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13 - Livro - Literatura de Paises de Lingua Portuguesa
13 - Livro - Literatura de Paises de Lingua Portuguesa
Jurema Oliveira
Stélio Furlan
O objetivo principal desta obra é o de compreender elementos para o estudo
LITERATURA DE PAÍSES
crítico-produtivo das manifestações canônicas da literatura portuguesa, entre DE LÍNGUA PORTUGUESA
LITERATURA DE PAÍSES
DE LÍNGUA PORTUGUESA
1189 e 1915, situando-a no contexto da literatura ocidental, além de apresentar
uma discussão sobre gêneros literários e tradição oral da literatura africana. Stélio Furlan
Como estratégia de leitura, vamos centrar nosso investimento discursivo José Carlos Siqueira
e investigativo no que singulariza as diferentes manifestações literárias Jurema Oliveira
portuguesas do medievo ao período contemporâneo, além de apresentar
os princípios norteadores da construção identitária da literatura africana de
língua portuguesa.
Educação
FAEL
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1
Trovadorismo: 1198-1418
Stélio Furlan
José Carlos Siqueira
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Trovadorismo: 1198-1418
2 “Quero fazer agora uma canção de amor ao modo provençal. E quero louvar a minha sen-
hora, a quem honra nem formosuras não faltam, nem bondade; e mais vos direi ainda: tanto
Deus a fez cheia de virtudes, que no mundo não há outra igual.”
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Literatura de países de língua portuguesa
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Trovadorismo: 1198-1418
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Trovadorismo: 1198-1418
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Trovadorismo: 1198-1418
Glossário:
Gram coita: grande sofrimento.
Per bõa fé: na esperança.
Nom val: não me socorre.
Observe que D. Dinis faz uso, com maestria, das técnicas da composição
poética comuns ao lirismo trovadoresco: o refrão, o paralelismo, a atafinda e
a fiinda.
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Literatura de países de língua portuguesa
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Trovadorismo: 1198-1418
Glossário:
Cuidado: aflição.
Ei alongado: tenho esperado.
Desejo: recordação saudosa.
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Trovadorismo: 1198-1418
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Trovadorismo: 1198-1418
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Trovadorismo: 1198-1418
Colhe a vela,
Ó pescador!
Deita o laço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Ó pescador!
Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Ó pescador,
Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
Foge dela
Ó pescador! (ALMEIDA GARRETT, 2008)
Dicas de estudo
22 A propósito das manifestações da literatura medieval, consulte
o site <http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/trovador.htm>,
acesso em: 29 set. 2017, que apresenta vários exemplos das
modalidades da poesia trovadoresca. Vale dizer que esse site é
considerado a maior base de dados sobre a literatura portuguesa,
do medievo às textualidades contemporâneas.
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Literatura de países de língua portuguesa
Atividades
1. A propósito das origens das cantigas de amor galego-portuguesas,
António José Saraiva e Oscar Lopes afirmam, em sua História da Li-
teratura Portuguesa, que os provençais eram os modelos a seguir. Cite
versos de D. Dinis que podem corroborar essa tese.
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O Humanismo
José Carlos Siqueira
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O Humanismo
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O Humanismo
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Literatura de países de língua portuguesa
o latim era considerado digno para tanto. Quase nada se sabe da vida de
Bernardim Ribeiro, sendo incertas as datas de nascimento e morte. Acredita-se
que tenha visitado a Itália na companhia de Sá de Miranda e frequentado o
meio literário da corte portuguesa. De sua autoria, chegou-nos alguns poucos
versos, o romance (gênero de poema) Ao Longo de uma Ribeira (1550) e a
novela Menina e Moça (1554), havendo esta última se transformado em uma
referência obrigatória da origem da prosa portuguesa, pois seria a primeira
novela pastoril da península Ibérica.
Alguns acreditam que Menina e Moça possa ser um roman à clef, isto
é, um romance codificado que retrata a própria vida amorosa do autor, já
que há muitos possíveis anagramas1 nos nomes das personagens. Por exem-
plo, Binmarder seria um anagrama de Bernardim; Natércia, de Caterina;
Arima, de Maria; e assim por diante. Menina e Moça é uma “novela senti-
mental”, que funciona como uma “cantiga de amigo” ampliada, resultando
na visão feminina de uma “novela de cavalaria”.
Menina e moça me levaram de casa de minha mãe para muito longe.
Que causa fosse então a daquela minha levada, era ainda pequena,
não a soube. Agora não lhe ponho outra, senão que parece que já
então havia de ser o que depois foi. Vivi ali tanto tempo quanto foi
necessário para não poder viver em outra parte. Muito contente fui
em aquela terra, mas, coitada de mim, que em breve espaço se mudou
tudo aquilo que em longo tempo se buscou e para longo tempo se
buscava. Grande desaventura foi a que me fez ser triste ou, per aven-
tura, a que me fez ser leda. Depois que eu vi tantas cousas trocadas
por outras, e o prazer feito mágoa maior, a tanta tristeza cheguei que
mais me pesava do bem que tive, que do mal que tinha. (RIBEIRO,
2002, p. ii).
Assim tem início o relato dos diversos sofrimentos amorosos que a nar-
radora ouviu contar ou que, em parte, também experimentou. O tom sen-
timental, as diversas tramas amorosas e a exacerbação das sensações fizeram
com que essa obra se transformasse em referência fundamental, já no século
XIX, para os escritores portugueses ligados à escola romântica.
1 Anagrama: transposição de letras de palavra ou frase para formar outra palavra ou frase diferente.
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O Humanismo
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O Humanismo
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O Humanismo
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O Humanismo
Fonte: Divulgação.
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Literatura de países de língua portuguesa
Aqui a crítica recai sobre a então incipiente classe burguesa, que ainda
possuía um estreito vínculo com o campo. Note-se que toda a ação se passa
na horta, com poucos personagens em cena, todos eles vestidos sem qualquer
ostentação. Isso fazia com que a peça pudesse ser representada em qualquer
lugar, sem grande aparato ou dificuldade.
É também fácil observar que há um claro distanciamento dos princí-
pios dramáticos clássicos, que, em seu conjunto, postulam que uma peça se
construa a partir de uma lógica interna: todos os personagens, todas as cenas,
todas as ações têm de ser muito bem amarradas, fazendo com que nada fique
solto ou sem explicação clara. Em O Velho da Horta a entrada e a saída de
alguns personagens não são muito claras. O tempo em que transcorre toda
a ação da peça – um dia – é muito pouco para que o Velho se apaixone, seja
explorado pela Alcoviteira e ainda se arrependa de perder suas economias.
Apenas o espaço respeita a unidade aristotélica. A peça caminha quadro a
quadro, sem que a motivação de um para o outro seja devidamente amarrada.
Quando os guardas chegam para prender a Alcoviteira, por exemplo, a situa-
ção é um tanto inverossímil, pois não ficamos sabendo quem denunciou sua
exploração sobre o Velho. Todavia, o efeito surpresa que isso acarreta é mais
forte e mais cômico do que se fôssemos preparados para tanto.
Os princípios clássicos logo passariam a ser muito valorizados em
Portugal, definindo assim uma nova estética renascentista. Mas é importante
lembrar que, de modo efetivo, o renascentismo só chegaria a Portugal 14 anos
depois da estreia de O Velho da Horta: como vimos, isso ocorreu em 1526,
quando o poeta Sá de Miranda retornou a Lisboa, depois de sua viagem de
estudos à Itália, trazendo na bagagem todo o ideário estético renascentista.
De qualquer modo, Gil Vicente jamais aderiu plenamente a ele, embora
seja considerado, como já referido, o principal autor dos primórdios do
Renascimento em Portugal, pois o dramaturgo foi sempre fiel ao seu huma-
nismo – este sim em sintonia com o mundo mental renascentista, conforme
discutiremos adiante – bem como às formas do teatro de tradição medieval.
Lembremos ainda, com relação às farsas, que algumas delas não traba-
lham só com quadros, mas se prendem a um enredo mais denso. É o caso, por
exemplo, da famosa Farsa de Inês Pereira, peça muito conhecida. Ali há toda
uma progressão da ação:
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O Humanismo
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encontrava enferma de um mal que a mataria) tal como ocorrera com o Auto
da Visitação, 15 anos antes.
Figura 8 –Ilustração de cena do Auto da Barca do Inferno.
Embora muito provavelmente não tenha sido escrita para compor uma
trilogia, o grande sucesso obtido por sua representação inspirou o dramaturgo
a redigir duas outras peças, o Auto da “Praia” do Purgatório e o Auto da Barca
da Glória. Assim, os três autos contemplam os três lugares em que um cristão,
após a morte, pode ter por morada: o inferno, o purgatório e o paraíso.
O Auto da Barca do Inferno se passa em uma praia. Dois barcos esperam
os que acabaram de morrer para os levar ou para o paraíso ou para o inferno,
havendo uma sucessão de cenas envolvendo aqueles que chegam e também
o Diabo e o Anjo, que recebem a todos. A condenação e a salvação de cada
um é decidida de acordo com sua vida terrena. Os que chegam são o Fidalgo,
o Onzeneiro (agiota), o Parvo, o Sapateiro, o Frade, Florença (amante do
frade), Brísida Vaz (alcoviteira), o Judeu, o Corregedor, o Enforcado (ladrão)
e quatro Cavaleiros. Desse modo, a peça é um conjunto de cenas sobrepostas,
ligadas pelas figuras do Diabo e do Anjo.
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O Humanismo
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O Humanismo
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Literatura de países de língua portuguesa
homem letrado poderia substituir o sacerdote, muitas vezes com maior pro-
veito. Foi exatamente o que fez Gil Vicente.
Dicas de estudo
22 As peças de Gil Vicente são muito reencenadas. Veja se na sua
cidade não há nesse momento montagem delas.
22 Há um romance de Fernando Campos intitulado A Sala das
Perguntas (1998), publicado pela Difel, que retrata a vida do
humanista Damião de Góis.
