meio da performance. O grupo vai contra o 111odel11
colonialismo baseado na performance-cumo-desap~rcw11r<
que empurra as práricas au tóctones cm direção no ~squc, 1111
do efêmero, do não escrito, não csrudado, niio ~ontru l.,vc I I'
rnuiras dessas comunidades, ao contrário, quando ,1 pt·rlrn 111.11
8

DENISE STO KLOS


A. pol ítica da d e cifrabi lido d e

O palco do ceatro anexo ao La MaMa é p lano, branco e


,111.,~e nu. No centro, ao fundo, vê-se uma floresta de cordas
!"'"duradas, vindas do teto. No centro, do lado direito, ma 1se
pode perceber o varal de roupas sob um pesado casaco de pele.
1 , 111ais lon$e, no lado oposto, um cabide de rollpas simples<.:
1'<!<Jueno complet a o efeito mio irna lista desse cenário austero.
e>ito aparelhos de t elevisão, pendurados do reco, estão suspensos
,1lm: roda a frenre do palco, inicia lmente escondido por uma
ll v,~(tria preta. O uvem-se as cordas futuristas e inquietantes do
IJunrrcco Kronos, ao mesmo tempo que uma luz branca inu nda
111dn o palco, Em um canto, vindo de fora e smgindo por ba ixo
,h u 111a simples cor tina bra nca, vemos um pé calçad<1 com uma
hnr., preca. Em .:âmara lema, ele/a ca minha no palco em passos
i1~.1ntescos e exagerados. Vestindo um smoking completo, com
11h•rc e cartola, sua aparência é enigmátic,1 e and.rógena. A roupa
I' 11ccc 111:isculina cm uma mulher. embora as linhas cun·as e a
11111SJ de babados do smoking pudessem fazer com que ficasse
11111 11 0 f,•m in ino para um h.omcrn. Os lábios vermelhos prepa-
, 1111 1wq pt1rn .:i 111assn de cabelo louro eriçado, com as raízes
,u,.h, que ç.irnctt·n(.~fll ,1 01ri1,, i: que ela solta aq se curvar,
cumprimemando o públi<.:o e tirando a ca rtola. Merndc Thoreau Civil Disobedience, Morning is When 1 A111 Awake and
metade diretor de circo, ela an1111cin sua própria performance rbere is an Aurora in Me [Desobediência civil, é manhã quando
min imalista na ence nação, rna xim::dista na intensidade du 1•,rou acordada e há uma aurorà em mim], peça baseada em
imagens corpóreas que e1Khem o espaço. Util iza ndo a mímica l<·xros de Henry David Tboreau e escrita , d irigida e interpretada
ela escreve letras ilcgíl'eis no ar (Fig ura 62). Assi m começa e~! por Stoklos, explora as possibil idades da liberdade - política,
irwestigação sobre a decifrabil idadc rra nsnacionaf da per fomwr rnd ivrdual, sexual, artística - em uma sociedade que mantém as
solo mais renomada do Brasil, Denise Stoklos. pessoas carentes e confinadas. ~o passado - a Nova Iuglaterra
de T horeau, no sécu lo XIX - e agora, no final do século XX,
1111ando se sofrem as dores de um capicalismo desenfreado, essa
perfol'mance mostra as pessoas aca brunhadas, confinadas, ator-
me ntadas, ou mesmo levadas quase à loucu t'a devido à pressão
prla conform idade, imposta pela sociedade. "Os doze traba lhos
dt Hércu les", diz Sto klos, citando Tboreau, "eram bana is cm
, p mparaçiiocom ús que rneus vizinhos realizaram; pois os traba-
lhos foram apenas doze e tiveram u m fim". ' A 11arrativa, como
u v.1ral de roupas, serve como est rutul'a minimal ista na qua l
1<' pe ndura sua performance. A mudança de Thoreau/Stoklos
1>.ll',1 o bosque (a iloresta de cordas banhada em luz verde) tinha
0 1110 objetivo um afastamento te mporário da civilização a fim
,I,• !'esta r os elementos da vida que eram de fato "essenciais"
0 •1iluras 63 e 64). Ele/a resiste às angúst ias da solidão e falta
,ln civ ilização, sendo logo levado/a para a prisão (de novo, as
, nrdas, agora transformadas pela iluminação vermelha) por não
p.1g.H os impostos . Ao ser liberado/a contra sua vontade no dia
,•guince, ele/a entende que esrá cão "livre" na sociedade quanro
,111 tll)sque. As cordas, como a natureza e a prisão, ocu pam o
1111·~1110 espaço menta l. As imagens de liberdade, na Amé.r ica
1 11111n como cm outros lugares, só existem na proximidade da
, didade da opressão. Em uma variedade de registros, que vão
1, ,de o humor até a introspecção poética ou o desejo, as pa la-
' 1w e .1 linguage m corporal de Stoklos fazc:m duas perguntas
111 remes, o qu e é cssc11cia l parn a felicidade humana? Como
,1111u11il:nr com o oul'ro? As pcrgunras são urgentes: Denise
62. f)ci,tst Srokln, nndJ~ lo p.alco C!J» c.;1nç,1~1 Jc11h1.com p;.is,o, K' ,,mtn.:"01
e c x,1~~r.1Jn., , 111 ( ·,,.,/ I.J1.HH1e.llr~ur, 1-J'il./, l-otu: ! )cmlfl! 1(\IP.
,..~ 1,,. nirre ,on1r,1 11 rd11g1n. Conto observa, ela veio para
l 11 1, hn.i. , 11111., ,,., 11111" 1111!~1110. /\ c o11t11~e m regressiva ,
visível em todos os oiro aparelhos ele televisão, faz com quer
se ap resse paca rrnnsmitir sua mensagem, "enquanto aind~
vida" (Figura 65). O t eatro, pa ra Denise Stoklos, não visu
recreação nem à d iversão: "É para ganhar ternpo." 2

U1h1 apardhos dt tcvê f.lze..m a contagem rcgreJsiv.a p4'.ra <) milênio, Mquamo
h,c Stoklos it apressa a transmitir sua meosjgem ..cnqn.lntO ainda h.1 •;ida"~ c:m
ti lhsohedience. P<)tQ: Denis Leão.

O que torna essa performance tão arraence, além da urgência


l I questões, é o ato de mágica conceituai de Stoklos - ela faz
, 1l.1barismos com signos, imagens, palavras e gestos, mantcndo-
1üdos no ar ao mesmo tempo. Tirando da caaola todos os
1 r1N de estilo- circo, m ím ica, vaudcvi le,gestus e distancia mento

. d1t1anos, str iptease, declamação fil osófica, clowning - ela


, , 1 seu próprio sistenrn corporal e ver bal, em que cada elemento
, 1 ,.,,., contraponto cômico com o outro (Figu ra 66). O texto
,1111 composto de Thoreau, Ger rrude Srein, Paulo Freire e de
1 1i1ens escatológicas, parodicamenre atribuídas ao " G uia dos

u,111~ corporais". Como Thoreau, ela faz um tr ibuto à deso-


J1,•11t·1n civil, mesmo qua ndo im ita as paredes diminuindo de
111 inho. Ela chama sua leitura hilária do como "Miss Furr e ... ",
1 .. 11rude Srein, de u 111 exemplo de acrobacia da língua : "Eles
1 11 ,dr111·t"s hl - niio MUITO a legres, apenas a legres ... Ela era

11 t p1 nnrol" A lciircmenre, ela dcsn.,na.rra os sign ificados de


63 1 64. O bosque de Thorc,.1u/Swklc>!i - u111.1 ílornt, 1.111 <11td.U '"" '' I< .111 tt·~ Íl'l·nc111.m. PI., 1·conomi1.n su::1 voz rapsódica
pri$:io em Cí11rl D11obrdit11ce. 1om1 l~n,;: 1r,11
u111 I'"' udnqur,t 1on.1no ,obr~ cm que situações

,,,
sociais podemos nos permiti ,- solta,- gases. Agora , ela
Regina, que insiste para deixarmos t1ma mensagem dem
garrnfa nesse naufrágio de ttma civilização. Em segu id,1
uma socialite, que se retorce na frente do espelho, dai ,\
um tango violento. Seu rosto se transformôl em urna sér
máscaras, cada uma mais grotesca, em seus esforços p.1
embelezar (Figuras 67-69) . Uma sobrancelha se remexr
cima, um olho parece saltar, os deares superiores se prof
para frencc, o queixo desaparece nesse rosto que se con
tão facilmente quanto o corpo. Ela imita a ação de pôr rn
mais, maquiagem. Ela se aperta e se esforça para caber r
vestido; seu corpo desmorona sob o peso de colares e a,m
espelho, seu rosto atormentado resmunga: "Cuidado. Cuid
O "significado" das pa lavras rem pouco a ver com sua e1111
çào performativa. A performance roda, no sentido propo,r
Pina Bausch, despedaça o gesro, a palavra, a imagem, 11
até chegar à sua unidade ma is essencial - ehi repete, rcfpr
e a ensa ia em omra cha\'e, outro movimento - sempre "
propósito único de estabelecer a com un icação.

ttA. Dcn,~Smlc:lo,i ,e,• r"''"""


J u,i,.uuJu u111 u,
•(H"1p11U11 ,,
t llt (ti,, / >llf1/uf,l1rtt '
l f+IO f ltt1i, 1f'JII

l{)\I
1
Porém, não são apenas esses ritmos - co1-porais, vocais 1 diretamente a nós, " alcançamos a comunicação. Algumas vezes,
rexmais - que se cruza m, convergem e se afastam. A inflexâ11 1130" . Esta reflexão é seguida por uma pausa que diz muito
ponuguesa dos textos em inglês faz com que as palavras girem ( l"iguras 70 e 71 ). A linguagem, portanto, serve simultaneamente
ainda em Olltra direção. Scoklos aumenrn a d istiinc ia entre ,·01110 meio de comu nicação, um obstáclll o para a comunicação
a língua "natural" e a '·adquirida" para romper a inda mat ,. mais um sistema de sign ificação. Quando a palavra honra
noções de normatividade. Ela prefern representar na língua do ,!parece nas oito celas de tefeyisão, ela ao ,nesm<> tempo retc.e ra
pC1bl ico - em português, inglês, e.~panhol, francês, alemão, russu 11 que Sroklos está dizendo - ·'Home suas pa lavras, sua voz, sua

e 11craniano - para facilitar a comm1icação. Há sempre outrn , unrnnicação" - , mas também se rorna tll11 objeto visual em um
língua coex istindo dentro daquela que ou vimos. Ela 11ii.o rcm , i\ tema de comu1ücação diferente. A comu nicação depende de
um script para a performance; ela traduz enquanto represent,1 ,,. fazerem conexões, mesmo que de modo efêmero e casua l, por
Em parte, isso é circunstancial: até dois d ia0 antes da estrei11 111do desse labirinto sem iótico, dessa sociedade do espetáculo
Stoklos acred itava que se apresentaria em português, pois o tJue produz não a claridade, mas a confusão. Algumas vezes
Anexo é controla do pelo Equity, o s indicato de atores que 1 111cnsagem, apesar de todos os problemas, chega iucacra na
proíbe que atores estrangeiros se apresentem cm inglês. Porém 11,11'fafa. Outras vezes, não. Como o gesto reperido, as palavras
independentemente das circu nstâ ncias, e la culcivs1 há mu ito 1,1 mbém nos previnem contra acreditar em completude. Uma
tempo a alienação e a libe.r dade produzidas ao se falar em um,, ,·,1uência !'los conta sobre a banheira do imperador chinês,
língua es tra ngeira.' Em exílio voluntá rio na foglaterra no fowl M lcitad,1 com a ordem: Renove-se. Com o h1tmor que caracteriza
da década de 1970, q uando compôs sua primeirn peça solo, el,1 1 peça roda, os mergtdhos espasmódicos de Stoklos demro da
descobriu que o inglês Ihe oferecia " leveza", mais um meio de ~r h,111heira lembram -nos de que a ordem precisa ser represent.ida
afastar da "visão e da vizi11haoça da tortura e da ditadura" d11 ,1,, novo, e de novo, e de novo.
regime m ilitar brasileiro (p. 32). Quando apresenta esse cexcn
e111 po rn,guês, nós n oul'imos tl'aduz ir o inglês de T horeau pa r.
sua fala. Sua própria capacidade de representar em várias língt111
assi na la a história de migração, exíliQ e relocação compa,·tilhad,t
por muitos artistas latino-americanos.
A duplicidade, então, é tanto uma estratégia quanto um
circunstância. Nada é transparente. Nós nos conhecemos (se 11
fato nos conhecemos) apenas em rraduçiio. Em registros nnílt1
pios, seu traba lho encena os obstáculos à comunicação a qu
ela constantemente se re.fere. Em uma cena, ela apresenta uu
encQntro entre duas pessoas usando apenas a Jinguagem corpor 1
e duas cadeiras de m etal. Em uma dança, segu rando as cadt·11 1
longe do corpo, ela passa por uma sequência de 111ovi111enr,"
espaços. Ela então repete,, sequêncin uMndo .1 linguagem. 1 ,t
acrescenta um pouco de cl,1rt•/,1, 111 " 11111h1•1tl d,•1x,1 11111110
cnrgo de nm,11 im111111111\ 111 "\,. V( , l 1, ""' hu, dmj!m,lo
E, durante rodo esse tempo, ela nos o lha de frente, dirigi 111.1lsucedido de acordo com esses critérios. Contudo, o a rtista
a nós diretamente, questionando nosso papel no processo 11h,1lterno, chamado a arcar com todo o peso de assegura r a
produção de sentido. ,1111unicação, tinha sua originalidade negada. Se os comentadores
J
, conheciam as tradições que permitia m a comunicação, faltava,
Afina l, o que esse ato mágico de malabarismo connU1 ica u
111.10, origina lidade ao rrabalbo. Porém, se havia algo que os
espectadores? E, cenamente, a quais especradores? Além
11111<:nradores suspeitavam não entender, o espetáculo era consi·
energia, do humor e da destreza corporal e voca l da arrist,1
ler.1<lo excessivo e inrraduzível. O que havia achado notável na
que mais esrá em jogo? Sendo (por enqLtanro) uma criamr~
, rfonnance de Srok los era sua util iza~âo de códigos múltiplos.
novo milênio nos Esrados Unidos, fiz o que rodo mundo fa~:
1 111 rermos étnicos, sexuais, políticos, estéticos e linguísticos, ela
uma pesquisa entre meus a migos e conhecidos em Nova Y,
11 qva qualquer delimitação simples. A pluralidade estudada
para saber quem tinha ido ver a performance. O que achar,
1 l>cnise Stoklos era, em si, uma escolha arrística interessanre,
dela? Um performer que conheço ficou muito impressionador
111 parte porque vários dos melhores artistas pcrformáticos de
maneira como Denise Stok los usou o grotesco para desafo11
,1.1 ~eração na América Latina - entre eles Jesusa Rodríguez
esrruturaçâo socia l da "feminilidade branca". Seu rosto se reto
\ , 1rid Hadad, a mbas mexicanas - preferiram brincar com
em todas as formas imag in,iYeis. Algumas pessoas adoraram
h4u11~ dos ícones mais " larino-americanos" e reexa miná- los.
cabelo "descolado". Outros a amavam com paixão e pronto. l
11 trabalho visa SL1bverrel' as imagens estereotipadas que têm
aluno disse que faltava originalidade a seu trabalho, mas 11
i, l;1do a formulação da identidade de gê1,ero para as mulheres
admirava o esforço dela. Outro queria saber se ela era gay. Ouu
11, u.;anas, desde a mãe santificada (a Virgem de Guadah1pe ou
achavam o t rabalho dela "europeu" demais por se inspirar,
n.u li~ue, a "mãe'' méxica de todos os mexicanos) aréa mLtlher
trad içõcs como a mímica e o vaudevile, ou por evita e refor
,~~~11 li nizada, de sa ltos akos e esporas (Figura 72). O trabalho
cias e questões especifica mente "latino-americanas". 0111r , •'lltc de Asrrid Hadad, Heavy Nopal, sugere que a grade limi·
adm iravam seu extraordinário rigor arrístico e a riq ueza de , l.1 oferecida pelo estereótipo, que reduz e fixa uma imagem
performance. Algtuis, inclusive o resenb ista do New York Tim 111J1mcnsional, serve apenas como crítica para aqLteles que são
ac ha ram- na extremamente engraçada. Um colega eurn1 11111,cs ele ver a violência do enquad ramento. Em um quadro
adorou a internção entre Thoreau e Freire, bem como o fow 1 <1 q11c encena LUfül pinntra de D iego Rivera, Hadad, de modo
ouv ir uma performer falar sobre educação, pobrew, impo,1 111 humorado,assu111e o peso da acu01ulação estereotipada e da
e outras questões sociais. Uma a miga achou a perforrn,11 ,.~11çno "ansiosa". Ela é tudo ao mesmo tempo: a moça repre-
"muito latino-americana", e o inglês falado por Stoklos, d1I 111 ,1tln por Diego Rivera sego rando copos-de-leite, a so/dadera
de em ender. Um de meus colegas me perg untou se a perform.11 1, um batente revolucionária), a la.tina coberta de joias, usando
visava/se di rigia a um público "local" ou "global". "• pulsciros e brincos pendentes, a (ndia com blusa bordada
Os res ulrados dos meus testes de etnogra fia c:1sc11,1 111111, longa~ tranças negras e um ar espan tado (Figura 73). A
inrrigara m. O que me fo1prc$s io11011, certamente, fon11n w•111 L·x,c~sÍ\lllmenre morcndn da etnicidade relegênica sinaliza
comentários que amornaticamcnrc tra11sformnrnm o t•v,•11111 1nr1U111\.1U ri11ido da visibilidade cultural. A automarcação
indicador de uma diferençn ~uhnltcsrnn, formul11d.1 cm 1,•111 111d1, 1 l' 1wr~'<'h1c:l11 ~omu nrnis umn repetição do foto, mais
de demais/de menos pnrn, 1•111 si•r.11111,t, 11,l~.1 lo pur si•r 111111 111 j 1•1 uv,1 dr ,11.1 f1xul, 1, A Amt\rr,.,, 1 ílflllil ij6 t• visível por meio

l!lt,
do clichê e somente é conhecida "em t radução". Hadad brinca expressão autóctone, rransferindo-o para o colonizador como
com a ans iedade por trás dessas imagens de excesso, leva ndo o~ 11m marcador de gosto culrural, p r ivilégio e ca pital sim bólico.
espectadores mais hegcmônicos a reconsiderarem como esse- 1\n se enquad rar a argumentação em termos de origina lidade,
estereóripos de diierença cultural/racial/étnica são produzidos, n.io a penas se repete a aCLLSação de mimetismo colonial, mas
reiterados e consumidos. ,e confunde o gesto cultura l de apropriação e transculturação,
que tem caracterizado a formação a rtística e intelectual latill<J·
,11nericana, com emprésti mo indiscr iminado. Na performa nce
l,1tino-americana, a origina lidade rer ia de ser enrend ida tanto
,·111 termos de formas autóctones quanto dos modos akamente
inovadores como os artisrasse apropriam de formas que vêm de
1111tros repertórios cult urais. A expressão "muito larino-ameri-
, ,111:1", assim como "eur.opeia dema is", deixa perceber uma noção
1t·dutora de uma identidade natu ralizada, cu ltural e de grupo,
1111 América Latina ou para ela - como se existisse apenas uma
lc1rma latino -americana de ser ou de representar. Confor1Ue o
Kfll ll cm que os performcrs resistem às expecracivas ou as assu-
72. Vcr:;.i o de Coad1cue 1 a "mãe"
asrcc,1 cfo todos os mexicanos, por nwm, a performance se most ra transparente (europeia demais}
Jcsustt Rodt(_guez. f"o10 cedida por ,111 imraduiívél {la tino-a mericana demais). Portanto, o " larino-
Jcsusa Rodtfgue2:.
,1111criea no", na minha interpretação, s ugeria uma maneira de
Apesar d isso, Stoklos, que trabalha com textos e récnic,u l,·char, e não de expand ir, o campo de recon hecimento cultural.
de perforniance ocidentais e que, explicitamente, aspira a \111lo
mensagem "universa l" sobre a comunica~'.ão, fica restri ta ii maior
ou menor proporção em q ue exibe esses mesmos marcador,
étnicos. Quando minha amiga disse rerachado Sroklos "mu11,
larino-a1nericana", eu sabia que isso significava "excessivo
"emocional", até mesmo " histérico". O cúmenrário de que t•I
era "c.>uropeia denrnis" (is ro é1 não suficientemente latino-ame, 1
cana) significava que as expecradvas criadas para o "exócic:u
ou o "emocional'' não foram satisfeitas. O comentário de 111<11
aluno a re.speiro da falta de originalidade (por usar a lgum,,
das técnicas ocidentais} trazia consigo a suposição Je qui· "
latino-a me rica nos não pertencem ao Ocidente, a lém de 11,1
tomar conhecimento da quesrão compJicadn da nriginalidndc 1 1
relação a contextos de Terceiro M1111do. () ,olo11i:1 !1s111t1 J'tl~
o colon izado do "origi nnl", 1111 ,,,111ulo cl, l'''rt,·n~,1 ~11 l1 11r.il

lOM 11111
O poder e a orig in alidade da o bra de Stoklos, a meu ver vrlla - sejam essas estratégias ideológicas, políticas ou pessoais/
decorrem do humor e da intensidade com que ela t ransform 11rniliares? A obra de Stoklos é polivalente, permitindo Jeicuras
as tradições artísticas e políticas mais díspares em um projer urpreendentemente djvergentes.
de performance fo rte e a ltamente pessoal. Em seus 30 ano
como ar tista, ela vem explorando u ma mistura pe.cul ia r d
militarismo brnsi leiro e de alienação pós-moderna (Casa, 1990)
Denise Stoklos rem também buscado responder aos efeito
continuados do colonialismo (,500 anos - um fax de Deni$
Stoklos para Cristóvão Colombo, 1992), a lém de refletir sobr
as torturantes exigências políticas e pessoais feiras às mu lhr
res - como líderes pol íticas (Denise Stoklos i11 Mary Stuart
e mães (J)es-1\fedeia, 1995) - e exam ina r as opções políticH
a serem enfrentadas pe los cidadãos ao final do século XX
(Civil Disobedience, 1998; Figuras 74 -77). Cada uma dess,1
perfor ma nces se inspira no reperrório de t radições arrísrica
a que me refiro em relação a Cil)i/ Disobedience - mímic.1
vaudevile, teatro épico brechriano, ma labarismo e OLttras fonnQ
reconhecíveis - para tra nsm it ir u ma mensagem que é intrat1&1 1 l kmit: Stoklos C'<plor.1 a mi:,uira pe..ruh,1r de rnilitari$!l\O bras:ile,ro e aEcnal;ào
gentemenre sua. Stoklos faz questão de citar as cradições que ,1 • umJl!rna em Cas.l. J990. FQt<>: Jay ls,a.
formar.am como arrisca; assim, ela sempre inclui uma sequênc,4
curra de mímica. Entretamo, ela rejeita a ne utralidade po lítk4
da mímica, utilizando-a apenas para favorecer seu própru
projeto, que é firme mente posicionado e c()mprometido. Su
fo la endereçada a Colombo, como indica o próprio t ítulo,
absolutamente pessoal, direta e contemporânea. Ela explor
o papel do anisca, do intelectual, do teatro e do público 11
rrágica história de seu país. ''Leia-a", diz ela, "está tudo nn
livros". lvlais t arde, quando o público cnccnde complern mcnl
a magnit ude de sua crítica , ela manda acender as luze, ,1
casa: "As portas do teatro esrão abertas para os que quNr
abandonar esse navio ern chamas."' Por meio de seu pr6pr1 75. Em 500 anos - Um ít1."t
corpo, Denise Stok los explot·a as maneiras como o g~n .. w, de De1;ise Stoklos p.tr,<
C,i$tdz·,iu Colombo, 1992,
sexualidade, o poder e os laços fam il iares prcssi()nrim o 11111Jh Denise StokJos apres<'nl'.ol
em s ua própr ia carne. Será que podemo\ dcsfnzcr a tm1~tor1 nio n\pn,;ta aos 1:íeiroi
1.u.1tínuo, do ,otoniilliSnlO
histórica de matanças e opr.ir p111 rQtr,uc111ns q1tt• fl'aliun,1111 fiotn l'\tl l't•dnnJ

)Ili 111
N 1,n 1999. o trabalho de Sroklos foi apresentado, como nc<>nrecc: com frcquênci.1. cm
76, Denise $toklos em M:iry•Stu:1rt, J 9S7. um.a úhr.t que ret1ete sobre as pressões tom11-r. lc,:Lval br:1s1Jciro de tearro. Denu:o do teatro) for<>r, cnc;u:mcs d,u cxpressõ-es faciais
11111
do poder i)()lítico. Foto; J,1y lsla, i \lt)klos fo1ogr,tfad,lS por ~ua filha) Thais Smklos Kignc:i, ,crç.1.d.as por membros do
t1hhcn no saguão. foto: Oi:tn:1 Tarlor.

No Brasil, seu público reconhece seu compromeri mento


fc•1Tenho com a política do país. Suas produções são um
ll.:nn cecimemo que recebe arenção nacional. 5 Em uma série
,~~ente de apresentações de seu rra ba lho em São Paulo, a que
1\,i~ti, o público, formado principalmente por jovens em idade
1111iversirária, pa.recia profundamente tocado por cada uma de
11.1s performances. Esgotaram -se os ingressos para todos os
1wt:ícuJos e, a cada noite, o pú blico aplaudia rnidosamente de
111• No lado de dentro e de fora do teatro, as paredes escava m
,,hcrrn~ de fotos das expressões faciais de Stoklos, tiradas
,~,r ~u~ fi lha. Thais Stoklos Kignel. Até mesmo o chão e os
1, V,\dores refletiam sua presença (Figura 78).
O ~rnrus de Denise Stok los como ícone nacional origina-se,
111 p.ute, de seu rrabalho artís tico inovador. Ela é ,l primeira
1 1 lor111cr solo da América Latina, na forma como os críticos
77. Ur1-Mti,lrta, .,rr 1 11dt•111 fl defl11ir n performance solo, pelo menos 1 10s Estados
dti ~toklo, rm tt.J 1,1, {
Mf'drl,1 Jr 1Jt n,lll r , ,, 1 111.iu,, ~1·11~ prrrurtim·, potlcrin m ~er os ,1.-ris ta s de vaudc-
h lho, hHn \, r•'º J•u 11, ,. ,l ,•~1r<'l,1, du , d, 11, n,,, dc.-,1dM de l 9'i0 e 19/iO: Elis

11 111
Nos Estados Un idos, questões, interesses e ~~p1l\u, .I,
Regina, Chaveia Vargas, La Lupe, C ha buca Granda ..Seu Jivr
,onrestação viáveis são prnhu1damente diferentes. Embur,1 ,i.
The Essential Theatre [O tearro essenciall , delineia seu projc
discussões sobre colonia lismo, mi litarismo, liberdade polft i.:a,
de usar recu rsos mínimos, " gestos, movimento, pa lavr,\
sistemas regulatór ios de gênero e sexualidade seja m também
figurino, cenário, acessórios e efeiros", visando ao máxi1
1mensamence policizadas nos Estados lJnidús, o d iálogo inter-
efeito artístico e político.• nacional sobre essas questões, mesmo entre os progressistas, em
Ao op ra r pela performance solo, Stok los fo i contra o esll
f\Cra l permanece no reino do desejo. As estratégias, os gestos,
pol ítico e ar rístico predom inante no final da década de 1960
,is linguage ns corpóreas e simbólicas usadas para expressá-
na década de 1970. A Revolução Cubana havia pwmovido
1:,s refletem a especificidade de sua especi ficidade culrnra l
etos d,1 coletividade, um conce iw que organ izava tudo, dei
'3c ,irticulação e ameaçam coroá-las "i ntraduzíveis" em outro
ba irros até grupos de teatro. M ui tos dos mais importanl
rontcx:ro. De uma mane ira engraçada, mas talvez mais djfíci l
artistas do Brasil (e da América Latina) naquele período fon
de reconhecer do que em 1-leavy Nopal, Stoklos também brinca
ram coletivos para dar continuidade a seu rrabalho ar tístic,
, om a grade epistemológica do entend imento ao encenar o
político face à política crim inosa. Boal trabal hou com out1
";1gora você vê; agora você não vê" daquilo que parece ser
artistas im porcantes no Teatro de A rena; Buenavenmra inict
(r.,nsparente. O que consegue passar pelos filtrns hegemônicos,
o T.E.C. na Colômbia; Yuyachkani começou a rraba lhar
flll cerrnos artísticos on políticos?'
Peru, e ass i.m por diante. Em cont ra o pensamento da ép<
Esse jogo de esconde-esconde, não percebido pelos que
encenar u m rra balho so lo. Até mesmo ateist as a m adnr
11•spo11dcram à minha pesquisa de opin ião informal, é uma
formava 111 grupos para se dedicar ao ceatro de rua e enc~n
,l,1s características que vejo como "mu ito latino-americanas".
peças que falava m da situação polírica vigente em favcl,1
1 mbora Stoklos perforrnatize esse jogo, movimeman do-se
outros bairros "populares" . A instrumen ta lidadc polícic,1
11.trn dentro e para fora das cordas, tirando roupas, vestindo,
performance nesse per(odo tornava difícil para os profission
movime ntando-se, carnuflanclo-se, tra.nsformando-se dia nte de
do teatro e artistas que se exihwam cominuàrem seu tr,,
nossos ol hos, ele passa dcspercei,,ido como sendo 111na estratégia,
lho. Pr ivados de seus grupos, públicos e contextos, a maio
1mi~ é antitético, de acordo com a grade de classificação, a uma
dos a r tistas exi lados parava de c riar por algum tempo
o\niérica Lat ina que é fixa, conhecida, repetida e absolutaJnente
dava aulas em escolas ele teatro. Stoklos, conrudo, usou
1,c,sível a nós. Assi m, o que sign ificaria referir-se ao esconde-
per íodo de exílio para aprender as técnicas de performa
,•,..:onde como uma es tratégia latino-americana? Poderia se
solo. Mesmo assim, "solo" não significa "sozinho". E la r
, ~rrri r a 1.1111 amplo espect ro de prácicas culrnra is que, desde a
sernpre em diálogo, artística e ideologicarnenre, com out
onquisra das Américas, parecem suspeiramence inacessíveis
que lutam pe la liberdade. Suas últimas palavras a Elis Rq:1
1 ,cus colonizadores. Embora as autoridades do Estado e da
em sua homenagem solo à cantora , mapeiam a 1rnjct6111
h <(ln impusessem regras severas à maneira como os nativos
sol idariedade. Sroklos eira Elis R egina, que, por sua vc,,, .,
,uh•tianl se vesti r, viver, cultua r seus deuses, celebrar, e assim
a lguns dos versos ma is famosn~ d<' Ar,1huulpa Yupunqni
1 ,11 d1.1111i:, Pb ,•,critc>& ,1i11dn ex istentes transmitem a convicção
cengo tancos hermanos qut· ''" 1,, 1•11nlu «int.ir ... ~ 11n lt n
1, , 1111!, 1rt.1vt<I ,k que, 111w,nr dt· toda a vigilâ ncia, os europeus
rnntos imi:1os que 11ão "'""fl" u11 111

