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PROCESSO TRIBUTARIO ANALITICO Volume IV oseey ty ae ee aren ae eee pony cence aaeeness Cee oecue eect. Cerne ter Cees Coordenadores eee Cd Pica ee eke wc) Ps or Ret eR Corts Daniel de Paiva Gomes Cee) ~ wn [e) fe) td n an (e) 4 fe) les} 2 > Z le) > va es = 2 a lo) CUI OY Mp reaer Rete Wort ereocosee at anes Stas Lem Brune aesicol mn [PELOTON PROCESSO TRIBUTARIO ANALITICO Volume IV Coisa Julgada Coordenadores Pauto Cesar Conrapo CIP-BRASIL. CATALOGAGAO NA PUBLICAGAO SINDICATO NACIONAL DCS EDITORES DE LIVROS, RI Juiiana Furtapo Costa Araujo i 2569. :428em Ines opata Isa oveess104185 ssitrae varia NOESES 3859706 cou sess 38) ‘29 PROCESO TRIBUTARIO ANALfTICO com que a sucessora seja um terceiro em relagéo ao proceso encerrado, razéo pela qual somente os efeitos benéficos do processo encerrado poderao lhe ser estendidos (art. 506 do CPC/2015); (vi) a obtengao do direito a fruigao da coisajulgada da incorporada nao pode ser o tinico mot realizacdo da incorporaeao, devendo exi mica no negécio juridico preticad: mera realizagao de operagoes societérias de transformagio ou incorporagao nao jente para afastar os efeitos da coisa julgada da empre- ajuizado continuara a produzir ef zacdo da referida operagio societaria, somente podendo ser cassados na hipétese em que a transformagéo venha acom- panhada de outra modificagao do estado de fato; (ix) também a incorporacéo, tomada isoladamente, nao é suficiente para atrair a aplicagao da eldusula rebus sic stantibus e afastar 03 efeitos da coisa julgada da sucedida, devendo ser analisado se tal operacdo é acompanhada de outra modificagio do estado de fato; (x) especifieamente nos casos de incorporagiio, nos casos em que hé concomitancia entre acées judiciais ajuiza- das por incorporada e incorporadora, devem ser aplicadas as diretrizes relativas & litispendéncia superveniente e A ocor- réncia de violagao a coisa julgada, as quais foram detidamente analisadas nos t6picos anteriores. AMODULAGAO DE EFEITOS EM MATERIA TRIBUTARIA E SUA REALIZAGAO EM FAVOR DA FAZENDA PUBLICA Diego Diniz Ribeiro! Maysa de Sé Pitiondo Deligne? ‘Sumério: 1. Introdugéo. 2. Consideragéeshistérieas, onceito epressupostos de aplicagio da modulagio de efeitos. 3. Posigdes contrérias & aplizacio da modu modulagio de efeitos no caso co RE n.° 514.706, 1. Introdugao Com a pendéncia da definigao pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da modulacao dos efeitos no julgamento do 1 Mostro em Direito Tributério pela Pontificia Universidade Catdlea de Sto Paulo ado, Professor em cursos de gtaduagio e pos graduagao na GV Lav, IBET, IBD, PD, ESA, ESPGE e IMESB, 2, Doutoranda ¢ mesa em Di fsraduada pele Faculdade de Di cx onnie Spo ce shgamnt do Cs ‘rss Picns~ CARE Professors em cursos de pés-radacia em Direto Tit tio do IBDT, PUC-Minas e FUMEC/CAD. eats 97 PROCESO TRIEUTARIO ANALITICO Recurso Extraordinério (RE) n.° 574.706, em sede de reper- cussdo geral e em favor do Zstado, a discussao proposta no presente artigo ganhou ainda maior relevancia, o que se deve nae s6 pela importdneia pragmatica da questo, mas também pelo fato do instituto da moculacao de efeitos convergir para um redimensionamento do conceito de coisa julgada, em es- pecial nas relacdes juridicas de trato sucessivo, as quais pre- ponderantemente marcam 0 Direito Tributario. Pois bem. Naquele processo o STF concluiu que oimpos- to estadual sobre circulagéo de mercadorias e servigos (CMS) nao deve compor a base de cileulo das contribuigées destina- das ao Programa de Integracio Social (PIS) ¢ ao financiamen- to da seguridade social (COFINS) por nao integrar 0 conceito constitucional de receita ou faturamento prescrito no art. 195, J, ‘b’ da Constituigao Federa’ de 1988 (CF/88). Diante da grande repereussio orcamentéria na repeticao do indébito decorrente da exclusio do ICMS do cdlculo das con- tribuigdes por todos os contribuintes e sustentando que se tra- ta de uma modificagao da jurisprudéncia anterior do Superior ‘Tribunal de Justiga (STJ);‘a Unido pleiteou em sua sustentagao alo Cdsa (orgs), O novo CPC e eeu impacto no direitotribuadro. 2. ed Sao Paulo: Fiscosoft. 2016p. 141-180 cae do “parcel eltva a0 ICM inclu-se na base decAlelo do Fincoeal”(Sdmala 94, Pri- mer Seqio,jugado em 2202/1984, DJ 2802/1994, p. 2961). [Noo obstante provavelmente eam 9 ete9po de acomodar ese entendimentoem um pre ‘edente frmalmente tratado pela legistgéo processual como tal com sso. dificult 0 Conbicimento de recursos expeciis com a mesma dscussio,o STJ afetou tal questo findusdo do 1CMS na base de ealeulo co PIS e da COFINS) para que fossejulgada em {eee de recurso especial representative de controvérsi, Trata-se do Reeu'so Especial 98 PROCESS TRIBUTARIO ANALITICO oral a modulagio dos efeitos em favor do Estado para restringir 0s efeitos do acérdao para 0 ano seguinte a sua prolacao, im- pedindo a repeti¢ao de indébito pelos contribuintes. Contudo, este pedido, sob a justificativa de nao ter sido formulado nos autos, nao foi apreciado no momento do julgamento realizado em 15/03/2017, ressaltando a relatora Mi ‘que essa questo poder.a ser apr claragéo para a anélise”. Tais embargos foram entao interpostos pela Unio em 19/10/2017, oportunidade em que expressamente se vindicou a modulagao de efeitos da decisao lavrada pelo STE ‘Tal decisio transitou em julgado em 13/03/2017. istra Carmen Liicia ida “em embargos de de- Enquanto essa questao ndo é sedimentada pelo Pretori Excelso, intensifiea-se 0 debate na doutrina acerca da possi- bilidade, a luz do sistema juridico brasileiro, de se convocar a modulagao de efeitos em favor do Estado em matéria tributé- ria, A relevancia desse debate € maior diante da existéncia de julgados anteriores daquela Corte Suprema tanto no sentido da impossibilidade da modulacao em favor do Estado com fun- damento exclusivo na negativa repercussio orgamentéria,’ ‘n° L.14469)PR, Relator Ministre Napoledo Nunes Maia Filho, Relatar para Acérdso ‘Minisro Mauro Campbell Marques, Primeira So PROCESSO TRIBUTARIO ANALITICO como autorizando a modulagio por este mesmo m como autorizando a modulagdo em razdo da modifieagao de sua jurisprudéncia.” Entretanto, para proceder com esta andlise, crucial que se realize primeiramente uma breve consideragio histérica deste instituto e qual o seu conceito, para em seguida aden- trar nas consideragées doutrinérias acerea da modulzcio de efeitos em favor do Estado. © problema central a ser enfrentado ¢, portanto, se hé limite subjetivo para a aplicagao da técnica da modulacdo de efeitos em matéria tributéria, se ele poderd beneficiar o Esta- dg ou, se em todas as hipéteses, deverd apenas ser aplicada em favor dos contribuintes. Bo que se passa a delinear a seguir. 