Atividades
1. Qual a maior ruptura promovida pelo humanismo no pensamento
dos séculos XV e XVI em Portugal?
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3
Classicismo: 1527-1580
Stélio Furlan
José Carlos Siqueira
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Classicismo: 1527-1580
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Literatura de países de língua portuguesa
1 As estrofes (ou estâncias) citadas ao longo desta aula foram da edição da Nova Fronteira,
1993, por conta da adaptação ao português contemporâneo, que sem alterar a forma poética
resultou em um texto mais fluente para o leitor moderno.
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Classicismo: 1527-1580
Glossário:
Ocidental praia lusitana: a cidade de Lisboa.
Taprobana: o atual Sri-Lanka, ilha no oceano Índico.
Daqueles Reis: Reis de Portugal que serão lembrados nos cantos III e IV.
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Literatura de países de língua portuguesa
3.3.1.1 Invocação
No caso da invocação, a exemplo de Homero que invocava Calíope,
divindade grega que dirigia a atividade poética, Camões solicita o auxílio das
Tágides, as ninfas do rio Tejo, para que elas lhe concedam entusiasmo para
que a obra resulte tão elevada quanto o assunto proposto:
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Classicismo: 1527-1580
Glossário:
Cerso humilde: a poesia lírica.
Sublimado: elevado.
Grandíloquo: nobre, altissonante.
Febo ou Apolo: deus do sol e da poesia.
O narrador sugere nos dois últimos versos que os feitos dos novos argo-
nautas (o navegador Vasco da Gama e seus companheiros de viagem) rivali-
zam com o dos navegadores antigos. Em outras palavras, que o poema auxi-
liado pelas Tágides será tão sublime quanto os inspirados pela lendária fonte
da Antiguidade (Hipocrene) que concedia o dom da poesia a quem bebesse
de suas águas.
3.3.1.2 Dedicatória
Na dedicatória, que ocupa 13 estrofes, o narrador se dirige a D. Sebastião,
rei de Portugal:
E vós, ó bem nascida segurança
Da Lusitana antiga liberdade,
E não menos certíssima esperança
De aumento da pequena Cristandade
(CAMÕES, 1993, I, 6)
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Classicismo: 1527-1580
Glossário:
C’oa: com uma.
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Classicismo: 1527-1580
Glossário:
Horríficos algozes: terríveis carrascos, assassinos.
Movido a piedade: motivado pela piedade.
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Literatura de países de língua portuguesa
3.4.3 Adamastor
Na sequência da narração da história de Portugal e da viagem ao rei
de Melinde, Vasco da Gama descreve a proeza da superação do “Cabo
Tormentório” e dos “vedados términos” (limites proibidos). Para que a traves-
sia de Vasco da Gama às Índias fosse bem-sucedida, era necessário ultrapassar
o cabo das Tormentas, ao sul da África. As tentativas anteriores resultaram em
naufrágio. O grande feito dos navegadores lusitanos que venceram esse mar
tenebroso foi celebrado com a figura mitológica do gigante Adamastor. É uma
das passagens de maior brilho poético.
Figura 3 – O encontro com o gigante Adamastor.
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Classicismo: 1527-1580
Glossário:
Nojo: desgosto.
Fronte a fronte: frente a frente.
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Classicismo: 1527-1580
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Literatura de países de língua portuguesa
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Classicismo: 1527-1580
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Literatura de países de língua portuguesa
Glossário:
Destemperada: desafinada.
Favor: aplauso.
Gosto: prazer.
Austera, apagada e vil tristeza: tristeza sombria.
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Classicismo: 1527-1580
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Literatura de países de língua portuguesa
Glossário:
Concertados: harmoniosos.
Acidentes namorados: ocorrências amorosas.
Avivente: anime.
Temerosa: tímida; pena: saudade.
Desprezo honesto: orgulho da sua linhagem, altivez.
A menor parte: um pequeno defeito, ou o “desprezo honesto”.
Pera: para; gesto: rosto.
Falta saber, engenho e arte: falta conhecimento dos preceitos,
talento ou inspiração e a técnica poética.
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Classicismo: 1527-1580
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Classicismo: 1527-1580
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Literatura de países de língua portuguesa
Dicas de estudo
22 CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas: episódios. Apresentação e
notas de Ivan Teixeira. São Paulo, Ateliê Editorial, 1999. Edição
com os principais episódios do grande poema de Camões e um
estudo que auxilia sua compreensão e apreciação. Essa obra foi
concebida como introdução ao poema.
22 BECHARA, Evanildo; SEGISMUNDO, Spina. Os Lusíadas:
antologia. São Paulo: Ateliê Editorial, 1999. Antologia sobre
Os Lusíadas.
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Classicismo: 1527-1580
Atividades
1. Você considera que o tema de Os Lusíadas é apropriado para uma
epopeia? Por quê?
4. Comente sobre o que é a Ilha dos Amores e qual seu sentido alegórico.
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Barroco: 1580-1756
Stélio Furlan
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Barroco: 1580-1756
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Barroco: 1580-1756
Glossário:
Lapidário: ourives, joalheiro.
Zafiro: safira.
Engastado: embutido, incrustado.
Aver: riqueza, bens.
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Barroco: 1580-1756
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Barroco: 1580-1756
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Barroco: 1580-1756
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Literatura de países de língua portuguesa
Por certo, se Vieira não descarta o uso de ornatos nos seus sermões e o
faz com maestria. Quanto ao ludismo verbal ou jogo de palavras típico do
Cultismo, leia-se:
As palavras que tomei por tema o dizem: Semen est verbum Dei.
Sabeis, cristãos, a causa porque se faz hoje tão pouco fruto com tantas
pregações? E porque as palavras dos pregadores são palavras, mas não
são palavras de Deus [...]. Mas dir-me-eis: Padre, os pregadores de
hoje não pregam do Evangelho, não pregam das Sagradas Escrituras?
Pois como não pregam a palavra de Deus? Esse é o mal. Pregam pala-
vras de Deus, mas não pregam a palavra de Deus...” (VIEIRA, 2008)
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Barroco: 1580-1756
elementos dum contraste”. Daí o seu valor literário. Para Coelho, o concep-
tismo é uma tendência, “característica da literatura barroca, para os jogos de
conceitos, prova de engenho subtil, não menos estimada em poesia do que
em prosa. [...] Embora cultismo e conceptismo estejam intimamente uni-
dos, frutos como são da mentalidade barroca, há autores predominantemente
conceptistas e de clara expressão – clássica, em certo sentido: é o caso do
Padre António Vieira. Todavia, o pensar por simetrias e contrastes determina,
no plano formal, paralelismos e antíteses; e Vieira é medularmente barroco
pela vigorosa exuberância e pelo dinamismo interior que leva a criar artifi-
cialmente dificuldades lógicas para depois, com surpreendente agudeza, as
resolver” (COELHO, 2008). O uso dos contrastes pode ser constatado no
seguinte fragmento do Sermão da Sexagésima:
Não nego nem quero dizer que o sermão não haja de ter variedade
de discursos, mas esses hão-de nascer todos da mesma matéria e con-
tinuar e acabar nela. Quereis ver tudo isto com os olhos? Ora vede.
Uma árvore tem raízes, tem tronco, tem ramos, tem folhas, tem varas,
tem flores, tem frutos. Assim há-de ser o sermão: há-de ter raízes for-
tes e sólidas, porque há-de ser fundado no Evangelho; há-de ter um
tronco, porque há-de ter um só assunto e tratar uma só matéria; deste
tronco hão-de nascer diversos ramos, que são diversos discursos, mas
nascidos da mesma matéria e continuados nela; estes ramos hão-de
ser secos, senão cobertos de folhas, porque os discursos hão-de ser
vestidos e ornados de palavras. Há-de ter esta árvore varas, que são
a repreensão dos vícios; há-de ter flores, que são as sentenças; e por
remate de tudo, há-de ter frutos, que é o fruto e o fim a que se há-de
ordenar o sermão. De maneira que há-de haver frutos, há-de haver
flores, há-de haver varas, há-de haver folhas, há-de haver ramos; mas
tudo nascido e fundado em um só tronco, que é uma só matéria. Se
tudo são troncos, não é sermão, é madeira. Se tudo são ramos, não é
sermão, são maravalhas [gravetos]. Se tudo são folhas, não é sermão,
são versas. Se tudo são varas, não é sermão, é feixe. Se tudo são flores,
não é sermão, é ramalhete. Serem tudo frutos, não pode ser; porque
não há frutos sem árvore. Assim que nesta árvore, à que podemos cha-
mar «árvore da vida», há-de haver o proveitoso do fruto, o formoso
das flores, o rigoroso das varas, o vestido das folhas, o estendido dos
ramos; mas tudo isto nascido e formado de um só tronco e esse não
levantado no ar, senão fundado nas raízes do Evangelho: Seminare
semen. Eis aqui como hão de ser os sermões, eis aqui como não são.
E assim não é muito que se não faça fruto com eles. (VIEIRA, 2008)
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Barroco: 1580-1756
Conclusão
Como vimos, a arte de maravilhar o leitor se desdobra seja pela explo-
ração de assuntos prosaicos, cotidianos, dissimulados sob um burilado exces-
sivo da forma, seja como modo de edificação moral e espiritual.
Nesse caso, se é lícito falar em Barroco, podemos dizer que o campo lite-
rário também exprime a mentalidade própria ao seiscentismo. Nas palavras
de Afrânio Coutinho: “O homem do Barroco é um saudoso da religiosidade
medieval e, ao mesmo tempo, um seduzido pelas solicitações terrenas e valo-
res mundanos, amor, dinheiro, luxo, posição [...]. Dessa dualidade nasceu a
arte barroca”. Em suma, entre a multiplicidade de leituras e sem a pretensão
de esgotar o assunto, pensamos o Barroco como a arte do conflito, o que
torna plausível a sua definição como “a encarnação de um sentimento antité-
tico da vida” (COUTINHO, 1950, p. 34).
