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Rio de Janeiro
2013
Rodrigo da Silva Roma
Rio de Janeiro
2013
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CCS/C
CDU 343.222
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, desde
que citada a fonte.
_______________________________________ _____________________
Assinatura Data
Rodrigo da Silva Roma
Aprovada em 14/08/2013.
Banca Examinadora:
_________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Eduardo Adriano Japiassú (Orientador)
Faculdade de Direito - UERJ
_________________________________________________
Prof. Dr. Arthur de Brito Gueiros Souza
Faculdade de Direito - UERJ
_________________________________________________
Prof. Dr. Alamiro Velludo da Silva Neto
Universidade de São Paulo
Rio de Janeiro
2013
DEDICATÓRIA
Como não poderia deixar de ser, de início, agradeço ao meu orientador, Prof.
Dr. Carlos Eduardo Adriano Japiassú, pela confiança, paciência, disponibilidade e
amizade demonstradas ao longo dos últimos anos, desde o seu magistério no curso
de graduação culminando, agora, neste trabalho de conclusão de mestrado.
Exemplo de profissional e pessoa. Aqui manifesto minha eterna gratidão.
Especiais agradecimentos merecem os Profs. Drs. Arthur de Brito Gueiros
Souza e Patrícia Mothé Glioche Bèze do Departamento de Direito Penal da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, uma vez que possibilitaram com suas
precisas indicações bibliográficas em disciplinas ministradas ao longo do curso o
incremento do conteúdo deste trabalho. Também exemplos de dedicação á vida
acadêmica, sabedoria e cordialidade.
Merecem homenagens, ainda, meus ilustres professores da Faculdade
Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro durante a graduação
Cezar Augusto Rodrigues Costa, Luciana de Figueiredo Boiteux e Ricardo Nery
Falbo que fomentaram o interesse pela vida acadêmica e que até hoje contribuem
quando preciso.
Aos amigos que fiz durante os anos de faculdade e no Centro Acadêmico
Cândido de Oliveira (CACO) minhas lembranças afetuosas e o agradecimento pela
amizade. Sei que inevitavelmente cometerei injustiças, mas não posso deixar de
citar alguns nomes: André Calza, Danusa Bastilho, Felipe Macedo, Leonardo
Nicolau, Keith Ximenes, Pedro Affonseca, Amanda Souza, Marcelo Correa, Tiago
Magaldi, Edson Zamba, Paulo Brandão e Vitor Stern.
Agradeço, também, aos amigos da Caixa Econômica Federal – Ana Lucia
Valverde, Claudia Mattos, Celina Kanaciro, Leonardo Barroso e Luiz Henrique
Dantas - que compreenderam minhas dificuldades nos últimos anos. Ajuda
fundamental sem a qual não seria possível este trabalho.
Homenageio, ainda, meus avós, tios e primos que muitas vezes privados do
meu convívio ficaram ultimamente por conta de meus afazeres durante a realização
do curso e da dissertação.
Em um Estado democrático de Direito. Modelo teórico de
Estado que eu tomo por base, as normas jurídico-penais
devem perseguir somente o objetivo de assegurar aos
cidadãos uma coexistência pacífica e livre, sob a garantia
de todos os direitos humanos.
Claus Roxin
RESUMO
ROMA, Rodrigo da Silva Roma. Risk society and transidividual legal interests:
legitimating arguments in favor of complex social context. 2013. 198 f. Dissertação
(Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, 2013.
The risk society theory was developed by Ulrich Beck in 1986, in his work
entitled Risikogesellschaft - Auf dem Weg in eine andere Mordene. Beck proposes a
new perspective for sociological research, according to which the classical parameter
in the Social Sciences, based upon class conflict, should be overcome because it
would be unable to clarify the complex relations inherent to modern (post-industrial)
society in which the main feature is no longer the conflict between capital owners and
the exploited, but actually trying to reduce or share in a fairer manner the social risks.
The risk society theory was established in the context of technological progress (e.g.
nuclear power, genetically modified food, etc). These new techniques made it
virtually impossible to contain social risk, because it became diffuse, in other words, it
affects an indetermined number of people. In this environment of increasing
risk,social demands for protection through risk management instruments obtain a key
role. Social feelings of unsafeness are based, mainly, upon the fact that human
beings are no longer able to predict all the effects of the acts to which they are
subject to on a daily basis. In the face of this new social frame, Law and especially
Penal Law cannot show indifference to the need of protection. In this context, we
question if the classical Penal Law – which is the Penal Law produced according to
the liberal bourgeois principles of the European enlightenment from the last quarter
of the nineteenth century – will be able to give helpful answers to a social framework
so much different from the original one. A theoretical framework that fits the present
day becomes necessary, while not disregarding the progress made in the field of
human rights. In the present dissertation is advocated the standpoint that the
objective of Penal Law is the protect legal interests, provided that, evidently, they are
based on the principle of human dignity which is the inspiration to all materially
democratic Law systems of the present day. The relevant role that individual penal
legal interests play in containing the state’s ius puniendi is undeniable. However, this
theoretical instrument has to be combined to another one: the transindividual penal
legal interest. As a dogmatic tecnique that aims at risk management through Penal
Law, usually abstract danger crimes will be adopted. Finally, it is presented in this
work how the transindividual penal legal good can the employed in fields of diffusion
of risk such as genetics and the environment.
Keywords: Risk society. Risk management and Penal Law. Abstract danger crimes.
Transindividual penal legal interest.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................10
1 A SOCIEDADE DE RISCO ....... ............................................................................ 14
1.1 O risco: conceito e fundamentos ..................................................................... 14
1.2 Subjetivismo e Objetivismo no conceito de risco .......................................... 23
1.3 Os riscos na Era Pós-Industrial ....................................................................... 25
1.4 Os riscos e o fenômeno da individualização .................................................. 31
1.5.Riscos e novos movimentos sociais ............................................................... 35
1.6 Da sociedade de classes à sociedade de risco: Marx, Weber, Luhmann e
Beck .......................................................................................................................... 40
1.7 A sociedade de risco e a modernidade reflexiva ............................................ 54
2 O DIREITO PENAL E A GESTÃO DOS RISCOS SOCIAIS .................................. 58
2.1 Considerações preliminares ............................................................................ 58
2.2 Crimes de perigo e controle de riscos ............................................................ 66
2.2.1 Crimes de perigo concreto ............................................................................... 69
2.2.2 Crimes de perigo abstrato ................................................................................ 71
2.2.2.1 Considerações gerais .................................................................................... 71
2.2.2.2 Histórico ........................................................................................................ 76
2.2.2.3 Teses contemporâneas nos crimes de perigo abstrato ................................. 82
2.2.2.3.1 Wilhem Gallas e a periculosidade dos tipos penais.................................... 82
2.2.2.3.2 Teses dualista e monista nos crimes de perigo abstrato ............................ 84
3 TEORIA DO BEM JURÍDICO-PENAL ................................................................... 99
3.1 Primórdios: a influência filosófica .................................................................. 99
3.2 A evolução histórica do bem jurídico no Direito Penal ............................... 102
3.2.1 A influência do Iluminismo em Feuerbach: a ofensa ao direito subjetivo ...... 102
3.2.2 O bem jurídico-penal a partir de Johann Michael Fraz Birnbaum ................... 110
3.2.3 Karl Binding, Franz von Lizst e a afirmação do bem jurídico-penal ................ 114
3.2.4 A Escola de Kiel: um retrocesso da teoria do bem jurídico ............................ 120
3.3 Teorias Contemporâneas ............................................................................... 124
3.3.1 Teorias Sociológicas ..................................................................................... 124
3.3.2 Teorias Constitucionalistas ............................................................................ 134
3.4 Harm principle e a legitimação das normas penais: um diálogo acerca da
legitimidade do Poder Punitivo Estatal nos sistemas jurídicos da common law
e da civil law ......................................................................................................... 144
4 BEM JURÍDICO-PENAL TRANSINDIVIDUAL .................................................... 151
4.1 Da escolha da nomenclatura ......................................................................... 151
4.2 O bem jurídico-penal transindividual como objeto de proteção ................ 153
4.3 Críticas ao Direito Penal do Risco: novas propostas ................................. 159
4.3.1 A concepção monista-pessoal do bem jurídico-penal e o Direito de Intervenção:
Windfried Hassemer ............................................................................................... 159
4.3.2 O Direito Penal de duas velocidades: Jesús-Maria Silva Sánchez................ 165
4.3.3 A proteção dos contextos da vida: Günther Stratenwerth ............................. 167
4.4 Aplicações do bem jurídico-penal transindividual ...................................... 169
4.4.1 Engenharia genética, diversidade e integralidade do patrimônio genético ... 169
4.4.2 Meio ambiente e Direito Penal ...................................................................... 176
4.4.2.1 Desenvolvimento sustentável e futuras gerações ...................................... 176
4.4.2.2 Antropocentrismo ou ecocentrismo na legitimação do bem jurídico no Direito
Penal Ambiental ..................................................................................................... 181
CONCLUSÃO ........................................................................................................ 186
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 189
10
INTRODUÇÃO
tópicas utilziadoras dos tipos penais de perigo abstrato. Ou, ainda, quando se
entende que o Direito Penal tem por escopo a proteção de bens jurídicos, pode-se
questionar se tal proteção visa eminentemente bens individuais ou se poderá lançar
mão o ordenamento repressivo de uma categoria de bens jurídico-penais coletivos
ou, para ser mais exato, bens jurídicos transindividuais.
De toda forma, adianta-se, desde já, que o objeto de estudo desta dissertação
encontra-se na tentativa de compatibilizar as novas formas de proteção social por
meio do direito penal tendo como base um modelo social calcado no risco. Como
forma de resposta, defende esta dissertação a aplicabilidade do conceito de bem
jurídico-penal transindividual.
O presente trabalho, excetuando-se a introdução e a conclusão, divide-se em
quatro capítulos: no primeiro - a sociedade de risco – procurou-se abordar as
contribuições sociológicas de Ulrich Beck, formulador do conceito de sociedade de
risco, em especial, acerca da mudança do paradigma de análise social de uma
sociedade de classes para uma sociedade que tenta administrar a difusão de riscos.
Estudaram-se, também, alguns dos fenômenos sociais complexos e atuais como a
individualização que contribui para a alienação do debate político e,
consequentemente, perda da capacidade crítico acerca do papel desempenhado por
legislador penal. São expostas contribuições de cientistas sociais predecessores a
Beck, tais como Engels, Marx e Weber. No fim do primeiro capítulo aborda-se a
modernidade reflexiva, teoria esta desenvolvida mais recentemente e que serve a
complementar a sociedade de risco; No segundo capítulo - o direito penal e gestão
dos riscos sociais – analisa-se dos riscos penalmente permitidos e o emprego de
tipos penais de perigo abstrato como forma de controle dos riscos expondo a
evolução histórica dessa categoria delitiva ao longo dos anos. A terceira parte da
dissertação - a teoria do bem jurídico-penal – aborda a evolução histórica do bem
jurídico-penal, em especial, o debate entre teorias contemporâneas sociológica e
constitucionalista e o polêmico debate entre o conceito monista de bem jurídico e a
teoria sociológica inspirada em Luhmann e Parsons. E, por fim, um último capítulo é
destinado ao bem jurídico-penal transindividual – conceito, críticas e, por derradeiro,
a aplicação do bem jurídico-penal transindividual no campo da engenharia genética,
principalmente a humana e, também, o bem jurídico-penal transindividual e sua
aplicação na tentativa de resguardar o meio ambiente. Após os quatro capítulos
elencados, parte-se na direção de uma conclusão afirmativa e apoiadora da teoria
13
1 SOCIEDADE DE RISCO
1
Geofrey Blainey assim caracteriza a vida na Idade Média: “as estações quentes, alguns poucos séculos mais
tarde, começaram a alterar-se. Até a ilha mediterrânea de Creta entrou numa fase mais fria, por volta do ano de
1150. Na Alemanha e na Inglaterra, o frio chegou talvez um século depois, e os anos entre 1312 e 1320 foram
não só frios como também chuvosos, ao contrário do usual. Como boa parte dos grãos tinha de ser reservada para
a semeadura do ano seguinte, a colheita insuficiente levava à fome. Em 1316, talvez uma em cada dez pessoas de
Ypres morreu de desnutrição. Em alguns lugares, a carne humana chegava a ser consumida. As precisões
religiosas no Oeste da França refletiam os tempos difíceis. Às vezes, eram compostas de inúmeras pessoas
esquálidas e descalças, algumas das quais praticamente nuas. As colheitas escassas também afetavam o
abastecimento de roupas de preço baixo, pois os pobres faziam suas vestimentas de fibras de linho, cultura
igualmente afetada pelas condições desfavoráveis do tempo. Na verdade, a extrema necessidade pode ter levado
à substituição do cultivo de linho pelo de grãos”. BAILEY, Geofrey. Uma breve história do mundo. São Paulo:
Editora Fundamento Educacional, 2011, pp. 147-148.
2
BECK, Ulrich. Living in the world risk society. Economy and Society. Volume 35. Londres: Routledge, Taylor
& Francis Group, 2006. p. 329. A seguir, breve esclarecimento acerca da diferança entre risco e catástrofe: “risk
does not mean catastrophe. Risk means the antecipation of catastrophe. Risks exists in a permanent state of
virtuality, and become ‘topical’ only to the extent that they are antecipated. Risks are not ‘real’, they are
‘becoming real’ (Joost von Loon). At the moment t which risks become real – for example, in the shape of
terrorist attack – they cease to be risks and becomes catastrophes. Risks have already moved elsewhere: to the
anticipation of furthers attacks, inflation, new markets, wars or reduction of civil liberties. Risks are always
events that are threatening.”
15
Na Idade Média não existia um conceito específico de risco, uma vez que este
àquela época era considerado sinônimo de perigo3. Entretanto, a ausência de um
conceito formal não significava a conclusão que àquela época as pessoas não
detinham ao menos uma concepção abstrata de comportamentos suscetíveis a
falhas, ou seja, condutas que poderiam levá-las ao prejuízo de um futuro
desconhecido, isto é, ações arriscadas. A dúvida/incerteza quanto ao desconhecido
configurava o perigo. Em outro turno, a conceituação dos riscos e sua utilização para
a convivência humana é característica mais recente. Teria surgido, principalmente, a
partir do período Renascentista. Pode-se ser resumida na seguinte frase a distinção
entre risco e perigo: o risco é um conceito renascentista, fabricado e científico; o
perigo é conceito que sempre acompanhou o homem e liga-se a circunstâncias
causais que afetem a vida diuturna do ser humano. Já Ulrich Bech assim diferencia
riscos dos perigos: (i) os riscos têm um caráter de permanência e continuidade; (ii)
perigos não são relacionados com instituições consolidadas e conseqüências gerais
controláveis da produção industrial e sistemas técnicos4.
Peter Berstein expõe a diferença entre o passado e o presente no tocante aos
riscos argumentando que hoje o ser humano não mais confia seu futuro unicamente
à vontade indeterminada de deuses ou, simplesmente, a forças da natureza5:
the revolutionary idea that defines the boundary between modern times and
the past is the mastery of risk: the notion that the future is more than a whim
of the gods and that men and women are not the passive before nature.
Until human beings discovered a way across thar boundary, the future was a
mirror of the past or the murky domain of oracles and soothsayers who held
a monopoly over knowledge of anticipated events.
3
Cfe. GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole. Tradução de Maria Luíza X. A. Borges. 6ª Ed. Rio de
Janeiro: Editora Record, 2007.p 32.
4
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo. Hacia una nueva modernidad. Tradução Jorge Navarro, Daniel Jiménez
e Maria Rosa Borrás. Buenos Aires: Paidós, 1998. p. 28.
5
BERSTEIN, Peter L. Against the gods: The remarkable histoy of risk. Nova York: John Villey & Sons Inc.,
1996. p. 1.
16
isolados que, em geral, advinham da vontade dos deuses6 e que em nada podiam os
homens fazer para impedi-los7.
As culturas antigas não teriam de se preocupar em elaborar um conceito de
risco. O vocábulo risco passou a ganhar plena utilização em sociedades orientadas
ao futuro, significa dizer que pressupõe uma sociedade que tenta ativamente romper
com seu passado, característica primordial da civilização industrial moderna (a partir
dos séculos XVII e XVIII)8.
As mais importantes culturas anteriores à moderna, entre as quais a primeira
civilização chinesa, a civilização grega e a romana, tradicionalmente, viviam do
passado, isto é, usavam majoritariamente ideias transmitidas por seus ancestrais
acreditando em destino, sorte ou vontade dos deuses9.
6
V. ENGELS, Friedrich. Sociologia dos Juristas in ENGLES, Friedrich; GIANNOTTI, José Arthur, ARNOUD,
André Jean, SIMÕES, Carlos; POULANTZAS, Nicos e CHAUÍ, Marilena. Crítica ao Direito: São Paulo: LECH
– Livraria e Editora Ciências Humanas, São Paulo, 1980, p. 1: “Na Idade Média a concepção de mundo era
essencialmente teleológica. A unidade no mundo europeu, que não existia de fato no interior, foi realizada no
exterior pelo cristianismo, contra o inimigo comum – os Sarracenos. É o catolicismo que foi o recipiente da
unidade do mundo europeu, grupo de povos em relação mútuas constantes no curso de sua evolução. Essa união
teleológica não se limitava ao domínio das ideias. Tinha uma existência real, não só na pessoa do papa, que era
seu centro monárquico, mas sobretudo na Igreja organizada feudal e hierarquicamente , e que, na sua qualidade
de proprietária de aproximadamente um terço do solo, detinha em cada país um poder político enorme. O Clero
era, além disso, a única classe culta. Compreende-se assim que o dogma da Igreja deveria ser o ponto de partida
e a base de todo o pensamento. Direito, ciência da natureza, filosofia, a regra aplicada a todo o conhecimento era
simples: o seu conteúdo concorda com os ensinamentos da Igreja?”.