2. Consideracées histéricas, conceito e pressupostos: de aplicacdo da modulagao de efeitos Para uma melhor compreensio da “modulagio de efei- tos” no Brasil, importante primeiramente fazer um breve re~ trospecto deste instituto, Quando da declaracdo da inconstitucionalidade de leis ou atos, observa-se que tradicionalmente a jurisprudéncia do STF* 6. Nease sentido, hé somente a conclusio do julgamento do RE 560.626, Felator Bi nisto Gilmar Mendes, Tribunal Pleng, julgado em 12/062008, repercuscio geral~ Imérto, DJe-232 08/12/2008, apés a declaragso de inconstitucir dos prazos te preserigdo e deeadéneia previstos ns artigos 45 e 46 da Lei ‘especie ‘amnente pars as contribuigoes previdencsri. 1. Base motivo somente foi invocado ro recente julgado do RE 599.849 em sede de TopereussZo eral, que enalisou asistematiea de restituicio da substituiiotributa i Relator Ministro Edson Fae ‘epereussdo geral - mérito Dde-065 314372017, republieado o DJe-068 5/4/2017). 48. Atitulo de exemplo, vejam-se os sguintesjulgados do STP: ADI 652-40, Relator 100 PROCESSO TRIBUTARIO ANALITICO adotava a teoria da nulidade do ato inconstitucional, nao admi- tindo a modulagdo de efeitos. Segundo esta teoria, delineada no Brasil por Rui Barbosa? com fulero no precedente norte america- no fixado no caso Marbury v. Madison do ano de 1803, uma nor- ma invilida, sem fundamento juridico constitueional,® nao deve produzir efeitos desde o inicio de sua vigéncia."' Ou seja, uma vez ‘que a norma declarada inconstitucional nunea poderia ter existi- ‘tos também deveriam seguir a mes- ma sorte e, portanto, ser extirpados de forma retroativa (ex tune’) Essa teoria se respalda no chamado princfpio da supre- (aaicial ou adminstrativa), Aina que ordinariamente aap ‘po de vigénca, salvo em situagbes excepcionais que normas revogadassio aplicadas, Juma norma no precisa ser vida para ser aplicada,especaimenteconsiderando 0s ‘rg que ndo tem competéneia para pronunciar quanto a validade de normas; ev) ‘efcécia, que se refere dprodugio de efeitos da norma no tempo, endo que somente (ser fica Salionta que aplicacéo de uma norra se diferencia do card. Lefont dl Drito. Milano: Giuffte Eitore, 2010, p. 2792). >. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. So Paul: Malheiros Ea- tores, 207. p. 296-297. 101 PROCESSO TRIBUTARIO ANAI ‘mentos normativos apenas séo habeis a produzirem efeitos va- lidos quando estiverem em conformidade com as orientacdes ditadas pela Constituigao Federal. Esse principio, inclusive, 6 0 fundamento para o exereicio do controle de constitucio- nalidade realizado pelo Poder J io! dos atos € normas ‘emanados pelos Poderes Legislative e Executivo."* Entretanto, algumas menifestagoes judicativas isoladas no Ambito do STF" sustentavam a necessidade de aplicagao, em situagées excepcionais, da teoria da anulabilidade adota- dda pelos Tribunais da Austria e da Alemanha'* com fulcro na ‘Teoria Pura de Kelsen, desenvolvida no ambito nacional por Liicio Bittercourt.” Para essa corrente teériea, a nulidade da 1s 150 Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. So Paula: Saraiva, Ion at it \, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positive. Sio \ionalidade ¢ realizado de forma concentrada com decisbes datadas de eficdcia erga om- a pelos tribunals (at. 9, CF/8), som efcé igamento de Recursos Extraordinarios (at sequins jugndos do ST nos aii to. a tes do art. 27 da Lei 868/99 ‘expressio “folha de saldrios” do art. 195 da tro Sepalveda Pertence, acompanhado pelos demas, entendendo pel ibsolutamente excepcional” de fomper com a teoria da nulidade, mas no com esse argumento consequen- ta, sob pena de “estimular a inconstitucionalidade”. 16 Tribunal Const de éa Lei fundamental de Bonn gamento (discussio qus C888), rechacada pelo ar es een tenore Uiversane Peer so Rio Grande Ba cease esr Port le, 208. 17. BITTENCOURT, Licio. 0 contélejurisdicional da constitucionalidde das les. Ric de Janeiro: Revista Forense, 1949 102 F PROCESSO TRIBUTARIO ANALITICO norma inconstitueional deve ser normas dotam de presuncai lade, sendo que somen- te podem ser consideradas invélidas declaragao de in- constitucionalidade, Com isso, a norma inconstitucional seria anulivel, sendo possivel que seus efeitos fossem mantidos até © momento da declaracéo de inconstitucionalidade (eficécia ‘ex nunc) ou outro momento entendido como relevante pelo julgador para garantir 0 estado de constitucionalidade. ivizada, uma vez que as ym 0 advento da Lei n. 9.868/99, especificadamente n: disciplina do controle concentrado de constitucionalidad foi realizada uma significativa alteragdo neste panorama ju- risprudencial. No art. 27 daquele diploma,” passou-se a ad- mitir a restricdo ou modulagdo dos efeitos da declaragao de inconstitucionalidade pelo STF no controle concentrado, so mente em casos excepeionais (por razées de seguranga juridi- ‘ca ou de excepcional interesse social) ¢ pela maioria de dois tercos dos membros. Com isso, a legislagao passou a admitir a restriesio dos efeitos da declaragdo de inconstitucionalidade para que pu- desse ter eficdcia a partir do transito em julgado (ex nunc) ou outro momento entendido como oportuno. Cumpre meneio- nar que, exatamente por entender que essa previséo nérmati- va fere o principio da supremacia constitucional, foram inter- postas duas acdes diretas de inconstitucionalidade contra este dispositivo,® desenvolvidas com fulero na teoria da nulidade acima mencionada. 