Dica de estudo
22 Sobre a literatura portuguesa em geral e sobre o barroco em parti-
cular, vale consultar o banco de dados do Projecto Vercial, dispo-
nível no site <http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/barroca.htm>.
Acesso em: 18 out. 2017.
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Literatura de países de língua portuguesa
Atividades
1. Pode-se afirmar que o Barroco foi uma manifestação artística que só
se desenvolveu em Portugal? Justifique.
A lustrosa garganta
De mármore polido;
A mão de jaspe, de alabastro a planta.
Que muito, pois, Cupido,
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Barroco: 1580-1756
Glossário:
Safiro: safira.
Perlas: pérolas.
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5
Arcadismo: 1756-1825
Stélio Furlan
Fonte: Anagr/Istockphoto.
A descrição desse delírio, no qual as gerações “se superpunham às gera-
ções”, pode nos servir de mote para o estudo das “ideias novas” da literatura
portuguesa ao longo do século XVIII. Em um viés panorâmico, esse “cor-
tejo de sistemas” evoca a possibilidade de se pensar a Literatura por meio
de séculos ou épocas. É o que ocorre na monumental História da Literatura
Portuguesa, de António José Saraiva e Óscar Lopes. Para tornar o estudo aces-
sível e a difusão mais didática, a literatura portuguesa é dividida em época
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Arcadismo: 1756-1825
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Arcadismo: 1756-1825
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Arcadismo: 1756-1825
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Arcadismo: 1756-1825
Glossário:
Cadentes: com cadência.
Zéfiro: deus mitológico dos ventos suaves.
Ósculos: beijos.
No final desse soneto, quando exclama “Que alegre campo! Que manhã
tão clara!”, o sujeito poético sugere a retomada da poesia camoniana, em
especial o verso “Alegres campos, verdes arvoredos”, de Camões. Dita paisa-
gem ideal para os encontros amorosos era prevista pela tradição clássica da
lírica greco-latina. Assim, esta
natureza mágica é conducente ao amor, ao encantamento sensorial e
espiritual do Homem, que se integra na perfeição em tal plenitude,
marcada pela harmonia e homogeneidade. Enfim, estamos perante
um paraíso terrestre, onde se enquadra o ser humano que busca a
satisfação pela simplicidade. (LOCUS AMOENUS, 2008)
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Literatura de países de língua portuguesa
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Arcadismo: 1756-1825
Glossário:
Kronos: divindade que personifica o Tempo.
3 Sophia de Mello Breyner Andresen, autora de intenso entusiasmo poético, recebeu vários
prêmios entre os quais vale destacar: Grande Prémio Calouste Gulbenkian de Literatura
para Crianças, 1992; Prémio Vida Literária, da Associação Portuguesa de Escritores, 1994;
e o Prémio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana, em 2003. Poesia (1944), O Dia do Mar
(1947), Coral (1950), No Tempo Dividido (1954), Mar Novo (1958), O Cristo Cigano (1961),
Livro Sexto (1962), Geografia (1967), Dual (1972), O Nome das Coisas (1977), Navegações
(1983), Ilhas (1989), Musa (1994) O Búzio de Cós (1998) são alguns dos seus principais
livros de poesia.
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Literatura de países de língua portuguesa
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Arcadismo: 1756-1825
Glossário:
Candura: doçura, brandura.
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Literatura de países de língua portuguesa
Glossário:
Casal: pequena propriedade.
Conclusão
Para concluir, resta dizer que, se há uma retomada das arte poéticas
renascentista e da antiguidade clássica, há também o desvio que conduz à
renovação. As transgressões de Bocage são bastante ilustrativas. Trata-se de
um poeta criador, inventivo e não de mero reprodutor dos preceitos clássicos.
Observe como ele ultrapassa os limites e convenções árcades em favor de uma
expressão mais pura e livre de seu mundo pessoal:
A frouxidão no amor é uma ofensa,
Ofensa que se eleva a grau supremo;
Paixão requer paixão, fervor e extremo;
Com extremo e fervor se recompensa.
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Arcadismo: 1756-1825
Glossário:
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Literatura de países de língua portuguesa
Atividades
1. Observe a estrofe do poema intitulado “A Henriqueta, Minha Filha”,
da poetisa lusitana Marquesa de Alorna (1750-1839), e identifique
uma das principais características do Arcadismo.
Gosta os frutos da Quina do Descanso:
Para longa esperança o espaço é breve;
A idade foge enquanto discorremos:
Aproveita os momentos.
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Arcadismo: 1756-1825
Glossário:
Desabrido: severo.
Glossário:
Denegridas: enegrecidas, manchadas.
Corvo do Mondego: o gongorista Francisco de Pina e Melo.
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Literatura de países de língua portuguesa
Glossário:
Envisgada: untada com visgo ou cola.
Reputa: julga, aconselha.
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O Romantismo: prosa
José Carlos Siqueira
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O Romantismo: prosa
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Literatura de países de língua portuguesa
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O Romantismo: prosa
1 Self-made-man, isto é, “o homem que se faz por si mesmo”, é o princípio que norteou a ideo-
logia liberal, partindo do pressuposto de que a sociedade funcionaria perfeitamente se cada um
tivesse seus direitos garantidos e procurasse fazer o seu próprio destino, o seu próprio negócio.
É o mesmo princípio que inspirou o “sonho americano”, fazendo com que cada americano do
século XX acreditasse capaz de se tornar um milionário. Desconsiderava-se, entretanto, que
uma nação não pode ser constituída por uma população de milionários. Economicamente
falando, para a existência de um único milionário é necessário um correspondente exército
de pobres e miseráveis. No caso americano, vale lembrar o romance Por um milhão de dólares
(1934), escrito por Nathaniel West (1903-1940), que foi roteirista de Hollywood e nesse livro
ironiza de forma muito inteligente o princípio do self-made-man.
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Literatura de países de língua portuguesa
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O Romantismo: prosa
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Literatura de países de língua portuguesa
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Literatura de países de língua portuguesa
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O Romantismo: prosa
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sua carreira literária. Raptou a órfã Patrícia Emília de Barros e voltou para
o Porto, onde ambos foram presos. Teve também uma filha com Patrícia
e do mesmo modo abandonou as duas. Teve um caso com a freira Isabel
Cândida e depois com a escritora Maria Browne. Finalmente, apaixonou-se
por Ana Plácido, o grande amor de sua vida, mas ela estava prometida a
outro, com quem se casou. Ana Plácido, no entanto, acabou abandonando
o marido e fugindo com Camilo. Ficaram presos por algum tempo e, na
cadeia, Camilo escreveu O Romance de um Homem Rico e Amor de Perdição.
Quando o marido de Ana Plácido morreu, os dois passaram a morar juntos.
Teve diversos filhos com ela, um deles com problemas mentais. Nesse per-
curso, adquirira sífilis, fazendo com que o cotidiano de Camilo e Ana não
fosse dos mais fáceis. Com outro de seus filhos, Nuno, concebeu e realizou
o rapto de Maria Isabel, herdeira rica, para que o filho pudesse fazer um
grande casamento. Viveu de encomendas literárias até Ana Plácido morrer
e ele começar a ficar cego por causa da sífilis. Chegou a receber o título de
visconde, mas, já muito deprimido, suicidou-se com um tiro na cabeça.
Sua atribulada vida pessoal deve-se, em parte, ao fato de ter sido um dos
primeiros homens em Portugal a viver exclusivamente do que escrevia. A escrita
era sua forma de sobrevivência, o que não era uma tarefa fácil, obrigando-o a
recorrer a alguns expedientes pouco convencionais. Essa é uma das razões pela
qual sua obra é muito extensa. Apenas para dar um exemplo de cada gênero
que cultivou, podemos lembrar que escreveu: poemas (Juízo Final e O Sonho
do Inferno, 1845); comédias (O Morgado de Fafe em Lisboa, 1862); dramas sen-
timentais (Abençoadas Lágrimas, 1862); dramas históricos (Agostinho de Ceuta,
1848); narrativas de caráter histórico (Perfil do Marquês de Pombal, 1882); crí-
tica literária (Esboços de Apreciação Literária, 1866); contos (Noites de Lamego,
1863); e principalmente novelas de caráter histórico (O Judeu, 1866), satírico
(A Queda de um Anjo, 1866) e passional (Amor de Perdição, 1863).
Seu gênero preferido era a novela, que, em linhas gerais, diferencia-se do
romance apenas por se concentrar na trama central, sem apresentar enredos
paralelos. No entanto, nem sempre é fácil dizer se estamos diante de um
romance ou de uma novela, pois a crítica diverge muito em relação à defi-
nição desses gêneros. De qualquer modo, Camilo foi um dos maiores pro-
sadores românticos que a cultura portuguesa viu nascer, tanto na qualidade
quanto na quantidade de suas obras.
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Mais que a angústia e o remorso de Clara de ver sua inocente irmã pagar
por um erro que ela cometera, emerge desse diálogo o mundo de fofocas e
intrigas que move a pequena aldeia portuguesa. Se a situação que precede a
cena, a troca de lugares entre as irmãs no encontro secreto, é indiscutivel-
mente de gosto romântico, Júlio Dinis dá um tratamento muito realista ao
modo como a Senhora Joana conduz a conversa com Clara, sempre em defesa
de Guida, mas sem deixar de revelar sua surpresa ou enumerar todas as con-
sequências do seu suposto ato. Portanto, na prática, condenando-a sumaria-
mente como todas as outras. Eis, pois, um claro exemplo desse lugar ambíguo
que o texto de Júlio Dinis ocupa entre o romantismo e o realismo.