1i
não compreendiam tudo. O espetáculo colonizador/colonizadn •ubverte a demanda por decifrabilidade e aquiescência rigorosa.
sempre tem códigos duplos. Algo mais está sempre acontecendo 1 m uma situação socia l que ex ige a formação rigorosa em
por baixo das rotinas aparememente transpareu res imposto termos de gênero e sexo como pane integrante da performance
pelos novos senhores. As práticas culturais de cód igo dL1pl11 po lítica do "ser" nacional, não esrar d isponível para ser lido
tornaram-se ai nda mais dinâmicas co m o passar dos sécu los. A <1>111 facilidade era ao mesmo tempo um perigo e uma for111a
populações nativas e africanas das Américas sempre encontraram 11<' desobediência civil. O humor, para Stoklos e o urros perfor-
maneiras de transmitir suas práticas perfom1áticas bem debai:x, m,·rs latino-americanos, oferece o veículo para a comunicação
do nariz dos grupos no poder, do mesmo modo que os co11vers(J rm códigos múltiplos. Baseado em justaposições, subversôes e
judeus e outras minorias. Essa habilidade, por muito tempo um~ 1t•,onfigurações in esperadas, seu humor dá a entender outros
estratégia de sobrevivência, às vezes se converte em uma form 1g11ificados possíveis, duplicidade, polivalência.
de arte. Para Den ise Stok!os, artista brasi leira que aprendeu sell Corno já havia tra balhado no teatro 1.10 Brasil como aurora
oiício durante um período de ditadma militar, censura e viol6n 11-.11ral, atriz e direrora desde 1968 até ir para a Inglaterra em
eia do Estado (1964-1985), o virruosismo mu ltivaJenté leva 1•n1 1' 179, Denise Stoklos aprendeu algumas linguagens novas, em
conta ta nto a demanda por clareza quanto a tática de oposiçw1 1rr111os linguísticos e estéticos. O inglês, como já mencionei,
baseada na visibilidade seletiva ou pa rcial. •krccia "leveza", Trabalhar e11J performance so l<> lhe gara ntia
Vamos examinar agora a relação enrre a sexualidade e a lihcr 1111m zona de possibilidade expressiva e política cm um período
dade. O Brasil, diferentemente de outros países latino-america111 • 111 que a desobediência em grupo era extrémameme perigosa.
sob governos d iratoriais dur.ame o mesmo período, pare,, 1 , " melhor cada um encenar seu próprio e solo ato de resistência,
permitir maior liberdade física e sexual, embora se negas$t l ,1lw1.. um ponto de convergência q L Le levou Stoklos a Thoreau
Liberdade de expressão e outros direitos civis. A imagem de u , 11hn sido a semelhança dessa performance política solo. "A
corpo sensual e multi rracial era o ma ior produto de exportaç 1 1111c.1 obrigação que tenho o di.J·eito de admitir", diz Stoklos,
do füasil. O carnaval e o samba, os dois produtos cu ltw li 11 ,i ndo Ciflil Disobedie11ce, de Thoreau, "é fazer o tempo todo o
brasileiros ma is conhecidos, glorificrun a carne sensual, 0111h I'"' pcllso ser cerro".8 Os dois se retiraram de seu mundo tempo-
lante, aparenteme.nte não reprimida. O corpo como mercadort " 1,1111cnte, não paca escapar dele, mas para reinterprerá-lo,para
econôm ica e polírica funcionava como significante de um 1 Mldcnrificar, reorganizar. A desobediêntia civil, para Thoreau e
li berdade apenas superficial, parte de um espetáculo duplo, 11 dt.1 Stoklos, é uma prática solo, a política de não participação,
melhor, um espetáculo dentro de um espetácu lo - algo cm11,, • pol11 ica anti-identidade, aoricatárrica, da resi.srência individual,
que Debord chama de espetácu lo militar (ou "conccntratli• 1101/Lica do um. Para Stoklos, a linguagem corpor·al pod ia
que funciona dentro do espetáculo mais "difuso'' do ca pirali%n 1, r o que ns pa lavras não podiam. O "corpo cênico" assume
global.' O corpo, para os miürares, faz uma coisa. As paln1 r 1 1ponsal1ilidadc de comunicar, de reabrir os locais fechados

vão para outro lugar. ln,. ,1,tcmos do terro,; pelo silcncia meni:o e pelo exílio.
A indecifrabilidade, então, tem sido, há mu iro ternp(l, "' 1 '"' ,·011rexro polilico leva a um tipo de performance política
estratégia para combater as cx:1R~11~1.1, dl' que tud() ~ej,, Lr,1m1 • 111111· "d1forenll•" claque muiws J~ meus amigos e conhecidos
rente, d is p()llÍVCI pnrn ,1 d1•, u,l,1, ·'~·'" 111wdrnt,1 A ,11t1h1gu1d 1 '" 11111 No~,, Ym ~, O, nhl('tivn, t•, porwnto, 11s cstraté/l ias

11 f1 li
diferem. Di versos dos melhores performers solo dos Estad l,•s sentem e compreender por que eles agem da maneira como
Unidos - l'eggy Shaw, Kate Bornsceio, Holly Hughes, Kar 1'1'111, Nenhuma delas usa suas p róprias palavras, em bora em
Fin ley, J ohn Legu izia mo, i\,,hHga Gomez, Carmelita Tropican 1,111de parte elas imagfaem e criem seus próprios textos. Ao
Deb Ma rgol in, Spalding Gray, entre outros - se inspiram r ,uvcs disso, é precisamente ao incorporar essas outras palavrns,
materia l autobiográfico. Eles escrevem seu próprio mater, 1111 ras línguas, outras mane iras de pensar, que elas tornam
relembrando suas experiências com menopausa , mudança~ , '"ível a conHmicação inrerpessoal e entre g rupos (sejam eles
sexo, co111 o assumir sua homossex ual idade, rejeitar/aceitar • 11 1,1 is ou uacionais), que ambas consideram centrais para seu
próprio corpo, crescer em uma família disfoncional, Alzbeim 1 rnieto político. Scoklos, de modo semelhante a muitos de seus

exíJ io e formação religiosa. Frequememente na prin1eira p es,, 111tcmporâneos latino-americanos, considera-se um a revolu-
as performances tendem a privi legiar a linguagem acinrn 1011,iria - ela busca uma transformação profunda e radica l no
corporal idade e a contar com um público que eles reconhece nmlv de pensa r e de agir do ind ivíduo. Porém, e novamente de
como seu. O hu mor, a intensidade, a beleza dessas perforn111 1 11111a i.rônica, ela é revol ucionária ma is no estilo a narquista

ces freque11temence se originam do aro de capea r o pequenn, mdividualisra de Thoreau do que ao modo de Fidel, Che ou
pessoal, o confessional, fazendo-os fa la r para uma comunidu 111dino. Depois de ta mas revoluções malsucedidas, Stoklos não
orga nizada ao redor de uma "identidade", sem limitar-se a, 1 1 •11.k apoiar os p rogrnn1as catárticos, restritivos e baseados na
Latinos/larinas, gays/lésbicas e feminisras encontram nc, l,•mificação que foram postos em funcionamento.
artistas um espaço para a identificação, para o reconhecimcn h ~o não significa que Stoklos não se impor ta com outras
mútuo, para vh•er de outro modo que não aquele regido 1• 11 w,rôes, como gênero e sexualidade, que preocupam muicos
cul tura dominante. Essas performances legitimam a alte111 l,,~,es outros arriscas. Embora suas reflexões náo esrejam liga-
tividade púr meio da ironia, do h1unor, da alegria. Elas l 1• ,1 uma narrativa pessoa l, elas giram cominuameme diante
frequentemente associadas com espaços culturais especff1 1 nllssos ol hos. Como performer, Stoklos pa rece re.t acesso a
1110 o amplo espectro de gêneros normalmente reduzidos de
(off off) e os públicos são autosselecionados de acordo u
1
1111a dicotôm ica como masc ulino/feminino. Conrndo, ela não
"questões" específicas.
dcd ica ao drag, se considerarmos o term o com o significado
Stoklos, talvez mais no esti lo de Anna Deavere Smith, <.('li
1. (.1ntasiar-se de ma neira paródica consciente, ou então de
outro ca minho na performance solo, possibilitando a seu c.:ur
1 •111:isc,1rara existê ncia de papéis de gêneros "opostos". Nada
canalizar (em lugar de possuir) rodo u m âmbiro de posi~,
'1 de pa ród ico no modo como ela assume o poder, a aurori-
O crabalho das d uas artistas é incensa mente pessoal no qu1
11\lc, o controle e a força física que geralmente se conferem
respeito a seu projeto político e estético, mas não aurobio~r.11
• 111Mc.ulino, nem na maneira como ela exa lta o prazer, a
Elas tampouco se dirigem a públicos de opin iões semclhan
11l11rr,1bilidade e a expressividade do co rpo, associados ao
Ao invés da abordagem de dentro para fora descrita ,1, 1
,n,nino. Ao invés disso, ela desafia o sistema normativo que
as duas se movimentam de fora para dentro. Anno Dr,1v 1r1h11l n mnsculin idade exclusivamen te aos homens e a femin i·
Smith afirmo u q ue um ator pode entrar cm 11111 pt·1,011., 1tdt· lh mulheres. A crítica, como a sequência d,1 maq uiagem
por meio da linguagem - se nprt·ndrrnm• .1 dizer ns p,tl,1v 1 1 ,1 d.i rn, reside nn maneira como somos forçados a caber
de um ou1ro, seremos Cílpll/r,, .!, 1hu1111 mnJo, de \l'lllll "q • l111111,11,1ie~ rrdHliv,1~ dos papri~ Jc gênero c~tct"C·otipados.

'1 ti
A an drngin ia, entretamo, não é uma ca tegoria bem-aceit ,,parentemente transparentes de política, gênero e sexua lidade,
entre alguns adeptos das teorias q11eer nos Estados Un idos, onde 1 ,1 rneu ver, realça a indecifrabi lidade que se produz quando

movimento visto como politicamente ma is radical demanda um ,lni,; imperativos políticos colidem - a política da ambiguidade
apresentação ma is expllci t.i e ca tegórica. A depreciação se origin rJr1i-:inada na América Latina está em desacordo com a polítíe,1
no modo como a androgin ia tem sido n1obilizada para exclt11 ,lt· identidade estadunideme, que exige definição.
em lugar de desvelar, as relações complicadas enrre os ''atos" ti
l'ur que é tão urgente que os teóricos da performa nce focalizem
gênero e de sexo. E aí es tá uma maneira como a perfo,:rnance ti
Sroklos, ao mesmo tempo que desafia par~digmas restritivos d 1 ,mdiência inrercuJtura l, as maneiras como entendemos ou
gênero, deixa de ligar as performances de gênero à prática sexuul 1,-, xamos de nos entender ao cruzarrnos fronteiras culturais e
Além do momenro srein ia no de ser gay, não muito ga)', apcn 1 11,1cionais? À med id a que sistemas de circu lação - eco nômicos,
gay- pois " não há lá, lá", segundo a ex pressão fomosa de Srein 111,urais, migratórios - passam por mudanças em decorrência
a sexuaüdacle de Stoklos é indecifrável por causa da natu r~ l.1 11lobalização, nós nos confroma mos com novos sistemas de
antiautobiográfica de sua performa nce. Pode-se argumentar qu 0111,:ole e ccl)rralizaç,io nos qu,1 is temos um papel. Embora as
novamente,~ performance encena ,1 rnprura enrre o corpora l , t ,,, formànces viajem há muico te1npo.(em geral em apenas urna
dizível. O corpo de Stoklos performàtiza uma coisa e diz out r hrl'.,:ào), dos centros para as periferias colonia is, vivemos agora
Ela desmonta a fem inil idade e a masculinidade normativas cm, 111 um ambiente de circu lação muito maior e aparentemente
aros de vesti r-se e despir-se; pcrformatiza o ser gay por t11cio t1111 Ii idirecional. Essa c ircu lação assume vá ri as formas. Temos
Stein; manifesta sua força física ao balançar cadeiras, leva ml 1 prod uções pré-fabricadas como Cats e M iss Saigon, que

em consideração a sensualidade e a vulnerabilidade. Ela lamm lo .qwesemadas simu lta neamente em Nova York, Londres e
nossa incapacidade de fazer uso de rodo o nosso potencial • 1,"1dc do .México. Essas são mercadorias culturais, objetos
corpo, pensamento e ser. Seu corpo e suas palavras demand,1 1111' mudam pouco (se é que mudam) quando em trânsito. fm
mais opções, uma expa nsão de nossa express ividade ani ~1111do lugar, os espetáculos folclóricos con tinuam a levar
l'orém, o que funcion a fisicamente como desafio a limiro.,, 11111111110s de Terceiro IVlundo aos palcos do Primeiro .Mundo:
também pode (com.o sugere a depreciação da andr.oginia) 1p1ne11t;içõcs de balés fo lclóricos, cango e flamenco entram cm
visto discursiva mente como seu oposto - subsu mindo q ue~,, u.•gorias níridas, que confirmam o que já sabemos sobre essas
de sexualidade sob o tít ulo de "opressão"-, o ato de agrur 11Iil1r.is '"excessivas". Temos alguns espetáculos lllternacionais
reroricamente, que funciona contra a pe rforma nce de dt 111M.1.;a111enre inovadores sendo apresentados em espaços alter-
la memo. Conrudo, essa discussfo ra mbém se beneficia dr 1 ' 11vo~. como Ciuil Disobedienc.e, no La MaMa. Temos, então,
diálogo intercultural mais àmplo, Ao invés de descanar cs~t· li 1111· meu colega chama de circuito "glo bal", as apresentações
de perfqrrnance da ambiguidade como sendo não polític11 ou·, 1 , l.1b~C internacional" de pcswas como Robcrr Wi lson, Pina
queer", Sylvia ~fo lloy nos estimula a olhar o aro de "fozt•r J" 111 , h, Ph111ip Class e Tndushi Sasuki, exibidas em produções
e de outras formas <lc práricas de gên~ro " i111 pau-i(>cic4~"" ,, 11 me~ p,1rn a el irc cultural nas grandes ód,1des do mundo. Em
"uma performa nce polírim si~11ifk,1riv,1 e 11rníl pdm, l t1ltu ,,.,, 1 prm.luç;'in ~11 lrur~ l rem um papel importante, emborJ
queer fundadora ",• A clii,ç tl \~.,., ,1ur ,,,• .,hn· ,1tt'l~.1 tln, q 111 r 1111 1111•11w,111· ,,.,., , .1n11n11do, no que geralmente se di~cute

Jl l
como "fluxos" financeiros. A cidade g lobal, como afirma Sask popu lação japonesa no mundo, enquanto a população judia em
Sassen em seu livro de mesmo rírulo, ganha essa estatura e l!11t:nos Aires só é menor, nas Américas, do que a de Nova York.
parte por meio da concentração e da divers idade das mercod Não há uma só linguagem, artística ou linguística, associada
rias culturais que pode fornecer para seus novos profíssiona 11·ja ao hemisfério norte, seja ao sul. Em face dessa real idade,
urbanos e afluentes.'º Além disso, as cidades globa is estão 1111 o que significam julgamentos como "latino-americano demais''
das umas às outras, compaEtilhando ma is produtos (inclus1 1111 "europeu de mais"? Aumenta a urgência de desenvolver uma
cu lturais) entre si do q ue provavelmente compartilhariam cu ,111diência trans· ou intercultural mais bem informada e matizada
os países em que se situam. Entretanto, a rererritoria lização l~Y rnqnanro tentamos compreender oosso papel como intelectuais,
a uma estrutura diferenre, composra por sistemas relarivamen 1t·círicos e artistas em um sistema em rápida mudança, que afeta
fechados, de acordo com novas formações de classe. r'ois, nnssa compreensão das arenas locais e globais como profunda-
ourra ponta do mesmo processo, vemos os imigrantes e grnp mn1te inrerconectadas. A competência cnlcural agora envolve não
minoritários, em rápido crescimento, assumirem os serviços 111 ,tpcnas tuna compreensão da tra11scult11ração, que explica como
pagos para acender a esses novos profissionais. Esses gntJ' nN sistemas culturnis passam por mudanças por meio do contato
que trabalham no setor de serviços também demandam e crl,1 , 0111 influências esrrn ngeiras - embora isso seja um começo. 11
produtos cultucais. Em Nova York, por exemplo, a arte mur.1 J xige também uma compreen~ão de como as performances -
casitas e esculturas comun itárias constituem maneiras como , q1110 mercadorias, objetos de arte, processos de melhoria de
comunidades minoritárias elevam seu níve l e tornam esse nt, vida, veículos de expressão e comunicação -se movimentam 11 0
arnbiente sua casa. Interior de redes econômicas e ideológicas maiores e das quais
A glo balização, então, nos forneceu uma variação do anti l.vcm parte, ligando São Paulo a Nova York, por exemplo, ou
modelo de colonização centro-periferia. Agora, o centro , .1 Broadwa)' ao Lower East Side. Espetáculos da Broadway e
periferia freq uentemenre ocupam o mesmo espaço, em círcnl 11111rais do Lower East Side são dois lados do mesmo espetáculo,
concêntricos, e não em uma direção linear aqui/lá. Ela ramh 110 semido em que Debord entende o termo:"( .. . ) o espetácu lo
imroduziu novos problemas ao pensar sobre a localização e o ,1 11,lo é uma coleção de imagens, mas uma relação social entre
de estar situado que leva em consideração o fato de que as pop 1••'-soas, mediada por imagens."12 0scircuicos transnacionais que
lações residem em cenos lugares mais por causa de impecati~, . 1 i.1111 um também criam o outro . A produção cultural precisa
financeiros e políticos do que étnicos e 11acionais. A "An1ér1 . , visrn como parte de um sistema de interação e conexão mais
Latina" não significa mais um espaço pronramenre reconhcuv 1111\vel e menos limitado geograficamente.
<m uma população sirnada lá longe. As elites latino-amcric,111 Ai, performances não apenas participam desses fluxos
têm apartamentos em Nova York e ruais vínculos com oucros h, 11lll'rnocionais s istêm icos, mas também têm servido há mu ito
res econômicos do que com a niaioria das pessoas c111 sens puf 1 111po corno um loca l para a pesquisa intercultural. Louis
de origem. O trabalhador migrante latino-americano tornou \ lthu~ser, e m For Marx, observou que "a performance é
o a judante de garçom que tira a mesa cm restnuranres cht,11 h1ml.11nonrnlrncmc a ocasião para um reconhecimcmo cu lrnr.al
do SoHo. Também nos países lntino-nmericanos, os 1ílnn10~ ~ 11lrulôg1co~. 11 l~so se parece com a afirmação utópica de Victor
anos foram marcados por todo~ os ripnff de i11v,1sõc,, 1111111 ,1\ 1t1111N "N6, no~ conheceremos uns aos ourros melhor ao
e outras formas de reloca~.111 O 111,, .. J ll'tll 11 \t'j\und.1 ,111 111110~ 11111 pr1 furni,rn,c~ un~ dlJb outro~, :iprcndcndo ~uas

lll J 1
gramáticas e vocabu lários."" Contudo, isso funciona somcr • 01110 indica a imagem do juiz, proposta por Alrhusser, esses
se fizermos mais do que ampliar nossos parad igmas existcu p\'l:tadores desfrutam da superior idade e do poder que acom-
para inclui r "outras" experiências cult urais. A perfor.ma11 1 111h,1m a posição superio r de sentencia r sem se sentir envolvido
que pode litera lmente encenar o encontro intragrupo, ofor ,, processo. Os problemas da forma hegemô11ica de assistir são
t1m local privilegiado para essa exploração. A performance 11 ind.1 mais acentttados no reino da performance intercultural, em
apenas iunciona como um indicador dos processos globJ 11h• 11s pessoas se senrem ainda menos envolvidas na consn:uçào
mas também abre um espaço para se pensar sobre eles, b t, nlógica da perforniance e com ma is poder para exigir o acesso
como sobre nossos há bitos de resposra. Const iwe m m , ~1.1. O ônus de criar sentido cabe à performance, e não ao
hábitos (cu lcuro is) considera r a performance como objeto 1wo:tador. O assunto, estilo 0 11 linguagem não devem se r estra n-
mercadoria , em vez de um exercício coletivo, e também mi llns demais (somente suficientemente est rangeiros) . Esse é um
110 ,liferente de distanciamento " crítico" - o poder se fantasia
lar de "pensamenro crítico" o que é, de foto, a reafirm ação
categorias exaur idas . As performances podem desafiar no• """ estética, gosro ou va lor. Os espect;1dores, seguros em sua
i~·:io de olho/eu imperial fora da moldura, julgam. Ao invés
suposições sobre nosso J)apel como espectadores e nosso pt
1•11fraquecer nossas respostas como espectadores, poderíamos
cionamemo cu lmrn l.
•111plcsmence reperi-las. Os há bitos culturais se disfarçam como
Como os teóricos têm reiterado du ra nte as últimas décntl
11111·:1. Contudo, a crítica q ue balança as presunções de todos a
a performance intercu ltural exige uma nova forma de se as~, 1
('dto de nosso lugar no espetáculo como "tuna relação socia l
wna forma dialérica (para Alrh usseri, que demanda uma qutb
•tlrr pessoas" só poderia vir das margens. O objetivo de nossos
tanto com o modelo baseado na " identificação" quanto com
h11,os, como disse um de meus a lunos, é "reeducar o privilégio
oposto, aquele que coloca o especcador fora da produção: "M
11,1t•mológico do espectador com um'' . 1•
Coragem lhe é apresentada. É o papel dela agir. O seu é j11I
1) c,perácu lo Civil Disobedience, de Stoklos, oferece tttn
1'0 pa lco, a imagem da cegueira - nas poltronas, a i111asc111 ..,!(• lo de comunicação intercultural diante de uma grande
lucidez." 15 O modelo baseado na identificação, criticado J 111uald ade. Po r um lado, essa performance é certamente
Althusser por reduzir "a consciência socia l, cultural e icleol61l" 111110 i11tcrnacional, viaja ndo de São Pau lo a Nova York e Jogo
a "uma consciência pura mente ideológica", tem também " ·um,1, grandes cidades. É também internacional em sua forma,
condenado por teóricos como Augusto Boal, por tirar o po ,, p1r,111do-se em textos filosóficos, tradições circenses, mímica
dos espectadores, tornando-os observadores passivos das .,~ 111 m\ rcperrórios estéticos e políticos ocidentais. A pe rfor-
e emoções dos poderosos. O segundo modelo, o d istanci~m11 llll C m111b~m encena um diá logo internacional sobre tópicos
não reflexivo, parece -me esrar no âmago da forma hcgc111011 11111ific.1clo un iversal; além disso, seus protagonistas (rhorcau,
de se assistir a que aludi an teriormente. Aq ui, o espccrndttr, r 1 • til', ~tein) sãC> hastanre conhecidos . As p,ilavras foram todas
o protagonista, tem o poder e reivindica a "consciência ,th" ,1 , 11.1, e ~:ic> faladas na própria língua do espectador. Conrndo,
do cu" (p. 148). Porém, isso é mui to diferente do c~pn t , ,11,.,,,1 em cerro nível a performa nce fLJ ncione nos circuitos
defendido por Boa!, o ator social de~provido de poder 1111r h 1, li\ tli• 1111 xn, i;uh urnis, de modo algum ela apoia :t ideo.logia
com razão, por um papel ntivo n,1\ b;1r.1lha, ,tx:1.li, qu1· 11"" 1 , ,111 r11l1 e 11,·rc111.1,tn1cn1.o q11c apcnos ocasionalmente cen ta se
Os cspccrndorcs l1cx<·1n11111<,"' l11,r,11H, 0111 , 11,ln 1d1·111 il h 1 Ir ilCII Hllllllllll 11\,111

UI l'f
Pe lo contrário: Stoklos sussurrn, grunhe e canta "Ten 1 rlOJ'ma nce.'7 Ela exige que imaginemos nosso caráte1: inter·
cuidado". Não é rão fácil alcançar a comullicação. O diál, , l.ocionado de ouo·a maneira; as ocasiões para a interação e
intercu ltural ou internacional é ainda mais difícil e, ci 11.1 a conversa são muito mais numerosas e flexíveis do que
frequência, t(aiçoei ro. Ele se transforma, demasiadas ve1 11t.111inamos agora.
no monó logo mega lomaníaco do poder consigo mesmo. Aconteceram coisas mais est.r an has: Thoreau emra em uma
comunicação intercultural não é "algo já conhecido"; no IIIV('tsa contemporânea com Freire, 100 an os mais novo . O
grade de conhecimento não "o" co nsegue enquadrar ou capt 11, ontro entre pensadores, pacifistas, ed ucadores e poetas de
Uma práxis, e não uma episteme, o diá logo nunca pode htcrenres partes do mundo já produziu um discurso sob.te libe,·-
assumido; o acesso nunca é dado, mas sempre aprendido, 1til,· e justiça social que atravessa gerações e nações, levando
rnulticu lturalismo - a meu ver, de maneira errônea - ofere, Vl\<ies sociais e projetos políticos d iferentes, como os de
promessa de entendimento cultural. Proponho que comecem 1hurcau, Gandhi, Kierkegaard e Marx. A comunicação in ter-
com a supos ição de que não compreendemos, de que sen11 11lt 11ra l não é apenas uma criação ilusória do que gosraríamos
estamos envolvidos em a tos de cradução. A tarefa de trabalh 1111• losse realidade; trâtá·SC de um exercício coletivo voltado
para a commlicação intercultural (em oposição a consurrur 1· 11.1 a criação do que Arjun Appadurai denon1i11a uma "esfera
alrerid ade) é urgente, afirma Stol<los. Ela dá o primeiro pn• 11\hii,,1 diaspórica". 18 Por me io de seu trabalho, Sroklos afir ma
à frente, um passo gigantesco, porém cuidadoso, antecipa11 , 10 :1 penas a potencialidade desse tipo de esfora públ ica, mas
o acontedmemo que coloca em diálogo o passado com no, 111 t•xistência. É com humor, convicção e coragem que ela nós
fururo, o lá longe, com o aqui e agora . Esre aqui e agora 1101> ,1ltdt,1 insistenteme nte que nt)S ltnamos a ela, que juntemos
um lugar estável, mas uma configuraçãu de elementos em Au 1 ,iu~.1s vozes, nossa linguagem corporal e con hecime ntos ao

constan te. Alguns espectadores reconhecerão alguns de, 1>~rtúrio, já vasto, de gestos cu lturais. Juntos, faremos sentido
elemenros - ral vez algo de Gertrude Stein, Paulo Freire, (li• 1, pelo 1uenos, contin ua remos tentando - repetidamente.
gestos de mímica-, e não outros. Estamos todos equ idisra111
do repertório multicultura l de imagens. Como todas essas d,I
remes conversas, signos e movimentos, juncos, fnern se1111.l1
StokJ os, o lhando para nós, comunicando-se conosco por n, 1
de linguagens, imagens, gestos e movimentos, desafia -no
reconhecer a urgência com que nós devemos lutar pela co11111n
cação. Algumas vezes as p,ilavras são incompreensíveis, os 11c,1,
hesitantes, e o sentido, fragmentado ou incompleto. Al!lt1111
vezes nós compreendemos uns aos ourros. Outras veie~. 11
Será que se remos capazes de entender a mensagem 11a 11,11·1,1f
E se conseguíssemos' A performance de Scoklos exige dt 11
um ato de imaginação. Esta não é a recomendação :1ri,torrl1
para que se aprenda a accitnr o r,ln~$ib1lidmlc 1mpo~i1vrl f
oposição à implnu~ibllid,1d1• poN"vc•IJ qu,1ntl11 ~~ .,~~1\tr ., 1111

lL7
''º
9

1 RDIDOS NO CAMPO DE VISÃO


tt~lom unhando o 1 l de set embro

1J11.1ndo vi que a Torre Norte do World Trade Cencer estava


1 , h,uuas - mais ou menos cinco mi nu tos depois do choque
1111111ciro avião-, pensei: "Meu Deus, vai ser preciso muito
.. 1110 e dínbeiro para consertar." Uma pequena comunidade de
, tvadorcs formou-se na t ua. Duas mu lheres contaram que
,lt uu ouvido o a1·iào se aproximar, voando baixo, e então o
1111 pnrtir o edifício ao meio. 01.ttros se jtmtaram a nós . Era
,llit cqra11bamenre lindo. Nós nos aproximamos mais para
U o llLI<" os outros estavam dizendo. As mu lheres conrar.am
, hMória de novo . De novo, escutamos. "Há pessoas presas
1, 1nro?", ocorreu-nos fina lmente perguntar. Os grupos se
11.,vnrn, se chssolviam, se reforma varn. Eu me dirigi para casa,
,,. l<l mctt telefone celular para entrar em contato com minha
11, 1 Nenhum sinal. O tráfego parou. E, cutão, o segundo
" <h11ra explosão. Do lado de fora de mett prédio, mais
i\ c~posa do ,tclministrador do edifício traba lhava cm
,1,. lnrres; olá csrava lá naquele mornen Lo, ele nos disse,
1111n nlhnYJ1110~ as chamas no final da rua, mudos e de
1111•µ,dmlo,. !'vk,mo naquele 111omét1to não começamos a
, .,1,,. ,tt,111111·, ,,., rnrM t& tfdtherndo~. h,o .wonreceu apenas
quando a notícia sobre os ataques contra o Pentágono e o a viã~ Como mu iros ourros, entrei em casa para ligar a televisão,
na Pensilvânia infiltrou-se na rua. Ficamos lá de pé, olhando, Le11ta ndo encont rar llJU sentido no que estava vendo. Não
testemunhas sem uma narrativa, parte de um coro trágico quG sonseguia assimilar o que via , seja ao vivo, seja na tevê. Como
entrou por acaso no palco errado. A cidade pa ro u. Os telefoné~ t111 um estádio esportivo, eu ol hava a ambos ao mesmo tempo.
emudeceram, os carros desapareceram, as lojas fecharam . A, 1v andes janelas emolduravam uma cena surreal e, em geral ,
•lll'nciosa. O vemo estava soprando em d ireção ao füooklyn e,
J11lr isso, o cheiro ainda não hav ia começado a entrar. Do 29º
4J1d:11· de minha moradia na cidade de Nova Yor.k, maisou menos
11111a milha ao norte do \Vorld Trade Center, não conseguia
r r :is pessoas. Eu olhava então para a relevisão e via na cela a
· ,wrcr ia , os gritos, a colagem de imagens do desastre, frenéticas ,
,,1t1,, a inda assim, contidas. Giu liani, o prefeiw, estava falando,
~llrcscntadores de noticiários escavam fala ndo, correspondentes
· 1r.1ngciros escavam fofando. Eu então coeria pa ra a janela.
l m:i uma fotografia, sem saber exatamente por que, e comecei
a }lr,,va r o noticiário da CNN. Tevê, janela, foro, de um lado a
~11ro , mi nhas opções se limitavam a ir de lá pa ra cá, tentando
dt r.1nger e compreender o que estava acontecendo. Será que
7 9, 80. As Torre$ 1 e 2 do \Vorld J. v~ria ir buscar minha filha? Estar ia ela melhoJ na escola, a
TrJdc (',<;1u cr cm <::hilmasdepois do 111,a m ilha mais ao norte, ou aqui? De urn lado para o outro, de
amquede 11 deser~mbrode 200 1.
Foros: mana Taylor. 1111 lado para o .outro. Saí para bttscar minha filha.
O es tado de espírito na rua havia mudado. Estávamos na
1111Hfolidade de cúse tota l agora - a cidade, quieta e repenti-
11 ;n1cntc severa, em estado de choque. Atordoadas, as pessoas
rnúnva m se m rumo pe las ruas, procurando as pessoas queri-
1n , Entreta nto, rndo estava quieto, com a exceção das sirenes
, i&rcnrcs das a mbu lâncias, caminhões de bombeiros e. carros
1 p,,lícin.
1 nquanto cam inhá va mos de volt(} para casa, Marina e eu
", 1Ml'lOS fazer a lgu,na coisa - qua lquer co isa. Temamos doar
lllfllr no H ospital Se. Vince1\t, mas a fila iria delJlorn r horas.
1u OlllS para c:1s:1 e ol hamos pela janela . Era esquisito não
• i:~rlH>. /\ c,1ti!~trr:ifo - tiilvez se pudesse acreditar por um
µ11n.J,1 - 1in 1).1 ,1 w , l'(JHI 11vlõcs r torres, com perda de