18, referida ta de inconstitu perante oSTF 19, “Art. 27. Ao declarar a inco seus membros, restringir os efeitos daquela declaragdo ou decidir que ela 86 tenha eficdcia a partir de seu trénsito em julgado ou de outry momento que vpenka & ser firado.” (grifamos) '5.e ADI apensa 2258, pendentes de julgamento com votc pela inconstitu- lade do Minisro Sepilveda Pertence proferido em julgamento de 1608/2007 103 PROCESO TRIBUTARIO ANALITICO Essa previsdo normativa passou a ganhar maior destaque na doutrina, em especial na seara tributéria, apés 0 julgamento pelo STE, em sede de repercussao geral, do RE 960.626," no qual se admitiu o impacto orcamentario como uma causa para a modulagao de efeitos da deciaragao de inconstitucionalidade ‘em favor do Bstado. Naquele proceso, sob o pretenso “funda mento”® indicado no voto do Ministro Gilmar Mendes, relator daquele julgado, foi vedada a rep indébito pelos con- tribuintes que recolheram contribuigées previdenciérias consi- derendo os prazos decadencial e presericional de 10 (dez) anos previstos nos artigos 45 ¢ 46 da 12/91, em desacordo ‘com os prazos fixados no Cédigo Tributério Nacional (CTN), tentendendo que “sio legitimas os recolhimentos efetuados nos prazos previstos nos artigos 45 e 46 e no impugnados antes da Conelusdo deste julgamento”,haja vista a suposta “repercussdo ea inseguranga juridica” decorrentes do sobredito julgado, Houve naquele julgamento, portanto, uma modulacao dos efeitos em favor do Estado, em detrimento, por sua vez, dos interesses dos contribuintes. Diante disso, passot tensificar no Brasil a discusséo em torno da impossi de modulacao de efeitos em ‘avor do Estado quando de declara¢ao de inconstitueionalidade de norma tributaria, conforme argumentos que sero adiante identificados. ‘Aptva eitura do voto pelo relator foi pda de vista pela MinstraCérmen Lia no ince o processo reineiuido em pauta de julgamento (exrato de andamerto dispont- ‘Sel em https jus briporaliprocesso/verProcessoAndamento.aspineiente=1807 21, RES60626, Relator Minisiro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno,julgado erm 12062008, ‘Repereusso Geral - Mérito, Dle-282 publicado em 05/122008, pico da modulagio de efeios, & mula, de decisao genérea, i. 22, 3m verdade, tal deciséo, no ‘uma yer-que carente de molivagt. retericamenteoca, capaz de) rspectva ftic-juridea, ‘mento impectara o orgamento pubic. Assim, tal julgado {da Magna Lez, agora exemplarmente dissecado pelo art. 489, eon cm questio, a nulidade do eferdo julgado enquactra-se pereitamente ao dis ‘ecto nos incisoy Il e II do §1° do art. 489 do Estatuto Processual Civil 23, Alguns dos principais expoentes Ana Paula Oliveira Avila (A madulagao de 104 RIO ANALITICO , Emparaleloa este movimento doutrinéroe jurispruden- cial acerca das normas inconstitueionais, surge nos Es Unidos da América (HUA) precedentes debates reread cessidade de restricio dos efeitos de uma deciséo que alterou a manifestacao proferida em precedente anterior (prospective ‘omo apoata Eva Steiner,* esse debate apenas /ancia quando se considera 0 preceden:e como fon- te material do Direito e ndo meramente uma fonte formal. De fato, admitindo que o juiz ndo exerce uma funcao de mero aplicador, mas sim de criador do Direito, como reco- nhecido nos paises com a tradigéo do common lew, passa-se a admitir uma forca vinculativa das manifestagées de caré- ter judicativo, as quais atuam como verdadeiros preceden- tes>* Nesse sentido, inclusive, é possivel destacar intimeras feito temporais pelo STF no controle de constituelonalidade: ponderacéo e regras (ini econ: Gros usta to Uc ra i Dilts, S08p1405}«hndePten los emer tel dat Ss ‘tates a ponte engage en mle ales Da toed Dei Tntari, So Pa Sep F320 24 Trai de enendment dota pela Suprema Conf prema Core Americana en 182 om Pe Spaa do Jus Caesar esi psa leads poss tntror flo Cre de Montane CPrapesve Option of Desoto told i tutes Unconstitutional or Oversaling Prior Decisions." Harva ites Unon Prior Decisions." Harvard Law Review, vol. 25, STEINER, Eva. Judi! Rings with Propostectoe effectsfon comparieon ‘sronststion in STEINER Ein Compare romeo et edd ite acon acon. Springer International Publahing Swizedand 2018, 26.2 rato do enoque no tems propos, nd adenta-e sana cases que als tent ieiniee cee mem ‘tnt ees ong. Pats ares or. sins dacs 6 sponte blir IEEIRG, Sago Dn: Peedentes om 105 PROCESSO TRIBUTARIO ANAL{TICO reformas let que vem ocorrendo nas tiltimas décadas no ordenamento juridico nacional, sempre no sentido de pres- tigiar um aparente modelo de precedentes.” Neste sentido, o texto constitucional identifica algumas decisées especificas dotadas de forca vinculante para todos e nao apenas entre as partes: tratam-se das decisées proferidas pelo STE, definitivas de mérito, nas ag6es diretas de incons- titucionalidade e nas agdes declaratérias de constitueionali- dade (art. 102, §2°, CF/88) e quando da edicao das simulas vinculantes (art. 103-A, CF/88). Por sua vez, 0 Cédigo de Processo Civil anterior, aprovado pels Lei n. 5.869/1973, com sua alteracéo entao realizada pela Lein, 11.418/2006, criou o instrument dos processos resresen- tativos da controvérsia pelo STF e STS nos artigos 543-B e 543- C, respectivamente. As decisdes de mérito proferidas nesses processos, transitadas em julgado, passariam a ser dotadas de efeito vinculante dentro do ambito do Poder Judiciério, ‘matéria tributéria eo novo CPC. Proceso tribuério analitco (vol. IN). CONRADO, Paulo César (org). Séo Paulo: Nocses, 2016. 