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UNIDADE TEMÁTICA 1: Fenómeno Financeiros (Factos e Normas)

CAPÍTULO I - CONCEITO DE FINANÇAS PÚBLICAS

1.O Estado e Sua Actividade Financeira

Objectivos:

No fim desta unidade, você deverá ser capaz de: Conhecer e compreender o âmbito das finanças
públicas; diferenciar finanças públicas de finanças privadas; explicar a noção de Direito
Financeiro, suas fontes e sua natureza; caracterizar a actividade financeira do Estado; conhecer o
objecto das Finanças públicas; conhecer os princípios que regem o Direito Financeiro.

1.1. Conceito de Finanças Públicas

O Estado pretende que sejam satisfeitas determinadas necessidades colectivas e para tal propõe-
se produzir bens; mas a produção de bens implica despesas; o Estado precisa portanto, de obter
receitas para cobrir essas despesas, isto é, precisa de dinheiro, de meios de financiamento. De
forma resumida podemos afirmar que o Estado para satisfazer as suas necessidades (despesas)
precisa de meios, recursos (receitas). As finanças públicas gravitam em torno de duas actividades
fundamentais: a de gestão dos dinheiros públicos, ou seja, a actividade de gestão financeira
pública; e a de controlo dos dinheiros públicos, mais precisamente, a actividade de controlo
financeiro externo (gestão e controlo dos dinheiros públicos).

Quando falamos de Finanças Públicas significa que estamos diante de uma actividade económica
de um ente público tendente a afectar bens á satisfação de necessidades que lhe estão confiadas.
Esta posição é defendida pelo professor António de Sousa Franco. Para que se possa falar de
finanças públicas é necessário que exista um poder político organizado, é esta existência que vai
permitir pôr de pé o poder coactivo e determinar quais as despesas que vão ser satisfeitas e as
receitas que vão ser recolhidas. Sem um poder coactivo as pessoas não pagariam impostos de
livre vontade, dando assim origem a um desacato total as ordens. A palavra finanças tem origem
no latim finis, que significa termo, fim, prazo ou fronteira. Etimologicamente tem-se em
consideração que na actividade financeira lidamos com o cumprimento de obrigações que têm
um prazo de amortização. Nesse sentido, a palavra originária tem a ver com a actividade de
financiamento da economia. Por extensão, as finanças públicas relacionam-se com o

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financiamento público da economia. Na encruzilhada entre as decisões sobre a satisfação das
necessidades colectivas e o prosseguimento do interesse público encontramos o fenómeno
financeiro público e as finanças públicas.

1.2. Finanças Públicas e Finanças Privadas

Importa fazer uma distinção entre as finanças públicas e as finanças privadas, conforme o quadro
a seguir.

FINANÇAS PÚBLICAS FINANÇAS PRIVADAS


As Despesas influenciam as Receitas As Receitas influenciam as Despesas
Bem-estar social Prossecução do lucro
Poder de autoridade /jus imperium São consensuais

1.3. Acepções da expressão “finanças públicas”

Existem três vertentes em que se tem sido perspectivado o objecto da Ciência das Finanças
Públicas: jurídica, económica e sociológica ou política. O primeiro conceito de Ciência das
Finanças, que se impôs nos primórdios do séc. XX, pode resumir-se na seguinte definição “o
estudo dos meios pelos quais o Estado promove a obtenção dos recursos necessários à cobertura
das despesas públicas e reparte o correspondente encargo pelos cidadãos”. A expressão
finanças públicas pode ser utilizada em três sentidos fundamentais:

1- Sentido Orgânico - fala-se de finanças públicas para designar o conjunto de órgãos do Estado
ou de outro ente público, incluindo a parte representativa da administração pública, a quem
compete gerir os recursos económicos destinados a satisfação de certas necessidades sociais (por
exemplo o Ministério das Finanças).

2- Sentido objectivo- Designa a actividade através da qual o Estado ou outro ente público afecta
bens económicos a satisfação de certas necessidades sociais.

3- Sentido subjectivo- refere a disciplina jurídica que estuda os princípios e regras que regem a
actividade do Estado com o fim de satisfazer as necessidades que lhe estão confiadas.

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1.4. Fenómeno Financeiro

1.4.1. Noção

Torna-se necessário garantir a satisfação de necessidades sociais por entes públicos em virtude
de o mercado, só por si, espontaneamente, não assegurar a compatibilidade entre eficiência e
equidade. A actual economia de mercado tem diversas limitações que se prendem com a
desigualdade na distribuição da riqueza, a instabilidade na provisão de necessidades, o custo
crescente dos serviços públicos, as situações monopolísticas abundantes e crescentes, a
existência de exterioridades, bem como a má distribuição de bens públicos e de recursos entre o
presente e o futuro. Por isso, torna-se indispensável aperfeiçoar os meios de regulação pública
relativamente à economia, a fim de assegurar um equilíbrio entre a concorrência e uma justa
distribuição de recursos. A economia de bem-estar pressupõe sempre a consideração não só das
necessidades individuais, mas também da coesão social. É preciso ter em consideração o que
Arthur Cecil Pigou (1877-1959), da escola de Cambridge, dizia sobre o bem-estar económico.
Esse tema tornou-se hoje, de uma importância crucial, uma vez que as despesas públicas têm de
ser limitadas, em razão da equidade intergeracional, não podendo esquecer o resultado em temos
de qualidade de vida dos cidadãos, harmonizando equidade e eficiência.

O objectivo natural da actividade económica corresponde ao aumento geral do bem-estar, que


depende, por sua vez, de duas condições essenciais: o aumento do rendimento nacional e a
distribuição desse rendimento. Num momento em que o endividamento atingiu níveis
incomportáveis, é essencial ponderar com especiais cautelas custos e benefícios não
formalmente, mas atendendo à vida das pessoas concretas e às respectivas necessidades
humanas. O Estado, para A. C. Pigou, deve intervir, assim, através de meios tributários e outros,
no sentido de corrigir a distribuição de rendimentos. Mas corrigir não pode significar qualquer
dirigismo ou limitação da livre iniciativa e do direito de propriedade. Para cada sujeito
económico o ponto óptimo de oferta de bens públicos é aquele em que a utilidade marginal dos
bens públicos é igual à desutilidade marginal do imposto. Importa, pois, ter sempre em
consideração a relação entre o pagamento de impostos e a provisão de bens públicos. Deste
modo, A. C. Pigou considera que o aumento do bem-estar económico pode não traduzir-se em
bem-estar social. Este exige, em abstracto, a igualdade entre todos, porque só então seriam iguais
as utilidades marginais de todos os sujeitos económicos. No entanto, tal igualdade não existe de

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facto, além de pôr em risco a liberdade individual. Por outro lado, a manutenção de níveis
elevados de poupança afectaria o bem-estar económico. A distribuição da carga fiscal deve
assentar nos princípios segundo os quais: (a) os desiguais devem ser tratados desigualmente, de
acordo com uma diferenciação positiva e (b) a redução das desigualdades aumenta o bem-estar
geral. Neste sentido, o imposto deve ser repartido segundo as capacidades contributivas dos
cidadãos devendo as despesas públicas serem postas ao serviço da justiça distributiva.

Nesta ordem de ideias A. C. Pigou procurou formular um óptimo social, correspondente ao


máximo de benefícios para a comunidade, procurando precisar em que condições a perda de
utilidade para alguns membros pode resultar em melhoria do bem-estar social do conjunto.
Portanto para Pigou a definição das condições de optimização da afectação e repartição de
recursos seria alcançada quando se verificassem simultaneamente duas condições: a
maximização do rendimento nacional e a maximização dos recursos afectos aos mais
desfavorecidos. O fenómeno financeiro que estudamos concretiza-se através de instituições
financeiras públicas. Com efeito, para garantir um equilibrado provimento das necessidades
sociais os Estados modernos dispõem de instituições financeiras de enquadramento, que são
modos de natureza constitucional, legislativa ou orgânica que visam racionalizar e controlar o
processo social de exercício da actividade financeira pública. As principais instituições
financeiras de enquadramento são: a Constituição Financeira; os órgãos de decisão financeira
(Assembleia da República, Governo, Autarquias locais etc.); o aparelho orgânico da
administração e gestão financeira (v.g. Ministério das Finanças); os planos financeiros relativos à
previsão, execução, controlo e responsabilidade financeira (Orçamento do Estado, Grandes
Opções do Plano); o património público; o tesouro público; o crédito público.

1.5. O Direito Financeiro

1.5.1 Noção Historicamente o direito financeiro é originário da teoria do fisco do Direito


Romano onde, sob um regime do Estado-Polícia o fisco era considerado uma pessoa jurídica de
Direito Privado.

O direito financeiro é um Ramo do Direito Público que trata da captação e da gestão dos
recursos económicos com que os órgãos públicos contam para o desempenho de sua missão. Da
mesma forma que qualquer cidadão, o Estado carece de numerário para satisfazer às suas

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necessidades de realizar obras e prestar serviços à sociedade. Dai a importância do Direito
Financeiro.

Direito Financeiro é o conjunto de normas que regula as relações entre o Estado e os cidadãos e a
actividade da própria administração financeira na gestão dos recursos públicos, normas que são
dominadas por preocupações de garantia dos direitos dos privados ou de afirmação do interesse
público, justificativas da introdução de soluções diversas daquelas que caracterizam o direito
privado. Este conjunto de normas atende a dois valores fundamentais: a protecção dos direitos
individuais e a tutela do interesse colectivo. Também o Direito Financeiro tem como objectivo o
estudo dos princípios jurídicos da actuação estatal que consistem na obtenção de recursos
financeiros para custear as despesas públicas.

Pode-se afirmar que, didaticamente o direito financeiro é elaborado e estudado organicamente,


de modo unitário e segundo uma coordenação sistemática de seus princípios estruturais.

1.6. Fontes do Direito Financeiro

Fonte do Direito financeiro é o conjunto de normas, preceitos e princípios que compõem o


ordenamento positivo das finanças públicas. A fonte principal do direito financeiro é a
constituição financeira. As fontes principais são emanadas do Poder legislativo: a lei ordinária,
tratados, convenções, etc. As fontes secundárias são as de complementação das principais,
constituídas pelos actos dos órgãos do Poder Executivo: decreto, regulamento, resolução, etc.

As Fontes podem ser formal ou material. Do ponto de vista formal a Constituição Financeira não
exauri as normas expositivos formalmente inscritas no texto supremo.

Há certos princípios, que embora não explícitos têm natureza constitucional. Toda matéria que
fala sobre as limitações do Poder de tributar, é uma fonte em sentido material.

A actividade financeira é o conjunto de acções do Estado para obtenção da receita e a realização


dos gastos para o atendimento das necessidades públicas. Os fins e os objectivos políticos e
económicos do Estado só podem ser financiados pelos ingressos na receita pública.

A arrecadação dos impostos, taxas e contribuições constitui o principal item das Finanças
Públicas receita. Com os recursos obtidos, o Estado suporta a despesa necessária para a

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consecução dos seus objectivos. Por exemplo: o pagamento da folha de vencimento e salário dos
seus servidores civis e militares, a contratação de serviços de terceiros dentre outros. A
actividade financeira é exercida pelos entes territoriais e respectivas autarquias, que se
enquadram na noção de fazenda pública.

O Estado intervém em quase todas as actividades humanas, cresce de importância o estudo das
necessidades públicas. Desde o início, o ente estatal dirigiu suas actividades para suprir as
chamadas necessidades públicas. O conceito de necessidade pública e de bem comum varia
muito conforme o tempo, o estágio de desenvolvimento e especialmente a vontade do governante
que está no poder. É aquela necessidade que o Estado vai satisfazer, ou seja, aquela que
prioritariamente vai atender. Um ideal de promover o bem-estar, o desenvolvimento das
potencialidades e a noção do que seja bem comum constituem finalidade do Estado.

Assim, exerce uma actividade política, jurídica, de segurança, etc., da mesma forma o homem
mantém inúmeras actividades sociais, de lazer, culturais. Entre estas actividades exerce funções
comuns, que é a Actividade Financeira, a procura de meios para satisfazer as necessidades
públicas. Entende-se por actividade financeira do Estado o conjunto de actos voltados para a
obtenção, gestão e aplicação de recursos pecuniários nos fins perseguidos pelo Poder Público.
Caracteriza-se pelo instrumental necessário à obtenção de recursos, visando à viabilização do
atendimento e à satisfação das necessidades públicas. Pode-se arrolar, entre outras, as seguintes
responsabilidades estatais cujo atendimento demanda recursos pecuniários: manutenção da
ordem, solução de litígios, prestação de serviços públicos, fiscalização de actividades e
realização de acções sociais nos campos da saúde e educação. Entre as actividades que o Estado
desenvolve, tutelando necessidades públicas, algumas são essenciais (segurança pública,
prestação jurisdicional, etc.) outras complementares, protegendo itens secundários, exercidas
através de concessionárias. Mas, de uma forma ou de outra e seja qual for o conceito de
necessidade pública do momento, é facto que para prestar os seus serviços o Estado necessita de
recursos financeiros. Consta que, de início, os recursos utilizados eram do próprio ente estatal,
mas com o aumento das necessidades foi necessário avançar no património particular, cobrando
tributos e tarifas ou confiscando bens. Além de suas duas actividades, a jurídica e a social, o
Estado, sob a óptica tributária, desempenha a actividade-meio, que consiste na obtenção, na
gestão e no dispêndio de recursos, e a actividade-fim, que consiste na busca da satisfação das

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próprias necessidades e das necessidades da colectividade. A actividade financeira do Estado
consiste na obtenção de recursos (receitas), bem como em sua gestão e aplicação (despesas), de
forma a garantir o funcionamento do aparelho estatal e a realização de suas metas, visando à
satisfação das necessidades da colectividade, pois há actividades Estatais indelegáveis (ex.
segurança), outras podem ser desenvolvidas por concessões.

Assim concluímos que a actividade financeira do Estado, é aquela voltada a obter, gerir e aplicar
os recursos financeiros à realização do bem comum. É eminentemente política visando
determinar qual objectivo vai ser perseguido prioritariamente pelo Estado, de acordo com o seu
Orçamento Público, uma vez que o Estado não pode atingir todas simultaneamente.
Características da actividade financeira Os fins a serem alcançados pelo Poder Público estão
indicados ou institucionalizados em inúmeros diplomas legais ou instrumentos jurídicos.

Pode-se encontrá-los já na Constituição e em incontáveis leis infraconstitucionais. Neste campo,


a lei orçamental assume papel de extremo relevo. Afinal, a chamada "lei de meios" cumpre a
missão básica de definir com razoável nível de precisão em quais actividades os recursos
públicos serão aplicados a cada ano. Há que se destacar o carácter instrumental da actividade
financeira do Estado. A obtenção de recursos e a realização de despesas não constituem um fim
em si mesmo. O Estado deve legitimar-se pelas políticas e objectivos que implementa ou que
quer realizar. Entretanto, apesar de instrumental, a actividade financeira não é neutra a valores e
princípios jurídicos. A justiça faz-se, também, pela fiscalidade e pela redistribuição de rendas. E
os objectivos intervencionistas e regulatórios instrumentalizam-se através do fenómeno da
extrafiscalidade, o que desloca o móbil da acção estatal do significado fiscal-arrecadatório
imediato para outro valor, eventualmente tido como mais importante (exemplo: a oneração
tributária em determinado segmento económico, no campo da extrafiscalidade, é entabulada com
vistas à inibição de seu crescimento).

O fim da actividade financeira é a realização dos serviços públicos e o atendimento das


necessidades públicas, ou seja, as necessidades colectivas sob a incumbência do poder político,
insertas no ordenamento jurídico (constituição e leis). Tudo aquilo que incumbe ao Estado
prestar, em decorrência de uma decisão política, inserida em norma jurídica, é necessidade
pública. Diferentemente das necessidades colectivas, as públicas são as que envolvem aquilo que
incumbe ao Estado prestar, em decorrência de uma norma jurídica. Ou seja, há a necessidade de

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uma decisão política anterior, que torna jurídico determinado interesse geral, atribuindo deveres
ao Estado que, assim, legitima-se perante a sociedade. A prestação dos serviços públicos e o
exercício do poder de polícia, além das hipóteses de intervenção no domínio económico, são
exemplos de atribuições estatais que se mantêm, realizam-se e são potencializadas, segundo o
crescimento da actividade financeira do Estado. Mas a ideia de concepção de Estado que se
possui também dimensionará a eleição de necessidades de interesse geral.

O Direito Financeiro trata justamente do regramento jurídico da actividade financeira do Estado.


Diz-se que o Estado exercita apenas actividade financeira, como tal entendido o conjunto de
actos que o Estado pratica na obtenção, na gestão e na aplicação dos recursos financeiros de que
necessita para atingir os seus fins. De uma forma sumária pode afirmar que o fim da actividade
financeira é a escolha das necessidades colectivas (através da criação de leis que é o princípio da
estrita legalidade) em contraposição aos interesses particulares.

Considerando que o Estado tem necessidades, as mesmas podem ser agrupadas em três as
necessidades básicas, nomeadamente: Prestação de serviços públicos; Exercício regular do poder
de polícia (limites e disciplina interesse ou liberdade, acto ou facto em razão de interesse
público); Intervenção do domínio económico (através do processo de criação de leis e impedindo
o abuso do poder económico, ficando o Estado com o poder de regular a economia). Existem
alguns princípios constitucionais que regem o Direito Financeiro, nomeadamente: Estrita
legalidade: somente a lei pode criar direitos e deveres; Anualidade: tem dois significados: lapso
temporal de vigência da lei orçamental e pré requisito para cobrança de tributos; Universalidade:
obrigatoriedade de registo de todas as despesas e receitas públicas; Unidade: trata-se de uma
unidade de objectivos a serem atingidos, e não mais documental; Exclusividade matéria
orçamental: Proíbe a existência de dispositivos que não sejam as receitas e despesas no
orçamento; Proibição de Estorno: veda a transferência de recursos sem previsão legal;
Especialização: determina especificamente a origem das receitas e o destino de gastos ou
despesas; Publicidade: somente com a publicação se torna obrigatória.

1.7. Natureza

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Assim entendido, o Direito Financeiro abrange um conjunto variado de matérias, incluindo
Orçamento; Receita Pública; Despesa Pública e o Crédito Público. O Direito Financeiro é um
ramo de DIREITO PÚBLICO, pois cuida de relações entre sujeitos colocados não em pé de
igualdade, tomando em consideração os critérios de distinção entre Direito Público e Privado.
Relativamente a matéria regulada pelo Direito Financeiro, o Estado aparece numa posição de
supremacia em relação aos particulares, portanto cabe ao Estado definir as regras relativas a
receita, a despesa e ao orçamento considerando as suas necessidades para a satisfação das
necessidades públicas.

1.8. Relações com outros Ramos de Direito

A autonomia do Direito Financeiro não se opera de forma absoluta, posto que não se isola dos
demais ramos do direito, com eles estabelecendo constante relações. Com o Direito
Administrativo, o entroncamento com o Direito Financeiro dá-se pela missão daquele, por seu
caráter instrumental, de viabilizar as acções no âmbito deste, voltado que está o estado para a
actividade finalística da prestação de serviços, poder de polícia e gestão dos bens públicos.
Enquanto o Direito Financeiro se ocupa em obter os recursos necessários para fazer frente às
despesas estatais, o Direito Administrativo operacionaliza de forma executiva e finalística o
funcionamento do Estado.

Com o Direito Fiscal bem nítido é seu relacionamento na medida em que cuida das receitas
derivadas decorrentes dos tributos, os quais constituem os fluxos mais substanciais de recursos
públicos. O Direito Económico relaciona-se com o Direito Financeiro por meio da
economicidade que a ambos informa. Para o Direito Financeiro, apenas os bens que representem
alguma utilidade económica têm utilidade para o tesouro, ao passo que o postulado da
economicidade no Direito Económico volta-se para a disciplina da política macroeconómica, dos
grandes agregados, observados pelo prisma do custo/benefício, balanço, de regra, empreendido
na aplicação do princípio da proporcionalidade em sentido estrito. O Direito Internacional
Público, como conjunto de normas que disciplina as relações jurídicas entre Estados e entidades
internacionais, guarda contacto directo com o Direito Financeiro na medida em que os tratados,
uma vez internalizados em nosso ordenamento têm força de lei, bem como mantemos relações
financeiras com Fundo monetário internacional e o Banco Mundial, os quais podem fazer
empréstimos `a República de Moçambique pessoa jurídica de direito público externa. A

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Constituição financeira Moçambicana A constituição da República nos artigos 126 e seguintes
comporta orientações fundamentais quanto a utilização dos instrumentos financeiros a que o
legislador constitucional quis vincular quer o legislador ordinário, quer os futuros responsáveis
pela gestão financeira. Desde logo o legislador faz vincular as decisões financeiras do Estado ao
plano que tem como base um programa quinquenal de governo, artigos 128 e 129 CRM.

Estabelece as regras do orçamento, bem como os órgãos que o fiscalizam, artigos 130 e 131
CRM. Para além das disposições acima, que podemos considerar o núcleo duro da Constituição
financeira, podemos elencar decisões de política económica que influenciam na decisão
financeira, o reconhecimento e garantia da propriedade privada (artigo 82 CRM). O
estabelecimento do Estado como único detentor do direito de propriedade sobre a terra (artigo
109), o reconhecimento da existência do sector público coexistindo com o sector privado (artigo
99). Sendo ainda importante realçar o papel do Estado na garantia de educação e saúde para
todos, segundo critérios de justiça social (artigos 113 e 116 CRM).

Leitura Complementares a leitura dos textos indicados, a seguir, é de fundamental importância


para a compreensão de nossos estudos e para a realização das actividades propostas para esta
primeira unidade de estudo. Portanto, não deixe de estudá-los. Watty, Teodoro Andrade,
Introdução as Finanças Publicas e Direito Financeiro, – Maputo 2004 Franco, António de Sousa,
Finanças Públicas e Direito Financeiro,4ª ed. Coimbra 2002.

Exercícios Práticos:

1.A expressão Finanças Públicas pode ser utilizada em três sentidos fundamentais.”

a) Diga quais são e fale resumidamente sobre cada um deles.

2) Estabeleça a diferença entre Economia Privada e a Economia Pública, tendo como base o
conhecimento sobre o conceito de Economia Social.

3) “ A actividade económica, entendida como o processo orgânico de satisfação de necessidades


humanas mediante a afectação de bens materiais raros afins alternativos, a sua relação pode ser de
três tipos principais.”

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a) Diga quais são os tipos de relações existentes e suas diferenças.

4) Enuncie as características típicas dos bens colectivos.

5) “A provisão de bens públicos pode e deve ser feita pelo estado por diversas razões que se perdem
com o interesse geral.” Comente esta afirmação.

Correcção dos exercícios

1. A expressão Finanças Públicas pode ser entendida em três sentidos, que são:

a) Sentido Orgânico; b) Sentido Objectivo; e c) Sentido Subjectivo

2. A economia privada é o sistema que se baseia no livre comportamento dos agentes económicos e
em equilíbrios, por eles, livremente estabelecidos, de acordo com os seus próprios interesses, mas
conformados com transparência, e tem como instrumentos fundamentais, os contratos e como
instituição básica de apropriação dos bens produtivos ou de consumo, a propriedade privada.
Enquanto a economia pública assenta, na existência de uma solidariedade organizada e dotada de
poder político, numa lógica de direcção económica mais ou menos planeada, com formas de
apropriação dos bens pela sociedade através dos órgãos políticos e juízos colectivos de utilidade.

3. A actividade económica entendida, como acima se refere, pode ser entendida como:

Ordenação económica; Intervenção económica; e Actuação económica

4. As características típicas dos bens colectivos são as seguintes:

Prestam, pela sua própria natureza, utilidades indivisíveis e proporcionam satisfação passiva
(independentemente da procura no mercado: esta caracteriza a satisfação activa). São bens não
exclusivos, já que não é possível privar alguém da sua utilização. São bens não emulativos, isto
é, os utilizadores não entram em concorrência para conseguir a sua utilização.

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5. Dizer que é um facto que a provisão dos bens públicos tenha que ser realizado pelo estado,
porque ele tem como perspectiva o interesse geral, ou, pelo menos, os seus órgãos e os detectores
do poder confrontam-se com o conjunto da sociedade a luz de critérios de intervenção geral;
Dispõe também de poder de autoridade para impor regras de utilização e funcionamento dos
bens, e ter por via de regra, em cada comunidade, uma dimensão que lhe possibilita empreender
esforços que não estão ao alcance de instituições ou pessoas privadas e que a comunidade
inorgânica não pode resolver com êxito.

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CAPÍTULO II - FINANÇAS, DOUTRINAS E SISTEMAS ECONÓMICOS

Neste capítulo o estudante será capaz de:


Entender as relações existentes entre finanças públicas e os sistemas económicos – sociais,
tomando em consideração, que pela sua própria definição a actividade financeira configura-se de
forma diferente, consoante o sistema económico em que se concretiza.

1. AS FINANÇAS PÚBLICAS E OS SISTEMAS ECONÓMICO-SOCIAIS a) Sistemas e


estrutura

I. Pela sua própria definição a actividade financeira configura-se de forma diferente, consoante o
sistema económico-social em que se concretiza.

Importa precisar - muito brevemente - o que se entende por sistema económico abstracto,
estrutura económica e sistema concreto, Temos de partir, para os definir, da noção fundamental
de sistema - um conjunto de elementos unidos por um conjunto de relações. Os sistemas
económicos, em geral, são formas típicas e globais de organização e funcionamento da sociedade
em geral (sistemas sociais) e da sua actividade económica em especial. Os sistemas
socioeconómicos são inspirados por concepções valorativas da sociedade (doutrinas ou, na sua
versão sintética e orientada para a pratica social, ideologias) e são condicionados pelas estruturas
sociais (naturais, socioculturais, políticas, económicas), cujos modelos de organização são bem
diversos. Por sistema abstracto entendemos um tipo ideal de organização e funcionamento de
uma sociedade, que pode estruturar-se, em princípio, de harmonia com duas ideias distintas: a
ideia de economia descentralizada livre e a de direcção central total. Tanto umas com outra
correspondem, em qualquer caso, a princípios abstractos puros, já que nunca existirá uma
economia completamente livre de qualquer orientação ou intervenção central; nem, por outro
lado, há uma total direcção estatal. Os sistemas abstractos confrontam – se precisamente com
realidades concretas, que são as estruturas sócio -económicas. Por estruturas socioeconómicas
entendemos a forma como configuram numa dada economia, quer os seus elementos extra-
económicos (condições geográficas, demográficas, institucionais, etc.), quer os elementos
económicos permanentes: as estruturas da produção, da repartição, da circulação e do consumo
(estruturas económicas). Um último conceito a reter é o do sistema concreto - tipo de
organização e funcionamento da actividade económica, suficientemente diferenciado dos outros

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e aplicável em diferentes estruturas. Trata-se aqui de escolher um determinado número de
características que se consideram suficientemente típicas para caracterizar o sistema e, no
entanto, suficientemente genéricas para serem aplicáveis a várias economias concretas. É neste
sentido que se pode falar em economias capitalistas (ou de mercado), usando um conceito que
cobre uma gama de situações muito distintas, mas que tem de comum um certo tipo de
instituições típicas e leis económicas fundamentais.