7
Os riscos, num primeiro momento, eram impossíveis de mensuração. Num segundo momento, em especial a
partir do século XVIII, passaram os homens a medir os riscos de condutas, bem como seus possíveis resultados.
Ocorre que na atualidade, em razão de um modelo econômico de desenvolvimento e uso de recursos de forma
desmedida e despreocupada, a expansão dos riscos se dá de uma forma que a sua própria mensuração fica
complicada. Não é a existência do risco que qualifica a sociedade atual, mas sim a dimensão desse risco. É o
risco expandido a todo o sistema social.
8
Cfe. BECK, Ulrich. Liberdade ou Capitalismo. Ulrich Beck conversa com Johannes Willins. São Paulo: Unesp,
2003. pp. 114-115: “pode-se encarar a industrialização , ou seja, o desenvolvimento das forças produtivas que se
estende do século XVIII ao XX, como o processo de surgimento de riscos e das respostas. Numa formulação
mais abstrata: como dialética de perigos que, desse modo, se tornam calculáveis pelas respostas institucionais
adequadas. Isso se manifesta concretamente no seguro privado, que vale como o símbolo-chave da prevenção de
risco.”
9
Cfe. GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole… p. 33.
10
Idem Ibidem.
17
Risk makes its appearance on the world stage when God leaves it (van
Loon). Risks presuppose human decisions. They are partly positive, partly
negative, janus-faced consequences of human decisions and interventions.
In relation to risks there is inevitably posed the highly explosive questiono f
social accountability only in extremely exceptional cases. The
acknowledged, decision-governed social roots of risk make it completely
impossible to externalize the problem of accountability. Someone, on the
other hand, who believes in a personal God has at his disposal a room for
manoeuvre and meaning for his actions in the face of threats and
catastrophes. Through prayers ans good works people can win God´s favour
and forgiveness and in this way actively contribute to their salvation, but also
to that of their family and community. There is, therefore,a close connection
between secularization and risk. When Nietzsche announces: God is dead,
then that has the – ironic – consequence that from now on human beings
must find (or invent) their own explanations and justifications for the
14
disasters which threaten them .
11
Segundo Ulrich Beck, o termo pós-modernidade pode ser dividido em duas fases: a primeira e a segunda
modernidade. A segunda modernidade tem início na década de 1950, tendo atingido seu apogeu vinte anos mais
tarde. Apresenta como elementos característicos a revolução do transporte, revolução da produção industrial e
principalmente a pujança do mercado de capitais (esta denominada de revolução dos capitais). No fim da década
de 1980, outra revolução se fez presente: a revolução da internet. A internet corresponde à revolução do
transporte das estradas de ferro; no lugar da revolução industrial, tem-se a indústria dos chips. BECK, Liberdade
ou Capitalismo.... pp. 34-45.
12
Idem. La sociedad del riesgo... pp. 32-40.
13
Em 1986 um grave acidente ocorreu na cidade ucraniana de Chernobyl. Nenhum estudioso à época soubre
prever quais seriam suas conseqüências a curto, médio ou longo prazo. A quantidade de vítimas fatais e o nível
de contaminação no solo eram desconhecidas. Após mais de 25 (vinte e cinco) anos ainda não se tem o número
exato de mortos. Também não será possível mensurar quantas pessoas indiretamente tiverem suas integridades
físicas afetadas mediatamente o vazamento nuclear.Talvez possa haver um desastre para a saúde ali guardado
pronto para eclodir daqui a algum tempo. O mesmo pode ser dito sobre o episódio da encefalopatia
espingoforme bovina no Reino Unido – o surto da chamada doença da vaca louca – em relação a suas
implicações para os seres humanos. Também não se sabe ao certo no momento qual o número de pessoas
vitimadas e se a doença está devidamente controlada.
14
BECK, Ulrich. Living in the world risk society... p. 333.
18
15
Idem. La Sociedad del riesgo... p. 27.
16
Pesquisa recente da Pontifícia Universidade Católica de Minas (Departamento de Ciências Naturais) define o
fenômeno da chuva ácida: “a chuva ácida é um problema que vai atingindo uma escala mundial. Os países mais
desenvolvidos, com maior grau de industrialização, são vítimas das chuvas ácidas, por conta dos enormes
volumes de gases emitidos e lançados na atmosfera. Mas o problema não está restrito a eles. Na verdade, a
chuva ácida provoca problemas para além desses países. Por conta dos ventos as chuvas ácidas acabam atingindo
países com menor quantidade de indústrias e menores índices de poluição atmosférica. Assim, lagos e florestas
do Canadá acabam vítimas das chuvas ácidas por causa das emissões de gases nos Estados Unidos. Na Europa, a
Noruega e a Suécia, embora com poucas fábricas, estão sendo prejudicadas pela acidez da chuva provocada por
emissões em países como a Alemanha e a Inglaterra”. Disponível em
<http://www.ich.pucminas.br/pged/db/wq/wqchuva/introduz.html>. Acesso às 20:28 h do dia 23/08/2012.
17
BECK, Ulrich. La Sociedad del riesgo... p. 28.
19
assolou países da Europa Ocidental nos séculos XII, XIII e XIV teve início no norte
da China duzentos anos antes. Em seguida, espalhou-se pela Mongólia e países da
Europa Oriental, até que no século XII chegou a Alemanha, França e Espanha. Ao
contrário, na atualidade, o risco advindo da industrialização é difuso e move-se
rapidamente18. Não resta estabelecido diretamente em caráter individual, fato este
que muitas vezes dificultará sua percepção e seu controle. Em suma, para Ulrich
Beck, la palavra riesgo tenía en contexto de esa época la connotación de coraje e
aventura, no la de la posible autodestruición d ela vida en la Tierra 19.
Outro ponto significativo na tentativa de diferenciar o passado e presente
acerca da discussão entre perigo e risco na sociedade pós-industrial refere-se à
percepção dos riscos que não pode mais ser feita diretamente pelos sentidos
humanos. Pelo contrário, os riscos modernos escondem-se muitas vezes longe de
qualquer chance de percepção do ser humano. São fórmulas físico-químicas aptas a
causar danos à integridade física humana e que são de difícil ou impossível
percepção sensorial. Cabe destacar que os riscos de hoje, para Beck, são um
produto global nascido do progresso originado da industrialização20, generalizados e
muitas vezes irreversíveis21.
Etimologicamente, a origem da palavra risco é duvidosa. Para Anthony
Giddens, o vocábulo provavelmente originou-se a partir de um termo árabe risiku,
termo este aproveitado rapidamente por espanhóis e portugueses e significava
“correr para as rochas ou dirigir-se ao perigo do mar”. Prossegue o sociólogo
18
Sobre o tema, recomenda-se leitura de reportagem intitulada “À caça da gripe assassina” na revista Scientific
American de abril de 2005 acerca da história da difusão da gripe H1N1 que matou entre 1918 e 1919 40 milhões
de pessoas. Segundo Jeffery Taubenberger, Ann Reid e Thomas Fanning, autores do texto, a propagação a nível
catastrófico ocorreu, principalmente, pela imensa onde de descolcamento populacional devido à Primeira Grande
Guerra, onda esta auxiliada pelo desenvolvimento do transporte marítimo e ferroviário. Disponível em
<www2.uol.com.br/sciam/reportagens/a_caca_do_virus_da_gripe>. Acesso em 28/08/2012.
19
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo … p. 27.
20
V. BECK, Ulrich. Critical Theory of World Risk Society: a cosmopolitan vision. Constellation Review. 16 v.,
Massachussets: Blackwell Publishing, 2009, p.7 “The historical uniqueness of the world risk society, which
differentiates this era as much from national industrial society as from earlier civilizations, resides in the
decision-dependent possibility of control over life in earth.” Para o mesmo autor em La Sociedad del Riego..., a
formação social contemporânea adota por completo a visão que o risco figura como grande elemento
caracterizador da sociedade moderna. Em razão da modernização radical das últimas décadas (por exemplo o
projeto genoma humano que ganhou repercussão no ano de 2000)o risco passou a integrar a cultura e política
modernas.
21
Idem. La sociedad del riesgo... p. 31: “Ilustremos esto con um ejemplo. El Rat der Sachverständigen für
Umwelfragen (Consejo de Expertos em Cuestiones Relativas ao Médio Ambiente) constata en su informe que ‘en
la leche materna a menudo se ha encontrado beta-hexaclorociclohexano, hexaclorobenzol y DDT en unas
concentraciones excesivas (1985). Estas sustancias tóxicas están contenidas en insecticidas para plantas que
entre tanto han sido retirados del mercado’. “Estos ejemplos muestran dos cosas: primero que los riesgos de la
modernización se presentan de uma manera universal que es al mismo tiempo específica e inespecífica
localmente: y segundo, cuán incalculables e impredecibles son los intrincados caminos de sus efectos nocivos”.
20
britânico aduzindo que a ideia de risco parece ter sido estabelecida nos séculos XVI
e XVII, sendo originariamente cunhada por exploradores ocidentais ao partirem para
suas viagens pelo mundo22. Daí a importância da palavra para instrumentos
cartográficos de navegação. Risco, em geral, designava área com bancos de areia,
corais ou qualquer outra dificuldade à navegação.
Já no entender de Niklas Luhmann, o termo não derivaria do árabe, mas sim
do latim antigo (risicu) e significava “atuar diante da possibilidade de insucesso23”.
Nas palavras de Peter L. Berstein24, a palavra risco teria origem diversa25:
The word “risk” derives from the early Italian riscare, which means “to
26
dare ”. In this sense, risk is a choice rather than a fate. The actions we dare
to take, which depend on how to free we are to make choices, are what the
story of risk is all about. And that story helps define what it means to be a
human being.
Seja qual for a origem adotada, latina ou árabe, fato é que todas atrelam o
risco ao desenvolvimento de uma ação humana, uma conduta do ser humano na
tentativa de impedir ou diminuir resultados negativos provenientes de infortúnios
futuros e normalmente estranhos à vontade humana.
No século XVII, período de profusão das ideias renascentista, em especial no
ano de 1654, um nobre francês chamado Chevalier de Meré, amante de corridas de
cavalo, jogos de tabuleiro e carteados, desafiou um famoso matemático francês -
Blaise Pascal - a resolver um problema relativamente modesto: apurar as chances
de sucesso de um jogador de cartas antes e durante uma partida. O estudo de um
jogo em andamento mostrou-se bem mais complexo do que se poderia imaginar. O
objetivo de auxiliar a diversão entre nobres marcou o nascimento de uma ciência tão
relevante no estudo dos riscos: a probabilidade. 27
Ao tempo em que Pascal tentava resolver o desafio das probabilidades,
mudanças ocorriam no seio da sociedade europeia. Uma série de alterações
influenciaria por demais o rumo de toda a humanidade. O novo poder bélico gerado
pelos canhões à pólvora reduzia as fortalezas medievais a escombros, a Terra
22
Idem, Ibidem, p. 32.
23
LUHMANN, Niklas. Observaciones de la modernidad. Tradução de Carlos Funtes Gil. Barcelona: Paidós,
1997. p. 64.
24
BERSTEIN, Peter. Against the gods... p. 8.
25
Idem, Ibidem.
26
Em português, o verbo significaria “ousar”.
27
Cfe. BERSTEIN, Peter L. Against the Gods,.... p. 3.
21
28
No século XV, Johannes Guttenberg inventou a imprensa mecânica ocidental. A técnica de imprimir com
caracteres móveis é mais antiga. A origem é chinesa e remonta o ano 105 da Era Cristã. O que fez Guttenberg foi
importar a inovação asiática e imprimir em nível de centenas de cópias em apenas uma semana o livro mais
vendido de todos os tempos, a Bíblia. Em trinta anos, Guttenberg imprimiu milhares de cópias. Sobre o tema,
consultar TOSSERI, Olivier. Guttenberg não invetou a imprensa; Disponível em
<www2.uol.com.br/historiaviva/artigos>. Acesso em 30/08/2012.
29
Óleo sobre Tela datado de 1632 (169,5 cm x 216,5 cm). A obra retrata, em conjunto com a obra Ronda
Noturna, o ponto alto de sua primeira fase de produção. O pintor anima a composição com um numeroso grupo
de pessoas presenciando uma aula de anatomia, por isso a origem do nome da obra de arte. Estilo barroco
flamenco. No primeiro período de sua produção, o artista fez parte de um movimento cultural denominado
Peinture Savante, constituída por uma elite culta, de admiradores da Itália. Seu mestre, Pieter Lastman, é
seguidor de Caravaggio, tendo estudado por dez anos em Roma. Neste período, a pintura de Rembrandt é
dominada pelos tons luminosos em contrastes dramáticos. Seus temas são bíblicos e mitológicos. O acabamento
é cuidadoso, com técnica refinada. Os grupos de figuras são construídos segundo o receituário barroco, com
gestos dramáticos e expressivos, de ação intensa. Fonte: <www.auladearte.com.b>r. Acesso em 23/08/2012, às
20:19h.
30
Cientista inglês nascido em 1578 e falecido em 1657. Em 1628 publica sua obra máxima exercitatio anatomica
de motucordias et sanguines in animalibus na qual expõe suas observações conclusivas sobre a dinâmica da
circulação sanguínea já objeto de notas iniciais e de conceituações básicas em outra obra sua intitulada Lumleian
Lecture (1916). Tratava-se de um pequeno livro com 72 páginas escrito em latim sem os cuidados gráficos
desejáveis para a época. O trabalho de Harvey veio permitir o reconhecimento de uma situação não totalmente
ignorada durante séculos, mas observada apenas de forma parcial e incompleta por vários pesquisadores. De
início, Harvey ressalta com espanto o fato, quase incrível, da ignorância dos médicos antigos sobre a circulação
sanguínea. Como se compreende, os traumas, os ferimentos, as amputações, são altamente informadores sobre
aspectos funcionais das artérias e de veias, e essas trágicas ocorrências foram companheiras permanentes do
homem, em tantos períodos ricos em guerras, em acidentes e em crimes. Apenas com o estudo de Harvey esse
cenário de ignorância parece mudar. Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia.
<http://publicacoes.cardiol.br/caminhos/08/>. Acesso em 23/08/2012, às 20:34h.
31
BLAINEY, Geofrey. Uma breve história... pp. 208-209: “A onde de descobertas em várias frentes científicas
foi o resultado da colaboração de centenas de estudiosos amadores, observadores de estrelas, médicos e
religiosos que dispunham de um pouco de tempo. Muitos atuavam em áreas diversas e estavam interessados em
resolver uma série de dilemas intelectuais. A revolução científica promoveu um avanço maravilhoso de ver o
mundo.”
22
32
BERSTEIN, Peter L. Against the gods... p. 15.
33
BLAINEY, Geofrey. op. cit., p. 210.
23
nations around the world are hastening to join. Given all its problems and
pitfalls, the free economy, with choice at its center, has brought humanity
unparalleled acess to the goods things of life34.
34
BERSTEIN, Peter L. Against the gods.… p. 2.
35
Idem, Ibidem.p. 4: “By 1725, mathematicians were competing with one another in divising tables of life
expectancies, and the English Government was financing itself through the sales of the life annuities. By the
middles of the century, marine insurance had emerged as a flourishing , sophisticated business in London”.
36
Sobre a história da seguridade social ler CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZZARI, João Batista. Manual
de Direito Previdenciário. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. pp. 35-48.
37
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de Perigo Abstrato e Princípio da Precaução da Sociedade de Risco. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. pp. 30-31.
38
TAVARES, Juarez Estevam. Teoria do Injusto. 3ª edição. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 6.
24
43
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991. p. 13.
44
BECK, Ulrich. Living in the world risk society... p. 357.
45
Idem. La Sociedade del riesgo...p. 36.
46
Idem. The Anthropological Schock: Chernobyl and the Countours of Risk Society. Berkeley Journal of
Sociology. Vol.32. 1987. p. 153.
47
BECK, Ulrich. La Sociedad del riesgo... pp. 14-15. Cabe destacar que são expressões sinôminas, consoante
Beck, Pós-industrialismo, Pós-modernidade, Sociedade Industrial Moderna ou Segunda Modernidade. Adota-se,
no presente tópico, o termo pós-industrialismo por mera referência em página já citada nesta nota de rodapé em
virtude de Beck tratar o “modesto prefijo ‘post’ la palavra clave de nuestro tiempo”.
26
48
Idem, Ibidem... p. 13.
49
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Econômico como Direito Penal do Perigo. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 33.
50
Segundo a Organização das Nações Unidas, a região mais afetada pelo vírus é a África Sub-saariana que
concentra aproximadamente 80% das mortes derivadas da AIDS no mundo. Fonte:
www.unicef.org/prescriber/port_p16.pdf. Acesso em 11/03/2013.
27
51
BUENO, Arthur. Diálogo com Ulrich Beck. In BECK, Ulrich. Sociedade de risco. Rumo a uma outra
modernidade. 2ª Ed. Tradução de Sebastião do Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2011. pp. 361 e ss.
28
52
V. GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole... pp. 36-37.
53
Numa entrevista a Jonathan Rutherford em 03 de fevereiro de 1999, Ulrich Beck fala de instituições zumbis,
isto é, aquelas instituições sociais que ainda permanecem formalmente vivas, mas que materialmente já se
apresentam descaracterizadas e descabidas. Ele menciona a família como exemplo do novo fenômeno. Para
Beck, a paternidade, a maternidade e o núcleo familiar estão sendo dissolvidos pela segunda modernidade.Em
complemento à idéia de Beck, Baumann aduz que aquilo que está acontecendo nos dias atuais é uma
redistribuição e realocação dos ‘poderes do derretimento’ da modernidade. Primeiro tais novos padrões sociais
afetaram instituições existentes, as molduras que circunscreviam o domínio das ações-escolha possíveis, como os
estamentos hereditários com sua alocação por atribuição, sem chance de apelação. São esses padrões, códigos,
regras e instituições a que podíamos nos conformar, que podíamos selecionar como pontos estáveis de orientação
e pelos quais podíamos nos deixar depois guiar, que estão cada vez mais em falta. Hoje os padrões e
configurações não são mais dados e menos ainda auto-evidentes; eles são muitos, chocam-se entre si e
contradizendo-se em seus comandos conflitantes, de tal forma que todos e cada um foram desprovidos de boa
parte de seus poderes de coercitivamente compelir e restringir. E eles mudaram de natureza e foram
reclassificados de acordo: como itens no inventário de tarefas individuais. Em vez de proceder a política-vida e
emoldurar seu curso futuro, para serem formados e reformulados por suas reflexões. O peso e a trama dos
padrões e a responsabilidade pelo fracasso caem principalmente sobre os ombros dos indivíduos. BAUMANN,
Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 64 e ss.