110 11 1
propriedade, e 11-ão perda de vida . Pa recia um daqueles arnq1 u1111i1.ação, mal, vingança. Mas o enredo linea r tin ha pouco a ver
cirúrgicos que os militares escadunidenscs a firmam rer n1 1m n que estávamos assistindo. As imagens, repetidas sem parar,
feiçoado. Nossa tecno logia de av iação e táticas de tçr mgelavam o momento do im pacto. Os quadros múltiplos nas
voltara m-se contra nós . Nossos roceiros hollywoodia1JO\ ,., ~imulraneamence t ransmitiam e controlavam a crise: em wn
vivo - incluindo in fernos na tor re e sirenes enlouquecidas-, h •X pequeno, uma pessoa da va uma opinião; em oucro, vídeos
na nossa rna. Prejuízos colaterais, reconfigurados. Perguntei néticos gravados com câmeras manuais captavam o pân ico qne
se minha incapacidade de compreender o que estava vem ,, 11:io conseguia. ver de minha janela. Na parre de baixo da tela,
cinha sido cond icionada pelo domín io desse repertó1·io virt lr11wda de notícias rambém se repetia, congelando o tempo. O
de imagens, personagens, enredos. Eu havia v isto mdo , tr,irio do primeiro ataque, 8h46, o horário do segundo, 9h02 ...
antes em monitores de compurador ou de cevê. Será que 1 h:'i;i:ncla na patte inferior da cela captava o movimento e a estase
ofuscamcmo sinaliza o fracasso do "ao vivo" como modu 11 li·11ômeno, a volta obsessiva àq uele único mo mento fixo. Em
conl1ccunemo? Ou o triunfo do que George Yúd ice denoml ~u,da, os q t,adros mudavam novamente: agora, u,n Giuliani
o "Comple.xo Micl iárico foduscda l-M ili tar ", mais conhc\l " 11 1<· dominava o primeiro plano, desorganizando o q uaclw no
em geral como "entretenimenco", qL1e trnnsformoti o "ao v1v ,,,,do da rela. Corri de novo parn a j,111ela.
em mais uma reiteração? Liguei a revê.
,\s Torres continuavam si lenciosa mente a a rder, sem chamas,
11\t,incia; nuvens de fumaça se colavam ao céu exccssivamenre
111. O próprio tempo parecia ter parado,magicamence cransfor-
, uh, cm algo fixo, talvez pela invocação, pela tevê, do primei.ro
h1111ut,, e emâo cio segundo. Parecia que as Torres ficariam
11, qu(:iniando lentamente. Mais foros. Enxergar através das
nrrs ~mpliava o a lcance e o poder de controle de minha visão.
•n~cicnte de que um ,icontecimcmo histórico estava ulrrapas-
111do minha capacidade ele compreendê-lo, eu também queria
ntcr o momento e congelá-lo para mais carde: revê, janela,
111, revê, janela, foto, de um lado pa ra o o utro . Cada cl ique
1111111m câ mera era meu próprio momento de pausar/segurar,
, ·11 i.1 nro eu entrava no ritmo suspenso do presente. O impulso
1111v.1) mt levou a guardar as imagens para compreendê-las
, UI ,,mente. Algum dia CL1 escreveria sobre isso, eu me dizia,
81. At ru.iS: se esv;a1,u.1tJ1t1 J. 1 mo ao pensar em pegar meu diário e escrever sobre isso
ri~ ah.HIIH':'i, Hrçi,1dw11y w1 1t
.scceo1bro. F,11 0: ll~111.1 l")h
r,1 Mn~ não consegui. Eu deixei o agora pa ra ma is r.ude . .Êu
• t1•lnt'1 o momento do pós-agora, o que faria com o 1naterial a
Na televisão, a sequêncin 11orrn11v,1 <"l>nwç,tva .1 t•111e1 ~11 "111 ti,· nmo dw,inrn1 ,cgura, clossificando as image ns em 3x4
pessoas fa lavam ~ohn· o .11.1qi1r, ,1 1,·,po,1,1, "n 1111111.ln 1r, ,1, ·"'"'•, l,11 .,. , 111 ili, 1111,·~ ( 'nmo o agora d:i tcvê, o meu

I! 1 111
agora j,í era urna rep etição, uma rercospcctiva, à medida que cu
me projetava para o futuro, olhando para trás. Nesse momento,
a fotogra fia era,. paradoxalmente, ramo ação quanro antiação,
performance e antiperformance, um fazer, um cl ique, diamr
da impossibilidade de fazer, sobre a necessidade de para, tud11
até conseguir ter algum domínio sobre tudo aquilo. Tirei outr~
foto e pensei que eu deveria estar anotando o horário de ca<l~
cl ique. Mas cu não consegui fazer isso, tampouco . Os insuccss°'
do arquivo se ligavam novamente aos insucessos do."ao vivo"
Voltei para a tevê, minhas opções se limitando a um movimcnt,
de cá para lá. Na tevê, ouvi que a torre su l havia desmoronado
Corri de volta para a janela . Eu não podia acreditar que rhl
havia visto isso ao vivo.
Depois que as Torres se foram, o ato de ver assumiu u,
peso diferente. A revê repetia obsessivamente imagens, ri
própria presa em um circuito traumático. Alguns proragonisr•
recenrememe torna dos heroicos, como Giu li ani, emergiiam ,1
entulho para isolar a ca tástrofe, tcocando limirá-là ao "mar,
zero". Quase de i111ediato, ele ordenou um blccaute da m ídia 1
loca l.' Apenas determ inadas imagens poderiam cir cular; apen
pcofosionais tinha111 permissão para fotografar. Desaparccíd
os objeros queridos, rínhalllos acesso apenas a foros dos objru
Apacentemenre de modo instantâneo, organizações rccr
-cr iadas produziam revistas feitas com papel bril hante, cor1
se fossem publ icações semana is, para pôr em circu lação
imagens permitidas, as matérias permissíveis. Desaparecer~
os nomes de autores, os créd i.cos das fotos e as fontes aut()11J1
• '. g l. lJm.1 torre dC'sabou) cm sesuida, a outta,.-, fotos: Dfana T.'\ylor.
doras. Os testemun ho~ anônimos invocavam, mas escomh•
o "eu" que via. Dados específicos eram substituídos pcln Apesar de todas as tentativas de contenção, a catástrofe se
de página onipresente: "Deus abençoe a A méricn.'' As mrJ 1, c,ninou. O ataqtte que havíamos testemunhado estava agora
como l'eículos do consumismo parcia lmente se rendi\1111., ,1,lo ~hamado de guerra, embora "um tipo diferente de guerra".
outra modal idade, apenas um pouco mcno~ np,ircrttc: .,~ mfJ 1 NN npresentou um logoripo e um título: a bandeira no canto
como sistema de distrib11iç:10 dn 1cfonln1,11,1 de 11~r,1du, 111,•1du dn tdíl e, lnno ,1h.1hm, "A Nova Gutrra da Américti". O

1,H 11
mundo foi de repenre reorganiiado e d ividido entre aqueles que Para fazer alguma coisa, eu cont inuei tirando fotos, apesar
estavam do "nosso" lado e aqueles q ue se voltavam conrra "nós''. 11.- ,1gora serem geralmente fotos de fotos. Tam bém me encon-
Giulia ni, ao vivo na revê, falou sobre a "tragédia que estamo, 1r~i o:eg ularmenrc com três amigos próximos q ue da mesma
todos sofrendo neste momemo" e disse que "seu coração esrav,1 forma esrnvam pensando sobre a fotografo1 em relação ao 11
com todas as vítimas inocentes". Enrrecanto, mesmo naquel ,lt setemb ro: a fotógrafo l or ie Novak, a pesquisadora de teoria
pr imeirn d ia, quanclú as pessoas est avam perambulando em l ulrnra l Mariannc H ir.sch, a folclo rista e pesquisadora da área

estado de choque, remendo que mais devastações pudessem , ,k esmdos da performance Barbara Kirshen blarr-Gi mblett.
seguir, ele assegui:ou a um p,1ís nervoso que "as pessoas da cidad t 'u nversando com elas sobre a necessidade de fotogr.afar,
de N<Jva York podem demonstrar nossa determinação e noss, 1 ompensava o q ue as próprias foros não podiam comunicar,

apoio a todas as pessoas od iosamente ameadas hoje ao retomaren r.1lvez um reconhecimento de que t irar uma foto era, em si, um
suas vidas". O ''nosso" imediatamente passou para o "deles". O t1<1 Lle interlocução, lima necessid ade ele produzir sentid o e de
papéis já escavam ,nribnídos: os heróis (Giuliani, os bombeirc 0111unicar. Era uma manei ra de ava li ar se nós tínhamos visto
erc.), as vítimas (os q ue haviam sido "odiosamente atacados'') ~, mesmas coisas, ou se nossas percepções sobre os acontec i-
aqueles de nós que não éramos nem u ma coisa nem outra, nu tnt• ntos - aparentemente tão semelhantes nas fotos, que tivemos
qt,e remávamos, sem firmeza, levar adiante nossas vidas. Talvr 1rnhalh o para nos lembrar quem havia tirado cada uma de las
tão ruim quamo o medo era a sensação física de estar próx imo,, rr.1m de fato bastante diferente, . Nossas percepções rnlvez
loca l. :Nós inalávamos as Torres, nós as cheirávamos, sencía111, , ,w~sem pouca conexão com o visor da cân1era - o ato de ver,
seu gosto em nossas bocas, nós as limpávamos de nossos 01111 ,111v.11ncnte, se deslocava do acode con hecer. Marianne Hirsch
Jacdmosos, nós as esmigalhávamos com nossos pés ao andar pcl ,uiu•sc pouco confortável com a ação de fotografar, como
ruas. Mu itas pessoas ficaram sem suas casas após a cvacu11~ l'~l'ivéssemos violenta ndo a vítima mais a inda. Eu senti q ue
da parte mais baixa de lvianhartat1 e procuravam luga res I'·' , 1111ica maneira q ue me ajudar ia ,1 enfrentar a situação era
dorm ir. Era isso que Giu lia ni queria dizer com "retomar no, 1 •logrnfor, juntando os pedaços de minha própria narrativa .
vidas"? Giulta ni e Bush Filho logo deixaram isso claro: 11 ,\ inundação, por parte da mídia, das focos consideradas
atrapa lh ar, comprar encradas de teatro, comer em restaur~111 . ,•nêinis encobria as tensões acerca do que as autoridades não
voa r em aviões. Em uma paródia da linguagem de sacrifíc1n q 111~, 1:1,n que se visse. A com'ersa imedi ata sobre quem tinha visto
acompanha a g uerra, Bush reconheci a o sacrifício exigido de n •1t1e t· q uando (,1s Torres, os aviões) compl icava-se repentina-
deYÍamos esperar pacientemente em filas nos aewporro, , "' Hlt' pelas perguntas sobre quem sabia o que e quando {o FBI,
estádios, sabendo q ue mdo era para um bem maior. 2 Se 1b,., 111t1'N próximos à Casa Branca). No mínimo, quamo mais víamos
uma tragédia, nós não éramos reconhecidos como particip.1111 1111.1,;~ns cin:ula ndo nas mídias, menor era nosso acesso ao
O papel de tesremunha, como participa nte respons5vd t· 1 t ,, r,1,1va a,;ontecendo. Primeiro, coisas demais escavam acon-
e não de espectador de urna crise, desabou cm meio li """ • 111111 nos bastidores, longe dos o lhos do público. Segundo, o

de vítimas, heróis e o restante de nós. Em boro '" ,n111111.t , ,Ir vt·r, intcnsi1mentc mediatizado, tornou-se tuna forma de
invocassem o "nós" inclusivo pnra se referir AO ataq111• t .1 11 11 1 ,ocit•dadt·: uni pNc~p11cídio, urna forma de matar ou de

del'enn inaçâ<> de revidar, n,ir1 havm lugM p,ir.1 no,, nt 11111 , 11 11 lllh<'IIMVt'I I""
111,•111 dm ~t·mido,. Nossos pr6prios olhos
participação que fo~~t· ,nnu h1vr l111, llh' ~111nlll, IIÍ\11 H 11, ldtt 1 \. UlllJ ~t IIH

t l ,, JI
Perdidos no campo de visão. Acho que somence poucos dias a lógica da justificação havia mudado pouco e continuava a se
depo is alguns de nós começaram a desenvolver inveja dos heróis, basear na classificação por gênero do eu e do outro. Os ataques
uma inveja do trauma. imediatamente desencadearam o mesmo velho roteiro tirado de
Durante dias, tudo que víamos eram imagens de homens heroi- um repertório de saber de fronteira: bárbaros malvados e donze-
cos de uniforme,correndo para o "marco zero". Nessa época de las ameaçadas, protegidas por homens heroicos. Procurados:
"musculação nacional", um artigo no New York Times no dia 12 Vivos ou Mortos.
de setembro afirmava que "os próximos d ias exigirão que [Bush! Os esportes e as artes se engajaram totahnente no espet,ículo
dom ine a imagem<le autoridade robusta e de força presidencial" .3 patriótico e militarista. O Cone.erro para a C idade de Nova York,
As fotos que se seguiram most ravam toda a determinação e o em outubro daquele ano, apresentando como atrações princi-
aprimoramento ela mi$e-e11-scene revitalizada. A foto na primeira pais arcistas como Paul McCartney, os Rolling Stones, The Who
página do New York Times do dia 13 de setembro mostra um (cmre outros), exibiu policiais, bombeiros, agentes de emergê11cia
exército de homens em meio a um mar de destroços. Em 15 de e resgate, juntamente com dúzias de atletas m1 ifornúzados, a
setembro, é a vez <le Guiliani, Bush e o comandante dos bombei- fim de perfor marizar o heroísmo do que aré então era comum.
ros, Von Essen, que olham o local atacado com coragem severa. As demonsrsações de laços afetivos emre homens não só era m
"Bush diz aos militares para 'se prepararem"', diz a manchete "ceitas, mas também santificadas. Um punhado de mulheres
do New \'ork Times no dia 16 de setembro. A capa da cd i.çãt> ,1parecia em meio a um mar de uniformes. De nossas cadeiras,
especia l da revista Time, publicada em 24 de setembro, retrata podíamos sentir a ânsia por proragonismo por parte do público.
Bush, de pé sobre as ruínas, resolutamente segurando a bandeira M uiros entre nós havíamos aceitado respeitosamente nossos
estadun idense acima da cabeça com a mão direita. l\'cssa mesma papéis não heroicos ao tirar do bolso nossos cartões de crédito,
semana, U.S. News a11d World Report apresenta wn bombeiro pagando para participar. O número 0800 para contribu ições
pendurando uma enorme bandeira no alto dos restos sinistro~ brilhava nas relas por todo o estádio, dirigindo-se ao públ ico-alvo
das Torres desmoronadas. cm casa, sentado em frente à televisão, e não a nós, que esráva-
As mulheres estavam notavelmeme ausentes nessa prin1eiru 11,ns lá fisicamente. Nós, ao vivo, servíamos de pano de fundo
seornna, exceto na capa do T/Je New Republic, que aprcsen c•ntusiasmado para o show verdadeiro que acontecia na arena
tava uma mu lher - mas uma mu lher simbólica . t\ Estátua d.i r,uhlica, um show de unidade e direcionamento nacional que
Liberdade segura sua tocha ardente bem no a lto com a mão clt'i)(nva de lado o próprio público. Como na arena po lítica, cm
direita, tendo as altas Torres iluminadas por trás dela. Em seu ,1uc ns pesq uisas de opinião d iárias rastreavam o apoio crescente
corpo, as palavras "Aconteceu aqui". Poderia a femin ilizaçii11 1 flllerra, nosso papel era sentar-se confortavelmente e ap laudi r.

da perda nos su rpree11dcr? Ou a pressa mascul in izada pari& t l~ esportes clamavam para entrar em ação. O primeico jogo dos

salvar a párria? Logo, imagens de viúvas chorando e mu lheres J ~ lct ~ depois de :t 'J. de setembro cOL1tou com uma cetimônia que
burca apareceram na mídia, fortalecendo "nossa" detcrminn~,u 11m•,emou homens de uniforme e bandeiras em honra àqueles
nacional. É interessante como rapidamente o roteiro oficial J 111~ h,1Viom contribuído para os esforços de resgate. Os Yankees,
homens arivos salvando mulheres vulneráveis foi rencivado. P.ir 11,u11c:ntc, flzrrnm o mesmo. Momentos de silêncio e outros
um acontecimento rotul:ido de "sem prcccdonte~·· e ",in1,1ul.11 """ .-omcmor,H 1vo\ no~ ~011111:lnram novamcmc naquele tempo
um d ivisor de :íiiuas que mudou tudo para sempre, fica cl;1ru qu fl 11,I ~t'l111lft', 11 ,Ir dr111h111

1111
E nós, os não heróis que não tiveram permissão de ter 111
pape!, que estávamos tentando fazer o que o prefeito nos pediu
isto e, lev,1r adiante nossa vida? Na Tisch School of che Ara
alguns alunos lamentavam terem escofüido as a rtes e não
medicina. No Bellev ue Hospital, ouvi um médico dizer ~ue seno
ter seguido a medicina, e não o trabalho de resgate.
Porém, havia nas ruas um espetácu lo que competia com n
o un·os. Toda a superfície de lower Manh attan estava cobe 1 1
de imagens <los desaparec idos - as Torres e as pessoas.

~6.AJguém desenhou tis Torres e as inseriu onde cstnvam :unes, Srooklrn~setembto


Jc- 2.00J. fow: Lorie !\ovak.

A perda das Torres desencadeou um fenômeno de membro


f,11 1rasma - quanto mais as pessoas reconheciam a falta, mais
•r1t t iarn a presença da ausência.
As Torres nu nca foram tão visíveis. Fotos, postais, camiserns,
l,1 ixas e arte de rua ime.diatamente chegaram às ruas, performa-
111,111do a existência do que não estava mais lá fisicameme. Sua
prt•scnça fo ntasmagórica, por definição uma repetição, conto o
111t•,•1,a11t de Derrida, enchia o vácuo. Ao invés de sua oncologia,
podemos pensar sobre sua espectrologia. Nesse momento, em
Nova York, estávamos assombrados.
Os rosros sorridentes dos desaparecidos cambém assombra-
\ot111. Eles estavam em todos os lugares, mas não pod iam ser

, 11~omr;1dos em Lugar nenhum. Os pequenos cartazes de 8x10 em


lotoc<í pias ou im pressos, colados em postes, pontos de ônibus,
,,xas de con eio, pa redes de hospitais; estes ernm os únicos
1ml()q fcli7es na cidade. As fotos se multiplicava m infinitamente,

1,1rr11111do a nusência das pessoas que escavam nelas ain da mais


11 tlp.\Vd. A )t' iulµar pdos ca rtazes, tinha-se a impressão de q ue
" 1•1 •1,011~ que ,wlc~ ,1p.irt•c111111 vin lmm de todos os 111eios sociais
p,lt II dn mundo 1111.1~1111wts A n1.11orm 1·ra 1ovc1n. Todos crnm

' ti
imigrantes o u cidadãos " legais". As famílias de trabalhadore<1 As fotogrnfias dos desapa recidos eram recentes - um homem
sem documentos legais que tr.a baU1avam nas Torres não ousn scgurnndo seu bebê recém-nascido, uma reunião feliz de família
1:om uma seta apontando para a pessoa perdida, uma mulher
vam niostr.ar suas fotos - mais um desaparecimento a inda. Oa
mexitanos algumas vezes simplesmente colavam uma Vi rgem dr o rgulhosamente mostrando o peixe que havia pegado. As focos
Guadalupe anônima para mostrar que seu ente querido estav,1 tinham agora uma função inteiramente diferente; elas implora m
,1 nós, passantes, q ue reconJ1cça mos e a judemos a localizar os
entre os desapa recidos.
Jcsaparecidos . Em uma inversão repentina, a fotografia relati-
v,unenre inanimada e frági l hav ia d urado mais que seu suj eito
mais "permanente": a pessoa viva e os altos edifícios.
Nas fotografias ou ao redor delas, alguém havia acrescentado
um t exto para transmiti r algo que não escava na própria foto.
'fodas as legendas menciona m posições exaras: "Visto pela úJrima
vc/ no 85° a ndar, WTC 2." Como na crise do ·11 de setembro em
:, w:ra l, a ênfase não estava em onde as pessoas estavam. Todas


~
11, particularidadcs·desapareceram, com exceção das e.ssencia is,
t

- ...
1
deixando apenas o onde, o q uando. As foros, como observou
lk irbara Kirshenblatt- Gimblerc, transmiria1n esperança; as
1 l1•1,1endas antecipava1n o pior. Elas misturavam dolorosamente

li rn u 1nri1110 e o forense. Elas incluíam descr ições físicas, bem como


marcas corporais de identificação, pressentindo que os entes
,1ucridos, que se esperava ainda estarem vivos, não seriam capa-
,r, de se identificar ou de falar por si mesmos. A lgumas vezes,
,~ conju nrn ras possíveis eram explititadas claramen te. Se você
viu a lg uém com o nome de Jane Does, favor telefonar... E se o
,•11te querido estivesse perambulando pela cidade em estado de
, hoque? Às vezes, as legendas i1naginavam um corpo deitado,
1,1consciente, exposto ao olha r médico: u m sinal congênito na
JMrre de t rás da coxa, uma tatuagem em forma de coração 11a
11 f\ tan pélvica, uma cicatriz de apendicectomia. Os membros
.;,. ,l I fo mília d rculavam com p ilhas de car tazes - St. Vincent's
1lo~pit al, Bellevue Hospital, Hospita l dos Veteranos - , cola ndo

--
8_7, 88. Pelos folhetos, cr<1 como !.C as pesso.1s que aparc,i.ur\ uelt, t n ttur,11
,·,n~o de todos o.s .in1b1cntc,: ~ 1>11rti:~ do ,oundo que ,e po-1.1 11m, .. 11111t ,\
, s .irtnzes em rodas as superfícies disponíveis de cada lugar.
I•n1 o posição ã linp.uagem do heroísmo, os carrazes ev iravam
111mtdílh11R de NÍ'nrro. J orir Novak observa que os homens
m:i1ori.1 rr" jcncm, Ai \'Íml'hU 11cn, dot·u,urn,u• dn1111t1 11'1.t1i1m do, moro
don1e1n,n 1nodt1u,olt»1Jttap.o t1.:t1, m d11 í1 •H•11 Jntu l h•n.t t ,nh,1 , , .11 11 1dt-r11lf'1<,1dn ,,,nu, p111, , 11111rldo~ e irrn5 os, enq uanto as

111 " 1
mulheres eram descriríls como executivas,gerenrese auxili ares d, Mas as fotos cumprirarn uma enorme função pública: elas
escdrório. As fotos de família incluíam a pessoa desaparecida ern r·nvolveram a nós, os não heróis, as não vírimas, na busca, na
uma grande variedade de poses - pescando, carregando criançoN esperança, no luto. Elas tornaram possíveis atos de transferência:
partindo o bolo de aniversário-, poucas delas convencionaLnent os desaparecidos eram agora "nossos", e a Cidade de Nova York
associadas a um só gênero. As foros e legendas, ranro de horne11 se cornou de repente parte da "América".
quanto de mulheres, mostravam a perspectiva amorosa de um Depois da chuva, na quinta e sexta-feira, os carra:zes foram
familiar, intimamente ligado àquele corpo perdido. ~obertos com envelopes de plástico, mortalhas para as vítimas,
Os m uros próximos aos hospitais Bellevue e Se. Vi ncenr ern111 proteção contra ma is danos. As fotos ocuparam o espaço dos
chamados de \~uro das Orações e Muro da Esperança e d,1 rnrpos desaparecidos .
Recordação. Na quarra -fcirn, 12,e quinta-feira, 13 de setembro Os cartazes de "desaparecidos" transformaram-se em memo-
essas regiões estavam cheias de fami liares procurando seus ente riais : "Em memória afetuosa de ...". Emergiram mi núsculos
queridos, colando cartazes. ,.1 ruuários, com ménsagens, poemas, fotos, passagens religiosas,
flores, ursos de pelúcia e desen hos infantis. As pessoas chega-
v.un com câmeras, prontas para manter a memória a seu modo.
( úmeras de tevê entupiam os corredores.
O Ner.,· York Tímes havia começado a apresentar retratos dos
desaparecidos no dia 15 de setembro como "Insranril neos de suas
v,das", uma seção que se tornou "Retratos da Dor" depois que
,1 ,·s perança das "vidas" desapareceu.

89. .Mtuo de Or.t.;Qes no Belle~·ue Hospital. loto: Oia11a Tarlor.

As auroridades municipais n<io podiam usar as fotos; 1·11


pediam aos familiares para levar escovas de dente, pont.1, ,1
cigarro e aparas de cabelos. Nesse dia e nessa época, o n·,,
nhecimcnto tem mais a ver com o DN A do que i;on'1 mni <
corpora is e fotografias.

Hl
pa ra comunicar acontecimentos recentes com aqueles que não
11\ais estavam ali parn presenciá-los. Alguém deixou uma ultras-
sonogra fia de seu filho ainda não nascido; outra pessoa levou
uma foto recente de uma criança recém-nascida para mostrar
ao pa i desaparecido. Um filho escreveu uma mensagem para a
111ãe morta . Esses lugares se tornaram condutos privi legiados
,·,ure o aqui e o lá.
Porém, onde o restante de nós nos encaixávamos? E qual era
11osso papel nesse acontecimento frequentemente descrito como
uma tragédia? O 1.1 de setembro era um acontecimento que, po1·
, .1usa do incervalo de tempo entre o primeiro choque e a queda
dn última torre, produziu um número enor me de testemunhas
oculares. O araq ue também havia inscrito nossas pos ições. Cada
9 L. As mo\'talhas de pkhtko cm'oln:.ndo as fotos das vítimas as prmcgiam de u10 tLe 11111 começava sua descrição afirmando onde estava e o que
maior. Fmo: Diana Taylor. hnvia visto. Entretanto,logo ficou claro que "nós" não tínha mos
11111 luga.r nítido em tudo isso. A fotografia publicada no New
Logo, os desaparecidos foram oficialmente declarados mom York Times no d ia seguinte ao ataque já havia convertido as
Em outubro, o governo entregou pequenas urnas de mo1•1 1r,1c 111 unhas em espectadores. A legenda dizia: "Espectadores
para as famílias das víti mas, contendo fragmentos do locnl • , ,11ninhando entre os destroços do World Trade Center." Nós, que
desastre. Embora houvesse fortes paralelos com países co111, mor:ívanios aqui, fomos desterritorializados, não apenas pelos
t\rgentina, onde as vítimas eram também meros instrunwn da>ntecimentos, mas também pelos pronunciamentos oficiais,
da violência terrorista, sendo que seus cor pos nunca for ·tlir nus transformaram cm turistas cam inbaudo por lá.
encontrados, o governo dos Estados Unidos não queda "des., As pessoas, contudo, reagiam como cidadãos, desejando
recidos". Diferenrementc do caso da Argentina, fotografin, J •111c.lar doa ndo sangue ou fazendo tra ba lho vo lunrário. Porém,
rostos das vítimas niio fora m usad as e m manifestações n 1,, 1 , idade não conseguia lidar com esse jorro de participação
ou contra ações militares, ou para performatiza r reivindk,1~ p11hlica. Havia muito poucos sobreviventes nos hospitais, que já
contra qualquer indivíduo, partido ou plataforma políticn 1 11nlt11m mais sangue do que necessário. Quando os cartazes de
não quer dizer que não foram íeitas reiv ind icações fina11cr1 I" 1was desaparecidas começaram a surgir, éra mos imerpolados
em nome das vítimas. Referências a ela s continuam a p,1111 "1110 heróis potenciais: POR FAVOR, AJUDEM!!I, imploravam
nossas vidas cüárias, sem, no entanto, envolver fornr,r JÍ l,!mts cartazes. As novas inscrições espaciais pediam-nos para
De algum modo, as imagens perma11eccram pardculn , 11.1 1111•rn gi r com a cidade de um modo diferente, como atores no
isoladas, um testemunho às vidas agora perdidns. p 1,0 público, e não mernmcnte como receptores ou consu-
Os entes queridos usaram foros pata criar portJis 11u1,1 11.lon·~ p3S$ivos, Muitos pessoas reagiram rransformando -se
mortos. Pequenos santuários, enfcirndoR com urNO~ ,lc I' 1 1, ,1~.11·11,1~·,rn 11.1 1111111,,cll' e• írrvor naci,rnal, usando bandeiras
e floces, se wrnar11111 o ponto ur
,0111 110 cn1 qur "" Ytvu 11, . 1~,,~nt,, u1111" 1,111" ,l, , 1hr\1I ou como c,1111iscrn~. Bonés

li~
do Corpo de Bombeiros e da policia da cidade de Nova York attacks reprcsented a new weapon in
the terrorist arsenal, an ingenious
Federal ,
apareceram magicamente em cada esqu ina. Imigrantes marriage of old-schooi hijacking and United F li
tbe ~ver-more-familiar suicide from its Ili
pessoas de cor sabiam que poderiam ser vistos como terr,i ern New J
risras e preventivamente se protegera m por trás da bandeir flew rumo~
again and
americana. Artistas, como o muralista Chico, ofereceram w On boar,
homenagem pintando muros e erigindo santuários em tod11 flights, an
tendant m,
cidade. Intervenções públicas nos parques deram às pessoas 1111 airUne's e
lugar para partic ipar ativamente e para apresentar suas opiniõ; ently usini
Two ott
a respeito das conversas sobre a guerra e as tensões étnic,1 been staht
cada vez ma is fortes. Jvlilhares de pessoas se reuniam diari~ A hijacl
cockpit. T
mente na Union Square (enrre outros lugares), rransformantl1 lhe seat m
cada cen tímetro em um santuário, um protesto, um evento 11 ers, but a
ciarify m,
performance. Essa iJ1teração ao vivo demonstrou um alcam including 1
muito maior de opinião do que a cobertu ra televisiva, e logo ,1 .. We cru
mídias pararam de se referir a esse show de opinião populn, pened," tb
On boar,
bara Oisor
commenra
from a ce
slmply, " V
secondbri
hijackers,
box cutter
attendanti
gers into l
The indi
the· pllots
controls w
some tern
that tbe l
training. 1
who traln
,. turning a 1
~I'-. )
require so
... .s:..c:...."-._' .~, g reat deal
Jusu,l LILtle ror Thc Ne-w "'l'i>Í1: TilliC$ ''You ca
Spectators walked through debris one pilot, ·
he not be r
from the World Trade Center. size doesn
nation use
94. Um:. foto puhllcaJa ~o Net,·• \'ork 'l'imcs no dia seguin:c
01( 1IUA<t uC! i i hA\ri-' <'OU\'t rt1do as l'CStemunhat,: cm espectadores.
Vl19't \11m1 1rn• e ptlrt.l A Jr"'rnJ I d11 ..,lt1~ r~,turcs anJa,u l'm n1rio .ao:,, Jcsrro,;o5:
rtn tnf'lhrhw fim J11rt11 tio \\ 1 d 1 1, •
1, t 1 1r1 '" Fuco: Jumn J.;m (" pJra n New VMk
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fotografias inundaram a esfera pública, a lgumas altamente p rofis-
~i<mais e atraentes estet icamente, mas a maior parte delas, como
as minhas, instantâneos indistintos e indisti nguíveis das Torres,
tios ca rr.a zes, dos memoriais. A fotografia era uma evidência,
95. Os nova.iocqo1 uma prova não ramo da existência do objeto da fotografia, mas
começ,uam a intr1
çom à cidade \lc 11 ,le nossa própria existência . Nós, participantes desse drama,
~ diferente:, como f" rnlocados em segundo plano, ainda assim estávamos lá. Na foto-
cipa:ncc$ ativos de ,
crise.
iva fi.a, alguns de nós encontramos um cipo de ato de unidade:
foto: Dfan.i Taylçu i-qávamos todos focados na mesma coisa, todos enquadrando
o que víamos de nossa posição. A fotografia era também demo-
l d rica: nós todos podíamos foca lizar e fotografar. T irar fotos,

11.1ra alguns, certamente representava um esforço de obter acesso,


!),ira alca nçar entendim ento, já que as duas coisas lhes foram
11égádas. Perm itia também que pessoas como eu formulassem seu
próprio registro, em resposta àqueles que circulava m nas mídias.
lhlvez nos permitisse também limitar o desastre ao torná-lo
1•n1 dimensões de bolso, 4x6 e 8x10. Era uma maneira de fazer
,1/go quando parecia que não se poderia fazer nada. Ao mesmo
lrm po, fotografar tornou-se um hábito cu ltural, uma maneira de
documentar sem .necessariamente ver, uma maneira de entrar no
96. Homem lendo i'I inscrição em uJn mural de Chico, Lower E.i.sr
<1tmd ro estrut urado de visibilidade: focalizar, clicar e posac. Dois
Si<le, cidade; de NO\'" York. FôlO: Di.ma Ta~'lor. 1lunos contaram, com total incredulidade e insatisfação consigo
111c~mos, que h,wiam posado sorridentes para a câmera, tendo
Os políticos se apressaram a iJJ terprerar essa demonstr,1~
u Torres em chamas pot· rrás deles.
de ativ idade civil de maneiras específicas. O senador Lcw
membro da Comissão de Orçamentos do Senado, afirmou 'I
percebeu a mensagem belicosa do "povo americano" por li
dessas man ifestações: o povo estã sendo paciente, mas 11 l.íci
esperar para sempre. Todavia, a demonstração de atividade lt
nervosismo a várias autoridades. Giuliani mandou os fonc 111
rios de manutenção da praça retirarem flores, pôstcrcs, vrl
outras oferendas, declarando que, depois d,1 chuva, eles d,,v
aparência de sujeira à cidade. Por qlle os turistas visitarin11111
cidade suja?
Mu iras pessoas participaram rirnndo fotos. lnund,1dm
imagens, criamos ns no:l$~8 pr6pr111H, Milh.,rc~ 1• 1111ili.11r ''7 Dct.enho tltt M11ri1u M4nh"l111t1r-1"11ylor, NJ h~nclt'ir11, lê-$(;
•111111Jfri1u '"' run, 'li ,~M,u/ ~'"' t1111Jn I\Jt1,• 1otui u,~n:ii 'ThyJor.

