You are on page 1of 7
CENA 5 Marina Abramovié ist Is Present, 2010. 5 vig, The Artis ‘Marina Abram: “A INTERAGAO NAO VERBAL € a mais alta forma de comunica¢ao”, diz Ma. rina Abramovié, artista que considera seu meio uma “energia imateria|”, Ela est4 em sua cozinha em Malden Bridge, no estado de Nova York. 0 ambiente ocupa a ponta de uma casa cuja planta tem o formato de estrela, eas paredes esto cheias de janelas, mas livres de qualquer tipo de arte. As janelas dao para bosques densos e uma piscina olimpica onde, nas manhis de verao, Marina nada exatamente 21 piscinas. “Nunca fui influenciada pornenhum outro artista”, argumenta com um suspiro urgente e sotaque sérvio. Ela acha as florestas, cachoeiras e vulcdes muito mais inspiradores, “Gosto de ir 4 fonte, a todos os lugares da natureza que possuem certa energia que vocé pode absorver e traduzir para sua propria criatividade como artista.” Nascida em Belgrado, Marina Abramovi¢ morou no mundo inteiro antes de se estabelecer na cidade e depois no interior de Nova York. The Artist Is Present (2010), a performance marcante de Marina, fez com que ela se sentasse o dia inteiro, todos os dias, durante trés meses, no atrio do Museu de Arte Moderna de Nova York, envolvendo-se em encontros in- dividuais silenciosos com integrantes do publico. Para preservar sua ener- gia, ela nao falou com ninguém além da equipe do museu, no final do di Agora que o blockbuster mudo passou, Marina se delicia com mondlogos lentos que tratam de responder a muitas das Pperguntas que eu adoraria ter feito se tivesse chance de dizer alguma coisa. “As ideias podem vir a qualquer momento, em qualquer lugar, enquanto faco este gaspacho ou quando vou ao banheiro”, ela diz enquanto corta tomates de sua horta. “S6 me interessam ideias que se tornam obsessivas e me deixam inquieta. Ideias que me dio medo.” 312 rina ‘Abramovie 313 No momento, Marina se descreve como “em branco” risa esta fisica e emocionalmente exausta depois de hens verdade, a pla ficou sentada numa cadeira de madeira comum por a Is Present. horas, dando “amor incondicional a pessoas femme eres gas’ como observa. Depois da primeira semana, comecou a desconect fees “Os omabroscaem, as Perna ficam inchadas, as costelas secon os 6rgios.” Uma respiraclo estratégicaajudou, assim como Se, extracorporais. ie sente muita dor, acha que vai perder a cons- cjéncia. Se voce disser a si mesma, E dai se eu perder a consciéncia”, a dor passa.” Durante a performance, Marina alega que em alguns momentos podia sentir cheiros com a preciso de um cachorro, e que parecia ter “yisdo em 360 graus, como um cego que consegue enxergar com o corpo”. Apesar do desconforto, Marina se aproveitou da energia do piiblico, cerca de meio milhao de pessoas ao longo da exposicao. “Se fosse ape- nas para a minha propria autorrealizacao, jamais teria tido essa energia’, explica, ‘porém, se eu faco para o piblico, posso evocar motivacio mais clevada.” Mais de 1.700 pessoas se sentaram e ficaram olhando para os olhos de Marina; muitas se comoveram até as lagrimas. Pelo menos 75 dez vezes. A concorrida retrospectiva andar do MoMA, foia primeira sta de performance nos obras — boa parte na destacou a pessoas repetiram o ritual mais de de Marina Abramovié, instalada no quinto exposicao historica em grande escala de um arti Estados Unidos. A mostra de quarenta anos de suas mas reencenadas por terceiros ~ ‘local. Ao longo de todo o periodo coisa forma de documentacio, algui aura da presenga da prépria artista ni de exposigéo, 0 culto de Marina Abramovié cresces muito. “Essa gigantesca é uma situacdo perigosa”, ela observa. “Seu ego Pode se tornar um obstaculo para o seu trabalho. Se voce comes acreditar na propre grandeza, sua criatividade morre.” A artista tenta seguir 0s ae dos monges tibetanos, de permanecer jumilde. Mas € complicado quando propria artista é a matéria bruta de suas obras. eu “baixo” e indi- Marina diferencia seu eu de “lta” performance £2 jgelas brancas, Jo em que © - 6 “uma construc: 314 Ato Ill, Cenas carros ou bares de striptease costumava nao ter efeito mensuravel. A cre- dibilidade artistica ha muito tempo é vinculada