Definido o sistema económico, importa ver como se caracterizam os fenómenos financeiros nos
grandes sistemas concretos.

Sistemas pré-industriais e sistemas da sociedade industrial


Para efeitos de delimitação dos sistemas económicos concretos, a rotura fundamental estabelece-
se em torno da revolução industrial, que constitui um marco de separação histórica para a
sociedade moderna, na medida em que veio introduzir profundas alterações nas instituições, nas
técnicas e até na forma vital e psicológica como as pessoas encaram a actividade económica.

Temos de optar aqui em exclusivo pelos sistemas saídos da revolução industrial, embora se
aconselhe vivamente o estudo dos sistemas prê-industriais16; o da economia dominial, com
caracteres de arcaísmo social e cultural e de direcção central do processo económico (patentes
quer na economia tribal quer na feudal) e o da economia urbana (tanto no modelo de economia
greco-latina como nas economias nacionais do século XV ao século XVIII europeus e em
diversas economias mais evoluídas extra-europeias·.
A revolução industrial produziu modificações fundamentais nas técnicas de produção, nas
mentalidades, nos comportamentos e nas instituições económicas. É a partir dela que pode falar-
se nos actuais sistemas económicos dominantes: capitalismo e colectivismo - os quais, apesar de
todas as suas diferenças têm, entre si, alguns traços comuns, que correspondem aos caracteres da
sociedade industrial: trata-se de sistemas dominados pela predominância de idênticos factores
fundamentais, como a sujeição a uma tecnologia complexa, evoluía, dinâmica e integrada com o
saber científico, a existência de motivações hedonísticas e materialistas nos agentes económicos
e a adopção de atitudes económicas activas (predomínio da indústria e dos serviços sobre o
sector primário.

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Diferentes embora no espírito e na ideologia, sistema capitalista e sistema colectivista·. São
ambos modelos saídos da revolução industrial: não serão gémeos, mas São irmãos... Entre 1917
(revolução russa) e a «descolonização», que pode datar-se de 1989, o capitalismo foi dominante
e o colectivismo quis ser sua alternativa global. Hoje há ainda economias nacionais colectivistas
e economias mistas (de transição para o mercado); mas o mundo e dominado, mais do que nunca
o foi, por uma economia de mercado diferente (com forte presença do Estado em todos os
países).

2. 0 SISTEMA CAPITALISTA

a) Razão de ordem Trata-se do mais antigo dos dois sistemas directamente emergentes da
revolução industrial. A sua caracterização pode ser feita por uma série de traços
individualizadores: (1) Existência de um conjunto de instituições jurídico-sociais típicas. (2) Um
conjunto de princípios e leis económicas fundamentais, que regulam o funcionamento da vida
económica. (3) Um móbil específico das actividades económicas.

b) As instituições sociais As instituições típicas do capitalismo são, no domínio da produção, o


capital e a empresa. Ao mesmo tempo, um conjunto de direitos fundamentais vai integrar o
quadro essencial de organização e funcionamento deste sistema - propriedade privada e iniciativa
privada. A ideia de propriedade privada começa por ser entendida em termos absolutos, dela
decorrendo o predomínio do capital dentro da empresa, sem que haja praticamente qualquer
possibilidade de intervenção do Estado no sentido de limitar os poderes do proprietário. Também
a iniciativa privada se concretiza numa série de princípios, entre os quais assumem particular
destaque: Liberdade de contratar - total autonomia da vontade individual como reguladora dos
contratos, e destes como principal instrumento regulador da actividade económico-social;
Liberdade de trabalho - segundo a qual cada um exerce a profissão que deseja e dispõe do seu
trabalho, contratando ele próprio com total liberdade as condições em que vai trabalhar; -
Liberdade de empresa - a qual e o poder de criar livremente quaisquer unidades de produção e
o direito de as gerir e delas dispor.
c) Princípios económicos fundamentais;

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d) Motivações Típicas: O elemento mais profundamente característico encontra-se aqui. O
sistema pode ser caracterizado como uma economia de lucro ou de ganho. Os sujeitos
económicos são dominados pela intenção de obter ganhos, ao contrário do que sucedia nos
sistemas anteriores, em que se pode dizer que havia no essencial apenas uma ideia de
sobrevivência e moderação regendo o funcionamento dos mecanismos económicos.

3. OS REGIMES ECONÓMICOS E AS DOUTRINAS


a) Os regimes económicos O conceito de sistema económico podem cobrir realidades muito
diversas.
Por um lado, as próprias estruturas em que o sistema é aplicado são profundamente diferentes
entre si (pense-se na Europa, no Japão, nos Estados Unidos da América, em países da América
Latina como o Brasil, em Taiwan ou na Coreia do SUL). Por outro lado, a articulação entre o
poder político e a actividade económica pode fazer-se de maneiras distintas, que vão provocar
diferentes modos de funcionamento do sistema, os quais podem ser designados por regimes.

No sistema capitalista podemos distinguir dois regimes económicos fundamentais: liberalismo,


caracterizado por um reduzido peso do poder político na actividade económica, que se desenrola
sobretudo em obediência ao princípio da liberdade dos múltiplos sujeitos individuais; -
Intervencionismo «lato senso», que se caracteriza pelo importante papel de ordenação e
intervenção económica do poder político que, no entanto, continua a respeitar os princípios
fundamentais do sistema (ou seja, a propriedade privada e a iniciativa privada). A configuração
da actividade financeira nestes dois tipos de regimes e bastante diversa. E em função disso que se
costuma falar em finanças clássicas - que seriam as características do liberalismo e finanças
modernas - as finanças dos Estados intervencionistas; ou, destacando apenas um dos seus
caracteres definidores, finanças nébulas (as quais, em Estados politicamente liberais ou
autoritários, são marcados pelo critério da não perturbação da actividade económica pela
actividade financeira) ou finanças activa (dominadas pelo critério da intervenção sobre a
actividade económico-social).
b) As doutrinas económicas
As grandes doutrinas acerca da sociedade inspiraram os sistemas económicos e projectam-se no
entendimento de cada um dos seus aspectos, designadamente o fenómeno financeiro. As

16
principais doutrinas que tem inspirado a ciência e a prática social desde o séc. XIX parece-nos
que podem agrupar-se em quatro grandes famílias. O Individualismo, que integra a forma mais
corrente da ideologia liberal, concebe o sistema social como uma simples rede de relações entre
os indivíduos e o Estado como um meio de prossecução dos fins individuais agregados
contratualmente; ou pode negar 0 Estado (anarquismo). Nas concepções solidaristas,
diversamente, já se entende que a solidariedade social determina a existência de relações
criadoras entre as pessoas, as quais dão origem ao aparecimento de instituições com orgânicas,
fins e fun~6es próprios (institucionalizo), ou determinam o aparecimento de relações de
cooperarão que transcendem o individualismo (corporativismo), ou visam fazer prevalecer
interesses ou valores sociais na organização da sociedade (socialismos não marxistas de diversa
inspiração). As doutrinas organicistas concebem a sociedade, ou o Estado, como dotados de
entidade própria na sua organização, quer se trate de organização baseada em estratos sociais
(corporativismo), quer na prevalência do Estado como forma social e entidade suprema
(estatismos de diverso tipo). Enfim, os personalismos sociais encaram a organização social e do
Estado como expressão de realidades que transcendem a sociedade quer se trate das ideias -
idealismo - quer se trate da matéria - imaterialismo, que encontra no marxismo a sua expressão
mais importante.
O individualismo liberal inspira, evidentemente, o sistema da economia de mercado, enquanto o
marxismo constitui a principal fonte de inspiração dos colectivismos ainda existentes no mundo.
Para além destes dois tipos, outros modelos ideais de sistemas existem (o cooperativismo, o
socialismo autogestionário, a social-democracia avançada, o comunitarismo terceiro-mundista,
na linha do solidarismo; o corporativismo, o nazismo, na linha organicista, etc.). Mas nenhum
deles se concretizou em sistemas dominantes na organização concreta das sociedades dos nossos
dias; por isso os pomos de lado (sem excluir que possam vir a inspirar sistemas económicos
novos). O modelo doutrinário do sistema de economia de mercado pode designar-se por
capitalismo, o da economia integralmente planeada (planificação, em sentido próprio) por
colectivismo, forma de socialismo alternativa a social-democracia (que e apenas uma política
correctiva do capitalismo, assente na justiça e na concertação sociais). E no âmbito deles que as
doutrinas podem inspirar as políticas e as práticas sociais ou determinar a configuração de
regimes económicos concretos.

17
4. O LIBERALISMO E AS FINANÇAS NEUTRAS

a) Caracterização geral
A primeira fase do regime capitalista, inspirada pelo pensamento da escola clássica e dominada
pela necessidade de consolidar um crescimento assente na liberdade económica das empresas,
consumidores e detentores de factores de produção, e na economia privada, corresponde ao
modelo doutrinário das financias liberais e ao modelo pratico das finanças neutras.
Distinguiremos quatro perspectivas fundamentais: o lugar e função das finanças públicas; as suas
relações com a economia privada; as instituições jurídico-políticas; e a configuração dos
instrumentos financeiros.
b) Lugar e função das finanças públicas A este respeito o pensamento e a prática das finanças
liberais são dominados por quatro princípios essenciais.
Todos eles decorrem de as finanças clássicas corresponderem a fase do puro liberalismo
económico e reflectirem as suas necessidades e preocupações, designadamente a restrição do
papel do Estado e a actuação da iniciativa privada como instrumento fundamental de progresso
na actividade económica. As modernas teorias neoclássicas e marginalistas vieram, aliás, retomar
em muitos pontos este tipo de análise (bem como os monetaristas muitos pontos este tipo de
análise (bem como os monetaristas e a escola financeira da «escolha publica»).
1.0 - A privatização da economia A primeira grande característica do modelo e a regra da
privatização da economia, entendendo-se que ao Estado apenas compete criar as condições que
permitam a sociedade manter-se organizada e estável, a propriedade privada defender-se e a
iniciativa privada prosperar. No quadro liberal, ao Estado cumpre estritamente remeter-se a
funções como a defesa, segurança, administração geral e manutenção da ordem; ou apenas a
outros serviços que não interessem a iniciativa privada, que detém o capital e toma todas as
grandes decisões relativas a produção, ao consumo e a repartição. Economia privada,
administração e autoridade públicas: eis a regra de ouro.
2. ° - Sector público reduzido
Por esta razão, o sector publico e reduzido substancialmente em relação a anteriores períodos
históricos, desfazendo-se o Estado de muitas actividades que ate ai desenvolvia. Geralmente os

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sectores públicos no liberalismo não iam além dos 10 a 15 por cento do produto nacional.
Entendendo que era a iniciativa privada que devia deixar-se a prossecução do bem-estar geral,
nomeadamente no domínio produtivo, o Estado abandonou até actividades produtivas que
tradicionalmente vinha exercendo e reduziu o seu património, que aumentará durante o
mercantilismo.
3.° - O princípio do mínimo
Critério prático de dimensão ideal da actividade económica pública perfila-se como fundamental
o princípio do mínimo. Segundo ele, qualitativa e quantitativamente, a actividade financeira deve
reduzir-se ao mínimo imprescindível, absorvendo a menor parcela possível do rendimento
nacional.
4. ° - A simplicidade das finanças públicas
Da exiguidade das suas funções decorre, pois, uma extrema simplicidade da administração
financeira dos seus instrumentos. Ela cobre apenas a administração tradicional, de uma maneira
uniforme e homogénea, não se justificando então a existência de empresas públicas, de
administra~6es autónomas ou complexos regimes de especializarão financeira. Administração
central (federal ou estadual) e local, com fun~6es c1aras e delimitadas e instrumentos simples e
uniformes, eis quanto basta para as fun~6es financeiras. E isto e acentuado pelo carácter
racionalista, uniformizador e universalista do pensamento liberal.

c) Relações entre actividade financeira e economia privada


Este domínio, que decorre do anterior e com ele integra a caracterização sócio económica das
finanças públicas, pode ser sintetizado em três ideias simples.
1.0 - Separarão entre finanças e economia A primeira e que - no plano teórico como no plano
pratico a separação entre finanças e economia e radical. Separação científica: a ciência das
finanças, dominada por princípios opostos, mais jurídico-administrativa e política que
económico-social, e autonomizada de raiz em relação a ciência económica, mais económico-
social. Separação no plano dos seus princípios inspiradores, que são - como viu - opostos.
Quando há autores que tratam as finanças públicas integrando-as numa teoria geral da economia
- e o caso, antes de mais, de WICKS ELL -, então as finanças c1assicas «científica» estão
caminhando para o fim (o qual, note-se, corresponde a um esforço de integração, que já
encontramos nas obras de ADAM SMITH e RICARDO). Separação, também, entre a gestão

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financeiros a actividade económica, entre os instrumentos financeiros e a actividade dos
particulares que com eles se relacionam.
2.0 - A neutralidade das finanças
Com mais profundidade, o critério que essencialmente preside a relação entre actividade
financeira e actividade económica geral e o da neutralidade. Quer isto dizer que a actividade
financeira deve ser organizada de forma a não perturbar (ou perturbar no mínimo) a actuação
livre dos sujeitos económicos. Da ideia de neutralidade derivam duas consequências: - A
actividade financeira deve decorrer de forma que não cause distorções da actividade económica
privada (deve «deixar a economia como estava antes» de pagar o imposto ou suportar a despesa,
ou o mais perto possível...); - As instituições e actividade financeira não devem propor-se
qualquer finalidade de alteração ou comando da actividade económica privada (a única «política
financeira» e que não deve haver politicas financeiras, no sentido intervencionista e
3.° - Abstenção económica do Estado
Outro principio fundamental que preside ao relacionamento entre o Estado e a actividade
económica e, naturalmente, o da abstenção. O Estado tendera então a não exercer funções de
regulamentação e intervenção sobre a actividade económica, para deixar agir 'espontaneamente a
livre concorrência. Toda a sua orientação económica e dominada pela preocupação de não
modificar o comportamento normal dos sujeitos económicos privados, abstendo-se quanto
possível de interferir sobre eles ao desenrolar o seu comportamento económico próprio
(actividade financeira).

d) Estruturação jurídico-política das finanças Dado o papel fundamental de garantia que cabe
as instituições financeiras e o modelo de Estado demoliberal em que as finanças liberais se
situam, são essenciais os caracteres institucionais das finanças e enorme a sua, importância
científica e prática. Acentuemos em quais aspectos principais.
1.° - Importância da participação democrática parlamentar na actividade financeira
A actividade financeira e uma actividade que por essência e regulada normativamente, decidida
na aplicação concreta (orçamento), controlada na execução e objecto de prestação de contas por
parte do Governo: nisto tudo, cabe papel primordial a instituição parlamentar, primeiro como
defensora dos cidadãos, depois também como sua representante. A existência do sufrágio
censitário limita esta participação aos proprietários, até a lenta adopção do sufrágio universal

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(sufragismo, etc.). E o carácter essencialmente representativo limita as formas de participação
directa dos cidadãos (acção popular, referendo, v.g., que nos últimos anos se difundem e ganham
vigor teórico e doutrinário)

2. ° - A actividade financeira e os direitos do homem


A actividade financeira decorre constantemente no âmbito da arbitragem entre o poder público e
o direito privado; dai que, para os liberais, ponha em causa direitos fundamentais,
designadamente o direito de propriedade (concebido como direito fundamental, não como mero
«direito económico e social»). No domínio jurídico-político pode dizer-se que foi o liberalismo
que criou ou aperfeiçoou a generalidade das instituições financeiras modernas, sobretudo
daquelas que se orientam pela defesa dos direitos individuais - maxime, do direito de
propriedade. Entre os princípios e instituições para isso criado pelo liberalismo, podem citar-se o
princípio da legalidade em matéria de impostos, a autorização legal da emissão de empréstimos
públicos, a aprovação anual do orçamento pelas Câmaras legislativas, a apreciação das questões
financeiras litigiosas pelos tribunais financeiros (maxime, fiscais) e a tomada de contas públicas
pelo Parlamento. Estas instituições foram criadas sobretudo na perspectiva global de limitação
do aumento das despesas públicas e dos encargos que recaiam sobre os contribuintes -
proprietários que, através dos seus representantes na Assembleia Parlamentar (eleita, na primeira
parte do século XIX, por sufrágio censitário), poderiam defender 0 seu património; e ainda para
garantir 0 respeito concreto pela propriedade privada.

3.° - Princípio da legalidade Dos dois anteriores fundamentos decorre o entendimento estrito do
princípio da legalidade, tanto como garantia dos cidadãos -proprietários como enquanto reserva
de competência parlamentar. Do mesmo passo, deles provem a natureza estrita do próprio
orçamento e a aplicação rigorosa e com o mínimo de limitações das regras orçamentais.

e) Configuração dos instrumentos financeiros


Dos princípios do liberalismo económico e político, no âmbito de uma estrutura capitalista
amadurecida ou em crescimento, decorre uma certa configuração dos instrumentos financeiros.
Qual?

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1.0 - A importância primordial do imposto O imposto e a receita típica do liberalismo: pode
mesmo falar-se do período das finanças clássicas como o tempo das finanças tributárias. O peso
do imposto explica-se por diversos factores: redução do património do Estado; aumento da
importância da riqueza mobiliária no conjunto do rendimento nacional, acompanhado da
abstenção do Estado neste domínio; e ainda a generalização da ideia da «contribuição» como
dever de cidadania, consentido livre mente pelo Parlamento. Os sistemas fiscais típicos do
liberalismo assentam numa ideia de justiça meramente formal, já que se entende que, para que
seja justo o sistema, lhe cabe apenas assegurar a igualdade formal de cada contribuinte perante a
lei e manter um nível moderado de tributação. Não existe, portanto, a ideia da utilização do
imposto como instrumento que visa a redistribuição da riqueza ou outros fins de política
economico-socia1. Os impostos atingem sobretudo as classes agrárias tradicionais (impostos
prediais) e os consumidores (impostos aduaneiros e impostos sobre a despesa), começando a
expandir-se a tributação das formas mais «capitalistas» de riqueza a medida que o processo de
consolidação do modelo da sociedade industrial se aprofunda (impostos sobre os lucros, sobre os
juros, sobre o rendimento do trabalho acima de mínimos de subsistência; tributação do conjunto
do rendimento - «income tax» - no sistema inglês).

2.0 - 0 Equilíbrio orçamental O equilíbrio orçamental aparece como 0 ultimo grande princípio
das finanças liberais. Para os clássicos, «equilíbrio orçamental» significa que as despensas totais
devem ser cobertas pelas receitas normais ou rendimentos do Estado; ou sejam, os impostos e as
receitas patrimoniais que ainda existam - excepcionando-se assim 0 recurso aos empréstimos,
que só era possível numa situação de guerra ou calamidade pública (como recursos de «finanças
extraordinárias»). A ideia - base era a de que, sempre que existisse um défice, o Estado iria
recorrer ou a empréstimos ou a criação de moeda; tal recurso tinha consequências negativas,
porque representava um desvio para o sector público de aforro do sector privado, único que se
entendia ser produtivo, e porque abria um processo inflacionista, pelo excesso de emissão de
moeda, bem como poderia conduzir o Estado até uma situação de bancarrota (impossibilidade de
cumprir os seus compromissos). É evidente que o equilíbrio, assim entendido, limita também o
crescimento do sector público - pois os parlamentos têm naturais limitações quanto ao nível
máximo de impostos que podem votar; e o crédito esta vedado, como ilegítima absorção pelos

22
cidadãos presentes dos impostos que, no futuro, outros cidadãos terão de suportar para pagar as
dívidas herdadas.

5. A TRANSIÇÃO PARA AS FINANÇAS INTERVENCIONISTAS

a) Principais factores de mutação

I) - A evolução interna das economias liberais


No domínio dos factos ocorreu uma série de acontecimentos que foram determinando ou
justificando um maior papel do Estado na direcção da vida económica, como sejam: 0 aumento
da intervenção política das classes mais desfavorecidas e das próprias classes médias, pelo
sufrágio universal e o aparecimento dos partidos trabalhistas e socialistas; a crescente
concentração de empresas e 0 capital cada vez mais elevado que e necessário para produzir; a
larga diversificação dos modelos sociais de desenvolvimento; e a necessidade de intervenções
militares por forcas armadas profissionais crescentemente caras. Posteriormente, 0 Estado e
chamado a satisfazer novas necessidades sociais e económicas, a rentabilizar actividades
privadas não lucrativas, a prosseguir objectivos gerais relativos a vida económica e social.

II) - Os movimentos doutrinários e teóricos

Podem também ser apontadas como causas de abandono do liberalismo as correntes ideológicas
antiliberais que começaram a desenvolver-se, quer se trate de correntes socialistas, quer de
doutrinas de outra natureza (como a doutrina social da Igreja ou as varias doutrinas
intervencionistas).
Surgiram, por outro lado, teorias económicas tendentes a demonstrar que 0 equilíbrio não era um
dado nem uma tendência natural da economia, mas que existiam, pelo contrário, factores
permanentes e fundamentais de desequilíbrio, que só a intervenção do Estado poderia contrariar.
Entre estas teorias foram particularmente marcantes, as de KEYNES e WICKSELL (escola de
Estocolmo): a primeira mais orientada para o uso intensivo dos instrumentos financeiros como
meio de lutar contra o desemprego, a segunda tendente a reforçar o papel dos instrumentos de
política.

23
III) - Factos marcantes da evolução económica do século XX
A intervenção do Estado foi também determinada por toda uma série de acontecimentos que
originaram roturas mais ou menos profundas com o liberalismo:
- A guerra de 1914-1918, que representou um enorme esforço militar em economia de guerra e
forçou o Estado a assumir a orientação da economia em termos até ai desconhecidos, além de
provocar roturas e acelerações dos movimentos sociais, como sucede com todas as guerras;
- O primeiro pós-guerra, caracterizado por uma situação de grande depressão e instabilidade,
sobretudo na Europa;
- A crise de 1929 e a consequente depressão, com deflação, enorme volume de desempregados e
subaproveitamento dos factores de produção; - A segunda guerra mundial, ainda mais exigente e
destruidora do que a primeira;
- O segundo pós-guerra, com o «reforço do bloco socialista» e a necessidade de uma intervenção
económica para a reconstrução das economias abaladas, após 0 que se seguiu duradoura
expansão social nas sociedades de consumo (1950-1970);
- Os anos setenta e oitenta, com toda uma seriem de perturbações no plano interno e
internacional e a abertura, após as crises monetárias e os «choques do petro1eo», de uma
profunda crise estrutural que ainda dura.

- O final dos anos oitenta e os aos noventa, com o afundamento do «bloco socia1ista» e as
tendências de privatização, neoliberalismo e nacionalismo.

IV) - As transformações ocorridas no exterior do capitalista

No século XIX dominou uma tendência para identificar, política e economicamente, o mundo
com o sistema capitalista. Durante cem anos, que se prolongaram por mais cinquenta de lenta
regressão, o «mundo» era o sistema capitalista mundial, que integrava, por via do comércio
internaciona1, da colonização ou da dominação económica, as estruturas não - capitalistas,
subordinando-se aos seus princípios de funcionamento e integrando-as na periferia da sua
estrutura mundial. No século xx começou a deixar de ser assim. Primeiro. Com o aparecimento
do colectivismo marxista da URSS (1917), progressivamente extensivo a diversos países do
mundo e). Fa1haram, porque derrotadas, as tentativas do nazismo e do fascismo de criar sistemas
24
corporativistas ou de dirigismo integral, sendo os seus sucedâneos absorvidos no sistema
capitalista mundial. Surgiram, experiencias de novos sistemas económicos no Terceiro Mundo,
em particular após 0 movimento dos nao-a1inhados nascido em Bandoeng (1954) e reforçado
pe1as descolonizações do pós-guerra (até 1975: Portugal). A estratégia dos produtores de
petróleo (OPEP) provocou as duas crises do petróleo e demonstrou a necessidade de uma Nova
Ordem Económica Internacional. Com raras excepções (China, Cuba, Estados indochineses) 0
co1ectivismo democratiza-se, gera o renascer dos nacionalismos e transforma-se numa economia
mista de transi9ao (para o sistema de mercado): assiste-se a hegemonia mundial dos Estados
Unidos, seguidos, como «potências económicas», do Japão e da Alemanha unificada, ao
progresso de alguns «novos países industrializados» (N.1. C. 's), ao aprofundamento da
integra9ao da Europa Ocidental e a continuada deteriora9ao das regiões subdesenvolvidas
(África, Ásia do Sul, América Latina), com agravamento do fosso Norte-Sul.

b) Traços fundamentais da evolução registada


Traço comum da evolução registada até aos anos setenta foi a substancial alteração do
relacionamento entre 0 Estado e a Economia. 0 Estado passa a ter um maior peso e as formas de
intervenção são quantitativa e qualitativamente diversas. Surge assim 0 que podemos designar
por intervencionismo <dato senso», abrangendo 0 intervencionismo «estrito senso» e o
dirigismo. Foram diferentes as finalidades com que o Estado interveio, mas todas reforçaram o
papel e o peso do próprio Estado; entre essas finalidades, podem destacar-se a premência de
fazer face a necessidades de carácter social (características das funções dos modernos Estados de
bem-estar), a estabilização da conjuntura, o crescimento e o desenvolvimento económico e as
correcções estruturais. Após a depressão dos anos setenta, a privatização e uma certa
desregulação reduz o papel do Estado na produção, mas não o peso da sua intervenção (anos 80-
90).

6. O INTERVENCIONISMO FINANCEIRO E AS FINANCAS ACTIVAS

a) O Intervencionismo e o dirigismo.

Na fase do «capitalismo tardio» (WERNER SOMBART) 0 conceito de intervencionismo


estadual corresponde a uma doutrina e uma prática segundo as quais o Estado, sem por em causa

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os princípios fundamentais do sistema de mercado procura corrigir os aspectos do seu
funcionamento que se mostraram particularmente ineficazes injustos ou inconvenientes. (I) Cr.,
de entre a abundante bibliografia recente, a síntese muito acessível de A. GELEDAN e outros,
Les mutations de economia mundial e -1975-/99/, Paris, 1991.