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M.usl 11n n()

1 IUI. l>ecforfnanec: s~ ins-tah1rõcs e prottstos "ao vivo" mostr.ua1n um ,lmbho


-tin, Je op10i1)c,; do Q\JC apareci-a na c-0bcrmr.1 d.n rc:Yê. Foto,: Diana T..,ytor.

li'
Uma galeria no SoHo ofereceu espaço para This is NeuJ incluiu um pequeno folheto dentro do jornal por diversas vezes:
York, uma exposição que entendia o papel democratizante e Nova York precisa que fiquemos fortes: enfrentando o período
testemunhal da fotografia cm uma época de crise socia l, exibindo pós-11 de setembro, que resum ia a tensão e o crauma que afetam
anonimamente todas as fotos relacionadas ao l1 de setembro "os que viram tudo acontecer, da rua ou de sua janela, ou segui-
que foram enviadas. Aquelas eiradas por profissionais famosos -das vezes pela televisão". Com fundos do "Projeto Liberdade:
foram penduradas em varais de roupas ao lado das fotos feitas Sinta-se livre para sentir-se melhor", o folheto acrescenta que
por pessoas comuns.
Foram colocadas tabuletas proibindo fotografias perto do
marco zero, que havia se tornado ao mesmo tempo uma zona
de guerra, um cen:írio de crime, "urn lugar de tragédia" e t~m
lugar sagrado. O prefeito nos acusou de" olhar estupidamente".
O que mais me lembro de rodos os meses seguintes ao l l
ele setembro está associado a ver, ao insucesso de compreender
o que estava vendo com meus próprios o lhos, de entendei- a
imagens na mídia, bem como a proibição categórica de ver t
conhecer imposta pelo governo. Não eram apenas o rnarc!•
zero e o protesto popular que estavam vedados. A. cobertur.1
dos ataques dos Estados Unidos ao Afeganistão foi akamenu:
censurada; a vigilância voltou-se para o público rtacional. (l
grupo Americanos pela Vitória sobre o Terrorismo (AVOT) reco
mendou com insistência às pessoas que "apoiassem o patriotismo
democrático quando este fosse questionado; e que reprovassern
os grupos e indivíduos que fundamentalmente não compreendem
corretamente a natureza da guerra que estamos enfrentando"
Professores universitários e intelectuais públicos que criticavn111
os esforços de guerra foram silenciados e, às vezes, perden11
seus empregos. O general John Ashcroft anunciou que nos. l/NAUTNORIZl;D USE OF
PHOTOGRAPHICNIDEO EQUIPMENT
sistema democrático nos rornava vulner.áveis ao inimigo. Com WITHIN RESTRICTEO ZONE
nossos aviões e entretenimento popular, nossa democracia hn,1 STRICTLY PR0H1BITE0

se vo ltado contra nós. "SUBJECT TO SEIZURE"

Em meio a essas sanções severas à discordância, ouvimos q1


"nós" somos de fato atores nessa tragédia, tarn bém vítima, ,
trauma./\ virim iz.a ção expandiu-se paro incluir niio npcn,1 ' 104, 105. Foram colocildos
que foram odiosamente atac::idos", mn~ 1ambérn um numr nrru.e& pro1hindo fo1ogl'a.fias
pitrtó dt1 mut-.:c> tcro.
crescente de ontros nfcindn, 1wlo, ,1h1qm·~. 1b,• Nr111 York T111 1oco,. n,.-..,~ Tu, 14:,r.

151
o de~astre pa recia impossível de se conter: "Diferentemenl• Se isso é uma tragédia, de quem ela é? A tragédia, como
de úut ros. desastres que parecem ter um fim, os ataques J categoria estétíca, volra-se para o desafio do refreament<>. Pode
Nova York e Washingcon foram seguidos por outros aco111c td ipo controlar a mar.é de devastação que destru iu Tebas? A
cimenros perturbadores, incluindo a ameaça de bioterrorismo.' incapacidade de H am let de agir dec ididameme leva à m orte
Os sentimentos de ansiedade, desinteresse, esquec imento ou generalizada e à perda do reino. Conrudo, a t ragédia não diz
fa lt a de concentração que o fo lhero associava à crise silu respeito apenas ao refreamento, mas funciona como un1a estru-
certa mente, sintomas comuns de ansiedade e t rauma . Mas rn rura de refrealllento. A tragédia leva a catástrofe à sua real
me pergunto qua is são as ramificações políticas de t a l discur,, dimensão. Ela organiza os acontecimentos em roteiros compre-
público de vicimização frente ii guer ra, por parte dos Es tado ensíveis. Aristóteles especifica que os acontecimentos trágicos
Unidos, concra o terrorismo, indefinida e em expansão. t1uito têm uma certa magni tude, rrazem implicações sérias e têm um
entre nós vivenciamos o trauma e lutamos para reconqui~t., ar de inevitabilidade; os protagonistas têm um "carárer moral
u ru senso de eq uiHbrio di ante da violência global acelerad definido", e o enredo leva ao reconhecimento tanto por parte do
depois do J 1 de setembro, mas poderíamos encont ra r modr herói trágico q uanto por parte do especta dor.• A maior parte das
los mais capaci tados do que aquele ap resentado pelo P rojc1 teor.ias da t ragédia identificam o herói como alguém que cometeu
Liberdade. Voltando à Argentina por um momento, as Mlic 11111 erro enor me, relacionado a uma falha a·ágica ou hubris. O

da Plaza de Mayo lidaram com seu sofrime nco por meio d pesado potencial de destruição descrito na tragédia é refreado
protesto sema nal e ritualizado comr:a o governo . As Mu lher pda própria forma - pois a uagédia libera a devasração em um
de Preto enconrrn m-se semanalmente pa ra protestar e lamrn pacote miniacurizado e "comp leto", nitidamente o rganizado
t a r a perda de vida no Odente lvl édio. Conmdo, em meiu 1 om principio, 1neio e fim. Em última análise, a t ragédia nos

conversa sobre a nsiedade e des interesse, ternos demorado a n, ,1'segura de que a crise será resolvida, e o eq u ilibrio, resta urado.
mo bil izar concra as crescemes polfricas de violência, mutt O medo e a piedade que nós, como espectadores, sentimos será
delas perperuadas pelo governo dos Estados Unidos. O odt:: <·,r p11 ri ficado pela ação .
Üs acontecimentos do 11 de setem bro, entreta nto, fazem-
o nosso compromisso ético?
inc pensar que não es tamos apenas vendo um tipo diferente de
ll"l'rra, mas ta rn bém um tipo diferente de tragédia. Qua ndo as
lll'~soas se referem à "rrngédia", geralmente se referem à queda
111cspcrada dos poderosos, àquele espetáculo terrível de pieda de
, 111edo ex:ccurado de modo tão brilhante pelos pilotos suicidas
cfi..:iencemente transmitido nacional e globalmente pela mídia
1mcricana. Ela~ se referem aos aviões sequestrados e às milha-
", de vítimas, a Bush Filho, que apressadamente recebe o novo
111r,el de líde r com um caráter moral definível, prepa rando-se
106. Pt->""'' 1 1 1 1· 1111 colocar rudo em ordem . A tragédia também nos per mire
ÍUl'tH,l dl• oh1 t
il~ ,ir (1 na LU r~ia excepciono I e isolada ela ca tástrofe e se encaixa
JoWotMlrt, 1 1
fntr.l · Ili li 1 1 1\ 1 1 • r l<•rt.t111c,11tr., 1111 li11gungcm do ocorrência "sem precedentes" e
••mu "m11 d1v1,or 1k ,IR11ns". A {"Ot,,~trofe c111 cerrn mente trrígica

1\
no sentido vernácu lo, e o termo nos oferece um vocabulário par~ direcionalidade linear da tragédia. l\ guerra também é uma
o medo e a trlsteza. Entretanto, acho que usar tragédia em su aparição, uma assombraç.10: em termos simples, é uma reediç.iu
conotação estética não somente estrutura os aconteciment(> da guerra <lo Bush anterior. De modo mais suti l, trata-se de uma
mas também nos cega para oucros modos de pensar sobre ele, reciclagem ela ideologia do Destii10 Jlifan ifesto, que justifica que
Consideremos o crnnograma organizacional da tragédi11 "nós" aniquilemos o "mal" sob a bandeira da retidão. As vítimas
começo, meio e fim. Será que a ação trágica começou reaJ.me111 pc,·didas nas Torres do \'í1urld Trade Ccnrer, por outro lado, n5o
no dia 11 de setembro? Alguns poderia m argumentar que form podem ser os heróis, a não ser que identifiquemos claramente
sequestrados muiro antes, ta lvez a partir do outono de 20011 ,ua estatura trágica, seu erro e recon hecimemo.
quando as eleições saíram dos trilhos. Itens importantes tl4 O 11 de setembro torna-se uma rragédia por meio dereivindi-
agenda nacional, como a melhoria da educação e do atendi menu 1.1ções à universalidade. O governo e a mídia dos Estados Unidos
de saúde, por exemplo, viraram fumaça . As vít-i111as daqud .1 presemam-no como um caso-l imite, como sendo "incornensu-
catástrofe permanecem não contab.i lizadas, embora tenham sid r.ivcl ", a crise maior, pior, ma is inim aginável e indizível de todos
certamente identificadas. Criam-se novas vítimas d iariamentr 11, tempos. Os comentaristas tendem a colocar casos-limite nas
legislação antiterrorismo, sentimento anti-i migração, conrrol, 111,1 rgens externas da inteligibilidade, nas próprias fronteiras da
socia is seletivos baseados no perfil racial, e tribu nais mili~ar l'l'l}l'CSentação. Apenas podemos falar sobre eles na lin guagem
inimputáveis infilrram-se em nossos sisremas sociais, enqua11t d.1 excepcionalidade. Casos-lim ite são paradigmáticos. Eles
pacotes de ajuda a corporações conseguem passar pelo Congre," "nalizam modelos a que se podem relacionar muitas questões
Pode-se mesmo chamar a atenção para o faro de que estamos, h ,l,~pares, mas apenas como il ustração. Contudo, é claro que,
décadas, em uma rota de colisão aparentemente inevitável _.,, p.1.-n muitos comenraristas fora dos Estados Unidos, os ataques,
as nações produtoras de petróleo. Deveriam as perdas civis q, 111esar de criminosos, não eram, de alguma forma, excepcionaís.
elas têm sofrido figurar entre as vítimas? E o que dizer de , PMn muitos latino-americanos, por exemplo, o 1·1 de setembro
trauma? Quanto ao final, nada pare.ce cerro, exceto que não ,rr , r.1 mai s do que fam iliar. 5 O terrorismo de Estado e o terrorismo
rápido, nem fará sentidt), nem trará pu rificação e alivio. ,ontra o Estado competem pelo controle público por meio de
Se isso é uma tragédia, quem é o herói trágico? l3ush Filh 1t,1ques crescemes à populaç,:10 civil, seja o bombardeio de
como represeutantc dos Estados Unidos, não pode assun11r ,·u,fkios, seja o s ilenciamento dos dissidcotcs. Além disso, falar
papel, pois isso implicaria assum ir uma posição de rcconhr ,lt• " mnrco zero'' ilumina o que mais se proc1ua esconder: que
menro e autoincri minação. "Acontecimentos que inspiram nu·, 111.Hcu zero" se referia originalmente a Hiroshima e ~agasaki,
e pena», como observa Aristóteles, envolvem uma mudanç.1 , duis locais bombardeados pelas forças nucleares american,1s
boa sorte para a má sorte, graças não à maldade, mas por c,111 111,• mnrnram entre 100 mil e 300 mil pessoas inocentes. A perfor-
de alguma falta de grande peso e consequência, por um hum '" 111~c de inocência por parte do governo e o isolamento do local
como o que descrevemos" (p. 38-39). Entrcranto, :10 invr 1..-.r (,1ulia11i solicirnm com insistência que o público esqueça a
reconhecer que muitos dos acomec.imcmos q1.1c levaram ,10 1 I'" u•dcnliu hisr61'ic:1. Assim, ao invés d~ linguagem do exccp-
de setembro resultaram de uma política equivocndn ,li• v.1.111 11111h,111c,, rxistt• 11mu argumentílção política a ser feira conrra
peso e conseq LLência, a admininrnçiio anfot izou q11,· ,,. t, .11 , ,h u,~n d 1 111l·rn11t•n,u1,1h1litl,,dt>, A linguagem da rragédia e
du " bem" lutando c,1111111 o "111,il " M,11, ,1t111fo, ri111 1, , 1 ,1, lit111h fi11111011.1 .,,111111 pc,ht1,J~ rm.rnc ,parórias mais

H8
amplas, pois destaca aconreci menros, recusando-se a ver co
xões e estruturas mais abraogences . Afirma~ões de proragoniM
e universalidade funcionam em desacordo com a consrrnçiio
coa lizâo que permite a compreensão de um acooced mento 1
meio de ourros.
Finalmente, nenhum dos acontecimentos trágicos parr
destinado a ocasion,u reconhecimemo oi1 d isce rnimento n
es pectadores. Pelo concrário: o 11 de setembro crio u um pnr
doxo revelador. Esre é um aco ntecimento que baniu ou cegou
testemunhas, mesmo quando as criava. Poderiam a pmificaç
e a libertação decorrer da participação em pesquisas de opim,
que perguntam se apoiamos os esforços de gue rra? Q ue insig/o
podemos recuperar dos dest roços?
Durante as fases finais da limpeza, o marco zero foi aberro p.u
visitação. A grande quantidade de destroços em que se rornou
World Tradc Center assumiu vida própria. O aço retorcid o e
concreco pulverizado nos lembravam que o acontecimento e,
"real". Agora que tudo foi retirado, a exposição cercada de rest1
sacralizados oferece uma materialidade aucen titadora q ue d
vida às ressuscicações e confi rma a performance de retribu iç1i1
As Torres ainda vivem. Esse momento de p6s-desaparecimcnr
cem fu nção política; as revisualiwções infini tas das Torres contl un. llcsrtoços do \'(.'úrld Trn<le Center cm cxiblção na ptarnforrna de ob~
nuarão a motivar políticas externas e imernas. As autoridade • n •,l,.,1.0, fo to: Diam1 T:.ylm.

da cidade e defensores dos negócios equi libram as dema11das tli


turismo com as dos negócios imobiliários. Uma área de 16 acrr
em Lower Manhattan é va liosa demais pa ra continuar sagrad
por muito tempo. Porém, as 7.700 pessoas que visiram o loc 11
d iariamente precisam ter alguma co isa para recordar.• As neg11
ciações exigem ainda mais mudanças na linguagem, bem co1111
a co ncentração criativa da aura eni um lugar distinto.
Poucas semanas an tes da limpeza final, caminhei até o loc.,I
fiquei na fila para co nseguir um ingcesso, esperei por hor3s pn1,
o tempo indicado, serpenree i pela plataforma Ué observaç.11
108. M ,rn.:o zero.
com dezenas de outras pessoa s. Tirei uma fotoRrnrio, Niio h1111J N.1n hnva~ oacla
n~ d,1 p,1 rn vc r. r~rn ~tr
Í'Oh}f Ulallll r,,yh>r.

1~ 1
1O

PERFORMANCES HEMISFÉRICAS

Domingo à carde, 20 de setembro de 1998, Cent ral Park.


Nessa tardinha de verão, o sol brilhava, as árvores cobriam o
lago idílico à nossa frente, os patinadores corriam por trás de
nós, os apartamentos majestosos qu e emolduram o parque apre-
goava m qLtC estávamos em uma da s grandes cidades do mundo
que podem se dar ao lu xo de encenar o rural no próprio coração
do urbano. A música toca ndo mais a distância - os tambores,
as vareras, o rirmo complicado, o canto em forma de respon-
sór io - lembrava-nos de que outros mundos coexistem 110 meio
desse mundo urbano. Os rnarielicos, os cubanos que chegaram
de barco para os Escados Unidos , expulsos como desviados
çociais em 1980, estavam agora tocando rumba aos domi ngos,
ao lado de porro-riquenhos, porto-riquenh o-nova-iorquinos e
ourros músicos ca riben l1os que tocavam no parque há 30 anos.
Era m eles que havíamos vi ndo ver, eu e meus alu nos do cu rso
'' 13orders and Barrios" [Ma rgens e Bairros] no Departamento
de Est udos da Performance. Como, nós nos perguntávamos, a
música de resis tência , origi nada cnrre os afro-cubanos dura nte
,1 escrnvidüo, se rrnnsformou cm um "evento", uma fiesta,
11 11 111 cclcbmçi\o envolvendo improvisação, movimento, can to,
,rn111d11, bt•hich11• dnnçn e ql,c i11cl11fo ni'ío apei,,1~ outros lnti nos,
,,,,w,
""" 1od11 11111,1 «11111111111,,dr dt· wdnn·~?
Berta Jorrar, na época doutoranda do Departamento, q ue está A rumba, como concluiu Berta Jottar, funcionava como um
escrevendo um livro sobre a rumba, descreveu como René lópez, espaço de idenrificação e rrans-idenrificação . A música, um
1-tistoriador da música, começou a levar gravaçôes de rumba para prodllto da hibr idizaç.ão, não estava preocupada em manter
os músicos porto-riquenhos q ue tocavam jazz lati no (blues, jazz a "autellticidade" ou a tradição. Por definição, ela tinha a ver
e funk} no parque. Antes, esses músicos tinhiun con hecido ideias com mu dança e contato cultural. PorqL1c este era um evento
sobre a rumba por meio das mídias de massa, shows como TLove de performa nce, eu havia levado m inha câmera de vídeo. Eu
Lucy e outras formas de cultura popu hir. Em o utras palavras, eles gravei as mãos dos mús icos movendo-se expressivamente e com
haviam a prendido sua música por meio do que venho chamando alltoridade sobre os ra mbores, seus so1Tisos e risadas enquanto
de arqui1•0. Em 1994, os marieliros finalmente começa ram a comunicavam-se uns com os outros. Conversei com minha filha
tocar com os porto-riquenho-americanos no Central Park. Sun ,\ fa rina, c::om am igos e alunos, e todos nós nos perguntávamos
música, inspirada no repertório da performance incorporad a, por q ue não íamo~ ao Pa rque com ma ior freq uência.•
transmitia os ritmos que lhes foram legados e sua história parti•
cuias. Tn icia lmenre, os marielitos resistiram aos convires para
tocar no parque. " Min ha hipótese" , disse Berra Jottar, "é que
eles não queriam ser crimina lizados novamente, associados com
uma forma que havía sido totalmeme ma rgina lizada J10 luga1
de onde ele_~ tinham vindo. Para eles, a rumba significava voltai
para um espaço de crimina lidade que estavam tentándo apagar".
A rumba tinha passado por outro processo de rransformaçãu
em sua nova casa no Central Park. O arquivo e o repertório
combi11aram-se para produzir ritmos novos e transculrurado~
para responder a essa tealidade nova e transculturnda, qu1
1Tlanteve sua arn10sfcra de (iesta. Em um lado, mulheres cubam1'
vendiam pasteles cubanos; no outro, mulheres porto-riquenlm-
vendiarn seu arroz co11 ga11dules. Nós ficamos em ,·olta, ba lon
çando o cocpo, alguns aplaudindo, olhando os m úsicos, o la!I"· 111? D i..10.l Taylor fiJmando a pol(cit no Cemral Park, (.'idade de Nova York, 1998.
olhando para cada um de nós que olhav,1, e aproveitando e~i 1í1hl: l{osJ G. Li1.arde.

ambiente insóli to pa ra essa performance ao ar livre. Tudo cl 1


rão incongruente: os a fro-ca ribenhos tocando música contr,1 11 A chegada da polícia ele Nova York introduziu um ti po dife-
pano de fundo de pinheiros, barcos a remo e edifícios ele luxo. <l r1•11tc de ruído, um ripo diferente de performance. Os músicos
Museu de História Natural, no outro lado da rua, estava aprc\rn ,1• dispersaram, e os homc11s de azul assumiram o palco. Três
ta ndo tima grande exposição sobre o Haiti que inclulo m~1"1l• v,,1culo~ de polícia se aproximaram. Em vez de música , rínhamos
e praticantes de vodu. Q uando olhei para o lago, quflM' 11111h ,,11lio1,1i~ foh111dn sobre 11urori;i.ações, drogas, á lcool e urinação,
imaginar que a músic.i era ma is uma versão do ripo Buon,1 V1 1 1 nnfu,,lo. C,wofonln. Todo~ f.il,111du no mcçmo tempo. O que

Socinl C luh, vind a de algum sbtcina de som 41,· ,111,1 qmd1dn.J ,1u1n 11·n- 11 / . " '" 111<!11, J)Ng11111,1mo,. l11tt•rrn11,1çõcs, txprc~sões

,,, 1 •l
de incredulidade, exigências de respostas sobre direito ao espaço Todos nós q ue estáva111os ali sabíamos que isso tinha a ver
público, direito de reunião, foram recebidas com conversas sobre com raça, língua e classe- e não com música, ouvintes, ou mesmo
Regras. Regulamentos. Posto. Superiores. Logo aparece o Código cerveja. Uma ,nu lhcr perguntou: "Vocês prendem as pessoas
- Seção 105 A alínea 1, Assem bleias, Reuniões, Exposições etc. que bebem cerveja ou vinho enquanto assistem Shakespeate no
"Nenhuma pessoa pode organizar ou patroci nar exposições ou pa rque?" Os policiais falaram sobre critério: "Há muitas leis
concursos, leituras dramáticas, leiruras de poesia etc ., a menos e .regras sendo violadas. Nós não nos importamos com todas
q ue se espere a presença de menos de 20 pessoas." "Temos vindo elas ." Um músico riu, d izendo que gosta ria de ter usado uma
aqui por 17 anos", comentou um músico. "E, de repen te, vocês peruca loura. Um policial se aproximou de um af.ro-amei:ica no,
vêm aqui e nos dizem que não podemos toca r? Vamos lá. Vocês q uerendo saber se ele t rabal hava. "Sou engen heiro eletricista",
sabem que vamos perguntar por quê." Qttanto mais respostas disse o espectador, atordoado. O parque idílico, que parecia
os policiais nos davam, mais confuso ficava. Algu mas veies o aberto a todos de forma tão incongruente,era de faro o q ue pare·
problema era a autorização; outras vezes era o nCuuero de pessoas eia: um refúgio para os habitantes afluentes da cidade, ansiosos
da audiência, outras vezes, a cerveja, e ainda outras, a venda de por aproveitar as árvore.s, a grama e a água sem pessoas como
comida. Em uma piada de mau gosto: quantos policiais e canos "eles/nós". Enquanto todo mundo parece adorar música latina,
de polícia são necessários para se investigar uma amorização? empurra ndo os CDs da chamada world music para o topo das
Os policiais ·estavam ta mbém representando: "Somos todos paradas de sucessos, eles não q uerem ter de tratar com os corpos
profissiona is aqui", disse um policial, acuando para minha morenos que p roduzem essa música. O gosto cultural preferia
câmera. Será que ele teria sido tão educado se eu não fosse ~ música desincorporada e a etnicidade encenada no Museu de
branca? Ou na era p ré-Rod ney King? Certas performances l listória Natura l.
to rnam-se especialmente prob lemáticas quando entram p ara o Esse cantinho, de mais o u menos oito metros q uadrados, em
arq uivo. freme ao lago, hav.ia se tomado apenas o lugar mais recente
Q uero policia l realçou a imponância da etiqueta, chamando para a prática flucuaore de criminalização, por parte do prefeito
a atenção para o fato de q ue eles estava m se dirigindo a nós GiuJiani. Em uma semana, a ,•eemência era dirigida aos motoris-
com respeito (o utro olhar para a câmera). Ele prefaciava cado tas de ráxi, na outra, aos usuários de metadona e, na seguinte,
comencário com um "senhorita" ou "senhora". Um policial leu aos rumberos. O que todos eles têm em comum? Seus grupos são
sentenças de seu livrinho, performatizando a evidência de suo .:o mpostos, na ma ioria, por homens de cor, pelos q ue não têm
legitimid ade. (Fiquei me perguntando se essa leirura dramática direitos civis, pelos pobres, pelos imigra1ues. Po ucas pess()as- isto
também não era contra a lei, já que havia cercamente mais de 20 e\ pessoas que impo.rta m aos po.líticos- se preCJcupa n1 com eles.
de nós assistiodo. «Está vendo?", ele insistia; ele estava certo,,. Todo mundo est ava falando. Os pol iciais nio gostaram da
nós, errados. "O que podemos fazer ou dizer para assegurar s1111 disc::ussãCJ. Eles "não querem ocupar-se de ninha rias", diz o
cooperação com a lei? " Porém, que leis foram violadas? Niin r policia l Fcdcrico, cada vez mais impaciente. Eles só querem
contra a lei tocar música. ''Estamos violando a lei porque ,~1,1 1111c nós vamos embora. Um pouco distantes dos três ou quatro
mos assistindo. Se não houvesse mais de vinte pessons ns~istindu, JlOI ic iais de uniforme e elos dois sem uniformes (q ue mostra·
nenhwua lei seria violada, não é? Então nós somos o~ cr11111nrfü1 1 ,1m st•lls cli~r 1111, ,11, ,111 111<!0 ~olicitados), outros dóis ou três,

Vocês deveriam nos nsscdior", cu s1111eri. ,lt· unrfw nw. , , li 1111 .1 11ul,, ,Hcntílmenrc. Dois deles, um

,,.,, 11
afro-america no e um caucasiano, estavam com as 01ãos sobr e com o policial daquele jeito. Fiquei com medo de ele te matar.''
as pistolas. Eles coch ichavam em seus rádios-transm issores "Você não planejou aquilo, não é ?", meus alunos perguntaram
sem tira r os olhos de nós. É claro que nós estáva mos todos q ua ndo chega mos de volta à KYU.
cooversando uns com os outros, decidindo fazer alg uma coisa. Como vimos depois, essa foi de faco a última performance de
Escrever. Ch amar a Associação America na pelas Liberdades rumba no parq ue. Chama mos o New York Times; um repórter
Civis. O New York Times. Formada uma nova co mun idade, nos entrevistou e pediu nossos vidcoccipes, agora rrnnsfonuados
novas linhas se desenhavam na areia entre o que de repente se cm evidências a rquivais. Uma matéria cmra apareceu alguns dias
transformou cm rodos " nós" e os "eles" azuis. depois. "O chefe do Departamenr<> de Parques, Henry J. Stern,
Sabíamos por rwssa discussão acadêm ica sobre a rnmba que disse ser importante manter algumas áreas ma is sossegadas no
a história da crim ina lização de grupos minoritários e ra insepa- parque.( ...) 'Não se pode brincar no lago.{ ... ) Sei que Olmsread
rável da história da rn mba como resistência. Será que os músicos não projetou o Centra l Park para ser pa lco de rnm ba."' 2 As
tinham lido o livro? Em um movimemo espontâneo que parecia ordens cont ra cocar r umba no pa1·que permaneceram. Esse é um
ter acendido os ânimos de rodos os mús icos simultaneamente, parque, não um palco, projetado para certos tipos de performan-
eles voltaram a seus rambores, suas baquetas, su as canções e, de .:es, mas não para outros. Caso encerrado.
repente, emívmnos codos ba tendo pa lmas, cantando, celebrando Esse acontecimenco no Central Park lança luz sobre muitas
0 triunfo da arce sobre a opressão. A polícia dispersou o grupo, das questões que foca lizei neste esmdo. Aprendi a acreditar q ue
"prendeu" a lguns instrumentos e começou a levá-los embora. ,,., Américas são uma só - e ai11da acredito nisso. PrC>duzido e
Quando um dos músicos pediu seu rarnbor de vo ltn, eles o organizado por meio de roteiros, atos, transações, migrações e
prenderam e o a lgema ram sem ler para ele seus direitos. " Po r , istemas sociais mutuamente constitutivos, nosso hemisfério se
quê?", perguntamos novamente, enquanto eles o empurrav:1111 mostra um espaço contestado e intrincado. O Primeiro ~fondo
para dentro de um dos três veículos de polícia e partiram dal i. c,t,í no Terceiro Mu ndo exara mente como o Terceiro 1Vlundo vive
Os policiais d isseram a lgo sobre haver um ma1Jdaro de prisão rio Primeiro . A aJ)arentc separação dos Esrado-Nações, línguas
contra ele. Enquanto alguns músicos ra pidamente retiravam oq n:icionaü e religiões oficia is ma l esconde a profunda mistura de
ra mbores restantes, os qL1e seguravam as baquetas contÍJ1uavam povos, línguas e práticas cu lrurais . Naquele dia, o Central Park
tocando, usando as costas do banco como seu instrumento. Ele• oÍéreceu um dos infinitos lugares de encontro e desencona·os
canravam, bala nçav,un ú corpo e nós nús juncamos a eles no 1·111 que os dramas das relações desiguais de p()de r, acesso elegi-
último e pesaroso aro de resistência . ''Vocês podem comar nosso, r·1111iclade aco ntecem diariamente. Que roteiros são conce bíveis?
tambores, mas não podem mmar nossa 1l1Úsica ", eles disseram C omo a perfomance foz e legitima sua reivindicação? Que tipos
'' Vocês podem prc11der um de nós, mas viio rer de vo lmr 40 mil dt· troca~ se tornam admissíveis em cspaçús reservados?
vezes para pegar nós todos." E assim continua essa hi stória d,, /\~ hi stórias e rrajcrórias ro rn am-se visíveis por meio da
mrnba : perseguida dura nte o período de escravidâo e nn Cubn d~ rcrformnn~c, embora reconhecendo que os desa/Los e lim ites da
Casuo na década de l980, perseguidn ~gqra nest~ nossn Ntw,1 ,h,lrabilidíl<.le ~onrinu~m sendo um problema. Por exemplo,
York mais limpa, mais branca e mn1~ scgur:i, Mni~ ~\'Anrn p,11.1 1111tl,•rfat11os r.1s1rc,1r pr.1ric.1~ ele resistência Cúmo a rumha até a
quem?, eu mo pergunto. Minhn /1lli.1 d1m,1v11 de r,HV,t 1p1.1ndu 11.,n,,1,1do 1\1 l 1111ko 1>1•111, .1tr1,.1no~, o rscr~vidiio, ~ exploração
roma ,11<}1, o nu•1rÍl p,1,.,, 111~.1. " M,m1 tr, 1·u,r 11,10 d1•v111 IN I tlulo e , ru11111.1Ji, ,,,in, 011111111 111, d•,, l'"v'" 111·11ru, 1•111 1.ír i,1' partes