29
54
Sobre o tema, merecem transcrições as palavras de Maria Berenice Dias quando faz detalhada análise do
casamento e de sua evolução no direito pátrio no decorrer do tempo, esclarecendo que o alargamento conceitual
das relações sociais acabou por deitar reflexos na constituição da família, impondo-a um novo conceito “até o
advento da República, a única forma de casamento era o religioso. Assim, os não católicos não tinham acesso ao
matrimônio. O casamento civil só surgiu em 1891. O conceito de família, identificado com o casamento
indissolúvel, mereceu consagração em todas as Constituições Federais do Brasil. Quando da edição do Código
Civil de 1916, era de tal ordem a sacralização da família, que havia um único modo de constituir-se: pelo
casamento. Somente era reconhecida a família ungida pelos sagrados laços do matrimônio. Não havia outra
modalidade de convício aceitável. O casamento era indissolúvel. A resistência do Estado em admitir
relacionamentos outros era de tal ordem, que a única possibilidade de romper com o casamento era o desquite,
que não dissolvia o vínculo matrimonial e, com isso, impedia outro casamento. Mas a nova realidade se impôs,
acabando por produzir profunda revolução na própria estrutura social. Tornou-se tão saliente o novo perfil de
sociedade, que a Constituição de 1988 alargou o conceito de família para além do casamento. Passou a
considerar como entidade familiar relacionamentos outros. Foi assegura especial proteção tanto aos vínculos
monoparentais – formados por um dos pais com seus filhos – como à união estável – relação de um homem e
uma mulher não sacralizada pelo matrimônio (artigo 226, §3º, da Constituição da República Federativa do
Brasil. Com isso, deixou de ser o casamento o único marco a identificar a existência da família. DIAS, Maria
Berenice. Manual de Direito de Família. 7ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. pp 143-144.
55
Fazendo dados de pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, na década de 90, 21,2% em cada 100 casamentos
terminava em divórcio. Já na primeira década do corrente século a porcental passou a 31,7 em cada cem
matrimônios. Fonte: <www.cps.fgv.br/ibre/cps>. Acesso em 08 de maio de 2013.
56
Na atualidade, a jurisprudência brasileira encontra-se em ebulição ao admitir o casamento civil entre pessoas
do mesmo sexo. É o que verificamos da análise do Recurso Especial (REsp)1.183.378/RS julgado em outubro de
2011 pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A 4ª Turma do STJ, por maioria, proveu recurso de
duas mulheres moradoras do Rio Grande do Sul que pediam para ser habilitadas ao casamento civil. Seguindo o
voto do relator, Ministro Luís Felipe Salomão, a turma concluiu que a dignidade da pessoa humana, consagrada
pela CF/88, não é aumentada nem diminuída em razão do uso da sexualidade, e que a orientação sexual não pode
servir de pretexto para excluir famílias da proteção jurídica representada pelo casamento. O mesmo raciocínio
utilizado por essa Corte Superior e, também, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para conceder aos pares
homoafetivos os direitos decorrentes da união estável, deve ser utilizado para lhes franquear a via do casamento
civil, mesmo porque é a própria Constituição que determina a facilitação da conversão da união estável em
casamento civil.
30
se-á, assim, esse novo modelo social a mudanças entre comportamentos amistosos
ou inamistosos à medida que se espere que o outro veja a ação praticada de acordo
com aquelas características de amizade ou inimizade. O preço desta observação
empírica específica, ou seja, tomar o comportamento do outro (do estranho) como
fonte para o comportamento próprio encontra como final a potencialização do risco,
isto é, a elevação da contingência do simples campo de percepção individual para o
nível da dupla contingência do mundo social. Reconhecer e absorver as
expectativas do outro apenas será possível quando se reconhecer o antagonista
como si mesmo. Na modernidade, dever-se-ia, segundo Luhmann, conceder ao
outro a possibilidade de emitir opiniões mesmo que essas sejam desagradáveis ao
interesse daquele que o autorizou ou, por que não, permitir a liberdade de variar seu
comportamento independentemente de autorizações.
Para o outro ser (o estranho, segundo Luhmann), isto é, aquele que interage
como o sujeito inicial do discurso o mundo moderno também figura como complexo
e repleto de contingências. O outro poderá enganar aquele de quem ganhou o voto
de confiança. O preço dessa absorção de perspectivas estranhas é uma possível
desconfiança tão presente nas relações sociais hodiernas57. Pergunta-se: a
sociedade moderna encontra-se realmente apta a lidar com atitudes diferentes
daquela apresentada pela maioria ou se o ambiente gerado de extrema
desconfiança conduziria a um menosprezo das relações sociais 58? Essa pergunta
feita Luhmann parece ser cada vez mais difícil de resposta à medida que se tornam
ainda mais complexos os sistemas sociais vigentes. Confiar ou desconfiar nas
expectativas sociais também é uma forma de risco fabricado.
Sobre as contribuições de Luhmann, Fernando Rister de Sousa Lima 59
sustenta:
57
LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito. 1 v.. Tradução Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Edições Tempo
Brasileito, 1983. p. 47.
58
STRYDOM, Piet. Risk, Environment and Society: Ongoing Debates, Current Issues, Future Prospects.
Philadelphia: Open University Press, 2002. p. 59. “Luhmann bases his argument on the slogan that what cannot
be controlled is not real. Because modern society consists of functionally differentiated systems that can cope
with self-generated risks, only in the terms of their own specific systemics logics – the economy in terms of price,
politics in terms of majorities, law in terms of guilty, science in terms of truth, etc – modern society nor only
cannot cope with environmental and other global risks: these problems do not even exists. Those who give them
expression, such as social movements and counter-experts, are the real source of danger because the noise that
they generate disturbs the smooth functioning of the systems.”
59
LIMA, Fernando Rister de Sousa. Sociologia do Direito. O Direito e o Processo à Luz da Teoria dos Sistemas
de Niklas Luhmann. Curitiba: Juruá, 2005. p. 22.
31
60
BECK, Ulrich. Liberdade ou Capitalismo... p. 118.
32
dados referentes a uma atividade com o escopo de medir ou calcular seus efeitos
sobre o entorno.
61
Cfe. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de Perigo Abstrato... p.55
62
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 11ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 31.
63
Idem , Ibidem. p.36
64
DE GIORGI, Raffaele. O risco na sociedade contemporânea. Tradução Cristiano Paixão, Daniela Nicola,
Samantha Droboxski. Revista Sequencia. 28 v.. Florianópolis: Editora Universidade Federal de Santa Catarina,
1994. p. 49.
33
65
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. op. cit.,... p. 57.
66
Comumente conhecida como o Mal da Vaca Louca. É uma doença neurodegenerativa que afeta o gado
doméstico bovino. A doença surgiu no final da década de 80 na Grã-Bretanha e tem como principal efeito
transmissível ao homem é a alteração do sistema nervoso central.
67
As situações são mais complexas que aquelas apresentadas por estes exemplos. Paradoxalmente, o alarmismo,
segundo Giddens, pode ser necessário para reduzir os riscos enfrentados, contudo quando surte efeitos a
impressão que se tem é que houve exatamente isto, alarmismo. O Caso do vírus HIV é um exemplo. Governos e
especialistas fizeram uma grande divulgação pública com os riscos associados ao sexo não seguro, para que
fosse possível levar as pessoas a um comportamento sexual diferente, estável. Em parte em conseqüência disso
nos países desenvolvidos a doença não se disseminou tanto quanto fora prevista. A reação diante disso foi
questionar o setor público acerca do porquê do alarmismo. GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole... p. 40.
34
But when it emerged that the removal would cause schools to be closed for
a period of weeks, and when the closing caused parents to become greatly
inconvenienced, parental attitudes turned right around, and asbestos
removal seemed like a really bad idea. As the costs of the removal came on
68
BECK. Ulrich. Liberdade ou Capitalismo... pp. 118-119.
69
SUNSTEIN, Cass. Laws of fear – Beyond the Precautionary Principle. Cambridge: Cambridge University
Press, 2005. p. 48 apud ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental... p. 33.
70
No Brasil, a proibição de comercialização de telhas de amianto é tema polêmico. Há em andamento no
Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 3937 do ano de 2008 questionando
uma lei do Estado de São Paulo (12.684/07) com deferimento de medida cautelar para suspender até a decisão
final a vigência da lei paulista.
35
screen, parents thought much more like experts, and the risks of asbestos
71
seemed tolerable. Ststistically small, and on balance worth incurring .
O conceito do que vem a ser o grau de segurança ideal para a prática de uma
atividade e de quais são os patamares aceitos pela sociedade envolvem decisões
complexas e que passam, em geral, pelo crivo estatal, exatamente para que seja
menos variável e insegura jurídica e socialmente a consideração de um determinado
risco. Apenas o Estado possuiria condições suficientes a determinar quais riscos
seriam aceitáveis, evidentemente, desde que sejam ouvidos os interessados
conforme a importância manifesta dos riscos sociais e respeitados, por óbvio, os
princípios caros aos Estados Democráticos de Direito.
No momento pós-industrialista de desenvolvimento da sociedade e do risco,
Ulrich Beck define que a dialética do cálculo dos riscos é própria ao surgimento dos
Estados Nacionais. Um verdadeiro instrumento necessário à criação da ordem
interna estatal a fim de aglutinar pessoas. E tal importância estatal é mantida à
medida que continua o Estado na posição de agente intermediador das diversas
situações de conflitos envolvendo as mais variadas reivindicações. É o Estado,
segundo Beck, o responsável final por fixar parâmetros jurídicos acerca de quem
será atendido e como serão solucionadas tais demandas envolvendo riscos, o que,
em última análise, define-se como uma decisão política72.
O conceito dinâmico do qual vem a ser o grau de segurança ideal de um
sistema para a prática de uma atividade e, principalmente, de quais serão os
patamares aceitáveis para o risco diante da necessidade de se suprir lacunas
econômicas submeterá o gestor de risco a uma intensa atividade de equilíbrio de
interesses conflitantes. Caberá ao gestor a decisão sobre quais são os termos dos
riscos aceitáveis e os limites dos riscos permitidos. Esta decisão acabará refletindo
uma decisão política no sentido de abrigar interesses de um grupo em detrimento de
outros. Como instrumento de coerção e preservação social encontra-se o Direito. O
que a doutrina sociológica e a doutrina jurídica atuais fazem é tentar estabelecer
parâmetros para os riscos toleráveis à luz dos interesses sociais.
71
SUNSTEIN, Cass. Laws of fear... p. 48.
72
BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo… p. 33.
36
73
Idem.. La sociedad del riesgo... p. 95.
74
Para a moral católica à época da Reforma, conforme doutrina de Max Weber, a riqueza configurava grave
perigo eis que suas tentações seriam contínuas. Também extremamente perigosa era a ambição que perante o
Reino de Deus era sentimento impuro. Efetivamente condenáveis também eram o descanso sobre a posse, o gozo
da riqueza com sua conseqüência do ócio e o prazer carnal, mas isso significava antes de tudo um abandono do
ideal de vida santa. E, segundo Weber, só porque traz consigo esses perigos de rebaixamento moral é que ter
posses era reprovável pelo Catolicismo. O ócio era perda de tempo diante de Deus. A perda de tempo era o mais
grave de todos os pecados. Cada hora perdida era uma hora a menos na folha de ponto destinada a Deus.
Clareadora é a passagem da clássica obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo: O “descanso eterno
dos santos” está no Outro Mundo; na terra o ser humano tem mais é que buscar a certeza do seu estado de graça,
“levando a efeito enquanto for de dia, as obras daquele que o enviou”. Ócio e prazer, não; só serve a ação, o agir
conforme a vontade de Deus inequivocadamente revelada a fim de aumentar sua glória. A perda de tempo é,
assim, o primeiro e em princípio o mais grave de todos os pecados. Nosso tempo de vida é infinitamente curto e
precioso para “consolidar” a própria vocação. Perder tempo com sociabilidade, como “conversa mole”, com
luxo, mesmo com o sono necessário além da saúde é absolutamente condenável em termos morais. Ainda não se
diz aí, como em Franklin, que “tempo é dinheiro”, mas a máxima vale em certa medida em sentido espiritual: o
tempo é infinitamente valioso porque cada hora perdida é um trabalho subtraído a serviço da glória de Deus.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012. pp. 149-150.
37
75
BUENO, Arthur. Diálogo com Ulrich Beck... p. 368.
76
Cabe destacar que esse modelo sobre o qual foi problematizada a sociedade de risco na obra de Beck é a
modelo social da Alemanha Ocidental. É sabido que a realidade dos países periféricos ainda é distante da
satisfação das necessidades materiais mais básicas de seus cidadãos.
77
BECK, Ulrich. La Sociedad del riesgo... p. 102: “hasta ahora, el processo de individualización ha sido
reclamado sobre todo para La burguesia en despliegue. Pero em outra forma también és característico del
trabajados asalariado livre del capitalismo moderno, de La dinámica de los procesos de lo mercado laboral bajo
las condiciones de las democracias de masas em los Estados del bienestar. Para los seres humanos, el ingreso em
el mercado de trabajo va unido siempre a liberaciones respecto de lazos familiares, vecinales y profesionales, así
como respecto de lazos con uma cultura y um paisaje regionales. Estos impulsos a La individualización compiten
con experiências del destino colectivo en el mercado de trabajo (desimpleo masivo, descualificación, etc). Pero
bajo las condiciones generales del Estado social (como las que se han desarrollado em República Federal de
Alemania) conducen a la puesta em libertad del individuo respecto los lazos sociales de clase y de las situaciones
sexuales de hombres y mujeres”.
38
antiquado e insuficiente para dar conta dessa nova realidade social complexa 78.
Desaparecem os entornos sociais marcados pela divisão estamental ou formas de
vidas próprias de uma classe social. Isso não significa que não mais existe
desigualdade social, mas sim que o modelo social vigente não pode mais ser
compreendido de forma linear como era feito por Marx e Weber. A crise do conceito
de classes sociais ocorreu, segundo Beck, principalmente pelos fenômenos da
individuação79 institucionalizada presente na atualidade. Prossegue o filósofo
alemão80:
78
BUENO, Arthur. Diálogo com Ulrich Beck... p. 366.
79
Por individualismo ou individualização do ser humano, Ulrich Beck não entende, como a maioria, ser um
fenômeno típico do egoísmo neoliberal. A palavra de ordem na sociedade atual é individualização. Isso não
significa emancipação ou liberdade. Respeita o sociólogo as visões diferentes de individualização já que
sociologicamente cada um é apto a compreender a individualização a partir de uma infinidade de noções
próprias. A noção de individualização para Beck é a mesma que individualismo institucionalizado.
Individualismo institucionalizado não se trata de uma forma de concepção do indivíduo isolado; trata-se, isso
sim, de instituições centrais na sociedade moderna como a necessidade de desenvolver uma biografia própria, de
se desapegar das determinações coletivas. Individualização significa, pois, que se entra numa dinâmica
institucional endereçada unicamente ao indivíduo e não ao grupo. Isso, por sua vez, traz como algumas
conseqüências distanciar as pessoas de diretrizes tradicionais acerca de seus papéis sociais. Na atualidade, muito
mais problemas que eram destinados ao institucional são enviados ao indivíduo.
80
BECK, Ulrich. La Sociedad del riesgo... p. 96.
81
BECK, Ulrich. La Sociedad del riesgo. p. 98.
39
82
Individualismo institucionalizado ou individuação não significa o modo pelo qual uma pessoa se torna única
ou de uma atomização. É um comceito estrutural que tem relação com o Estado de Bem-Estar (Europeu). A
maior parte dos direitos sociais europeus pós-Segunda Guerra foi concebida como direitos civis, políticos e
sociais voltados primordialmente ao indivíduo, e não para classes.
83
BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo... pp. 114 e ss.
84
BUENO, Arthur. Diálogo com Ulrich Beck... p. 364.
40
Fábio Ulhoa Coelho analisa que a Revolução Marxista poria fim à anarquia do
mercado característica do capitalisma e, também, propiciaria a planificação central
da economia. Desse modo, o homem acabaria submetendo a organização social
finalmente ao pdoer de racionalidade científica 86.
A diferença entre o projeto de reorganização social no marxismo e o de outros
socialistas reside na consistência científica reivindicada pelo primeiro. Engeles
considerada utópicos os socialistas anteriores, pois teriam formulado propostas de
sociedade igualitárias ignorando as reais forças que atuavam na sociedade. Engels
entende que o projeto marxista é em realidade o primeiro a dedicar-se à metodologia
e à dinâmica da história. Assim, a palavra de ordem do Manifesto do Partido
Comunista exorta a união dos operários de todo o mundo para a defesa de seus
interesses e, também, sob o viés científico-sociológico, buscar a afirmação científica
do objeto de proposição a fim de se obter o meio concreto para racionalizar as
relações sociais.
O fracasso da experiência planificadora econômica, nos países soviéticos, em
9 de novembro de 1989 acabou por revelar algo de falho no projeto marxista, apesar
85
ROTONDARO, Tatiana. Diálogos entre Bruno Latour e Ulrich Beck. Revista Civitas. 12 v. Porto Alegre:
Editora Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), 2012. p. 146.
86
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Volume I. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. pp. 17-19.
41
87
BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo... p. 108.
88
BECK, Ulrich.Living in the world risk society... p. 336.
