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CENA 8 Yayoi Kusama ion of My Life, 2011. i ma, Obliteration of ‘Yayoi Kusa Yayor Kusama EsTA contemplando a propria imagem. Glenn Scott Wright, diretor da Victoria Miro Gallery, acabou de Ihe dar um exemplar da revista quinzenal da Sotheby's. Na capa h4 uma foto da artista usando uma peruca vermelha e um vestido de bolinhas. Hoje ela esta com o mesmo cabelo sintético e um vestido semelhante. Enquanto a Yayoi Kusama da revista posa diante de uma pulsante pintura de bolinhas vermelhas e pretas, a artista aqui est4 junto a uma mesa no terceiro andar de seu estiidio em ‘Téquio, com estantes de um lado e uma parede de tijolos de vidro do outro. Takako Matsumoto, documentarista que vem sendo a sombra da artista nos ultimos onze anos, registra o momento autorreflexivo. Kusama foi famosa na Nova York dos anos 1960, mas ficou quase es- quecida como artista depois que voltou a morar no Japao, em 1973, € se internou no hospital psiquiatrico onde vive até hoje. Desde a infancia, Yayoi fez arte para ajuda-la a lidar com seus problemas psicol6gicos. Estes incluem alucinacées terriveis, em que experimenta uma subita mistura das fronteiras entre ela mesma e 0 Universo. Mas se existe uma coisa que Yayoi jamais temeu é a luz dos holofotes. A artista muitas vezes comega seu dia de trabalho revisando o que saiu sobre ela na imprensa. A presenca na midia parece uma panaceia instantanea, ainda que de curta dura¢ao, pata os medos do aniquilamento. “Estou muito animada para mostrar a vocé minhas novas pinturas’, diz Yayoi. Ela entende inglés, mas nao fala bem, de modo que uma de suas assistentes traduz. Scott Wright precisa escolher trinta e poucas obras para expor na Victoria Miro na primavera, quando a retrospectiva da at tista sera aberta na Tate Modern. Kusama se concentra na revista. “Isso 338 yoyo! Kusama 39 ¢ fantdstico. E Morandi”, » exclama apont, ‘ando para um, Fane a natureza, pege do modernista italiano. “E Ri tureza-morta dos anos 1950, pouco depois de se mudar par ras abstratas em que voltas brancas pintadas preto. Observadas longamente, essas “redes i ta Nova York, ela fez pintu- 4 mio flutuavam em fundo infinitas”, como ela as chama, tornamse oceanos ondulantes de pontos. As “redes” Partem deliberada- mente de obras do expressionismo abstrato, como as drip paintings de Jack- son Pollock, s6 que as composicdes eram mais radicalmente espalhadas por toda a tela, e o processo de produzi-las era mais intenso. Elas também coincidem com a chegada do movimento artistico em voga logo a seguir, o minimalismo. Talvez o mais importante, essas pinturas funcionaram como redes de seguranca psicolégicas, protegendo a artista de seu medo de se dissolver no vazio, Em 1961, ela criou uma Infinity Net que media dez metros, obra de arte abstrata estranhamente grande para a época, reve- lando a escala de sua obsessio e de sua ambic&o. Kusama nunca parou de fazer essas “redes”; elas sio uma série “sem fim’. Yayoi para perto de Isao Takakura, diretor de seu esttidio, que esta com ‘uma camisa de mangas curtas de colarinho branco e bermndas de bolinhas. “Irmo”, ela diz, “onde esté o artigo de duas paginas sobre nossa exposi¢ao no Reina Sofia?” A retrospectiva foi montada pelo curador-chefe da Tate Modern, mas a primeira abertura foi no Museu Reina Sofia, em Madel A exposigio ira para 0 Centro Pompidou, em Paris, antes de seguir para Londres, e ent&o ira se encerrar no Whitney, em Nora ore) san ‘Takakura volta com uma pagina dupla do Asahi, jornal didtio japo- nés de alta circulagao. Yayoi mostra-o a Scott Wright, Lod que ard/uma tradugao em breve para ele, e novamente é absorvida pelas mandi ‘cias sobre ela. Vira a pagina e examina um artigo sobre Francis Ba- noticias . ca aleancow alto preco em Ieilio, “Ele morreu ha alguns anos, cxja ; fomubes ddaga. Vinte anos atrs, na verdade. Uma assstente aparece com o?”, inc + . . vvoe exemplares de um novo catilogo raisonné de suas gravuras para dar lois &: rate a Scott Wright e a mim. A artista autografa os dois, mas olha de prese AO EE, GONG B inquisitivamente para a assistente na hora de escrever a data. “Dois, Zero, um, um’, diz pacientemente a mo¢a. Embora Yayoi claramente tenha dificuldade de acompanhar a passa. gem do tempo, ela se mostra quase um génio quando se trata