a formas sutis ¢ flagrantes de preconceito masculino. Para Marina, a questo sobre como vocé sabe que é artista importa muito mais que a pergunta sobre o que é um artista. “Os seres humanos precisam descobrir seu propésito na vidal”, ela diz. “Muitas pessoas passam tempo demais duvidando. Antes de escolher uma profissio, vocé precisa parar, fechar os olhos e pensar: quem sou eu? Tive a grande sorte de des cobrir meu propésito bem no inicio da vida. Desde que eu nasci, nune quis fazer outra coisa. Minha primeira exposicao foi aos doze anos.” conviccao de Marina é como um vento com a forca de um furacao. “Voe sabe que é artista quando sente necessidade de criar, mas isso nao faz d vocé um grande artista’, prossegue. “Grandes artistas resultam de sacr ficios feitos na vida pessoal.” Segundo ela, uma mulher precisa ser co um homem para ser artista. “Um dos motivos de haver menos mulh que homens artistas é que as mulheres nao querem sacrificar sua fungi principal de reproduzir, ter uma familia, nem os confortos da vida coti diana.” Marina Abramovié, que tem 64 anos, escolheu nio ter filhos. A gum tempo atras, ela chamou a si mesma de “avé da performance”. Hoj nao quer mais se associar ao epiteto, porque nao gosta da ideia de que esté prestes a se aposentar. Muitas vezes parece que Marina se situa no papel de artista como sa cerdotisa ou xami. “O puiblico precisa de experiéncias que nao so apena voyeuristicas. Nossa sociedade esta um caos por ter perdido seu centro espiritual”, declara. “Os artistas deveriam ser 0 oxigénio da sociedade. A funcao do artista numa sociedade perturbada é transmitir uma conscién cia do Universo, é fazer as perguntas certas, abrir a consciéncia e elevat a mente.” arin AP BIS M Marina abomina 0 niilismo e a “arte que surge das dro; Msbebedeiras”. Ela € vegetariana, abstémia, interas S is a dode consciéncia produzido pelo jejum. De uma forma que scene i js iniciacdo aborigene ou a um ritual budista que a pratica a of in vveneional do Ocidente, 2 obra de Marina procura ser Fanimation is da exposicéo do MoMA, ela se sente alterada, “Ainda nao ‘ me imagem completa daquilo que aconteceu comigo, porém, de a ras, fiquei diferente.” , ndo Marina, tempo é a chave do poder transformador de The resent, “Vocé pode fingir por duas ou trés horas, mas af a preten- performance se torna a propria vida’, explica. A tinica outra Marina a durar tanto assim foi The Great Wall Walk (1988), pep umaii maneil Segu! Artist Is P sioacabaea performance de que também se esten« qutossuficiente, ela fez parte Laysiepen, conhecido como Ulay ticamente em 1976 e fizeram juntos (977) performance em que o casal ficava ico tinha de passar. No final dos anos 1980, porta da galeria por onde o publ arelagio comesou a terminar, € eles decidiram fazer um cerimonial na Grande Muralha da China. Marina comegou no mar Amarelo, enquanto Ulay partiu do deserto de Gobi. Cada um andou cerca de 2.400 quiléme- tros; quando por fim se encontraram, disseram adeus. Durante The Artist Is Present, Ulay veio se sentar com Marina. “Ble era uma parte da minha vida, néo alguém do piiblico, p ica vez em que quebrei a regra’, diz ela, explicando por que ‘estendeu a mao para tocé-lo um pouco antes de ele se levantar para sait- naar F Marina admira pessoas com mais fora de vontade que ela, oor Tehching Hsieh, artista de performance tailandés que vive em Nova Yo! ¢ fez performances que duravam cinco de abandonar a arte, €m 2000, Sua obra mais conhecida é ice 1980-1981 (Time Clock Piece), em que o artista bateu ponte nu hora durante 365 dias. Cada vez qe ele batia 0 P imagem, o que gerou um curta. Hsieh raspou ac deu por noventa dias. Embora agora seja bastante de uma dupla artistica com 0 alemio Uwe y. Eles se envolveram romantica e artis- muitas obras, como Imponderabilia parado, completamente nu, na or isso aquela foi a uni anos antes m rel onto, 316 Ato Ill, Cena a peca, de modo que o crescimento de seu cabelo reflete a passagem do tempo. O filme também documenta sua exaustao cada vez maior e a evidente perturbacao. Quando perguntada sobre a originalidade na arte, Marina Abramovi¢ diz que é algo facil de se