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Território e Identidade Indígena - Um Ensaio Exploratório
Território e Identidade Indígena - Um Ensaio Exploratório
Resumo
O uso do território é compreendido enquanto uma dinâmica que envolve o sistema de objetos e de
ações. Além disso, também é produtor de identidades, a partir das apropriações espaciais que
podem revelar sua dimensão simbólica. A identidade como sentimento de pertencimento, contudo,
sofre ajustes no processo histórico para se acomodar às novas realidades que, por vezes, podem ser
impostas, ocasionando não somente mudança, mas uma nova construção identitária ocasionada
pelo choque cultural. Os povos indígenas, na construção do Brasil, sofreram e ainda sofrem o
embate entre uma cultura hegemônica, que teve seu início nos primórdios do descobrimento do
país. A Revolução Industrial aliada à política mercantilista adotada pelos países europeus, na busca
pela acumulação de capital, foram determinantes para que as localidades indígenas, pouco a pouco,
recebessem esse discurso colonizador, que se efetivou no espaço, transformando o habitat dos
autóctones em cidades, com o intuito de envolver o indígena à comunhão nacional, numa política
assimilacionista, supostamente civilizatória. Foi neste contexto, de mistura interétnica e imposição
da “cartilha” do Modo de Produção Capitalista, que o índio mudou drasticamente seus hábitos,
valores e crenças. Estes povos renunciaram suas construções identitárias e aprenderam a viver com
novas territorialidades impostas, ou fugiram para reterritorializar-se noutro lugar. Todavia,
percebemos que esta renúncia foi parcial, pois, ao longo dos séculos, fomos vivenciando traços
marcantes de uma cultura outrora relegada em detrimento do capital, seja na dança, na arquitetura,
na culinária, enfim, em distintas manifestações culturais, cujas marcas identitárias individualizam o
território, reconstruindo um passado ainda presente na memória individual e coletiva. Mesmo que
momentaneamente, as territorialidades indígenas são contestadas, num país marcado por diferenças
e desigualdades, em que se verifica a necessidade desta (re)afirmação étnica.
Abstract
The territory use is understood as a dynamic that involves objects and actions systems. Moreover,
also the producer of identities, from the space appropriations that can reveal its symbolic
dimension. The identity as sense of belonging, however, suffers adjustments in the historical
process to accommodate the new realities that, sometimes, can be imposed, leading to not only
change but a new identity construction caused by cultural shock. Indigenous peoples, in the
construction of Brazil, suffered and still suffer the clash between a hegemonic culture, that started
in the early of the Brazil discovery. The Industrial Revolution combined with the mercantilist
politic adopted by European countries, in the quest for capital accumulation, were instrumental in
the indigenous locations, little by little, received this colonial discourse, which was accomplished
in the space, transforming the native habitat in cities, in order to involve indigenous to the national
community, an assimilationist politic, supposedly civilizing. In this context, mixing ethnic and
imposition of "cookbook" of the Capitalist Mode of Production, which indian changed dramatically
your habits, values and beliefs. These people have renounced their identity constructions and
learned to live with the new territoriality imposed, or fled to reterritorializes in another
place. However, we realize that this resignation was in part, because, over the centuries, we have
been experiencing significant traces of a culture once relegated to the detriment of capital, whether
in dance, architecture, cuisine, finally, in different cultural events, whose identity
marks individualize the territory, reconstructing a past still present in the individual and collective
memory. Even momentarily, the indigenous territoriality are contested, in a country marked by
differences and inequalities, there is the need for this ethnic (re)affirmation.
O fim das missões e a criação das Vilas, submetidas aos ditames da metrópole,
não teve aplicabilidade igualitária na colônia, pois os eventos e as ações se geografizam de
modo diferenciado em cada lugar. Daí porque os objetos e ações devam ser vistos
inseparavelmente, tendo em vista que o espaço é ação, não é estático, mas sempre
dinâmico, inserido em um processo de realização das ações nos objetos.
Arroyo (2004) coloca que o território tem valor econômico na medida em que
gera riquezas, porém é conseqüência, justamente, do uso que se dá a este território pelos
habitantes. Estes são inseparáveis daquele, pois “o território onde o processo se desenvolve
deve estar sob um regime político, dentre de um dado sistema de leis e num determinado
1
Instituído pelo Marquês de Pombal
lugar com respeito aos meios de transporte e aos mercados” (GOTTMAN apud ARROYO,
2004: 62).
Ocorre que uma grande parte dos estudos geográficos deixa de abordar as
perspectivas simbólicas da trama social, relacionadas ao elemento humano. É certo que o
processo colonizador passado pelo Brasil teve uma forte conotação econômica e política,
diante da “emergência e expansão das relações capitalistas de produção” (ARROYO, 2004:
62), o que permitiu às metrópoles desenvolverem uma acumulação primitiva de capital em
suas economias mercantilistas. No entanto, este processo não pode estar dissociado da
produção de territorialidades, no sentido da dimensão subjetiva dos fenômenos sociais.
Segundo Santos (2006), “uma dada situação não pode ser plenamente
apreendida se, a pretexto de contemplarmos sua objetividade, deixamos de considerar as
relações intersubjetivas que a caracterizam” (SANTOS, 2006: 214). Partindo desse
pressuposto, os indígenas, sendo educados, civilizados e inseridos no Modo de Produção
Capitalista como trabalhadores assalariados, foram construindo uma consciência diversa da
que possuíam anteriormente, em virtude dessa nova economia que tomou forma entre os
séculos XV e XVIII – o capitalismo comercial – que demandou uma nova estrutura política;
que se personificava em um Estado territorial.
(...) o novo meio ambiente opera como uma espécie de detonador. Sua
relação com o novo morador se manifesta dialeticamente como
territorialidade nova e cultura nova, que interferem reciprocamente,
mudando-se paralelamente territorialidade e cultura; e mudando o
homem” (SANTOS, 2006: 223).
Neste aspecto, Costa (2005) assevera que “as identidades são construídas e
manipuladas constantemente a partir das relações sociais estabelecidas em diferentes
grupos com que os indivíduos convivem em seu cotidiano” (COSTA, 2005: 83). E, dentre
estes grupos, o dominante – que no presente caso são os portugueses, especificamente, a
Coroa Portuguesa – impõe sua experiência de mundo, suas suposições que, através de um
processo de alienação, são tomadas como verdades e como a única “objetiva e válida
cultura para todas as pessoas. O poder é expresso e mantido na reprodução da cultura”
(COSGROVE, 1998: 104-105).
É neste sentido que a organização do espaço legitima os códigos
comportamentais, transmitindo um conjunto de valores específicos que, por vezes, tem
como objetivo o controle social e moral, salvaguardando os interesses da classe
hegemônica e impondo o discurso “superior”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
COSGROVE, Denis. A geografia está em toda parte: cultura e simbolismo nas paisagens
humanas. In: ROSENDAHL, Zeny; CORRÊA, Roberto Lobato. Paisagem, tempo e cultura.
Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998.
COSTA, Benhur Pinos da. As relações entre os conceitos de território, identidade e cultura
no espaço urbano: por uma abordagem microgeográfica. In: ROSENDAHL, Zeny;
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EdUERJ, 2005.
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Annablume, 2005.
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______________. Por uma geografia nova. 4ª Ed. São Paulo: Hucitec, 1996.