42
Fenômeno similar àquele exposto por Beck foi também estudado duas
décadas antes no Brasil pelo cientista político e constitucionalista cearense Paulo
Bonavides. Em sua obra “Do Estado Liberal ao Estado Social”, o professor da
Universidade Federal do Ceará afirma existir um grave perigo a que fica submetido o
Estado Social e seus cidadãos quando da ocorrência do fenômeno da “politização
da função social pelo Estado como meio de agravar a dependência do indivíduo”.
Como resultado, poderá ganhar força a individualização das classes sociais90. O
Estado Social, por sua própria natureza, seria um estado intervencionista, que
requer sempre a presença militante do poder político nas esferas sociais, o que por
conseqüência faria crescer a dependência do indivíduo.
A circunstância de se encontrar o homem contemporâneo, desde o berço,
acolhido numa rede de interesses sociais complexos e com sua autonomia material
bastante diminuída concorre para que ele em meio a novas atribuições sinta-se
impotente e passe a invocar a proteção estatal como única esperança de salvação
diante de cenários problemáticos. Na sua própria individualidade fica o homem
perdido sem que conseguir interagir e fazer parte do tecido social, restando,
89
Idem, Ibidem.
90
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2009. pp. 191-
195.
43
91
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social... pp. 200-201.
92
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo... pp. 101 e ss
44
93
WESTPHAL, Vera Herwig. A individualização em Ulrich Beck: análise da sociedade contemporânea. Revista
Emancipação. 10 v. Ponto Grossa: Editora Universidade Estadual de Ponta Grossa – Paraná (UEPG/PR), 2010.
p. 422.
94
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo... p. 45.
45
95
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo... p. 25.
96
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista, [S.I:s.n],1848. Disponível em
<www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em 19/08/2012 às 21:35h.
46
97
MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Feuerbach – A contraposição entre as Cosmovisões
Materialista e Idealista. Tradução Frank Müller, 2005. p 48: “o desenvolvimento da propriedade privada
propiciou o surgimento pela primeira vez das mesmas relações que encontramos no escravismo, só que em
escala mais ampla, na propriedade privada moderna; de um lado, a concentração na propriedade privada, que
começou desde os primórdios de Roma, como se pode comprovar na lei agrária de Licinius, e avançou muito
rápido a partir das guerras civis e, principalmente sob os imperadores; de outro lado, em correlação com esses
fatores, a transformação dos pequenos camponeses plebeus em proletariado, cuja situação intermediária entre os
cidadãos possuidores e os escravos não permitiu nenhum desenvolvimento autônomo”.
98
Idem, Ibidem. p. 112: “a transformação – em razão da divisão do trabalho -, de forças (relações) pessoais em
forças materiais -, não pode ser superada arrancando-se da mente essa representação geral, mas apenas se os
indivíduos submeterem novamente essas forças materiais a si mesmos e abolirem a divisão do trabalho. Só na
comunidade com os outros é que cada indivíduo encontra os mecanismos para desenvolver suas faculdades em
todos os aspectos; é apenas na coletividade, portanto, que a liberdade pessoal torna-se possível. Nos sucedâneos
da coletividade existentes até o momento, no Estado, etc. , a liberdade pessoal tem existido somente para
indivíduos que se desenvolvem nas relações da classe dominante e somente quando pertencentes a uma classe.”
99
Sobre o marxismo, Anthony Giddens é preciso em suas lições introdutórias ao tema: “o marxismo foi uma
criação da Europa do século XX, desenvolvido a partir de uma crítica da economia política. Ao formular essa
crítica, Marx absorveu alguns traços das formas de pensamento social que ele se propunha a combater:
especialmente a concepção de que o Estado moderno (capitalista) estava prioritariamente preocupado em
garantir direitos da propriedade privada, tendo como pano de fundo o crescimento das relações econômicas
mercantis nacionais e internacionais. Faltavam aos textos marxistas clássicos não apenas uma teoria de Estado
mais elaborada mas também uma concepção satisfatória de poder em um sentido mais abrangente. Marx
ofereceu uma análise do poder de classe ou de dominação de classe, mas a ênfase com na “classe” como origem
do poder. Tanto o Estado quanto o poder político poderiam ser superados com o desaparecimento das classes na
antecipação da sociedade socialista do futuro.” GIDDENS, Anthony. Política, Sociologia e Teoria Social.
Encontros com o pensamento social clássico e contemporâneo. Tradução Sibeli Rizek. São Paulo: Editora
Unesp, 1998. p. 75.
47
100
A Comuna de Paris foi o primeiro governo operário registrado na história do Ocidente fundado em 1871 na
Capital Francesa por ocasião da desídia e abandono da população da capital francesa por parte dos governantes
interessados mais em resguardar a classe burguesa, em virtude da invasão da capital francesa pelas tropas
prussianas. A Comuna era composta por conselheiros municipais, eleitos por sufrágio universal nos diversos
bairros da cidade, sendo que boa parte de seus membros era composta por operários ou representantes
reconhecidos da classe operária. A Comuna deveria ser não um organismo parlamentar, mas um corpo ativo
para a resolução dos problemas locais, ao mesmo tempo poder executivo e poder legislativo. Em vez de
continuar a ser o instrumento do governo central, a polícia foi imediatamente despojada dos seus atributos
políticos e transformada num instrumento da Comuna. Os membros da força policial poderiam ser expulsos a
qualquer momento pelo governo central. O mesmo se deu com os outros funcionários de todos os ramos da
administração. Desde os mais altos membros da Comuna até ao fundo da escala, a função pública deveria ser
exercida de forma remunerada sem jamais ultrapassar o valor pago a um operário. A Comuna de Paris durou 62
(sessenta e dois) dias (de 26 de março de 1871 a 28 de maio do mesmo ano).
101
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Sobre a Comuna. Compilação de textos. 1871. Disponível em The
Marxist Internet Archive. Acesso em 19/08/2012, às 23:15h.
48
102
LUHMANN, Niklas. Observaciones de la modernidad... p. 26.
103
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo... p. 109.
104
Idem, Ibidem. p. 32.
49
Outro importante sociólogo a quem Ulrich Beck faz comentários é Max Weber
com seus trabalhos que explicam o “capitalismo tardio alemão” e são estudos
fundamentais para a compreensão do avanço rápido do capitalismo naquele país e,
principalmente, como as relações sociais sofreram porifundas alterações. Vale
destacar que a Alemanha apresentou-se à industrialização em posição de atraso
quando comparada, por exemplo, à Inglaterra ou aos Países Baixos. Questões
políticas internas são vistas como o principal elemento retardador do
105
desenvolvimento industrial .
A transição alemã para o capitalismo industrial ocorre apenas no final do
século XIX e, com maior destaque, no início do século XX. Àquele tempo, a maior
potência europeia - a Inglaterra - encontrava-se industrializada há pelo menos meio
século. A transição alemã para o industrialismo capitalista foi marcada pela ausência
da presença histórica de uma autêntica revolução burguesa. Ocorrera,
principalmente, a industrialização alemã por conta da articulação social visando a
um processo para centralização política assegurado pelo militarismo prussiano106.
O interesse de Weber pela introdução do capitalismo na Alemanha chega
como resposta lógica às suas inquietudes relacionadas às características dos
problemas específicos daquela sociedade nas primeiras fases da industrialização.
Disserta Weber, ainda, sobre a problemática da distribuição de terras, da produção
agrícola ainda defasada e, também, do contraste entre a sociedade rural do leste e a
urbana do oeste alemão. A estrutura agrária baseada ainda em modelos feudais do
leste, que formavam a base econômica da Prússia, teria necessariamente de dar
lugar ao capitalismo industrial. Isso não seria nem um pouco fácil, eis que a
produção no leste alemão era feita em propriedades rurais chamadas junkers.
O modelo tradicional da economia alemã era o agrícola tomando como
sustentáculo a exploração do campesinato por meio das relações políticas de mando
e subordinação típicas do feudalismo. No entender de Weber, a industrialização
alemã somente estaria apta ao pleno desenvolvimento quando estivessem
superados os junkers, uma vez que tal modelo exploratório agrícola ainda mantinha
105
A sociologia econômica de Weber é baseada em grande parte em seus trabalhos da mocidade, que abordavam
assuntos diversos, mas sem jamais deixar de lado o capitalismo. Fazia referência a questões agrárias, relações
comerciais, situações dos trabalhadores alemães na agricultura oriental e, também, os recentes fenômenos das
bolsas de valores. Weber sempre se absteve de considerar o capitalismo sob um ângulo único, tipicamente
presente nas concepções marxistas ou materialistas da época. Via àquela época o capitalismo como uma forma
de economia que continuaria ainda por gerações a orientar o mundo.
106
GIDDENS, Anthony Política, Sociologia e Teoria Social... p. 41.
50
107
A ética protestante reúne, combina e projeta, em âmbito geral várias implicações que Weber extrai de sua
interpretação da questão agrária e de seu relacionamento com a política alemã. Idem, Ibidem. p. 74 e ss.
108
Tema-chave em Max Weber é a ênfase da influência do político sobre o econômico. Weber repudiava as
posturas do materialismo histórico posicionando-se de forma contrária à noção segundo a qual os sistemas de
idéias poderiam ser reduzidos em última instância a fatores econômicos. WEBER, Max. A ética protestante e o
espírito do capitalismo... pp. 114 e ss.
109
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo... p.111.
51
economía mixta que aún por entonces estaba muy extendida). En paralelo,
con la reforma educativa crece por doquier la dependencia respecto de la
educación. Grupos cada vez más amplios caen en la resaca de la
aspiración educativa. Al hijo de esta creciente dependência educativa
surgen nuevas diferenciaciones interiores que, aunque acogen líneas de
entornos antíguas, tradicionales, se diferencian esencialmente de éstas por
estar mediadas a través de la educación. De esta manera, quedan
acuñadas nuevas “hierarquias interiores” sociales, las cuales aún no han
sido conocidas correctamente en su significado para la forma y perspectivas
de vida de las personas (ya que estas jerarquias no tocan ni transgriden los
confines que traza la perspectiva de los grupos grandes).
110
BECK, Ulrich. La Sociedad del riesgo… p. 114.
52
The mais problem os sociology today is asking the wrong questions. The
guiding questions of social theories are usually orientated to stability and
(re)production of order and not to what we are experiencing and hence must
grasp: an epochoal, discontinuous. Social change in globalized modernity in
the West and in the Rest. A critique of the social sciences, and in particular
of sociology, is therefore a necessary precondition of a social theory for the
twenty-first century. An over-specialized, highly abstracted sociology
infatuated with its methods and techniques, has lost its sense of historical
dimension and fundamental discontinuous change of society. As a result, it
is neither equipped nor inclined to fulfil its proper task of understanding and
situating the current transformation of its research object in the social-
historical frame and thus to offer a diagnostic perspective on the epochal
signature of the new era of Second Modernity112.
111
BECK, Ulrich. Risk Society Revisited: Theory, Politics and Research Programmes. In: ADAM, Barbara
(org.). The Risk Society and Beyond. Londres: Sage Publicatios, 2005. p. 212.
112
Idem, Ibidem.p. 212.
113
HOBSBAWN, Eric. O Novo Século: entrevista a Antonio Polito. São Paulo: Companhia de Bolso, 2010. p.
82. Aduz o historiador que nenhuma fórmula econômica poderá ser para sempre válida ou apresentar-se de
maneira universal. As políticas keynesianas funcionaram muito bem nas décadas de 1950 e 1960, em parte
devido às condições políticas, pois os próprios governos se esforçaram para que dessem resultados; mas também
porque havia na época condições especiais. Nesse período, foi possível aumentar os lucros, os salários e os
53
período pós-1945 foi aceito até mesmo em consenso tanto pelos partidos mais
conservadores quanto pelos social-democratas, os partidos políticos conservadores
não apenas subiram ao poder, como também se utilizaram de uma forma de
conservadorismo mais radical. Não era apenas o fato de diversos partidos políticos
conservadores terem alcançado o poder na Europa, mas, sim, o fato de o terem feito
em um clima político de realinhamento e impulsionador a transformações 114.
Pensar a sociedade pós-industrial não é o mesmo que pensar a sociedade
industrial do começo do século passado. Não se nega a existência de um abismo
social entre ricos e pobres. Beck jamais fez qualquer referência a um mundo
igualitário porque sabe dos problemas que envolvem o capitalismo. Para Beck,
desenvolvedor da teoria da sociedade de riscos, os paradigmas que envolvem o
modelo social da luta de classes fazem referência a uma época já passada do
processo de modernização. A distribuição de riquezas e a existência de conflitos
sociais em torno daqueles pontos ficaram para trás, exceto nos países menos
desenvolvidos, onde os modelos sociais encontram-se submetidos a uma pesada
miséria material que impossibilitaria em última instância qualquer chance de luta de
classes. A esse fenômeno típico dos países menos desenvolvidos Ulrich Beck atribui
a denominação de ditadura da escassez115.
O panorama social alemão da década de 1980 continua bem diferente do
brasileiro ou de qualquer outro país subdesenvolvido ou em desenvolvimento.
Apesar dos avanços sociais ocorridos no Brasil na última década ainda estamos
muito distantes da tão almejada a erradicação da pobreza material116.
mecanismos de proteção social sem, ao mesmo tempo, reduzir o crescimento econômico ou produzir uma
inflação descontrolada.
114
Sobre o tema conservadorismo e Europa verificar artigo intitulado 1975 – Thatcher eleita líder dos
conservadores europeus. Revista Carta Capital de 08/04/2013.
115
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo...pp. 40-42.
116
Sobre o tema merece transcrição texto de BRAVA, Silvio Caccia em Le Monde Diplomatique Brasil datado
de 1º de novembro de 2010 acerca da divulgação de recente pesquisa do IBGE sobre a renda do trabalhador
brasileiro: “A ideia de que o Brasil está erradicando a pobreza e se transformando em um país desenvolvido não
é tão bonita quanto parece. Ainda que na última década tenha havido uma melhora em quase todos os
indicadores sociais, a questão é que partimos de um piso muito baixo de políticas públicas. Um piso muito baixo
fruto principalmente de uma política de arrocho muito grande que durante décadas trataram com desprezo o
problema da desigualdade. Os dados do Censo que identificam o rendimento domiciliar per capita, divulgados no
mês de novembro, mostram um cenário de pobreza que não está sendo debatido no espaço público: 25% da
população têm uma renda mensal de até R$ 188. Cinquenta por cento da população têm uma renda mensal que
não ultrapassa R$ 375. Traduzindo numa renda diária, os primeiros têm R$ 6,27, e os segundos, R$ 12,50. E
estamos falando de metade da população brasileira. Essas informações nos levam a perguntar acerca do impacto
efetivo das políticas de combate à pobreza. E nos obrigam a estender nosso olhar para buscar séries históricas,
em que possamos comparar as condições do passado com as atuais. Um dos elementos importantes é o piso
estabelecido pelo salário mínimo. Ainda que de 2002 a 2010 o salário mínimo tenha crescido, em termos reais,
54,25%, o atual salário mínimo de R$ 545 ainda é menor que o de 1985, que a preços de hoje corresponderia a
54
Pode parecer estranho estudar Beck pois este traz à tona debates acerca da
crise de um estado de bem-estar social, enquanto no Brasil ainda se busca a
erradicação do analfabetismo, por exemplo. Quando Beck lança sua obra, no 1986,
a fome era considerada materialmente extinta na Alemanha ocidental. Este é um dos
motivos empiricamente considerados pelo doutrinador quando afirma que aquele
modelo social europeu superou a luta de classes.De fato, a realidade importada da
obra de Beck não pode ser automática e integralmente transportada a realidade
vigente no Brasil, em especial quando formula resposta à individualização moderna
amparada num patamar mínimo de respeito à dignidade humana em que estão
presentes condições mínimas de saúde, educação e moradia, fato que infelizmente
resta distante da realidade nacional. No entanto, são os países mais pobres aqueles
que apresentaram a tendência de maior exposição ao risco nas próximas décadas.
A outros problemas diferentes das necessidades básicas estava exposta a
sociedade alemã à exceção da fome:
R$ 567,35, de acordo com o Dieese. Essa entidade identifica ainda que, para atender aos requisitos da lei do
salário mínimo, este deveria estar em R$ 2.194,76 em janeiro deste ano. Na Argentina, o salário mínimo hoje é
de R$ 765,81. Também cresce a participação da renda dos salários no total da renda nacional. Mas se em 2010
ela foi de 43,6% e melhorou em relação a 2005, quando era de 40,1%, não podemos esquecer que em 1980 ela
era de 50% e, em 1959, de 55,5%”.
117
BECK, Ulrich. La Sociedad del riesgo... p. 26.
55
118
Idem, Ibidem. p. 199.
119
Idem. World Risk Society... p. 3.
56
120
LASH, Scott. A reflexividade e seus duplos: estrutura, estética e comunidade. In GIDDENS, Anthony;
BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernidade Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna.
Tradução de Maga Lopes. São Paulo: Editora Universidade do Estado de São Paulo, 1995. p. 135 e ss.
121
BECK, Ulrich. La Sociedade del riesgo... pp. 199-210.
57
122
BECK, Ulrich. La Sociedad del riesgo...p. 26.
123
BUENO, Arthur. Diálogo com Ulrich Beck... p. 364.
58
124
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: tomo I: questões fundamentais: a doutrina geral do
crime. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais ; Coimbra: Coimbra Editora, 2007. pp. 134-137.
125
HOBSBAWN. Eric. O novo século... p. 160.
59
126
no que concerne à configuração do risco como um fenômeno social estruturante .
Assim arremata o professor espanhol:
Isso pelo fato de que boa parte das ameaças a que os cidadãos estão
expostos provém precisamente de decisões que outros concidadãos
adotam no manejo dos avanços técnicos: riscos mais ou menos diretos para
os cidadãos (como consumidores, usuários, beneficiários de serviço público
etc.) que derivam das aplicações técnicas dos avanços na indústria, na
biologia, na genética, na energia nuclear, na informática, nas comunicações
etc. Mas, também, porque a sociedade tecnológica, crescentemente
competitiva, desloca para marginalidade não poucos indivíduos, que
imediatamente são percebidos pelos demais como fonte de riscos pessoais
e patrimoniais.