2, Fala-se aqui em um “aparente” modelo de precedentes de forma propositada, hhja vista uma visdo bastante erftiea arespeito desta pretensa aproximecéo do di- rato brasileiro de um modelo de staredeeiss. Isto porque, em verdade, 9s c Gas denicas de uniformizagéo da jursprudéneia (simulas, simulas vinculan Tasso geral, reeursos repetitivos ineidente de resolugio de demands r Wdenire oulras) néo promovem Uma aproximagio do nosso modelo a um ver- Udadeiro sistema de Common Lav, maser werdace, implica a criago de urna “jabu tieaba® juridiea o que um dos autores do presente trabalho tem chamado de ‘Macmaima Law, expresséo essa cunhada no seguinte trabalho: RIBEIRO, Diego Dinu: O incidente de resolucio de demandas repetiivas: uma busea pels “common lew’ ou mois um institut para a coifeagio das devises judi ‘Juliana Costa Furtado, CONRADO, Paulo César (Orgs.).0 novo Ci ho dveto tributéra, Sao Paul Fiscosof, 2015.96. $30 TRIBUTARIO ANALITICO Contudo, para evitar a manutengao ou interposigao de agées judiciais infundadas e descabidas por parte do Estado, as Administracées Pablicas passaram a observar essas orien- tages definidas nos recursos representativos. I o que se ob- serva, por exemplo, com a edicao da Lei n. 12.844/2013, que incluiu dentre as hipéteses de nao contestacao e dispensa de recorrer as matérias decididas de modo desfavoravel & Fazen- da Nacional pelo STF e STJ, nos julgamentos representativos de controvérsia. Tal diploma legislativo também previu nes- sas situagées a dispensa da Receita Federal em constituir 0 crédito tributario (art. 19, IV e Ve § 4°, Lei n, 10.522/2002) Nao obstante, com 0 Cédigo de Processo Civil de 2015, essa is6es judiciais atuarem como fonte material idenciada com ainda mais veeméncia. Isso ada a possibilidade de modulagio de efeitos 1, na hipétese de alteragao de juris- prudéncia dominante “do Supremo Tribunal Federal e dos tri- bunais superiores ou daquela oriunda de julgameato de casos repetitivos. Tal disposicSo legal, portanto, expressamente (i) reconhece a capacidade criativa das decisbes de carter judica- tivo e, por conseguinte, (ii) a aptidao que tais decisées possuem em eriar expectativas juridicas validas e que, por eonseguinte, devem ser tuteladas pele ordenamento nacional. Ademais, foram identificadas outras decis6es us malmente tratadas come precedentes vinculantes além daque- las indicadas no texto constitucional. Tratam-se das decisoes proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelos Tribunais ‘Superiores de forma reiterada, de modo a sedimentar uma “ju- risprudéncia dominante”, bem como as decisées proferidas em iais for- 28, Art 927 (.) $3" Na hipétes de alteragd dejurisprudéncia dominante do Supre- —_—_—__ PROCESSO TRIBUTARIO ANAL{TICO casos repetitivos identificados no art. 928 do Cédigo, sejam nos incidentes de resolugao de demandas repetitivas (artigos {976 a987 do Cédigo) ou nos recursos especial ¢ extraord:ndrio repetitivos (artigos 1.036 a 1.041 do Cédigo), estes tiltimos seme- Ihantes aos antigos recursos representativos de controvérsia. Diante deste contexto, observa-se que foi positivado no Brasil duas formas de modulagdo de efeitos: na declaracao de inconstitucionalidade de lei/ato no controle concentrado e ‘quando da alteracao do entendimento indicado em preceden- te (pacificado em jurisprudéneia dominante anterior, no inei- dente de recurso representativo de controvérsia ou em sede de recurso repetitivo). |A modulagao de efeitos pode ser conceituada, portanto, ia passivel de ser ‘como uma téenica deci ‘excepcional para disciplinar situagées con: to uma norma, exclufda do ordenamento pela decisao, esteve vigente e operand efeitos. Poder ocorrer quando (i) uma norma tena sido declarada inconstitucional, para fins de ga- rantir, ainda que provisoriamente, 0 “estado de constitueiona- lidade” decorrente da vigéncia/eficacia desta norma” ou (ii) 29, “Art. 928. fins deste Codigo, eonsidera-c julgamento de casos repetiti- 405 a decisio proferida em: To inadente de resalucto de demandas pet II recursos especial eextraordindrio rep Pardprato nico, O julgamento de easosrepetitivos tem por objeto questc de direi- to material ou processual.” 20, Bo que aconteceu, ng, no caso do julgamento do 87217, eportunidade em que o STE en sede de controle cifuso, econbeceu a in aercitacnalidade do paragrafo Gnico do art. 6° da Lei Onginica do Musicipio de Stuastrela: no Estado de Sao Paulo. Referido Municipio aumentou, indevidamente, ‘nuinero de vagas para vereadores, em deseompassoentéo com a norma extaida do op IV da Consttuigao Federal. Ao ugar caso, Supremo recombeeet. a incons- {itucinaldade da norma, mas, poroilovolos a tres, modulou os efeitos de sua dec So pra a eleigbesseguintes,respetando os mandalos daqueles vereadares que jé fhaviem sido indevidamente empossados. Este 60 teor da ementa do julgada: TRECURSO EXTRAORDINARIO, MUNICIPIOS. CAMARA DE VEREADORES. CONPOSICAO, AUTONOMIA MUNICIPAL, LIMITES CONSTITUCIONAIS. NU- MERO DE VEREADORES PROPORCIONAL A POPULACAO. CE ARTIGO 29,1. APLICACAO DE CRITERIO ARITMETICO RIGIDO. INVOCACAO DOS PRINCI #108 DATSONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADEENTRE A 108 PROCESSO TRIBUTARIO ANALITICO na hipétese de alteragao de precedentes, de modo evitar uma ruptura abrupta de expectativas juridicas. __Atentando-se para 9s pressupostes de realizacdo dessa técnica, observa-se que tanto a Lei n. 9.868/99 como 0 Cédi- go de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) indicam que a mo- dulacio de efeitos deve envolver hipéteses excepcionais, que geram uma instabilidade para o sistema juridico por afetar a seguranga juridica ou o interesse piblico. Assim, primeiramerte, essencial que se atente para a ex- cepcionalidade do emprego da modulagao, com a dificuldade de sua repetigao indiscriminada, sob pena de ferir 0 ordena- mento juridico em maior medida do que proteger. Ademais, necessdric que este caso excepeional gere uma instabilidade no sistema por ferir a seguranga juridica e 0 teresse puiblico. Ainda que estas expressdes tenham sido in- dicadas no texto legal de forma geral e ampla, elas devem ser aplicadas considerando a prépria finalidade da técnica, qual seja, a de garantir a estabilidade do ordenamento juridico e as expectativas juridicamente validas. Nesse sentido, insta destacar que o termo i blico € aclarado pela doutrina do direito adminis diferencia 0 efetivo inteesse piiblico de toda sociedade (in- teresse piblico primario) do interesse particular do Estado (interesse ptiblico secundario). f que leciona Celso Anténio POPULAGAO E 0 NUMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, publi para ascegurar, em eardter de exceeio, efeitos pro futuro & declaragio inci- dental de ineonstitucionalidade. Reeurs extrardindrio conhevido¢ em part pro vido." (STE RE nS 197.917/SR Tribunal Pleno. Relator Min. Mauricio Cor Fea, Julgamento: 08/06/2002) 109 —_—_—_ —- PROCESO TRIBUTARIO