No intervencionismo «stricto sensu» 0 funcionamento da economia continua a basear-se


essencialmente no livre comportamento dos sujeitos económicos; mas, no caso de não resultar da
sua actuação o progresso e o bem-estar geral, o Estado intervém correctivamente, alargando
consequentemente as suas formas de actuação e assumindo objectivos próprios. No dirigismo
económico o Estado propõe-se determinar objectivos globais, que há-de presidir a sua actuação
económica e também as dos próprios sujeitos económicos privados, cuja actividade deve
enquadrar-se nos objectivos fixados para toda a economia. Embora o dirigismo possa conduzir a
criação de um sector público maior do que aquele que caracteriza um Estado intervencionista, o
certo e que a diferença entre estas duas formulas e sobretudo qualitativa. Num caso -
intervencionismo - há apenas uma ideia de correcção, enquanto no outro - dirigismo - haja uma
ideia de direcção da economia. Vejamos agora os caracteres essenciais das finanças
intervencionistas.

b) Lugar e função das finanças públicas


1.0 - Autonomia do sector público e suas funções
Diversamente do princípio da privatização - no seu sentido de subordinação do sector público ao
privado e no de subalternidade quantitativa - pode dizer-se que as finanças públicas ganham aqui
autonomia. Para além da supletiva satisfação das necessidades tradicionais, cabem-lhes novas
funções, tanto na satisfação de novas necessidades colectivas como na realização de objectivos
de política económica e social.
2.0 - Equilíbrio entre economia pública e economia privada
Segue-se que, no âmbito de um sistema económico que tende a ser misto - sem subordinar a
economia pública a privada, como nas finanças liberais, nem a privada a pública, como nas
finanças colectivistas -, o lugar das finanças públicas se situa em posição de equilíbrio com o das
finanças privadas. Equilíbrio parcial do sector da economia pública e equilíbrio geral da
economia privada e da economia pública, tanto no plano prático como no dos princípios (teóricos
ou doutrinados).
26
3.° - A regra do óptimo
Em vez da regra do mínimo, o critério definidor do sector público estabelece-se em obediência a
regra do óptimo: são a melhor satisfação das necessidades públicas e o possível óptimo social
que inspiram o lugar das finanças públicas no conjunto da actividade económica.
4.° - Dimensão crescente do sector público
Da anterior regra qualitativa decorre quantitativamente que e crescente a dimensão do sector
publico, que passa a absorver parcelas que se situam entre os 30 e os 50 por cento do rendimento
nacional. O Problema que daqui resulta, na actualidade, e claro: ou se muda de sistema que trava
o crescimento do sector público.
5.° - Pluralidade e complexidade do sector público
O património estadual alarga-se consideravelmente, multiplicam-se as empresas públicas, cresce
0 peso dos impostos e aumenta também o recurso aos empréstimos públicos: as finanças
estaduais, que eram simples, assumem crescente complexidade, pelas novas funções que
assumem. E surgem zonas crescentemente diferenciadas, ou mais autónomas, no sector público
(serviços e fundo os autónomos, empresas publicas, segurança social, regiões, organizações
supranacionais): 0 que era uniforme, torna-se múltiplo e plural.
c) Relações entre actividade financeira e economia privada
I. ° - Integração entre economia e finanças
Ao contrário do que sucedia com o liberalismo, que assentava na ideia de separação entre
actividade económica e finanças públicas, as politicas e as teorias intervencionistas passam a
orientar-se pelo princípio da integração entre economia e finanças: uma e outra fazem parte do
mesmo conjunto económico-social e estão sujeitas a interacção das mesmas forças e princípios
(sociais, económicos ou políticos). (I) Verguemos melhor ao estudar o óptimo das despesas
públicas e o nível óptimo da tributação.
2. ° - As finanças funcionais
As finanças públicas abandonam o ideal de neutralidade e passam a visar o aproveitamento pleno
de todos os seus efeitos, a fim de influenciar o comportamento dos sujeitos económicos privados
e a economia global. Passam, designadamente, a ser utilizadas como instrumentos de políticas
económicas e sociais - ou seja, surgem as políticas financeiras. Pode assim dizer-se C) que as
finanças públicas são agora dominadas pela funcionalidade, sendo a sua estrutura e gestão

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determinadas pelos fins sociais que elas visam realizar (fins extra financeiros, para além dos
financeiros).
3.0 - Finanças activas
As finanças passam, por outro lado, a ser marcadas por uma atitude e uma política interveniente.
O Estado abandona a sua posição de abstenção e quer assumir um papel muito diverso na
economia, restringindo a actividade privada e assumindo fins autónomos: passa, pois, a ser
activo, e não passivo ou abstencionista.
d) A evolução das instituições jurídico-políticas
Alguns dos aspectos jurídico-políticos que tinham caracterizado o liberalismo e que se
orientavam pelas ideias de garantia individual e predomínio parlamentar, vão conhecer alterações
significativas, tendentes a tomar preponderantes a eficácia e a justiça substanciais.
1.0 - Declínio da instituição parlamentar e formas de participação diversificada
Sem que isso represente uma intenção de muitos dos seus defensores (embora o seja de alguns),
as finanças intervencionistas marcam um certo declínio da instituição parlamentar (e originam-
no também). A concentração de poderes nos Governos, a tecnocratizacao e burocratização das
decisões, originam uma certa decadência dos Parlamentos, reforçada pelo predomínio dos
instrumentos de planeamento e programação e pela importância das políticas monetárias, tratadas
pela cooperação técnica Governo-banco central Por outro lado, a existência de formas mais
diversificadas de participação e intervenção social dos grupos de interesses leva a uma larga
pluralidade das formas de decisão e controlo da política financeira, convertida em uma das
vertentes da política econ6rnico-social. E a possibilidade de divergências entre estes agentes
oligopolistas e os reais interesses dos cidadãos leva ao multiplicar de formas de intervenção e
participação directa destes, quer sob o ângulo dos direitos de intervenção individual, quer na
forma da opinião pública mediatizada pelos meios de comunicação social, quer através do
recurso aos referendos em matéria financeira (designadamente sobre o nível dos impostos e a
afectação dos recursos por via das despesas).
2.° - Afirmação predominante dos direitos económicos e sociais
Sem que os direitos, liberdades e garantias do tipo c1assico sejam necessariamente
subalternizados (embora possam sê-lo, quando as finanças intervencionistas se integram numa
estrutura de Estado autoritária, ou até totalitária), surgem todavia, com crescente expressão
financeira, direitos econ6rnico-sociais. Assim, o direito a segurança social, 0 direito ao trabalho e

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ao emprego, o direito a assistência médica, o direito a educação, a nova dimensão da igualdade
de oportunidades e a qualidade de vida, exprimem-se em numerosas pretensões, que determinam
prestações por parte do Estado, da Administração Publica ou de outras entidades públicas -
portanto, aumento das despesas e do sector público em geral.

3.° - Limitações ao princípio da legalidade


Das duas causas antes referidas decorre que o princípio da legalidade pode assumir sentidos
amplamente pervertidos, se coincidir com a concepção «governamentalista» do Governo como
fonte do poder legislativo, que surge com os Estados autoritários e totalitários e vai alastrando
com a componente tecno-burocrática dos Estados modernos. Pode assumir um sentido mais
limitado, com a partilha de muitos poderes financeiros entre Parlamentos e Governos (finanças e
para finanças; tributos e receitas parafiscais), competência legislativa do Governo concorrente ou
subordinada a do Parlamento, abuso das autorizações legislativas, transferência do crédito
público (nomeadamente externo) para instituições monetário -financiais imunes ao controlo
público, alastramento de empresas públicas e «para -empresas» subtraídas a controlos não-
governamentais.
e) As instituições financeiras coincidem com a concepção «governamentalista» do Governo
como fonte do poder legislativo, que surge com os Estados autoritários e totalitários e vai
alastrando com a componente tecno-burocrática dos Estados modernos. Pode assumir um sentido
mais limitado, com a partilha de muitos poderes financeiros entre Parlamentos e Governos
(finanças e para finanças; tributos e receitas parafiscais), competência legislativa do Governo
concorrente ou subordinada a do Parlamento, abuso das autorizações legislativas, transferência
do crédito público (nomeadamente externo) para instituições monetário -financiais imunes ao
controlo público, alastramento de empresas públicas e «para -empresas» subtraídas a controlos
não-governamentais.
e) As instituições financeiras
1.0 - O Ressurgir do património
As finanças intervencionistas são caracterizadas por um importante ressurgimento do património
e das receitas patrimoniais, sobretudo das provenientes do património mobiliário; assume então o
Estado cada vez mais uma posição de empresário (criando empresas publicas) ou mesmo de

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capitalista em empresas mistas, obtendo receitas provenientes de empreendimentos produtivos,
etc.
2.0 - A saturação fiscal Ao mesmo tempo, a importância do imposto e grande, como o era nas
finanças clássicas. Mas ele passa a ser utilizado, numa perspectiva extra fiscal, como instrumento
de política económica ou de política social (servindo, por exemplo, para redistribuir a riqueza ou
para combater a inflação); e a carga fiscal (real e psicológica) sobe continuamente, atingindo
Limites sociais e políticos e levando a por 0 problema da saturação fiscal.
3.0 - Abandono ou limitações do principio do equilíbrio orçamental
Também o princípio do equilíbrio orçamental e abandonado, ou pelo menos deixa de ser
unanimemente aceite e praticado com tanto rigor, passando 0 desequilíbrio a ser defendido em
determinadas circunstâncias, como forma de 0 Estado combater os aspectos mais negativos da
conjuntura (desemprego, depressão), e sendo em outras tolerado como consequência da expansão
do sector público e das suas novas responsabilidades. (') Sobre a caracterização financeira do
liberalismo e do intervencionismo vejam-se, por todos e com bibliografia abundante: MAURICE
DUVERGER, Finanças Publiques, Cap. I; F. EM YOlO OA SILVA, Conceptions classique et
moderne des jinances publiques, 1950; A. L. SOUSA FRANCO, MFP (r), pp. 176-231 (a
completar com: MFP, I, pp. 498-508). 1) Momento actual das doutrinas e das políticas Tal como
já se referiu a prop6sito da evolução recente no domínio dos factos (supra, n.O 1.15), os anos
oitenta representam uma certa viragem - alguns dirão inversão - da tendência dominante das
décadas anteriores. Assiste-se ao declínio do marxismo e, em geral, dos socialismos
colectivistas; ao fim do dirigismo e a crise do planeamento; a superação das duas gerações do
keynesianismo por correntes neo-liberais e/ou monetaristas (v. HAYEK, v. MISES, Milton
FRIEDMAN); a revalorização do mercado e do lucro, no âmbito de valores, politicas e
instituições crescentemente individualistas; a um certo predomínio da liberdade, da propriedade e
da iniciativa privada, em detrimento da igualdade, da solidariedade e da justiça social; a
desregularão e as privatizações, em vez da direcção (panificadora ou burocrática) e das
estatizações; a uma certa crise do papel e da função do Estado, combinando abertura
internacional e reforço do predomínio das economias fortes dos grandes grupos e dos mercados e
instituições financiais com nacionalismos e regionalização.
No domínio das finanças públicas, daqui resultam importantes consequências. Torna-se central a
discussão das fronteiras e dos critérios de escolha entre os sectores público e privado,

30
prevalecendo a aceitação de uma vocação produtiva do segundo e da vocação infra-estrutural e
redistributiva do primeiro. Reabilitam-se os critérios de contenção do crescimento e de busca da
neutralidade na configuração e gestão dos instrumentos financeiros: busca-se o equilíbrio
ornamental, tenta-se conter a divida (até pela dimensão da divida nacional externa de muitos
países do Terceiro Mundo... e dos Estados Unidos), visa-se limitar a burocracia e a despesa
publica corrente, procura-se aliviar a carga fiscal para estimular a despesa e a produção, reduz-se
a progressividade e duvida-se da eficiência e da justiça do imposto de rendimento, desvaloriza-se
a política orçamental e revaloriza-se a política monetária, tenta-se limitar a despesa social (saúde,
educação, segurança social), privatizam-se empresas, participações e bens patrimoniais estatais,
reforça-se a orçamentação, o controlo parlamentar e o controlo externo jurisdicional ou
independente da receita e da despesa, tenta-se devolver aos contribuintes 0 poder de «consentir
os impostos» corrigindo por referendo os abusos da tributação. O plano monetário e o orçamento
reafirma-se como o instrumento por excelência da intervenção do Estado... Estas tendências
reafirmam valores das finanças clássicas - tanto os que caracterizam instituições e regras de
democracia financeira como os que garantem a economia privada e o mercado.
O económico, ao menos nos anos oitenta, afoga um tanto 0 social; pessoas, regiões e grupos
tornam-se, uns, mais pobres e, outros, mas ricos, dentro e fora das fronteiras dos Estados. Mas a
verdade e que, se mudam ideias, critérios e valores, se há uma certa alteração de sentido,
continua predominante o intervencionismo financeiro: a despesa pública não decresce, as
empresas públicas tendem a «passar de moda»; mas reforçam-se regiões (municípios), o
intervencionismo da Comunidade Europeia tende a crescer e, nela, afirma-se um dirigismo
regulamentador que os Estados abrandam, a reestruturação da Europa de Leste e a unificação
alemã são factores de enorme gasto público de cooperação e intervenção, 0 keynesianismo foi
impugnado mas contínua florescente na teoria e na prática; sem esquecer que a agudização do
subdesenvolvimento e 0 crescimento da injustiça social e das desigualdades nos países mais ricos
não torna muito ousado prever, para os anos noventa, um reforço das despesas sociais (cujo nível
nos Estados do Norte se manteve, aliás, sempre elevado: Portugal esta, neste como em outros
domínios de bem estar, muito abaixo dos padrões médios europeus).

7. FINANÇAS PÚBLICAS E SISTEMAS COLECTIVISTAS


a) Generalidades

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I. Os sistemas colectivistas do século xx podem caracterizar-se por três grandes traços: a
apropriação pública dos meios de produção (com desaparecimento tendencial da propriedade
privada), a subordinação vinculativa ao plano e a existência de motivações dominantes de
interesse estatal, solidariedade social ou bem-estar colectivo C). Restringiremos o nosso estudo
apenas ao mais importante dos. Modelos do socialismo colectivista – o soviético. II. Uma
primeira questão a levantar em relação as finanças públicas neste sistema e a de saber se
efectivamente existem; isto e, se, na medida em que cabe ao Estado desenvolver a actividade
produtiva, faz sentido manter a fronteira entre actividade financeira e de economia de poderio.
Para maior desenvolvimento remete-se para: SOUSA FRANCO, MFP, 1 (1974), pp. 508-532.
Actividade económica privada. Não aprofundaremos 0 problema. Verificaremos apenas que 0
que e certo e que se tem mantido tal diferenciação, e por duas razões básicas. A primeira e que,
enquanto se justificar a existência do Estado, será necessário que este disponha de alguns meios
económicos para realizar certos fins específicos inerentes a sua actividade (defesa, burocracia,
etc.). Ora, uns e outros são bem diversos dos meios e da gestão das empresas públicas ou sociais.
A segunda ordem de razões e esta: motivos de eficácia económica e administrativa justificam a
distinção entre sector público administrativo e sector público produtivo, entre orçamento e
actividade empresarial do Estado ou colectiva. A actividade financeira decorre portanto, numa
economia de tipo soviético, segundo regras e instituições cuja forma se aproxima da das
sociedades ocidentais (Orçamento, Contas do Estado, receitas e despesas semelhantes as
capitalistas, etc.); só que a função que exercem e profundamente diferente da das economias
capitalistas - e a função acaba por transformar o órgão...
b) Funções dos instrumentos financeiros
Na fase revolucionaria de implantação do socialismo, o papel dos instrumentos financeiros e
mais importante do que depois de estabelecido 0 socialismo, já que os instrumentos financeiros
se apresentam como um meio idóneo para desapropriar a classe anteriormente dominante em
beneficio de uma nova classe que toma 0 poder. E nomeadamente este o caso dos impostos, que
podem atingir os que anteriormente possuíam rendimentos elevados para lhes confiscar a
propriedade; ou podem visar desfavorecer a actividade produtiva na burocratização das decisões
originam uma certa decadência dos Parlamentos, reforçada pelo predomínio dos instrumentos de
planeamento e programação e pela importância das políticas monetárias, traçadas pela

32
cooperação técnica Governo -banco central -publica. Numa segunda fase - de transição evolutiva
- são outras as funções dos instrumentos financeiros:
1.0 - Eles asseguram 0 exercício de certas actividades essenciais para a sobrevivência da
colectividade, que não são consideradas directamente produtivas - como sejam 0 ensino, a
administração pública, a segurança social, etc.
2.0 - Garantem o equilíbrio na distribuição dos recursos por sectores e por regiões, permitindo
um desenvolvimento equilibrado da economia, através do desvio dos excedentes criados em
algum ID empresas ou regiões para outras menos favorecidas.
3. ° - O Orçamento e um relevante instrumento de execução do plano, na parte referente a infra-
estruturas, serviços e equipamento sociais. O orçamento resulta do plano, integrando o seu
programa é financeiro; a sua função e importante mas, como instrumento de política económica,
menor que nas economias de mercado.
4. - Uma outra função das finanças públicas será a de desviar recursos, que de outra forma se
manteriam estéreis, para o financiamento de certas actividades socialmente úteis, através da
existência de empréstimos públicos e impostos indirectos ou sobre o rendimento, que continuam
a existir neste tipo de «economias de transição para o socialismo colectivista» (mas ainda não
comunista).
c) Características fundamentais dos instrumentos financeiros
1.° - Integração entre o sector financeiro e o planeamento global, no domínio da preparação
como no da execução, sendo 0 orçamento um meio relevante de execução do plano pela
Administração Publica, preparado pelo Ministério das Finanças e pelo órgão político de
planeamento (Gosplan na U RSS) e aprovado pelo órgão para lamentar juntamente com o plano
e a este subordinado. 2. ° - Existência de receitas e despesas semelhantes as das economias de
mercado, sendo a diferença mais significativa o relevo assumido pelas receitas patrimoniais,
dado o peso da produção do Estado e do respectivo património. 3.° - Cerca de dois terços do
rendimento nacional (na óptima socialista) passa pelo orçamento, que assim pesa mais do que
nas economias capitalistas (este valor desce para valores da ordem de 50 % nos Estados federais,
como a URSS e a Jugoslávia, e também na China). 4.° - Pressão fiscal relativamente reduzida,
sobretudo no que toca aos impostos directos sobre os particulares, em virtude da apropriarão
colectiva dos meios de produção dominantes. 5.° - Equilíbrio orçamental, com 0 sentido de evitar

33
a necessidade de o Estado recorrer ao crédito ou emitir moeda, perturbando a actividade
económica, e de restringir a actividade administrativa em proveito da actividade produtiva
d) Evolução recente
Embora no essencial, os princípios fundamentais encarados continuem aplicáveis aos modelos de
organização social colectivista, os países em que esse modelo se encontra efectivamente
implantado são hoje muito menos do que no momento originário deste texto. Com efeito, a
transformação resultante da prossecução na URSS da política baseada em dois princípios
(glasnost - transparência e perestroika - reestruturação, reforma profunda), efectivada por
MIKHAIL GORBATCHOV desde que assumiu as responsabilidades de Secretário-geral do
Partido Comunista da União Soviética (1988), depois a função de Presidente da União Soviética,
determinaram uma evolução profunda, ainda em curso no momento em que se escreve esta nota.
No que se refere as finanças públicas, essa evolução situa-se na confluência de três factores
distintos: por um lado, uma concepção mais aberta e pluralista da vida social (incluindo a
realidade política); por outro, a transposição desse pluralismo para o domínio da propriedade,
conduzindo a um movimento, mais rápido nos países da Europa Oriental, mas lento na União
Soviética e nos países fora da Europa, no sentido de privatizações com efectiva repercussão na
transformação do modelo de sistema económico e da organização social, e admitindo (pode
mesmo dizer-se que fomentando estrategicamente) a propriedade privada dos meios de
produção; e, enfim, 0 funcionamento crescentemente desregulado da economia, abandonando os
instrumentos de planeamento e confiando em ajustamentos de mercado, muitas vezes tradutores,
mais que de uma efectiva liberdade economia, de dolorosos reajustamentos a verdade dos custos
e a irracionalidade de «preços administrativos».
As transformações dai resultantes conduzem, desde já, a integração em economias de modelo
capitalista pouco acentuadamente estatizado (como e 0 caso da integração da chamada
«República Democrática Alemã» na Alemanha unificada, formalmente operada em 3/10/1990).
Em outros casos, 0 objectivo estratégico e o processo que se desenvolve apontam claramente (em
alternativa, porque duvidas são legitimas sobre a sua concepção e sobre 0 resultado real estável a
que se chegara) para uma verdadeira economia de mercado ou para economias mistas (em
configurações diversas), nuns casos mais abertas a simultaneidade dos instrumentos de mercado
e da propriedade privada, noutros com funcionamento nem sempre muito coerente de
instrumentos de liberdade económica, tendencialmente mercantis, combinados com fortes

34
propriedade privada e iniciativa empresarial externa, fracos níveis de propriedade e iniciativa
interna e manutenção de subsistemas públicos e sociais de organização produtiva, embora em
crise. Em qualquer destas situações, o papel dos instrumentos financeiros (e também dos
instrumentos monetário - cambiais) será certamente reforçado, devido ao abandono ou a restrição
da regulamentação directa, tanto por via do plano como por via do dirigismo administrativo. Isto
significa que a configuração qualitativa e quantitativa dos instrumentos financeiros sofrera
profundas transformações em relação ao que se afirmou antes, quer venha a prevalecer uma pura
óptica de mercado, quer uma óptica de economia mista. Apontam-se, entre essas transformações:
a necessidade de reformas fiscais que criem impostos directos sobre os rendimentos, impostos
sobre os lucros das empresas e impostos indirectos mais importantes; 0 renascimento do crédito
público, tanto externo como interno, e quer para satisfazer necessidades de financiamento como
para funcionar como instrumento auxiliar da criação de mercados financeiros internos; a
possibilidade da existência de políticas conjunturais de receita como de despesa pública; a
emergência, nuns casos pelo fim da sua ocultação, em outros por efectivo desequilíbrio
resultante de aumento de despesas e quebra de receitas, de verdadeiras situações de défice
orçamental, quer corrente (o que significaria substancialmente mais um dos aspectos do aumento
do consumo, ao menos expresso em termos monetários, que acompanhou esta «revolução do
mercado»), quer em termos globais, então com expressão relativamente próxima da das
necessidades brutas de financiamento do sector administrativo; e, ainda, porventura, a
emergência de um sector publico mais complexo e descoordenado, com componentes regionais e
locais, com um novo posicionamento das componentes empresariais, mais marcadamente
flexíveis e orientadas pelo lucro, com 0 aparecimento de instituições semelhantes as ocidentais
no domínio da segurança social e do financiamento da satisfação de necessidades sociais (ate ao
momento assegurado pela combinação da gratuitidade do uso de bens e da prestação de serviços
ou do seu custo de utilização quase simb6lico com agravadas despesas publicas orçamentais ou
para orçamentais). Em Setembro de 1990 decorreu na Rússia (mas com envolvimento do
Governo da U RSS) 0 que foi, porventura, a mais importante discussão ate ao presente acerca da
transição de uma economia «colectivista» para uma economia (regulada?) de mercado
(socialismo de mercado). Em contraste com a orientação tímida do Governo da URSS e do
economista L. ABALKINE, o Governo russo defendia 0 plano de ST ANISLA v CHAT ALINE
para uma mudança acelerada e faseada em 500 dias. Este previa a propriedade privada dos bens

35
de produção, a reforma dos impostos, do sistema bancário, da bolsa e da segurança social em três
meses. Depois, uma ampla privatização, a venda das casas de habitação e dos terrenos afectos a
agricultura. E, enfim, a compensação social pelo controlo dos preços e por politicas de
estabilização. Tudo isto ilustra a importância das reformas financeiras e dos instrumentos
financeiros nesta transição, cuja programação na URSS permanece por fazer, apesar da clara
assunção do objectivo da transformação em economia de mercado (GORBATCHOV, Julho de
1991) (I).
A verdade, porem, e que a transformação política - no sentido da democracia pluralista e do
principio das nacionalidades - tem sido mais profunda e nítida na Rússia e na confedera9ao que
lidera (a URSS) do que a evolução económica; a de mora nas privatizações e no
restabelecimento do mercado nesta que foi a primeira economia colectivista do século (revolução
de Outubro/Novembro de 1917) tem agravado a ajuda internacional, agravado a ineficiência e os
traços caóticos da estrutura e do funcionamento da economia soviético. As economias da Europa
Oriental - e outras do chamado «bloco socialista» - têm evoluído na via da transição para o
mercado, gerando estruturas mistas de natureza vária, em boa parte sob o impulso da perestroika
(embora o processo polaco tenha causas e ritmos anteriores e autónomos); em todas o ressurgir
de estruturas financeiras de carácter democrático marca decisivamente a mutação em curso
(revalorização do orçamento como autorização parlamentar; desvalorização do plano;
responsabilidade financeira dos Governos e Administrações perante os Parlamentos
democratizados e os Tribunais de Contas que foram criados ou restaurados; renascimento do
crédito publico; reformas fiscais e orçamentais, ao menos iniciadas).

EXERCÍCIOS PRÁTICOS
1) Diga o que entende sobre a expressão “Sistemas Económicos”.

2) No sistema capitalista podemos distinguir dois regimes económicos fundamentais.

a) Diga quais são e defina-os.

3) Diga qual é a importância da participação democrática parlamentar na actividade financeira.

4) “Sendo o imposto a receita típica do liberalismo e podendo mesmo falar-se do período das
finanças clássicas como o tempo das finanças tributarias.”

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a) Diga como se explica o peso do imposto nestes sistemas.

5) Diga o que entende sobre a regra do equilíbrio orçamental.

6) Diga o que entende por intervencionismo financeiro.

7) Estabeleça a diferença entre intervencionismo estadual e dirigismo económico do Estado.

CORRECÇÃO DE EXERCÍCIOS
1. Sistemas económicos são formas típicas e globais de organização e funcionamento da
sociedade em geral (sistemas sociais) e da sua actividade económica em especial.
Os sistemas socioeconómicos são inspirados por concepções valorativas da sociedade (doutrinas,
na sua versão sintética e orientada para a pratica social, ideologias) e são condicionadas pelas
estruturas sociais (naturais, socioeconómicas, políticas e económicas), cujos modelos de
organização são bem diversos.
2. Os dois regimes económicos que se podem distinguir no sistema capitalista são os seguintes:
Liberalismo e o Intervencionismo.

3. A importância da participação democrática parlamentar na actividade financeira, reside no


facto desta ser uma actividade que por essência é regulada normativamente, decidida na
aplicação concreta (orçamento), controlada na execução e objecto de prestação de contas por
parte do governo; Nisto tudo cabe o papel fundamental a instituição parlamentar, primeira como
defensora dos cidadãos, depois também como sua representante.
4. O peso do imposto nestes sistemas explica-se por diversos factores que são:
A redução do património do Estado; Aumento da importância da riqueza mobiliária no conjunto
do rendimento nacional, acompanhado da abstenção do Estado neste domínio; E ainda a
generalização da ideia da contribuição como dever de cidadania, consentido livremente pelo
parlamento.
5. A regra do equilíbrio orçamental significa que as despesas totais devem ser cobertas pelas
receitas normais ou rendimentos do Estado.

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6. O conceito de intervencionismo do Estado na economia corresponde a doutrina e a uma
prática segundo as quais o Estado, sem pôr em causa os princípios fundamentais do sistema do
mercado, procura corrigir os aspectos do seu funcionamento que se mostraram particularmente
ineficazes, injustos ou inconvenientes.
7. A diferença existente entre estes dois conceitos é, sobretudo qualitativa, num caso,
intervencionismo, há apenas uma ideia de correcção de aspectos económicos, no dirigismo há
uma ideia de direcção da economia.