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O Romantismo: prosa
Dicas de estudo
22 FERREIRA, Alberto. Perspectiva do Romantismo Português:
1834-1865. Lisboa: Edições 70, 1971. – Apesar dos mais de 30
anos de publicação dessa obra, ela continua a ser inspiradora
e polêmica, dando um enfoque inovador ao estudo do roman-
tismo. Ferreira mostra que há uma maior articulação entre o
romantismo e o realismo do que se pode pensar, e que condições
próprias da sociedade lusitana tiveram um peso relativo maior
do que normalmente se supõe no desenvolvimento da cultura
romântica portuguesa.
22 O site da Biblioteca Nacional de Lisboa possui diversas pági-
nas especialmente construídas para certos autores e suas obras.
No nosso caso, indicamos o projeto dedicado a Almeida Garrett
por ocasião do bicentenário de seu nascimento. Disponível em:
<http://purl.pt/96/1/>. Acesso em: 29 set. 2017.
Atividades
1. Qual dos escritores românticos portugueses mais se preocupou com a
história da nação? Justifique sua resposta.
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O Romantismo: poesia
José Carlos Siqueira
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O Romantismo: poesia
Veja como, a partir dessa definição, temos o gênio como o sujeito que
define as regras da arte. É um eleito pela natureza, que já nasce com o talento
para realizar tal tarefa. Ninguém escolhe ser gênio. É uma dádiva rara da
natureza que lhe permite exercer livremente suas faculdades de conheci-
mento, modeladas de forma original. Portanto, a originalidade do gênio é o
que definirá as regras da arte para todos os outros.
É fundamentado nessa concepção de genialidade que Almeida Garrett, o
inaugurador do romantismo em Portugal, escreve o prefácio de Folhas Caídas,
seu mais famoso livro de poemas:
Mas sei que as presentes Folhas Caídas representam o estado de alma
do poeta nas variadas, incertas e vacilantes oscilações do espírito, que,
tendendo ao seu fim único, a posse do Ideal, ora pensa tê-lo alcan-
çado, ora estar a ponto de chegar a ele, ora ri amargamente porque
reconhece o seu engano, ora se desespera de raiva impotente por sua
credulidade vã.
Deixai-o passar, gente do mundo, devotos do poder, da riqueza, do
mando, ou da glória. Ele não entende bem disso, e vós não entendeis
nada dele.
Deixai-o passar, porque ele vai onde vós não ides; vai, ainda que zom-
beis dele, que o calunieis, que o assassineis. Vai, porque é espírito, e
vós sois matéria.
E vós morrereis, ele não. Ou só morrerá dele aquilo em que se pareceu
e se uniu convosco. E essa falta, que é a mesma de Adão, também será
punida com a morte.
Mas não triunfeis, porque a morte não passa do corpo, que é tudo
em vós, e nada ou quase nada no poeta. (ALMEIDA GARRETT,
1955, p. 2)
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O Romantismo: poesia
sentido da vida. Quando, ao final do poema, o eu lírico diz que, após vê-la
e se apaixonar, “nessa hora a viver comecei”, temos no sentimento amoroso
o verdadeiro sentido da existência, coisa que não se apresentava na esté-
tica clássica. Os românticos veem o amor como uma forma de reação ao
materialismo e ao pragmatismo que caracteriza a vida burguesa. Só se vive
realmente caso se consiga fugir à mediocridade desse tipo de existência, e
o amor é a forma a que todos temos acesso para realizar tal transcendência
em nosso cotidiano.
Para dar credibilidade ao sentimento amoroso ali presente, o poeta
romântico em geral mescla vida pessoal e literatura. Isso também aconteceu
com Folhas Caídas, pois o livro apresenta sete poemas que tem a palavra rosa
no título, “Perfume da Rosa”, “Rosa sem Espinhos”, “Rosa Pálida”, “Rosa e
Lírio”, “The rose – a sigh”, “A Rosa – um Suspiro”, “As Duas Rosas”, além
de muitos outros em que essa palavra aparece no corpo do texto. Se lembrar-
mos que, nesse momento, Garrett estava apaixonado por Rosa Montufar,
Viscondessa da Luz, casada com um oficial do exército português, teremos
no livro uma espécie de declaração de amor quase explícita a essa paixão
proibida, mas conhecida de toda a sociedade da época. A mescla entre vida
e obra permite que o sentimento expresso pelo eu lírico do poema ganhe
verossimilhança em razão da vida do próprio poeta tornar-se o contexto de
leitura do poema.
Com esse livro, Garrett fechou sua produção romântica de modo magis-
tral, tornando-se referência obrigatória para os poetas românticos. Entre suas
obras, vale ainda lembrar os livros de poemas Adozinda (1828), Lírica de João
Mínimo (1829), Romanceiro e Cancioneiro Geral (1843-1851) e os textos em
prosa O Arco de Santana (1845-1850) e o inconcluso Helena (1871).
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Literatura de países de língua portuguesa
Tudo o que fora criado pelos românticos e tomado como novo e origi-
nal já começava a soar banal e convencional. A cartilha romântica se sedi-
mentara e isso matava o que era mais caro ao poeta do Ideal: sua autentici-
dade. Tornava-se impossível ser autêntico em meio à infinidade de formas e
figuras de linguagem usadas à exaustão. Mas, sobretudo, tais formas já não
correspondiam a uma nova ordem social, que tinha no proletariado seu foco
de interesse – ainda que em Portugal ele fosse exíguo. Morria, portanto, a
pertinência histórica e a originalidade do idealismo romântico, e o sentido
maior de todas as suas diversas e mesmo contraditórias manifestações. Mas
ainda assim as formas românticas, já sem a força transformadora que as
caracterizou, sobreviveram à margem das novas estéticas por muito tempo
(se é que não sobrevivem ainda hoje), pois a revolta contra a dimensão
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O Romantismo: poesia
Dicas de estudo
22 Site: <http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/programas.htm>.
O site do Projeto Vercial apresenta informações seguras sobre
escritores e obras da literatura portuguesa. Disponibiliza trechos
de textos gratuitamente e vende vários deles na íntegra.
22 Filme: Camille (1936). Direção de George Cukor.
Para entender o espírito do Romantismo, um bom filme é
Camille (1936), de George Cukor, um clássico do cinema, com
Greta Garbo e Robert Tylor. É uma adaptação do romance
A Dama das Camélias (1848), de Alexandre Dumas Filho (1824-
1895), uma das referências obrigatórias do Romantismo francês.
Atividades
1. Quando e por que a arte vira mercadoria?
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O Realismo: 1865-1890
José Carlos Siqueira
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Literatura de países de língua portuguesa
início de uma nova era para a humanidade. Entre estes últimos, estavam os
conferencistas do Casino.
A comuna foi o desdobramento lógico da ascensão do movimento ope-
rário. Com a Revolução Industrial, iniciada em meados do século XVIII, o
número de trabalhadores fabris cresceu de maneira exponencial, e não só isso:
com sua concentração em grandes plantas industriais, os operários começa-
ram a se organizar em sindicatos e partidos políticos, transformando-se assim
numa força política de origem popular sem precedentes na história europeia
e americana.
Figura 1 – A rue Royale depois dos incêndios da Comuna de Paris.
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O Realismo: 1865-1890
3 Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), teórico político e jornalista francês. Uma das princi-
pais lideranças anarquistas sua obra mais conhecida e polêmica se chama O que é a propriedade,
na qual ele responde: ela é um roubo.
4 François-Marie Charles Fourier (1772-1837), filósofo francês, membro do movimento de-
nominado Socialismo Utópico.
5 Mikhail Bakunin (1814-1876), revolucionário russo, um dos fundadores e formuladores do
Anarquismo. Uma de suas principais obras: Deus e o Estado.
6 Karl Heinrich Marx (1818-1883), filósofo e economista alemão. Formulador do Socialismo
Científico, além de O Capital (3v., 1867-1894), escreveu ainda O Manifesto Comunista (1848)
e A Ideologia Alemã (1846), ambos em colaboração com Friedrich Engels (1820-1895), filó-
sofo e líder socialista.
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O Realismo: 1865-1890
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Literatura de países de língua portuguesa
É com esse espírito que Eça de Queirós vai explicar o Realismo a seus
compatriotas em Lisboa, na conferência do dia 12 de junho de 1871. Antes
dele haviam se apresentado Antero de Quental, com sua famosa palestra
Causas da decadência dos povos peninsulares nos últimos três séculos, uma análise
até hoje respeitada sobre as dificuldades de Portugal em se desenvolver na
modernidade capitalista; e Augusto Soromenho, que falara sobre A literatura
portuguesa, criticando-a duramente pela falta de originalidade e gosto. A con-
ferência de Eça se intitulava A literatura nova (o realismo como nova expressão
da arte) e, para nossa dificuldade, ele não a deixou redigida, havendo profe-
rido a palestra de memória. No entanto, vários jornalistas presentes fizeram
anotações e deixaram esses registros em suas coberturas sobre o evento10.
De qualquer forma, há uma visível progressão entre essas três conferên-
cias. Na de Antero, analisa-se o passado de Portugal e as causas de sua estag-
nação. Soromenho critica o presente da literatura lusa, enquanto Eça propõe
uma nova estética para o futuro das letras do país – inclusive ele seria o res-
ponsável pela primeira obra realista de vulto em Portugal, com seu O Crime
do Padre Amaro, publicado em primeira versão no ano de 1875.
A conferência de Eça baseou-se, principalmente, em dois pensadores já
citados aqui: Taine e Proudhon. Inicialmente, nosso autor declara que a revo-
lução era um fato permanente e que ela devia participar de todas as esferas
da vida, o que incluía a literatura. Semelhante condição exigia que o artista
mantivesse estreitos laços com sua sociedade e seu tempo, sendo capaz de
representar a realidade de forma precisa. Diz Eça:
O realismo deve ser perfeitamente do seu tempo, tomar a sua maté-
ria na vida contemporânea. Deste princípio, que é basilar, que é a
primeira condição do realismo, está longe a nossa literatura. A nossa
arte é de todos os tempos, menos do nosso. (RIBEIRO, 1994, p. 94)
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Foi com as Odes Modernas que Antero, muito jovem, fez-se conhecido
em Portugal, desencadeando a famosa Questão Coimbrã, como informado
acima. Nesse livro, seus versos são revolucionários, iconoclastas e irreverentes,
motivo de haver mexido com os brios conservadores da crítica da época:
Eu quero perguntar aos Sacerdotes,
Que, chamando rebanho a seus irmãos,
Cuidam que Deus lhes cabe em duas mãos,
E todo o céu debaixo dos capotes;
Quero-os interrogar – porque, em verdade,
Se saiba qual mais val, se o pau se a cruz?...