1 .,
das Américas. Os repertórios de res1stencia incluiriam outras O Mttseu de H istória Natura l continua sua prática histórica de
formas - capoeira, samba, carnaval e hip-hop, entre outros. ,olocar em exposição grupos s.o cialmente marginal izados. Os
Sinmltaneamenre, é claro, outras histórias emra m em jogo policia is legitimam sua performance ao apontar para seus livros
Tería111os de foca lizar os legados da Guerra fria, especialmente, Je regras e reg11/amentos. Minha turma de pós-graduação seguia
cratamcoto preferencial dado aos cubanos exilados nos Estado o ritua l acadêmico de pesquisa de campo semietnográfica. Os
Unidos, para explicar a presença dos mariel itos no Parqur rurisras aproveita\'am os barcos a remo, a comida e a mús ica
Castro inverteu as posições da política de imigração dos Estado nessa linda tarde de setembro. Os músicos estavam improvisando
Unidos, que a uromaticamente recebiam bem os cuba nos bra nco ., partir de materiais inspirados em suas experiências culturais,
ben1-educados e po liticamente conservadores que fugiam do enquanto as mu lheres que cozinhavam, debaixo dos pinheiros,
comunismo, ao permitir que pessoas empobrecidas - muitas dela se inspiravam em seu reperrórip de comidas típicas caribenhas.
negras e algumas libertadas de prisões ou hospit.iis psiquiárriç1 1\ rumba era apenas uma das tradições que circulavam naquele
- saíssem da ilha em frágeis jangadas . A história das tensões d dia, modificando-se e adaptando-se a suas circunstâncias loca is.
Guerra Fria se cruza ao mesmo tempo com a do colonia lism Púrque as performa nces sempre participam dos sistemas
dos Estados Unidos: Porto R ico continua a ser uma colônia, ~ocia is, elas elucidam as relações de poder. No pa rque, a rumba
seus habitantes são cidadãos estadunidenses. Os nova-iorqui no esclarecia as posições ocupadas pelos muitos atores sociais: os
porro-riquenh os que tocavam rumba no parque são uma prov músicos deslocados pela polícia, que dominava o restante da
viva de que os estudos pós-coloniais precisam abordar as renh .:ena; nossa intervenção corno espectadores que viam claramente
dades co loniais e pós-coloniais coocomicunres para serem rrlr que estavam envolvidos no roteiro. De fato, o livro de regras e
vantes nas Américas. A etnicidade dos polic iais evidencia ou 1, ,1 r.:gulamencos tornava claro como nós éramos centrais. O faw
ondas de migração - italiana, mexicana, irlandesa -que, por •11 de que éramos mais de 20 havia transformado o episódio em
vez, refletem crises em suas próprias ter.ras de origem. Nós q1 uma transgressão criminosa. O vídeo e as fotos registraram
estávamos por Já, escutando músi.c a, si nalizamos outros flu,., os acontecimentos para serert1 vistos postcrjormente por uma
e circLLlações: estudantes. internacionais desejando uma mcll1< .wdiência não intencional: os leitores do New York Times.
educação; pessoas corno eu, atraídas por maiores opommidod Contudo, apesar de o acontecimento revela r o funcionamenco
profissionais; turistas; os nascidos em Nova York ou atraid1 do poder, issú não er,1 feito de forma direta. A polícia podia, e
por seu caráter cosmopolica. não podia, erradicar a performance incorporada de resistência
Essas muitas hiscórias enformam todas as performances q1 oferecida pelos músicos. Enquanto os músicos continuaram a
acontecem simu lcaneamente. Embo ra cada performance 1cuh toca r, afirmando a quase impossibilidade de se policiar comple-
s ua própria tradição, elas se reú1.1em no aqui e agora de mcHI tnmente o "ao vi\'o" ("Vocês vão ter de voltar 40 mil vezes para
muito específicos. Como venho afirma ndo ao logo deste ITab,1lh pegar todos nós"), a polícia consegu iu proibir o acesso iururo
a perfor mance incorporada pode se insp irarem um vasrn fl'J" rt ,10 Cenm1I Park. Mas a rumba continua a ser tocada, em dife-
r io e il1.1minar uma história complexa, mas sempre ln s1t11, ,~11 ,,,ntes esqui nas e bares por roda Nova Yo rk e ern rodas as partes
que cada instanciação particular é marcada pela wnfh1l•11, 11 das Américn~, utrn indo novas audiências. O racismo, também,
tradições em um roteiro pnrticulnr. O nr4uitc1<1 Ohmtt-,1cl 111 , nntinu.,, ,, ~sim como ~ cnrncrcrlzoçüo rnci31 das minorias
um certo tipo d(• 1wrfor111,11m• q11,111do prnf,•11111 o C'r11t1,li l'u 1•1111t 1,, ,111111u ,0111p11r111mrnru do pnlfohl ,. 11, políricas oficia is

l (l
de exclusão. As crajetórias continuam suas rotas descontínuas Ca lígula sem sugerir uma conexão. esses casos, então, oferecem
e desarricu ladas de encontros e desencontros. Essas interações um exemplo ao invés de elucidar a causalidade. Claramente,
entrelaçadas rornam visíveis os muitos pontos de con fl ito e em algtunas instâncias, parece politicamente mgente enfatizar
contato que se tornaram constitutivos das Américas. a singularidade e o pan icular ismo de um acontecimento. A
Fecho meu escudo com esse acontecimento no Central Park organização política dos filhos dos desaparecidos (H.I.J.O.S.J,
porque, para a rnaioria das pessoas, este era um não aconteci- ju ntamente com o Grupo Arte Ca llejero (os artistas ativistas que
mento. O pequeno artigo escondido na seçã<> "Cidade" do New trabalham com eles}, fizeram um mapa de Buenos Aires usando
York Times de domingo não provocou discussões ou mesmo pomos vermelhos para marcar a localização exata das casas e
uma cacta ao editor. Como escrevi no Capítu lo 3, "a atenção dos Locais de traba lho dos torniradores, bem como os muitos
pública foca liza o 'acontecicnenro' como um caso-li mite que lugares utilizados como cenrros de detenção durante a ditadura.
résume o sensacional e o extremo, mas deixa passar o crime Du rante o encontro de duas semanas do l nsrituco Hemisférico
da pobreza, margin alização e desigua ldade socia l". Nossos no .México, propus ampliar o mapa de modo a incluir todas as
modelos de expl icação privilegiam o paradigmático como uma Amér icas. Os ativistas argentinos concordarnm, em princípio,
instância superior e exemplar para se pensar sobre nosso hemis· ainda que deixassem claro que não era seu projero fazer um
fério. Podemos pensar sobre a "descoberta" das Américas, a mapeamento maior. Embora reconhecendo a importância de
Conquista, a "G uerra Suja" na Argemina, a morte da Pr incesa situar ,1 Guerra Suja na Argentina como um caso-limite, estou
de Gales ou os ataques ao World Trade Cencer como casos-limite convencida de que um mapa das Améri.cas que assinalasse a
,solados. Ao lidar com casos-limite, os comentaristas recorrem localização de todos que participaram do Plano Condor- desde
ô linguagem do excepdooalismo e d.:, incomensurabilidade, a cidade de \'ilashingmn até a Patagônia - elucidaria uma rede
Todorov, por exemplo, escreve sobre a "Conquista [como] u importante de conluio crim inoso, que incluiria o tráfico econÔ·
encontro ma is espantoso de nossa história", referindo-se a el~ mico e m ilitar, sem se limitar a ele. Assim, há também uma
como "o maior genocídio da h isrória humana".• As descriçõe, argumentação política a ser feita contra o discurso da income n-
dos ataques ao World Trade Centcr transbordam de sul)erlativos: surabilidade. Como venho sugerindo, a linguagem da tragédia
o pior aro de terror, o ma is mocta l, inimaginável, impensável, e do caráter único funciona contra uma política emancipatória
N ,mrn 111âs: The Re/1ort o( the Argentine Na1ío11al Commissio11 ma is ampla porque separa os aco11tccimcntos do contex m que
1)11 tha Disn/J/1eared a nunciou o fim de um período singula1 cont r ibuiria para expl icá-los.
e sem prcccdcnrcs de terrorismo de Estado, que nunca 1110 10 Neste esrndo, tentei colocar os acomecimemos-limite em
$C rçpcriria . A mo rte da princesa Dia na, a seu próprio modo, diálogo com as encenações diárias, desimportantes, da prática
pressio nou os limites. Parecia que nenhum~ figura real tinh., lm:orporada. Ao invés de perspectivas e políticas iso lacion isras,
~cdo t:io ancnmprccndida, tão amad:1, rão lamcncada. Lentei focalizar a teia de emaranhados confusos que fazem pàrce
Pcr1sM ~o bre aco,m:cimentos como casos-li mite isola '" dns relações hemisféricas. Se os casos-limite funcionam bem como
( nmo se podt· colocnr o incomensurável cm um conrexto 111111 tragédias, a perspectiva que esrou apresentando pode se r mais
1111plo? Ob cnso s limite sin,11i1.Hn mu1folo, ,1 qu ( se pnclrm bem rcprescnrnda 11a prática simultânea, episódica e misturad~
t~l.1si1111.\r' m1111 ,11, quchlm , •h~J'" rt·~, 11111 , ,11w 11a, .c11110 ilu,t 1 1 d1t ncumulíl~.lu t' ,.n11rnc;:io: Aprese11tádo agora em todos os luga-
" I U Ph1lt 1hUllU~ tl11ct ,,u•
1 1l,.1u·n• l' l !IU t wun,uiiu·o q11,1111u l't'~. An 1nvt-, d" ,, 1 ,..,1 .... <>~ dc111cnros do enredo entrelaçados

' 1
firmemente para culminar na cr ise e no desenlace, o episódico ÍOl'mas de violência legítimas de ilegítimas, os a lvos aprop riados
coloca os aconcecimentos cm um arranjo em muitas camada., , dos inapropri.idos, ,1 precaução ela perseguição do Estado? Há
coincidentes e estrurmados de forma solta , O que acontece n11 também um discurso reconhecível do terrorismo e sobre ele,
cena A pode não ser relacionado de modo causal à cena B e C, q ue se baseia na ling uagem do bem e do mal, nós contra eles, o
mas sua colocação 110 espaço ou no tempo nos leva a pensá bem maio r, o sacrifício, a supressão da dissidência, e assim por
-los em conjunto, Como podem ns culturas da criminalidade se dianre. As ligações podel'iam se mostrar úteis a populações que
originar na escravidão, ser reacivadas nos discursos capitalistn• lidam com questões de testemunho e de trau111a coletivo. As
e "revolucionários'' e migrar de C uba para o Central Park? Isto famílias elos desaparecidos na Argentina e nos listados Unidos,
é, que roceiros perpetuam a no~ão e as condições da pessoa sem para selecionar um subgrupo específico, enfrentaram experiências
direitos como sendo criminosa? Como, por sua vez, esse roteiro ~emellia ntes: eles usara111 fotos para identificar seus desapareci-
conu·ibui para ,, criminalização oficia l da pobreza que vimo dos e para chorar seus mortos sem poder emerrar seus corpos,
ser 1:eprese11tada na libertação dos marielitos por Castrn ou nJ Os q ue não são vítimas ou perperrndores, mas tesr.emunhas das
guerra de Giulian i contra os pedintes? atrocidades - outr<> subgrupo - são frequentemente .:egados
Vamos ensaiar uma análise hemisférica de dois outros acon pelos esforços govername11rnis para conter a situação. A "guerra
tecimentos que eu examino separadamente neste estudo: o ao terror" produz o percepticídio público. Artistas, ativistas e
ataques ao World Trade Center e as consequências da Gueml pesquisadores que vivem, trabalham <>U estudam situações de
Suja, Diferentemente da rumba no parque, eles não constituem terror também precisam examinar como seu trabalho intervém
uma só experiência defin,vel. O araque às Torres não se r1;h1 nesse roteiro , Os pontos de contato proliferam, apesar de serem
ciona diret~mcnre ·a o terrorismo de Estado na Argentina, co1111 J poucas as aná lises que ultrapassam os "limites" designados.
o qual as Abuelas, Madres e H ,1.J,0.S. continuam a protesc.,r Depreciar o ímpeto linear da tragédia e apresentar os acon-
Entretanto, colocá-los juncos em uma relação solta e episódt,il 1ccimentos de forma episódica também nos permite vê-los como
torna evidente sua Ligação hemisférica e nos esti mula a usá•I< ~e ampliando e se sobrepondo horizoncalmenre, em círculos
para compreender cada um deles. O que queremos dizer com temporais que continuam a repercutir para fora. A partir dessa
"rerrorisca "? Geralmente, os governos utilizam o termo p111&1 úrica, poderí;unos reconhecer um claro elo econômico entre a
se referir aos "bár baros" antiestado e aos Outros não assi1111 .:,u:ísrrofe do World Trade Cencer e o impacto e as consequên-
lá veis que usam formas " ilegítimas" ele violência concrn ele~. A i:1as econômicas da Guerra Suja na Argentina, José Martínez
linguagem contra o terrorismo, contndo, rende imediatanw111 dl' 11oz, o idealizador do projeto econômico por rrás da brutal
a se transformar em justificação do terrorismo de Estado. h lunta Mi litar da década ele 1970, forçou o país a entrar para um
discltrso, como se pode perceber na reação governamcnrnl J 11srema econômico neolibernl e ''globa l". Essa inserção produziu
terrorismo, tanto nn Argentina quanto nos Estados Un ,do l trn própria forma de violência social, já que a população do país
inclu i ,1 dizimação das liberdades civis, a vigi lância ~obre , .ida vez mais se polarizou entre ricos e pobres. As condições
populações nacionais, a esc,,lacla do corttrolc sobre lnd1v1du1 1111po~tas pelo Fundo Monet:í rio lncernacioJ1al levaram a outros
baseado cm parâmetros raciais, o uso de procedimento~ j111J,.11 ,h ,,1pu recimcnl()S, cnm· tlcs os de certos serviços sociais como
e po liciais cada vez mnis ~uspcitos , o n n~~11cinçi10 do 1111vrrn 11t•11•ôl!~ po, :1p11"•nr.1dorin, serviços de M1údc, atcndime nro
com rorrurndort's e ni;s,1,,rnOR c:011h,•~1do~. 1O que d1N1 u111,11irl 1ut.1ntil r um,.,~ lrn 111 ,,• .11· pr,·1•1dr111."1,1 ~,"·ial. A crise socinl

1• ., 1 t
crcscence fez com que aposentados recencert1entc empobrecid(, Latina, parrictd a rmenw para a Colômbia, onde substituiu a
cometessem suicídio nas cardes de quarta-feira em frente à C81 "guerrn às drogas" militarizada. Imigrantes sem docun1entos
Rosada na Plaza de Mayo, o mes mo lugar em que as Madrr nos Estados Unidos voltaram pa ra seus países de origem ou
se reúnem às quintas-feiras para protestar contra a a nis1111 então correm o r isco de serem presos por cra ba lhar sem autori·
concedida aos torturadores e criminosos da Guerra Suja. 11 taçâo.7 O PaH iot Act [Ato Patriota] auroriza o governo a pren-
terror ismo deseocadeado pelo Estado deu lugar a uma forn, der "estrangeiros", "potencialmente por p razo indefi nido, por
de violência mais in~'isível, suscitada por meio dessas polícil.., si mples suspcita, sem nenhuma audiência". 6 O comprom isso de
fiscais. A economia argentina ruiu. O mesmo aconteceu, pou( 11 p,·omover a democracia nas Américas, annnciado pot Rona ld
ccmpo depois, com as Torres, símbolos do capita lismo glob,,I Reagan em 1982 , d imi nu iu consideravelmente. A tenta tiva
As duas quedas reflerem uma acusação à hllbris de promovrr de deposição do presidente Hugo Chávez da Venezuela, em
os sistemas econômicos " mu nd iais" que são completament :1bril de 2002, primeiro aplaudido por autorid ades governa-
identificados com os Esrados Unidos e seus interesses . Embor 1 me ntais estadunidenses como uma " renúncia ", foi mais carde
as políticas do FMI tivessem deixado a Argemin.i em eswd, decla rado um golpe apoiado e financiado pelo governo dos
deplorável, Co11doleezza Rice, a conselheira para assunros d Estados Unidos! A perda de entusiasmo para apoiar pr incípios
segurança nacional de Rush, obsetvou então: "Nós acreditamn democdricos na América La tina, a pretexto da nova urgência
verdadeiramente que se c:lcs [os argencinos] fizerem o qui' , por ,1 utointeresse nacional , evoca a ambivaknce relação com
F,\.1I escá ped indo que façam !eles conseguirão] voltar a ter u111 ;1 democracia e proteções constitucionais no país, po1· parte

crescimento suscenrável.''6 do procurador-geral dos Estados U nidos, John Asl1croft. Os


A modalidade episód ica se expressa como uma cacofonin 11 exemplos continuam i ndefin idamente.
vozes, e não como um monólogo. A simultaneidade das reaçm Uma perspectiva hemisférica estende a estruntra espacial e
e perspectivas comp lica qua lquer inrerpreração que se prcf1r.1 rt·mpo ral para r.econhecer não apenas a interconexão de á.reas
Diferememente da tragédia, a estrutura episódica funciona co111r ~eográ ficM e políticas aparen temente separadas, ,nas também até
a delimitação de começo e fim, causa e e feiro, a ntes e depois. t 1 que p onto nosso passado continua a assombrar nosso presente.
começo pode ser arbitrário, do mesmo modo que o fi na l é 1e111.1 i\ bam1 oblíqua rra nqui l izadorn entre passado/presente não
tivo. O caráter concínuo e a justaposição constante dos elcnicnt,, consegue, de foro, mantê-los distintos. Alusôes à tragédia, como
deixam a estrutura aberra e flexível. Como ocorre com a ruml,,1 ,os referências a casos-limite, dão a esses aco ntecimentos uma
as improl'isações se baseiam em esmmiras e cradições an teri1,11 inrc ireza estética e uma insularidade política que ofusca nossa
e,por um segundo, voltam à vida na "agoridade" da perform,rn, co mpreensão a respeito deles.
apenas pa ra continua r se movimentando, cnconrrando noY,1 Agora é o momento de remapear as Américas. Isso signi-
audiências, fazendo novas afirmações. Em oposição à cragt·di j 11.:n reconfigurar os estudos de ár ea d,1 época da Guerra Fria,
que impõe suas delimitações para acentuar a singuland.,dc ti t rnnsformando-a em estudo& hemisféricas. Sern assumir de
caso-límire , os elos episódicos e nia bíveis refl<:rem como , Lnrn"1 alguma que "novas" metodologias e configurações estão
precipitações radioarivas dos a~quc~ se am[llinm diori.1111<·1,1 livre~ do~ gril hõc~ ideológ icos d~ sua condição originária, a
aforando as relações hcmisféricns, bc111 comu o rt·~t,1111, d 111ud,111~(1 pdo 1111•110, '"" permite iluminar alguns ponros cegos.
mund o. A "gucrrn (IC> ll.'rron~mo" St' l'xpa11cl h1 pJr,1 ,l 1\rn, 111 l',11 t"LL' u, jll" llh , 111.11 il11 q111 horn dr. descer1rrur a América

1 ,, 1
estadunide11se, substituindo-a por uma visão hemisfé rica da~ rnmba no parque, comam visíveis esses atores sociais, roteiros e
Américas. Esse remapeamento mostraria também bistórias r relações de pode r que focan1 deixados de lado e, segui damente,
rrajerórias omitidas dos mapas anteriores; poderían1os incl ui r desapa receram . Os estudos da perfor mance nos perm item
as rotas c riadas por meio de migrações específicas, expio dedicar-nos a uma a ná lise histó rica consranre das práticas
rando performances incorporadas como a pastoreia, moms V performáticas que, ao mesmo rempo, ligam e fragmentam as
crisitanos, carpa e outras performances que mencionei bre1•c Américas. Sendo assi m, esses estu dos cumprem um papel virai
mente neste estudo. Poderíamos examinar como performance\ no remapeamemo. É isso tJ LLe esto u querendo que os estudos
rura is antigas, como a Fiesta de la Virgen dei Carmen, cm da performance façam.
Pauca rrambo, Peru, 1nigram dos Andes para a capital à medid11
que demandas econômicas crescemes dispersam as populaçôç
loca is. Esses migrantes levam consigo suas perfor mance,,
esta belecendo uma versão urbana de sua fiesta cradicionn l
Quando esses migrnnces se dispersa m para a inda mais longr
para a região de Nova York, por exemplo, sua fiesta ta1n bc111
viaja, modi ficando-se novamente ua transmissão. Todas css11
mudanças são multidirecionais, isto é, elas afetam a manei , 1
como as performances íuncionam "em casa», quer essa casa sr11
agora Lima ou Pauca rtambo. As maneiras como os princíp111
organizadores da fíesta mudam ou se adaptam -cm te rmo& il
lideta nça, financiarnemo, tomada de decisões , formação do
comparsas , mod ificações da tradição que precisam ser justd t
cadas por trad ições em competição e frequentemcnre invent11tl.1
- elucidam muiro sobre as múltiplas pressões e a trações do lo, 11
pelo global. Esses repertórios mostra m que as migrações ,.u
deixadas de fora de histórias baseadas somente em mace, 1111
arquivais e nos oferecem outros lugares e fer ramentas crítt,d
para entendê-los.
Reconhecer a performance corno objeto de aná lise v.1hil
contribu i pa ra nossa compreensão da prática incorpor .hl
como uma episreme e uma práxis, um modo de con hecer, I>, 1
como de a r mazenar e transmiti r conhecimc:mo e idrutu l,1 I
cultura l. Como lente metodológica, a performnnce pos,1luli
aos comemaristas explorar não somem~ nco111ccimc-nro
casos- limite isolados, mns rnmbém os rotcirob qm· co111ri111·111
imaginários individu~ 1s r c:olt1tivo6. A, rwrform.1ncr•, 11111111

1N J li
N OTA S
CAPITULO 1
1
O Instituto 1lemisférko de Perfornrnnce e f-'olMca é um co1~s6rcio de insdmiçôes,
pcsqnisadores, ar1isrns ê ativistas das Arnérica~, q ue exploram .is intercessões
<:otre a performan,e e a p-0l(,1ca (th) -$entido :,unp lo dos dois tcrmosl no comi neme
desde o skulo XVl. Para mais informações, ,·cr <http://hcmi.ps.tsoa .nyll.edu>.
'11:H \'Veiner afirnw que "quando Jesusa Rodrígue..z está cm ação - ,,o p::iko, fre nte
às cãmcrns, nas cuas) protestando comnl a ú1Lirna <,>fensa -d~1pvJ~ M:r a mulher
mais poderosa do ~·1éxico1t . Tfrn \Vciner; l'u1n1lleling thc Powcrful) with Comcdr
as Cudgel !Dando uma surra nos podercHmS> com :1 comédi::t como porrete], New
York Times, 15 jun. 2001, Coderno ,\, p. 4.
i R,char.d Sd1e'-'hrltr> BetIVeen The.Jrera11d Anthropology, Philade]phia, C:nh-tr·
!tit)' of Pennsyh-.mia Pre,ss, L985>p. 36. Devo o termo ~atos df tr,1nsforência"' ~
J1aul Co1lnêrton, que o mitiz.a em s.eu excefenre livro Hou..·Soci(!ties Remt mbe.r,
Cambridge. England, Cambridge U,üversit)' P r<:~s. 19S9, p. 39.
" A Jistinçâo .. mlis" [co1110/é] é feir.1 pot Schechncc cm Per(orm,wce Stud1es: Au ln•
tl'od1tc lid11, r.011<lon, Rot1rlc<li;c, 20fll, p. 30-3.2. Entretamo_
, discorJo dele qu:rnto
:l .. ua idt:ia dl.' ,yuc u "Ç'~refle te urna ontologia. Para Scht-chneri "a 1,eriorin:t11te
11:io é n:1d.1 01., i~ que ontolé,gica. t, •• ) Ela é [oralmente co:1struíd:1 .$út i:1lmeme"
(em correspondência pessoa1). Acho a tensão e ntre o ontológiC<) e o çom~rruído
111.i!is ambígua e consuuth-.,. rcnlçando a <:ompr<:e,uão dos l)t".squisadort>s deis.e
i.:,11np(1 de que :i petíotnHultê ê 1artto '' rcaJ" quam o "construída~.
"'A erjm.ologia J e 'pc::rformnnce~ pode nos dar uma sugescão Ú!i l> púis ela f'l:lo
l l"U\ nadn J \'Cr ç(.)n'I ·forma'. m,.1s deriva do francês antigo pttr/01.,rnir, 'cornp!e-
to (' uu 'rcal111u-comp!c1~1mentc'.'' VkcorTurner, From R;tui1/ !O ..fhea ter: Thc
, ltH'11ln Striornmess oi r lay, New York, Períotü>ing Arr.s JQurn,11 Put'ili,acions,
l'JHl, p U .
1
' The Bamhatt Diction.,iry of fi,timolog)' afirma que Steelc~ esctevendo no jom " ''Eles rinham algo muito surpteendeme. Ern cada uma das quacroesttu inas ou
1àtler, em L/09> usou o termo "no sentido de uma exibição ou entretenimNt voltas que a escrada fazia, estav,, construída uma monm11l1a e de cada moncan ha
público,, e, em t 7 LJ, para se referir 3 ";iquele qut perfotm:i."' Robetc K. Barnh subia uin penhasco alto. A pane m:.li~ baixa c.ra feira con'lo um pr..:ido, com
Tl1e 8:1rnlutrt Dictionary <>/ Etymology> New York, H. \\7• Wilson, 1988, p. moiras de ervas e flores e tudo mais que há em um campo viçoso; a monrnriha
e o penhasco eram {ão naturais como se tivessem c.rescido al i. Er~ uma coisa
: "Vlfl'IOS nos conhecer UJlS aos outros melhor ao cJUrar nas performaoc:e.1,
maravilhosa dever,·pois havin mulras ~n·ores: árvorcssil,rcsc,·cs, árvore-:. fr utí-
do outro e aprender !iUflS grarnllricas e. vocabu lários.'" Turner, From a Plann1
foras e ~rvores de fJores. e c<>gu01elós e fungos e o Jíqoen que cresce nns árvores
~feeclng for che \'7orld Gonference on Ritual and Pcrfotmance.• t1pud Rk h.1
da floresrn e em pedras, Havia até velha:s árvores q uebradas; e1u urn lugar era
S<:hechner and Will Appcl, Ed., /ly Meam ó( J'erfomra11a, New York, Camb,•
como uma mata espessa e em outro era mais aberrn. Nas árvores havia muitos
Universicy Pres·s, 1990, p. i.
pás.saros, tanto grandes quaoro peqoenos: falcõ-cs, corvos~ corujas; e na mata,
8 SuM11 Blackmol'e, The Powcr of !\,lemes, Scientific Amtrican, p. 65, 2000, muita caça; havi:1 veados, Lebres, coelhos~ CôiOtcs e um número gra11de de
cobra:.. Estas úlcimas eram aanarradas e suas presas> teciradas. pois a malorla
l?cggy Phclao~ Unmarked: The. Polirics of Pel'Íonnance, london, Ncw y,, delas e,·a do gênew víbora, uma légua dt' comprimenro e rão grossa-s corno
Roulledge, 1993, p. 146. <t braço de um homem na axila. (...)Afim de q ue nada pudesse fulrar pat.:t
10 Josel?h Roach, Citie.s of the Dead: Ci~cum-Adantic Petfotmaoce, Ncw Yca faze.r a cena parecer completamente 1latur~l. havia caçadores conl seus ar,os
Columbia Unl\'t-rsicy Press, 1996,. p. 26. e flechas bem escondidc)s na monraoha. i .. ,) Era preciso um olhar aguçado
para ver cssçs <açadore:s. tão e$COndidos est;wam e tão c:oberws com galhos e
11 J. L. Ausri.n, How to Do Thiugs witl, \Vc,rds, 2. ed., Camhndgc, MA, 1-Jatv liqnens das árvores, pois os animais de caça chcgnrfam fadlmeme até os pés
Univcrsity Press, 1975, p. 6. dos homens escondidos desrn forma. Ames de acirar, esses caç.1dorcs .faziam
IJ Como dis.~eJacques Derrida ao escrew:r sobre a noção de pC',.rfotm.itivo em Au muiros gcst0s que atraíam a atenç.:io do p1íblico 1 que de 11ada iuspeirnva."
''Poderia uma elocução perforrn,ui•.'a $t;r bem•sucedida se sua fo rmulaçln P Fchu Toribio MotoJinfa, J/istory o/ 1he lndim,s of J\fow Spain, ed, and uaos.
ccpetisse urn;i elocução •codificada' ou .ittrável?'1 jacquc.s Dcrrida, Marim Ellzabeth Andros, Berkeley, CA, Cottés Society, 1950, p. 102· 103.
Phi/osoplry, erans. Alan Bass, Chicago, Uui,·éJSity of Chicago Pre"5, 1982 ··~ Fernando Ortiz, Contrapunteo cubano dei t,1baco y e/ azrkar, Car.acas. Biblioteca
" Ibidem, p. 326. Ay,,cucho, 1978.