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CAPÍTULO III - A ACTIVIDADE FINANCEIRA COMO FENOMENO POLÍTICO

OBJECTIVOS:
Neste capítulo, pretende-se que o estudante entenda que a actividade financeira do Estado é
sobretudo um fenómeno de natureza política, e que, a actividade financeira varia profundamente
em função da sua componente política e da forma de organização do Estado em que se integra.

ESTADO E ACTIVIDADE FINANCEIRA


I. A actividade financeira varia profundamente em função da sua componente política e da forma
de organização do Estado em que se integra. De facto, desde que o Estado, e de todos os tempos
a existência de formas politicas diversas de ordenação económica, de intervenção económica e
de actividade financeira. Vejamos alguns aspectos principais.

II. No tocante a análise da actividade financeira, o Estado tanto pode designar o aparelho de
poder, constitucionalmente organizado, e externa; c) reforma da propriedade, envolvendo a nítida
privatização do comércio de retalho e das pequenas empresas, bem como a «comercialização.
Das grandes empresas estatais. É curioso confrontar com a experiência de «descentralização
limitada» seguida por Deng Xiaoping na China: cf. BIRD (Country studies) - China - between
plan and market, 1990 que representa e governo um povo, e bem assim as organizações
administrativas que dele dependem; como apenas o nível central deste poder político-
administrativo (Estado central), contraposto as entidades descentralizadas (Estados federados,
regiões, autarquias locais...).

Podemos distinguir quatro concepções típicas de Estado:

a) O Estado soberano, entidade autónoma, que toma macro - decisões, «garante e gestor dos
interesses da não, concebidos como distintos dos interesses dos cidadãos e superiores a estes» e
«interprete natural do interesse geral que se impõe a todos» (HEGEL; jacobinismo francês;
escola da coacção - A. WOLFENSPERGER).

39
b) O Estado - república, organização de gestão colectiva dos interesses comuns dos cidadãos,
que definem os objectivos, escolhem os meios e seleccionam os seus representantes e
responsáveis (tradições democrática e institucional; teoria económica neoclássica, que atribui
funções próprias de utilidade e preferência).
c) O Estado de classe, concebido como um instrumento de coacção pública da classe dominante
que o utiliza para manter e reforçar o seu domínio e explorar as restantes classes (marxismo).
d) O Estado - aglomerado, organização em que se defrontam grupos com interesses conflituais e
meios de acção diferentes, uns internos e outros externos a organização; a organização não tem
uma verdadeira função de comportamento comum e estável, mas situações resultantes dos jogos
estratégicos dos principais jogadores e equilíbrios mais ou menos estáveis deles resultantes
(escola da public choice)
III. Também os principais tipos históricos de Estado determinam formas diversas de actividade
financeira - quanto as suas instituições fundamentais, quanto aos recursos e sua afectação, quanto
as decisões financeiras e seus fins (necessidades sociais a satisfazer).
Assim, na nossa civilização, O Estado escravista corresponde a uma certa forma de atrofia
financeira; O Estado urbano ou urbano - imperial - de que temos entre nos da, um bom exemplo
nas civilizações greco-romanas - cortlbina finanças de base privatística (contratual ou
patrimonial) com finanças de base publicista (impostos e grandes despesas publicas); O Estado
feudal e senhorial faz assentar a actividade financeira na riqueza patrimonial fundiária (rendas
senhoriais, direitos reais ou pessoais relativos a terra e direitos relativos as respectivas
actividades produtivas). O Estado moderno ressurge como Estado patrimonial - agora assente nas
indústrias e actividades comerciais, em regime de monopólio ou concessão, típicas da Idade
Moderna; assiste-se então ao nascer do instrumento fiscal, que se torna típico dos Estados
modernos de matriz democrática (liberal ou social) e mesmo de variantes autoritárias que,
conquanto numerosas, se configuram como suas formas «pervertidas». Os Estados socialistas,
por seu lado, regressam a componente patrimonial, agora concebida em termos globalizantes
(propriedade publica e/ou de todo o povo) e apenas completada pelos impostos, concebidos
como instrumento complementar de ajustamento macroeconómico e de execução do plano C).
IV. Também as formas doutrinárias do Estado influenciam a actividade financeira,
designadamente nas tocantes as funções do Estado e aos objectivos e prioridades que os seus
órgãos definam no campo da respectiva actuação. E uma constante da história a ordenação, a

40
intervenção e a actuação económica do Estado: mas elas podem assumir níveis e formas bem
diferenciados. O nosso Estado moderno começou por ser patrimonial, transferindo para o
aparelho estadual centralizado e racionalizado e' para novas modalidades de actividades
produtivas (industriais e comerciais) a estrutura patrimonial pessoal e fundiária que era típica do
feudalismo. O liberalismo atacou o Estado patrimonial, reduzindo o papel do Estado a defesa da
ordem e das instituições jurídico-económicas fundamentais: Estado - policia, Estado guarda-
nocturno... O intervencionismo social fez o Estado intervir na prestação de serviços sociais
(Estado de serviços), completar a garantia da liberdade com a promoção da segurança individual
e colectiva (Estado- -providencia), adaptar-se a crescente complexidade das técnicas produtivas e
organizativas modernas (Estado de tecnologia), prosseguir políticas económicas e sociais que
visam a prosperidade (Estado de bem-estar), prosseguir o desenvolvimento económico e a
afirmação nacional nos novos Estados do «Terceiro Mundo» (Estado de desenvolvimento). Os
totalitarismos fizeram o Estado reclamar-se da promoção de valores próprios seus ou da
comunidade racial, nacional ou social que serve de base (Estado ético do fascismo, por
exemplo), ser portador de uma ideologia global de organização social (socialismo de Estado) ou
elemento agregador de toda a organização social (corporativismo de Estado), vincando assim a
tendência estadista omnipresente no século XX.

A sujeição do Estado ao Direito determina o predomínio de critérios de legalidade e regularidade


na actividade financeira (Estado de Direito, o qual tanto pode ser democrático como autocrático).
O predomínio da função redistributiva e da finalidade de satisfação dos grupos sociais leva a
subordinação a critérios sociais (Estado Social), que se combinam com o recente relevo de
critérios tecnológicos na apreciarão substancial da boa gestão finança ira, seja no domínio
militar, no das infra-estruturas ou no das despesas produtivas (Estado Tecnológico). Nos anos
setenta e oitenta, a crise do Estado - providencia, do novo Estado patrimonial e dos estatismos foi
encarada tanto pelo neoliberalista (defendendo «menos Estado, para haver melhor Estado»)
como por diversas outras correntes de pensamento. Naturalmente, o reflexo desta problemática
no nível, forma qualitativa e funções da actividade financeira e evidente, e ressaltara da evolução
que se desenha no sentido de um Estado de cultura típico da sociedade (HABERMAS) C). Mas
não só em função dos principais tipos históricos de Estados varia a configuração da actividade
financeira. Ela diferencia-se dos fenómenos da mera economia privada ou social, de índole
contratual ou dominial, por exigir o recurso - efectivo ou potencial, aos poderes de autoridade,

41
pela subordinação a uma avaliação de interesses e necessidades que ultrapassa a esfera individual
e a dos grupos (tanto no domínio dos poderes e instituições financeiras, como no dos actos, bens
e necessidades económicos envolvidos) e pelo recurso a formas de coação. O poder que se
exerce no domínio financeiro pode ser político (traçando as orientações gerais) ou administrativo
(resolvendo os problemas específicos ou de pormenor, em subordinação ao primeiro. O Estado
pode concentrar as decisões - que são políticas e administrativas - ou partilha-las com outras
entidades, no plano político como no administrativo; a actividade financeira localiza-se também
no plano política como no administrativo. No primeiro nível, cabe aos órgãos políticos do
Estado, de forma relativamente especializada desde que apareceu o moderno aparelho estadual
moderno, embora com concentração de poderes; ou então de modo coerente com a divisão de
poderes que exista em cada estrutura estadual (decisões próprias do Executivo, do Legislativo ou
do Judicial). Se no interior de um Estado soberano existirem diversas organizações políticas,
caberá ao poder supremo resolver as potenciais conflitos e repartir adequadamente as
competências financeiras.

No plano administrativo, o Estado pode criar organizações que prossigam interesses específicos
ou reconhecer organizações naturais, disciplinando a sua actividade e subordinando-as a formas
de disciplina ou controlo estadual. No primeiro caso, ele recorre da desconcentração da
actividade administrativa, na sua componente financeira. É o que sucede com a criação de
serviços autónomos (institutos públicos, se personalizados: fundos, se tiverem fins
exclusivamente ou predominantemente financeiros), dotados de poderes financeiros meramente
administrativos (autonomia). Ele pode ainda criar (ao apropriar-se de) empresas destinadas a
produzir actividades produtivas de teor, em princípio, semelhante ao de empresas privadas; ou
ainda, num misto de empresa e serviço que tem surgido no nosso século, poderá criar instituições
que combinem o interesse público com actividades exercidas segundo critérios de racionalidade
afins dos da produção privada (e o caso da segurança, a social ou de certas actividades de
intervenção económica, como a dos organismos de intervenção económica, em vias de
transformação em verdadeiros institutos públicos). Estes fenómenos são frequentes na grande
complexidade do Estado contemporâneo. Todavia, 0 Estado pode ainda reconhecer ou atribuir
poderes financeiros a entidades que, alem de formalmente autónomas dele, representam
interesses diferenciados dos seus: e o caso das associações publicas e dos municípios. A
descentralização territorial e a forma descentralizadora mais frequente e importante nos Estados

42
modernos, dando origem as finanças locais. Estas, em sentido estrito, prosseguem finalidades de
natureza meramente administrativa. O processo de descentralização territorial (local) pode,
porem, atingir níveis político-administrativos (é o caso das nossas regiões autónomas:
regionalização) ou níveis estritamente políticos (os estados federados, «Estados dentro do
Estado»). Desde a idade moderna, o conceito de soberania do Estado inspira as noções de
descentralização e desconcentração do Estado, para dentro de si mesmo ou de cima para baixo.
Todavia, hoje e frequente uma certa descentralização (ou desconcentração) para fora do Estado,
nomeadamente mediante a criação de organizações internacionais, do tipo tradicional ou de
natureza supra nacional.
Por outro lado, esbate-se a rígida distinção entre formas públicas e formas de poder puramente
privadas ou mistas (por exemplo, nas empresas publicas: ainda mais nitidamente, nas empresas
participadas); e as entidades privadas podem integrar-se no domínio financeiro, quer por
integração numa actividade pública (concessionárias de serviço publico ou da exploração de
empresas publicas), quer pela assunção de poderes de autoridade, quer ainda por utilizarem
fundos públicos, sendo assim, responsáveis por uma quota-parte do interesse público (entidades
subvencionadas pelo Estado ou, por exemplo, pelas Comunidades Europeias; associações ou
fundações privadas com financiamento publico).
VI. Com esta distinção não deve confundir-se a relação a estabelecer entre as diversas formas de
organização do Estado e a actividade financeira e suas instituições. Por um lado, existe estreita
conexão entre a forma estrutural de Estado e a actividade financeira. Quando 0 Estado tem forma
federal, e normal a existência de estruturas político-administrativas de decisão financeira,
correspondentes a uma constituição financeira federal. O modelo nasceu historicamente da
experiencia norte-americana, em que, de uma confederação de Estados formalmente
independentes, se evoluiu para uma estrutura de Estado nacional com Estados nela integrados (da
confederação it. federação). Existem assim duas ordens de poderes política -financeiros - a da
federação e as dos Estados federados -, que são relativamente autónomas entre si. A Constituição
federal só pode ser alterada com participação dos Estados federados e as finanças federais - no
seu aspecto constitucional, no institucional e no dos meios financeiros - não apenas prevalecem
sobre as financias federadas, como definem em última insuficiência os critérios de coordenação,
dependência ou resolução - de conflitos entre umas e outras, ou entre os diversos estados
federados. Todavia, as finanças dos Estados federados são também autónomas, nos seus

43
fundamentos e mecanismos, embora sujeitam a um poder supremo. Este modelo e 0 do
federalismo financeiro; mas a expressam aplica-se a estruturas financeiras que não são federais
no sentido jurídico - constitucional (1) Existem, por outro lado, Estados complexos, que dão
origem a finanças também complexas. Nuns casos existe uma clara subordinação de sistemas
financeiros diferenciados e autónomos a um sistema financeiro central: nos impérios, as finanças
imperiais subordinam sistemas financeiros diversos, tendo sido frequentes as situações de
império colonial (finanças coloniais, derivadas das diferenças de cultura, civilização e nível de
desenvolvimento sócio económico entre metrópole imperial e colónia); mas a história conhece
também situações de aliança subordinada (protectorados, Estados vassalos ou «aliados
imperialistas»), em que a autonomia histórica dos Estados ou estruturas subordinadas justifica
uma maior diferenciação entre as estruturas financeiras dos dois poderes ou espaços integrados.
E deixam de corresponder a hipóteses de subordinação financeira situações tão complexas e
diferenciadas como a da ocupação (finanças em que, por virtude de uma anterior situação de
guerra, um Estado domina politicamente a estrutura político -financeira de outro Estado
ocupado), entre outras. A situação mais frequente de subordinação financeira nas últimas
dezenas de anos tem sido a do regionalismo financeiro. Em tais casos, existe uma subordinação
político-administrativa das regiões ao Estado, sendo certo que os poderes das regiões são
qualitativamente diferentes dos das organizações de índole municipal, mas são também
qualitativamente distintos dos Estados federados (o Estado regional e um Estado politicamente
unitário, como se sabe). As situações de base que dão origem a constituição de Estados regionais
são distintas das dos Estados federados. Normalmente, ou se trata de regiões cuja gestão
financeira tem de ser, por motivos geográficos, diferente da do Estado e da das forma normais e
mais mitigadas de descentralização; ou estamos perante a regionalização territorial do Estado,
que tende a criar um escalão intermédio de decisão, entre o Estado e as tradicionais autarquias
(regiões territoriais); ou se trata de regiões dentro do Estado dotadas de especial idades
geográficas, sociais ou culturais (nesse caso existem algumas regiões, mas o Estado não e, todo
ele, regionalizado na sua organização); ou se trata de grandes autarquias locais ou associações de
autarquias que, devido aos problemas gerados pelo gigantismo urbano, tem uma forma especial
de gestão (regiões metropolitanas, no sentido urbanístico de «metrópole»). Estas situações de
base podem dar origem a criação de regiões político-administrativas, distintas dos Estados
(mesmo federados), mas também diferentes das regiões meramente administrativas, quando

44
existem poderes financeiros como tal caracterizados; todavia, não o determinam
necessariamente. A indagação das fronteiras entre estas formas de organização do Estado, que
tem nos aspectos institucionais de ordem financeira um dos traços mais marcantes, embora se
integrem em estruturas político-administrativas coerentes com a mesma opção organizativa,
nasce de uma realidade recente e ainda em movimento, carecendo de ser mais aprofundada (1).
Enfim, a descentralização puramente administrativa (hoje; no passado foi político-administrativa,
quando não - como na «polis» cidade- estado grega - substancialmente politica) da origem a
crivação de diversas entidades de poder próprio, no plano institucional e no dos recursos, mas
sem qualquer base política ou consistência normativa e, portanto, inteiramente subordinadas ao
poder politico que as constitui, cria ou extingue. As «autarquias», em sentido amplo (usado ainda
no Brasil), podem ser de diverso tipo, mas as mais tradicionais são as que se baseiam em
relações de vizinhança - por vezes muito alargada e diluída, designadamente em virtude do
fenómeno da urbanização de massas típico do século xx, as autarquias territoriais ou locais de
base municipal (quer sejam, entre nos, freguesias, concelhos - que a constituição designa por
«municípios» em sentido estrito - Note-se bem que ao referir esquematicamente estes tipos de
organizações financeiras adoptamos um critério puramente dependente do tipo de organização
institucional dos Estados: ao falar de dependência, por exemplo, temos em vista a dependência
expressa nas relações politicas de poder e nas relações normativas de Direito; não nos referimos
a uma analise substancial da «dependência» como fenómeno de estrutura económica.
VII. Enfim, uma última ordem de distinções entre os Estados modernos permite contrapor
«grosso modo» Estados autocráticos a Estados democráticos, sendo os primeiros aqueles que não
respeitam, de modo julgado satisfatório, os direitos do homem e não asseguram a direcção pelo
povo (mediante certas formas de decisão político -financeira), ao passo que os segundos serão
aqueles que respeitam satisfatoriamente os direitos do homem e asseguram a participação directa
possível e a participação representativa do povo, mediante o voto, na tomada das decisões
políticas (e político -financeiras) fundamentais. E claro que, como tudo na vida, a distinção tem
graus diversos de afirmação: os Estados podem ser mais ou menos democráticos, mais ou menos
autocráticos; existem mesmo situações de transição difíceis de qualificar. O nosso século, ao
construir o conceito e ao viver a experiencia do totalitarismo (v.g., teorizado por HANNAH
ARENDT), abriu uma distinção capital entre os Estados autoritários em sentido estrito (que,
recusando a democraticidade do poder e violando alguns direitos do homem de modo

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qualitativamente grave, permitem certa autonomia das instituições da sociedade civil e toleram
certas zonas de liberdade individual ou certas formas de pluralidade cultural ou social) e os
Estados totalitários (que se assumem como instrumento de uma ideologia, cultura ou sistema de
valores potencialmente universal ou totalizaste, visando moldar toda a vida social económica e
cultural segundo essa visão única e dominante do mundo e da vida). 0 Sistema capitalista tem
coexistido com Estados democráticos (de doutrina liberal, intervencionista ou «socializante» -
social-democracia, socialismo democrático), simplesmente autoritários ou totalitários. As
experiencias recentes de sistemas colectivistas, embora procurem recuperar 0 conceito de
democracia identificando-o com 0 seu conceito de socialismo, não tem coexistido, ate ao
presente, com formas tradicionais de democracia representativa DECISÃO POLÍTICA E
DECISÃO FINANCEIRA
a) A economia da política: O Fenómeno financeiro e, pois, uma decisão política sobre um
objecto económico. Não admira então que, aliado ao facto de a ciência económica moderna
tender a cobrir a totalidade dos fenómenos de raridade social com o seu estudo (economia do
amor, do direito, do crime ou da ciência, por exemplo...), haja surgido do seu estudo uma teoria
económica da política, que veio a alargar o seu campo para além do domínio estrito das finanças
públicas, embora as condicione e delas tenha nascido cientificamente. Assim, e possível debater
o próprio conceito económico de Estado, desde a visão individualista a visão marxista e a
conceitos orgânicos do Estado como entidade dotada de vontade própria, acentuando 0 papel dos
órgãos e governantes (na sua globalidade ou nas suas relações internas, nomeadamente na
articulação fundamental Governo-Parlamento) ou os critérios objectivos de definição do bem
comum ou do interesse geral (consoante a Conceição filosófica que se tenha dos critérios
valorativos da escolha política).
O grau de autonomia que se atribua ao Estado relativamente aos indivíduos, grupos e classes não
permite esquecer que as decisões são tomadas também em função de interesses: os governantes
(que buscam um «apoio» ou «suporte político» -A. DOWNS), os administradores (ou
«burocratas», cuja decisão assenta no critério da maximização do seu poder, em termos de
regulação da economia, de aumento do pessoal ou dos seus orçamentos - teoria iniciada com
originalidade por NOZICK), os grupos de interesse da sociedade e os próprios cidadãos eleitores
(e a concepção da escola da «publica choice»: BUCHANAN, TULLOCK, OLSON, MUELLER;
entre nos, A. PINTO BARBOSA.

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Pessoalmente considera-se que a decisão financeira, como opção económica, melhor pode ser
interpretada na sua racionalidade essencial (abstraindo da multiplicidade concreta das suas
motivações e objectivos) adoptando uma concepção neoclássica, que corresponderia ao «Estado
república»: os governantes buscam alcançar o bem-estar geral (absoluto ou de segundo grau:
secund best), sintetizando nele os vários interesses sociais que representam (incluindo os deles
próprios); ou, pelo menos, visam fazer a melhor aplicação relativa dos bens públicos (óptimo
paretiano). A decisão financeira, por outras palavras, e uma decisão económica que tem a
particularidade de ser colectiva, mas obedece a lógica fundamental da escolha económica:
comparar funções de utilidade ou de preferência com curvas de possibilidade ou «de
constrangimentos». Mas ela não e imune a disputa do poder pelas pessoas e grupos, sobretudo
nos sistemas democráticos. II. No plano político, sobretudo, a análise, mais individualista e
desagregada, da public choice ilumina, a partir de outro modelo, aspectos novos da mesma
realidade - a decisão financeira. Segundo ela, todos os agentes visam, essencialmente, maximizar
o seu interesse individual no campo político. A lógica do eleitor votante leva-o a escolher 0 voto
para tal mais eficiente, encontrando-se no mercado do voto e no âmbito dos sistemas eleitorais,
com as propostas concorrentes dos partidos, que oferecem os seus serviços de representação
(legislativa ou governativa), fazendo o seu marketing e publicidade e procurando, de umas
formas em fase pré-eleitoral e de outras logo após (ciclos políticos), realizar os seus interesses
próprios, os dos grupos de interesse que os apoiam e os dos eleitores, «apanhando» os votos e
fazendo as coligações necessárias a maioria. A «public choice» nasceu dos estudos da
«matemática dos votos», já iniciados nos secs. XVIII e XIX (CONDORCET, BORDA,
LAPLACE, LEWIS CARROL) e teve 0 seu começo real com BLACK ('), analisando os
sistemas de voto (unanimidade, maioria; referendo; «voto tácito», «voto com os pés» %
emigração).
Destacando eleitores, parlamentares e governantes, a teoria económica da política procurou
analisar as relações, essenciais na democracia representativa (não na teoria económica do Estado
autoritário, que, alegam os neoliberais, pode ser interpretado a luz do conceito de «déspota»,
borne ou mau...), entre governantes e parlamentares, de um lado, e eleitores e governados, por
outro; bem como, no seu âmbito, as articulações entre as diversas facções ou partidos, que se
comportam, a semelhança dum mercado, como concorrentes de oferta relativamente a uma
procura expressa no voto dos eleitores, tendo em conta as coligações de partidos (sistemas

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bipartidários e pluripartidários) e a disputa do poder governativo, que e sempre um monopólio
(com complexidades - as vezes esquecidas pelos autores anglo-saxónicos - diferentes se
atentarmos nos sistemas presidencialistas ou nos de base parlamentar). Importa não esquecer
ainda a estrutura política dos órgãos de decisão (relação Governamental; legislativo unicameral
ou bicameral). Em particular, os governantes pretenderiam conquistar os votos do eleitoral
sobretudo o voto flutuantes, susceptíveis de mudar de campo, no centro estatístico do espectro
político: «eleitor mediano», decisivo segundo A. DOWNS - e para isso praticam, antes das
eleições; políticas susceptíveis de corresponderem as suas funções de preferência (expansão do
rendimento real, redução da inflação ou criação de emprego); depois das eleições praticariam
então políticas impopulares (redução do rendimento real, desemprego), quando necessárias.
Resulta daqui que se tem defendido existirem «ciclos político-económicos» - flutuações
económicas cuja regularidade, derivada da fixação, mais ou menos flexível, dos períodos
eleitorais, viria afinal substituir os tradicionais ciclos médios da economia, derivados da
regularidade de uma economia livre e, para alguns, suprimidos ou reprimidos pelas políticas
anticiclónicas de inspiração keynesiana (dos anos trinta ate hoje). Tem-se estudado então, por via
dedutiva ou indutiva, 0 modo como se tomam as decisões de voto, a relação entre sistemas
eleitorais e decisões financeiras, as determinantes da função de preferência dos eleitores e da
função de popularidade dos governantes... Em suma, a componente idealista - valores abstractos
que inspiram a escolha financeira - contrapõe-se a componente realista da dimensão financeira
no meio político, analisando os interesses próprios dos governantes e parlamentares e os dos
eleitores relativamente a decisão financeira. Se o mercado nem sempre era racional e tinha
incapacidades, também assim se evidenciam incapacidades e irracionalidades do Estado.
Por outro lado, também esta componente realista leva! A discernir os critérios de decisão
impostos pelos interesses permanentes e independentes dos prazos eleitorais (fixos ou flexíveis),
como os da burocracia, da tecnocracia e dos interesses e parceiros sociais, e os que se ligam
directamente a cronologia eleitoral (partidos, governos, parlamentos...).

Particularmente importante, no dormindo financeiro, e 0 estudo da burocracia (ou, até, tecno


burocracia), que não e eleita mas condiciona decisivamente 0 fenómeno financeiro (em geral no
sentido do aumento da sua dimensão, que e sempre acréscimo do poder dos burocratas): os
burocratas condicionam mais, pelo saber e pela execução, as decisões dos políticos (governantes
e parlamentares) do que são mandados por eles: pois «dão» a informação, levantam os

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problemas, traçam as alternativas (poder de agenda») e comandam a execução. Os seus
interesses básicos consistem em manter 0 emprego, ganhar mais e subir na carreira, por um lado;
em ganhar poder (ascender a chefia, ter mais poderes - «sub-regulamentação burocrática» - com
expressão, sobretudo, em mais pessoal e maior orçamento); em trabalhar menos; e em ganhar
influencia (o publico como cliente, como patrão e como aliado, pois o burocrata também e
eleitor...)
b) Democracia, consenso social e decisões institucionais
I. Interessa-nos particularmente o caso da democracia - primeiro, porque e esse o sistema de
organização política (com sua projecção institucional ou jurídica) que existe em Portugal;
segundo, porque e O modelo que mais tem permitido avançar na teoria da política económica.29
Deve notar-se que não partimos aqui da noção, algo equivoca, de democracia económica e), mas
apenas do quadro da democracia política como pressuposto e elemento informador da política
económica. Ela caracterizar-se-á essencialmente pela existência de um consenso livre - isto e, um
entendimento ou acordo implícito entre a generalidade (não necessariamente a totalidade) dos
cidadãos, grupos, correntes de opinião e estratos sociais sobre certo tipo de instituições e normas
de organização. Nem todas as constituições beneficiam desse consenso - embora seja
socialmente desejável que o consigam - e nem tudo o que integra esse consenso se esgota na
formulação jurídica da constituição. A voluntariedade e a unanimidade do consenso social
aumentam a segurança e a produtividade do funcionamento da sociedade: em princípio, 0
consenso deve existir sobre 0 processo para tomar decisões, mas não sobre 0 seu conteúdo - a
solução a dar a casos particulares (e sobre a «regra das regras» que ele se exige; não sobre as
decisões subordinadas e concretas). Ele poderá resultar da espontaneidade com que grupos
sociais actuam em conformidade com os seus interesses individuais e colectivos; mas e também
possível que o consenso seja provocado, no sentido de que se procure que haja procedimentos e
instituições que estabeleçam um acordo entre os grupos e as pessoas numa certa colectividade.