Se o sol ao círio deu a sua luz,
Ou deu o círio ao sol da claridade?...
Se a cúpula do Céu teve modelo
Na cúpula da Igreja? e se as estrelas,
Para alcançar licença de ser belas,
Foram pedir a alguém o santo-selo?
Se foi Deus, quando o sol saiu do abismo,
Que à luz do infinito o batizou;
Ou se algum bispo foi que o sustentou,
Inda infante, nas fontes do batismo? (QUENTAL, 2008)
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Tese e antítese
Já não sei o que vale a nova ideia,
Quando a vejo nas ruas desgrenhada,
Torva no aspecto, á luz da barricada,
Como bacante após lúbrica ceia!
Sanguinolento o olhar se lhe incendeia...
Respira fumo e fogo embriagada...
A deusa de alma vasta e sossegada
Ei-la presa das fúrias de Medéia!
Um século irritado e truculento
Chama à epilepsia pensamento,
Verbo ao estampido de pelouro e obuz...
Mas a ideia é num mundo inalterável,
Num cristalino céu, que vive estável...
Tu, pensamento, não és fogo, és luz!
II
Num céu intemerato e cristalino
Pode habitar talvez um Deus distante,
Vendo passar em sonho cambiante
O Ser, como espetáculo divino.
Mas o homem, na terra onde o destino
O lançou, vive e agita-se incessante...
Enche o ar da terra o seu pulmão possante...
Cá da terra blasfema ou ergue um hino...
A ideia encarna em peitos que palpitam:
O seu pulsar são chamas que crepitam,
Paixões ardentes como vivos sóis!
Combatei pois na terra árida e bruta,
Té que a revolva o remoinhar da luta,
Té que a fecunde o sangue dos heróis! (QUENTAL, 2008)
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O jogo aqui é que o leitor perceba a posição dos personagens: todos bem
de vida, fruindo um saboroso convívio, alguns deles em postos de comando
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O Realismo: 1865-1890
Ou seja, o escritor português fez uma opção por uma representação mais
equilibrada do seu país, sem perder a marca crítica, mas procurando também
uma autenticidade maior naquilo que havia de positivo e esperançoso em
Portugal. Podemos talvez perceber isso no personagem Gonçalo de A ilus-
tre Casa de Ramires: apesar de inseguro e, por vezes, imoral, esse aristocrata
rural decadente faz um enorme esforço para escrever uma novela histórica
sobre sua antiga família e conseguir ser eleito para o parlamento português.
No final do romance, o personagem João Gouveia, amigo de Gonçalo, faz a
seguinte análise do herói dessa obra para vários amigos a sua roda:
— Talvez se riam. Mas eu sustento a semelhança. Aquele todo de
Gonçalo, a franqueza, a doçura, a bondade, a imensa bondade, que
notou o Senhor Padre Soeiro... Os fogachos e entusiasmos, que aca-
bam logo em fumo, e juntamente muita persistência, muito aferro
quando se fila à sua ideia... A generosidade, o desleixo, a constante
trapalhada nos negócios, e sentimentos de muita honra, uns escrúpu-
los, quase pueris, não é verdade?... A imaginação que o leva sempre a
exagerar até à mentira, e ao mesmo tempo um espírito prático, sem-
pre atento à realidade útil. A viveza, a facilidade em compreender, em
apanhar... A esperança constante nalgum milagre, no velho milagre
de Ourique, que sanará todas as dificuldades... A vaidade, o gosto de
se arrebicar, de luzir, e uma simplicidade tão grande, que dá na rua o
braço a um mendigo... Um fundo de melancolia, apesar de tão palra-
dor, tão sociável. A desconfiança terrível de si mesmo, que o acovarda,
o encolhe, até que um dia se decide, e aparece um herói, que tudo
arrasa... Até aquela antiguidade de raça, aqui pegada à sua velha Torre,
há mil anos... Até agora aquele arranque para a África... Assim todo
completo, com o bem, com o mal, sabem vocês quem ele me lembra?
— Quem?...
— Portugal. (QUEIRÓS, 2008)
Dicas de estudo
22 A Biblioteca Nacional de Portugal possui uma homepage
muito bonita e informativa em homenagem a Eça de Queirós:
Disponível em: <http://purl.pt/93/1/>. Acesso em: 29 set. 2017.
22 Há uma interessante biografia de Eça de Queirós: Mónica, M. F.
Eça de Queirós. Lisboa: Quetzal, 2001.
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Literatura de países de língua portuguesa
Atividades
1. Quais são os pressupostos históricos do Realismo?
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9
Simbolismo
José Carlos Siqueira
Homem de ideias radicais, foi um forte crítico de sua época, tanto no âmbito
da política quanto no da arte. Foi quem primeiro traduziu Edgar Allan Poe
para o francês, tendo sido um grande crítico de artes plásticas. Além de
As Flores do Mal, publicou Paraísos Artificiais (1860), Curiosidades Estéticas
(1868), A Arte Romântica (1868), Meu Coração Desnudado (1909), entre
outras obras. O poema anterior retrata Deus como entidade opressora, desu-
mana e autoritária e Satanás como entidade injustiçada, humana e oprimida.
A inversão aqui produzida provoca um efeito desconcertante no leitor, que
se vê obrigado a rever a ideia que tem dessas duas figuras e questionar a legi-
timidade de suas representações.
Ao humanizar Satanás e desumanizar Deus, Baudelaire questiona a hie-
rarquia das entidades cristãs que têm relação direta com a hierarquia social,
pois reis e governantes sempre estiveram ligados à escolha divina, enquanto
trabalhadores e pobres foram sistematicamente demonizados: “O meu nome
é Legião”, dizia o espírito maligno para Jesus, na Bíblia.
Essa inversão da hierarquia divina que questiona a ordem social vigente
no século XIX na França associava-se a uma postura bastante original no
modo de conceber a natureza. Um outro poema de Baudelaire, com tradução
de Jorge Pontual, intitulado “Correspondências”, assim define a natureza:
Da Natureza, templo de vivos pilares,
Uma fala confusa muitas vezes sai;
Pela selva de símbolos o homem vai
Sob a contemplação de íntimos olhares.
Como ecos distantes que confundem tons
Numa crepuscular e profunda unidade,
Tão vasta como a noite e como a claridade,
Conversam os perfumes, as cores, os sons.
Há cheiros frescos como dos recém-nascidos,
Doces como oboé, verdes como um jardim
– e outros triunfais, ricos e corrompidos,
Com toda a expansão dessas coisas sem fim,
Como âmbar, almíscar, benjoim e incenso,
Que cantam os sentidos e a mente em ascenso.
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Simbolismo
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Literatura de países de língua portuguesa
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Simbolismo
Inglaterra. Quando foi ferido por Verlaine, escreveu Uma Estadia no Inferno.
Cedo também abandonou a poesia e passou a viajar pela Europa, Oriente
Médio e África, tornando-se administrador de um escritório comercial. É um
dos primeiros poetas a adotar o verso livre.
A obra de Stéphane Mallarmé (1842-1898) é geralmente dividida em
duas fases:
22 a de sua colaboração com o Parnaso Contemporâneo e alguns poe-
mas esparsos;
22 a de seus poemas mais longos e com uma forma de composição
muito original, como “A tarde de um fauno” (1876) ou “Um lance
de dados jamais abolirá o acaso” (1897).
Vejamos trechos do poema “Arte poética”, de Verlaine:
Antes de qualquer coisa, música e, para isso, prefere o Ímpar
mais vago e mais solúvel no ar,
sem nada que pese ou que pouse.
[...]
Porque nós ainda queremos o Matiz,
nada de Cor, nada a não ser o matiz!
Oh! O matiz único que liga
o sonho ao sonho e a flauta à trompa.
[...]
Oh! Quem dirá os malefícios da Rima?
Que criança surda ou que negro louco
nos forjou esta joia barata
que soa oca e falsa sob a lima?
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Simbolismo
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Simbolismo
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Literatura de países de língua portuguesa
Não há como ler esses versos sem um dicionário nas mãos. Já o título do
livro, Oaristos, pede a consulta ao dicionário. O vocábulo raro, que revitalize
a língua e faça com que o dicionário não se torne um depósito de palavras
desconhecidas, é uma das preferências simbolistas.
Esse trecho do poema descreve o pôr do sol durante uma quermesse no
campo. A sonoridade do poema é embriagante e, mesmo sem saber exata-
mente o sentido das palavras, podemos ter prazer em recitar o poema apenas
por conta de seu ritmo, de sua musicalidade. “Antes de tudo, a música”, dizia
Verlaine. Nesse poema, Eugênio de Castro seguiu o preceito à risca. As alite-
rações, as repetições de palavras, a métrica, que sai de um verso alexandrino e
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Simbolismo
chega a um verso de duas sílabas, tudo leva para uma apoteose sonora e musi-
cal. Note como a disposição dos versos também é calculada, fazendo com
que esses versos tornem-se mais curtos em analogia ao minguar da luz do sol.
Temos em Eugênio de Castro a encenação de um perfeito nefelibata, isto
é, o homem que vive nas nuvens, pois em pleno Ultimatum Inglês o poeta
resolve falar de encontros amorosos de um modo extremamente sofisticado,
deixando seus contemporâneos sem saber o que pensar daquela poesia eli-
tista. Vale lembrar que no prefácio do livro o escritor deixa claro que não se
preocupa com a opinião do público, nem espera ser lido ou aceito por ele e
pelos críticos. Apenas tem certeza que fez um bom trabalho. É uma postura
bastante provocativa para um país que afundava econômica e politicamente.