,~ Esta é uma alusão a uma frase famosa de Gertrude Stcin - "The:re is nu l"1 • Pacrice Pavi~. Ed., The fote:reu/Jurt,I l'erformam;.,e R.e,1der,. London, Routledgc!
chere" -, em Ei•erybod)'~ Autobiograplry, sobre a e"periência de não cou , 1996, p. 25.
encontrar a casa. onde.:: pa$Sata a infüncia, em Oakland, Califórnia, crn mn 1
' Clifford Geertz, Tbc lnJarpretatjon of (.;u{t.m·l!s, New Yotk 1 Basic Uooks, l973,
$Uas visitas aos Estados Unidos. [N.T.J p. lO.
is Vei; por exemplo, fmile Durkheím, 11,e E.lementary Forms o/tbe Ret,gu_,,,, I '
1
fm espanhol, "cl pcrforma11ce." cm geral se refere a ac<mtcciJncntoS, vindos dos
NewYo rk,Free Prcss, l9 1S, ncgóci()S ou da polírica,enquanro o feminino« la pcrformancen getalrnemt de~tota
1'° Vec: John Searfe, What is a spceeh act?, in Max Black 1 Ed., PhH01t>f1I nquele.s que vê-111 das ::irrcs. Agradeço a l'\forcela F't1c1ltê.s por esra obsetvação.
America, Ithaca, Cornell Uuiversiry Press. 196.); Deli Hymes, Breakrhré>utth 1 ,. ,Vlichcl de Ceneau, T/,c \'(/riting o{ .Hisrory, ua1ts. T<>1tt Conlcy, Ncw York)
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i,,
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''?ashington_, Amhropological Socicrr of \X1ashiogl0n, 1982i Richord lt..un <"1H:omro dentro da rubrica ger~I de "<fiscurso colonial'\ acemu:mdo QSsim os
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a classificar as várias corrt'ntcs da anfTôpolog.fa qoc lid~1h com pe1·írmu.a l)lan~ '1}1ylvr,D;sappcari,tg Act.s: Sp,ecrnclcs of Gender and ~ationallty inArgcn·
perfonn,ttividade. A.&radeço rambéan a Aaron Glass, cu10 mamn'-rll(• , ruu,·s Dil'ty Wnr, Durlrnm, Duke Uoiverslt)' Prc::ss, ·1997, p, ll9.
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privilegiar um entemfünemo de performance como uma recu:,.á cm perm
será q ue ignor:unõs ootn1s maneiras <lc: conhe,er, omr;1s mJI\C:1ras de lemht Hobn.<l Barches, ;\ fythofogie$, erans. Anoertt- La\·ers, New York, ~oon<l.t)'
podem se situar precisamente nas maneie.as cm qt1e a perfotmancc pern l'l'c:i->, l 988 1 p. J 10. Ele nt.rei;ceru~ : "V:1mos, port~1nro 1 usar língua, discurso,
mas p-enn:t!lece de modo Jifereme?" Rebecca Sehneider, Archivcs Pcrf0t1 /,11,1 erc.• parn significnr unid;1de ou síntese, seja verrnll 0,1 visual (...) m~smo
Rernains, Perfonn,mctJ Researcb, v. 6, ti. 2) p. 101, 2001. .,., ohje1os :-.e IOl'OBrão fol:;1,se eles sigmfjc-:tul: llgô" (p. 111). l:m )eu tr;1bj.lh1,
.u J\.t1.,n)n·B;.1cbera,, ~fomot)' :md F<>rm U1 che Luin /\mi:ríc3n St),tp 1
J ~SJÍS
po ... tumo, O jmpério dos signos. Barthcs se refere ,1 "três cscrirns" na pc:rfor·
m.nlCt: b,mraku par~ i ndk:u "uês Jug.1rcs de cspct.lculo: o manipulador> o
trans. Ivfarina Elias, 111 Robert Ç. Allen, E.d.) 'fo Be Con1iu11ed.. . So.1p t
around th~ \t'orld. London, Rc.mtledge, 1995, p. 276-2S4. m.uionetc, o vo.;iler.mte: o ~csto efetuado, o gesto efetivo e o gesto voe.a!",
ll,,{,1ni;I B.urhes, E.mpire. o/ S,'gns, uans. Richard Howard, New York, Hill
36 t\pud Thomas A. Abcr<:rombie, Pt1tlnl'.1ys o/ ,\fomOr)' and Pou.·er: Ethu,, 1111d Wang, 2000, p. ~8-49.
and Histor>j among an AndcJ.1) Peop!c, ~l.:1di~..-.n, L'nt\'ersity of Wi5'(ll)ttlh
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, 111, n.441,p. 309-3 1J,Summet 1998.
r Pierre Nor.1. Bcrwcen ~(en:ory and 1-listory: Le~ lieu.~ de memoit<-" 1 i 1l C,1 .,
Fabrc ~nd Rohcrt ()'J\.kally, Ed., History .md Memor_v in A/rto.w ,1\N1 1 ,1\.' não é o mesmo p·rojeto que o dos muttos cham.idos programas 1nterd1s~
Cui'ture, New 'fork, Oxford, Oxford Uni\·crsity Pccs<.) L994, p. 284, lH'' , 1[,)1111resuos Estados Unidos, ..-11, qi.:e grupos dt' pesqvisadorts. t r<=1q:i~os
"muni ca inpo de e~tudo rn:adido1w l, dão ~1ulns cm cf)k1boraç5o cin um curso
H. F.mh()m _pareça imuidn) <1ué o acome<.·imcnto ao 1,,wo âSSociado com 11 1 1 dttcrm1nado. Em vc1. disso, os csmdo!> de performance aj\ldam os ahmos a
rio prec-ederia a docu01entação do arquivo, isso oio é, neccssari;uutnt,: 1
.1,f,1ufrir e, frcin .1mcnro de qll<' pr.ccis..1111 para cxn.minar. com rigor> materiais
Uma p('ríormancç teatral i,lao vi\•o') pode bein imcrprernr 11m texH~ ,HIii ,111111\1uiv<) e do rcpcccôrio, mesmo ao des,1fiar os limi(cs do ''c;1mpo'',
par,t dar um tipo difere-me de exemplo, obituários de pessoas faum .111
gcr.11 escrito:, ::inces de Slt.1 morte, de rnódo que a mídia tem acesso 1m• ,1 V,·1 JJwight Co,1quergood, lttterd1sclplit1üry b:tcrt•i!ntio1Js a,;d Rddic,1/ Re·
material 1'1:.l época certa. ••'11rch. Paper ..,presencadono Cllhtual lmerse,. tions Confere11ce. Norchwestern
1h11v('r~,1y. Ocr. 9. J 999.
39 Unesco, i\ ft1s i <:rpfrces of the Or,1/ and Jmm,gi/;Je Herit.ll(e of l /untt,,.,,
p<>flfret em<http://w,\w.unesco.org/"'ulwre/hericage/mtongible/1t1Jr \ 1 f h/nrd E,:glrsh D:cthini1ry.
acesso cm 2002. O docnmenro d., Unesi.:o comimia: .. ( ... J n Unet(u r
VCtr 1:,rlor, D1u1pfu.•,m11g Act:{, ..:::1p. 5. Volt,, ~H> com,::e,w <le ••pcr..:ept1c1<l10·· cu>
drnmar or,.rnção para os. espaços cult urais ou formos Iudi1.·iuit.1 is 1: íli""l!'lliil
-.:~pitulu dei.te livro.
1111111111
c:qm:S:,ão~ulcurn.L Temos d~ dei!<,lrdara a difcn:11ça cutr,· um t:~plt\• • •,
e ,111, sítio. Do pomo de vi~u do pn.:rimf)nio cul~ur,)I, um sirn1 tum 11 \,, 1 Vl.11,.ltmir l'ropp, ,\·1nrp/:()fngy o/ tlJe Fofkt~1le~ mms. laurenc:c Scott, Ausrin1
que são rncomrndos restos físicos crifldc,s pelo ~êni1, humnnti (mn1111 U111VC1í\lt)' oflCxo,; Prc ...-., 19S8.
ou ruínas). Um ·esp1ço culcural' é 11 rn con~e110 antropol6J11<:,1 qur •
um lugar çm que ocoac, de moe.lo regular. u1ui, forma d~ rxrr('i w .\,crntlc,t., a nor" Sommcr poc csrn observaçàQ.
tradiciO.n:'11 ou popular. Porém, o valor de rnl c·x11re"1.m ,uhu1!ll 11111 • '.11,htl tltt C:('1·tc1.1u, T/J~ JJ111 , 111;e vf Ev~r,ti.,y Lt/t•. trans. Sie1,,·e Relld:tll, Berkeler,
11ccess:.11'i:1mentede um csp:1çv Jl3rttcu l:1r. Porcxnnrilo. ,1u11ulu, 1 111 t 1Jnh tr•11 r o( C..elifornu Pru(;. 1')84. p. 117,
hístótiasrcalizam ~o:l .1rce 1 sej,1 nomcs1noe!iJi.,çt.i,1u· 11 tm hor iun 11
um esp:iço culrur.al . M,t" outro) ,·n11uclore, dr ht!,160;1111 j'U(Je 111, 1 ,, t ', • R11 hMtl I t--tlelcr. Wc ·1·11111k, l hoy Act: C. ltrkal l{ead1ngsof ~-1is:.io1111:,">'The
ser p('rfornwrt. icu,cm nt"c;, e ,un pt'rforrru,nc:r, uuu t'<prr . 1,,, 1111111 1 ,, 11, ' ' ' l('r111 h ( rr\lllf)' New \rq Ul, 1n ~reve-n 1•• K1;1pl.i,n, [d .• (J,,,/er$t,mding
csp:içus eulturdil)cc.rprt ..MH'Ji4.0hur,u"• -.e qu d01, ~,u ,, 11 • , u11ml f /'"'" r·,,J,,,,, J umpr. lmm th,· M1J,tlr \Hl'' H> thr N1ni:trt"mh Ce,11 1uy,
1 d111~ ~hmton, l'IIM, p IH'' 1 ,, Ver umb ua11~ 1 ,lr Mia, 11.,rrf,,o hrc
ohl'M pr!Ow~ do p,Utimb111h c>r.1 1r 1ut.111~l't'f'I ll.l hum 1111,I 111 • 111 ,,

li l
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imago " imagem"J.Jo;m Corontinas, Breve dicâotwr:'o erlmológico de l.a lengua
:1& [bidem~ p. 58. ct1Sti!iltmai Y(~dl'id, Gredos, J961) p. 332.
$" 8ourd1eu define habiws: .. i\s estrucu<as consriruth·as de nrn tipo parf.lculisr, • James Lockhan) Thc Nahu'1s A/ter tl,e Cohquest, Sranford 1 Stan!ord Univcrsit}'
ambicme (por excrnp1o. as condições materi~is de exisrência característica, , J>ress, 1992, p. 238.
uina condição de classe} produzen'I o habittts, sisremas de disp<>sições dur~h
1
e cambiáveis, esr.rutm:as esrnnuradas> pre<lispostas 3 funcionar como esrruuu "Os ixiptlas csw.,.am em to<la parte, os poderes sagrados rcprcscmados no
estrutura11tes, i.sro é, como princípios: de geração e esrrutumçào de prát1ç 1 que chamaríamos de multimídia cm qu.1lqutr festiv:'I) - um:l imagem de pe-
representações que poclem o;er'rcguladas 1 e 'l'egularcs· sr;m, de :'llguma man 11 dra, ricamcme ,•cstid~ e equi1'>ad:t para a. ocasião; em figuras rh,borad.1 1TI<::nre
ser o produw da. obediência de rc,g.r-.1s, obj:tiv:tmenre adaptadas a seus alvch construidas de massa de serpentes: no corpo Yivo do :ilto·S91.'erdote com suas
pressu_p,or um ato conscicme de visar fins ou exp-timfr o domínio das opcn:w insfgaias di,•inas e 11a irnagern viva do deus que ele iria matar: ixiptlas humanos,
necessáctas para alc~nçá-losisendo rudo is.s_o orqucst:r:'l<l<;>coleth•ameme sem vegetais e minerais." H.wia três \Jitérios.: (1) er.1 .. uma coisa feita, construída'';
1l} •·recebi:'l forurnlmenre o 'nome do poder sagrado particular e era adornado
o produw da aç_ão de orquestração de nm maestro." Pierre Bou.rdieu, 0"11
o/ a Tluory of' Practice) traJl~. Richard Nice, Cambridge 1 Englartd, C..ambt1J com algumas de suas lnsígnfas características"; (3) "ec~~ temporário) prepara·
Univcrsiry Pre1s. l 972, p. 72. do para a Qcasiâo1 feilo e desfeito durante o desenwlar da ação. (Ais gra11<leis
imagens demro dos s~ntuiri<)S (.... ) não c.>rarn descritas corno i:'\iptlus, nem
~~ Para u1na reflexão sobre es~~ questão, ver James Clifford, lr1troduc t1• era lt'I le,,:idasem ptocissão ou exibid.ts pt1blica m~nrc.)" lng~ Clendirrnen, The
Partial Truths. in James Clifford a11d George~. Mtt rc11s, \Vritiug c,,lt,~ Aztecs: An l otcrprctation ~C:'lmhridge\ England) Cambridge Unlvcrsiry Press,
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u Friar Diego Duriin, Hi.story o{ 11Je buhes o( Ntw Spa/111 rrnns. Dori'i flf),I O poder polírico era susrenrado pcl:.1 hcgetnon ia, t: não pela fotç_a. Ver Ross
l l.t,;1;ig, i\ztec W!arfatrc: Imperial Ixplosioo and Politkal Control) Norm;1n 1
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"' José de Acosca, Historia naturaly m o,ul de Ja.s Jndi,1s, Cindacl de Méxk:o, h ,.,rJem heg~mônka, a. performance ser\'ia para manter e comonic.u <> domínio
de Cultor:'! f...c<>nómica, 1962. (milirnr, político, social>. O poder cr:a torn:tdo vh;ívd por meio da demonstra·
...iode: forç,1 ~ ordem (as Guerras das florcsiguccras de con,quisr~. códigos de
6S Patrick Johansson, Ed., Teatro me:tiéám): h1st0ria y dnmaturg1r1• ( 11,J.u 1
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propickttürios y rituales prehispánic:os idtnç.ão de Frei Ju.:an de lüt1.1u1 •11111 .. ~illug,in , l·lttrtntine Çodex. lntroduccions and lndit<:s, prólogo a<> livro l,
p. 4S.
~ Fernando Atva.r:ado Tcwd•moc 1 Thu.s They Have Come te> 1'('11 h . tu e •
mexican:1. Cfxlic:e Ramírez, Ciudad de México, Pnrn111 1 ISIM7, J>. 4 ti,11/ ,, f \h Vt, '\1rvcn Mulll1111ay, 'rh<' rJ,u;~ o{ ~ta,:11, Ann Arhnr~ Univeniity o( Michiga11
1e,:c'm-Ponil l11 1 Pre-Co/umbw11 l..itomt11rt1 r,f Mrx/o,, trMtill C,t.nr· L.ol •u PrrM. 198H. O l1vrr1 •rm:..e-nu um~, aniiliu- do .. c,peráculo de cstrnnhC7.a" é da
Miguel l.cón-Por1.sll 1. Nflflll411. l 1)11vt1r,1ty pf ( >klJii ho11111 111, "• 1111. 11. I' 1 1 1oht1t 1 «Ir 1gp11d111 trm t"4p«a li o 1.ir,. l, .. 11,r Rthr,,ra..l oí \-u hureJ").

IN~
ti:J May:i Ramús Smith et ai., Ed .• Ce,1sum }' teatro novohispano f l 539-181 '
1
Há \!irsens particulares cm muitas parçcs de, ruuudo colonizado pelos c.acóhcos:
ellsayos y aotología de documcmos, Ciud,.1d <Je Méxicú, Conaculca, TNf\,\, Vlrgcm da Candelária, Virgen dei C.umcn, Vifgen dei Cimino, Vicgen de la
Cicru, 1998,. p. 239-240. As cltaçôes que se seg1,.1em também são dessa n)c r Solec.bd, ou Virgen de Z-0popa1l (Guadalajara}, pesquisada por Jvfo.ry Louise
fome; as traduções s5o dr; minha auto ria. Pracc. Prnn investiga as m~n,;:iras 1.:o mv a Virgen de Zopopan se 1-1mulriplicou"
desde 1734 aré akançar .seus novos devotos. ,\fois rcccnremcntt;. t:11'1 1998, ela
s-i Th-e Ordinances ofTom,'ls Lóp~, of rhe Roral Audieoce of Confines, promulje11I reapareceu em Los A1tgeles como ~La Viajera'' (a \•iajante), í.l fim de poder c-star
in J552, in Friar Diego de Landa., Yucarátt: Before and Aftcr the Conquest, tra pr6xim,, da p-Opul~ção ,uexicturn, que podel'ia ir até ela com segurança.
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s-~ Durán, por exemplo, havi~ dito q ue a ccnn:rsão religiosa era aceita alcgce11mu CAPÍTU LO 2
que os indios ",omeçanun a a bandona r seus í.clolos. Eles os qucbrav~1T1, 1c,t1
1 Garr Richman, Expcdüion Cfo.ims to Jiave J';-0und >!t:\\f Tobe in Ainazo11 Rain
bavam deles, pis:w.11n t1eles e demoliam os postes {cuesJ onde essas i maa,
esrnv;:1111 e...) t:ri :l igo esp:wroso \ er os mílhõcs que \'inham pai:.t esse b..1u,1
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1
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rrnns. Fernando Hon;,15itas e Doris Heyde.n, NorlflíHl, Uuivetsicy of Oklahm1 As referências a esrn caria estão cm: B, \X' . Jfo1 Ed . anti trar'I$.> Leturs [rom
Ptess, L.?71, p. 51. Arut!r im: Co!umbus's Ficst .-\c'counts of the- J492 Voy...ge, Lon.don 1 King:,s CúJ·
lcgc -Londoa, Scboo1 Qf 'Huma11iries, 1992; e R. H. Major, Ed. 1 Christopher
" A citação é: "-andan mir.,ndo como inonos pattl c.onuah::icer todo cuamo vcn
Co/mnbu.s: Four Voyagcs to rhe >lcw \'Vorld. lctttrs and sefecced doc:uinenrs,
Frar Toribio MotoJinia, Hittoria de los ir1dios de !ti Nuei.•,, Espa,ia, Ciud1uJ • (;l{)ocester, ~..{A, Peter Smich~ 1978. A e.arta original de Colombo ~o Rei e à
).·1éxico, Porrli.a, 1969, Li\·ro l I cap. XVi p. 10-t Rainba> escrita cm J493 1 foi seu primeia:o relato de sua \•iagem. t,;a lntroduç:âo
fo:, Ver \X'. J. T. fvl.itchdl, l conolog)': l mage, Texr. [deology, Chk:ago; Univer.i.u-y :'t edição organizada por .Z..fajor, Joho 1:.. Fagg coment:l à lú~táhilidade do rexco:
Chi<ngo Press, L986. .. Esta: c:trra apai-enremenre esrava íunto com outra que st perdeu, que linha
,ido dcsp;,1ch::HI:,, p-or Colo,nbo para Fernando e Isabel. O original de nossa
91 J::unes lockhart, em T/Je Nalm,,s A/ter the Conquest, descreve. a cra11.su11 ..:arra cambêm desapareceu, embora tcnl1ªm resta<lo oito cópias dela. Em 1847 ,
da ine.mód a social 1 ad.ollnistrn.t.i\·a e individoi'!I por meio da _prática inlh~ '-1u:mdo R. H. Major ed irou esra seleção de documentos p.ua;,, Hakluyc Society,
de re,t' imag~r,s de santos em pequenos espaços sagr:idos. Essas pt'áticH, 11 tih: <:e baseou 11;1 co!~.io vali.osa. de I\1artln Fet11ández de Navarcctc . .\fois tarde,
pareciam cristã$> continuo mm a orgaoi.1.ar a conm11ldade depois da Conqu1 .1 lfakluyc Sociccy lançou uma publicaç:lo se111elha1 ue. mas, no caso da carca
O slmtotuw ("ondt está o s~uro'\ um terino para uma subemjdacle d'J altrf "º""e a _prime;ta viagem, foi possível usar um texto mais r reciso, l>asetldO em
1
uma árc.i admin.istrativa ou "en(ido.de sociopolíc.ic:i. '1 1 o reocalli ou c,u , , um fóJio desconhecido por Majot" (p. \'ii).
deus, e as pequenas ..:.--sas 1ndh·iduais parn os sancos ("meu pequeno pr4o,I
t hristoplwr Columbus, The Jormml o{ Christopher C.ofJ1mbu..s, t·rans. Cedl Jane,
onde está uma illlagem"}, todos aiuda ram J transmitir ;1 ''identicl.1clc d,1 e 1 Nc.·w York, Clatkso n N. Pom~r, 1960, p. 23.
ou da comuoid::1de de urna geração-a omi:a. ()s s;1ntos. níin1ta l.nckhart 1 rnrut
~poiaYtU)\ t~i,·indic.ações ao direito a ccm.1s1 poio; cn.im "iMOs como '"1,,11, 1.11 • Chri:iropher Colmnbus, 'l'he Four Voyag1.•s of Christopber Columbus, cd. ;ind
povo~ ptopriecádos verdadeiro.e. da terra <la unidade" q,. 237), 1r.111s. J. M. Cohen, Mi<ldlcsex, Inglaterra, J>engu,n Books, 1969, p. 53.
"' Roach, Cities o/ tl,e Dead, p. 2. M,,,ot, ChdsroJ11Jer Cofumbt,s, Firsr Lecccr, p. 16· 17.
'' Ver Srafford Poolc, Our Lady of Cuad.,lu//<: 1 h• Oril)ln, •n<I !>oun:o , • ti U. W, lÍc, trmluun t t.1r,un i111do1· da edição da ··carta aos mon-:1n.:as", de
Mcxican N.uional Symbol, 153'1· 1797, Tuu;on. Uuiv(rijlfy of At11h111 I', C afo111t-,q 1 publll ~d, rdo I\Hlij'N Coll~gc, <l iz <ruc o 3to de posse incluiu rrCs
1996, p. J2 . r,111"011 r ~ill 1 ,1 '" I 1, ,1 m1t1111 um.t fonmt física, simbóli,ll (corut um r.uno

IU
de árvore, beber água e coiuer f.rntos) e, para ser v~lido pc.rn nte a lei>prtc-h,1 •1 IHrcoloiué de las Casas, Obra mdigenisM 1 .\fad rid: Afü1nza Editorial, 1985,
rcr rc.stcmu11 has, de pn:icrência represe.Llrn 11tes da Cot'o,t. Além disso, aqutl p. t65; Jua11 Ginés de Scp1í h ed3,. Demócrates segrmdo, o de las justas eausas
que cstav.1.01 sendo exptopi:iados t inham, eles próprk1s, de dar permissão; d ,1 de la guerra cvutra lús (ndJ'Qs~ ~fadcid, Conscjo Superior de [m•estigaciones
significado de Co!.cuT1bo ino;isti.r cm n:lo h-1,·er oposiçãc;;.'> Chrisrophe,· Columht Cic:ntificM, 19.$1.
Le.tters from A merict1: Colu ,ubus' Fitsr Accounts of the 1492 Voy~gc, cd. • :-i Dllvid E. Srnnnard, AmeriC(m Nofocaust: The Conquest of che Ncw \VorlJ, New
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uans. Rkhard J-loward, Nev,· York~ l-fr1rper Col<,phon, 1984.
:; Veto cap. l para um.1 d isçussão da perforo1ance e.orno objeto nos estudos d:l
J·~ Patridn Sced, en1 Ceremonie'S of Possesst'on~ faz uma obse.rv,1ção importa"' pcrform:1nçc e como le11 te ce6tica.
ao d i2.er que, embora esses roteiws sc:jam ''pi:ontnmenrc compreendid,,
pc1<>s c.ompatriorns dos colo1lizadol'es, bavia diferenças signific;1riv~~ 11 '"" Ver J:1nu:~ Cliffotd, Tbc Predimme,zt o( Cultur~: J,.,·entietb•cenrury Etnography,
rore.iros earre os grupos de colon iz-1.d orcs nas Américas - csp.u1h6is. brH LiterJture and Art~Cambridge, M.A, Har\'ard Unh·etSfr)• Press, 1988.
nicos~pon ugucscs, franctses: e holandeses. ••seus rimais, cerimônhts e 111
!\ Pata uma discussão das fcir.is ernog_rÃfici.s. ver Farimah T obing Rony, The Third
simbólico~ no ultramar er~tin baseados em açôes. gestos, rnovi menw• r.
Eye; Rt1cc. Cincmtt and E,hnographic Spcc.t.lclc. Durham., Duke Unh·ers1r>' Press,
discursos fa miliares e, a.ssim> eram promttmente compreeod idos por dr•
l996.
por seus coinp~n hci rossem elaboração e frequentememeseu d.cb.:itc tambt1
(p. 3}. Porém, ela adverte que seda um erro estender l!SSa faruiliarid:ule u r !& Jorge Portilla> /..,a {eno,nenologfa dei relajo, Ciudad de :-..·iêxico, Foado de: CuJtui:a
"homogeneizar os cinco maiores poderes- coloJli.1..adores das Américo~, Económica, 1986. Poctilfo descreve rel(ljo como um proce.s&oem rrês partes: (1)
uma entid:i.de úrHCj: a 'Eut'Opa'" (p. 3). Os rorciros do descobrimento tt um dcsloçamento da are.nç.ão do que e-stá sendo oforecido como valodcópko a
em comum ca r.1cterísticas notáveis, ntas m:·m ifest:Hn r:Hnbêm imporrnri1 ser aceito; f2) ú sujeito assume uma posição de dcsso1idal'ização com o .,·aloc/
..,arit1ções de urn terna. PaLticia Seed, Ceremonies o/ Possession in 1:,uraf, ró pico; (3} por meio de gescos ou pal"J.was. d eh co,wlda os omros a se juntán:in
Conq"est o.fshe 'l\1eu1 W'orld, 1942· 1640, Ncw York, c~imbrldge Univer1111 no ato de dessolidarização (p. l 9j.
Press, 1995.
Fusco, Enxfis!, li Oroktm Here> p. 57.
11
tvl;tjor, Christopher Columbus> First Lener, p. 29.
·• O comeJ1tá.rio foi feiro dueante uma disc:ussaoquc: S<: seguiu a minha palesrra "'A
12 Columbus, Thejour11.1l o{ Chrislophtr Columb1t$, p. 23-24. Savage 1-'etfórmanc,e,'' ~ na série de palcsrr:11, intítul::ida " Perfor1ning_ Ldcmirics'' , no
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Fusc-o, E.nglisJ; /$ Brokeu Hcre, p. 57; Gui!lenno ·G6111ez Peõa, \Varr,or for
8

seguem ~o da mesma fome.


Gringoslroika, Sr. Paul. ~1N, Grnpvolf Prt'S:,) 1993> p. ll.2.
is Creenbl:m., New Wr,rld F..ntom,ters, p. 61.
A despeito de coda encenação e estilo de tep,·esentação 1 muitos membros do
u f'or exemplo, a ,tfir.mAç:io de Durán de que eles t".ram judeus {•;er cap. 1), p1íblicó acredirnram fül pcrforn1~~r1ce, Apesar de Fusco e Gómez.. J>efüi lerem
prcténdido representar "a idenrida<lc de um outro pHa um público branco·•
,~ Anthony Pagden, cm seu "Tnutslat-Or's Prefoce" a Hemân Corcéos 1 Letter,fr+
i\'lexico (~ew Ha.,e,1, Ya-le Unive..rsity Press, 1986J, afiem.-: "Corno Colomh.
(Fusco, E,:glisJJ Is Broken Here 1 p. 37J, eles nu11c-.i irnaginaram que seriam
e Vespú.::10 ames dele- 1 Corrés entendeu a tmportân.::1tl po litlca complrh, ,1 le\·ados ao pé dn letra. Em sc1.1ensaio escrito depois dess.a experiência, Fusco
imprensa. Seria mai6 difíci l para a Coro:1 ignor.tt a legnlmação públic.i llh , ob~crva ql1c mais da cnc:tade tle seus 150 miJ espectadores acr~diurlnt q ue os
de seu compol'lnmemo do que uma so1kit-açào pllhlica> t111c é prov,wohn , j~u;.uinaoiscr:nn "verd:.deLros", Isso aconteçeuap-csar d() inforrnaçio: colocada
uma d;ts razões pcfos quais flS c:irtas fotarn hanida.s cm 1527. Mus \.'t.ttrf nas p:1r~dcs aC> redor da jaula, forrnul..1da de a(!ordo com a tradiç~o de uma
ta nLbé1'ó mais consciente d1 impocriincia de defender se-u CU$O a11tca pOlt.tcirul, ptáucn rcpresencndva - pois não hrancos e aberrações rêm sido eiqm$tôS h:í
Se sua fama et glon.z que, como ele sabia, crnm ,1s 1,osses maii, pt'cc101,1, t ,n -.C:c.;.ulos .
pr«.árins de um oobn\ poderhuH sobrevivei', ela,s tinham de ,cr prl",, '" ,1 11 Ver o vídeo de Coco Fusco e Paula Hcrcdia. The Couple in ,, Caga; A Guatinaui
par-1 a geração seguirne em seus próprios ccrinos t lu11~r(' 1H,,u• (1,. 'IC'h\ll, Od"SC)', 1993.
u Smannc Zamop, Colo11ial 1"t111t11sits, Durhom, l)uk" llnlvrr•oy 11rr , 1 l loo>i llh,,l,h•, l /t• 1 PC(l//0 11 a( C11/rur,, New York, Roudc<i~c, 1994, p. 9.
p. 2.
' t,mllu 1110 e,nm,7:~f1dta 1 ritk,:rr~, Durmouth CollC"ge, 199 5.
1
' Pnmc111 Sc.-cd. l'ht Rt'-4u1rr11un1 • A rtucmol l11r ( u1u 1ur ,, ,m <~,. ,,,.,,,,
Pnsn"w,,. 1 u < r1 t· ~.:lhh la llroltn, l /rr1 p !O
1
H Ibidem, p. 40. ~ Marian,,e Hirsch e Vl\lcrie Smith organiz:1ram um ULimtn.> cspcçi:,1J de Signs1
i,,. J>onilla 1 1.,a fcnomeuologfa dei refalo. p. 19. "Gendc;r '111d Culrurat Me:morr" (outono 2002), dedicado.\ quesffio de se :lS$ociar
memória cultural e: ~êncro. Elas obsen·.lm n:.i introdução quef are ú11c.le se sabe,
l" Ver Richard Sd)c-..::hn<'r, BriU..'<!ell Theater ,md AntlJ1of)olog}'t Phil:-tdelph esse volume ··-oferece a ptuncira opocmnid:ade, des:d~ l 987 I<> mi.mero especiá!
Unh·ersic~· of Penn:irl v,111i:1 PreS-S,- 1935, p. 109. de Michig,m Q mtrlerly Ret•it.1w '·\Voinell and .\.1cmory'' J, pa ra urn d iálogo inrcr-
st Viccor Turner, The Attthropo!ogy o{Perfornwnce, ~cw York. PAJ1 J 986, p. dis.cipli11:1r e imcmadooal entre féôri:1s fcrnin(srns e ceori.h d::a memória cultur.il~
(p. 4).
J'I AplicM termos corno "re~1 ·· ou ":tutêruíco" enl rebçifo :'IO comportanu 11
A maior pártc da popul.1ç:io do~ léxico é mestiça. Como afirma Ala o Knight~ '•o
cultural tem sido problematizado continuamente por pessoas como Cliffl,
índio ..puro' era rão raro <:ufmralmcme qu:aoro liiologic..1mcnté" (p. 76;. l't)di:r-se-
The Predicoment ol Culture. 5chcchncr, Between Tbc:zter '1mi AnthrOIJO/tJ
-!.1: dizer o 1r.c-smo do europeu. Pac:t uma. di~cussio.da formação r~d:11 do Al éxico,
Rony, Th~ T/Jird l:.ye. Ver unibém Ella Shoha1 atld Robctt 5mm , Unthini,
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Eurocentri'f.m; lvlulciculturJlism a nd chc Media, Ncw York, Routltdgc, 111 1,1
Rithard Gr:th:t11'l, fül., The ldea o{Rm:e i11 l.iiliu America.Austrn, Universfr~, of
Oiâ nle disso, não ~erá preci~Q J iSCLl tir ess.tS q ue-!.tôes i:m detalJles. Tex:ts i'ress, 1990; Douglas R. Cope, Thc Límits o{R&dal Domin.1tion: Plebeian
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CAPÍTULO 3 Ver ~forfrl Conccpción García Sáiz, !,.as cMtas me~,·,canas./The Mtxiam Ct1stes 1
~·lilâ.o, Oliveni, 1989.
1 Tod,ts as trad u~·.õcs do c:spanhoJ são de minha :autoria. .Minh.1 traduç?i() de J'
s.ag,ens de t 'roo, Spei1k o( t/Je R<JSc b-aseiaff~c: n:,1 tradução de \~'iJliJm J. OI", • fooricacnentc, uç.:i dizia respeitv :'l sangue e cor da pele, ma:;:t 11.:i prática. dizia
pubJka<la em George \t1ood)'ard~ Ed. 1 The Moder>r Stdge m Lruitt Amem:a rqpcico a esrilo de Yld.1~ d~ssc e ambtente. Como diz Roberc H.Jackson. as c;1st:1s
1:r.m1 "ba$endas nJ an,escr~lldade documenmda, bem como na cor da pele. que
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2 B~rnal Díaz dei CastiUo, cm The Conquest r,{ Neu• Spain, tlcstrc!\1c tnu1 dCncia iod{gen.:t 011 africana (...J C.:intudo> o ucros cricérios t.1mbéin íig1.1ravam
das m:1r:wi lh:1s d;; Tcr)OChtid~11, cita11do, entre ~las, "as gra1~dcs caoo.ilt ,, ua cn,iç~o da idencid.1de r111.;h1I, rnis como presstip()siçôes estereotipadas s<:>bre
podia,n ence'ar no jardim, \·mdas do lago~ aua,·és de um canal que lrn"I • 1.11?rura, comportamento e l.. ,) lug,1r de resídêncfo •· C,ackson, R,1te, Casfe. ,wd
abcrco", Berndl Oíaz dei Castilfo. Tl,e Couquest o{ Ne~v Spr.iu, trans • .J \'tahts: p. 4). "Índio" ~como ob.S.c:rv~1 Knighc~ <'ta umâ design~ção étnica, e não
Cohen, J..ondon. Pcnguin, 1963, p.151. r.1.:i,tl~ba.seada oa "língua, \'t.stimenras, religião, orgartização social, c:ulçura e
1
n 11\sciê:11cia •· . Knighr, Radsm, Rt:.n)lmfon, and l-nd1gt11i.w10, p. 73.
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' James Loc.kbarr, em The Nabtms A/ter the Couqut•${, relaca o Scguint( 1'.lt'a uma an,'\lisc detalhada do $istcma de ca5tas, \'trCope, The Lrunts o(Racu?I
lenda de Sula (área de Tkilm,m.1ko, na p.utc mais ao noroeste de Ch \1 / )1.m:imuio111Cá phulo 1; e Jackson, RaCtJ, Caste. ilnd St,ltttsi C1pítulo 2.
como foi registr~do no fina l do século xvtr, ::i escolha de São TiAAO \ ' • )mto Sicrr;1, por exemplo, urn dos gr~l11dcs educadol'~5 du final do sf,ulo XVU
ptidroeiro ~,conteceHd:'l maoetra segviote: qua11do o.s esp.1ohóis\ pouco h 111 r mfdo do sécuk, XIX 1 promonu a in1igniç.io ('Uropeia .. a fim de ohtcr uni
depois da Conquista, disseram que era hora deSula decidir sol:ir, u.-n lt)IUT "ruzarneot<, com :.i raça indígen.1. pois apenns o sangue europeu pode evitar q ue
pessoas deJeg~u.am a m,rda aos dois mais vdhos 1; sábios ~n1 rc ele-.:. not11111 o 1md de cinli1...1ç:io { ..•,1 ~funde, o que signific:'lria regressão, e não evoluç:io.,.
em um colch5o>c.,<la u 1n ce ve um so11hoemqueSão Ti:'lgo J p J.l't"LeU em y.r 11 \1rrr,,. 'f>olztio.rl F:..•oluliou of:hc Mt>xiçmi Pcople,apud Kmght, Raeism, Revo~u ..
esplendôt, dcd:H·.rndo vir da Pérsiil (isto é, Je looge) e ;tnunctou qur t th111, ~nd /J/dige11is11;(), p. 78.
san.co de Sula. :\inda em dú\'ida na m,mh:i sc-gumre. os dms an,1lo:-i lt,,
pc.tgtmtf!s um ~o outro e, ao descobrir que ~çu'i ~onhcn, tir1h:'1 11\ ~ulC'J 1df1111 Mt>1,ud León~Porrill,1, Fd., l-luehuehtfohtolli~ testfmouiol dl' la muig:tiJ pa/al.m.1,
prod~ma rama cs~olha de Sãc, Ti;-tgo ao povo. E.\};~~ do1~ cicladilo~ m.:O-. , 1 ( 11Hl.1d de México, SF.P y fond" de Culrura Eco116mico, 1991,p. 91.
tembo!'a fosst.m ..:h:tnrndos Je modos J iforeulcs) são u111u cnc.1rnu~.t,, ~J AHrcdo I ópe, Austin. C't1erpo hummu, e ideologM, Ciudad de Méxi.;O. Univer-
amóctone> rt>presenc,rndo ~ organi2.1çâo du,\1 Je ~ula (.. ,h Ulll \lrlJ •, 1ld.,J N,u;ionnl A\Jtônom:i de M<'·x1co 1 J989, p. 7 1, ..·. I.
·Senhor das codornas• e 'Serpente codorn.1\ também rcptt>111•1111 ., llo-111
t<>tên1ic-a pré-ConquiH;1. P<>rtAllto, í,n:.. se ..:om que 1111 poi 11ifnr,1i li li ( ouncrh'IO, H1>mSmitflU Rtt-mtmbtr, c.,pítult1 3.
da ,denridade érnica endossem o sanrn e$<' -111~x:1c,t, .i rlc, que p•••J 1 t1111rrct mJn ,1 Jtfrrrn\.l cnrtc rai l11('.\:ic,mtH1mtri~1.111.is e :,e; chic~u,..a; como
ser , isro como tendo :iido oss1m comngrndo no p11pd Jr ,,rinM>11 , J ,r, • 1 01111 J1írrr11ç I lJti ri-••kir,notmC'nW político. A mulher f pua II fcm1ni'it,1 4 t.JUC a