perceber, mas que ao mesmo tempo nio existe, “Nao podemos inventar nada neste mundo que ja nao exista. Buma ques. to de ver de maneira diferente”, esclarece. “Tudo que é revolucion§- rio est diante do seu nariz e nunca é complicado. Mas vocé sé enxerga quando sua mente esta sa. A performance pode ajudar as pessoas a chegar a.um estado mental em que percebam a simplicidade.” Marina sugere que as performances ao vivo florescem nos tempos dificeis porque nos levam de volta ao basico. “Nao custa nada e nos lembram da pureza e da inocéncia da arte.” Marina nunca vendeu suas performances. Durante anos ela viveu de dar aulas e de encomendas de trabalhos. $6 passou a ser representada por uma galeria em 1995, quando fez um acordo com a Sean Kelly Gallery de Nova York. Hoje também trabalha com a Lisson Gallery de Londres. Sua renda vem principalmente da venda de fotografias, muitas vezes em edicdes de sete, feitas em colaboracao com o fotégrafo Marco Anelli. Es- sas imagens vio além da mera documentacao e atingem, nas palavras da propria artista, uma “energia estatica e um carisma que séo realmente capazes de comunicar”. whoa ‘As mais populares dessas obras sao retratos do eu de alta performance de Marina. Nas fotografias em preto e branco que adornam a capa do catdlogo do MoMA, Portrait with Firewood (2010), por exemplo, ela posa heroicamente, de uma forma que evoca as imagens do realismo socialista de uma camponesa. Como ela diz: “Eu queria uma imagem do artista como sobrevivente, olhando para o futuro,” A artista geralmente gost de seu rosto sem nenhuma maquiagem, “de modo que as ideias passa™ através dele”. Numa foto intitulada Golden Mask (2009), no entanto, 0 rost de Marina Abramovié esta coberto por uma folha de ouro, iluminado contra um fundo preto. Ela parece brincar com sua propria objetificagéo como bem de luxo. rit ‘Abramovieé 37 ‘questo que parece pairar sobre tudo &: o que f i i: 7 Ze ynca mais farei The Artist Is Present pelo resto da mi hi is i a in renba sido um imenso sucesso”, comenta, Tem seguida? “Ey "Q a vida, mesmo que uando voce i : ” Marit Tepete, o respeito por si mesma. Marina lamenta as desvantagens d Ee lo sucesso, quando um artista €celebrado por suas Principais obras ou por uma“ jinguager’, muitos ficam presos a isso, As vezes os oa a pago epela equipe obrigam as obras a ocupar um certo nicho, “Dan oestidio é uma armadilha para produzir demais e se ae — mim, que leva a poluigao da arte”, declara. “Nada de novo aoe a we se surpreende mais. Os artistas esto aqui para arriscar, para encontrar um novo territ6rio. E 0 risco, especialmente quando vocé é um artista conhecido, inclui falhar. Essa é uma parte essencial do processo. O fracasso ésaudavel para o seu ego.” Desde The Artist Is Present, Marina Abramovié tem pensado um bocado 10 piblico de arte e em seu proprio legado. Ela embarcou na criacio do Marina Abramovié Institute, cuja missGo ser4 apoiar a arte de performance (coutras formas de performance), especialmente obras de longa duracao, ea educar o publico sobre seu efeito transformador. O instituto ficara num espaco de mais de 3 mil metros quadrados, néo muito longe daqui, em Hudson, no estado de Nova York. Os visitantes do instituto passarao facia mental e corporal” que Ihes apresentardo Por “exercicios de conscié: podendo incluir caminhadas em cimera atéenica de Marina Abramovi€, lenta e uma “camara de troca de olhat”. lamente desdenham o teatro. De mance trata da verdadeira reali- rtificial, o sangue ndo san- pedi a diversos diretores Artistas de performance reconhecid: inicio, Marina ndo era excegao. “A perfor dade”, ela explica, ao passo que “o teatro éa Bue, as facas nao sai Nao obstante, ela ’ ‘io so facas”. Nao obstante, aa » de modo que ela FE “entrar em concato” com a vida dela € TCI seagate Robert Wilson, 0 diretor uma pera intitulada Vida ida aumentara alenda da “"q minha propria Conseguisse enxergar a si mesma de nove: Yanguarda, mostrou-se & altura do desafio com € morte de Marina Abramovié, projeto que sem auvies® Attista. “O iinico teatro que eu faco €o meu’; ela ome enhar! Vida ¢ 0 nico papel que eu consigo desemP:

You might also like