II. De qualquer das formas, um consenso social tem três características essenciais incidem sobre
aspectos fundamentais ou básicos da vida em sociedade, indo para além das questões de curto
prazo e do dia-a-dia;
Deriva de situações de incerteza relativamente ao futuro CJ: para que ele exista e necessário que
as pessoas não saibam em que situações se encontrarão no futuro - pois, se o souberem, tenderão

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a sobrevalorizar a sua posição e a dificultar o acordo impossibilita-lo; e voluntário, espontâneo,
livre e tendencialmente unânime no que toca as pessoas como aos grupos e estratos sociais
envolvidos (o que não quer dizer que não existam discordâncias pouco significativas ou
irrelevantes). Quanto mais consensual e uma sociedade (e mais largo o seu consenso básico)
maior eficiência e bem-estar pode alcançar no seu funcionamento, segundo regras clarificadas.
Tendencialmente, e este o aspecto mais essencial da democracia; por em causa pontos essenciais
do consenso significa impossibilitar o funcionamento do sistema, e traduz, portanto, uma atitude
«subversiva)} (revolucionaria, neste sentido), seja qual for o conteúdo da opção em nome da
qual se contraria o consenso - ou ate a inexistência de opção real. C) Todavia, não e de excluir a
democracia como expressão de certas formas de confronto ou imposição; resta saber se, sendo
estas totais e incapazes de gerarem consensos, a democracia pode subsistir Por exemplo: só e
possível que haja aceitação generalizada do princípio segundo o qual através de impostos se deve
financiar o pagamento de pensões ou prestações aos deficientes e desempregados, se as pessoas
não souberem se serram contribuintes ou desempregados; se alguns o souberem, os que sabem
que serram contribuintes e não serão desempregados bloquearão ou contrariarão o consenso.

III. O Consenso pode -ser implícito ou explicitar-se, nomeadamente através de um processo que
para alguns tende a identificar-se com um «contrato constitucional» C); parece-nos preferível
entender que tal consenso pode abranger acordos não explícitos nem escritos, num conceito de
constituição tradicional ou consuetudinária. Por outro lado, a hipótese do contrato - que vem de
J. J. ROUSSEAU, Do contrato social (1762) - racionaliza uma série de factores que não são
necessariamente de ordem racional; explicita na hipótese contratual comportamento que ou são
inatos ou tem fundamentos não exclusivamente voluntários; e mesmo se estendida a grupos e não
só a indivíduos (o que não e já a lógica essencialmente individualista dos seus seguidores), parte
de hipóteses individualistas e hedonismos sobre o comportamento social que estamos longe de
ter por aceitáveis. Esta e todavia uma hipótese individualista, racional e sensualista do
comportamento; como tal pode ser provisória e limitadamente acolhida.

IV. A análise económica do sistema democrático note-se que formula o conceito de constituição
diferentemente da sua concepção jurídica. Assim, para BUCHANAN e TULLOCK uma
constituição e um modo de intervenção dos agentes na vida económica e), distinguindo-se como

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tal três tipos de constituições: a' acessão individual; a constituição cooperativa, que se traduz no
entendimento para determinado número de agentes individuais actuar como grupos de interesse,
ou seja, como uma associação de agentes constituída com o fim de favorecer os seus interesses
comuns. E a acção colectiva, expressa pelo processo colectivo de voto e pelas instituições e
regras de direito positivo que dele decorrem (neste sentido encontrarmos a base da formalização
jurídica da constituirão). De cada uma decorre uma distinta lógica de sistema económico.
Enquanto para BUCHANAN e TULLOCK a constituição e uma instituirão, que sanciona a
vontade do indivíduo, de um grupo ou da Colectividade, para ARROW e a regra fundamental de
agregação, isto é, da passagem de n vontades individuais a uma vontade colectiva, que permite
determinar as preferências sobre situações sociais a partir de preferências individuais. Será, de
qualquer forma, com base na constituição - e na lógica económica que dela deriva ou que ela
incorpora (consoante as concepções) - que e possível tomar as decisões politicas correntes, então
por simples maioria. O consenso democrático exprime-se normalmente por uma serie típica de
instituições e regras C) que tentaremos caracterizar no domínio financeiro (constituição
financeira).

V. Os consensos sociais podem assim ser espontâneos, quando as vantagens das respectivas
regras e instituições são óbvias, ou podem resultar de acções inovadoras, tendentes a provoca-
los. Os níveis de acordo numa sociedade podem ainda ser bem diversos por exemplo: a) umas
situações sem nenhuns consensos; b) uma situação em que existem acordos feitos com base no
que RAWLS chamou de o «véu da ignorância» - a incerteza absoluta sobre a própria posição no
futuro, que e condição de adesão a certos acordos; c) ou processo social de decisão corrente, em
que existem regras básicas de convivência social e as pessoas conhecem a sua posição na
sociedade: então as decisões correntes serão tomadas num estado de certeza, quanto as regras e
quanto a posição essencial das pessoas e). (3) Por exemplo: é admissível que cada um dos
membros da sociedade desejasse uma ditadura se fosse ele o ditador; mas todos estão incertos
sobre quem o se tido de que se procure que haja procedimentos e instituições que estabeleçam
um acordo entre os grupos e as pessoas numa certa colectividade (I). Caso ele seja determinado,
o ditador preferia sê-lo, e os restantes não; e haverá decisão se ele tiver força para a impor. No
segundo caso, havendo um consenso de recusa do ditador baseada no «véu de ignorância» (os
olhos estão velados, porque ninguém sabe quem será ditador...). Decisão corrente falará adiante;

51
ela afasta-se da decisão sobre as regras e instituições fundamentais da sociedade. Os acordos de
consenso social apenas serão possíveis quando (nos dois primeiros níveis referidos) houver
incerteza sobre a sua posição futura na sociedade ou no processo politico-econ6mico; caso
contrário, vigoraria a lei da forca e prevaleceria a vontade do mais forte. VI. Algumas
circunstâncias favorecem, portanto, a formulação de consensos: uma assembleia constituinte
(BUCHANAN), em que os constituintes pensam que ganharão no futuro com as regras que
formulam; a capacidade de prever a situação dos descendentes, que pode justificar sacrifícios
actuais para beneficio deles; a igual possibilidade de cada um se encontrar na situação do outro; a
existência de um período de tempo antes da entrada em vigor da regra (tomando provável que os
ganhadores agora sejam beneficiados daqui por dois anos, por exemplo). Teoricamente
formularam-se duas regras de decisão nestas circunstâncias: 1) – O principio (formulado como
regra básica por J. RAWLS) do Maximino, segundo o qual, em condições de incerteza, o
consenso mais provável parte deste conceito; por prudência, as pessoas tendem a concentrar-se
na hipótese pior; e tendera a ser escolhida a solução que seja a melhor de entre as alternativas
piores. Suponham-se quatro situações possíveis (A, B, C, D) e três alternativas de decisão (I, II,
III) cujas utilidades constam do seguinte quadro: O critério de escolha de uma pessoa prudente
será, para RAWLS, mão o de procurar a solução em que ganha mais (a alternativa II, com
utilidade 110. na situação A), mas aquela em que pode perder menos (I, com um mínimo de 20),
por uma razão de prudência (').
2) – O consenso social exige, para se manter, a regra da unanimidade (ou melhor: a unanimidade
política, isto e, ausência de discordâncias significativas). Aqui não como critério corrente de
decisão financeira - que a ideia de unanimidade formulada por WICKSELL tem sentido. Para
demonstrar que um consenso exige, para ser mantido, que todos os sujeitos sociais relevantes
estejam de acordo em mante-lo, pode recorrer-se ao caso de teoria dos jogos designado por
dilema do prisioneiro C). Tomemos dois agentes, A e B, considerados por hipótese em situações
idênticas. O número em cima e a esquerda de cada quadrado representa a utilidade de A e 0 de
baixo a direita a utilidade de B; no quadrado central indica-se a utilidade total (isto e, a soma das
utilidades de cada um deles). A pode aumentar a sua utilidade de IO para 13. Violando as regras
(por exemplo actuando como contrabandista); mas apenas se B observar as regras e só nesse
caso, caso em que a utilidade de B, que observa as regras sozinhas, desce radicalmente (na
sociedade a posição de quem cumpre e pior se houver incumprimento generalizado...). Mas se B

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deixar de cumprir as regras, anula a utilidade de A - e também a sua: ambos ficam então na pior
situação possível. Logo, ambos têm interesse em cumprir as regras, porque essa e a maior
utilidade estável de ambos do ponto de vista social: o maior incentivo ao incumprimento, num
jogo com muitos intervenientes, e a existência de castigos ou sanções para os incumpridores.
VII. Qual e, então, o âmbito do consenso mínimo necessário? Pode dizer-se que ele deve
abranger (considerando sobretudo uma economia de mercado) as regras fundamentais e
instituições da saciedade: - Direitos individuais (em especial liberdade económica e propriedade
privada); - Os limites da área individual e colectiva da sociedade; - A estruturação do Estado,
que pode recorrer a forca para prosseguir os bens colectivos constitucionalmente acordados (mas
e limitado pelos direitos individuais, a divisão de poderes e a descentralização); - Enfim, a
participação da população (democracia económica e financeira) em variados níveis: a decisão
directa (democracia directa); 0 referendo e a iniciativa legislativa popular (democracia semi-
recta); a com decisão em certas decisões económicas (co-gestão, autogestão, planeamento
participado, etc.) e).
VIII. Estas concepções, como já se apontou, são individualistas, voluntaristas e relativamente
racionalistas. Na política, 0 grau de determinação dos indivíduos e dos grupos e bem menor -
podendo, no limite, entender-se que ele e determinado necessariamente pela evolução da infra-
estrutura económica (como entendem os marxistas). De qualquer modo, os fundamentos
voluntários das instituições e regras de decisão, em relação a liberdade das pessoas, ficam
relativamente (mas não absolutamente) esclarecidos pelo recurso a este tipo de análise - dedutiva
quanto ao método, neoliberal quanto a inspiração.
c) Decisões financeiras concretas Designamos por decisões financeiras as opções relativas a
satisfação pública de necessidades e ao nível do sector público em confronto com o privado, bem
como as respectivas afectasses de recursos e fontes ou processos de financiamento e) o seu
conteúdo concreto ser definido em fundamentais: (i) Quais os critérios da decisão financeira? (ii)
Qual a forma da decisão financeira (processos de decisão, execução e controlo)?
A primeira pergunta já responde; quanto a segunda, brevíssimas palavras apenas.
As decisões financeiras são tendencialmente bilaterais - abrangem a provisão de bens como o seu
financiamento. Os bens mercantis ou privados são produzidos para mercado e nele avaliados; os
bens colectivos ou públicos são produzidos a margem do mercado e avaliados fora dele, por
critérios de valor aplicados pelo próprio poder político. Com razão se tem acentuado o papel dos

53
mecanismos institucionais na escolha dos bens públicos: eles não resultariam, ao menos nos
Estados com constituições democráticas, da pura imposição do Estado ou dos governantes;
resultariam antes de um processo de formação da vontade colectiva, por formas institucionais
adequadas e segundo a constituição e a organização social de cada país (escola da «public
choice» ou escolha publica). Mesmo nos Estados autocríticos os meios de pressão social (opinião
publica, pressões politicas, dinâmica revolta repressão) existem e influenciam as decisões.
Outros acentuam de preferência o uso de mecanismos coactivos na selecção dos bens produzidos
pela autoridade pública, embora admitam formas diversas de os financiar (relacionadas com 0
tipo de utilidade individual que, além da colectiva, também pode prestar).
Em alguns casos funcionariam um princípio de troca ou de justiça comutativa: cada um
financiaria os bens colectivos (ou o seu custo), participando nos encargos públicos consoante as
utilidades recebidas (paga taxas se beneficia de um serviço; paga impostos em função da
utilidade geral que recebe do funcionamento da maquina estadual, etc.). Para outros, prevaleceria
a justiça distributiva: em vez de haver uma troca não mercantil, repartir-se-iam encargos em
proporção dos recursos distribuídos e das utilidades percebidas, utilizando a justiça fiscal, não
como mera troca, mas como uma maneira de distribuir benefícios e custos entre cidadãos (pagam
mais os mais ricos e menos os mais pobres), entre gerações, entre regiões, etc. Encaram outros,
enfim, 0 financiamento dos bens colectivos como uma forma de política e justiça social e um
instrumento para criar condições de: Igualdade e transformar a sociedade pela política financeira:
então, distribuem-se os encargos, tendo em conta a repartição que se julga ser mais justa entre os
diversos grupos existentes na sociedade e os fins gerais da política. Os problemas da decisão
financeira têm haver, ainda, com o papel das estruturas de decida. Que sistemas de votação? Que
órgãos - e sob que controlo - as tomarão? A que critérios obedecerem as decisões dos órgãos e a
interpretação da escolha social que pretendem interpretar (unanimidade, maioria, maioria
qualificada)? Como concorrem entre si, não apenas os órgãos do Estado, mas as diversas
estruturas de decisão e poder política --designadamente os partidos? Como se repartem os
poderes de decisão entre classes e entre grupos funcionais (governantes, burocracia, tecnocracia),
sujeitos a quais formas de poder?
.
ESTADO E OUTRAS ENTIDADES SOCIAIS

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I. É legitimo perguntar se ao Estado se limita a actividade financeira. Sem prejuízo do estudo da
realidade portuguesa, deve responder-se que não. Vejamos.
II. Existem no âmbito das comunidades religiosas fenómenos que podem assemelhar-se, pelo
menos formalmente, aos fenómenos financeiros. Numa dupla perspectiva: satisfação de
necessidades colectivas e financiamento de instituições sociais de interesse geral. Todavia, pelo
menos no caso dos Estados como Portugal, em que vigoram os princípios da separação entre
Igreja e Estado e da liberdade religiosa, não parece existir um elemento necessário a
caracterização desta actividade como financeira: a coação pública.
Existem, e certo, formulas, em relação a Igreja Católica, de comparticipação dos fiéis, através de
doações espontâneas ou do pagamento de determinadas taxas em troca de serviços, reguladas
exclusivamente pelo Direito Canónico: ora, este move-se num domínio de entidade pura e de
cooperarão, sempre sem recurso a coacção.

III. Problema de particular actualidade e o de saber se o fenómeno financeiro se restringe ao


âmbito estadual ou se existem para além do Estado actividades financeiras próprias da
comunidade internacional, nomeadamente nas organizações internacionais. A indagação sobre a
existência de fenómenos financeiros extra-estaduais não se confunde com o reconhecimento
forçoso de que existem regras internacionais que se repercutem sobre a actividade financeira
interna do Estado, como sejam os tratados e convenções internacionais relativos a tributação.
Trata-se aqui de saber se na vida das organizações internacionais existem fenómenos realmente
financeiros. Em princípio, pela sua própria existência e funcionamento, as Organizações
Internacionais implicam que haja formas de financiamento e processos de gestão que podem
aproximar-se daqueles que política corrente nos Estados. Enquanto esse financiamento for
assegurado através das contribuições associativas dos Estados, como sucede na Organização das
Nações Unidas e na generalidade destas instituições, não existem traços típicos do fenómeno
financeiro no financiamento, mas apenas na afectação a que sejam criados - e são-no - bens
públicos. O moderno desenvolvimento de organizações supranacionais veio, no entanto,
introduzir novos elementos, na medida em que em alguns casos se atribui a essas organizações
um poder que se exerce dentro das fronteiras dos Estados membros e lhes permite entrar em
relação com os cidadãos de cada país membro. É o que veremos a respeito das Comunidades
Europeias.

55
IV. Enfim, seria impensável que o Estado chamasse a si a totalidade da satisfação das
necessidades públicas; mais ou menos em todos os países existem algumas zonas que estão
afectas a outros entes públicos, seja aqueles que tem uma mera personalidade jurídica distinta da
do Estado, seja aos que tem uma base territorial diferente. Basta dizer que, nos Estados
modernos, encontramos, para além do Estado, múltiplas outras entidades que exercem uma
verdadeira actividade financeira pública.

CAPÍTULO IV -FACTOS E NORMAS NA ACTIVIDADE FINANCEIRA


OBJECTIVOS
Neste capitulo o estudante deverá ser capaz de entender que:
1. A actividade financeira é regulada por normas jurídicas que determinam a existência de
instituições, situações e relações jurídicas.

2. O conceito de direito financeiro e o significado da autonomia e natureza de um ramo de


direito, sobretudo do direito financeiro.

AS FINANÇAS PÚBLICAS E 0 DIREITO FINANCEIRO


1. A actividade financeira envolve complexas arbitragens de interesses e uma estruturação
institucional, articulada em razão de fins públicos e do exercício do poder político ou da
autoridade pública; por força tem então de ser regida por normas jurídicas e determina a
existência de instituições, situações e relações jurídicas. Dai que, tomando-a imediatamente
como objecto de uma regulação jurídica, ela de origem ao aparecimento de um complexo
jurídico (ordem normativa e ordenamento concreto) e de uma disciplina da ciência jurídica,
designados todos por Direito Financeiro. As normas jurídicas que regulam a actividade
financeira em função de valores fazem-no fundamentalmente em dois pianos: I) - O da
organização e funcionamento interno da actividade financeira do Estado e demais entidades
públicas; 2) das relações financeiras entre o Estado e outras entidades, nomeadamente os
particulares.

No primeiro plano, que também engloba diversas normas de Direito Constitucional e Direito
Administrativo, estão incluídas matérias que se reportam, nomeadamente, a competência para a
aprovação do Orçamento e a autorização política que lhe é inerente, além de todos os domínios
relacionados com a fiscalização financeira (quer esta seja efectuada por entidades
56
administrativas, judiciais ou politicas) e com a execução do orçamento (que inclui o regime das
despesas), bem como o direito patrimonial e da tesouraria. Apenas para exemplificar... No
segundo plano, trata-se sobretudo de matérias respeitantes ao direito das receitas, ou seja, a
regulamentação dos processos pelos quais o Estado ou outros entes públicos obtêm os meios
necessários ao financiamento das necessidades públicas. Neste aspecto o Direito Financeiro e
particularmente marcado pelas suas origens hist6ricas e dominadas por uma preocupação de dar
garantias aos particulares contra os possíveis abusos do Estado (no domínio dos impostos e
outros tributos, no credito publico, etc.). O Direito Financeiro e assim 0 ramo do Direito que
regula, mediante um regime próprio, nascido no século XVIII, a actividade financeira. Para 0
definir relevam esta matéria e aquela forma específica. II. O conteúdo destas normas parece-nos
que abrange as seguintes áreas normativas principais: a) O Direito Constitucional Financeiro,
que integra as normas relativas aos princípios fundamentais de organização e exercício do poder
politica em matéria financeira e aos princípios gerais orientadores da estrutura e da actividade
financeira do Estado; b) O Direito da Administração Financeira, que rege a organização interna
da Administração financeira (e que nada repugna considerar, como as demais normas relativas a
organização e funcionamento de qualquer parte do aparelho administrativo, normas de Direito
Administrativo); c) O Direito Patrimonial, que integra as normas financeiras relativas ao
patrim6nio do Estado; d) O Direito Orçamental, que integra o regime geral do orçamento e da
sua execução - incluindo, portanto, o «direito das despesas» ou normas relativas a realização de
despesas correspondente as áreas da contabilidade publica e controlo financeiro e integrando as
normas relativas a tesouraria do Estado; e) O Direito das Receitas, em que podemos ainda
distinguir duas áreas bem significativas: 0 Direito Tributário (ou, mais restritamente, o Direito
Fiscal, relativo apenas ao regime jurídico dos impostos), que rege todas as receitas tributarias e
se subordina ao principio geral de garantir a propriedade privada contra as execuções arbitrarias
ou excessivas; o Direito do Crédito Publico, que regula o conjunto das operações de crédito com
regime especial de direito público praticara pelas entidades públicas. f) 0 Direito Processual
Financeiro, que regula a organização e funcionamento processual da Administração e dos
Tribunais financeiros (fiscais ou de contas). III. É evidente que, como esferas institucionais
autónomas, podemos distinguir um Direito Financeiro Internacional e um Direito Financeiro
Interno; podemos distinguir direitos financeiros próprios das principais zonas institucionais
internas (local, regional, da segurança social, etc.), Obviamente como delimitações institucionais

57
do Direito Financeiro Geral. IV. A matéria é, desde logo, suficientemente ampla - como objecto
estritamente jurídico - para justificar o seu estudo autónomo e o ensino separado (autonomias
disciplinar e didáctica). É importante delimitar o seu âmbito formal da realidade financeira, de tal
modo que, no plano institucional jurídico, económico, administrativo, etc.), Se justifique o seu
estudo interdisciplinar em articulação com o das Finanças Publicas. Mas qual a sua autonomia
real (objectiva) e científica (subjectiva)?
AUTONOMIA E NATUREZA DO DIREITO FINANCEIRO
I. A questão da autonomia substancial do Direito Financeiro tem sido bastante discutida e, apesar
de não atribuirmos importância capital, ela justifica uma breve reflexão. Partimos do princípio de
que o problema da autonomia dos ramos de Direito, colocado em termos objectivos (autonomia
como conjunto de normas, relações e instituições distintas das demais e dotadas de um espírito e
de regimes comuns e próprios) e em termos subjectivos (autonomia da disciplina jurídica que as
tem como objecto), tem muitas consequências práticas. Não apenas na definição dos problemas e
princípios próprios de cada ramo de Direito. Também, por exemplo, na abordagem das
respectivas fontes, na definição dos critérios de interpretação e aplicação das respectivas normas,
na definição do Direito subsidiário quando se trate de integrar lacunas da lei, na formulação do
mecanismo da garantia jurídica e da aplicação pelos tribunais... Partimos, por outro lado, do
principio de que, se homogénea e a realidade social, una e integra e a ordem jurídica: por isso os
ramos de Direito não são estanques, e a mesma norma, situação ou instituto podem ter uns
aspectos regidos por certo ramo de Direito e outros ordenados por um outro. E é particularmente
nítido o caso das normas constantes da Constituição, que definem bases fundamentais -e por
vezes mais do que isso - dos diversos ramos de Direito. Nada obsta a que o direito Constitucional
as tome como suas, num plano de generalidade; mas elas há-de ser também apropriadas pelas
disciplinas respectivas: a proibição do confisco ou a punição dos crimes e matéria de Direito
Penal, como a existência obrigatória do recurso contencioso se situa no campo do Direito
Administrativo... II. Em nosso entender, um ramo de Direito caracteriza-se por: a) Exercer uma
forma específica de regulação social, orientada por uma função própria; b) Estruturar o exercício
dessa função através de regimes jurídicos autónomos e coerentes, que formem um subsistema
axiológico e normativo, com sua projectarão em relações e situações jurídicas diferenciadas das
demais: c) Conformar assim uma área da realidade jurídica em termos diferenciados, isto e,
específicos e próprios (instituíres próprias de cada ramo de Direito); d) Determinar a existência

58
de uma disciplina jurídica, em sentido subjectivo, suficientemente autonomizada,
designadamente no plano da realidade social e no da metodologia científica.

O Direito Financeiro tem as características que delimitam um ramo de Direito autónomo, ao


menos nos sistemas jurídicos de tipo ocidental (e, fundamentalmente, no sistema românico).
Exerce uma função essencial da regulação social: a arbitragem concreta entre os bens
económicos atribuídos ao estado e os dos particulares, não só numa perspectiva estática (direito
de propriedade, direitos reais administrativos, etc.), mas também numa óptica dinâmica de
rendimento. Como pode o Estado obter recursos as custa do sector privado garantias são dadas a
este, nomeadamente na óptica de defesa a propriedade da iniciativa privada a e da liberdade
económica? Que instituições vão ordenar a adequada ilimitada gestão desses recursos e a sua
aplicarão, de forma a garantir 0 controlo social sobre os bens apropriados pelo Estado? O Direito
Financeiro seria constituído exclusivamente por normas de organização e internas se elas se
limitassem ao património, a administração financeira, a tesouraria, por exemplo; mas não e assim
desde que o preocupa essencialmente a arbitragem nas receitas - tributárias e creditícias - entre o
interesse público e os direitos patrimoniais privados, e porque 0 controlo político -participativo
da colectividade se exerce sobre a afectação dos recursos e sua gestão (ornamento, contabilidade
publica).
Regular a actividade financeira significa fazer a arbitragem concreta entre propriedade -
actividade do Estado e propriedade -actividade privada, em cada período de tempo: no plano das
relações entre Estado e particulares, como no plano do controlo político -participativo da
actividade dos órgãos do Estado pelos representantes do povo, ou até por este directamente
(acção popular, referendos financeiros). Nesta perspectiva, a expropriação e a requisição
exercem com lógica a função de Direito Financeiro e manifestam até - veja-se a intervenção
prévia dos tribunais - alguns dos seus caracteres estruturais; todavia, nada obsta a que continuem
a considerar-se de Direito Administrativo, na medida em que 0 Direito Financeiro tendeu a
restringir-se as relações pecuniárias entre o Estado e os particulares, e 0 carácter não pecuniário
da relação económica e naquele caso fundamento para o seu tratamento fora do plano do Direito
Financeiro (aliás, figuras disputadas e de fronteira existem sempre...).