ANALITICO Bandeira de Mello,” éegundo 9 qual o interesse primério en- volvea realizagao de politicas piblicas voltadas ao bem-estar socia, referenciando-se ao interesse da prépria sociedade, da coletividade como um todo. Tratam-se daqueles interesses li- gados aos préprios objetivos do Estado, que nao se referem a escolhas de mera conveniéncia de Governo, mas sim deter- minagées que emanam do texto constitucional, tal qual a pro- tecic de direitos fundamenta's dos cidadaos. Por sua vez, © interesse secundério decorre do fato de que o Estado também 6 uma pessoa jurfdica que pode ter interesses proprios, parti culares. Tratam-se daqueles interesses de eunho patrimoni tal qual o interesse de arrecacagao maior de tributos. Ora, uma vez que a modulagao de efeitos ¢ voltada a ga- rantir uma estabilidade do sistema juridico como um todo, evi- dente que essa técnica somente poderé ser aplicada em face do interesse puiblico primari de toda a coletividade. Por sua vez, a seguranca juridica possui os mais distintos aspectos que sao desconsiderados nas abordagens doutrinarias e jurisprudencial, como evidenciando por Humberto Avi 31. MELLO, Celso Antonio Bandeira ce, Curso de Direito Adménistratio, 33. ed. Séo Faulo: Saraiva, 2016, p. 65-70 42, Nese sentido: BUSTAMANTE, Themas da Rosa de. A Lei n° 886899 apossi- bilidade de estrigdo dos efeitos da declaracio de inconstitucionalidade. Inaplicab Tidade na Fiscallaagéo de Normas de Dire ari, Reviata Dialética fe Direito Tribwrio, So Paulo, n. 59, p. 113-123, ago. 2000; PIMENTA, Paulo Roberto Lyri. { atrbuigio de efeitos prospectivos & ceeiséo de inconstituconalidade em matéria Jhnarig om face da recente jurispradéncia do Supremo Tribunal Federal Revista Dialaica de Dieta Tyibutério, Sso Palo, n. 135, p. 38-45, dex, 2006. ivo,temporal, quantitatvo.e jurieiea, 4 ed. Sao Paulo: 10 PROCESSOTRIBUTARIO ANALITICO Como leciona Avila,* no Brasil, a Consti ‘igo Federal de roca, o texto constitucional busca garantir a seguranga como um valor a ser atingido dentro da superestrutura constitue-onal, destinado a garantir os estados de confiabilidade e calculabilidade do e pelo ordenamento ju- ridico baseado em sua cognoscibilidade (viés objetivo), e como direito fundamental, comos direitos e garantias favor do cidadao, frente co Estado (viés subjetivo). A depender do estado ideal de coisas realizado e de sua a seguranga jurfdica poder ser considerada jo, um subprinefpio ou um princi como pressuposto funcicnal para a produgao e a aplicacao do direito, nao podendo ser nunca afastado (razao su: generis). Como principio intermediério (eficécia indireta), poderé ser sobreprineipio quando assume uma posigao analitica acima dos ideais mais restritos visados pelos subprincfpios ou regras (como legalidade, irretroatividade, anterioridade e protecao da confianga) ou subprinefpio quando busca realizar um ideal mais amplo buscado por outros prineipios, como 0 Estado de ‘to. Quando no intermediar regra ou principio ( direta), sera um prinefpio com fungao eficacial integrativa. Para ser suscetivel de convocagao em conereto e atrair a modulagao de efeitos, a seguranca juridica a ser ferida é aque- la no viés objetivo, ie., quando houver um abalo dentro da a, da superestrutura constitucional, afetando os lade e calculabilidade do e pelo ordena- mento juridico baseado em sua cognoscibilidade. Importante salientar que a modulagao de efeitos de forma geral aqui tratada nao afasta a possibilidade (e necessidade) do 14.0p. cit Loe cit 5, AVILA, Humberto. Teoria da seguranca juridica. 4. ed. Séo Paul: ws seguranga juridica. 4. ed. Sio Paulo: Malheirs, p. ul PROCESSO TRIBUTARIO ANALITICO julgador avaliar a adequacao dos efeitos de uma decisio em ‘cada caso concreto, & luz do viés subjetivo do principio da segu- ranga juridica externado no principio da protegéo da confian- a,” passivel de resguardar, apenas, 0 cidadao e nao o Estado. Feitos estes apontamentos preliminares em torno da téc- nica decis6ria da modulagio de efeitos, adentra-se especifi- camente nas’ manifestagées doutrinérias em torno da possi- bilidade de aplicacdo da modulacdo de efeitos em favor dos interesses do Estado em matéria tributéria. 3. Posigées contrarias 4 aplicacio da modulacao de + efeitos em favor do Estado em matéria tributaria Atentando-se para a doutrina especifica que trata da mo- dulagio de efeitos em matéria tributdria, observa-se que a maioria dos autores se debrucam com maior intensidade na impossibilidade da adogao da técnica da modulagio de efeitos em favor dos interesses (secundérios) do Estado para os atos inconstitucionais tributarios, em razao da estrutura cons cional tributéria brasileira.” 36. Vids subjtivo do prinepio da seguranca Juridica, » protecio da confianea ¢ 0 texersiio da iberdade confiando na valdade, ou na aparéncia de validade,de urn ato (Goleaipa na atuogio) A intensidade da protegéo ser variéve, ade Sena dos reuisitos, sendo que a ausrcia de todos os elereniosimpl de protegao Ga conflanga (ponderagéo na aplicagn). (Op. et. p. 379 37, Ana Paula Oliveira Avila (A modulagdo de efeitos temporais pelo STF nocontrole de ‘onstitucioatidade: ponderagto e reas de argunentagio para a interpretagdo con- [Forme a Consituigio do art. 27 da Let 3.868399. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009), Humberto Avila Teoria da segaranca juridica. 