da no¢o de espaco. Em 1963, criou um dos primeiros exemplos de instalacao de arte plenamente realizada. Aggregation: One Thousand Boats Show apresenta um barco a remo coberto de estruturas falicas instaladas numa sala revestida de 999 reproducées fotograficas em preto € branco da mesma obra. Trés anos depois, Andy Warhol imitou esse tratamento dado as paredes em Cow Wall-paper (1966). Sobre Warhol, Yayoi ja disse rispidamente: “Nés éramos como... inimigos no mesmo barco.” Kusama continuou a fazer perfeitas salas de Infinity Mirror. Quan- do vi pela primeira vez uma dessas obras, intitulada Fireflies over the Water (2002), quase uma década atras, me senti comovida até as lagrimas pela visio divina de um Universo sublime. Essas salas escuras tém centenas de luzes mintsculas refletidas por paredes e tetos espelhados e uma piscina escura de Agua cobre 0 chao. Com esses espacos encantadores, Yayoi tra- duz seus terrores existenciais em obras que inspiram sensagGes de espanto, reveréncia, elevacdo e plenitude. Outra assistente — aparentemente sao oito — sugere que mostrem a Scott Wright “os produtos”. Dizem-me que sao “muito, muito secrets”, € prometo no escrever sobre eles até que sejam divulgados. Ela sai e volta com trés bolsas Louis Vuitton em cada braco. “Eles nao tem mais? Por favor, tragam todas”, diz Yayoi, Ela bebe agua num copo de bolinhas amarelas enquanto outras bolsas sao descarregadas na mesa. No padrio habitual, bolinhas costumam ser idénticas, alinhadas des- preocupadamente em fileiras equidistantes. Uma bolinha de Yayoi Ku- sama, no entanto, é uma coisa viva, que respira e pulsa com uma ideia de propésito. A Louis Vuitton sobrepés alguns padrées de Yayoi sobre 0 monograma marrom LV em suas bolsas: uma galaxia psicodélica de bo- linhas pequenas, médias e grandes e um arranjo que a artista chama de “nervos’, reunindo pontos de diversos tamanhos em faixas serpentiformes. Yayoi sempre se interessou por roupas. Nos anos 1960, ela fazia esculturas 341 impossiveis de vestir, na forma de bermudas douradas cob rao e sapatos de salto brancos cheios de formas falicas, N também teve uma empresa de moda que fazia roupas: P sexual, incluindo pecas com furos estrategicamente col para duas pessoas € quimonos para orgias, “Todos os mi yivem juntos em harmonia dentro de mim, nao importa sao moda”, ela explica. ertas de macar- lessa época, ela ara a revolucio locados, vestidos leus eus criativos Se so arte ou se “Irmo, nao sera melhor descermos e ver as obras agora?”, pergunta Yayoi a Takakura, que poderia ser seu filho Ou seu neto. Apertamo-nos dentro de um pequeno elevador coma artista, que se senta numa cadeira de rodas de bolinhas, enquanto os outros, incluindo Takako Matsumoto esua camera, descem pela escada. Yayoi me diz que tem problema nas pernas porque durante anos pintou de joelhos. Ela nao suporta quando alguma coisa a impede de trabalhar porque sé 0 trabalho interrompe sua obsessio pelo suicidio. Pergunto com que frequéncia ela pensa sobre a morte. “Quase toda noite”, responde. “Especialmente agora, que eu tenho insénia.” O segundo andar desse edificio de trés abriga um estidio de pintura com prateleiras para armazenamento de um dos lados e uma grande pia cercada de tintas e pincéis do outro. No centro fica a mesa baixa onde Ku- sama pinta. Agora esté vazia, porém marcada de linhas retas multcoloridas que correspondem as bordas sobrepostas de muitas telas. Enquanto dois assistentes tiram as pinturas penduradas em araras com rodinhas, Scott da retrospectiva de alguma forma “ligou Wright me diz que 0 antincio i % i fez mais de 140 pinturas em dezoito um interruptor dentro dela”, € Yayoi fe meses, “A morte est logo af, € e0 ainda nao tenho certeza de que sou uma grande artista’, explica ela. “fi por isso que estou absorvida na pintura.” ande artista”, : jas de Yayoi sintetizam a 1 otivos como pontos, redes, “nervos historia de sua arte — sua preocu- As novas tek: . isciéncia, m« Jo com 0 infinito e a onisci aaaainrmeae e olhos. Pintadas sobre a mesa, pelos quatro lados, e . nt ion em forma de serpen'® eéstica variedade de composicées usando um ma een dene ‘Alguns dos quadros apresentam intensos escopo limitado de co! Efeitos dticos, outros P res puras. pres arecem mapas topograficos primitivos. Ato III, Cena 8 342 “Bu trabalhei