59
III. Da sua função própria decorrem conteúdos normativos próprios e regimes específicos de
Direito Financeiro, como conjunto de regras e princípios do Estado moderno, constitucional,
liberal e democrático C). Estes foram, aliás, em boa parte formulados a partir do séc. XVllI,
antes da existência do tipo de Estado que inspirou 0 aparecimento do Direito Administrativo nos
Estados de modelo francês (napoleónico) ou germânico: O Direito Financeiro e um produto do
Estado demo -liberal e, sobretudo, do seu modelo parlamentar anglo-saxónico. Alguns dos seus
regimes próprios são importantes: a vigência anual das opções orçamentais de receitas e de
despesas; os caracteres próprios da legalidade ornamental; a aprovação das opções financeiras
concretas da Administração pelos Parlamentos e não pela Administração (como e próprio do
Direito Administrativo); a inexistência do privilégio de execução prévia e o recurso aos tribunais
comuns, ou a tribunais fiscais ou financeiros, mas nunca aos tribunais administrativos para a
resolução de litígios financeiros efectivos ou potenciais; a decisão parlamentar ou directa sobre
as receitas e as despesas, na fase de autorização como na tomada de contas; os exercícios das
formas de responsabilidade financeira dos agentes responsáveis pelos dinheiros públicos - tudo
isto são princípios que projectam o Direito Financeiro para alem das simples normas internas e
de organização, por um lado, e que o relacionam com mais garantias para os particulares, maior
vinculação governamental e administrativa, critérios próprios de autorização, legalidade,
controlo e intervenção judicial, diferentes dos do Direito Administrativo. Os poderes financeiros
são, pois, diversos dos administrativos. Mas também se afastam da simples aplicação do Direito
Civil ou Comercial: desde o regime próprio do empréstimo público, dominado pelo poder de
autoridade do Estado, ate regras especiais de prescrição das dívidas do Estado... Tudo isto
demonstra também que se trata de um ramo de Direito Publico, em o interesse público releva,
embora constantemente ponderado em confronto com o privado, e que por ele se exercem
poderes de autoridade. Ocioso se torna exemplificar que o Direito Financeiro informa
instituições próprias (o imposto, o ordenamento, etc.) e tem vida jurídica autónoma (profissões
financeiras, v.g.). IV. Poderá, e devera, reconhecer-se particular homogeneidade e importância
pratica do Direito Fiscal - sub-ramo cuja autonomia e evidente e crescente. Mas isso não impede
a identificação de fundo do Direito Fiscal com os princípios acima definidos e a existência de
uma unidade subjacente a todo o Direito Financeiro. Quanto ao grau de heterogeneidade dai
resultante, querer-se-á conceber maior heterogeneidade que a do Direito Civil? Por outro lado, o
argumento que tende a identificar as clássicas funções do Estado com cada um dos ramos do

60
Direito Publico interno (Político ou Constitucional; J judiciário e Processual; Administrativo),
omite importantes ramos do Direito Publico (como o Direito Penal) e atribui ao Direito
Administrativo um carácter residual e heterogéneo que não nos parece correcto. Nada obsta a
que certos princípios gerais do Direito Administrativo se apliquem também - por integração ou
aplicação directa - as relações e instituições de Direito Financeiro, quer pela íntima articulação
entre actividade financeira e actividade administrativa em geral, quer por se tratar de princípios
gerais do Direito Publico. Mas como integrar no Direito Administrativo, por exemplo, o
Orçamento, cuja essência e precisamente vincular a Administração a execução de opções
concretas e (lato senso) administrativas, que são tomadas pelo Parlamento, controladas por este e
objecto de responsabilização perante este? Nada obsta, porem, a que se considere que o Direito
da Administração Tributária se integrar no âmbito do Direito Administrativo. Sem fronteiras
enganadoramente' rígidas, a distinção entre Direito Financeiro e Direito Administrativo não pode
deixar de passar pelo reconhecimento de que a actividade financeira e uma actividade política e
administrativa, mas que são completamente diferentes as perspectivas de um ramo de Direito
como o Administrativo, marcado geneticamente pelo poder e autoridade administrativos, e de um
ramo como o Financeiro, nascido da preocupação de delimitar os poderem da Administração em
relação aos particulares e do primado do Parlamento, A sua origem histórica e também bem
distinta: O Direito Financeiro nasce na Inglaterra nos séculos XVII e XVIII, o Direito
Administrativo é um produto do liberalismo continental do século XIX.

Para separar o Direito Financeiro do Direito Privado bastará recordar que só existe fenómeno
financeiro quando estamos perante a satisfação pública de necessidades a cargo de um ente que
poder recorrer aos seus poderes de autoridade e a coacção para definir quais as necessidades a
satisfazer e o modo como o vai fazer. Desta particular coercibilidade de que é dotado o
fenómeno financeiro resultam inúmeras especificidades de regime, que permitem a sua
qualificação como Direito Publico. Note-se, no entanto, que anda assim o Direito Financeiro vai
buscar ao Direito Privado um apoio importante recorrendo, por exemplo, ao Direito das
Obrigações para estruturar as relações decorrentes do imposto ou do empréstimo público, ou ao
Direito Processual Comum para as normas que regulam o contencioso fiscal. Quanto ao Direito
Constitucional, não cabem dúvidas de que uma importante parte do Direito Financeiro se situa
em nível infraconstitucional, apesar de ser evidente que muitas das suas normas fundamentais

61
(como a existência de votação dos impostos ou de aprovação parlamentar dos Orçamentos) há-de
constar da própria Constituição, por envolverem poderes e processos jurídico-políticos ou
direitos fundamentais.

V. A solução preferível parece ser assim a de considerar este ramo do Direito como dotado de
autonomia, embora admitindo que muitas das suas normas estão intimamente relacionadas com
(ou pertencem mesmo a) outros ramos de Direito, o que nem sequer e uma situação especifica do
Direito Financeiro. A autonomia deste ramo do Direito Publico e hoje, de resto, admitida pela
doutrina estrangeira dominante, e também o e em Portugal (embora não exista, particularmente
entre nos, um tratamento didáctico e científico global correspondente a importância actual do
Direito Financeiro, com excepção do Direito Fiscal).
Acentue-se, enfim, a importância histórica do Direito Financeiro, em cujo tratamento se
distinguiram notáveis especialistas de Direito Publico, e as suas especialidades metodológicas
em relação ao Direito Administrativo. Anote-se apenas a maior relevância dos conceitos
contabilísticos e económicos (sem confundir disciplinas, métodos e campos de saber diversos,
como por vezes fizeram os autores que defenderam, desde GRIZIOTI, uma excessiva
interligação entre o Direito Financeiro e a Ciência das Finanças.

EXÉRCICIOS PRÁTICOS

1. Diga o que entende sobre actividade financeira do Estado.

2. “ As finanças públicas referem-se a aquisição e utilização de meios financeiros pelas entidades


públicas

Queira, por favor, comentar esta afirmação, tendo em consideração o conceito de finanças
públicas.
3. “ As finanças públicas diferem radicalmente das finanças privadas

a) Estabeleça a diferença entre estas duas figuras.

4. Estabeleça a diferença entre intervenção económica e actuação económica.

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5. De exemplos elucidativos de intervenção do Estado na economia.

6. Explique o que entende sobre abstenção económica do Estado.

7. Diga o que entende sobre princípio de mercado.

CORRECÇÃO DOS EXERCÍCIOS


1. A actividade financeira do Estado e aquela que visa satisfazer necessidades colectivas ou
alcançar outro tipo de objectivos económicos, políticos e sociais e que se concretiza na
arrecadação de receitas e na realização de despesas.

2. Comentando esta afirmação direi que e um facto que as finanças publicas referem-se a
aquisição e utilização de meios financeiros pela entidades publicas, porque esta aquisição e
utilização de meios financeiros referem-se a arrecadação das receitas com vista a efectuar
respectivas despesas do Estado; porque o Estado tem como finalidade a satisfação de
necessidades colectivas, tais como, a segurança, a ordem publica, a defesa nacional, a
administração da justiça, o acesso a educação e saúde, a existência de infra-estruturas
económicas e sociais e a estabilidade macroeconómica, tem também como objectivo atingir
certos objectivos de política económica e social, como a redução da pobreza, a redistribuição do
rendimento e o desenvolvimento económico e para alcançar tais objectivos, o Estado vê-se
obrigado a despender recursos, a efectuar despesas, e para conseguir financiar as suas despesas
recorre a arrecadação de receitas, tais como, os impostos, as taxas, as receitas patrimoniais, os
donativos e os empréstimos públicos.
3. Estabelecendo a diferença entre finanças públicas e finanças privadas direi o seguinte:

Os impostos constituem um meio de financiamento do Estado, que não se encontra ao dispor de


nenhuma empresa privada.

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As despesas públicas ao contrário das privadas, não são determinadas pelas receitas. O Estado
visa satisfazer necessidades colectivas e alcançar objectivos económicos e sociais, enquanto as
empresas procuram a maximização dos seus lucros.

4. Estabelecendo a diferença entre intervenção económica e actuação económica podem afirmar


que a intervenção económica refere-se a acções do Governo visando alterar a actuação ou o
comportamento dos agentes económicos, sem contudo o modificar o quadro geral da actividade
económica, na actuação económica o Estado assume-se como agente económico, dispondo neste
Caso de bens económicos, afectando-os a necessidades sociais que pretende ver satisfeitas.

5. Os exemplos de intervenção do Estado na economia são os seguintes: A subida dos impostos


sobre as actividades poluidoras, com vista a fazer com que as empresas reduzam a emissão de
resíduos poluentes; a redução dos direitos aduaneiros sobre as importações de bens de capital,
para estimular o investimento na economia; e também o caso de um subsídio aos preços dos
produtos básicos, a fim de reduzir a inflação e os níveis de pobreza; de uma desvalorização da
moeda, com vista a aumentar as exportações e diminuir as importações; ou de uma expansão da
oferta monetária, com objectivo de reduzir as taxas de juro e incentivar o investimento.

6. A abstenção económica do Estado e um outro princípio fundamental que preside ao


relacionamento entre o Estado e a actividade económica, neste princípio, o Estado tendera a não
exercer funções de regulamentação e intervenção sobre a actividade económica, para deixar agir
espontaneamente a livre concorrência. Toda a sua orientação económica e dominada pela
preocupação de não modificar o comportamento normal dos sujeitos económicos privados,
abstendo-se quanto possível de interferir sobre elas no desenrolar do seu comportamento
económico próprio (actividade financeira)
7. Princípio de mercado define, em relação a cada tipo de bens, quais vão ser produzidos, em que
quantidades o vão e a que preços, resolvendo-se através da livre licitação da oferta e da procura
em mercado todos os problemas económicos fundamentais, sejam de produção, de consumo, de
repartição ou de circulação. O princípio da economia do mercado é dominado pela lei da oferta e
da procura.

SUGESTÕES DE LEITURA

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 Sousa Franco, A.L (1996), Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. 1, p.3; pp.50-68
 Teixeira Ribeiro, J.J. (1991), Lições de Finanças Públicas, capítulo 1.
 Adriano Moreira, Ciência Política, (1979).
 Sousa Franco, Introdução a Política Financeira

Unidade Temática II – O Orçamento do Estado

CAPÍTULO I – DAS FONTES DE DIREITO


OBJECTIVOS:

No capítulo em apreço o estudante terá adquirido capacidades


necessárias:
1. Para perceber o que são as fontes de Direito Financeiro;
2. Interpretação e aplicação das normas de Direito Financeiro.
1. FONTES DE DIREITO FINANCEIRO
A lei e o decreto-lei são as principais fontes de Direito Financeiro. A Constituição prevê que seja
por lei formal que se adoptem providências gerais e abstractas em matéria de: criação de
impostos, definição do sistema fiscal, autorização de empréstimos e outras operações de crédito
que não sejam de dívida flutuante. No caso do Orçamento e da autorização de empréstimos, a
iniciativa do Parlamento é exclusiva e a reserva absoluta, não podendo haver delegações ao
Governo.
Infelizmente, a tendência tem sido para reduzir ao mínimo estas competências parlamentares,
amiúde desrespeitadas. O decreto-lei, em domínios onde não haja reserva de competência
parlamentar, é fonte de direito normal, plena e concorrente com a lei. No âmbito definido por

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leis e decretos-lei, temos os regulamentos financeiros. Estão neste caso, com graus diferentes de
eficácia: os decretos regulamentares, as resoluções de Conselho de Ministros, despachos
ministeriais, despachos e instruções de responsáveis administrativos e deliberações de entidades
autónomas e órgãos locais que tenham carácter genérico.
O regime do artigo 18º da CRM relativo ao Direito internacional, segundo o qual as normas e os
princípios de direito internacional geral e comum fazem parte do direito moçambicano, tem
importância sobretudo em domínios como tratados e acordos em matéria de dupla tributação ou
de desarmamento aduaneiro. No entanto, a matéria financeira pública é primacialmente nacional,
ainda que, cada vez mais, haja uma dimensão internacional ou supranacional a considerar.
A doutrina e o costume não são entre nós fontes de direito; e a interpretação das normas de Direito
Financeiro e a aplicação das leis no tempo não revestem regras especiais diferentes das que vigoram
na nossa ordem jurídica em geral (artigos 9º a 13º do Código Civil).

2. Interpretação e aplicação das Normas Financeiras


A interpretação das normas de Direito Financeiro não obedece a regras especiais, aplicando-se-
lhe, no plano jurídico, os artigos 9 a 11 do Código Civil. Entendemos que à definição das
infracções financeiras se aplicam os limites gerais do direito punitivo expresso no artigo 18 do
Código Penal, que vela a interpretação extensiva das normas definidoras e punitivas das
infracções e a sua aplicação analógica (reforçada esta limitação pelo principio constitucional da
reserva de lei. Isto não obsta,
no plano de facto, à necessidade de uma particular preparação económica e administrativa para
interpretar e aplicar as normas financeiras: mas nem isso é específico do Direito Financeiro, nem
justifica a existência de especialidades no domínio estritamente jurídico. A aplicação no tempo
respeita as regras definidas pelo artigo 12 e 13 do Código Civil. Quanto à aplicação no espaço,
no Direito Financeiro vigora em geral, o princípio da territorialidade. Apesar de estarem mais
estudadas as limitações a estas duas regras no campo de Direito Fiscal, na verdade é que elas
existem em outros domínios (designadamente no Direito Financeiro Internacional).

SUGESTÕES DE LEITURA

 Sousa Franco, A.L (1996), Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol.1, p.3; pp.50-68
 Teixeira Ribeiro, J.J. (1991), Lições de Finanças Públicas.

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 Adriano Moreira, Ciência Politica, (1979).
 Sousa Franco, Introdução a Política Financeira.

CAPÍTULO II – DO ORÇAMENTO
INTRODUÇÃO

O orçamento é um mundo vasto e complexo. São múltiplas as abordagens que se podem adoptar ao
analisarmos o orçamento: pode-se enfatizar os aspectos teóricos ou práticos, uma óptica jurídica ou
económica, as questões de natureza administrativa ou técnica, as relações institucionais, os processos
históricos, etc.
Dadas as restrições de espaço, optamos por nos concentrarmos naquelas áreas que têm uma maior
relevância e actualidade para Moçambique. Ao fazê-lo, seguimos uma perspectiva multidisciplinar.
Já abordamos o orçamento como instrumento de intervenção do Estado na economia, e vimos que ele
cumpre importantes funções nas áreas de afectação e distribuição de recursos, e estabilização
macroeconómica.
Esta análise permite entender a ligação entre a distribuição e o volume da despesa pública, por um
lado, e os objectivos da política económica por outro.
Neste capítulo, começaremos por dedicar uma especial atenção à definição e descrição das funções
do orçamento. Tal permitir-nos-á compreender melhor as regras orçamentais, a classificação das
despesas e das receitas públicas adoptada em Moçambique e os reforços da reforma orçamental que
estão a ser feitos no nosso país. Dar-se-á também um particular realce ao processo orçamental, tal
como preconizado na nova Lei de Enquadramento do Orçamento e da Conta Geral do Estado e na
reforma orçamental em curso. Por fim, dedicar-se á uma última secção à discussão de diferentes
conceitos de equilíbrio orçamental e às suas implicações na afectação de recursos públicos e na

67
estabilização macro económica.

OBJECTIVOS:

Ao terminar este capítulo os estudantes serão capazes de:


1. Perceber a origem da instituição orçamental,
2. As dimensões e funções do orçamento
3. E definir este instituto.

1. AS ORIGENS DA INSTITUIÇÃO ORÇAMENTAL

A instituição orçamental remonta a princípios do século XIX, estando desde o seu início intimamente
ligada à consolidação dos sistemas políticos liberais em países como a Inglaterra, a França e os
Estados Unidos da América. Não surpreende, por isso, que a teoria que lhe serve de base esteja em
plena sintonia com os princípios da democracia liberal: protecção dos particulares contra o
crescimento do Estado e os excessos dos governos, e autorização parlamentar dos encargos fiscais e
das despesas públicas que os originam. Nos países com regimes autoritários e colectivistas, a
instituição orçamental assumiu características diferentes, nomeadamente no que se refere à ausência
de aprovação por um órgão representativo e a concentração de competências orçamentais no
Governo e na Administração Pública.
O reforço do papel do Estado na economia, o aumento do poder dos executivos, relativamente aos
parlamentares, e a crescente complexidade da gestão económica e financeira fizeram com que a
instituição orçamental clássica sofresse, ao longo deste século, inúmeros desvios. Não obstante,
assiste-se desde meados da década de 80, a um certo retorno aos princípios clássicos do orçamento,
fenómeno que se encontra associado ao ressurgir do mercado como sistema regulador da vida
económica e da democracia parlamentar como sistema de organização da vida política.

2. DIMENSÕES E FUNÇÕES DO ORÇAMENTO

São três as dimensões do orçamento:


Económica: o orçamento constitui uma previsão da gestão orçamental e uma exposição do plano
financeiro do Estado.
Política: o orçamento, uma vez aprovado, é a autorização política do plano financeiro. Autoriza o
Governo a realizar certas despesas e a cobrar determinadas receitas.

68
Jurídica: o orçamento é o instrumento através do qual se limitam os poderes financeiros da
administração. Os órgãos da Administração terão de seguir as linhas traçadas pelo orçamento na
execução da gestão financeira do estado. Não poderão gastar mais do que aquilo que vem
especificado no orçamento, nem cobrar receitas que não estão inscritas neste documento.
As dimensões do orçamento estão directamente relacionadas com as suas funções económicas,
políticas e jurídicas. Tais funções assumem, desde os tempos do liberalismo, uma importância
extrema para o bom funcionamento do Estado, da economia e do sistema político. Daí a razão da
existência do orçamento e a sua importância.

No plano económico
Facilita a gestão dos dinheiros públicos, tornando-a mais racional e eficiente. Por outras palavras,
evita o improviso, que é sempre uma causa do desperdício.Constitui um elemento fundamental na
definição e execução da política económica e social do Governo, e permite aos agentes económicos e
a sociedade em geral conhecer as principais linhas desta política.

No plano político
Garante que a tributação dos rendimentos dos cidadãos e a utilização dos dinheiros públicos
estejam dependentes da aprovação pelos representantes do povo na Assembleia da República.
Assegura o equilíbrio e a separação dos poderes: o Parlamento autoriza a arrecadação de receitas e
a utilização das mesmas; o Executivo (o Governo) executa o orçamento; e o Parlamento e/ou outro órgão
jurisdicional fiscaliza a sua execução
No plano jurídico
A autorização política que é concedida pelo Estado para realizar despesas e cobrar receitas limita os
poderes financeiros da Administração Pública.
As funções económicas, políticas e jurídicas do orçamento não são independentes entre si. Sem a
autorização parlamentar (dimensão política) e a fiscalização das despesas e receitas do Estado
(dimensão jurídica), dificilmente se alcançará uma boa administração financeira
(dimensão económica)
O controlo político torna o processo de definição de políticas financeiras mais rigorosas,
participativo e transparente;
A fiscalização das despesas e receitas públicas, por sua vez, minimiza a ocorrência de desvios e
abusos na obtenção e utilização dos dinheiros públicos, garantindo uma execução orçamental mais
verdadeira e eficiente.

69
3. DEFINIÇÃO

O orçamento, peça fundamental das finanças públicas é o documento no qual estão previstas as
receitas a arrecadar e fixadas às despesas a realizar pelo Estado ao longo do ano.
Através do orçamento, autoriza-se a Administração Financeira a efectuar certas despesas e a
arrecadar determinadas receitas, limitando se os poderes financeiros do Governo e da Administração
na execução anual das despesas e das receitas.
Repara-se que o orçamento constitui sempre uma previsão, já que se refere a um período futuro – o
próximo ano financeiro. E o futuro, como todos sabemos, é incerto. O Estado tem necessidade de
prever suas despesas, a fim de saber o montante de receita que necessita de arrecadar. Do mesmo
modo, precisa prever as suas receitas, para assim poder determinar dos recursos de que dispõe e
avaliar o limite a impor as suas despesas.
As receitas têm necessariamente que cobrir as despesas. Por esta razão, é absolutamente imperioso
que se fixem as despesas, que elas não possam variar ao sabor da vontade dos governantes ou dos
funcionários públicos. O estabelecimento de limites para as despesas é feito através da atribuição de
verbas de despesa (créditos) acaba um dos serviços, de acordo com as suas necessidades de política
económica e social. Estas verbas mais não são que autorizações para efectuar um determinado
volume de gastos.
Ao contrário do que sucede para as despesas, as receitas não poderão ser fixadas, mas apenas
estimadas, já que contêm um elemento de incerteza muito maior que os gastos. Dependem de
variadíssimos factores, como sejam a nível de actividade económica, a eficiência na cobrança e o
grau de fuga e evasão fiscal. Dependendo das circunstâncias futuras, elas serão geralmente superiores
ou inferiores ao montante orçado
Ao utilizar-se o orçamento como instrumento de determinação dos montantes a despender com o
funcionamento de cada um dos serviços, e de previsão dos diferentes tipos de receitas a arrecadar,
está-se a precisar a utilização que é dada aos dinheiros públicos, definindo as prioridades na
afectação dos recursos públicos, assim como a importância e estrutura dos recursos transferidos para
o Estado. O orçamento constitui desta forma, o quadro geral básico de toda a actividade financeira do
Estado.

Origens da Instituição Orçamental

70
Os Parlamentos e a Democracia Representativa criaram-se, desde a Magna Carta britânica (1215), e
desenvolveram-se em torno do já aludido princípio do consentimento – considerando que não deveria
haver imposto sem representação – no taxation without representation.
Os representantes dos contribuintes reunidos em Parlamentos ou Cortes passaram, assim, a ser
chamados periodicamente a dar o seu acordo quanto ao lançamento de impostos e à realização de
despesas. Os Parlamentos tornaram-se, assim, verdadeiras “câmaras de imposto”. Se pensarmos nas
três Revoluções que fundaram a modernidade política: Inglaterra (1688-89), Estados Unidos da
América (1776) e França (1789), fácil nos é de verificar que todas tiveram como denominador
comum garantir um reforço da legitimidade representativa dos cidadãos contribuintes, através da
concretização do consentimento popular relativamente à tributação. Os antecedentes da Gloriosa
Revolução britânica e a pacificação institucional alcançada em 1688 devem-se, assim, à conquista da
convocação anual e obrigatória da Câmara dos Comuns, onde estavam representados os contribuintes
das cidades.
Montesquieu (1689-1755) assentou o seu entendimento idealizado sobre a separação de poderes na
Constituição inglesa a partir da necessidade de uma limitação mútua de competência, única forma de
impedir a eternização e o abuso do poder. Daí a importância de haver uma câmara representativa,
sem poderes executivos, mas com a missão de “fazer as leis e ver se foram bem executadas as que
foram feitas”. Os sistemas eleitorais evoluíram também na lógica da representação e do
consentimento. Primeiro, o sufrágio começou por ser censitário, só votando os que eram proprietários
ou os comerciantes, que tinham rendimentos que garantiam a sua autonomia económica. Só depois
veio gradualmente o sufrágio universal, a partir do movimento cartista britânico da primeira metade
do século XIX, envolvendo todos os cidadãos e coincidindo com o surgimento e consolidação das
bases do Estado social e dos sistemas universais de protecção social que vieram no século XX. Então
todos os cidadãos passaram a ser contribuintes, em razão do alargamento das competências e das
necessidades de financiamento do Estado de Bem-Estar (Welfare State), tendo a sua voz de ser tida
em consideração. Compreende-se, deste modo, a importância das modernas Constituições
Financeiras. Com base nesta exigência de consentimento parlamentar dos Orçamentos passou a estar
previsto um conjunto de regras constitucionais que têm de ser respeitadas – anualidade, unidade
orçamental, universalidade, discriminação orçamental (incluindo a especificação, a não compensação
e a não consignação), publicidade, equilíbrio e equidade inter-geracional.
EXERCÍCIOS PRÁTICOS
1. “As receitas têm necessariamente que cobrir as despesas”:
a) Mencione as razões pelas quais as receitas têm necessariamente que cobrir as despesas.

71
2. “Ao contrário do que sucede para as despesas, as receitas não poderão ser fixadas, mas apenas
estimadas”.
a) Comente esta afirmação de forma exaustiva.
3. “O orçamento do estado constitui o quadro geral básico de toda actividade financeira do
Estado”
a) Comente, tendo como base toda a matéria leccionada na disciplina de Finanças Públicas.
4. “As dimensões do orçamento estão directamente relacionadas com as suas funções
económicas, políticas e jurídicas. Tais funções assumem, desde os tempos do liberalismo, uma
importância extrema para o bom funcionamento do Estado, da economia e do sistema político.
Daí a razão da existência do orçamento e a sua importância”.
a) Diga o que entende que seja a dimensão jurídica do orçamento, e qual é o seu alcance, sem
deixar de estabelecer as relações entre as funções e as dimensões do orçamento.

CORRECÇÃO DOS EXERCÍCIOS

1. A razão pela qual as receitas têm que cobrir as despesas prende-se com a necessidade
absolutamente imperiosa de se fixar as despesas para que elas não variem ao sabor da vontade
dos governantes ou dos funcionários públicos. O estabelecimento de limites para as despesas é feito
através da atribuição de verbas de despesas (crédito) a cada um dos serviços, de acordo com as
necessidades e prioridades de política económica e social. Estas verbas mais não são que
autorização para efectuar um determinado volume de gastos.

2. A afirmação é verdadeira, porque o orçamento é o documento no qual estão previstos todas as


receitas arrecadadas e fixadas as despesas realizadas pelo Estado ao longo do ano, assim sendo, ao
utilizar-se o orçamento como instrumento de determinação dos montantes a despender com o
funcionamento de cada um dos serviços, e de previsão dos diferentes tipos de receita a arrecadar,
está-se a expor o plano financeiro do Governo, por outras palavras, está-se a apreciar a utilização
que é dada aos dinheiros públicos, definindo-se as prioridades na afectação dos recursos públicos,
assim como a importância e estrutura dos recursos transferidos para o Estado, assim, o
Orçamento constitui, desta forma, o quadro geral básico de toda a actividade financeira do Estado.

3. A afirmação é verdadeira, porque o orçamento é o documento no qual estão previstos todas


as receitas arrecadadas e fixadas as despesas realizadas pelo estado ao longo do ano, assim
sendo, ao utilizar-se o orçamento como instrumento de determinação dos montantes a despender
com o funcionamento de cada um dos serviços, e de previsão dos diferentes tipos de receita a
arrecadar, está-se a expor o plano financeiro do Governo, por outras palavras, está-se a
apreciar a utilização
que é dada aos dinheiros públicos, definindo-se as prioridades na afectação dos recursos
públicos, assim como a importância e estrutura dos recursos transferidos para o Estado, assim,
o Orçamento constitui, desta forma, o quadro geral básico de toda a actividade financeira do
Estado.

4. A dimensão jurídica do orçamento refere-se ao instrumento através do qual se limita os


poderes financeiros da administração, isto é, os órgãos da administração terão de seguir as

72
linhas traçadas pelo orçamento na execução da gestão financeira do estado, o que significa que
não poderão gastar mais do que aquilo que vem especificado no orçamento, não poderão cobrar
receitas que não estejam inscritas neste documento, daí decorre a necessidade da autorização
política que é concedida ao estado para realizar receitas e cobrar receitas limitando assim os
poderes financeiros da administração publica, assim sendo, as funções económicas, políticas e
jurídicas do orçamento não são independentes entre si, o que quer significar que se a
autorização parlamentar (dimensão política) e a fiscalização das despesas e receitas do estado
(dimensão jurídica) dificilmente se alcançará uma boa administração financeira (dimensão
financeira).

SUGESTÕES DE LEITURA
 Sousa Franco, A.L (1996), Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol.1, p.3; pp.50-68
 Teixeira Ribeiro, J.J. (1991), Lições de Finanças Públicas.
 Adriano Moreira, Ciência Politica, (1979).
 Sousa Franco, Introdução a Política Financeira.