4. ed, Séo Paulo: Malheiros, 2016), Misabe! de Abreu Machado Deri (Modifiengdo da. jurispradéncia no Direito Triturio, Séo Paulo: Noeses, 2009), Célio Armando Jarickeski (A Declaragso da 12 PROCESSOTRIBUTARIO ANALITICO Com efeito, os principais argumentos quanto impossibi- lidade da adogao da modulagao de efeitos em favor do Estado focam nos atos inconstitueionais, nao enfrentando frontal- mente a modulagao por modificagao de precedentes em favor dos interesses do Estado. _Os principais argumentos identificados para a nio apli- cagio da modulagio de efeitos em favor do Estado sao os seguintes: Y Dentro do sistema constitucional tributario, o contri- buinte € 0 Gnico destinatério das garantias do Estado e dos direitos fundamentais, sendo que a modula¢ao de efeitos sobre atos inconstitucionais vicla o princi pio do nao confisco, além de implicar na constriggo do direito fundamental de propriedade; A posigdo hipossuficiente® do contribuinte na rela- cdo juridica tributéria, sendo que o Estado possui 208), Palo Roberto LyrioPimenta (A modulagéo da eficdeia inconstiticionalidade da lei tibutiria ema controle dfiso. Grandes questes ata do Entretanto, pelo fato de nao estar vigente & époea da publieagio de iro, a autora ‘a nova previséotraxda no Cdigo de Processo Civil2015, ose have no Direta Tributsro, Séo Paulo: Noeses, 2009, p 607) 39, Termo utiizado por AVILA, Ana Paula Oliveira. A motuegdo de efeitos 113 PROCESSO TRIBUTARIO ANALITICO outros meios juridicos de se prevenir de uma decep- 165 a declaragéo de inconstitucionalidede de como a prépria alteragao da Constituigao ou da legislacio). Da mesma forma, o Estado possui 0 resguardo juridico para se prevenir do abuso de direito, da fraude, bem como possui em seu favor os tualmente garantir que ndo ser integral a restitui- io dos valores pages indevidamente com base nos tos e normas inconstitucionais; ficiente para a modulagao de efeitos; YA modulacdo gera um estimulo a inconstituciona- incentivado a editar atos inconstituci tos seréo mantidos posteriormente pelo Estado. ‘Em se tratando de atos inconstitucionais em matéria tri- butéria, estes argumentos possuem enorme peso, mas nao $40 suficientes para afastar a possibilidade de modulacao de efei- tos em favor do Estado, conforme sera exposto a seguir. temporas pelo STF no controle de constitucionalidade: ponderacdo e regras de argu- smentecao para a intepretagdo conforme a Consttuicdo do art. 27 da Lei 9.8689. orto Alegre: Livraria do Advogado, 20, 40. Neste ponto, fazendo uma relevante eritca ao préprio apontamento des valores {que respaldam esses pedides consequencalistas da Fazenda para a modalagéo de Celts, especiicamente quanto tese que serd enfrentada adiante da nao incluso fo TORS ha base de eéleulo do PIS e da COFINS, nos remetemos novamente & fbordagem de PISCITELLI, Tathiane; VASCONCELOS, Breno Ferreirs Martins, -MATTHIESEN, Maria Raphaela Dadora. ICMS na base do PIS/COFINS » a moc lagdode efeitos da decisdo do STF: o rss fiscal ea reconsirugio de um argument. [Revista de Diretetributdrio contempordneo, Ano 2. Vol 8, novedez, 2017 p. 17-48, 4 PROCESSOTRIBUTARIO ANAL{TICO 4, Amodulacio de efeitos em favor do Estado em ma- téria tributaria Neste t6pico, possivel identificar uma maior variedade de argumentos voltados & convocar a modulacéo de efeitos em favor dos interesses do Estado, tanto quanto ao ato inconstitu- cional, em especial para « possibilidade da modulagao quando confirmado um abalo orcamentario, como quanto & modifica- cao de precedentes. ‘Uma corrente, dotada de um discurso consequencialista ser de pronto afastada: trata-se da proposta . Esse entendimen- para quem a modu- lagio seria sempre cabivel na hipétese de dé! mesmo que envolva somente argumentos nao juridicos, e por ‘Antonio Alves Pereira Netto, para quem modulacao sempre manutencao das instituigées ou p veis pela concretizacio ce direitos fundamentais”, desde que garantido 0 contradit6rio e a ampla defesa no processo. Ainda quanto as consequéncias orgamentéries, observa- -se um entendimento intermediario proposto por Clara Mar- celle Alves Meneses, sustentando, com base na teoria dos sis- temas de Niklas Luhmann, que quando os dados econémicos ¢ financeiros sao veiculados no texto da Constituigao Federal, eles devem ser adi ‘ainda que de forma isolada, para fundamentar a modulacio de efeitos. Entretanto, além da au- tora ndo deixar claro quais seriam estes dados econdmicos e 41, FISCHER, Octavio Campos. Cs efeitos da declaracdo de incmsttwcimalidade no Direito Tributério brasileiro, Rio de Janeiro: Renova, 2004 42, PEREIRA NETTO, Antonio Alves. Modulagdo de efeitos em maria tributdria: andlise quanto aos fundamentos constitucionais © &: possibilidades de aplicacso. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 242 Clara Marcelle Alves. Modulagio das deciso ‘mo: Autopoiesis e 0 argumento exondmieo no controle de constituconalidade. Re- bist Juridica de Presdénca, Brisa, v.18 n. 115, . 485-458. jundst. 2016, 115, PROCESSO TRIBUTARIO ANALITICO financeiros que seriam juridieamente relevantes, néo trouxe argumentos para afastar o feto de que esses dados apenas ‘comporiam o interesse meramente patrimonial do Estado, ou seja, um interesse de carater secundario. Tiago da Silva Fonseca'* igualmente busea reforger esse discurso voltado a existéncia de um prinefpio da protecdo da confianga orgamentéria, com o direito do estado ao planeja- mento estatal e a possibilidade de modulagdo quando com- provado o estado de necessidade administrativo. Contudo, todos esses entendimentos encontram entrave no fato de serem questées meramente secundérias no interesse pu- blico estatal, que deve se voltar & protecdo dos direitos das cida- dof, sendo que o ordenamente jurfdico ¢ organizado com varios instramentos juridicamente positivados para a protecdo dos inte- resses secundarios do Estado, no sendo a modulacao de efeitos das cecisdes contra atos inconstitucionais um destes meics. Como desenvolvido acima, o mero prejuizo aos cofres pul cos se apresenta como uma justificativa que néo compoe resse ptiblico primério, nao sendo suscetfvel de invocar a aplica- do da modulacio de efeitos para fins de afastar a possibilidade de repetigio de indébito. Mesmo que o STF jé tenha indevida- mente se pronuneiado nesse sentido anteriormente,* esse enten- dimento distorce a ordem cons-itucional para atender apenas a0 anseio arrecadatério do Estado, o que nao se pode admitir. Ademais, caso hipoteticamente se admita que o prejuizo financeiro ao erdrio piblico enquadra-se no conceito de inte- resse piiblico primério, tal interesse se chocaria com outro, também de carter primario, qual seja, a supremacia da or- dem constitucional no ordenzmento juridico nacional. |4, FONSECA, Tiago da Silva, Protegto do contibuinte efazenda contra atos con- ttaditéios e modifiacio de jurisprudércia em diretotributirio. Revisia co PGRN. ‘Ano l,m. 1, p. 195-211, 2011. Disponive. em Acesso em 16 out. 2018, 45, Camo