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Literatura de países de língua portuguesa
já traz traços claros do Modernismo que ainda virá. Importa perceber que
na obra de António Nobre encontramos a convergência de diversas verten-
tes estéticas, sem que nenhuma delas dê conta de contemplá-la em toda a
sua complexidade.
O livro Só é uma obra orgânica, que apresenta um eu poético do começo
ao fim. É possível dizer que todos os poemas do livro traçam um percurso
um tanto impreciso desse eu poético. Não é um livro de teor narrativo,
mas, de forma fragmentada, acaba nos apresentando o percurso de António
ou, mais afetivamente, Anto. Tal percurso partiria do eu poético coletivo
António para o eu poético existencial Anto. Definido nos dois primeiros
poemas do livro como um exilado e, portanto, predominando o sentido
social e político dessa figura, António caminhará no decorrer do livro para
a perspectiva mais intimista e existencial de Anto, sem abandonar o sujeito
socialmente definido.
É impossível não observar que o eu poético tem o mesmo nome do
autor, o que induz a sobreposição entre sua vida e sua obra. Nobre utiliza essa
estratégia menos para dar verossimilhança aos seus versos, como faziam os
românticos, que para confundir o leitor, que espera encontrar ali um eu poé-
tico romântico, mas se vê ludibriado pela constante autoironia desse eu lírico.
Nunca sabemos se devemos ler os sofrimentos de António de forma séria ou
debochada, e isso produz o desconcerto na leitura desses versos. Importante
é jamais confundir o escritor e cidadão António Nobre com o eu poético
António ou Anto, pois o eu poético é sempre uma construção ficcional e não
pode ser tomado como o próprio escritor. Vejamos um poema do livro Só.
Balada do caixão
O meu vizinho é carpinteiro,
Algibebe de Dona Morte,
Ponteia e cose, o dia inteiro,
Fatos de pau de toda a sorte:
Mogno, debruados de veludo,
Flandres gentil, pinho do Norte...
Ora eu que trago um sobretudo
Que já me vai aborrecer,
Fui-me lá ontem: (era Entrudo,
Havia imenso que fazer...)
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Literatura de países de língua portuguesa
Dicas de estudo
22 Uma fonte de inspiração importante para os simbolistas foi a
pintura dos pré-rafaelitas, grupo de pintores ingleses (Dante
Gabriel Rossetti, William Holman Hunt, John Everett Millais,
Edward Burne-Jones). Há várias publicações sobre eles e muitas
reproduções de suas obras na internet. Vale a pena conferir!
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Simbolismo
Atividades
1. Quais autores foram referência para a estética simbolista na França e
o que os caracterizava?
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O Saudosismo
José Carlos Siqueira
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Literatura de países de língua portuguesa
sem sucesso. Morreu depois de tomar uma dose excessiva de um remédio que
usava para dormir, em 8 de dezembro de 1930.
O percurso trágico de sua vida funcionou como pano de fundo para a
leitura de seus sonetos, que ganharam prestígio a partir do livro Charneca em
Flor (1931), publicado logo depois de sua morte. Antes desse, tinha escrito o
Livro das mágoas (1919) e o Livro de Sóror Saudade (1923). Postumamente,
ainda foram publicados Cartas de Florbela Espanca (1931), As Máscaras do
Destino (1931), Diário do Último Ano (1981), entre outros.
Apesar do vínculo contextual que aqui fazemos entre a vida e a obra de
Florbela, vale lembrar que jamais devemos sobrepor essas duas instâncias de
forma direta e mecânica, como se a literatura fosse a própria voz da cidadã
Florbela. Por mais que a obra de Florbela tenha a ver com sua vida, ali tudo
se encontra encenado, calculado para produzir um efeito preciso no leitor,
fazendo com que a experiência da escritora já não tenha mais valor de teste-
munho pessoal: é literatura ficcional e não história de vida.
Como feminista, a figura de Florbela é um tanto controversa, pois se
a maior parte da crítica considera que foi uma feminista de vanguarda, que
enfrentou acirrados preconceitos e no mundo literário abriu caminho para
outras mulheres, alguns acreditam que foi uma diva dramática, que sua posi-
ção social e sua instrução possibilitariam que tivesse uma atuação muito mais
contundente que aquela que efetivamente demonstrou.
O fato é que a poesia de Florbela continua viva, ainda que marcada
pela desilusão, pelo sentimento de rejeição, pelo sofrimento amoroso, mas
também pelo erotismo, pela autoafirmação, pela musicalidade, pelo sonho.
A uma rapariga
A Nice
Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre lamaçais alteia pontes
Com tuas mãos preciosas de menina.
Nessa estrada da vida que fascina
Caminha sempre em frente, além dos montes!
Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!
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O Saudosismo
Dicas de estudo
22 Faça uma pesquisa sobre a palavra saudade. Será, mesmo, como
dizem, uma palavra que só existe no português? Há vários
sites que falam desse tema, assim como dicionários filológicos
e enciclopédias.
Atividades
1. Resuma, em poucas palavras, o que foi o movimento saudosista português.
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Modernismo: Geração
de Orpheu
José Carlos Siqueira
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Modernismo: Geração de Orpheu
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Modernismo: Geração de Orpheu
Note como o eu lírico nega qualquer reflexão sobre o mundo. Ele diz que
para ver de verdade é necessário não pensar. No entanto, o tempo todo ele está
fazendo uma reflexão sobre esse olhar. Alberto Caeiro é de fato contraditório,
já que toda sua poética afirma a necessidade de apenas sentir sensorialmente
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Literatura de países de língua portuguesa
1 A filosofia epicurista foi criada pelo ateniense Epicuro no século IV a.C. Voltado para as-
pectos práticos da vida, Epicuro acreditava que a felicidade do homem está em evitar a dor e
buscar o prazer e que, se nossa percepção do mundo é verdadeira, nosso juízo sobre essa per-
cepção nem sempre é verdadeiro. Seria necessário, portanto, conhecer as causas do sofrimento
moral ou espiritual, procurar a verdade para além dos falsos prazeres, e assim alcançaríamos
a felicidade: livrando-nos dessas falsas sujeições do mundo, como, por exemplo, o medo da
morte. Daí Epicuro e o epicurismo estarem associados à ideia de desprendimento, de voltar-se
apenas para o essencial.
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Modernismo: Geração de Orpheu
eu lírico, que, entre outras coisas, queria ser um poeta reconhecido. O con-
flito existencial é o que está em foco em sua caracterização.
Álvaro de Campos é o poeta que canta a modernidade. Tanto sua “Ode
triunfal” com sua “Ode marítima” são paradigmas da poesia moderna em
todo o mundo. Um outro poema seu muito famoso é “Tabacaria”, que assim
tem início:
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe
quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos
homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
(PESSOA, 1994, p. 221)
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Literatura de países de língua portuguesa
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as dores que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração. (PESSOA, 1994, p. 110)
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Modernismo: Geração de Orpheu
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Modernismo: Geração de Orpheu
22 os símbolos;
22 os avisos;
22 os tempos, com 13 poemas ao todo, nos quais ainda aparecem figu-
ras históricas, mas predominam os temas abstratos.
O livro estabelece uma relação dialética entre mito e história e se orga-
niza entre esses dois polos, sendo que no início tende mais para a história e
no final mais para o mito, passando, no meio, pelo mar das navegações por-
tuguesas, histórico e mítico. Retomando uma ideia desenvolvida pelo padre
António Vieira (1608-1697) – a ideia do Quinto Império, segundo a qual
após os impérios dos assírios, dos medos, dos persas e dos romanos, o quinto
império seria o dos portugueses –, Pessoa como que profetiza a futura glória
lusitana no último poema do livro, intitulado “Nevoeiro”:
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer –
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora! (PESSOA, 1986, p. 82)
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Literatura de países de língua portuguesa
Dicas de estudo
22 Você pode saber mais sobre a obra pictórica de Almada Negreiros no
site: <https://www.wikiart.org/pt/jose-de-almada-negreiros>. Acesso
em: 29 set. 2017.
Atividades
1. Por que se designa a primeira Geração do Modernismo Português
como “Geração de Orpheu” e quem são seus principais representantes?
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Modernismo Presencista
José Carlos Siqueira
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Modernismo Presencista
E leal,
E limpo, na concisa brevidade
– Homem, lembra-te bem –!
Sê viril,
E leal,
E limpo, na concisa condição.
Traz à compreensão
Todos os sentimentos recalcados
De que te sentes dono envergonhado;
Leva, doirado,
O sol da consciência
Às íntimas funduras do teu ser,
Onde moram
Esses monstros que temes enfrentar.
Os leões da caverna só devoram
Quem os ouve rugir e se recusa a entrar...
(TORGA, 1978, p. 83)
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Literatura de países de língua portuguesa
Dicas de estudo
22 Para se aprofundar no conflito entre as revistas Seara Nova e
Presença, leia o que dizem Óscar Lopes e António José Saraiva
em História da Literatura Portuguesa, obra que tem várias edi-
ções, sempre pela Porto Editora, de Portugal.
22 Tanto Vitorino Nemésio como Miguel Torga viveram no Brasil.
Faça uma pesquisa para saber mais sobre a relação desses escrito-
res como o nosso país, começando pela própria obra deles, nas
quais o Brasil aparece diversas vezes.
Atividades
1. Qual é o aspecto central que opunha as publicações Seara Nova
e Presença?