CAPÍTULO III – DAS REGRAS ORÇAMENTAIS

OBJECTIVOS:
Neste capítulo os discentes estarão preparados para perceber que na preparação do
orçamento, deverá respeitar vários princípios e regras que tem como objectivo tornar o
orçamento claro, eficaz, simples e verdadeiro, de forma a garantir o equilíbrio na
execução do orçamento.

1. AS REGRAS ORÇAMENTAIS

Introdução as regras orçamentais

Na preparação do orçamento, dever-se-ão respeitar vários princípios e regras, normalmente


designadas por regras orçamentais. Estas regras foram teorizadas durante o período do liberalismo e
tem como objectivo tornar o orçamento claro, simples e verdadeiro, de forma a garantir que as
funções económicas, política e jurídica da instituição orçamental não sofram desvios. São, no fundo,
regras de bom senso, boa administração, rigor técnico e eficácia.
Existem oito regras orçamentais básicas:
 Anualidade;
 Unidade
 Universalidade;
 Não consignação;
 Especificação;
 Orçamento bruto;
 Publicidade; e

73
 Equilíbrio.

A Regra da Anualidade

De acordo com a regra da anualidade, o orçamento tem uma vigência anual: refere-se ao ano
financeiro, o qual pode ou não coincidir com o ano civil. Em Moçambique, à semelhança do que
sucede na maioria dos países, as receitas e as despesas são orçamentadas para o período
compreendido entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro, o que coincide com o ano civil. Nos Estados
Unidos e na Inglaterra, pelo contrário, o ano económico já não coincide com o ano civil. Repare-
se que até 1997, o orçamento corrente e o orçamento de investimento abarcavam períodos
distintos. O primeiro ia de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro, enquanto o segundo compreendia o
período entre 1 de Abril e 31 de Março. É importante referir que o respeito pela anualidade não
impede que se inscrevam em cada orçamento as despesas anuais dos projectos e programas
plurianuais. É o que se passa com o Plano Trienal de Investimento Público (PTIP) e os
Programas Sectoriais Integrados (PSIs) nas áreas da educação, saúde, agricultura, estradas e
água. Apesar de abarcarem um horizonte temporal de 3 a 5 anos, respectivamente, todos eles se
traduzem em despesas anuais, as quais são inscritas no orçamento do respectivo ano. A regra da
anualidade implica a votação anual do orçamento pela Assembleia de República, uma execução
anual das despesas e receitas públicas, e uma fiscalização anual das mesmas pelo Parlamento
e/ou um órgão jurisdicional. Do ponto de vista político, a anualidade assegura certa regularidade
no controlo da gestão dos dinheiros públicos. Do ponto de vista económico, o ano apresenta-se
como um bom período para a realização de cálculos económicos: quanto mais longo for o período
abrangido pelo orçamento, maior será o elemento de incerteza no cálculo das despesas e das receitas.

As Regras da Unidade e da Universalidade

A regra da universalidade implica que todas as receitas e todas as despesas devem ser inscritas
no orçamento. A regra da unidade, por sua vez, significa que o orçamento deverá constituir um
único documento. Em suma, um só orçamento e tudo no orçamento. Estas duas regras visam
evitar que escape à autorização política (na fase de previsão), ao controlo político administrativo
(na fase da execução) e a responsabilização jurisdicional e/ou parlamentar (na fase de prestação
de contas) uma quantidade significativa de fundos públicos – fenómeno geralmente conhecido
por desorçamentação das despesas e receitas públicas.

74
Ambas as regras conferem uma maior abrangência, racionalidade e transparência ao orçamento
facilitando assim o controlo político, a formulação de opções globais de natureza financeira e
uma execução orçamental rigorosa.
A lei em Moçambique prevê, todavia, algumas excepções ã regra da universalidade: não
constarão no orçamento as receitas e despesas das instituições autónomas, das empresas públicas
e das autarquias, que se regem por legislação própria. Ou seja, as instituições com autonomia
financeira, as empresas públicas e as autarquias dispõem de orçamento próprio. São total ou
parcialmente independentes dos cofres públicos.Não faria sentido que as empresas públicas
não tivessem uma gestão independente e autonomia para decidir sobre a sua própria actividade,
incluindo a determinação dos seus custos e a
previsão das suas receitas. No caso da autonomia financeira, pretende-se garantir uma maior
eficácia e flexibilidade na gestão de certos fundos e serviços, bem como incentivar um maior
empenho e eficiência na cobrança de certas receitas.
Nas autarquias, procura-se alcançar uma descentralização na prossecução das políticas
financeiras, partindo do pressuposto de que o poder local se encontra melhor posicionado para
decidir sobre a captação e afectação dos recursos públicos, por se encontrar mais próximo das
realidades e necessidades locais.
A lei obriga, no entanto, a que os elementos necessários à apreciação da situação financeira
destes três tipos de organismos sejam apresentados num documento em anexo ao orçamento.
Em resumo, ao prever algumas excepções a regra da universalidade e da unidade a lei
Moçambicana procura alcançar um equilíbrio entra as vantagens e as desvantagens da
desorçamentação dos fundos públicos. Por um lado, se ganha alguma eficácia e simplicidade na
gestão dos dinheiros públicos, reduz-se a burocracia na Administração Pública reforça-se a
descentralização. Por outro lado, dificulta-se o controlo político-administrativo, retira-se alguma
coerência à planificação financeira e abrem-se espaços para indisciplina financeira.
A Regra da Não Consignação
De acordo com esta regra, não se poderá afectar o produto de quaisquer receitas à cobertura de
despesas pré-determinadas. Todas as receitas devem servir para cobrir todas as despesas. Quer
isto dizer que no se podem consignar certas receitas a certas despesas. Caso contrário, não se
estaria a fixar o montante das despesas, que é um dos objectivos do orçamento.

75
Imaginemos que o Estado estabelece que a receita X irá ser utilizada para cobrir a despesa Y. Se
a receita X for inferior ao previsto, a despesa Y acabará por ser menor do que o montante que
havia sido fixado – e aprovado pela Assembleia da República – devido à falta de fundos. Esta
regra visa evitar que cada serviço ou Ministério constitua um mundo a aparte, com receitas e
despesas próprias. Uma vez mais, procura-se evitar o fenómeno da desorçamentação, o qual
dificulta o controlo regular das despesas e receitas, impede uma gestão integrada das mesmas e
compromete a planificação orçamental, pondo em causa a coerência das opções financeiras do
Estado. Em Moçambique, como noutros países, admitem-se excepções a esta regra no caso d
organismos que gozem de autonomia financeira (orçamento próprio e receitas próprias). Estas
instituições poderão afectar as suas receitas à cobertura (parcial ou total) das suas despesas,
tendo as razões para tal sidas já apontadas na secção anterior. A lei moçambicana prevê ainda a
consignação de receitas em situações especiais: por exemplo, quando se quer assegurar que
certas despesas sejam financiadas, em parte ou na sua totalidade, pelos seus beneficiários. Neste
contexto, o Fundo de Manutenção de Estradas e Pontes dispõe de parte substancial das receitas
sobre os combustíveis, e os hospitais financiam parte das suas despesas com as receitas
provenientes das consultas.

A Regra da Especificação

A regra da especificação obriga o Governo a individualizar suficientemente cada receita e cada despesa
segundo classificações que fixam o grau de discriminação das mesmas.
Em Moçambique, as despesas públicas são especificadas de acordo com a sua natureza económica,
funcional, orgânica e territorial. A especificação das receitas públicas, por sua vez, é feita de acordo
com o classificador económico de receitas e o classificador territorial. A discriminação das despesas
e receitas deverá ser suficiente detalhada para permitir uma leitura clara das opções financeiras do
Estado e uma gestão fácil e verdadeira do orçamento, sem as quais não se alcançarão os objectivos
do controlo político e racionalidade financeira. A obrigatoriedade de especificação das despesas, não
impede que se inscreva sempre no Orçamento do Estado uma verba destinada a fazer face a gastos
não previstos (e, por isso, não especificados), mas que no seu devido tempo venham a revelar-se
importantes e inadiáveis. Esta verba, designada por dotação provisional, evita que se comprometam
certos objectivos económicos e sociais ou o normal funcionamento de determinados serviços da
Administração, em virtude da ocorrência de situações não esperadas no momento da elaboração do
orçamento.

76
A Regra do Orçamento Bruto

A regra do orçamento bruto diz-nos que todas as receitas e despesas são inscritas no orçamento pela
importância ou valor integral em que foram avaliadas. Ou seja, as receitas e as despesas devem ser
inscritas no orçamento de forma bruta e não líquida. No caso das receitas, não se deduzem as receitas
por elas geradas. À semelhança do que se sucede com a regra da especificação, o orçamento bruto
permite uma maior clareza, veracidade e racionalidade económica. Se as receitas e as despesas
fossem inscritas pelo seu valor líquido não se saberia qual o seu montante exacto nem se estaria a
respeitar regra da universalidade, que prevê a inclusão no orçamento de todas as despesas e todas as
receitas.

Regra do Equilíbrio

O orçamento do Estado terá, obrigatoriamente, que prever os recursos necessários para cobrir
todas as despesas. Ou seja, todas as despesas têm que estar cobertas por receitas. Em última
instância, as despesas serão cobertas parcialmente por donativos e empréstimos contraídos no
país ou no exterior.

A Regra da Publicidade

Um orçamento não publicado não é orçamento. É através da publicação do orçamento que se


concretiza a autorização política das receitas e despesas e se dá conhecimento formal a
Administração Pública do conteúdo desta autorização. Também só com a publicação do orçamento
os cidadãos terão um conhecimento do mesmo, estando assim em condições de controlar e criticar a
sua natureza e execução. No nosso país, a publicação do orçamento é feita no Boletim da República,
sendo matéria de publicação a Lei Orçamental, a tabela de receita e a tabela de despesas. Estes três
documentos, e outras informações económicas e financeiras consideradas pertinentes para a
avaliação do orçamento, são objecto de separata orçamental.

A LEI DE ENQUADRAMENTO DO ORÇAMENTO DO ESTADO E DA CONTA


GERAL DO ESTADO

As regras orçamentais encontram-se consagradas na lei de Enquadramento do Orçamento do


estado e da Conta geral do Estado (LEO – Lei nº 15/97), que entrou em vigor a 1 de Janeiro de

77
1998. A LEO visa facilitar e acelerar o processo de elaboração, aprovação, execução, controlo e
fiscalização do orçamento, através:
Do estabelecimento de princípios gerais que regem o processo orçamental em todas as suas
fases e níveis institucionais, muitos dos quais se encontravam anteriormente dispersos por
diversos diplomas legais;
Da introdução de um sistema de classificação orçamental moderno, abrangente e consistente;
Da unificação dos orçamentos corrente e de investimento.
A aprovação da LEO surgiu da constatação de que existia em Moçambique uma acentuada falta
de transparência e rigor na planificação orçamental, e certa dose de improviso na captação e
afectação dos dinheiros públicos. Tal não é compatível com um bom desempenho do Estado em
matéria de política económica e social, nem com o processo de democratização em curso no país.
Outro problema detectado prendia-se com a separação entre os orçamentos corrente e de
investimento, que assentavam em diferentes classificadores orçamentais e diferentes períodos
fiscais. Tal dificultava enormemente a análise da afectação de recursos públicos e a sua
associação a objectivos de política económica e social, bem como a avaliação da sustentabilidade
das despesas públicas.
A LEO, e toda a legislação que lhe é complementar, vieram criar um quadro orçamental mais
adequado às necessidades de uma intervenção pública moderna, eficaz e eficiente, que cumpra com
as exigências de uma economia de mercado funcional e uma democracia parlamentar. A sua
introdução constitui um passo importante para que o orçamento do Estado passe a cumprir de forma
mais satisfatória as funções que lhe competem, sejam elas de natureza económica ou política.
Definição
Como o próprio nome indica a Lei de Enquadramento Orçamental e da Conta Geral do Estado tem
por objectivo estabelecer os princípios, regras e normas referentes ao orçamento do Estado e a conta
geral do Estado. Esta lei estabelece a) às regras relativas à organização, elaboração, apresentação,
votação, alteração e execução do orçamento do Estado e à correspondente fiscalização e
responsabilidade orçamental; b) as regras relativas à organização, elaboração, representação,
fiscalização e votação da conta Geral do Estado. A LEO em Moçambique foi adoptada pala lei nº
15/97 de 10 de Julho.
Natureza da LEO
A natureza da LEO tem a ver com a questão de ela ser ou não considerada uma lei de valor
reforçado. Esta questão é relevante para saber se é possível a LEO ser objecto de derrogação por uma

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lei comum. Se nos basearmos no direito comparado, parece ser consensual que em Portugal a LEO é
considerada uma lei de valor reforçado. Uma das razões indicadas é que a LEO está consagrada no
Constituição Portuguesa (nº 3 do artigo 112 CRP). Em Moçambique a Constituição vigente também
contém disposições nessa matéria, que estabelece que a proposta do orçamento seja apresentada pelo
governo e votada pela Assembleia da República, de acordo com a respectiva lei de enquadramento.
Âmbito da LEO
Esta questão divide-se em duas. Por um lado importa delimitar o seu âmbito subjectivo, isto é,
determinar o universo das entidades do sector público administrativo cujos orçamentos serão
disciplinados pela LEO, e, por outro lado o seu âmbito objectivo, ou seja, determinar as matérias
que serão disciplinadas pela LEO. De acordo com o n°7 da Lei n° 15/97 (LEO Moçambicana) o
âmbito subjectivo da LEO compreende “... Os organismos do Estado que não tenham natureza forma,
e designação de instituição autónoma, empresa pública ou autarquia”. O âmbito subjectivo da LEO
em Moçambique é o Estado “strictu sensu”. O âmbito objectivo é composto pelas 1) Disposições
gerais, 2) Princípios e regras orçamentais, 3) Organização e elaboração do orçamento de Estado, 4)
Execução do orçamento e alterações orçamentais, 5) Fiscalização e responsabilidade orçamentais, 6)
Conta geral do Estado, 7) Classificadores orçamentais.

As Diferenças Entre a LEO, a LO (lei do orçamento) e o Orçamento

A LEO não regula directamente nem o conteúdo, nem a estrutura do orçamento de Estado de
cada ano. A LEO procura disciplinar apenas esses aspectos estabelecendo os princípios gerais
referentes ao orçamento de Estado. Mas cada ano o Estado tem que apresentar o orçamento de
Estado com a respectiva lei. Assim temos:
 Lei do Orçamento: lei anual da Assembleia da República, incluindo os mapas que dela
fazem parte integramente, através da qual este órgão de soberania aprova as previsões das
receitas e das despesas do estado e autoriza o Governo e os serviços de administração
central a procederem à cobrança das primeiras e ao pagamento das segundas.

 Propostas de LO: basicamente a proposta de Lei é composta pela Lei do Orçamento e


elementos complementares e informativos. Esses elementos não têm vinculação jurídica e
servem apenas para apoiar a proposta do Governo junto a Assembleia da República.

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Orçamento do Estado: Documento que, para além de integrar a lei do orçamento, incluindo os
respectivos mapas, apresenta também a discriminação integral, até ao mais pormenorizado nível
de especificação, das receitas e das despesas do Estado. A LEO moçambicana não faz a distinção
entre proposta da LO e LEO propriamente dita. Ela é, por conseguinte vaga em relação aos
aspectos jurídicos que vinculam o Estado na apresentação do orçamento à Assembleia da
República.

3. AS VINCULAÇÕES DO DECLARAÇÃO DO ORÇAMENTO

A vinculação do orçamento a outros elementos tem a ver com critérios precisos e relativamente
constantes quando o conteúdo da decisão orçamental e que devem possuir força jurídica. Mas
nem sempre o orçamento encontra-se vinculado juridicamente a esses elementos, o que poderá
levantar problemas de legalidade de certos actos que vinculam de facto o orçamento de Estado a
esses elementos, mas que não possuem força jurídica. A esse propósito talvez seja adequado
distinguir duas modalidades:
Os elementos que impõem um constrangimento a decisão orçamental; Os elementos que
interferem sobre o conteúdo da decisão orçamental.
Os primeiros não são vinculações embora restrinjam a margem de manobra do decisor
orçamental, sem adquirirem, no entanto um grau de concretização e de imperatividade que
determine o conteúdo da decisão orçamental. Os segundos são verdadeiras vinculações cujos
critérios têm um carácter preciso e vinculativo que determinam de uma forma directa e concreta
o conteúdo da decisão orçamental. A Lei tem que consagrar o segundo tipo de elementos e dar-
lhes força jurídica. No caso de Moçambique a Constituição de 1990 já estabelecia uma
vinculação entre o Plano e o Orçamento. No entanto a LEO não é muito clara em relação a esta
vinculação, pois no artigo n°17 o Plano Económico e Social do Governo faz parte dos anexos
informativos, ao passo que a Constituição estipula que a Assembleia deve aprovar o Plano e o
Orçamento. O conteúdo do n°2 do artigo 13 da LEO também não é muito claro se estabelece
uma vinculação com o Programa do Governo e às obrigações do Estado decorrentes de lei ou
contrato ou se esses elementos constituem apenas constrangimentos, uma vez que o artigo

80
estipula que “na elaboração da proposta do orçamento é dada prioridade...” a esses dois
elementos. Isso levanta dois tipos de problemas. Primeiro o programa do Governo é quinquenal e
a estrutura actual do orçamento não comporta programas plurianuais.

4. IMPOSTO

Conceito

O Direito Fiscal compreende um conjunto de normas que regulam o nascimento,


desenvolvimento e a extinção do imposto, ou seja, a definição do Direito Fiscal é orientada pelo
conceito do imposto.
Assim, resta-nos definir o imposto, como sendo uma prestação unilateral definitiva estabelecida
por lei a favor de uma pessoa colectiva de Direito público, e a qual não constitui sanção de um
acto ilícito. Atentando ao conceito atrás enunciado, é de assinalar a existência de alguns
elementos caracterizadores do imposto, a saber: um elemento objectivo, um elemento subjectivo
e por último, um elemento teleológico.
· O elemento objectivo congrega, por sua vez, vários outros elementos, ou sub-elementos.
Assim, considerando o elemento objectivo o imposto, será:
 Uma prestação; Definitiva;
 Unilateral;
 Estabelecida por lei;
 Não constitui uma sanção.
O imposto definiu-se como uma prestação. Importa, porém aclarar que quanto a sua natureza esta
pode ser pecuniária ou em espécie, ou seja, esta nunca se traduziu exclusivamente na entrega de
dinheiro. No direito Moçambicano quase nada se oferece dizer quanto há exemplos ou situações
em que se verifica a satisfação da obrigação principal do imposto em espécie. O mesmo não se
pode dizer no que concerne ao direito comparado, suis generis, ao direito português, uma vez que
se prevê que a cobrança do imposto possa efectuar-se em dinheiro ou em espécie. É o que se
passa com o imposto sobre a produção de petróleo criado pelo Decreto-lei n° 625/71, de 31 de
Dezembro. O imposto é uma prestação definitiva, no sentido de que a atribuição patrimonial
efectuada pelo contribuinte não lhe confere nenhum direito a reembolso, a retribuição ou a uma
indemnização. É óbvio sem embargo dos casos em que tenha havido uma tributação indevida ou
que, por erro material ou de direito, lhe haja sido exigido imposto superior ao devido, ou a título

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excepcional, beneficiar-se de reembolso do imposto em virtude de se ter constituído um crédito a
seu favor.
Diz-se que o imposto é uma prestação unilateral para significar que pela recepção do imposto ao
Estado não se lhe impõe uma contraprestação. O imposto consiste numa prestação estabelecida
por lei, no sentido de que o imposto, no que diz respeito a sua criação e alteração é informado
pelo princípio de reserva de lei da Assembleia da República. No caso moçambicano é o que se
passa com o artigo 100 da CRM e do n°1 do artigo 3 da Lei n°15/02, de 26 de Junho.
E por último, a prestação de imposto não constitui uma sanção; no sentido de que o imposto por
contraposição com as multas e coimas não visam punir certas violações da lei cuja violação
reputa dever ser sancionada. Quanto ao elemento subjectivo da noção do imposto, oferece nos
dizer que o imposto é uma prestação estabelecida a favor de uma pessoa colectiva de Direito
Público, para a satisfação de necessidades colectivas. Atente-se que dos elementos do conceito
do imposto atendendo ao seu aspecto subjectivo, destacam-se essencialmente dois sujeitos da
relação jurídico-fiscal, o Estado e outros entes públicos, ou seja, o sujeito activo e o passivo,
respectivamente. Contudo, não pretendemos dizer que o Estado e outros entes públicos não
possam estar na posição de sujeito passivo do imposto, este pode ser desde que se verifiquem
determinados requisitos ou pressupostos de tributação. É o que se pode dizer em sede do n°4 do
artigo 2 do Código do IVA, ao prever que nas situações em que o Estado exerça de forma
significativa determinadas operações, será sujeito passivo do imposto, cabendo ao Ministro que
superintende a área de Finanças determinar as operações que estão a ser exercidas de forma
significativa, tais como, fornecimento de energia eléctrica, de gás, água, serviço de
telecomunicações, de transporte, etc. Esta previsão normativa de ordem Económica tem a sua
razão de ser, na medida em que harmoniza a concorrência no mercado. E por último, cumpre
aludirmos ao elemento teleológico, ou seja, do fim do imposto. Este não tem como fim
exclusivo a obtenção da receita, mas também concorre para a satisfação ou realização dos fins
públicos. Este fim foi consagrado na nossa Constituição de 2004, mormente na última parte do
artigo 100 ao estabelecer que “os impostos são criados e alterados... segundo critério de justiça
social”. Deste trecho infere-se, claramente, que o imposto visa à redistribuição da riqueza e dos
rendimentos, ou seja, daqui apreende-se o fim económico-social do imposto.

Categorias Afins do Imposto

82
· O Imposto e a Taxa
Ao lado doa impostos incluem-se as taxas.
Taxas: são prestações estabelecidas por lei a favor de uma pessoa colectiva de direito público,
como retribuição de serviços individualmente prestados, da utilização de bens do domínio
público (à partida é imperioso estabelecer-se uma destrinça entre o uso comum do uso privativo
dos bens do domínio público na medida em que estas ultimas são informadas pelo principio da
gratuidade) ou de remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares. Confrontando as
duas noções apátrida ressalta um aspecto distintivo com um valor jurídico significativo que é a
existência da contraprestação por parte do sujeito activo da relação jurídico-fiscal, ou seja, é o
carácter unilateral do imposto e o carácter bilateral da taxa. O outro elemento distintivo que não
nos parece menos importante é de natureza formal, na medida em que o imposto é informado
pelo princípio da legalidade, ao passo que em sede da taxa este princípio não se lhe impõe. Para
além dos aspectos anteriormente referidos, há que sublinhar, ainda, como elemento distintivo o
carácter de obrigatoriedade da taxa e do imposto, porque o imposto dirige-se a uma generalidade
de pessoas que se encontrem abrangida pela norma de incidência o seu pagamento é obrigatório,
ao passo que a taxa só é paga por quem se beneficia de um determinado serviço ou da remoção
de um limite jurídico a actividade dos particulares.

O Imposto e as Contribuições para a segurança social


A determinação da natureza da contribuição para a segurança social deverá ser efectuada tendo
em atenção os sujeitos, ou seja, se o sujeito da mesma seja trabalhador ou empregador.
Quanto ao primeiro caso, parece-nos que a contribuição para segurança social traduz-se num
premio de seguro de direito público, por existir sem dúvidas uma relação dominada pelas
prestações de segurança social, enquanto no segundo caso, estamos em presença de um
verdadeiro imposto sujeito a um regime jurídico especial. E para sustentarmos o nosso
entendimento atentemos a noção do imposto.

O Imposto e a Requisição administrativa


A requisição administrativa consiste num acto, por via do qual, em casos excepcionais e
expressamente previsto na lei, um órgão da administração exige dos particulares, mediante justa

83
indemnização, a prestação de determinados serviços, a cedência de coisas móveis ou a utilização
temporária de certos bens para ocorrer a necessidades urgentes.
Do conceito, quer do imposto e quer da requisição administrativa infere-se, claramente, que o
imposto é uma forma normal de obtenção de meios para a satisfação das necessidades da
colectividade, ao passo que a requisição administrativa é um meio excepcional para a satisfação
de necessidade excepcionais, e as necessidades que o imposto visa satisfazer são de carácter
geral.
O imposto não pressupõe a existência de uma contrapartida e uma vez prestado não se coloca a
possibilidade de haver a sua restituição, ou seja, é uma prestação unilateral e definitiva, ao passo
que na requisição administrativa é elemento essencial o pagamento ao requisitado do preço dos
bens, ou de uma indemnização pelos danos causados.

O Imposto e o Empréstimo forçado


O imposto como já referimos é uma prestação definitiva, enquanto o empréstimo público não é
definitivo. O imposto é uma prestação unilateral, na medida em que não dá direito ao
contribuinte a uma contrapartida, ao passo que se tratando de um empréstimo público pressupõe-
se a partida a existência de juros remuneratórios.

Tipologia ou Classificação dos Impostos


As marcantes diferenças existentes entre os diversos impostos quanto ao seu objecto, ao processo
de lançamento, liquidação e cobrança, à natureza das suas taxas ou até ao seu âmbito territorial
de aplicação permitem a sua classificação e agrupamento em várias categorias. As primeiras
tentativas de classificação dos impostos foram realizadas segundo critérios económicos e até hoje
os estudos com vista à formulação de uma verdadeira classificação jurídica dos impostos se faz
com recurso a elementos de carácter económico, em detrimento de elementos ou conceitos
rigorosamente jurídicos.

Impostos directos e indirectos


Esta classificação é a mais antiga de todas e é a que foi influenciada em grande medida por
elementos económicos. Segundo o critério económico, serão directos os impostos que não são
repercutiveis, ao passo que os indirectos serão os que são passíveis de serem repercutidos. Para

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além do critério já enunciado importa referir que a classificação dos impostos em directos e
indirectos poder-se-á fazer segundo critérios jurídico-fiscais, tendo surgido varias correntes que
ensaiaram essa classificação. Num primeiro plano o fundamento da distinção dos impostos em
directos ou indirectos alicerça-se no objecto do imposto, ou seja, serão directos os impostos que
incidirem directamente sobre o património ou o rendimento, enquanto os indirectos são os que
atingem o consumo, a despesa ou a transferência da riqueza. Num segundo plano, outros autores
propugnam que o elemento basilar da distinção deverá estabelecer-se a nível da natureza do facto
gerador do imposto, o qual, nos impostos directos teria um carácter de permanência ao passo que
nos indirectos seria acidental ou transitório. Ora, parece que estamos, ainda, em face de um
critério económico, por ser de natureza económica o facto que esta na sua origem. Para um
terceiro grupo de pensadores, a base de distinção reside no modo de determinação do
contribuinte. Assim, existindo um rol nominativo de contribuintes o imposto seria directo, no
caso contrário indirecto. Este é um critério rigorosamente jurídico, porem, trata-se de um critério
excessivamente formal. No caso moçambicano se atentarmos ao que dispõe o artigo 736 do
Código Civil, segundo o qual: “o Estado e as autarquias locais têm privilégio mobiliário geral
para garantia dos créditos dos impostos indirectos, e também pelos impostos directos inscritos
para cobrança no ano corrente na data da penhora...”, podemos concluir que temos um critério
legal, valido que separe os impostos directos dos indirectos. Trata-se de um princípio que saiu
reforçado pela Lei n°15/02 de 26 de Junho, mormente os artigos 56 e seguintes que,
inequivocamente, estabelecem a distinção entre os impostos directos e indirectos. Da exegese do
artigo 736 do Código Civil, parece-nos que a distinção dos impostos directos e indirectos
estabelece-se tomando em consideração a classificação dos impostos em periódicos e de
obrigação única, isto por um lado, e considera relevante a existência ou não de um acto
administrativo de individualização do contribuinte, isto é, de uma inscrição para cobrança.
Ademais, atentando a esta formulação legal, descortinamos uma base económica para separar os
impostos directos dos indirectos. Assim, consideram-se indirecto os impostos que incidem sobre
a despesa ou consumo, enquanto, são directos os que atingem o rendimento, o património. Por
conseguinte, cumpre concluir que a lei adapta um critério económico para distinguir os impostos
directos dos indirectos.