126
SILVA SANCHÉZ, Jesús-Maria. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades
pós-industriais. Tradução Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. pp.
28-29.
127
BOWER, Joseph; LEONARD, Herman; PAINE, Lynn. Capitalism and Risk: Rethinking the Role of Business.
Cambridge : Harvard Business Review Press, 2011.
60
acarretará novos métodos de produção que poderão de alguma forma influir nos
riscos. Sobre o tema, Pierpaolo Cruz Bottini pronuncia-se128:
128
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato... p. 86.
129
SILVA SANCHEZ, Jesús-Maria. A expansão... p. 30.
130
LEITE. Marcelo. Os alimentos transgênicos. São Paulo: Publifolha, 2000. p. 33.
131
Sobre o tema, indicada a leitura do texto Desenvolvimento, Estágio no Brasil e Requisitos para uma Política
Nacional de Biossegurança de autoria de Eliana Fontes. Segundo a autora, o cerne da questão de se utilizar
Organismos Geneticamente Modificados passa por uma análise de riscos. Ou seja, se existem riscos, deve-se
considerar a possibilidade de minimizá-los ou, por outro lado, manejá-los. Deixa claro a autora, entretanto, que
não existe risco zero. Assim complemente a pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária: “a
análise de risco é um processo dinâmico com possibilidades de adoção de medidas de curto, médio e longo
prazo. Se há um experimento em laboratório e ocorre um acidente, medidas de mitigação podem ser prontamente
adotadas, minimizando as conseqüências desastrosas. Se se trata de uma liberação no meio ambiente, a
mitigação pode ser bem mais complexa. Essas liberações devem ser monitoradas por um período maior, uma vez
que a biologia e ecologia são processos dinâmicos e interativos que envolvem interações entre diferentes
processos biológicos. Na análise de risco deve-se considerar os processos evolutivos a longo prazo. É importante
ter em mente que análise do risco é um processo dinâmico e não estático”. SEMINÁRIO INTERNACIONAL
SOBRE BIODIVERSIDADE E TRANSGÊNICOS, 1999, Brasília, Desenvolvimento, estágio no Brasil e
requisitos para a política nacional de biossegurança, Brasília: Senado Federal, 1999. pp. 21-30. O diploma
legislativo pátrio que rege a matéria é a Lei n. 11.105/05.
61
132
LEITE, Marcelo. Os alimentos transgênicos... p. 36-37.
133
Idem, Ibidem. p. 32.
62
Pierpaolo Cruz Bottini aduz que os referenciais éticos perderam seus valores
na sociedade de risco pelo fato de a coesão social garantida pela introjeção de
valores construídos e respeitados pelos diversos grupos comunitários sofrer
constante ameaça advinda de forma de interação social diversa daquela
tradicionalmente concebida. Esta nova forma de interação social é influenciada pela
intensidade das relações econômicas e a globalização tendente à
136
despersonalização dos relacionamentos interpessoais .
Nas lições de Silva Sánchez, um fator fundamental dessa nova realidade
social de riscos é o cenário das atividades econômicas e de produção que geram
indivíduos cada vez mais dotados de instabilidade emocional-familiar. Nesse
contexto de aceleração e incerteza, de obscuridade e de confusão, se produz uma
134
Sobre a inoperância do Direito Civil, Silva Sánchez aduz que o Direito Civil é notadamente um direito para
ressarcimento de danos e algo que está presente no direito privado atual é a chamada securização dos riscos, quer
dizer, a evolução do direito indenizatório leva-se a um caminho de um modelo de seguro em que não se está
interessado em cumprir as funções político-jurídicas clássicas. Por outro lado, o doutrinador espanhol defende
que a partir desse modelo securitário do direito, resta inevitável que o dever de diligência do indivíduo diminua
já que a seguradora responderá pelo montante da indenização, sendo sua responsabilização, no máximo, afetada
pelo aumento do valor dos prêmios de seguro. Logo, teria o modelo de seguro uma conseqüência patente: o
decréscimo da eficácia preventiva do direito da responsabilidade civil por danos. Acerca do Direito
Administrativo, as críticas dirigem-se ao fato de este ramo do direito público inclinar-se cada vez mais à adoção
do princípio da oportunidade ou discricionariedade, fato este que geraria uma maior propensão à corrupção.
Além da discricionariedade exasperada em detrimento da princípio da vinculação, a burocratização das
instâncias administrativa serve a atrapalhar ainda mais a eficácia do Direito Administrativo. O resultado da
falência das duas instância, portanto, mostra-se desolador. Assim, figurará o Direito Penal como único
instrumento eficaz político-social, isto é, como mecanismo de socialização ou de civilização, supondo uma
expansão absurda da ultima ratio. SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. A expansão... pp. 57-62.
135
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. A expansão... p. 58.
136
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato... p. 88.
63
137
SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria. op. cit.,... p. 34.
138
BAUMANN, Zigmunt. O mal-estar da pós-modernidade. São Paulo: Zahar, 1999. p. 27.
139
Idem, ibidem. p. 33.
64
Sobre o tema, Silva Sánchez sustenta ser inegável que a população mundial
na atualidade experimenta grande dificuldade para se adaptar a um ritmo de vida
acelerado, inclusive, com influência da revolução das telecomunicações que
ocasiona a falta de domínio dos acontecimentos da vida, que invariavelmente,
segundo o doutrinador espanhol, traduzir-se-á em insegurança socialmente
sentida140. A atuação dos meios de comunicação transmite uma imagem muitas
vezes desfocada realidade, quer dizer, o que está próximo e o que está distante tem
presença quase idêntica no momento de percepção da realidade. Tal fato corrobora
sensação de insegurança combinada ao sentimento de impotência quanto aos
cursos causais. Determinadas notícias, segundo Silva Sanchéz, poderão atuar como
verdadeiras multiplicadoras de ilícitos e catástrofes gerando uma sensação de
insegurança que não corresponde ao nível de risco objetivo.
Concordando com o exposto pelo doutrinador espanhol, Bottini sustenta que
as amplitudes das lesões possíveis de acontecer são potencializadas pela
intensidade da troca de informações e, também, pelas experiências e sensações
veiculadas pela mídia. A repercussão dos perigos das atividades produtivas pelos
meios de comunicações em massa amplia e intensifica a sensação de insegurança
demandando ainda mais a intervenção penal141.
A falta de clareza na redação dos tipos penais, o largo emprego de normas
penais abertas ou em branco e a fluidez dos bens jurídicos protegidos pela norma
decorrem da situação paradoxal e complexa da moderna sociedade de riscos 142.
Sobre o tema controle de riscos e intervenção penal, Mirentxu Corcoy Bidasolo
expõe que “la legitimidad del control de riesgos por medio de la conminación a
través de consecuencias penales, em particular, de penas privativas de liberdade, es
el punto de partida de la dicotomía que surge en la discusión dogmática penal
actual143”
Ao direito penal resta, portanto, o escopo de conter riscos, mas sem
descuidar simultaneamente da preocupação em não poder levar totalmente a cabo
essa sua função, pois, caso consiga êxito total, levará a ruínas as estruturas do
sistema capitalista moderno, uma vez que o capitalismo em grande parte das
140
SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria. A expansão... p. 35-38.
141
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato... p. 88.
142
Idem, Ibidem. p. 91.
143
CORCOY BIDASOLO, Mirentxu. Limites objetivos y subjetivos a la intervención penal en el control de
riesgos. In: GOMEZ MARTÍN, Victor (coord.). La Política Criminal em Europa.. Barcelona : Atelier Penal,
[199-]. p. 25.
65
situações convive com avanços tecnológicos e tais avanços não estão destituídos de
riscos: “os riscos não podem ser extirpados do direito penal que cumpre, em muitas
situações, o papel simbólico de apaziguar, por certo período, os anseios populares
por mais segurança144”.
Por isso, pode-se dizer que a demanda social pela expansão do direito penal
mostra-se contraditória. Ao mesmo tempo em que a sociedade demanda a
supressão dos riscos deve, ainda, atender preocupar-se em não deixar que o
ordenamento jurídico dissolva o modelo produtivo e as relações econômicas
vigentes.
Como conseqüência do desenvolvimento industrial e do progresso científico,
tecnológico, industrial e econômico, na sociedade pós-moderna (ou sociedade da
segunda modernidade como prefere Ulrich Beck) realiza-se uma pluralidade de
atividades que possuem um ponto em comum a criação de novos riscos ou o
incremento dos já existentes. Estes riscos não podem mais ser relacionados
exclusivamente a bens jurídicos individuais como a vida ou a liberdade do indivíduo,
cabe dizer, bens tipicamente de cunho liberal-burguês. No entender de Luis Gracia
Martin, as características desses novos riscos sociais são (i) a grande dimensão e
(ii) a indeterminabilidade de pessoas potencialmente ameaçadas 145. Dentro desse
novo marco de riscos incalculáveis, o Direito Penal cuja orientação tradicional
inclina-se à prevenção de riscos calculáveis sofreu uma variação significativa.
Passou a tomar uma posição aliada à precaução ante a incerteza e à
impossibilidade de cálculo exato dos riscos.
Diante do cenário complexo acima exposto, a questão que se faz presente é
apurar a legitimidade da intervenção penal na proteção dos novos riscos. Junto aos
bens jurídicos tradicionais como a vida, liberdade sexual e patrimônio a sociedade
moderna vem assumindo a necessidade cada vez mais intensa de proteger novos
bens. Estes novos bens são dotados em sua maioria de maior complexidade se
comparados aos bens tipicamente clássicos. Neste sentido a mudar de paradigma
de um direito penal cujo escopo é a proteção de bens jurídicos individuais para um
144
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. op. cit.... p. 91.
145
GRACIA MARTIN, Luis. Prolegômenos para a luta pela modernização e expansão do direito penal e para a
crítica do discurso de resistência. Tradução de Érika Mendes de Carvalho. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 2005. p. 48.
66
Para Juarez Cirino dos Santos, conforme o tipo descreva uma lesão do objeto
de proteção ou um perigo para a integridade daquele, distinguir-se-ão os tipos
penais em tipos de lesão ou tipos de perigo. Assim são classificados os tipos penais,
segundo o professor aposentado da Universidade Federal do Paraná: (i) os tipos de
lesão são caracterizados pela lesão real do objeto da ação e (ii) os tipos de perigo
que descrevem somente a produção de um perigo para o objeto de proteção,
distinguindo-se, por sua vez, em tipos de perigo concreto e tipos de perigo
abstrato147.
Sobre os crimes de lesão, Claus Roxin aduz serem esses definidos como
aqueles caracterizados por uma necessária superveniência do dano a um bem
jurídico. A ausência da lesão poderá significar ou um indiferente penal ou, então,
como mais comumente, a caracterização da tentativa. Já os crimes de perigo seriam
146
CORCOY BIDASOLO, Mirentxu. Limites objetivos y subjetivos... p. 28.
147
SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal. Parte Geral. 2ª Ed. Curitiba: ICPC Editora e Lumen Juris, 2007. p.
110.
67
definidos por Roxin como aqueles em que a ação ou omissão somente traduzem
uma ameaça mais ou menos intensa para o objeto da ação148.
Segundo Renato de Mello Jorge da Silveira, os crimes de lesão
corresponderiam a mais evidente reprovação de uma conduta humana em
discordância com os ditames legais. A destruição de um bem significaria a mais
séria intensidade danosa infligida149. Assume-se, portanto, segundo o professor da
Universidade de São Paulo, que o dano reveste-se por um conceito normativo
representando o resultado de uma valoração de um evento imputável a um indivíduo
em relação às exigências de uma determinada norma. Neste sentido, o dano
assumiria posição sinônima de lesão, pois o crime, em última análise, encerraria um
dano jurídico. Na elaboração típica, o legislador estabelece a proteção que julga
necessária à tutela da alteração material da coisa a ser protegida. Pode-se dizer que
o dano consegue caracterizar-se mesmo quando uma modificação visível não
aconteça, ou seja, é passível de configuração danosa um mero desgaste pelo uso
da coisa, por exemplo. O legislador também poderá prescrever essa categoria de
crime de dano como sendo de realização livre, isto é, sem especificidades, ou até
mesmo por meio de uma realização vinculada em que a lei deverá descrever a
modalidade danosa a ser praticada pelo agente.
Já os crimes de perigo, segundo Aníbal Bruno, são aqueles que não
reclamam resultado para que se julgue perfeito um dano efetivo. Necessita-se neste
caso para sua ocorrência uma simples probabilidade de dano. Nessa probabilidade
de dano reside a definição de perigo ou, como prefere Francesco Carrara, citado por
Bruno, reside o dano potencial150.
Em síntese, pode-se definir crime de perigo como aquele que se consuma
pela simples criação de um perigo para o bem jurídico protegido sem, contudo, ter a
obrigatoriedade de produção de um dano efetivo. Nesses crimes o elemento
subjetivo é o dolo de perigo, cuja vontade limita-se à criação de situação de
perigo151.
148
ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Tomo I. Fundamentos de la Estructura de la Teoria Del
Delito. 2ª Ed. Tradução Diego-Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz Y García Conlledo e Javier de Vicente
Remesal. Madri: Civitas, 1997. p. 336.
149
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Supra-Individual. Interesses difusos. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2003. p. 90.
150
BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Parte Geral. Tomo 1º. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1967. pp.
222-223.
151
Cfe. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume I. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
p. 224.
68
152
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. A expansão... p. 30.
153
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte Geral. Tomo I... p. 139.
154
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo... p. 91
69
155
Idem, Ibidem... p. 111.
156
HIRSCH, Hans Joachim. Sistemática y limites de los delitos de peligro. Disponível em
<www.juridicas.unam.mx> Acesso em 13/04/2013.
70
ação da conduta perigosa, o que, por sua vez, exigirá um duplo juízo de verificação
de perigo: um juízo ex ante e outro juízo ex post157.
157
ROXIN, Claus. Derecho Penal...p. 404.
158
Idem, Ibidem.
159
BGHSt 18, 272. Sobre a análise da jurisprudência da Corte Suprema alemã sobre a matéria consultar obra de
KÜPER, Wilfried. Strafrecht Besonderer Teil. Definitionen mit Erläuterungen. 7ª Ed. Berlim, C.F. MÜLLER,
2008. p. 158.
160
BGHSt 22, 432.
161
Souza e Japiassú definem o objeto material como “a pessoa ou a coisa sobre a qual incide a conduta delituosa.
Em suma, objeto material é para onde converge a ação ou omissão descrita no tipo penal respectivo. Desse
modo, não há que se confundir objeto jurídico com objeto material. Assim, no crime de homicídio o objeto
jurídico é a vida, enquanto que o objeto material é o corpo humano.” SOUZA, Artur de Brito Gueiros de.
JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 512.
162
Cfe. ROXIN, Claus. Derecho Penal.,...pp. 404-405.
71
objeto da ação em conjunto com o fato de ter o objeto do delito entrado no âmbito
operativo do autor da conduta incriminada.
Sobre o tema, Mirentxu Corcoy Bidasolo argumenta que o maior problema
envolvendo a concepção de crimes de perigo concreto diz respeito à prova da
existência de um resultado perigoso e, por conseguinte, a sua imputação. Para a
doutrinadora catalã, dificultosa mostra-se o aceite da definição tradicional de
exposição do bem jurídico a perigo efetivo, pois, em última análise, é impossível
falar-se em efetividade do perigo, uma vez que a lesão ao bem jurídico nao foi
produzida. A efetividade do perigo deve ser substituída pela idoneidade da produção
do resultado lesivo, o que deve ser comprovado mediante uma análise a partir da
idoneidade do perigo ex ante cumulada a uma perspectiva ex post. Mas como fazê-
lo? E mais, em que a proposta de Corcoy Bidasolo diferencia-se das demais, eis que
idoneidade e possibilidade da efetividade da lesão ao bem jurídico parecem ideais
próximas?
Segundo Corcoy Bidasolo, não será imputável um resultado material tendo
como base uma perspectiva ex post quando se demonstrar que a lesão foi evitada
em conseqüência do controle dos riscos efetuado diretamente pelo autor 163. Em
oposição, será imputável quando a lesão foi evitada simplesmente por outras
circunstancias concorrentes, isto é, à parte do domínio do autor. Reflete a jurista
acerca da impossibilidade de uma resposta plena e segura quanto à evitabilidade a
partir de um comportamento humano, ou seja, no caso concreto o máximo a ser
obtido será uma razoável probabilidade. Caso haja dúvida também razoável acerca
da evitabilidade do dano ao bem jurídico por meio da ação ou omissão, em virtude
do princípio in dubio pro reo, outra resposta que não a impossibilidade de imputação
do resultado perigosa deve ser afastada164.
163
CORCOY BIDASOLO. Mirentxu. Algunas cuestiones sobre el injusto típico en los delitos de
peligro.Numero 2. Revista de Derecho Penal de Instituto de Ciencias Penales. Buenos Aires: Instituto de
Ciências Penales, 2007. pp. 97-98.
164
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Supra-Individual... p. 100.
72
Para o direito penal atual, a noção de perigo concreto não pareceu suficiente
para a contenção dos riscos. Nesse sentido, a jurisprudência da Corte Constitucional
Alemã (Bundesverfassungsgericht) entendeu que a concepção legítima nos países
democráticos repousa não apenas no dever de o Estado obrigar-se a preservar os
direitos individuais de cada indivíduo tipicamente protegidos sob o prisma do direito
fundamental à proteção ou de defesa (Abwehrrecht), mas também a garantir os
direitos funamentais contra agressões propiciadas por terceiros (Schutzpflicht des
Staats)165.
Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas proibições de
intervenção (Eingriffsverbote). Expressam também um postulado (ativo) de
proteção (Schutzgebote). Utilizando-se a expressão cunhada por Canaris
pode-se aduzir que os direitos fundamentais expressam não apenas uma
proibição do excesso (Übermassverbote), mas também podem ser traduzidos em
proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote)166.
Inspirada nas lições de Canaris, a Corte Constitucional alemã estabeleceu
uma classificação dos deveres de proteção: (i) dever de proibição (Verbotspflicht) -
consiste no dever de se proibir determinada conduta; (ii) dever de segurança
(Sichesrheitsplicht) - impõe ao Estado o dever de proteger o indivíduo contra
ataques de terceiros mediante a adoção de medidas diversas e (iii) o dever de evitar
riscos (Risikopflicht) – muito utilizado pelo Direito penal na atualidade - autoriza o
Estado a atuar com o objetivo de evitar riscos para o cidadão em geral mediante a
adoção de medidas de proteção ou de prevenção especialmente em relação ao
desenvolvimento tecnológico.
A adoção dos crimes de perigo abstrato pelo ordenamento alemão atual não
passa livre a críticas. Por exemplo, para Wolfgang Wohlers e Andrew von Hirsch, a
atual fase da dogmática alemã não estaria prestando esforços suficientes na tarefa
de encontrar uma legitimação material convincente aos crimes de perigo abstrato,
resumindo-se à afirmação vaga e imprecisa no sentido de servirem os crimes de
perigo abstrato à proteção de bens jurídicos valiosos, seja lá o que o termo “valioso”
165
Cfe. Gilmar Ferreira Mendes. Voto no HC 102.087/MG. Publicado em 14/08/2012.
166
CANARIS, Claus-Wilhelm. Grundrechtswirkungen und Verhältnismässigkeitsprinzip in der
richterlichen Anwendung und Fortbildung des Privatsrechts. JuS, 1989, p. 161. apud Voto do Ministro
Gilmar Ferreira Mendes no HC 102.087/MG. Publicado em 14/08/2012.
73
significar. Por isso, afirmam que a categoria residual de crimes de perigo abstrato
figura incompatível com a teoria do bem jurídico-penal167.
Em resposta às críticas de Wohlers e Hirsch anteriormente transcritas vale
menção o o posicionamento de Claus Roxin segundo o qual a atual fase da
realidade social repleta de situações que necessitam da intervenção penal
antecipada a fim de que realmente sejam resguardados interesses vitais dignos de
tutela penal legitima e incentiva a adoção de crimes de perigo abstrato pela
dogmática penal moderna, não havendo qualquer problema de compatibilização
entre a teoria do bem jurídico-penal e os crimes de perigo abstrato168. Evidente que
para uma intervenção penal antecipada de forma legítima princípios constitucionais
típicos de um Estado Democrático de Direito devem ser respeitados. Sobre os
limites impostos ao legislador, cabe breve transcrição de uma conferência datada do
ano de 2004 ministrada por Claus Roxin169:
Hay muchas razones para entender que el legislador actual, aunque que
goza de legitimidad democrática, no puede incriminar algo sólo por que no
le guste. Conductas tales como la de criticar duramente el gobierno,
profesar convicciones extrañas o comportarse en privado de forma
divergente a lo prescrito por las normas sociales no serán del agrado de
aquella autoridad que aprecie una ciudadanía obediente, conforme y fácil de
dirigir. La historia, incluyendo el presente, muestra numerosos ejemplos de
sistemas de justicia criminal que pretenden reprimir tales conductas. Sin
embargo, conforme al estándar alcanzado por nuestra civilización occidental
(marco al que se circunscriben mis consideraciones), la penalización de
uma conducta tiene que poseer una legitimación distinta de la que te otorga
la mera voluntad de legislador.
167
HIRSCH, Andrew von. WOHLERS, Wolfgang. Teoría del bien jurídico y estructura del delito. Sobre los
criterios de una imputación justa. In HEFENDEHL, Roland (Ed.). La teoría del bien jurídico. ¿Fundamento de
legitimación del Derecho penal o juego de abalorios dogmático? Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 287.
168
ROXIN, Claus. ¿ Es la protección de bienes jurídicos una finalidad del Derecho Penal? In HEFENDEHL,
Roland. La teoría del bien jurídico... p.443
169
Idem. Ibidem. p. 444.
170
Segundo Roxin, (i) as cominações penais arbitrárias não protegem bens jurídicos; (ii) as finalidades
puramente ideológicas não protegem bens jurídicos e (iii) as imoralidades não são aptas a afetar bens jurídicos.
Derecho Penal... pp. 56-57.
74
jurídico; (ii) a lesão da própria dignidade não significará necessariamente uma lesão
a bem jurídico; (iii) a proteção de certos sentimentos só podem figurar como dignos
de proteção por meio de bens jurídicos quando estes sentimentos façam referência
à segurança, como, por exemplo, faz o legislador alemão ao criminalizar a incitação
ao ódio, à violência e ao desprezo (§ 130, parágrafos 1º e 2º, StGB) ou condutas
sexuais exibicionistas (§ 183, StGB); (iv) autolesão ou favorecimento à autolesão
não podem significar reprimenda penal, pois a proteção de bens jurídicos se dá
tendo como referência os outros; (v) as leis penais simbólicas não servem à
proteção de bens jurídicos. Entende Roxin serem leis penais simbólicas aquelas que
não servem à proteção de uma convivência pacífica, mas apenas preocupam-se
com finalidade extrapenais, tais como a tranqüilidade do eleitorado; (vi) bem
jurídicos não suficientemente concretos, ou seja, extremamente vagos, imprecisos e
abstratos não possuem um juízo de valor suficientemente formado 171.
Assim, figuram essas novas diretrizes político-criminais cunhadas por Roxin
como verdadeiros referenciais teóricos dignos de um Estado Democrático de Direito.
Observa o jurista alemão que a proteção de bens jurídicos na atualidade não poder
ser considerada o único critério para legitimação de tipos penais. Defende Roxin a
partir da jurisprudência da Corte Suprema alemã que a intervenção penal a estados
prévios é legítima, podendo ocorrer (inclusive, por meio de crimes de perigo
abstrato) até mesmo em casos em que não haja a possibilidade de um evento
lesivo. Por exemplo: a direção feita por um motorista embriagado em rua deserta.
Neste caso, não se está a abandonar a teoria do bem jurídico. Apenas entendendo-a
a partir de um cenário modificado. No caso da direção sob o efeito de álcool, Roxin
sustenta que a justificação especial para a criminalização daquela conduta por meio
de um crime de perigo abstrato se faz necessária pois “un conductor ebrio no está
em condiciones de controlar suficientemente su conducta, de modo que en cualquier
momento puede pasar algo”. Em síntese, propõe Roxin: “las múltiplas precisiones
necesarias en el âmbito de los delitos de peligro abstracto y la punición de los actos
preparatórios precisan de una análisis específico 172”.
Roxin sustenta que nos últimos anos a dogmática penal alemã reacendeu a
importância da teoria do bem jurídico, principalmente, por meio daqueles que
171
ROXIN, Claus. ¿ Es la protección de bienes jurídicos una finalidad del Derecho Penal? In HEFENDEHL,
Roland. La teoría del bien jurídico... p. 443-458.
172
Idem, Ibidem. pp. 453-454.
75
contestam a premissa “el fin de toda amenaza penal debe ser la prevención de
lesiones a bienes jurídicos”, servindo como um importante ponto doutrinário e
jurisprudencial de debate. Emissores de estudos contrários à teoria do bem jurídico-
penal situam-se, por exemplo, Günther Jakobs, Knut Amelung - estes dois melhor
analisados no próximo capítulo) e Günther Stratenwerth para quem o conceito de
bem jurídico acabou sendo extremamente amplo na sua tarefa de controlar os riscos
futuros. Conclui, então, Stratenwerth que ninguém consegue na dogmática penal
alemã atual descrever o que integra o conceito de bem jurídico-penal e, por isso,
necessária a substituição do conceito de bem jurídico pela idéia proteção a relações
de vida como tais (Lebenszusammenhänge als solche)173.
Sobre as críticas de Stratenwerth, Roxin responde:
173
STRATENWERTH, Günther. Kriminalisierung bei Delikten gegen Kollektivrechtsgütter apud COSTA.
Helena Regina Lobo da. Considerações sobre o estado atual da teoria do bem jurídico à luz do harm principle. p.
136. In GRECO, Luís. MARTINS, Antonio. Direito Penal como crítica da pena. Estudos em homenagem a
Juarez Tavares por seu 70º aniversário em 2 de setembro de 2012. Madri: Marcial Pons Ediciones Jurídicas e
Sociales S.A., 2012.
174
ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal. Organização e Tradução: André
Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 2ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 15.
175
CORCOY BIDASOLO. Mirentxu. Exigibilidad en el ámbito del conocimiento y control de riesgos:
teorización... p. 37.
76
2.2.2.2 Histórico
176
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge da. Direito Penal Supra-Individual... p. 95.
177
TORÍO LOPEZ, Angel. Los delictos de peligro hipotético: contribuición al estúdio diferencial de los delitos
de peligro abstracto. Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales. 34 v.. Madri, 1981. p. 831. apud BOTTINI,
Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato... p. 128.
77
178
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato.,... p. 129.
179
Idem, Ibidem p. 128
180
D’AVILLA. Fábio Roberto. Ofensividade em Direito Penal: escritos sobre a teoria do crime como ofensa a
bens jurídicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 109.
181
Segundo Roxin, a elaboração do conceito de crime de perigo abstrato-concreto deve-se a Hans Schröder no
ano de 1967 quando da discussão de tipos penais da parte especial do Código Penal alemão, em especial, os §§
186 e 308 (2ª parte): “em dicho grupo han de darse ciertos elementos de puesta em peligro no designados con
más precisión en la ley, que en el § 186 hacen que una expresión sea apta para el menosprecio o la degradación,
o que en § 308 hacen que el objeto incediado resulte apto para la propagación del fuesgo. Estos elementos de
aptitud han de ser determinados mediante interpretacipon judicial; pero ello no cambia el hecho de que se trata
de delitos de peligro abstracto, pues no es preciso que se produzca un resultado de peligro concreto”. ROXIN,
Claus. Derecho Penal... p. 411.
182
BOTTINI, Pierpaolo Cruz; Crimes de Perigo Abstrato... p. 129.
78
183
RABL, Kurt. Der Gefährdungsvorsatz, Munique: Scheletter, 1933. apud BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes
de Perigo Abstrato... p. 130-131.
79
ônus da prova apenas nos crimes de perigo abstrato. Por outro lado, a
manutenção do princípio in dubio pro reo e a remissão do ônus da prova à
acusação transformariam os delitos de perigo abstrato em tipos de perigo
concreto, o que acarretaria uma interpretação contrária à lei, que aponta para
a distinção entre as duas categorias delitivas.
Segundo Blanca Mendoza Buergo, foi com Cristoph Stübel que ocorreu a
compatibilização entre os crimes de perigo abstrato e o pensamento penal
clássico184. Segundo Stubel, os crimes de perigo abstrato não visariam proteger
antecipadamente um bem jurídico, mas, sim, destinar-se-iam à proteção da
integridade dos mesmos diante de uma ameaça específica. As condutas vedadas
por esses tipos penais, quando cometidas, abalariam o âmbito de proteção à ordem
social protegida.
O resultado lesivo concreto passa a ser indiferente, segundo Stübel. Tal
resultado lesivo em nada auxilia ou prejudica o estudo dogmático acerca dos crimes
de perigo abstrato e, também, não atuará na discussão acerca do momento
consumativo desses crimes. Em resumo: a mera perturbação da ordem social
vigente, por meio da exposição ao risco dos bens jurídicos, já implica a lesão à
manutenção da vida em comum.
Em que pese a importância conferida aos ensinamentos Stübel, foi apenas
com o X Congresso Internacional de Direito Penal realizado pela Associação
Internacional de Direito Penal (1969) que os crimes de perigo abstrato ganharam
novo rumo ratificando sua importância na dogmática hodierna. Uma ampla reforma
dogmática fora desenvolvida a partir de propostas das comitivas italiana e alemã,
tendo como principais formuladores da matéria crimes de perigo abstrato os juristas
Marcello Gallo e Horst Schröder185.
Entendia Schröder que nem sempre a divisão entre perigo abstrato e concreto
mostrava-se clara e, ainda, que, em realidade, o tipo penal em última análise servia
a proteger determinados objetos concretos186. Propôs Schröder uma
subclassificação dos crimes de perigo abstrato distinguindo-os a partir da
concordância formal entre ação e descrição legislativa. Conduziria essas
subcategorias a casos em que a tipicidade devesse ser verificada judicialmente
184
MENDOZA BUERGO, Blanca. Limites dogmáticos y político-criminales de los delitos de peligro asbtracto.
Granada: Comares, 2001. p. 91.
185
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge da. Direito Penal Supra-Individual... p.98.
186
ROXIN, Claus. Derecho Penal. p. 407.
80
187
ROXIN, Claus. Derecho Penal ...p. 408.
188
Idem, Ibidem.
81
189
SILVA, Ângelo Roberto Ilha da. Dos Crimes de Perigo Abstrato em face da Constituição. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2003. p. 81.
190
COSTA, José Francisco de Faria. O perigo em direito penal. Coimbra: Coimbra Editora, 1992.
191
SILVA, Ângelo Roberto Ilha da. Dos Crimes de Perigo Abstrato... p. 75.
192
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge da. Direito Penal Supra-Individual. p. 100.
82
193
ROXIN, Claus. ARZT, Günther, TIEDEMANN, Klaus. Introdução ao Direito Penal e ao Direito Processual
Penal. Tradução Gercélia Batista de Oliveira Mendes. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p.6.
194
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge da. Direito Penal Supra-Individual... p.100.
195
Idem, Ibidem.
83
196
GALLAS, Wilhelm. Abstratke und Konkrete Gefährdung. Festschrift für Ernst Heinitz. Berlim, [s.e.], 1992.
apud SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Supra-Individual... p. 101.
197
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. op. cit., p. 101.
198
GALLAS, Wilhem. La teoria del delicto en su momento actual. Barcelona: Bosch, 1959.
199
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de Perigo Abstrato...p. 148.
84
200
GALLAS, Wilhem. La teoría del delicto en su momento actual...pp. 50-55.
201
Idem, Ibidem.
202
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de Perigo Abstrato... p.149.
203
Idem, Ibidem.
85
A resultas de todo ello, para calificar una conducta peligrosa, desde una
perspectiva penal, habrá que verificar la probabilidad de lesión, en el caso
concreto, atendiendo a los bienes jurídico-penales potencialmente puestos en
peligro y el âmbito de actividad donde se desarrolla esa situación, y ello con
independencia de la posibilidad de evitación de la lesión por el autor. Dicha
situación de peligro opera como limite a la actuación incriminadora del
legislador: la legitimidad del castigo de conductas peligrosas está vinculada al
respeto a dichos limites axiológicos, pués sólo en la medida en que se
incriminen conductas com suficiente normatividad em abstracto se respetarán
los postulados del Estado del derecho, en particular, el principio de
204
intervención mínima y ultima ratio del derecho penal .
O juízo de periculosidade seria sempre realizado por uma análise ex ante que
levasse em consideração elementos relacionados ao contexto fático que envolve o
comportamento e, também, elementos estatísticos e probabilísticos que permitam
aferir o potencial lesivo da conduta. Silva Sánchez também é partidário da tese
monista que nega a possibilidade de se definir os delitos de perigo abstrato somente
com a presunção de perigo contida no próprio tipo205. Ao contrário, exige o
doutrinador espanhol a ocorrência de um injusto material revelado pela
periculosidade da conduta. Isso exigiria do intérprete, diante de um comportamento
conforme o tipo penal, um esforço para verificar a previsibilidade da causação do
dano. Uma resposta afirmativa a tal pergunta formaria o elemento indispensável
para a caracterização do tipo penal de perigo abstrato.
Na atualidade, segundo a visão delineada nesta dissertação, a discussão
entre monistas e dualistas deve ser superada. As duas teses defendem ao final a
mesma coisa: a impossibilidade de um normativismo sem limites, quer dizer, a
simples vontade do legislador figura insuficiente à possibilidade de construção de um
tipo penal de perigo asbtrato. A seguir, com a pormenorização da tese dualista,
verificar-se-á que as duas teorias encontram-se ligadas pelo princípio da intervenção
penal fragmentária e, também, pela manutenção da dignidade humana. Contudo,
defende-se aqui ser a teoria dualista mais apta para a contenção dos os riscos
204
CORCOY BIDASOLO, Mirentxu. Exigibilidad en el ámbito del conocimiento y control de riesgos. Revista
Catalana de Seguretat Pública. 13 v. 2003. p. 37.
205
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A Expansão do Direito Penal... pp. 125 e ss.
86
206
WOLTER, Jürgen. Objektive und personale Zurechnung von Verhalten, Gefhar und Verletzung in einem
funktionalen Straftatsystem. Berlim: Duncker & Humblot, 1981. apud MENDOZA BUERGO, Blanca. Limites
dogmáticos… p. 164. No mesmo sentido, BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de Perigo Abstrato... p. 154
87
A partir dos exemplos acima citados por Roxin, o direito penal operaria
também como um instrumento didático a fim de fortalecer as funções de prevenção
geral a fim de resguardar de bens individuais ou particulares e, principalmente, nos
207
ROXIN, Claus. Derecho Penal... p. 60.
208
Idem, Ibidem. p. 410 e ss
209
Idem, Ibidem. p. 407.
88
210
JAKOBS, Günther. Derecho Penal. Parte General. 2ª Ed. Madri, Marcial Pons, 1997. p. 210-212.
211
Idem. Ciência do Direito e Ciência do Direito Penal. Tradução Maurício Antonio Ribeiro Lopes. São Paulo:
Manole, 2003. pp. 33-34.