menelonado no tépico 1, no RE 560626, Relator Ministro Gilmar Mendes, ‘Tribunal Pleo, julgado em 1206/2008, Repereussio Geral - Mérito, DJe-282 publ- ‘ado em 05/122008, 116 PROCESO TRIBUTARIO ANALITICO Preservar a Constitui¢do Federal — 0 que também se faz por intermédio controle de constitucionalidade~é mister fun- damental em um verdadeiro e substancial Estado Democré- ‘ico de Direito. Sendo assim, a questao que fica é: no entre- choque desses interesses estatais qual deles deve prevalecer? Embora nao se defenda neste trabalho respostas prontas, ‘quer parecer que a supremacia constitucional deve prevale- cer, uma vez que 0 “rombo” financeiro do Estado pode ser preenchido de outras fo-mas, inclusive pela instituigao cons- titucionalmente valida de tributos. Ademais, esses pedidos fazendarios de modulacdo de efeitos sao formulados sem um levantamento de dados orga- mentarios transparentes que demonstrem 0 efetivo prejuizo sofrido ou mesmo a impo: lade de sanar esse “rombo” por outros meios. A necessidade do respaldo em dados con- cretos para confirmar um prejuizo or¢amentério catastréfico capaz de atingir toda a coletividade e invocar a modulagéo de efeitos é tracada com clareza por Tathiane Piscitelli, Breno ‘Vasconcelos e Maria Raphaela Mathiesen: 0 6 certo que oinstituto da modulagio de efeitos pressupse 4 protegio 20 interesse socal, como forma de evitar que as deci- s0es proferidas pelo STF gerem “catistrofes”, também, é certo {que o impacto financeiro eapaz de causé-las deve ser provado e fundamentado ccneretamente, inadmitindo-se assungdes ou cél- culos sem transparéncia, No jogo de ntimeros, cantudo,ofoco volta-se sempre a sensacio de caos provocada pelos riscos sociais que somas téo elevadas trariam & continuidade do Estado e nio & solide: e certeza das formagées que deveriam lastrar a excepeional modulagéo de efeitos das decisées proferidas pelo STE. Por via rellexa, dos contribuintes ¢ tolhido o dirito de restituir tributo reconhecidamente inconstitucional, porque a Fazenda lege, sem bases concretas e metodologia adequaca, que ever tual devolugao geraria impactos severos aos cofres pablicos." 46, PISCITELLI, Tathiane; VASCONCELOS, Breno Ferreira Mart ns; MATTHIE- ‘SBN, Maria Raphaela Dadona. ICMS na base do PIS\COFINS e « modulacéo de cleitos da decisto do STF o riseo fiscal ea reeonstrugio de um argamento, In: Re- visa de Diretotibutéri contempordneo. Ano 2. Vol. 9, now-dez, 2017. p35. 7 PROCESSO TRIBUTARIO ANALITICO Dito isso, s40 mais sélides aqueles argumentos desenvol- vidos no sentido de se aplicar a modulacdo de efeitos em favor do Estado quando da modificacao de precedente até entao fir- mado em sentido favoravel aos interesses estatais, Como desenvolvido, a modulacao de efeito poderé ser in- vocada quando houver um abalo dentro da ordem juridica, da superestrutura constitucional, afetando os estados de fiabilidade e calculabilidade do e pelo ordenamento j baseado em sua cognoscibilidade. Na perspectiva objeti seguranca juridica nao atinge apenas um sujeito ou outro (so- mente o Estado ou somente o cidadao), mas toda a colativida- de, em especial em um sistema juridico que leva a sério um modelo tripartite de Poderes. Nesse sentido, 0 Estado-Administragio ou Estado-Le- gislador, quando integra uma lide judicial, se apresenta como uma parte o ia, que deve observar as diretrizes fixadas pelo Poder Judiciario tal como 0 devem os cidadaos. As deci- sées proferidas geram a mesma expectativa em toda a coleti- vidade, inclusive no Estado-parte: (..) oque se quer aqui afirmar ¢ que existe um Bstadojuiz e um Estado-administragdo, sendo que os ates emanados do prime!- +9 sab a roupagem de uma decisio judicial, por serem aponiveis a tereciros e aptos a fazer coisa julgada, naturalmente geram ‘0s demais jurisdicionadas, dentre cs quais o ragaa Marcos Abraham* aponta exatamente os pronunciamen- tos judicativos do STF e do STJ como fontes de estabilidade do Direito, aplicavel tanto ao Estado, como para os cidadaos em geral. Espera-se que aqualas decisées sejam realizadas da 47. RIBEIRO, Diego Diniz. A modulagio de efeitos no controle de consttecionaida de om matériatrbatiria e a jurisprudéncia do STE. Revista Dialética de Direto ‘Tributério, Sdo Paulo, n- 178, p. 25, jul. 2010, 48. ABRAHAM, Marcus. Modulagio dos efeitos em caso de alterago da jurispru éncia tributéria dominante. RevisiaDialética de Direto Trbutério, Sée Paulo, n. 183, p 80-92, out, 2011, 118 PROCESO TRIBUTARIO ANALITICO mesma forma para todos sempre que os casos comparados (precedente e decidendo) apresentem uma analogia problem- tica® entre eles. Para sustentar seu argumento, parte da pre- missa que as decisbes judiciais configuram fontes materiais do Direito que orientam as condutas dos cidadaos e do Estado: {..) no particular momento em que o Direito brasileiro se encon- tra, em que a jurisprudéneia assume relevante pspel no ordena- mento juriico e ganha maior forca normativa e status de fonte do Direito Tributdrio, a sua vicissitude inevitavelmente erin in- sseguranca, tanto para o contribuinte quanto paraa Fazenda Pi- bilica, jé que ambos passam a conduzir a sua. conietdos eminentemente opostos passam a conti de sofrer questionamentos sobre a sua validade eet Assim, como qualquer cidado, o Estado se respalda nas decisées proferidas pelo Poder Judiciario, orientando seu comportamento em conformidade com os precedentes fixa- dos naquela seara enquento Estado-parte. Contudo, & luz do modelo abrasileirado de precedentes (art. 10 judicial que pode ser admi- aso deideno) so porque rei das anaoiag mates gu perm no omogéneo e no continuum de wridade qualitative iominante. Revista Dialética de Direto Tributary, Seo Paulo, 2. PROCESO TRIBUTARIO ANALITICO como aquelas formalmente proferidas pelo STF no controle concentrado de constitucionalidade ou retratadas em stmulas vinculantes, passa-se a igualmente admitir um caréter vincu- lante as decisées proferidas por este Tribunal reiteradamente, de modo a formar uma jurisprudéncia dominante, bem como nos recursos extraordindrios repetitivos. Da mesma forma sera a jurisprudéncia dominante proferida pelos ‘Tribunais Superio- res, dentre