· Impostos pessoais e Impostos reais

85
Os impostos directos habitualmente distinguem-se em pessoais ou subjectivos e reais ou
objectivos, conforme incidem sobre a totalidade ou uma parte dos bens do contribuinte, tomando
em consideração, em maior ou menor grau, a sua situação pessoal, ou tributem esses bens
ouesses rendimentos de forma objectiva sem se tomar em consideração a situação pessoal do
contribuinte.
Impostos estaduais e Não estaduais
Esta classificação dos impostos atende a natureza do sujeito activo da respectiva organização.
Assim, os impostos classificam-se em dois grupos fundamentais:
- Impostos cujo sujeito activo é o Estado, estamos em face de: impostos estaduais; Impostos cujo
credor é uma pessoa colectiva do direito público distinto do Estado, estes são designados por
impostos não estaduais. É o que se passa com os impostos que têm como destinatários as
autarquias locais e os institutos públicos.

Impostos gerais e locais


Se considerarmos o âmbito de vigência ou de aplicação dos vários impostos, constataremos que,
ao lado daqueles que abrangem todo o território nacional existem outros cujo âmbito de
aplicação se restringem ao limite de uma determinada região, da autarquia. Os primeiros
designam-se gerais e os segundos, locais. Os impostos estaduais são geralmente gerais, os locais
correspondem aos impostos não estaduais.

EXERCICIOS PRÁTICOS
1. “De acordo com a regra da anualidade, o orçamento tem vigência anual”
a) Diga quais as implicações a que nos remete esta regra.
2. “Todas as receitas e todas as despesas deverão ser inscritas no orçamento e que o orçamento
deverá constituir um único documento”
a) Diga de que regra orçamental se trata e qual o objectivo da mesma.
3. “Não se poderá afectar o produto de quaisquer receitas à cobertura de despesas pré-
determinadas. Todas as receitas devem servir para cobrir todas as despesas”
a) Diga de que regra orçamental se trata.
4. “O imposto é definido como uma prestação unilateral definitiva estabelecida por lei a favor de
uma pessoa colectiva de direito público, e a qual não constitui sanção de um acto ilícito”

86
a) Retire do conceito de imposto o elemento objectivo e explique cada um dele.
CORRECÇÃO DE EXERCÍCIOS
Resposta: A implicação a que nos remete esta regra é de que a mesma implica a votação anual
do orçamento pela Assembleia de República, uma execução anual das despesas e receitas
públicas, e uma anual das mesmas pelo Parlamento e/ou um órgão jurisdicional.
Resposta: Trata-se da regra da universalidade e da unidade, que visa evitar que escape
autorização política, ao controlo político e administrativo e a responsabilização jurisdicional
e/ou parlamentar
Resposta: Trata-se da regra da Não Consignação
Resposta: Uma prestação; Definitiva; Unilateral; Estabelecida por lei; Não constitui uma
sanção
SUGESTÕES DE LEITURA
Sousa Franco, A.L (1996), Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. 1, p.3; pp.50-68
Sousa Franco, Introdução a Política Financeira. (2004) Constituição da República. Maputo:
Imprensa Nacional de Moçambique.
(1997) Lei n.º 15/97 de 10 de Julho. Lei de Enquadramento Orçamental.

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CAPÍTULO IV – DO PROCESSO ORÇAMENTAL EM MOÇAMBIQUE

OBJECTIVOS:
No fim deste capítulo os estudantes estarão preparados para perceber:
1. A importância da elaboração; 2. Os mecanismos de elaboração de uma proposta de
orçamento; e 3. E bem como a aprovação da mesma em Moçambique.

1. O PROCESSO ORÇAMENTAL EM MOÇAMBIQUE


Introdução
O processo orçamental tem sido ao longo das últimas cinco décadas e um pouco por todo o
mundo, alvo de um uma constante evolução. Esta evolução é o resultado, entre outros factores,
das mudanças operadas nos sistemas políticos, nas teorias económicas, nas abordagens de gestão
orçamental, nos princípios contabilísticos e na conduta da administração pública.
Ele compreende um conjunto complexo de fases, que não têm necessariamente um carácter
sequencial. O processo orçamental deve ainda ser visto como um processo contínuo, não se
limitando a cada ano económico. Por outras palavras, não é um processo que se esgota no
próprio ano económico, mas que tem continuidade ao longo do tempo. Podemos, assim,
considerar dois tipos de processo orçamental:
 Um processo orçamental mais amplo, com uma dimensão temporal mais vasta, que inclui
não só a orçamentação anual de recursos e sua execução, mas também o estabelecimento
dos objectivos, políticas e programas de curto, médio e longo prazo que estão na base dos
orçamentos anuais.

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 Um processo orçamental mais estrito, que tem apenas a ver com a orçamentação e
execução anual das receitas e das despesas, e que se repetem todos os anos. Este processo
encontra-se bem descrito na LEO.
Como veremos já de seguida, estes dois processos não são independentes entre si. O primeiro
engloba e determina o segundo, mas também, por sua vez, influenciado por este.

O Processo Orçamental em Sentido Lato


Qualquer processo orçamental envolve a geração, transmissão e utilização de vastas quantidades
de informação. Ele começa com o estabelecimento de objectivos e metas de natureza económica
e social, tendo em consideração a informação disponível e a realidade económica, social, política
e administrativa do país. Com base nos objectivo e nas metas definidas, estabelecem-se as
políticas económicas e sociais. A fase seguinte compreende o desenvolvimento de programas ou
planos financeiros de curto, médio e longo prazo. Ela envolve a realização de projecções no
tempo e de previsões, bem como a formulação de critérios para a selecção de programas. Estes
programas implicam, necessariamente, uma periodização de sectores e áreas, de acordo com as
políticas seleccionadas, as metas e os objectivos traçados. Os programas terão, então, que ter
uma expressão anual. A orçamentação anual dos recursos – de acordo com as metas, os
objectivos e os programas e a sua execução constitui a terceira fase do processo orçamental (em
sentido lato), e será explicada em detalhe nas secções seguintes.
Por último, e para completar o ciclo orçamental, segue-se uma fase de monitoria e avaliação do
orçamento executado, dos programas financeiros e das metas, de forma a garantir a necessária
transparência, eficácia e eficiência de todo o processo. Esta avaliação servirá, então, de base para
a revisão dos objectivos, metas, políticas e programas do governo. As diferentes fases
encontram-se, deste modo, em permanente interacção: por exemplo, um reajustamento dos
objectivos e metas do governo traduzir-se-á, necessariamente, numa revisão dos programas, com
implicações ao nível dos orçamentos anuais. Apesar de apresentadas de forma sequencial, para
facilitar a sua compreensão, as diferentes fases do processo orçamental sobrepõem-se no tempo.
Este aspecto encontra-se bem patente no caso da monitoria e avaliação. O acompanhamento e a
avaliação dos programas e do orçamento, por exemplo, deverão ser realizados de forma
permanente, e não apenas a posterior, de forma a permitir a introdução de correcções à medida
que vão sendo implementados.

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Como já disse anteriormente, o processo orçamental envolve uma imensidade de informação e
“mexe” com varias áreas, sectores e políticas. Consequentemente, ele implica a participação de
vários órgãos da administração pública. Convém, no entanto, destacar o importante papel
desempenhado ao longo de todo o processo pela Direcção Nacional do Plano e Orçamento
(DNPO), instituição responsável pela programação e orçamentação das despesas, e pela
monitoria do orçamento.
O processo orçamental em Moçambique está sendo alvo de profundas reformas, com vista a
aproximar a afectação de recursos dos objectivos, metas e políticas traçadas. Tais reformas serão
analisadas mais em frente.

O Processo Orçamental no Sentido Estrito


Vimos anteriormente que se poderia considerar um processo orçamental mais estrito, que se
ocupa especificamente da elaboração e execução do orçamento. A LEO presta uma especial
atenção a esta concepção mais estrita, mas extremamente importante, do processo orçamental.
O processo orçamental em Moçambique, tal como descrito na LEO, compreende cinco fases
distintas. Começa com a elaboração da proposta de Lei do Orçamento (fase 1), que a seguir
apresenta à Assembleia da República para sua aprovação (fase 2). Uma vez aprovado, o
orçamento é executado (fase 3), podendo ser sujeito a alterações previstas na lei.
No final do ano económico, procede-se ao encerramento das contas (fase 4), as quais são depois
fiscalizadas (fase 5). Compete ao Ministério do plano e Finanças (MPF) efectuar a programação
orçamental, executar e contabilizar os meios financeiros do orçamento do Estado, e inspeccionar
e controlar a utilização dos fundos do Estado. Na execução de tais funções, o MPF apoia-se nos
restantes órgãos da Administração Pública, quer ao nível central quer ao nível das províncias.
Dada a sua natureza política existe ainda outras instituições externas o governo que também
participam no processo orçamental, tais como, a Assembleia da República (nas fases de
aprovação e fiscalização) e o Tribunal Administrativo (na fase da fiscalização).

2. ELABORAÇÃO DA PROPOSTA DO ORÇAMENTO DO ESTADO


Sendo o orçamento o plano financeiro do Governo, é natural que caiba ao Governo, apoiado pelo
conjunto dos Órgãos da Administração Pública, elaborar a proposta de orçamento do Estado a
ser apresentada à Assembleia da República. Na elaboração da proposta do Orçamento, o

90
Governo dar prioridade ao cumprimento do seu programa e ter em conta a necessária relação
entre as previsões orçamentais e a evolução provável da conjuntura política, económica e social.
Significa isto que o montante e o tipo de receitas e despesas a inscrever no orçamento deverão
estar de acordo com a política do governo e o momento económico, político e social que se vive
no país. O orçamento constitui um instrumento privilegiado de política do Governo, tendo não só
repercussões económicas, mas também políticas e sociais, as quais não podem nem devem ser
ignoradas. A este respeito, o Governo deverá dar uma especial atenção à necessidade de
assegurar o equilíbrio orçamental e um impacto favorável da política fiscal no desempenho da
economia, com especial relevo para o crescimento económico, a inflação e a balança de
pagamentos.
Deve-se, contudo, ter bem presente que a fixação dos limites globais de despesa, não é apenas
determinada pela avaliação das necessidades financeiras para o alcance dos objectivos definidos
no programa do Governo. Ela é também condicionada pelas obrigações financeiras do Estado,
decorrentes da lei e do contrato, tais como o serviço da dívida pública, o pagamento de salários
aos funcionários do Estado e a comparticipação interna em projectos, conforme os acordos
celebrados com as agências internacionais.
No âmbito da elaboração da proposta do orçamento do Estado, o Ministério do Plano e Finanças
comunicará até 31 de Maio de cada ano aos diversos órgãos, instituições provinciais e autarquias
as orientações, os limites orçamentais preliminares ou definidos, a metodologia de recolha de
informação e demais instruções a serem respeitadas na preparação das respectivas propostas de
orçamento.
Uma vez aprovadas pelo órgão competente da instituição proponente, as diferentes propostas de
orçamento serão enviadas à DNPO até 31 de Julho. No caso das instituições com autonomia
financeira e das autarquias é obrigatório o envio até 15 de Julho do balanço dos seus activos e
passivos, assim como de todas as suas receitas relativas ao ano anterior e em curso. Para as
empresas públicas, exige-se o envio da informação definida na legislação específica e nos prazos
neles estabelecidos. Na elaboração das propostas, serão apresentados processos separados para o
orçamento corrente e o orçamento de investimento. Tais processos deverão conter o balanço de
execução orçamental durante o primeiro semestre do exercício em curso, a previsão da execução
até a data do encerramento desse exercício, e a fundamentação, com os respectivos anexos
numéricos, da proposta para o próximo ano económico a ser submetida ao Ministério do Plano e

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Finanças. As diferentes propostas de orçamento são depois analisadas, alteradas e unificadas pelo
Ministério do Plano e Finanças, através da DNPO, à luz das orientações, limites orçamentais e
demais instruções. Caso se verifique alguma irregularidade ou incumprimento, a DNPO
procederá, em conjunto com o proponente, a correcção da respectiva proposta, de forma a
adequá-la aos requisitos exigidos. Na análise e consolidação das diferentes propostas de
orçamento, a DNOP procura assegurar o cumprimento da metodologia, dos limites orçamentais e
das orientações, bem como a consistência entre o Plano e o Orçamento.
Uma vez elaborada a proposta de Lei do Orçamento para o ano seguinte, esta será apresentada ao
Conselho de Ministros pelo Ministro do Plano e Finanças, para a sua aprovação e posterior
votação na Assembleia da República.
3. A APROVAÇÃO DA PROPOSTA DE ORÇAMENTO DO ESTADO

A proposta de Lei do Orçamento deverá ser submetida à Assembleia da República até 15 de


Setembro e votada ate 31 de Dezembro de cada ano. Uma vez aprovado o orçamento, os
deputados e as Comissões da Assembleia da República não poderão tomar iniciativas de lei que
envolva o aumento das despesas autorizadas ou a diminuição das receitas previstas. Tais
iniciativas poriam em causa a validade do orçamento como documento que define, racionaliza e
limita a actuação do estado no que se refere à arrecadação e afectação de recursos financeiros.
A terem lugar, estas alterações apenas serão incluídas em orçamentos futuros. Seria o caso, por
exemplo, da construção de um novo hospital ou a concessão de novos incentivos fiscais ao
investimento, que poderiam ter lugar em anos económicos futuros. Fica, assim, garantida a
estabilidade da execução e do equilíbrio orçamental no ano em questão.
Se houver necessidade de formulação do orçamento, por este ter sido “chumbado” na AR, o
Governo deverá voltar a apresentar, no prazo de 90 dias, uma nova proposta de orçamento para o
respectivo ano económico.
A fim de assegurar e dar continuidade ao funcionamento da máquina administrativa, o orçamento
executado no ano antecedente continuará em vigor até que um novo orçamento seja aprovado.
Implica isto que durante este período transitório serão cobradas todas as receitas e realizadas e
todas as despesas correspondentes ao orçamento do ano anterior, já com alterações que nele
tenham sido introduzidas ao longo destinavam a vigorar apenas até ao final do ano anterior. No
caso das despesas, dever-se-á obedecer ao princípio da utilização dos duodécimos das verbas

92
fixadas nos mapas das despesas do orçamento do ano antecedente (a regra dos duodécimos será
explicada mais adiante).
O novo orçamento que, entretanto vier a ser aprovado deve integrar as receitas e despesas
efectuadas até a sua entrada em vigor.

CAPÍTULO V – A EXECUÇÃO ORÇAMENTAL

OBJECTIVOS
No capítulo em questão os estudantes terão adquirido as competências necessárias para
perceber como é que se executa o orçamento bem como, o princípio que está por detrás deste
complexo tema que é a execução orçamental e o encerramento de contas.

1. A EXECUÇÃO ORÇAMENTAL

Regras Gerais
Uma vez aprovado o orçamento e iniciado o ano económico, começam se a cobrar as receitas e a
pagar as despesas. A este conjunto de actos e operações dá-se o nome de execução orçamental.
Compete ao governo executar e fazer executar o orçamento sendo para tal coadjuvado pelo
conjunto da Administração Pública. A execução orçamental devera obedecer os dois princípios
básicos: o da utilização mais racional possível das dotações orçamentais aprovadas e o da melhor
gestão da tesouraria.

2. LEGALIDADE E TIPICIDADE NA EXECUÇÃO ORÇAMENTAL


Na execução do orçamento, o governo deverá respeitar as leis em geral (legalidade genérica) e o
próprio orçamento (legalidade específica). Não poderá liquidar e cobrar, nem inscrever no
orçamento, uma receita que não esteja autorizada por lei. A cobrança de um imposto pode,

93
todavia, superar o montante inscrito no orçamento, já que, ao contrário das despesas, para as
quais são fixados limites máximos, as receitas são uma previsão. Podem variar de acordo com a
conjuntura económica e outros factores que estão fora do controlo do Governo. Não poderá
realizar despesas que, além de terem base legal, não se encontrem inscritas no orçamento ou não
tenham cabimento na correspondente verba orçamental, isto é, superem o montante de verba
fixado no orçamento.
À obrigatoriedade das receitas cobradas e das despesas efectuadas terem de estar
necessariamente inscritas no orçamento chama-se tipicidade orçamental. Convém, no entanto,
salientar que a tipicidade orçamental apresenta naturezas distintas, consoante se trate do
orçamento das despesas ou do orçamento das receitas:
No caso das receitas, apenas se condiciona a espécie de receita que poderá ser inscrita no
orçamento (tipicidade qualitativa), não o seu montante.
No caso das despesas, pelo contrário, impõem-se limites aos montantes que poderão ser gastos
(tipicidade quantitativa). Elas não poderão exceder as dotações globais fixadas no orçamento:
são autorizadas em espécie e em quantidade.

A Execução do Orçamento das Receitas


O primeiro princípio que tem de ser respeitado na execução das receitas, é como foi atrás
referido, o da legalidade. A receita só poderá ser cobrada se tiver existência legal e se estiver
inscrita no orçamento.
As operações fundamentais de execução das receitas são:
 As operações de liquidação, que consistem na determinação do montante que o Estado
tem a receberem de terceiros (contribuinte, utente, devedor, etc.), cabendo geralmente a
sua execução aos serviços liquidadores de receitas, como a Direcção Geral das
Alfândegas (DGA) e a Direcção Geral de Impostos (DGI);
 A operação de arrecadação ou cobrança, normalmente assegurada pelo Tesouro, através
das quais se assegura a entrada efectiva nos cofres do estado das dívidas a receber de
terceiros.
A Execução do Orçamento das Despesas
As despesas só poderão ser assumidas durante o ano económico para o qual estiverem
orçamentadas e deverão sempre respeitar os princípios de economia (minimização dos custos),

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eficiência (maximização dos resultados) e eficácia (obtenção dos resultados pretendidos). O
processo de execução das despesas é bastante mais complexo que o das receitas. Em primeiro
lugar, a despesa tem de ser legal, tem de estar inscrita numa classe e verba prevista no orçamento
do estado, e tem de ter cabimento orçamental (ou seja, tem de haver verba disponível). No caso
das despesas obrigatórias, a utilização da dotação orçamental – do montante inscrito na rubrica
de despesa – é obrigatória, enquanto no caso facultativo a sua utilização é opcional.
Em segundo lugar, a execução das despesas deverá obedecer à regra dos duodécimos, segundo a
qual em cada mês do ano não poderá ser utilizada uma verba superior a 1/12 da verba global
fixada no orçamento, acrescida dos duodécimos dos meses anteriores vencidos e não gastos. De
acordo com esta regra, as despesas distribuir-se-ão uniformemente ao longo do ano ou
concentrar-se-ão na parte final do ano, quando a tesouraria já dispõe de maiores recursos.
Pretende-se desta forma, impedir que as despesas se concentrem nos primeiros meses do ano,
quando a tesouraria ainda não dispõe de recursos suficientes, por ainda não ter sido cobrada a
maior parte das receitas.
Existem, todavia, excepções autorizadas por lei. Estas excepções resultam da necessidade de
realizar o grosso de certas despesas durante um determinado período do ano. Abrangem as
despesas com o pessoal, os encargos da dívida, transferências ao exterior, outras despesas
correntes, exercícios findos e encargos aduaneiros. As excepções previstas por lei incluem ainda
despesas que pela sua especificidade beneficiem de um regime especial de utilização das
dotações orçamentais.
Em terceiro lugar, a realização de uma implica um longo e complicado processo burocrático, que
inclui:
- A autorização da despesa pela autoridade competente;
- O processamento ou inscrição do gasto na folha de despesa;
- A verificação da despesa em termos de legalidade e cabimento na respectiva rubrica;
- A autorização do pagamento;
- O próprio pagamento, implicando a saída de dinheiros dos cofres do Estado.

Ao nível central, a execução do orçamento das despesas é da responsabilidade da Direcção


Nacional da Contabilidade Pública (DNCP). Ao nível provincial, ela é da competência das
diversas Direcções Provinciais que superentendem a área das Finanças.

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O Controlo da Execução Orçamental
Durante o ano económico faz-se o acompanhamento e controlo administrativo da execução do
orçamento, de forma a prevenir, detectar ou corrigir problemas, erros e irregularidades. Pretende-
se, desta forma, assegurar à subordinação da administração financeira a política financeira do
governo. Mais concretamente que:
 A arrecadação e afectação de recursos sejam feitas de acordo com o que vem estipulado
no orçamento do Estado, de forma a evitar-se uma má utilização dos dinheiros públicos e
a ocorrência de desperdícios;
 Os objectivos que se pretende alcançar com a execução orçamental, e que vêm definidos
no plano económico e social, estejam a ser efectivamente cumpridos.
Neste contexto, dá-se uma particular atenção ao cumprimento dos limites impostos pela Lei do
Orçamento. Considera-se igualmente o impacto da execução das despesas e das receitas com
variáveis como deficit orçamental e o seu funcionamento, o Produto Interno Bruto (PIB) e a taxa
de inflação. Face a evolução do défice orçamental e do comportamento da economia, é por vezes
necessário proceder a alterações no orçamento, mesmo que não se tenham verificado desvios
relativamente a lei do orçamento.
Em Moçambique, o acompanhamento da execução orçamental é feito mensalmente, mediante
relatórios periódicos apresentados pelos órgãos à DNCP e à DNPO (no caso de programas de
investimento, PTIP). Com base nesta informação, o Governo deverá apresentar a Assembleia da
República relatórios trimestral sobre a execução das despesas e das receitas e os financiamentos
recebidos pelo estado. Neste caso, o controlo administrativo é acompanhado de um controlo
político parlamentar.
Com vista a analisara execução orçamental, iniciou-se em 1998 o processo de elaboração de
relatórios anuais de elaboração da despesa (Public Expenditure Review), sob a coordenação da
DNPO. Talexercício será de extrema importância para o futuro acompanhamento e monitoria da
execução orçamental.

1. ALTERAÇÕES ORÇAMENTAIS

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Por se tratar de uma previsão, o orçamento pode não cobrir situações imprevistas que venham a
ocorrer durante o ano. Para fazer face a este tipo de situações, torna-se necessário proceder à
introdução de alterações no orçamento. Só assim se evitará a sua excessiva rigidez.
Em Moçambique, a lei contempla seis diferentes tipos de alterações orçamentais possíveis de ser
autorizadas pelo Governo:
 O ajustamento dos preços, que consiste na passagem dos limites fixados na Lei
Orçamental a preços constantes para preços correntes, sendo tal matéria da exclusiva
competência do Conselho de Ministros, por proposta do Ministério que superintende a
área das finanças.
 A inscrição de uma nova dotação, a qual está condicionada a existência de
disponibilidades na dotação provisional e apenas será autorizada para atender a situações
não previstas e inadiáveis. A autorização para a inscrição no orçamento de uma dotação
anteriormente inexistente é da competência do Ministro que superintende a área das
Finanças, sob proposta devidamente fundamentada do órgão ou instituição interessada.
 A redistribuição das dotações, que apenas poderá ser realizada entre rubricas de despesa
ou projectos distintos do mesmo órgão ou instituição, mantendo-se o respectivo limite
orçamental global inalterado. Compete ao Ministro que superintende a área das Finanças
ou ao Governador Provincial, dependendo do caso, autorizar as transferências de
dotações, com base em proposta fundamentada do órgão ou instituição interessada. De
referir que, durante o ano económico, apenas poderão ocorrer três redistribuições para a
mesma instituição, projecto ou programa.
 O reforço de dotações – aumento efectivo dos recursos anteriormente aprovados para
fazer face a situações de carência orçamental, que apenas poderá ter lugar se existir verba
correspondente na dotação, provisional os pedidos de reforço e são autorizados pelo
Ministro que superintende a área das Finanças mediante proposta fundamentada do órgão
ou instituição interessada.
 A descentralização da execução financeira de acções, actividades, projectos ou programas
de um órgão ou instituição central para um órgão ou instituição de outro nível, cuja
autorização depende do Ministro que superintende a área das Finanças.

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 A anulação ou supressão de dotações relativas a qualquer rubrica, conjunto de rubricas,
projecto ou programas de qualquer órgão ou instituição. Esta matéria é da competência
do Ministro que superintende Finanças ou do Governador Provincial, conforme o caso.

Todas estas seis alterações deixam intactos os limites globais de despesa fixados no Orçamento
do estado e, por essa razão não carecem de aprovação parlamentar. Por exemplo, quando se
utiliza a dotação provisional, não se faz mais do que transferir parte desta verba para as outras
verbas específicas de despesa. Não se verifica qualquer aumento dos limites originalmente
estabelecidos.
Quando as alterações implicam uma rotura com os limites constitucionais de despesa, alas só
poderão ser efectuadas por lei, sob proposta devidamente fundamentada do Governo, estando
então sujeitas à aprovação da Assembleia da República. Tratando-se, neste caso, de uma
alteração de fundo ao orçamento, é lógico que seja a autoridade orçamental (o Parlamento), e não
a administração orçamental (o Governo), a deliberar sobre esta matéria.

Encerramento das contas


No dia 31 de Dezembro termina o ano económico. É, então, necessário proceder-se ao
encerramento das contas. O encerramento das contas envolve, em primeiro lugar, o fecho das
contas bancárias de todos os órgãos e instituições relativas ao ano económico que acaba de
findar. Tal deverá ser feito pela Direcção Nacional do Tesouro (DNT) ou as DPPF, consoante o
caso, até ao dia 31 de Março.
O período complementar para a realização das despesas pendentes referentes ao ano económico
transacto decorre de Janeiro a Fevereiro, para os órgãos e instituições de âmbito provincial, e de
Janeiro a Março, para os de âmbito central. Durante este período, nenhuma despesa pode ser
assumida ou realizada. As contas do exercício serão encerradas a 31 de Março. Para efeito, todos
os órgãos e instituições receberão até 30 de Novembro do ano económico em curso, instruções e
orientações da DNCP.

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