212
Idem. ¿ Cómo protege el Derecho Penal y qué es lo que protege? Contradicción y prevención; protección de
bienes jurídicos y protección de la vigencia de la norma. In JORGE YACOBUCCI, Guillermo (org.). Los
Desafios del Derecho Penal en el Siglo XXI. Libro em homenaje al Profesor Dr. Günther Jakobs. Lima: Ara
Editores, 2009. pp. 152-153.
213
Idem.. Ciência do Direito... p. 32.
89
214
JAKOBS, Günther.Ciência do Direito...p. 34.
215
Idem. Danosidade social? Anotações sobre um problema teórico fundamental do direito penal. In SAAD-
DINIZ, Eduardo, POLAINO-ORTIZ, Miguel (org.). Teoria da Pena, Bem Jurídico e Imputação. São Paulo:
LiberArs, 2012. p. 103-104.
90
perigo abstrato legítimo e perigo abstrato ilegítimo 216. Propõe, portanto, uma solução
diferente: será preciso formular critérios de distinção um pouco mais complexos do
que uma postura baseada ou não aceitação global ou na rejeição total da figura dos
crimes de perigo abstrato217.
Baseando-se no trabalho de livre-docência de Wolfgang Wohlers218, Luís
Greco afirma ser necessário distinguir diferentes tipos de crimes de perigo abstrato
para ser possível a análise compartimentada de cada um.
O tema da divisão dos crimes de perigo abstrato em diferentes categorias
citada por Greco é alvo de análise, além do trabalho de livre- docência de Wohlers,
em texto intitulado Teoría del bien jurídico y estructura del delito – Sobre los critérios
de una imputación injusta – escrito pelo mesmo doutrinador, mas desta vez em
coautoria de Andrew von Hirsch219.
Segundo Hirsch e Wohlers, os crimes de perigo abstrato não constituem de
nenhuma maneira uma tipologia delitiva homogênea, mas sim um conjunto
heterogêneo de tipos penais com um potencial de risco completamente diferente 220.
Assim, partem os doutrinadores alemães em busca de uma nova classificação apta
a caracterizar cada uma dessas diferentes categorias de riscos relacionados ao tipo
de perigo abstrato. Distinguem os autores três subtipos delitivos dentro do tipo maior
de perigo abstrato: (i) delitos preparatórios (Vorbereitungsdelikte), (ii) delitos
cumulativos e, por fim, (iii) delitos de ação concretamente perigosa (konkrete
Gefährlichkeitsdelikte).
A primeira categoria (delitos preparatórios) pode ser compreendida quando se
deseja criminalizar condutas que mesmo sendo consideradas em si inócuas podem
servir de base para lesão a bens jurídicos. Por exemplo: o porte de armas. A priori, a
posse ou o porte de armas de fogo não significam ameaça direta a qualquer bem
jurídico, mas, nas lições de Hirsch e Wohlers, o porte poderá levar pessoas que
detenham as armas a realizar ofensas a bens jurídicos221. Guilherme Guedes
216
GRECO, Luís. Princípio da Ofensividade e crimes de perigo asbrato – uma introdução ao debate sobre o bem
jurídico e as estruturas do delito. Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 49, 12 v., 2004. pp. 89-147.
217
Idem, Ibidem.
218
WOHLERS, Wolfgang. Delikstypen des Präventionsstrafrechts – zur Dogmatik moderner
Gefährdungsdelikte. Berlim: Düncker & Humboldt, 1999.
219
HIRSCH, Andrew von. WOHLERS, Wolfgang. Teoría del bien jurídico y estructura del delito. Sobre los
critérios de una imputación injusta. In HEFENDEHL, Roland. La teoría del bien jurídico. ¿ Fundamento de
legitimación del Derecho penal o juego de abalorios dogmático? Madri: Marcial Pons, 2007. pp. 285-308.
220
Idem, Ibidem. pp. 288-290.
221
Idem, Ibidem... pp. 290-291.
91
Raposo entende que podem existir situações específicas em que o legislador penal,
com o intuito de proteger de maneira mais efetiva um determinado interesse, resolva
optar por antecipar sua tutela a um momento prévio à existência de um perigo real,
criminalizando, pois, de forma autônoma, a prática de um ato de preparação 222. Essa
postura diverge daquela tradicionalmente aceita pela doutrina penal pátria em que
se afirma só apresentarem relevância jurídico-penal crimes consumados ou tentados
ao menos, pois fora daí, quando os atos fiquem apenas na intenção do agente ou
constituam mero ato de preparação para um agir delitivo, seus autores não
respondem penalmente223.
Os pontos centrais do debate acerca dos Vorbereitungsdelikte referem-se à
forma de intervenção penal antecipada e quais critérios a serem observados pelo
legislador penal a fim de que o autor de um ato prévio possa responder pela sua
conduta. Não será permitido ao legislador penalizar de forma autônoma todo e
qualquer ato preparatório sob o argumento de que de alguma maneira está a
proteger um bem jurídico, sob pena de se estar fazendo um juízo antecipatório ad
infinitum224. Algumas tentativas segundo Hirsch e Wohlers apontaram na direção de
impor limites aos delitos preparatórios com base no princípio da adequação social e
no princípio da confiança. Entretanto, esses parâmetros são demasiadamente
imprecisos e nada de concreto trazem à limitação da esfera de imputação 225.
Propõem os juristas alemãesque se atente ao fato de não haver qualquer interesse
legítimo a ser alcançado com aquela conduta preparatória quando as
ações/omissões posteriores não possam ser consideradas ilícitas. Além da
ilegalidade posterior, deve-se sopesar quais interesses em geral intentam ser
alcançados pela antecipação da tutela penal, isto é, se são legítimos ou não e, mais,
se estão integrados na vida moderna 226.
Já a segunda categoria – delitos cumulativos – é considerada penalmente
relevante pelo legislador, mesmo que individualmente não sejam consideradas
relevantes penalmente, porque caso sejam repetidos de forma generalizada, podem
provocar danos de conseqüências incontroláveis.
222
RAPOSO, Guilherme Guedes. Teoria do Bem Jurídico e Estrutura do Delito. Porto Alegre: Nuria Fabris
Editora, 2011. pp. 179-180.
223
QUEIROZ, Paulo. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 227.
224
GRECO, Luís. Princípio da ofensividade... p. 122.
225
HIRSCH, Andrew von. WOHLERS, Wolfgang. Teoría del bien jurídico... p. 285 e 293.
226
Idem, Ibidem. pp. 293-294.
92
Para Hirsch e Wohlers, em que pese crítica doutrinária contrária aos delitos
cumulativos segundo a qual se estaria imputando um resultado lesivo de uma
conduta praticada por outrem o fundamento encontrado para a legitimação desta
categoria reside no fato de a vida social possuir ao mesmo tempo direito e deveres,
ou seja, algumas condutas devem ser adotadas por todos os cidadãos a fim de que
sejam evitadas conseqüências trágicas para a sociedade. Não se trata de uma
responsabilidade objetiva, mas, sim, e um dever de cooperação. Todos devem
cooperar para a manutenção e garantia dos bens coletivos necessários à existência
e á funcionalidade social, existindo um dever geral de cooperação (duty of
cooperation).
227
Idem, Ibidem. p. 299.
228
HIRSCH, Andrew von. WOHLERS, Wolfgang. Teoría del bien jurídico...p. 288.
93
229
Idem, Ibidem… p. 300.
230
HIRSCH, Andrew von. WOHLERS, Wolfgang. La teoría del bien jurídico... p. 301.
94
231
Idem, Ibidem. p. 302
232
GRECO, Luís. Princípio da ofensividade... p. 121.
233
RAPOSO, Guilherme Guedes. Teoria do bem jurídico... p. 193.
234
HIRSCH, Andrew von. WOHLERS, Wolfgang. La teoría del bien jurídico... p. 306.
95
capaz de guiar o veículo sem acarretar riscos, enquadra-se nesse ponto de “homem
parâmetro” defendido por Hirsch e Wohlers. O argumento favorável a essa
padronização baseia-se no fato de a segurança viária massiva não poder-se pautar
de forma suficientemente segura a partir da tolerância individual de cada
condutor235.
235
Em sentido contrário a esse modelo ideal de homem, Juarez Cirino dos Santos argumenta que o grande
problema desse modelo paradigmático reside na dificuldade em se definir o modelo adequado e que, em geral,
tal modelo acaba sendo influenciado de forma excessiva pela vontade do legislador ou, em último grau, pelo
julgador (nos casos de delitos imprudentes). Deve-se lembrar como é vaga a expressão “em condições normais”.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. Parte Geral... pp172-173.
236
HIRSCH, Andrew von. WOHLERS, Wolfgang. La teoría dek bien jurídico.,... p. 307-308.
237
HIRSCH, Andrew von. WOHLERS, Wolfgang. La teoría del bien jurídico... p. 308.
96
238
RAPOSO, Guilherme Guedes. Teoria do bem jurídico...p. 194.
239
SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Tipicidade Penal e Sociedade de Risco. São Paulo: Quartier Latin,
2006. p. 122.
240
TAVARES, Juarez Estevam Xavier. Bien Jurídico y función en Derecho penal. Tradução Monica Cuñarro.
Buenos Aires: Hamurabi, 2004. pp. 60-63.
97
241
DIEZ RIPOLLÉS, José Luis. A Racionalidade das Leis Penais. Teoria e Prática. Tradução Luiz Regis Prado.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. pp. 92 e ss.
242
Sobre o princípio da lesividade consultar LUISI, Luiz. Os Princípios Penais Constitucionais. 2ª Ed. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003.
243
MIR PUIG, Santiago. Introducción a las bases del derecho penal. Barcelona: Bosch, 1982. pp. 60 e ss.
244
BOTTINI, Pierpalo Cruz. Crimes de Perigo Abstrato... p. 206.
98
245
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1988. p. 116: “bem é, em geral,
tudo o que possui valor, preço, dignidade, a qualquer título. Na verdade, bem na linguagem moderna é a palavra
tradicional para indicar o que na linguagem moderna se chama valor. Um bem é um livro, um cavalo, um
instrumento, qualquer coisa que se possa vender ou comprar. Um bem também é a virtude humana, a dignidade,
o decoro, uma ação virtuosa ou um comportamento aprovado.”
246
Segundo o dicionário Michaelis, bem é tudo o que é bom ou conforme a moral. Benefício. Virtude. Proveito,
utilidade. Disponível em <http://michaelis.uol.com.br>. Acesso em 20/05/2013.
247
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 4ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2009. p. 17.
248
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. 23ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010. p.
343.
249
TEPEDINO, Gustavo. Multipropriedade imobiliária. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 92.
250
Ver, por exemplo, JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 1044.
100
251
PRADO, Luiz Regis. op. cit.,... p. 18.
252
TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil
Interpretado conforme a Constituição. Volume I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 171.
253
AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. No mesmo sentido:
CALIXTO, Marcelo Junqueira. Dos bens. In A parte geral do Novo Código Civil na perspectiva civil-
constitucional. TEPEDINO, Gustavo (coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
254
AMARAL, Franciso. op. cit. pp. 309-310..
101
Quem não for capaz de definir com palavras a idéia de bem, separando-a
de todas as outras, e, como se estivesse numa batalha, exaurindo todas as
refutações, esforçando-se para dar provas, não através do que parece, mas
do que é, avançar através de todas essas objeções com um raciocínio
infalível, não dirás que uma pessoa nestas condições conhece o bem em si,
nem qualquer outro bem, mas, se acaso toma contato com alguma imagem
é pela opinião, e não pela ciência que agarra nela, e que a sua vida atual a
passa a sonhar e a dormir, pois, antes de despertar dela aqui, primeiro
descerá a Hades para lá cair num sono completo?
255
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal... p. 18.
256
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos. Conceito e Legitimação para agir. 7ª Ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 24
257
PAVIANI, James. A idéia de bem em Platão. Revista Conjectura. 17 v , 2012. p. 70.
258
GHIRALDELLI JUNIOR, Paulo. História Essencial da Filosofia. Volume 1. São Paulo: Universo dos Livros
Editora, 2009. p. 60 e ss
259
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário... p. 116.
102
260
PAVIANI, James. A ideia de bem em Platão.,... p. 72.
261
GHIRALDELLI JUNIOR, Paulo. História Essencial da Filosofia... pp. 80 e ss.
262
Sobre a relação direito e filosofia consultar KAUFMANN, Arthur. HASSEMER, Windfried. Introdução à
Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas. Tradução de Marcos Keel e Manuel Seca de
Oliveira. Lisboa [Portugal]: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.
103
263
ASSIER-ANDRIEU, Louis. O Direito nas Sociedades Humanas. Tradução Maria Ermantina Galvão. São
Paulo: Martins Fontes, 2000. p.15.
264
Movimento cultural da elite intelectual européia que procurava mobilizar o conceito de razão, a fim de
reformar a sociedade e o conhecimento prévio. Promovia o intercâmbio cultural e, também, questionava a
intolerância e as arbitrariedades do Estado e da Igreja.
265
RUSSELL, Bertrand. História do Pensamento Ocidental. A aventura das ideias dos pré-socráticos a
Wittgenstein. Tradução Laura Alves e Aurélio Ribeiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001... p. 330.
104
Cumpre destacar que esse cenário então recente de relações entre Estado
(novo) e Igreja (antiga) mostrava-se contraditório, eis que seus soberanos ainda
mantinham a afirmação do poder real baseada nos direitos divinos não combinando,
portanto, com livre expressão de opiniões sobre a religião e com o afastamento do
regime clerical.
O ilícito penal em período pretérito ao Iluminismo definia-se em suas
dimensões teológica e/ou privada267. No cenário anterior à Ilustração, o crime era
considerado um atentado à divindade ou lesa-majestade. O delito figurava, antes de
tudo, como um pecado e as penas usualmente aplicadas significavam a expulsão, a
eliminação (morte) ou o sacrifício à divindade do infrator e, ainda, as penas eram
consideradas como respostas necessárias à expiação e ao pagamento dos
pecados268. Já na filosofia penal iluminista o problema punitivo desvinculava-se das
concepções religiosas269. O delito passou a encontrar sua razão de existência a
partir do postulado baseado na violação do contrato social270. As concepções penais
sustentadas em postulados iluministas mostravam-se incompatíveis com as leis
266
MORILLAS CUEVAS, Lorenzo. Metodologia y Ciencia Penal. Granada: Universidad de Granada, 1990. pp.
53-54.
267
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal... p. 23
268
ZAFFARONI, Eugenio Raul. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – volume 1.
8ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. pp. 108 e ss.
269
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução Paulo Machado Oliveira. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2011.pp. 19-20. Sobre o tema religiosidade e Direito Penal, Beccaria aduz: “a justiça divina e a justiça
natural são, por sua essência, constantes e invariáveis, porque as relações existentes entre dois objetos da mesma
natureza não podem mudar nunca. Mas a justiça humana, ou, se se quiser, a justiça política, não sendo mais do
que uma relação estabelecida entre uma ação e o estado variável da sociedade, também pode variar, à medida
que essa ação se torne vantajosa ou necessária ao estado social. Só se pode determinar bem a natureza dessa
justiça examinando com atenção as relações complicadas das inconstantes combinações que governam os
homens. Se todos esses princípios, essencialmente distintos, chegam a confundir-se, já não é possível raciocinar
com clareza sobre os assuntos políticos. Cabe aos teólogos estabelecer os limites dos justo e do injusto, segundo
a maldade ou a bondade interiores da ação. Ao publicista cabe determinar tais limites em política, isto é, sob as
relações do bem e do mal que a ação possa fazer à sociedade”.
270
ROUSSEAU, Jean-jacques. Do contrato social – Princípios do Direito Político. São Paulo: Edipro, 2011. A
primeira edição da obra data de 1762.
105
271
Sobre o sistema processual penal inquisitório ou inquisidor ver LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual
Penal e sua Conformidade Constitucional. Volume 1. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. pp. 62-79.
272
FERRI, Enrique. Principios de Derecho Criminal. Delincuente y Delito en la Ciencia, en la Legislación y en
la Jurisprudencia. Tradução José-Arturo Rodriguez Muñoz. Madri: Editorial Reus, 1933. p. 34.
106
A ideia de que não existe uma conexão necessária entre direito e moral, ou
entre o direito como é e como deve ser é comumente considerado um
postulado do positivismo jurídico. O direito, segundo esta tese, não reproduz
nem mesmo possui a função de reproduzir os ditames da moral ou de
qualquer outro sistema metajurídico – divino, natural ou racional -, ou ainda
de valores ético-políticos, sendo somente o produto das convenções legais
não predeterminadas ontologicamente nem mesmo axiologicamente. Ainda
no mesmo diapasão, tal doutrina, formulada em sentido inverso, exprime a
autonomia da moral em relação ao direito positivo, bem como de qualquer
outro tipo de prescrição heterônoma e de sua conseqüente concepção
individualista e relativista. Os preceitos e os juízos morais, segundo tal
convicção, não se baseiam nem no direito e tampouco em qualquer outro
sistema positivo de normas – religiosas, ou sociais, oude qualquer outro
modo objetivas – mas, apenas e tão-somente na autonomia da consciência
individual. Ambas as teses supramencionadas constituem uma aquisição
basilar da civilização liberal, além de refletirem o processo por meio do qual,
no início da Idade Moderna, tornaram-se laicos tanto o direito como a moral,
desviculando-se, enquanto esferas distintas e separadas, de qualquer liame
com supostas ontologias de valores.
273
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. Tradução de Ana Paula Zomer; Fauzi
Hassan Choukr; Juarez Tavares; Luiz Flavio Gomes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 175.
274
ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal
brasileiro: primeiro volume – Teoria geral do direito penal. 2ª Ed.Rio de Janeiro: Revan , 2003. pp. 532 e ss. :
“os penalistas do contratualismo se movimentaram entre as necessidades contraditória de legitimar e de limitar o
poder punitivo. Seu pensamento viu-se restringido pela primeira e alçado pela segunda, debatendo-se nessa
polarização insolúvel.