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Gêneros literários
e tradição oral
Jurema Oliveira
Diante disso, pode-se dizer que o universo literário e cultural dos naturais
da terra, nas literaturas africanas, é valorizado e explorado significativamente,
1 Imprensa oficial ligada à Administração da colônia.
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Gêneros literários e tradição oral
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Literatura de países de língua portuguesa
Vê-se portanto que surgiram muitos jornais entre o final do século XIX
e início do XX, e, apesar da maior parte ter tido curta duração, até o final do
século XIX enumeraram-se 46 deles, os quais contaram com a participação
de europeus e africanos.
Da mesma forma como ocorreu em Angola e Cabo Verde, a imprensa
moçambicana é instalada em 1854, quando nasce o Boletim Oficial. No
entanto, é no século XX que a imprensa se estabelece com maior autonomia.
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Gêneros literários e tradição oral
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Literatura de países de língua portuguesa
4 Aquele que é oriundo da terra onde se encontra. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.
Novo dicionário da língua portuguesa, 1986, p. 202.
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Gêneros literários e tradição oral
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Literatura de países de língua portuguesa
Nesse cenário equilibrado, teorizado por Manuel Rui, a força que emana
da palavra, matriz de todo o conhecimento envolto na cadeia da tradição, faz
circular as várias formas de expressões literárias como “os mitos, contos, adi-
vinhações, provérbios e enigmas” (SOW, 1977, p. 26). Essa prática narrativa
é um exercício de sabedoria compartilhado, já que existe entre o contador e
seus ouvintes uma interação capaz de criar a necessária cumplicidade para
reiterar a ideia de que “é preciso ser, na força da diferença, preservando-se,
com isso, o vasto manancial do saber autóctone” (PADILHA, 1995, p.15).
A arte de narrar dos mais velhos – os mitos, as lendas, os provérbios e
as estórias em geral –, só é recuperada pela ficção, poesia ou teatro por meio
de mecanismos, isto é, técnicas de recriação, geradoras da reflexão sobre o
próprio ato de narrar, poetizar e encenar. Tal encenação, presente em todas
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Gêneros literários e tradição oral
Nessa linha teórica, destaca-se aqui, mais uma vez, a visão de Laura
Cavalcante Padilha acerca da oralidade recriada, para reafirmar a herança
matricial que funda “o encontro da magia da voz com a letra” (PADILHA,
1995, p.14).
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Literatura de países de língua portuguesa
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Gêneros literários e tradição oral
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Literatura de países de língua portuguesa
Dicas de estudo
22 Leitura do livro intitulado Para quando a África?: entrevista com
René Holenstein. Neste livro, um dos maiores pensadores africa-
nos de todos os tempos faz revelações esclarecedoras acerca da
política, história, literatura, economia e várias outras áreas do
conhecimento.
22 Filme: Palavra Encantada (2009).
A diretora Helena Solberg construiu o filme com base em 18
entrevistas feitas com músicos, poetas, compositores e pen-
sadores que ofereceram suas ideias e opiniões sobre a traje-
tória da música popular brasileira nas últimas seis décadas.
São artistas e criadores, cada um com um processo individual
muito especial. Eles revelaram suas descobertas na literatura
escrita e oral, que eventualmente foram fonte de inspiração
em seu processo criativo.
Atividades
1. Defina com suas palavras a ideia de rede de cumplicidade na moderna
literatura africana.
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José Saramago: história,
ficção e identidade
Jurema Oliveira
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José Saramago: história, ficção e identidade
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Literatura de países de língua portuguesa
É uma pedra só, por via destes e outros tolos orgulhos é que se vai
disseminando o ludibrio geral, com suas formas nacionais e parti-
culares, como esta de afirmar nos compêndios e histórias. Deve-se
a construção do convento de Mafra ao rei D. João V, por um voto
que fez se lhe nascesse um filho, vão aqui seiscentos homens que
não fizeram filho nenhum a rainha e eles é que pagam o voto, que
se lixam, com perdão da anacrônica voz. (SARAMAGO, 1989,
p. 256-257).
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José Saramago: história, ficção e identidade
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Literatura de países de língua portuguesa
foram colocadas num manicômio. A única personagem que não perde a visão
é a esposa do oftalmologista.
No manicômio, eles vão pouco a pouco identificando uns aos outros,
mas descobrem que todos os aparatos tradicionais que mantinham as másca-
ras sociais deixam de ser importantes. Assim, os códigos sociais, bem como
os nomes perdem o valor para o grupo. Desta forma, os sentidos passam a ter
um papel importantíssimo na vida dos cegos:
Tão longe estamos do mundo que não tarda que comecemos a não
saber quem somos, nem nos lembramos sequer de dizer-nos como nos
chamamos, e para quê, para que iriam servir-nos os nomes, nenhum
cão reconhece outro cão, ou se lhe dá a conhecer, pelos nomes que
lhes foram postos, é pelo cheiro que identifica e se dá a identificar,
nós aqui somos como uma outra raça de cães, conhecemo-nos pelo
ladrar, pelo falar, o resto, feições, cor dos olhos, da pele, do cabelo,
não conta, é como se não existisse, eu ainda vejo, mas até quando.
(SARAMAGO, 1999, p. 64)
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José Saramago: história, ficção e identidade
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Literatura de países de língua portuguesa
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José Saramago: história, ficção e identidade
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Literatura de países de língua portuguesa
Dessa forma, o diálogo muda de ato em ato, ainda que a vida dos habi-
tantes da Lisboa revisitada seja breve demais para que possam perceber, como
bem define Isabel Morgato, que a recuperação dessa paisagem demanda o
entrelaçamento de muitos fios; a construção de muitos traços (ou traçados); o
agrupamento de muitos detalhes. É pela voz do narrador que nos aproxima-
mos dessa paisagem que se prepara para a passagem do ano:
Ricardo Reis desceu o Chiado e a Rua do Carmo, como ele muita
outra gente descia, grupos, famílias, ainda que o mais fossem homens
solitários a quem ninguém espera em casa ou que preferem o ar livre
para assistir à passagem do ano, acaso passará mesmo, sobre as cabeças
deles e nossas voará um risco de luz, uma fronteira, então diríamos
que o tempo e o espaço tudo é um. (SARAMAGO, 1988, p. 76)
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José Saramago: história, ficção e identidade
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Literatura de países de língua portuguesa
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José Saramago: história, ficção e identidade
Dicas de estudo
22 Acesse: Literatura – José Saramago. Disponível em: <www.citi.
pt/cultura/literatura/romance/saramago/>. Acesso em: 23 out.
2017. Nesse site há referências sobre a obra de José Saramago.
22 Acesse o site da Fundação José Saramago, disponível em: <https://
www.josesaramago.gor>. Acesso em: 23 out. 2017. Nesse site há
informações sobre a vida e a obra de Saramago, além de teses
sobre a sua obra.
Os sites aqui apresentados para complementação da aula têm entre
outras funções inserir o estudo num nível de leitura crítica para além da
aula exposta, pois acreditamos que ouvir outras vozes teóricas contribui
para a melhor formação de leitor.
Atividades
1. Qual o caminho do pensamento contemporâneo? E o que esse cami-
nho traz à tona?
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Mia Couto e a narrativa
contemporânea
moçambicana
Jurema Oliveira
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Mia Couto e a narrativa contemporânea moçambicana
Essa descrição que faz Mia Couto de si e de sua escrita traz à tona a
complexidade de uma prosa poética que se quer híbrida e plural ao mesmo
tempo, para abarcar as diferentes faces da moçambicanidade, como bem
define Secco em seu estudo sobre o autor: “Mia Couto sabe-se herdeiro de
cruzamentos culturais múltiplos e tem clareza de que sua produção se ali-
menta não só de estratégias orais do narrador africano, mas de jogos lúdicos
universais que fazem de sua prosa um tecido híbrido e poético” (SECCO,
2000, p. 265).
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Literatura de países de língua portuguesa
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Mia Couto e a narrativa contemporânea moçambicana
Por outro lado, como bem define Laranjeira, “os contos de Cada Homem
é uma Raça abrangem universos culturais muitos variados e forjam um cená-
rio plural afro-luso-indo-arábico-goês: africano (banto, negro); luso (euro-
peu, branco); chinês (amarelo); indo (indiano); arábico (árabe, mulçumano);
goês (indiano, português)” (LARANJEIRA, 1995, p. 314). Cabe ressaltar,
no entanto, que a criatividade e a inventividade da escrita de Mia Couto
advêm em parte de suas leituras de autores como Guimarães Rosa (brasileiro)
e Luandino Vieira (angolano), entre outros.
No plano da linguagem, verifica-se que a sintaxe e o léxico de suas
enunciações repousam como ocorre com a produção literária de Guimarães
Rosa e Luandino Vieira, num português oral, falado por grupos sociais que
criaram sua forma peculiar de se expressar, desvinculada daquela valorizada
pelos padrões de Portugal. O aspecto coloquial tende a modelar a escrita deste
escritor que metaforiza o falar, o viver, dos estratos sociais que compõem a
sociedade moçambicana.