SLJ nforJ U111w•r•1ly Ptt •, ,~m,,


co111,1nld,1dc." J.une, l.0t:kh,1rr, I hr Nuhu,11 li/tn Ili Cun,1u1 t, ~, rnf
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,ou ·11, .111.i r 11·" 1 ~ chu. JJ\,1
,I~ )u ft\ 1 """', ,1 r. ,.u.1hfa,tt
d ult,m .. rrtlttc 1111, 1,;.on1promis.so com
1
1& Alfredo Lópe1. Austin, trn ' 1 La pJ rce feminiu~ dei cosrnos'\.obscrv~ que> <.'coow ; Rogcr Sartra> L11 1aulit de la nwhmcolí,,. Ciudad de .\,léxico, Grijalbo, 1987,
em ourrJ.S concepçõi:s do mundo, o pens.ameoro mcsoamenc.rn.o oao accJtOVJ J p. 173.
possibilidade- de seres. puros.1\.ido o que c;:~s:ia> .i.~é mesmo os ~e~s~, cr-1 uni..1 :... Mttrfa .~iolineGDicâo,uuioJel tt$0 dei espafiol,J\.!adt.id, Ediwri:il Cccclos, 1967.
misrura d:t es.sência do 1U.lséuli110 e do ftinuuno. Era ;l prcdon\11lanc1:.1 de uni•
~1.o1iner de.fine me-s1 iço/a desre modo: 1'( Do h'lli1tt r.ardio <mixticius> dedv. de
de.stas que deccrminJva a classificação". Alfredo l,ópe:tAustin, l a pane foin1nu,11 <1nix1us>, pareie. de <miscete>; v. <f'lux.to>,-) filho de pais de roças d istintas. Par 4

dd cosmos.e11 Arqueolog;a J1ilfxjca1M, v. .5, n. 29, P· 6, 1998. tic.:ularmeore, filho de ír1dio e brnnco. Também se aplica aos animais e às pJantas
1" /l,idem. prncedtJHt!S <lo cruzamento de iudi\'iduos di: r:tças distintas" (p. 402}. O vtrbo
mestiuir tra~ uma ideía de julgamtmo> pois é dcfi11ido con10 "adulterar a pureza
,,. Bernardino dê Sahagún, Flórentine Codex, tr~n~. and ~d. Atrhur J. O. A~det •• de uma raça pdo cruz.amemo com out.ras" (p. 402}. A palavr..1 mesriz-dj,·, $egundo
artd Charles E. Dibbk, $allta fe 1 N~1, School nt AmenC~ll Re-search, Umvt'U. 1 o dicionário> apenas rectnte1uente foi admltida na língua ofici:tl, controlada pelo
ofUrnh. 1982, Book 1, p.17, 2 1, 11, 19. Dicâ011.m·o ,1e h, l<eal Acadtn-nja Espmio/a,
,, Ver Rosen,.ary A. Joyc.e, GeJZdér aud Pou.:er ;11. Pre!:i>panic ~lesóam~nca, Au11 11 Gill,t:rto Frcycc, na década de l930. por exemplo, declara o seguinte: " í Jíhrida
Unhcí$ir)' of Texas t>ress, 2000_, espt>cialmenre o C::1 p1rnJo 5, 'Becommg ~t11n 11 desde- o inído, a 5;ociccfodc brasiJcirn é de. todi\S da América a qtie se consrituiu
em que ela observa como "os padrões cosmológicos de comple1nenmnd,t,I< mai~ harmoniosamence qua,no :ls relaçõçs de raç;.1 ; dencro de 11111 ambk nre de
gancro>lns.;rit()S rtos mitos, práticas rituais e rcpr~seocaçôe.s ,nonumeuc.,i, .~ quase reciprocidade culh1r.1I que resultou oo má.ximo de aproveirnmemo dos
c:1s eram t,1mhêm in,;orpo:-ados 113 escala lcmporal monuinent.11 de .nart"lt ,·alor.es e exptrlêocias dos po\'os auas:1dos pe.lo ::1dianmdo; no máximo de<:011 4

de: ~rigens reais dos méxicas. Susan GiUespie mostra que a.'i gene3Jo~1as oh çemporizaç.ã o da culrur:1 :;1ckenóda 'Com a na1iva 1 da do tonquistador c:om a do
;:isrecas. se- baseavant n:;i transmissão do direim de gove,rnar P?r_ rneto d.a• ' conquismdo." Gi.lbcno Fte~·re, C.1sa•gn1nd~ & senwl'1, 46. ed., Rio de J aneiro,
Jhere.s! que eram esp·ecíalment(' tratadas como vfoclllos as tradlçoes de c,1.1 Record, 2002, p. 163.
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Universit)' Prcss, 1995.
' Ver Rachel l'hiflips, Marina/1'falinche: Mask$ alld Shadows 1 in Betb ,\{i11er) Ec-L,
11 Joyce, Gender and Power iu PreMsJ1,111ic: /!,t·tesuamerka, p. 172. \fvmen in Hü.p,mic. Liten1ture: kon:,, ;md fallcn ldols 1 Bel'keley, Unh'crsiry of
11 Ver Codex Me11do1..a> cm $3hagím, Florenútte Codex, li\'TO$ ~,e~~ Al~n·J,1 f < ::;11ifornfa Press, 1983.

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N I>odcm-se enl'"ontrnr reforêoch,scomemporáneas a cl:t em.: Ffor~,rlmt, ti 1101 p1;r1ô<lko de esrudos latuto•amencauos, ,\/.ep:wtla., é publicado pela Duke
The Co11,que:-t o{ .'fl..'eui Spain, de Bernal l)í.12 de~ C:isdllo~ l·r.rnu,1,,o 1 11111\'rr:;iry Press. Artisr:1s mcxic.1.nos e chicaoos como Guillcrmo Gómez-J)eõa e
Cómara, CortiS! The Lifo of che Cooqueror by 1-h~ Sccrct:;iry, mm,. 1 <,lol'i.l 1\11:rn ld1ía t.tmb.ém ~screvenl ~~,bre :;ua c:xpcriênda de ,,epi1ntfo.
Si 01 pson, Berkeley, Univcrsit)' of C~lifornia Press, l964; <: um11 t.H! 1 11
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ao Re.i da Esr:1nha. In(UTieros livros, :trtigos, peças,. p<>(n·,:1ç, t!ttu1r~ r
f,Jt1ltt/lc'S, V. J, n. 2, p. 277, 1997.
jomais foram esaicos sohre ela. O repenóri..:i inextc.anQ e mt:(lt tuu"
está 1~,mbém cheio de dtmç.as com máscac.as e oucros 11por. d1.• 1)\'t hu 11 J00t,• V.11J,am,elos, "f'l,e Cosmtc R..1ce/l.,11 r.na c6smiet;, erans. Oid:ec T. Jaén, Ba1
que La M:tlinche tem um papc:I 1)tocminemt: (emborA em f'Cmal l+rnl t nkJft- 1 .Joh111 J lorkins Universit)' Press, 1997, p. 102.
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·IJ Ch<:l'ríe Mornga., Lovt',,g in the W'ar Ye11rs, Boston, Sourh End Ptess, l '1 Agradeço a Doris Sommer pela epígrafe de Wardy usada no início
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um!\ espécje 1e não raça) bíbrida s5o descr itos em Young, Colonial n, ch:unou diance dele os adh·iuhos, "os seohore~ q,,e esmdam o céu ll rt(lire ( ... ) e
C;1p. l. c1bsen,\i1n o movimer1co dos corpos celestiais. o curso das enrelas·•, Sllplic,m do·
41
lhcll> que .. n:io tent:1$.sem c-sconder nad<l de mim, mas conrn$Stm tudo" (Fray
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esrimc1 que 9.5% das populações n;:tti\fas <b:- Américas ,norretam nos .SO tia cadeia~ aparcmemence por meio da força de sua própri., m.igh.'.:1, ~·lonre1.urn.1
que ,;e i:e~uiran\ à Conquista. Dadd E. Stannard, i\mericau Holocat"I m:-u,dou matar suas esposns e fühos e destl'uir suas posses.
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1ioc1al no 1'1éxi.:.o. Ele afil'lna: ''Um.a carnctcrís!ica distínguc esses mO\'Íutemos:
s, Nos.Estado.> Unidos, Qs nntropólogos não aderiram ao !("rmo "c:ransculwr 1 , des nasceiu e se forraJe-cem !iOb o impulso de urn aconrecimemo $agrado <lHC
e o pesqu.isador de teatro Carl \'feber afumou, ~rro11ea.rnence:., em 1989• 11• o..-:()l'reu ou escá p.~ra ocorre,- o anúncio de uol mil.lgn.·, o ap:lreciine,,co .::le uma
p.11:.wr.1 "J tiio nova quanro o fenômeno'' de festivais interculturais, q~1r 11 1 Virgem) a profecia d~ um fim apocalíprko, a cheg.1da de um s...1kador que vai
desde a décoda de 1950. Corl Weber, AC/TC: Currenr ofThemic.l Exd, .u.:abar com ã injusti<;a e esta bclecer 1,m milênio indígena. E1h todos esses casos,
J'~r/orm;,:g Aru j oum,IÍ~n. .~3-34iP• 11) 1989. Sobre mlnh~ çrític:'l .l estr tJ 11 acomecunento s,,gmdo apa!'e..-:e como uma ocortêHci11 e-;x,;;cpcionJI. como un~
v<'r Dfona l:1rk1r, rrnnscultucuing Trans,.ulturation) Performance A,11 J, • r rt,·ilégio cxtraordin,í rio resen·ado ;JO grupo que \'ln~ 3quclc aconrec,1,ment1). ··
v. L3, n.2, p. 90-104) 1.989. Para 11m c::s tudQd:1 tronsculmra.;ão, verSilvi t 'I Fntique flo rcsC<1no, Mi:tm'JI')', ,\1yf/;, m,d Tlme ú, .Vfe:âco: From eh~ A~tt:(.' S co
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cn1 drcu{:Jt;:ío, .,-: flCSM.Jas se lcmh .un dele como uma ;<)\'t:m person~ljd.1de da
·" lk.rtolt Brccht, lJrec!,t (m Theatr~. 1ra11.s..John Wtllftt, Ncw York, I UII u1 l lcll'\ islo que ei.crcli>u al~uma,; 110\ \!l,1,; ç111 Pono R,,o. C-0nmdo, a recriação foi
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lt~1lh1.1r mílrc!.rmiis (1110 c.rattm ,faqucle p:tssado.
~ Sal1:1gún, Exdam:ttion o í t he Auchor, lntr0tluç.i.ô ao L1vrú 2, Mort',,m,
\1~s111u1tl hc:11d, ('t,·1/l:,11,011 aml lts Dr~cc>uttmts. trnns. J,une~ Str,1i:ey, New
•· Amonin :\naud, Tht 1'h,ottr a11J lu l)r,11/,/,, Nrw Yc,rk, t,rmc 1' Y,,r~. Nt>IIUII 196 1, r, ~9.
ll · IU- 11.
V~, J11d11 h l hutr r1 rl1t P1), l11t I ,{, o/ /;,of'.,,t: l h("(lric, of Suh11Xtion, S111nfnnl,
u Vtr c;ullh:tn1(1 l'°1111I l&-!11.all,1 1 J. lr,k1J Pr11fm1.Jm lt, 1,111111tn a t '"" 11 o !!.1,nlc.,1,itrua\ct"1r1',ot,l 1M I' l i
1Jmvcir111t\ ui fc•1r1 •• l ;,c , flillt L

w, \1
Ji Sobre essas piututas, ver Mada Com:cpción Garc(.i S3iz, Las. c,utas mexfc~,., Gay Cultur~s:? in ~ :ivid Bergman, E<l., Camp Grou,rds: Stylc ;,md Homosexu 3 lit)-,
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Times, p. CY 6, l 8 ,'vhr. 2001. " Ibidem, p. 6.
"' Os funcionários do censo de 2000 "reconheceram que 97% das LS.4001 .:,i Yht1rra-Frausro1 R:isqu:ichlsmo.
pessoas que marcaram o espaço que dizia •outra raçn' eram hispânic.:os ,1ur 1
rn\ram as solidtaçõcs ofici.1is dos t'uodonários federais parn indicar sun ot 1 ·, lbiden,, p. 155.
1
hispânic~ na ~~tq;ória étnica e 1\âo na categoria atcial. 'H ispâ11ico é un'I Hri :;, Sjgmun<,l Freud) The Future o/ llllJsi<m1 trans. Jomcs Strachey) Kew York,
dc:n1.tsiadamcnu: amplo, cciatlo para cobrir orn conjunto \'asto de folnntt \X'. \V:. Norton, 1961>p. JO.
cspanl1ol/' Eric $çhmitt, For 7 Million J>eoplc in Ce11sus, One Race C.it1'
lsn't Euough, Nerv York Times 1 p. A I~ 13 May 2001. ; Walter Í'-forcado, Beyand tbe Horizo1t, 1\ew York, \X'arner, 1997, p. U9.
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u LliiS Valdéz, TheShrrmken Head o{Pancho Villr1, 10Jorgc Huert:.t, Ed,1 Jlnu Conthct, Nonnan, Umrcrsuyof Okhhom.i Prcis~ 1990. O tratado na verdade
Arre Público Press, 1989. \·oJrou srr.ís quanto a uma promessa anterior de dar 110s mexicanos ~ui: ficasscn~
r Chcrrie ~1(n·aga, Loving hl the War Years, B0<;t0l'1 1 Somh End Pre111 1 e111 suas terras - que agora eram terl'irõrio ~r.idunide11se - a cidadania dcnrro
p. 120. d.e um ano. "Aqueles [mexicanos] que prcfol'irern permanecer nos rerrité>rios
c1t:ldos (ames pertencentes ao Mexico e que passam a fica r deucro dos limices
1* Como a Américà Latina tem sido historic.ameote um loc.=il de migrações u1tr
dos Esra do~ ~ 1UdosJ podem manter o rínilo e direiros de ddadàos mexicanos ou
as p0pulaçõcs são muiro misrnradas. H~ gr~11des comunidades Clu·o1w:u1
e.ntdo ,1dqmnr os. de c,dad5os dos Esmdos Unidos" (Artigo VITI). E.s~s mexicanos
países com.o Argem:ina, Chile e Mé:cico que poderiam também :.et comi& ,
11oh~m u~ aoo p..1r.íl dc~idir se coJHj11u11riam em sua cerra como cidadãos está·
larinas nos: Esrados Un.idos. Jun1denses ou se m,granam parn o suJ, p:tra o .M(:x.ico rccém,definido. Aquelt's
1' F.: m um C"-SO digno de nota no Texas, duas latinas (Esrer Hcrn:iudtt t Ili llne p<.>rn1111_ecera 111 não goz.arn.m de faro <lc "todos os direitos de cidadãos dos
González) for31U despcdid:is de seus empregos por 5t recusarem .- ,u l·.srndú~ Unidos", ~omo ga rantido pelo Al'Ligo JX, que foi rccin1do do lratado
um compromisso de falar somente inglês cm seu focal Je l rabalhu, 111 pelo governo d();;; Esr,1do.s Unidos.
que tivessem sido connacadas porque fahmun espanhúl. Rosa Gon n
recusou porque na sua vida diária ela falava carno in~lês quanm u,,.... ~ ;\!heno Ledes.ma, Undoc~n1ent~<l Crossings: Narrativcs of MeJ\.ic:rn rrr1rnig.ra-
"Djssc-lhe que não. lsroé<> que sou; ism éo que foço. Jstoé normal p.1 1 , tu.m t-0 the lln1ced Statcs, m David R. MacfoJ and Maria Herrer.=i-Sobck Cufture
Não estou fo.1.endo isso para ofender ninguém. Ape1u1s ,ne sinw co11(u1 t Aao~s Borders: ~{exkan lmmigrntionand Popular Culrurc. Tucsoll, ÜJ1ivér ~ic,·
of ,\m~ona Press, 1998, p. 75. ·
Sam Howe V~rho\'ek, C lash of Cu1tures íe;u·s Tcxt1s Çhy, Ne,v YmJ. I 1
p. AH , 30 S.e pt. 1997. ' fr 11n Baudrillard> Seduction, rrans. .Brían Singecr1 >J"ew York St \fard11's ~,ess
11)79, p.132. ' •• • • r '
!O J. L. Auscin, Horu to Dó Tl,ings rmth Wordi, 2. ed.) Cambridge, MA.11
U:ih·crsit)' Press, 1975~ p. 7.
.:, Rascttaçlu:. o u rasqu,zche é uma pal.wra (dt etimologia dc:icmlht'<iid 1 f APITULO 5
no México e na Guatemala pcU.i descrtver o que é \•ulgar, ri<.lf<;uln, 1,
pobre. Ver To~)ás Ybarra-Frausm, Rasqu.1chismo: A Chicam) ~crn11h1I
(itty Dcbord, 1'/u, Society o/ Ih~ St1ect:1<:le, Detroit, Black :.1nd Rcd, 1983, p. 3.
TeréS:l McKc11n;1, Yvonne Yarbo..Bejacano e RkharJ Grl,wc,ltl 1Jrl (
Ed., Chic.1110 Art: Resist:incc ao<l Affirmation, 196 i , l 98S, 1 o• AIli' 1 l Vklor 'J'~mcr, D ramas, Futlds.
' and M.etaphors: $yn1boJicAcclo1l in Human Sodecy,
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Dtctondrh.> Elerrômco Houaiss informa: .. fr. r.1sr1.111,1tm~,, 'indi\ 1,loo
sul-americnna ou mcdittrráota, de rne,ns d~ J~1h111!it~nt111111t1P"lt0" , 111 Wu:hfou S. <- hutc;hill, Moderni,dnA Brica111, 1hc 'fony B1,1ir Wav, i11 ,\/ew y0 ,.k
/)Hlfl, p. ,\ 17, ]ftll 1, 1'11/8, ,
luxo exagcr;,tdv e de mau gouo'."'
u Susau Sonhlg, Notei vn Crunp, ln A~1u,ut /lltrrftrt'f ,r,0,1, N11w 'r 1 ,lf.. l rh k,1,,1t.h, C,,,,, rJ/ 1h, nf',,I. C H\m11-1\rl.,n11, Pcrforrn11nce, New Ynri,;,
Ver Marçic l~mok, Tht- CrfHc 1l't ~rforiu,it,. 1 J\r-11111 "ih m '-ou! ,~·• \\ 111 •hunb, t lJ111yr:1 ,uy Pt, • Pi11tt, I' J

1 IN
.s Jacques Dcrrida, Spi!cters ol .'Vlmx, Lo11do1,. RO\lclcdgc, l 994, p. 4. CAPÍTULO 6
P('ggy Jlhclar1 1 (.im,urrked: Thc: Politics of Pel'form..mcc, Lo,,doll, Nevl Yor
Routledge, 1993, p. J.16. A sigla 1-1.1.J.O.S. signi fica Hijos po, la ldc,uidad y la Justicia, çonrra ti Olvido
)' cl Silendo ffilhos em favor dt1 ideotidade e: justiça, tomra o esquedmcnto e
\'(.rMl'.C:1'1 Hogc, Dkm,, 's Mtre:i.íter, an Eccrnirr of Kcwssrnnd Liíc, Neu) -Y()rk 1íu o silê11ciol,
p. t\4, Feb. 9, 1998.
Ve1·, por exemplo: Shosh;m:,c:i felm;:111 and Dorj J...,iub, Te.stimony: Crisis of
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1992; Gathy Carurh, Uncl.iimed Experie11ce; Trauma, Narradve, nnd Hisroq'.
.\iichacl T,ius~lg, Mimes1s Jnd 1\lterit)'· New York. Roudcdge, 1993, p. 10,
B,d timore,John Hopkins Unh•usit)' Pre:t.s) 1996.
v Ver Elisabeth Bronfon, Ot•c•r he.r De.1d IJorly: Demh, Feminlnirr :tnd rhe .:\srh., Laub, in Felmai1 and I.,:iub, 'fostimony, p. 57.
c'!ew York, Rourledge, 1992, p. 181.
Como observa Rkhllrd Schec.h11er: "Ocompor-tan1cntocstá scparndo d;.lquclcs
' ' l)c,bon:1, The Society o{ :l.ie Sf)ettdde, p. 4.
que es1-ão s~ comporrt1ndo; o compon;1rucnto pode ser arma2.enado1 r.ransmj-
'' J.\ronfen, 01•er Her Dead llody, p. 18 l. rido~manipulado. trnnsformado.'' R ichard Schechner, Betwee11 Thí'!ater and
:\nthrof)o/ogy. Philadelphia, University of Pen11sylvanhl Press, 1985> p. 36.
l) Apnd i\bri:i Celeste ..\tr~u:.1s.. Se.!emi's Se,·r('/, Xcw York, Simon. and Sdrn
L997, p. 24. ~.Jacc.clo Su.írez-Orou:o, The Herirage oíEnduti1lg a ''Dirtr W~r..: P~ychoSO<:ial
:\..specrs of Terror io Atge.llrina.) 19i6-198.3, ] our nal o{ P!-ychcbfstoo•, ,.. 18)
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Bral.e aud World, 1955, p. 72.
Para um:1 d iscussão sueima do DNA, ver; Brian L. Si lvcr >Thc Asa,;t o/Sdence:
H Ari!:r.tOtt\ Poetics, erans. {.jcrald F. Else, Ann Arbor, 'l'he Uniwrsit)' o f M1d11 Nc,v Yurk, Oxford Univcrsity Prc.ss, 1998 lcm especial o Capírulo 24, "The
Pre,s, 1.973,p. 25. Gene .M.a, hin-c''), Sil\'t>I' oh.sena que ••nosso D~J\, a menos que se r-r::ue dt
1~ Judith Burlcr, Performarive Acts J ncl Gc11der ConStitution, in Sue Ellcn \ gêmeos idêoticos, é disrimo do DNA de qu.1lquel' outro em coda ;i. Cri:'1ção; a
E.d.,1',•1formiue .feminisms: FeminisrCritical Theorr and Tbc~rre,John I fopl diferença esrá, como disseo1os~ na ordem (13s bases.( ...) O DNA carrega toda
U.niversÍC}' Pre.ss. l990, p. 270. n l11fon nação,Senétit::a de alguém, l•ma coleção de genes qoe contêm um con-
•\.1nto de instruçÔ(!S p~ 1-.1 suo .:onstrução" <p. 29S). Ver também; 1tarr Rldley,
1· No origi1rnl, em inglê-s: -TI,~ papa.-azzi, who dedk;tted tlleir _lives i<.l 'dc,rn 1 (;en(m1e, ~i:w York, H.1rper Collins, 1999. Ridley deíi'ne o DNA como um
to b,1.ngi1,g, blirti11g, hostl'lg, úppiog, smudging. ,u1cl " 1h.1ck1ng hcc (all \\o •• iil.tmcnro de jnforma,;ão. '\nua mensagemesctira em um código de elernerHOS
,ve k.im for c:1kii1g pictures rapidly) ..."" Como os t<"rmos nlo rêm l'(tUi\'111 1 quimkos, um elemenro para cadii lect:f' (p. Ili, ql1C inéluj q n:ttro b:iscs: A, T,
em português, optou -se por um,1 crn,h.:çJo ;1proximada. Sarah Lyall and 1 >111 C l! G. Panes do fila.meoro, cf.>nhecid:;is ,omo géncs, fo rm,1111 unidadc.s de 1lO
Hunrers; How Quarrr \X'as Talked, ':\reu• York Tütu!s. p...\ l, Scpt. '.LO, 19?7 1 .. lc-rta!i'' que $tio ''cl)nSta n\etw::ntc copiadas p.i.rn um filamenro curro deJ~NA.
" She Didn't H,,vc to Dic! Clol>e, 16 Sept, 1997, copa; The Lov< She 111,,1 1 :\ cópitt ~ conhecida como 5S RN.A. Ela estabelece residência com uma massa
ele: proteína e de outros R l\As, cuidadosamente, enrcel.tçados, em tun ribos~
(;lobc, ló Sept. 1997, p. 22.
,,,mo. uma máquin"'1 cuj.t função é rraduzi1 recelrns de D~A em proreinal,.
i \\ Barbar~ Kir:.hellbl,nt-Gimblcn, Js,tie:, ~u1d l\lerhods (cJ,1.,s>. Pl'rfornuncc \1 1, são as p,·oreínas que po.ssibi]i1a,n no DNA replicM-i,e" (p. 16). P11r umá
New York Universit)\ Sc-pt. 1997. qurstiio de r:tpide~. e r~recis.ió, <.>$ genes for;c,m reun idos cm códigos genéticos
lft.· ttês lerr:'lS, ctida um::. ..~ignific;.1 u111 dos vüue ,1minoácidos <"Omo pane
:o K:unal Ahmcd. Charles and the- Q\11:cn :lt \\!.'a r o,·cr l)i~ ll,l , "I'he <i1u,,
\l.1 n!ceica pua um~ p(otc:ína}' (p. l9). "A vida consiste na interação de: dois
lut·ern.1non;;11 Ed ., p, 1, Sept. 9> 199í. 11pn~ <k· elementos químicos: proceínJ.s e DNA'' (p. 16.. 1i ). ( inceressance
11 Ncscor G:il'd:i Canclinl: élJbi'i<J Cuf1ures: Str.ucg,i~\ fot Etncrn1i:, null J 1101.,r que ramo a descrição de Ridley qu.3nco a imager'l1 que :;'I aco,np:rn lrn
11odemiry. Lr:HlS. Ouiscophcr t... Chiapr:iri and S1lvi;i 1.. 1,;r)u. M&nn IAnd rcw f'olJack. Scíe1uis1s 3re St:Htlng ro Ad<I Lettcrs to Lifo 1s Alph3bet,
Uaivcrshy c,f '.'vfitlne-sora Prcss, J?95. p. 191. New York Trmes, p. f l, 2<1 Jul}• 20{)1) realç~u n ~1.::; metdforas da Hng oagem
e: c:lf,..rirn ao explí.::i.r a 1.:ompo'>içJo e o funcionamt.nto do 0).lA . Isso rcfocç.a
-· Princess Dian.1.. F:ix l>oll, Neu- York Po$t, p. 5, Sep1. •l, 19lJ7. 111N1 :ir,gurncniu dt qut ()S sistemas cpisif'mi..::os precisam uns dos ourtos para
~' \X.,arren Hoge, Flowcr Power. Ne-u..1 York Times, J), A l, ~pc. 9, 1i.J'1 (.11et ...-113,;: 1Hscrçóes. O DNA nl"o é uma "Jingu.igem", embottt eS!ia pahtvra
t Jll 1Uih .la fl'pe11d.u11cnce p., ra <le.s..:l'e-vê~lo, 11\:1S !'t rcfaçiio n~o é si mplcsmente
:i Fr.u'lk Rlch. 101 E,·it.t) N,1u• York l'imes, p. A27 , IX'\:, l l, l99t,, 111rrnlf.lrko. Amhos O$ cõd1go!i - cio DKA e o li nguístico- s~o modos inter-
;J Homi Hhabha, The Loc.,thm o/ Cufture, Ncw York, RuutlrJ• 11•94. 1 rc·l,1dun.1tlo, tlr. peos,,r si•hrt" o ~t)nhedmcnt!J e de org,:1rfr2,-\-lo.