duro, dediquei todas as minhas energias a eles. Fiz tudo tudo Kusama”, diz a artista, enquanto suas sozinha, sem nenhuma ajuda. utras pinturas. assistentes continuam a guardar ea trazer 0 “Sim, estou vendo”, diz Scott Wright. “Sao étimas. Muito vibrantes. tas, Adorei a aura delas, Tém uma tremenda energi: Muito bonit “Obrigada’, responde Yayoi. Ihores que essas.” A artista nos d na TV no documentério de Takako Matsumoto, recentemente transmitido. “B muito dificil ter espaco na televisio, ¢ 0 programa tinha trés horas”, “Agora mostraremos algumas muito me- liz que muitas dessas pinturas estrearam comenta. Artistas mulheres geralmente esperam muito tempo até a consagracao. A vantagem do reconhecimento tardio é que isso pode estimulé-las a novas alturas. Louise Bourgeois fez algumas de suas melhores obras na casa dos oitenta anos. Aos 82, Yayoi claramente aspira a fazer 0 mesmo. Quais séo suas dicas para permanecer criativa por tanto tempo? — pergunto. “Minha vida sempre foi inteiramente dedicada a arte. E eu fico fasci- nada com encontros com pessoas notaveis como Glenn”, fala ela sobre 0 galerista a seu lado. Yayoi é celibatdria e escreveu sobre sua aversio a0 sexo, mas parece ter uma paixdo adolescente por Scott Wright, um lindo anglo-asiatico gay. Por que Glenn é tao importante? — pergunto. “Bu gosto da boa vontade dele para entender minha arte. Ele jamais saberé o quanto sinto saudades dele.” A visita anterior de Scott Wright havia sido cancelada porque o terremoto Tohoku fechou o aeroporto. “Na histéria da arte, encontramos muitos artistas que sempre tiveram um me- cenas ou um galerista”, ela acrescenta. Mais do que simplesmente expor € vender a obra, a galeria coloca o artista no mapa, torna-o relevante, dé-lhe uma razio de viver, Descemos para o térreo, que é basicamente um depésito com araras de rodinhas cheias de pinturas maiores, Uma mesa foi posta, toalha com padrao de Kusama, cha gelado na garrafa e biscoitos individualmente em- brulhados. Frances Morris, a curadora da retrospectiva de Yayoi, e mais umas dez pessoas, a maioria membros do comité de aquisicdes da Tate’s yoyo ust 343 asia Pacific, chegarao a qualquer momento, Empilhadas pialgumas pinturas recentes de abéboras com bolinhas. . canto da sala tas, que imagino serem em serigrafia, pelo detalhamento ae € pre- nao S40 caracteristicos das mos de Yayoi hoje. Na juventud irmeza que alucinagdes em que abéboras falavam com ela de mane Q coe sem pretens4o”, € essas abdboras foram tema de sua stein ee i de pinturas, pela qual recebeu um prémio, em 1948. al Os membros do comité da Tate entram na sala, limpam os pés no tapete, pois as ruas ainda esto molhadas pelo tufao que atingiu Téquio ontem a noite. Depois que a artista cumprimenta a todos com um aperto de mo, suas assistentes descobrem algumas das novas pinturas arma- zenadas no térreo. Frances Morris faz um comentirio rapido sobre as obras, elencando os elementos “iconograficos” e “decorativos”. Ela nao faz nenhuma pergunta diretamente a Yayoi, mas olha respeitosamente na diregdo dela a cada frase. A artista se alheia, perturbada pela interacao e pela fala britanica rapida e picotada de Frances. O grupo é conduzido pela escada até o estiidio de pintura do andar de cima, onde uma tela coberta por uma base de prata reluzente esta pousada a assistente a ajuda a se sentar na cadeira de ro- sobre a mesa de Yayoi. Um: das vermelha, entrega-lhe um avental respingado de tinta e depois uma ti- gela de tinta acrilica exatamente no mesmo tom vermelhio fluorescente de a mio esquerda firmemente apoiada na tela, ela desenha sua peruca. Com om a direita. Entao lhe faz pontas triangulares, como um arco confiante 3 a0 lado, depois contorna Bla pinta uma bola grande por toda a borda da pintura. As pessoas assistem nenhuma hesitacao”, o dorso de um iguana. com triangulos ou ondas da pintura em siléncio. “E quase uma escrita automitica, Nao ha sussurra Frances Morris, como um comentarista esportivo descrevendo golfista diante do siltimo buraco. Nos anos nto tenso de uma " ses pela performance, criando happenings. o mome! 1960, Yayoi fez algumas incu atica um tipo de te: Hoje ela pr: estranhamente comovente de s atro um pouco mais intimo — demonstragao eu poder sobre todo um dominio estético.

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