Nessa dinâmica discursiva Azevedo na apresentação de Cada Homem é
uma Raça (1998) faz a seguinte afirmação:
No momento em que a arte da ficção parece estar sendo abandonada
por fórmulas e receitas de sucesso descartável, que incluem invaria-
velmente o abandono da exploração plástica e formal da língua (que
é o que faz avançar o idioma), além da eleição de temas já batidos, a
publicação deste [livro] do moçambicano Mia Couto, é uma alegria e
um alento para os amantes da prosa. (AZEVEDO, 1998)
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Literatura de países de língua portuguesa
Tais vozes estão imersas numa comunidade imaginada pelo autor, que
mergulha nas memórias do passado individual e coletivo com o desejo de
reanimar os valores tradicionais e se torna porta-voz do sonho coletivo de
viver em conjunto a perpetuação das heranças que integram ora a sua “líri-
ca-narrativa”, ora sua prosa poética, a qual dialoga com outro campo do
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Mia Couto e a narrativa contemporânea moçambicana
conhecimento dominado por ele, o jornalismo. Por outro lado, não devemos
perder de vista que:
[...] a literatura, como todas as outras artes, é uma importante zona
de contato. De linguagens, de consciências, de sensibilidades. Mas
entendemos que pode ser também um espaço representativo de exclu-
são, de sonegação, de silenciamento, de manipulação, de sujeição. E,
nesse particular, a literatura emerge como a grande metáfora da con-
dição humana nos seus múltiplos e variados contornos, sobretudo os
que vincam mais aquilo que separa, quando não opõe os seres huma-
nos, mais do que propriamente os une. (NOA, 2009, p. 87)
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Literatura de países de língua portuguesa
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Mia Couto e a narrativa contemporânea moçambicana
Falou com o velho português? Aposto que ele lhe contou sobre
daquela vez em que ele estava sentado por baixo do frangipani. Pois,
me lembro bem dessa tarde. Cheguei à varanda e vi o velho branco
adormecido. Suspirei, aliviado: o que ia fazer exigia muita sombra
e poucos olhos. Me cheguei no ante do pé, puxei a catana ao alto e
desferi o primeiro golpe. A lâmina entrou fundo no suave tronco.
Nunca pensei que o branco despertassse. Enganei-me. Xidimingo
repentinava, esbracejante:
— Que está fazer, caraças de tu!
— Não está ver? Estou cortar essa árvore.
— Para com isso, Nhonhoso da merda, essa árvore é minha.
— Sua? Suca mulungo, não me chateia.
Nunca tínhamos falado assim. Domingos Mourão, o nosso
Xidimingo, se levantou e, aos tropeços, se atirou contra mim. Os dois
brigamos, convergindo violências. O branco me solavanqueou, pare-
cia transtornado em juízo de bicho. Mas a luta logo se desgraçou,
desvitaminados o pé e o soco. Só os nossos respiros se farfalhavam nos
peitos cansados. Os dois nos sacudimos, desafeitos.
— Você sempre quer mandar em mim. Sabe uma coisa: colonialismo
já fechou!
— Não quero mandar em ninguém ...
Como não quer? Eu nos brancos não confio. Branco é como camaleão,
nunca desenrola todo o rabo...
— E vocês, pretos, vocês falam mal dos brancos mas a única coisa que
querem é ser como eles...(COUTO, 2007b, p. 61-62).
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Literatura de países de língua portuguesa
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Mia Couto e a narrativa contemporânea moçambicana
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Literatura de países de língua portuguesa
Dicas de estudo
22 Acesse:<www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaAfricana/Mia_Couto
_Terra_Sonambula.htm>. Acesso em: 23 out. 2017. Podemos
encontrar nesse site alguns artigos sobre obras de Mia Couto.
22 Acesse: </www.triplov.com/letras/mia_couto/sete_sapatos1.htm>.
Nesse site há um texto do escritor Mia Couto.
22 Acesse o site oficial de Mia Couto, disponível em: <miacouto.
org>, acesso em 23 out. 2017, onde você encontra notícias, arti-
gos e informações sobre a vida e a obra do autor.
Os sites destacados aqui sobre a produção literária e jornalística de Mia
Couto são uma referência para que o estudo de obras e fortunas críticas
sobre esse escritor seja feito, tendo como referencial o papel político de Mia
Couto que está sempre procurando denunciar ou criticar práticas colonia-
listas e de outras ordens que por ventura a comunidade internacional ainda
tenta impor aos moçambicanos em troca de ajuda financeira ou política.
Atividades
1. A entrada de Mia Couto no mundo literário se dá de que forma?
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Gabarito
Gabarito
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Literatura de países de língua portuguesa
1. Trovadorismo: 1198-1418
1. D. Dinis (1261-1325) foi um dos mais fecundos compositores gale-
go-portugueses e os seus versos que denotam a origem provençal das
cantigas de amor são estes:
3. Sim, pois nas canções de amor o sujeito poético masculino deve se co-
locar em uma posição de inferioridade ou submissão absoluta diante
da mulher, jurando fidelidade e demonstrar respeito constante. Ao
exaltar as virtudes da “mia senhor”, o sujeito poético se comporta
como um vassalo ou servo diante do seu suserano e desse modo repro-
duz e reforça as relações sociais típicas do feudalismo.
2. O Humanismo
1. A maior ruptura proporcionada pelo humanismo no Portugal dos
séculos XV e XVI foi a de retirar Deus do centro do universo, co-
locando ali a figura do homem. Se até então todas as preocupações
e explicações sobre o universo giravam em torno da figura de Deus,
a partir desse momento o homem e a natureza tomam esse lugar.
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Gabarito
3. Classicismo: 1527-1580
1. Sim, pois se trata de uma longa narrativa versificada com significação
nacional e universal.
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Literatura de países de língua portuguesa
2. Sim, pois nos dois últimos versos da segunda estrofe o narrador faz
alusão ao “engenho” (pensamento ou capacidade de criação) e à “arte”
(conhecimento das técnicas de composição, na esteira da poesia de
extração clássica). É o que se percebe logo na primeira estrofe, em oi-
tava rima ou oitava real. Esse tipo de estrofação é rigidamente forma-
da de oito versos decassílabos, com regularidade de rimas conforme o
esquema abababcc. A valorização do culto da forma remete à máxima
da poesia clássica conhecida por limae labor, o trabalho da lima, a
lapidação do verso de modo a torná-lo esteticamente perfeito.
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Gabarito
4. Barroco: 1580-1756
1. Não, pois o termo Barroco designa um fenômeno europeu conhecido
por diferentes nomes em vários países. Na Espanha, o Barroco foi
nomeado de Gongorismo, em virtude da poesia praticada por Luís de
Gôngora y Argote (1561-1627). Na Itália foi batizado de Marinismo,
derivado de Giambatista Marini (1529-1625). Na Inglaterra, foi cha-
mado de Eufuísmo, derivado do título do romance Eufues, or the ana-
tomy of wit, do escritor John Lyly (1554-1606). Na França, pelo culto
exagerado da forma, recebeu o nome de Preciosismo. Na Alemanha,
de Silesianismo, pois definia o estilo de escritores da região da Silésia.
Da Europa o Barroco se disseminou para o continente americano e
asiático, e passou a designar o complexo artístico do XVI.
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Literatura de países de língua portuguesa
5. Arcadismo: 1756-1825
1. No seu poema, a Marquesa de Alorna retoma um dos lugares-co-
muns típicos do Arcadismo: a tópica da brevidade da vida expres-
so no lema carpe diem, como se pode perceber no verso “Aproveita
os momentos”.
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Gabarito
6. O Romantismo: prosa
1. Alexandre Herculano foi o escritor romântico português que mais
se dedicou ao estudo da história da sua nação: além de ter escritor
vários textos ficcionais de caráter histórico, inaugurando o romance
histórico português, ele ainda publicou diversos trabalhos somente
historiográficos, como Monumentos históricos de Portugal, A história
de Portugal e História e origem da Inquisição em Portugal.
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Literatura de países de língua portuguesa
7. O Romantismo: poesia
1. A arte vira mercadoria após a Revolução Industrial e a Revolução
Francesa, isto é, quando a burguesia sobe ao poder. Algo que aconte-
ce porque agora já não há mais o mecenas aristocrata para patrocinar
o artista, que precisa ganhar a vida com a venda de seu trabalho. Des-
se modo, os artistas precisam se profissionalizar e passam a depender
somente de seu público para sobreviverem. Todavia, muitos resistem
a esse processo de mercantilização de seu trabalho, por eles conside-
rado como uma missão. O gênio romântico, que seria o verdadeiro
artista, resiste a se submeter ao mercado.
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Gabarito
8. O Realismo: 1865-1890
1. O Realismo surge no contexto da ascensão do proletariado como for-
ça sociopolítica, da organização dos movimentos trabalhistas e das
ideias revolucionárias de cunho socialista. A Comuna de Paris foi o
apogeu desse processo histórico, constituindo-se na primeira expe-
riência socialista da história ocidental. A representação da nova classe
social, dos trabalhadores, precisava ser feita com uma estética que
fosse ligada àquele tempo e à vida cotidiana.
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Literatura de países de língua portuguesa
9. Simbolismo
1. Charles Baudelaire, Paul Verlaine, Artur Rimbaud e Sthéphane Mal-
larmé. Todos concebiam a poesia como uma arte sinestésica, que tra-
balhava com os sentidos, especialmente com a musicalidade. Eram
escritores que contestavam a ordem vigente e se opunham à objeti-
vidade que passou a vigorar com a literatura realista, pugnando pelo
emprego da subjetividade e pela autonomia da arte, sintetizado na
expressão “arte pela arte”.
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Gabarito
10. O Saudosismo
1. Foi um movimento iniciado por Teixeira de Pascoaes, que via no sen-
timento da saudade uma característica típica da identidade portugue-
sa, mas também possuindo uma dimensão universal. O saudosismo
buscava recuperar o passado glorioso de Portugal para poder moldar
um futuro também glorioso para o país.
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_____. Qual é o estado da nossa literatura? Qual é o trilho que ela hoje tem
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Referências
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José Carlos Siqueira
Jurema Oliveira
Stélio Furlan
O objetivo principal desta obra é o de compreender elementos para o estudo
LITERATURA DE PAÍSES
crítico-produtivo das manifestações canônicas da literatura portuguesa, entre DE LÍNGUA PORTUGUESA
LITERATURA DE PAÍSES
DE LÍNGUA PORTUGUESA
1189 e 1915, situando-a no contexto da literatura ocidental, além de apresentar
uma discussão sobre gêneros literários e tradição oral da literatura africana. Stélio Furlan
Como estratégia de leitura, vamos centrar nosso investimento discursivo José Carlos Siqueira
e investigativo no que singulariza as diferentes manifestações literárias Jurema Oliveira
portuguesas do medievo ao período contemporâneo, além de apresentar
os princípios norteadores da construção identitária da literatura africana de
língua portuguesa.
Educação