os quais o STJ, que igualmente emitird decisdo com cunho vineulativo nos recursos especiais repetitivos. Essencial frisar que, como afirma Humberto Avila," a inca de precedente somente ocorre quando a decisao ju- traz entendimento diretamente contrario de outra efi- caz, para questéo andloga, o que eventualmente ocorreré por conta do chamado overruling. Aqui, importante fazer um breve paréntese para frisar dois pontos fundamentais. Primeiramente, néo hé que se falar em modulagao de efeitos na hipotese de distinguishing, uma vez que nesta situa- cio néo hé a superagao de um precedente. Nesta particular hipétese, o precedente (indevidamente) suscitado nao teve a sua ratio convocada para a resolucdo do caso decidendo por inexistir uma aproximacio fatico-juridica entre os casos ana- logamente comparados. Em outros termos, a ratio deste pre~ cedente indevidamente convocado em concreto continuaré eventualmente contribuindo para a realizagao de julgamentos 51, AVILA, Humberto, Thoria da seguranca juridica. 4. ed, Séo Paulo: Malheiros, 2016, ptB2'S18 52, Instituto ese que agora estéexprestamente incorporado pelo ordenamento ju- Fidice nacional, conforme se observa de disposto no art. 489, § 1°, do CPC2015, im sj ela interlocut6- ‘VI ceivar de seguir enunciado de stimula, jurisprudéncia ou preeedenteinvocado pela sare, sem demonstrat a existinca de distinedo no caso em julgamento ou a Speragdo do entendimenta. (gefamos) 120 PROCESO TRIBUTARIO ANALETICO ulteriores, desde que nestes hipotéticos casos futuros haja uma similitude entre os casos comparados. Em segundo lugar, a convocacao do overrruling nao pode se justificar com a simples alteracdo da composizéo dos Tri- bunais ou a existéncia de um pretenso “fundamento” nao abordado no precedente entao formado: _Exigircoerénciae integridade quer dizer que o apleador ni pode dar o drible da vaca hermenéutieo na causa ou no recurso, do tipo “segundo minha consciéncia, decido de outro mato". julgador ‘io pode tirar ds manga do colete um angumento que sea incoe: rente-com aquilo que antes se decid. Também o jdgador nao pode ‘quebrara eadeiadiscursiva “porque quee” (ou “porque sit") Ressalte-se, ainda, cue o prinefpio do livre convencimento motivado nao da substraio para um uso irrestrito edescompro- missado do overruling, uma vez que essa liberdade nao € abso- uta, mas, ao contrério, é limitada por critérios jucidicos, den- tre os quais destacam-se os precedentes de carater vinculante. Assim, a figura do overruling deverd ser convocada quando de fato se constatar que um precedente firmado nao apresenta 58, ABBOUD, Geoges. STRECK Lénio. 0 NCPC e os precedentes~ afi, do que estamos falando?, Precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 176. ® por conseguinte,salvaguardara segurancajuriica PROCESO TRIBUTARIO ANALITICO mais sincronia com 0 atual contexto hist6rico e, portanto, nao serve mais como instrumento para a realizagao de conflitos de uma dada comunidade histérica. Trata-se, portanto, de medida excepcional que, se tratada metodicamente dessa forma, refor- ‘ard o também excepcional cariter da modulagao de efeitos. Sob esta perspeetiva, observa-se que em especial ne novo contexto normativo no qual se insere o Brasil apés 0 Cédigo de Processo Civil de 2015,* 0 Estado pode sim ser beneficiado ‘com ama modulagao de efeitos na hipétese de m 1, quando esta alteragao tenha lade que abale o ordenamento juridico. Isso cocotrerd quando o Estado tenha observado precedente ante- rior, que Ihe era favoravel, sendo que a auséncia de modula- ao poderé implicar o proprio deserédito do Poder Judiciario. & © que ocorreu, por exemplo, no julgamento do RE 598.849, no rito de repercussio (representativo de controvérsia/ repesitivo),® no qual o STF alterou sua jurisprudéncia anterior firmada em Aco Direla de Inconstitucionalidade, ensejando a modilacao de efeitos em favor dos interesses do Estado. Naquela oportunidade foi alterado 0 entendimento da Corte quanto a interpretacéo do art. 150, §7° da CE/88 firmado anteriormente na ADI 1.851" ro sentido de que “o fato gerador presumido, por isso mesmo, no é provisério, mas definitivo, nao dando ensejo a restituigao ou complementacao do imposto 55. Nio que o CPC?2015 tenka inauguraso normativamente a po io em favor da Fazenda Pablica. Oque oreferido Codex fez dade. Nesse sentido, incisive, ¢a conclusio aleangada lator Minstro Edson Fachin, Tribunal Pleo, julgad em 191072016, 0 Dde-068 05/04/2017. 1 Gab, Tribunal Pleno, julgado em 0405/2002, 51, ADI 1851, Relator Minst 2202. D5 20112002 republieagio DJ 122 os PROCESO TRIBUTARIO ANALITICO pago, sendo, no primeiro caso, na hipétese de sua nao realiza- cao final”. Esta decisio transitou em julgado em 09/05/2003. No novo julgamento, 0 tribunal alterou se posiciona- mento para fixar a tese no sentido de que “é devida a restitui- cdo da diferenga do Imposto sobre Circulagao de Mereadorias ¢ Servicos ~ ICMS page a mais no regime de substitui¢dio butaria para a frente se a base de célculo efetiva da operacao for inferior & presumide”. Uma vez que o Estado de Minas Gerais, no caso, respal- dou seu comportamento em pronunciamento consolidado pelo STF na referida ADI, a sua simples revogacio, de forma retroativa, implicaria em uma verdadeira instabilidade do sis- tema de forma geral, denotando que nao se pode respaldar nas decisdes proferidas pelo Poder Judiciario, Sob esta perspectiva que foi cabivel a modulagao em fa- vor dos interesses do Estado de Minas Gerais, como sustentou © Ministro Luis Roberto Barroso ao acompanhar 0 Ministro relator Edson Fachin naquela oportunidade: MODULACAO DOS BFEITOS lima e necessiria a mudanca de arientagéo Dilidade e a pre as devem sempre ser levadas em conta na fixagio dos efeitos temporais do novo fentendimento, 2m maléria tributéria, particularmente, tenho sustentado que, como regra, a mudanga da jursprudéncia da Corte equivale verdadeiramente & criagio de diteto novo e, por tal razio, nfo pede operar efeitos retroativos 17, Assim, em casos como o que se apresenta para julgamento, ‘em que se estaré promovendo uma mudanea ¢a interpretagio

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