:"' Max Prankd. Nc., Puc. No n1,Nrro V,,rk T1mr• M.i,,, mr, ,, 11, J\111M :Oi1vld Gun,ale;;, Ncw VKlkncc over Ri~ht'i Rui~c-,; Fear in Gtu.ut mala, }..,'e,~
)orJ: lmtc,, p. A7, M.Ly l 1 2002. Vtr1hord Snuw C\IC!Ja ~e l'CÍ~riudo iios ~encNi.;
:- "iuuo \t('Wllrl, 1V 1\1~1, 1 urwtll l,1 h11 Prm,, t, / \ <,Hi ,,.. r ,11 r1 »u Hrni.,h, ,r11, 11,n \l.th1 1,1mht1n r1.1,i1 ., Jnnf.t JoNnf~ ti '"(fo, rr~ su,a" arncnrtlM,

h ., lll 1
,. Nunca Má.-; The Rcport of the Argemin.e Nacional Commission of che Disap.. l1 José GobeUo, D ir;â,,mtriu L:m{tJrdo, Buenos Aires, Pena LlJlo Editor, 1982.
peared, Kew York, Farr-ar Srrnus Giroux, 1986. Por essa insistência no 1'ao 11 JulioPanroja afirma (Jueqt1:.1.ndo AntOrlio Domingo Bussi, um conhecido tortu-
vivo'", não 1eoho a ince.nç.ão de diminuir a irnportâocia dús testeinwihos virtuais rado,· duianre a ditadura, foi deito democri,tlcaineme govern:ido.c de Tucumán,
e t:m ,·ídeo colocados em c1Tculaç3o nas últimas décadas. O Video Archíve fo r ele decidiu qne t1 nha de fazer algo us,1odo si:u prórrio i1lsr-rume,1to: focogra,fi,1.
Holocaust lcstimonics. cm Yale, e \vebsitcs corno <W\V'\'i.'.\11,·itnc,ss.org> ou Tht "Dur~ote os quarro anos que durou o gO\'CrDQ formalme-nte deinocráríco de
Vanishcd Gallcry (http;//ww'\'1.ycnclor.com/vanishcd.html}, que incluem mate• Huc:si1 de<liquei•me sistemaricamcmc a focogr.ifo.r os filhos das \·frtl'nas da
riais da .Argentina, são apenas três das muitas iniciativas virtuais criadas para
reprcssao ~m Tucum.Ífl, que, segundo as organizações de Direitos Hu1nanos 1
expandir noss.a capacidade de arquivar e recaptar o acode restenlllnlrnr. Elas devem chc-gar a ,1proximadamcote mil. A princípio) rracou·sc tah-ez dç npcnas
armazenam conhecimento e o disponibilizam para um mi.mero muíto maior dr um impu..Jso qunsc ingên\lO de re.sísr-ênci3, motivado pela iodignaç.ãoi porém, aos
pessoas do que qualquer roteiro "ao vivon. tvtas o "re" de ·'recaptar'' oão é 11
poucos) foi se consolidando e assumindo n fornl:l de um:.1 tomada de posiç..io
repetição rtirc:r:1.tiva do trauma ou da pérformance, mas uma transferê11ci;1 p:;1(á o Mcid.%, 1.1s~ndo miuha Ít"tr;nnenta: a fot9grafi3." PanrojJ, Los Hijos. Tu,uni.án
3rquivo- uma .economia de ann.;1ien:tmcnto e representalí,-âO dlferentê. O repia.)· .,,e,nte a&o$ después.
será sempre o mesmo~ um ccgistl'o de um momento anterior, uma cmmciaçãt1
prcccndcntc que é congeJada para uso posterior. Não esrnu sugerindo que 1 -:..-: EnquílfltO mc,nbros d:1 H.l.J.0.S. endos-sam oficialmente o ativism() político
transmissão da memória traumática acomece apenas no encontro i<ao vivo'" de sctis p.,is e: prometem C(111ciouá-lo. até l'ecememente eles evitaram algo mas
Porémt quero, siini distiogujr entre sistemas de conhedmenl'O diferentes, apes.ar das armadilhas de outros movime,u-o s. Como as ~·fadres, H. 1.J.0.$. tam-
de emrelaçados - o arquiva] e o i11.col'porado -. que partkipa1n da ttaosmi~o bém se dividiu cm dois, sendo que o novo grnpo, HIJOS tou H[JOS R.OJOS
~ poliriiaçãQ d:1 r:ncntóri:;i traum~ti.:a. fvermelhosJJ, tomou uma p<>siç;io poHcicu mais cadic:a l.
Richard Dawkins, The Sel{ish Gene, Ncw York, London. Oxford Univcrsir,
Press, 1976.
CAPÍTULO 7
1
" ''Quando se morre, há duas coisas que podemos de:ixar para trás: genes e memr
fornos construídos como m:iquinas de genes, criados para pass,a r :.1dfrmre rl0$~ HugoSalazardel Akázar., Los músicosarnbul.tntes, c:n / .ti Esr.e,w Lt1tinodmer1ea11a,
geJtes. ~fas çsse aspecto de nós se;ró esquecido cm três gerações( ...} 1\·fas s.e vtv. n. 2, p. 23 1 :-tgo. 1989.
contribui para a culntra do mundo, se você tem uma boa ideia, compõe um
melodia, im·enta uma vela de ignição, escre.ve um poema, is.so pode cominu.1 Dori J..aub :ipud ó:ithy Caruth.,. Ed., Trauma: Exploracions in Mcmory,.Ba ltimon:,
intacco n1.11. ico tempo depois de seus genes retem se dissolvido oo fundo comum Johns Hopkins Un ivtrsity Press, 1995, p. 6.
Dawkius, The Se/fi,h Gene, p. 214 . 1
Ver, por exemplo: .Joumal <>( Latiu Amêric.111 Anthtopology, Performance,
" Joseph Roach, Cilits o/ tl,4 Dead: Circum-Atlaritic Performance, New Ym• Tdemit)', and Historie.ai Consciousncss'in thc A11<lesi v. 3·, n. 2t 1998, em especfo.l
Columbfa Univcrsity Prcss, 1996, p. 2.. "Spc~uc.ular 8od ies: Folklorization and the PoJities of ldentity ln Ec\1adoJ'ian
l}c;11H}' (>agt:ants"' (p. 54· 85)., de Nlnrk Rogers, que é também o editc1r deste
11 Por meio dafotog.mfia,como Allan SckuJa defonde em sua análise da convc~ Ih
niímc:.co da .ctvi$ta.
entre o trabalho da polícia e a eugenia, o corpo se 1orna consrruído e cc>11'1
ao arquivo. AU.11 Sekula, Tbe Body aJtd rhe Archis·e, Octaber 39, p. 3, 19H • Erncst Renan, \Vhat is a nation( in Homi Bhabha. Ed., N ,1tio1r and N11rraffon 1
11 Julio Pa1Hoj.1, J.os Mijo$. Tucum~n veinte -afios de$pués. dis1>0ní\1Cl eru <h1t1 London, Roucledic, :1 990, p. n .
\vww.jl1llopautoja .çom.ar/>. Elltreni;t:l pessoal, Paucanambo, Peru, julho de 1999.
1" Diana Taylor, Disappearing Acts: Spcctacles o f Gcoder and Nationality 111 ,\ • l)cl)t'1rah l\)oli: 1r1d Gera,do Renique, Peru: Time. of Pcar, London) Latiu
gentina's Dirry \1:tar, Durham) Duke Un.h•etsity Press) 19971 p. 277 l n. 13, Amtripn Rure:iu 1 1992, p . 6.
~ Rol.rnd Barrhes, The Responsjbilit)•ofForms: Ctitkal Ess.l)'Sc.u1 Musie,A•t, () Sl'JU i 1nento tontra o cstrelismo em fr~q_uememente negado pela organii-aç5o
Represent.ation, trans.Richa(d Howard, New York1 Hill and \t'aog. J98~. J' do grupo. em que o dhcror h.mcion3 ccJmv Hdt!r e :iré 1:nesino como guru. Ver
t \ tudos. do Tearro Carnpcsi110 co010, por eX't:nlplo: )'olanda González-Broyles,
u: O arquivo uo corpo (':St á cdaciooado (JO <.1ue ch~mc.i d(:' •• rc:pcrtótto" rm ,,, l· l ft,,11ro Camprs,'"o: Themcr in rhc Chicano .\10\'cmenr, Austio, University
ensaio: as imagens e os comportamentos ques.ão tran~n,ifidos por mtln 11.t c:,f TexM Prrc..;. t 99.i,
formance. Aqui, a performance incorpor.,da exibe cooscie111t:me1~1c u ,11 ,
tamo ao prometer presftVat' os maretiais quanto ac:> ameaç.u .tp.1~ l lt.1' ll1i1ni Tuylor. Thtnrrc, (l/C'ris,s: Dra.maalld PolirksiJt LarinAmcrica,Lcxiogton,
U11,vrrol1y of Krnmckr P,,.,, 1990, cap. 1.
,- Carrão pos.tal!fltflY, Te.1tm /Jor Íll ide11t1dnd, AbuelQ~ de l'l;.11.1 dr MO'
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ic Apud Btcnda Luz CoHo-Esc;lltra, Grupo Cu/tu~11/ Y'.'J'n~l,kar.i: Group Woc~ Càlid:}de ioeremc a uma língua estrangeira. Dtntro de minha pesquisa 'iôhre a~
at'ld C<1Uccti,..·e Creatiún in Contcnipo r.:it)' Laun Amer1tttn Theater, Ph.l),
l!Ssenctalldades do te.;1Lro, a p.el'cepção da 'csqU-izofre.Llla' , ausada pelo choque
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11 Hugo Salazar dei Aldia,·, c nt emr7vi~~ ~tn [>,.•r:mten~~.a de la mt•mori,11víJco em meu crabalbc) futuro." Stoldos. The Essl•ntia{ The.1tre. p. 30.
-docomer1tário sobre o Yuráchka,u, dmg1do po1· And1es Cotlcr. Denise Stoklo~, 500 a,,o.s: llm fox de Denise Scoklos para Crisró\':io Colombo,
1! Encuentrh de zorros foi baseado em uo1 texto de José ?vfaría Argueda$, intitulado São Paulo, Denise Srnklos Produções Anísricas, 1992,. p. 9.
l<EI zorro de í\J'l'Íba }' el zorro de ab~jo'" > que foi l'eesctito pe.lo grupo<: Petc1
J Cobertur{I da mídia sobre o .;iltirno festiv:.11 de Denise Stoklos. Ela ganhou o
Eln1oce. Adiós Ayacm:ho bascia--s.e c u, um teXtQ com o me.seno dtulo, por Julh• Prêmio de :\,(elhoc A trii nove vezes no BrasH; recebeu u.m Prêmio Guggcnhcim
Ó l'teg;:c. Apu{l Cono-Escaler.i._, Grupo Cult1m1/ Yuyac/Jk.dm, l"· 156. e urna bolsa Fnlbdght; seu trabalho foi naduzido e e.ncenado cm 31 paí$es.
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Ka época cm qoe escreveu esse text0 1 Debotd 11ão \•iu os dois espetáculos como
London, \ ~erso, 1977, p. 189. interligados. Apenas em ·um trabalho posterior, Comments on :he Society o{
u Laub, Truth ~nd Testimooy: The Process and t he Struggle, in Caruth, 11d , the Spcctade, ele viu os dois esp~tácuJos fu11cionando juntos, como espcrác:ulo
Trarmw, p. 66. "jmegrado"': ''o cenrro controlac.lor ~~ ele afirma, "agora se tornou oculto; n1..mca
secá OC:\lpado por um líder conhecido ou por um~ ideologia daca. E., cm 11m lado
r jo~é \'\":tHlJ\abe,Antigona , tran-s_. \hugaret Carson, in Diana ·ra)•lor and Rosrl)'1 m:1i:, difuso, o espccácuJo nuoca ~mes deixo,1 $ua marca, em tal afro grnu, ern
C:ostanl'ino, Ed., flnJy TtrJ'ors: Lacin Amcrican \\?omen Perform, Durham, Du~ q ua~e todo o ámbico do comportamento e dos ohjeros socialmente produzidos.
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1~ Teresa Ram, Fwgmem:~ of Memoty, m,111,s, ~iargaret Qlrson, ln Taylor 110 1 volta lhe escapava; quando difuso, uma peq uena parte; hoje-> nenhuma p.an e."
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verb::d aticn.;td:1 J~ um 1ext0 que ocorre. pcir cx~rnrln, 1.1u,m,Jn 11111 " k1 1 Ad11101~. I'oet,c.1, tr,1M, Gcl'11 !d F. Flse, Ano Arbor, The Uni\'ec.sjcy oí Michigan
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AI tende foi derrnbado por foL·ças militares a poiadas pela CU\: "Já passei pOr;
antes. f ...) a semelhança que estou evocando vai mujto além d~ 1JnH1. cor11par.1,
simplist.1 e supcrfid.,I, por exen1plo1 dê (p,1ç tamo no Chile ein 1973 que ma"
Estados Unidos hoje o terror çaiu do âu para destruir O$ sírnl,olos da identl~
oacion~1. ~ ... ) i'."'ã o, o qu~ reconheço é a1go 1üãis profundo) wn sofrimentt, 1
mli:Jo, u1n3 dor seo1elh.111te, uina desorie11t.açãQ comensuráo,.·eltl (Ari(II Dorfm
NACLA R,pc,rt 0 11 rb; Americas, v. 3S, n. 3, p. 8, 2001). Eduardo C::•I• ,
ra mbém junca os pomos:"" Há muira semelhani;a cnccc o rcrtorismo dt)méiu
o terrorismo de aha cecuologia: o dos fundamcntalist,1s religiosos e o cios fu m.l
menralhtas que ,11:redirarn no mercado. o lfund.1mcnt~ilismo] dos dcsespcmd1
o dos poderosos~ o dos loucos à soJta e o dos milirnres de uoiforme. ·r()(ltl111 t l
compartilhao1 o mc:smodesdém pela vida h11n1~1na." f:du:.'lrdo Ga leano, NAr I
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CAPITU LO 10
1 P:i.ra um vídeo da pj(es1r:1 de Bena Jouar e 1n1agens de rumba no Ccntr.,l 11
isira1·0 He1mspheric Jnsrirme of Performance and Policies <http://l1enl1,p ,
\
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Bausch, Pina, 300,321 Carrmhers, Mary, 55
Conqu ista rotei ros ela, 61, 64 Drama Socia l, 34-35, 199, 205,
Baudrillard, Jean, 192 Case, Sue-Ellen, 110
212
Cope, D011glas R., 136
Bcllevue Hospital, 340 , 343, 344 Casos !Lmite, 180
Durán, Fray Diego, 67, 68, 69,
Corpus Chrisci, 38, 87
Benjamin, Walter, 212 Censo 2000, 180 82,83
Certeau, M ichel de, 41, 48, Cortés,Hernán, 7, 63, 64, 85, 127,
Bh abha, Homi, 117, 155, l 56,
141, 142, J43, 145
157,220 53,56, 62
Edito, 78-80
Cervántes, Miguel de, 116 Coyolxauhqui, 140
Blair, Tony, 205, 218
Efêmero, 29, 36, 48-49, 268, 292
Charles, A., 197, 203, 222, J Curandeiro, 171-172
Boa 1, Augusto, 274,292,314,324
Escracho, 42, 229-256; definição
227 C:11rsi, 185 -186
Botânica, 171 de, 254-256
Chico, 197, 227-228, 348, 1
Bourdicu, Pierre, 65 Escrita, 24, 34, 35, 38, 55, 68,
352
))3wkins, R ichard, 244 69, 77
Brechc, Bercolt, 37, 40, l09, 158, C!A, 229, 255, 262
160, l.6l , 162, 163, 270, 274 l)e Bry, Theodoro, 7,95, LOl , 102 Espectador, 40 1 204-205, 209,
Cisneros, Sandra, 152 213,217,203,242, 250-252,262,
Bronfen, Elisaberh, 210 n"bord, Guy, 41, 198,209, 316,
274, 276, 306, 308; especrndor
Cidadania, 27, 192, 347 l.?.3
Browning, Ba rbara, 18 intercu ltu ral, 321-327
Classe, :1.70, 182, 187, 2 1'l, lk<:ifra bilidade, 132, 142, 296;
Buenavenru ra, Enrique, 314 Espcccrologia, 357
275,322,367 r indecifrabilidade, 15, 72 , 90,
Bush, George W., 336, 338, 357, 148, 316, 321 Espetáculo, 41, 115, 198, 205,
Coaclicue, 88, 307
358, 359, 376 211, 230, 316, 323
Códices, 46, 68 lkrrida, Jacques, 30, 57,206,341
Butler, Judith, 30, 31, 179, 213 Estética: da vida cotidia na, 26 -27,
Cód ice FloremiM, 73, 140. 1 l)í.1z dei Cast illo, Berna), 141
43-44
Colonia tismo, 68-80, JC)K, 1 11e,.1pntecimcnro, 34-35, 45, 50-
Estrutltra episódica, 1 59-1 60 ,
Calmecac, 47 1 I, Q-53 , 68 -69, 75-76, 77-78,
l1 9, J.9l, 196-1 97,221,2 ' 1, 373-379
291, 292, 315-3'16, 32 1. , '07, 2 17,220,268,282,284,342,
Camp, 185-189, 191
1 1~; fi lhos dos desaparecidos, 237, Esrndos da performance, 17-20,
-colonialismo, 223-224, \t,'
Cantares, 70 e formaçfo racial, l35 ti, 1 ' 111,258; desaparecidos, 228,237, 39, 32, 34, 36, 37, 39, 40, 45, 57,
· 11, 249-262, 338. Ver também 58, 59, 269, 378-379; e a-histo-
Capita lismo, 274, 316, 376
Colombo, Crisu'w.10, ~ 1, 111,.0.s. ricidade, 37, 39; e antropologia,
Carballido,Ern ilio, 126,130, 13'1, 95,96,97,99, 100, 1111, Ili 20; apresentação gc,-a l, 32-40; e
110, I li , 111, 120, 1•14, li 1111,•110• h,11111111<1>, 42. 240, 243,
132, 142, 143,145, 148, 150, 151, llswtlo$ do Teucro, 32, 35-40; e
1
158, 159, 161, 162; Yn ta111b1é11 ' • 11!8
C'nnm r1011, 1',1111, •1, l.!'l 1 ~,uiln, tio Tr~umo, 21.9-237, 243
!Ja/1/v ti,• h1 ,mu, llú, 1~1,
4 1
Estudos Hemisféricas, 19, 337, Carda Canclini, Néstor, 153,218 H .l.J.O.S., 229-232, 252-256, Kirby, M ichael, 36, 37, 38
363-379 373-374
Gee,·tz, Clifford, JO, 40, 42, 43, Kirshenblatr-G imblett, 'Barbara,
Estupro, 152, l.55 47 1-firsch, Marianne, 22, 337 18, 22, 71, 337, 343
Em icid ade, 177, 188, 265, 307, Gênero, 27, 40, 42 43, 47 Hisrória, 27, 37, 52 -53, 70, 117,
367,370 119
Giutiani, Rudolph, 331,333,334, Lacan, Jacques, 30, 119
Etnografia, 120-123 336,350,359,367,374 1-Juehu ehtlahtolli, 47, 137
Lané, Jill, 22, 64, 349
Eugenia, 149 Global ização, 198, 398 Huichol, 37
Las Casas, Ba rtolomé de, 94, 97,
Evita. Ver Perón, Evita, 164, 197, Gómcz-Pefia, Guillermo, 55, 3'l. Hu itzilopochtli, 88 103, 104, ]17
198,203, 2()5, 208,209,210,211, 94, 105, W6-1"14, 1 16, 118, 12·1.
219,220 ·122 Latinos, 168-194

Idola tria, 81, 83, 87 Latour, Bruno, 72, 73


Greenblatr, Scephcn, 96, 100
lg>'eja Ca tólica, 25, 170 Laub, Dori, 284, 292
Feminismo, 21.9 Grotowsl<i, Jerzy, 29, 37, 121
Fetiche, 97, 223 1inperialismo, 201, 220, 275 Ledesma, Alberto, 192
G,·upo Arte Callejero, 229, 233
Incas, 46 Le Goff, Jacques, 52
Flores, Richard, 50 Grupo Cu lrnrnl Yu}'achkani, 41
263-293; Adiós Ayac11cho, 28 l lndio Amazônico, 171-177 Letrados, 47
Florcscano, Enrique, 46
285, 288, 292-293; At1tígon,1
FMI, 376 "Índios ". Ver, tam bém, Raça Liminaridade, 33, 134, 141.-l44,
285-288, 292; Contraelvierl/l
190-191
264, 280, 282 l11karrí, 289
Fotografias, 243, 245, 246, 284,
289, 331-338, 344-3 45; como Língua, 99-lOO, 104, 136-137,
Guerra suja: na A rgenrina, 2 1 Inquisição, 78, $0, 170
evidências, 247-249; como idell· 243,372,373; no Brasil, 304-.W 179, J 92, 274-275, 282,305,317,
111,riu,ro Hemisférico de Perfor- 319,367
t ificaçâo, 247, 256-258; como 315-316; no Peru, 280
111.11,ce e Política 19, 25-26, 90,
performance, 255-260 Literatura ora l, 58
1?,J
Fox, Viceme, 25 López Austin, Alfredo, 137
Habirns, 65 l11tr.1tlu,.ibilidade, 31-32 , 44
freire, P,iulc-1, 299,306,325, 326.,
J ladacl, Astrid, 7, 9, 88, 30~ 1 1prlacl, 74-76
326
Madonna, 8, 169, 211, 219, 220
l-l,1 lbw:1chs, l'vfouricç, fitl, lll~
Freud, Sigmund, 56, 57, 179
1larris, Max, rn, 64 Madre Teresa, 220, 225
f11rt,1r, Ll~rrn, 364, 365
Funerais, 27, 47,203,204, 217
Mãe~ ~la r1~za de l'vhyo, 232,
Fusco, Coco, 6J, 94, !OS, 105- 1171
J lart111,1n, /h1iJ1y,1 V, (,1, 1,, f, Hmt•n1.1ry i\, 111
237 243
121, 122 llihr1<li,mo, l·ll, 1\1 I,M, li

ll 1 ..
Maias, 46, 68 Migração, 86,280,304, 321-322, 0./in, 43 traduzindo "performance", 23?-
358,369,378 237, 281-293; e trauma, 232-237
Malinche, 140-143 Oiiare, Don Juan de, 64
281-293 '
Mimcse, 42, 74, 82, 99; e mímic,1
Manheímer-Taylor, Marina, 10, 011g, Walter, [60
colonial, 155-1.56, 307-309 Performático, 31, 40, 45, 175
351 Oralidade, 159-164
M itchell, W. 1. J., 83, 388 l'erforrnarivo, 31-32
Man uscrito Huarochirí, 68, 279 Originalidade, 308
;,,,todernidade, 19-20, 177 Performarividade, 31. 32
Martí, José, 150 Orriz, Fernando, '144, 157, 158
Molloy, Silvia, 25, 405 Peróo, Eva, 8, 147, 164, 208, 210
Martín-Barbero, Jesús, 51,384
Moraga, Cherríe, 151, 152 182 Phelan, l;>.eggy, 18, 30, 206 207
Marxismo, 131,275, 327 Pantoj.i, JuUo, 256, 257 208 ' '
Mot0linía, Fray Toribio, 36
McKcn zie, Jon, 29 l'asmrela, SO, 378 Pinocher, Augusto, 260
Mou ros e cristãos/rnoros y cr"
Memes, 29, 244 tia nos, 50, 63, 378 Patrimônio imaterial, 27, 53 Pizarro, Francisco, 64, 284
Memória, 34-35, 45, 48, 5 J, 5.5- Murais, 198, 2·11, 223,224 l',1triot Act, 9, 337 Plaoo Condor {Plan Cóndor) 229
56, 69, 127, 128, 175, 250-251, 255,260,262,373 ' '
258, 29J; arquiva i, 52.5·1; cami- Mura is comemorativos, 197, 2l. P.1vis, Patrice, 38
nhos da, 52; circuitos de 270 -271· 2.28, 321-323 Política idenridria, 264 272 _273
1'·12, Octavio, 142, L47
'
comuna l, 268, 292-293; culrural,
' 318 ' '
Museus, 106-107, 250-251; M,
128-130, 133 -144; p.rorewr da, 1',•r.;epricídio, 61, 337
seu de História Natural 364 I'- Portilla,Jorge, 118, l .90
137-138; étnica, 51; /ieux de mé· ' ' " Pc,·fr,rrnance, 17, 25; como rei-
370; Whitney Muscum, 106, 11
moire, 52-53; viva, 69-70; miliettx Propp, Vladimir, 93
v,nd i:ação, 246-247, 28-32; <le-
de mémoire, 51-52; como prática ft11,çoes de, 283-284 , 292-293·
política, 71,272; rraumatic, 25·1- NAFT;\, 16, 1.9 ~ uc saparecimcnco, 27. 28 , 108~
252, 254, 260-261, 272-29] Quéchua, 42, 68, 71, 19 1, 265
IU'!; como episreme, 120- 123·
Nauatle, 23, 42-43
Mercado, Wa lter, 7, 11, 165-179, • etnografia, 116- 117, 206 _2 l1'.
184-194
11estiçagem, 152, 143-156, 275
~auas. Ver Méxicas

Neoliberalismo, 25S, 37.5


,~
1 pectrolog ia da , 81- 90 772 '
) '
-276, 3 15-317; indígena, 81-
- ' Raça, 53, 88, 97, 102-103, 134-
l 5~, 177, 277-278, 367-373;
l, 1!8, 90, 3 15-317, 272-273; de
africanos, afro-americanos, afro-
Méxicas, 43, 46, 52-53, 67-80, Ncplanta, 48, 220 11l111ns múltiplos, 67-90, 280-
·pernanos, 91, 104-105, 2 71.2 7g
127-129, 140-141, 161,170,203, 1, popular, 229-232 237-242 16 . '
Nora, Pierre, 52 1'1 2 S'·'• 2 6 l-262: pré-conquista
' ' • 1 • 36 3-365, 367; castas, 133.
206,307 l36; "a raça cosmética", 179-1$ 4;
Novak, 1.orie, 22, H7, J 11 • 11 • HO H4; "11nu prorcsm'
14
Migi:a, 212 11 jÇ ' 1• r" l l dr <rJ<·mbro, l(M ' cr1011los, 269, 290-291; "índios''
348
e f'ºP 11 la~llc1 indf ...cnas 269
,t, 111 l,!J, •,<1J.,, IY Ili, 11 11, "l() J " 1, 290
' 291,
' >
•11, 1,,1. 270 l"'

1h
307-308, 315, 316; jude us (e Roach, Joseph, 30, 39, 80, 84, Selena, 198, 205, 210-212, 227- Ta roum,irn, 14, .>7
"converridos"), 270-271, 315- 204,245,261 228
Taussig, Michael, 208
3 16, 322-323; larinos, 179· 194, Setembro, 11 de, 22, 90·9 l, 22 7,
Rodríguez, Jesusa, 2.5, 307, 308 Taylor, Dianá: Dist1ppeari11g ucts,
211, 307-308; mestiços, 128 -·129, 329, 337, 3.39, 343, 347, 354-360
133-J 57, 254-255, 290-29"1; Roteiros, 17, 60-67, 91.-107, 2011 rn
mulacos, 135; " la raza cósm ica", 211,212,336,343, 369-370, 3711, Sepúll'eda, J uan Ginés, 104
Teatralidade, 41, 42, 198, 200,
148-153; rra nsmissão da teoria da descoberta, 91 •105, 117, 271 Sexo e identidade sexua l, 27-2S, 203, 204, 20.5, 211,217, 232
racia l, 143-164; zambo, 135-136 I .LO, 315-323
R ubio, M.igud, 275, 276, 27~ Teatro, l.76, 300, 310; coletivo,
Ralli, Teresa , 267,272, 281,285, 282, 285 Sifuentes, Roberto, J16 272-27.'í, 314; popular, 274-277
287,288
R,imba, 363-364 Sm ith, Anna Dcavere, 318 Teat ro missionário. Ver c>1m bém
Rama, Ángd, 46, 47, 48, 158 Mouros e cristãos
\11ow, Clyde, 243
R am írez, Tgnacio, 147 Tecnologias digitais, 21, 29, 45, 59
Sahagún, Fray Bernardi«o de, h \omag, Susan, 185, 186, 187
Rasq11ache, 185 73, 76, 81 Tenochritlán, 64, 75, 85
\l't'nccr, Diana (Princesa de Ga·
Raznovich, Dia na, 22, 26 Sahagún, Marca, 25 lc,I. 195-228 Testemunhar, 281, 290,292
Regina, Elis, 300,313,314 Salazar dei Akázar, Hugo, 2,,4 \ph.ik, Gayarri, "155 Tezozómoc, Fernando Alvarado,
277 70
Relajo, 109, 118, 185, 190-191, \1,1111, Robert, 148
193 Sandoval, Cheia, 151 Thoreau, Henry D,tvid , 297,299,
\ 11·111, Gercrude, 299, 320, 325,
Renan, Ernesr, 272 Santerfo, 167, 171, 188 304,306,31~319,325
11,,
Repertório, "18, 71, 90, 94, 102, Santuário. Ver Altar Tlatoani, 128, 138
1,•1n. 1íoward , 212
t 2S, 138,170,174, 178,205,208, Todorov, Tzvetan, 96, 150, 372
Saussure, Fcrd inand de, 33 ,,,klns, Denise, 29.5-327; Casa,
244,252,259,268,271,279,292,
364, 370; definição de, 50-54 Sendero Lumi noso (Cami nho 1 IO t I 2; Dcsobedirncia cii•il, Tona ntzin, 8 1, 82, 85
minoso), 107, 264,272,280 ~ 1.27; De111se Stoklos em kI.iry
Representação, 30, 42 , 74, 75, 93, Tradução, 212-2 13, 282, 304-
IH,trt, l 1() -.l 12; Des -kfecleia,
117-lJ S, 192, 271,291; re/nesen· Schechncr, Richard, 18, 2 1 305, 326
Ili , 12; 500 anos: um fax de
tación, 40 34,38 111"' Srnklos par~ Crisróv~o Tragédia, l 47-2L9,336, 347, 354·
Req11erimie11to, l 00, 103 Sdrncidcr, Rcbcci:o, 22, ~ J 1 ,,11110, 310•.~ 12 360,373, 376-377

Rice, Co ndoleezza, 376 School of thc Amcric.", J' \ ,,..,,,11'~ 1 lo~pnnl, 232 Tran~c ulturnçâo, 37, 83, J.1 2,
1J.5, 141, 162, l.65-266, 307-308,
Rkh, Frank, 220 Scott, .Jame~, 64 32.2 12J
Sccd, Pnrrnm, IUI

1•
Tratado de Guadalupe H ida lgo, Ybarra-Frausro, Tomás, 186, l 87,
19 1 °188, 189
Trauma, 199-200, 204-205, 232- Yúdice, George, 332
233, 250, 256-257, 260-262, 268-
Yurach kani. Ver Grupo Cultura l
269, 284-285, 289-290, 354-355;
Yuyachkani
como anti-arquivai, 268; coletivo,
230-293, 374-375; cumulativo,
288-290 Zambo. Ver Raça
Turner, Victor,28, 32-36, 38,121,
Zantop, Half, 21
205, 199, 205, 323; modelo de
drama socia l, 199-20.S Zantop, Susanne, 2 .L, 103

Va ldéz, Luis, 182

Vasconcelos, José, 13.S-153, 177,


180
Vasconcelos, T ito, 25

Vega, Garcilaso de la, 146


Vigilância, 354, 374

Virgem de Guadal upe, 81-87,


l.40-153

Wolf, Er ic, 146


Women i11 Black, 356

World Trade Center, 21, 90, 329·


33'1, 347,359,360, 372, 374, 375

l lf)

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