275
Cfe. JAKOBS, Günhter. Protección de Bienes Jurídicos y conformación de la vigência de la norma. In. Bien
Jurídico, Vigência de la norma y Daño social. JAKOBS, Günther, NAVARRETE, Miguel Polaino, POLAINO-
ORTIS, Miguel. Lima: Ara Editores, 2000. p. 36.
107
crime deveria ser considerado como uma ofensa aos direitos subjetivos276.
Fundando seu pensamento na teoria do contrato social já abordado parágrafos
acima argumentava Feuerbach que diante da inseguridade social vivida à época
deveriam os homens organizarem-se em sociedade confiando ao Estado a
conservação da ordem criada277.
Segundo Feuerbach, conforme o fim próprio do Estado, este só poderia
intervir penalmente quando presente estivesse um delito que causasse lesões a
algum direito dos cidadãos278. Emergia, pois, o Estado como garantidor das
condições da vida em comum. Assim, consoante sua definição de “penas jurídicas”,
considerava-se como núcleo de cada delito a lesão aos direitos subjetivos dos
membros da sociedade (burguesa), isto é, a ofensa a valores considerados
necessários para a vida em sociedade.
Enquanto Kant definia o Direito como “Reicht ist, was durch Freiheit des
Willens wermittels des Sittengesestzes möglich ist (o Direito é aquilo que, através da
liberdade de vontade e mediada pelas leis da moral, é possível)”, Feurbach
estabelecia uma rigorosa separação entre campos do Direito e da Moral. Formulava
entendimento no sentido de o Direito não se caracterizar como simples irradiação da
moral. Deveria, sim, ocupar uma manifestação autônoma da razão prática.
Stéphannos Kareklás sintetiza essa postura de Feuerbach: existem coisas que,
embora não estejam vedadas pelo Direito, sob o fundamento da Moral, não podem
ser feitas. Contudo, em que pese essa proibição no campo da Moral, juridicamente
não seria possível o dever de abstenção da determinada conduta e muito menos
sancioná-la. Era o caso, por exemplo, das condutas de fim eudemonista ou
religiosa279.
Feuerbach dividia os delitos em duas categorias: (i) delitos em sentido estrito
ou lesões a direitos e (ii) infrações de polícia ou delitos menores. Os primeiros
representavam condutas que configuravam ofensa a direitos subjetivos dos cidadãos
e, por conseqüência, ao Estado caberia estabelecer e reprimir as condutas previstas
em lei à luz do princípio do nullum crimen sine lege. A simples realização das
condutas consideradas delituosas já é considerada uma contradição ao direito
276
FEUERBACH, Paul Anselm Ritter Von. Tratado de Derecho Penal comum vigente en Alemania. Tradução.
Eugenio Raul Zaffaroni e Irma Hageimer. Buenos Aires: Hamurabi, 1989.
277
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Supra-individual... p. 38.
278
FEUERBACH, Paul Anselm Ritter Von. op. cit.,… p. 21.
279
Cfe. KARÉKLAS, Stéphanos. Paul Anselm Von Feurbach. Vida e Obra. 1ª Parte. Revista de Direito e
Cidadania. Cabo Verde: Editora Revista Universitária, 2002. pp. 33-36.
108
280
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge da. Direito Penal Supra-individual... pp. 36-39.
281
Idem, Ibidem.... p.38.
282
BIRNBAUM, Johann Michael Franz. Sobre la necesidad de una lesión de derechos para el concepto de delito.
Tradução José Luis Guzmán Dalbora. Buenos Aires: Euros Editores S.L., 2010. p.38.
109
283
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Supra-individual...p. 38.
284
CERVINI, Raul. El principio de la legalidad y la imprescindible determinación suficiente de la conducta
incriminada en los crimenes contra el sistema financiero. Acesso em 10/01/2013. Disponível em <www.
fder.edu.uy>.
110
285
FEUERBACH, Paul Johann Anselm von. Tratado de Derecho Penal... p. 63.
286
HIRSCH, Hans Joachim. Acerca del estado de la discusión sobre el concepto de delito. Congresso
Internacional da Faculdade de Direito à Distãncia. Madri: UNED, 2000. p. 372-373.
111
Para Birnbaum, as normas penais não deveriam prever condutas tendo como
base ofensa a direitos subjetivos, mas, sim, basear-se em um conteúdo
individualista apto a identificar o bem jurídico com os interesses primordiais do
indivíduo na sociedade, especificamente, a vida, o corpo, a liberdade e o
patrimônio287.
Segundo Birnbaum, a teoria penal deveria estar orientada não apenas à
limitação do arbítrio legislativo (como pensava Feuerbach), mas deveria também
fornecer elementos concretos para a avaliação, pelo juiz, da legitimidade de uma
incriminação288. Ao partir da noção de direito subjetivo, a teoria de Feuerbach
mostrava-se demasiadamente abstrata, dificultando a identificação daquilo que de
fato o Estado pretendia evitar por meio das criminalizações. Luz sintetisa as críticas
de Birnbaum às contribuições de Feuerbach:
287
PELARIN, Evandro. Bem jurídico-penal: um debate sobre a descriminalização. São Paulo: IBCCRIM, 2002.
p.55.
288
Cfe. LUZ, Yuri Corrêa. Entre bens jurídicos e deveres normativos. Um estudo sobre os fundamentos do
direito penal contemporâneo. São Paulo: IBCCRIM, 2013. p. 42.
289
LUZ, Yuri Corrêa. Entre bens jurídicos e deveres normativos... p. 42.
290
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal-Supraindividual... p. 40.
112
291
ASSIER-ANDRIEU, Louis. O Direito nas Sociedades Humanas... pp. 111-113. Segundo Assier-Andrieu, o
direito em Savigny fixava-se em caráter particular ao povo como a linguagem, os costumes e a organização
social. Nenhum desses elementos teria existência autônoma, pois unia-se à singularidade do povo. Para Savigny
deveria o Direito obedecer a um momento de tendência popular chamado necessidade interna e social, não
podendo derivar exclusivamente da vontade do legislador como fizera Napoleão com edição do Código Civil
francês de 1804.
292
BIRNBAUM Johann Michael Franz. Sobre la necesidad de una lesión de derechos para el concepto de
delito... p. 38.
293
Idem, Ibidem. p. 50.
294
Idem, Ibidem 52-55.
113
295
BIRNBAUM, Johan Michael Franz. Sobre la necesidad de una lesión de derechos para el concepto de delito...
p. 53.
114
296
Cumpre destacar que o termo bem jurídico ou bem jurídico-penal não consta expressamente na obra de
Birnbaum. Chega Birnbaum a utilizar uma série de expressões de tipo descritivo, as quais se identificam com
esse conceito. Contudo, graças a tais formulações, é que lhe foi conferido o título de formulador do conceito de
bem jurídico. Cfe. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Supra-Individual... p.41.
297
Cfe. SCHÜNEMANN, Bernd. El derecho penal es la ultima ratio para la protección de bienes jurídicos: sobre
los limites inviolables del derecho penal en un Estado liberal de derecho. Bogotá: Universidad Externato de
Colombia, 2007. pp.13-14.
298
Cfe. RAPOSO, Guilherme Guedes. Teoria do bem jurídico...p. 74. Completa o autor: “é possível perceber que
a doutrina de Birnbaum manteve a busca por um conteúdo material do delito que foi iniciada por Feurbach, mas
modificou sua tônica, deixando de apelar para a disfuncionalidade das relações jurídicas intersubjetivas, outrora
privilegiada pela compreensão do crime como lesão a um direito subjetivo, e passando a se basear na ideia de
lesão a realidades empírico-naturalísticas, ou seja, de ofensa a bens concretos pertencentes ao mundo exterior”.
299
CORREIA. Eduardo. Direito Criminal. Volume I. Coimbra: Almedina, 2001. p. 278.
115
300
RAPOSO, Guilherme Guedes. op. cit., ... p. 79.
301
Sobre o positivismo jurídico necessária é a indicação para leitura de BOBBIO, Norberto. O positivismo
jurídico. Lições de filosofia do Direito. Tradução de Marcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos Rodrigues. São Paulo:
Ícone, 2006.
302
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: volume 1 – parte geral...p. 68.
303
ZAFFARONI, Eugenio Raul. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal... p. 266.
304
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – volume 1. 10ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011. p. 100: “o objeto da ciência do direito positivista é tão-somente o Direito positivo, estabelecido,
formado pelos códigos e leis, e depurado de considerações políticas, éticas, filosóficas ou sociais, ficando
evidente sua anteposição a qualquer referência de índole jusnaturalista. Estes últimos aspectos podem ser objeto
de exame do jurista, mas estão fora de seu campo de pesquisa científica. A realidade jurídica é estudada à
margem dos fenômenos sociais”.
305
ZAFFARONI, Eugenio Raul. PIERANGELI, José Henrique. op. cit.,... p. 267.
116
obra sobre normas no ano de 1872306 vivia-se ainda a expectativa segundo a qual
seriam os legisladores amplamente responsáveis e competentes zeladores da
dignidade do conceito de bem jurídico penal 307. Com o passar dos anos, notou-se
que nem sempre a intenção do legislador acompanhava finalidades nobres.
Renato de Mello Jorge Silveira assim resume a concepção de Karl Binding
acerca de bem jurídico308:
306
BINDING, Karl. Die Normen und ihre Uebertretung apud SILVEIRA, Renato de Mello Jorge, Direito Penal
Supra-individual... p. 43.
307
Alguns autores como Armin Kaufmann atribuem a Binding a paternidade da expressão bem jurídico quando
da 1ª edição da obra de Binding já citada em nota de rodapé precedente houve a utilização do termo Rechtsgut.
Veja-se passagem: “Rechtsgut ist alles na dessen unverändeter und ungestörter Erhaltung das positive Recht
nach seiner Ansicht ein Interesse hat, was es deshalb durch seine Normen vor unerwünscheter Verletzung oder
Gefährdzung zu sichern bestred ist” apud KAUFMANN, Armin. Teoria de las Normas. Fundamentos de la
dogmática penal moderna. Tradução Enrique Bacigalupo e Ernesto Grazon Valdés. Buenos Aires: Depalma,
1977. p. 91.
308
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Supra-individual... p. 43.
117
[bem jurídico-penal] é tudo aquilo que as olhos do legislador tem valor como
condição de uma vida saudável dos cidadãos; tudo o que não constitui em
si um direito, mas apesar disso, tem, aos olhos do legislador, valor como
condição de uma vida sã da comunidade jurídica, em cuja manutenção
íntegra e sem perturbações ela (a comunidade jurídica) tem, segundo o seu
juízo, interesse, e em cuja salvaguarda perante toda a lesão ou perigo
indesejado, o legislador se empenha através das normas
309
Cfe. BINDING, Karl. Die Normen und ihre Uebertretung apud SOUZA, Paulo Vinícius Spordeler de. Bem
jurídico-penal e Engenharia Genética Humana. Contributo para a compreensão dos bens jurídicos supra-
individuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 57.
310
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte Geral... p. 22.
311
COSTA ANDRADE, Manoel. Consentimento e Acordo em direito penal (contributo para a fundamentação
do paradigma de um paradigma dualista). Coimbra: Coimbra Editora, 1991. pp. 51.
312
SOUZA, Paulo Vinicius Spordeler de. Bem jurídico-penal e engenharia genétoca humana... p. 58.
313
AMELUNG, Knut. Rechtsgüterschutz und Schutz der Gesellschaft apud SOUZA, Paulo Vinicius Spordeler
de. Bem jurídico-penal e engenharia genétoca humana... p. 59.
314
Sobre o tema, Souza argumenta que o método em Binding classifica-se em positivista formal-normológica,
enquanto em Lizst a classificação dá conta de positivista naturalista-sociológico. SOUZA, Paulo Vinícius
Spordeler de. Bem jurídico-penal e engenharia genética humana... p. 58.
118
315
LIZST, Franz von. Tratado de Direito Penal Alemão. Tradução Higino Duarte Pereira. Campinas: Russel,
2003. p. 139.
316
Idem, Ibidem.
317
Cfe. COSTA ANDRADE, Manuel. Consentimento e Acordo em direito penal... pp. 62-63.
318
COSTA ANDRADE, Manoel. Consentimento e Acordo em direito penal... pp. 66-67.
119
319
Idem, ibidem. pp. 67-68.
320
SOUZA, Paulo Vinicius Spordeler de. Bem jurídico-penal e Engenharia Genética Humana... p. 62.
321
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal... p. 29-30.
322
TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto... pp. 187-188.
120
forma, da teoria do bem jurídico elaborada por Birnbaum e que pemanece até hoje
no Direito Penal323. Sobre a relação entre Birnbaum, Binding e Lizst, Souza ensina:
323
WELZEL, Hans. Derecho Penal. Parte General. Tradução Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque
Depalma Editor, 1956. p. 6.
324
SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de. Bem jurídico-penal e Engenharia Genética Humana,... p. 65.
325
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. pp. 367-368. V. 4.
121
como as corças e os gamos, devem ser mortos para que não possam fazer
estragos.”
(...)
Não havia limites à perversidade, nem tréguas à fúria assassina. Só a
matança dos judeus atingiu um algarismo de estarrecer: dos 9.600.000 de
israelitas existentes na Europa dominada pelos nazis, 60% pereceram. Os
cadáveres eram enterrados aos montões, ou levados para os fornos de
cremação, ou devido à carência de matérias-primas, eram aproveitados
(inédita profanação) para o fabrico de sabão.
326
SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de. Bem jurídico-penal e Engenharia Genética Humana...pp. 96-97: “para
Schaffstein, o interesse do legislador em proteger certos bens jurídico-penais não pode ser apreciado de forma
autônoma, pois aquele vem limitado ou contemplado pela relevância de outros fatores preponderantes e
transcendentes. Assim, embora não negando que constitui tarefa essencial do ordenamento jurídico-penal
proteger certos valores relevantes na sociedade, Schaffstein não considera admissível que o dogma da tutela de
bens jurídicos penais seja o único Leitmotiv do legislador penal para a criação de figuras delitivas, pois junto a
este aspecto existem outras questões relacionadas ao pensamento nacional-socialista que conduzem a uma
necessária revisão histórico-dogmática daquela categoria. Ademais, diferentemente da sistemática clássica, que,
assentada nos esquemas jurídico-naturais do Iluminismo, entendia o conteúdo do delito como ofensa ao bem
jurídico protegido, o pensamento nacional-socialista do direito penal estabelece como pedra de toque a idéia da
violação de um dever (Pflichtverletzung). Por outro lado, entende Dahm que a noção de direito deve ser
compreendida como um ordenamento da vida do povo, uma realidade sentimental interna. O direito não consiste
num mero aglomerado de normas nem numa forma exterior do ser social, senão um ordenamento realista, vital,
interno. [...] O delito não integra somente uma oposição á lei formal, mas também um ataque contra a ordem
fundamental do povo, assim como contra a moral do mesmo e a lei interna da comunidade. Representa uma
posição ao ordenamento autoritário estabelecido através do Estado, e, com isso, à lei interior de uma nação. A
natureza do injusto não poder ser vista no contraste de interesses e de objetos de tutela, senão na rebelião contra
a comunidade e a sua lei interna. Este retrocesso do fato ao autor e do tipo à vontade corresponde a uma maneira
de pensar que não vê a essência do delito na violação de um ordenamento externo e de singulares bens jurídicos,
mas sim na própria desagregação da sociedade em seu entorno”.
327
BOCKELMANN, Paul. apud ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Tomo I. Fundamentos, La
Estructura de la Teoria del Delito. Tradução Diego-Manuel Luzón Peña. Madri: Civitas, 1997: “lo que se hace
culpable aqui al autor no es ya que haya cometido un hecho, sino que solo el que el autor sea ‘tal’ se convierte
en objeto de la censura legal”.
328
Também não se deve esquecer do direito penal fascista que se caracterizava por atribuir ao direito penal a
finalidade de proteger o Estado, estabelecer gravíssimas penas para os delitos políticos definidos subjetivamente,
proteger o partido oficial e, além disso, pelo amplo predomínio da prevenção geral mediante intimidação.
Segundo Zaffaroni e Pierangeli, o autoritarismo fascista orientava-se, em geral, pelo pensamento neo-hegeliano.
O Código Penal Italiano de 1930 mostra-se obra confessa do fascismo (Código Rocco). Manual de Direito
Penal... p. 289.
329
BATISTA, Nilo. ZAFARONI, Eugenio Raul. ALAGIA, Alejandro. SLOKAR, Alejandro. Direito Penal
Brasileiro... p. 131.
122
Para esse direito penal, o estado é uma escola autoritária, na qual o valor
fundamental é a disciplina, de acordo com as pautas – intensamente
difundidas pelas agências comunicacionais – que as pessoas devem
introjetar (não apenas cumprir), e as agências jurídicas são tribunais
disciplinares que julgam até que ponto as pessoas internalizam as
orientações estatais, sem se importarem com o que tenham feito mais do
que como habilitação para a intervenção penal. Não se censura o ato, mas
a existência: os operadores jurídicos traduzem a onipotência do estado
onisciente, implacável com os dissidentes330.
330
Idem, Ibidem... p. 132 e ss.
331
Cfe. MUÑOZ CONDE, Franciso. Edmund Mezger e o Direito Penal de seu Tempo – Estudos sobre o Direito
Penal no Nacional-Socialismo.4ª Ed. Tradução de Paulo César Busato. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. pp.
186-192.
332
No Direito Penal brasileiro, o rufianismo encontra previsão no art. 230 do Código Penal: Tirar proveito da
prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por
quem a exerça: pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. §1º Se a vítima é menor de 18 (dezoito)
anos e maior de 14 (catorze) anos ou se o crime é cometido por ascendente, padrasto, madastra, irmão, enteado,
cônjuge, companheito, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou
outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: Pena – reclusão de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. §
2º Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça, fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre
manifestação de vontade da vítima: Pena – reclusão, de 2 (dois) anos a 8 (oito) anos, sem prejuízo da pena
correspondente à violência. Sobre o crime, Heleno Claudio Fragoso preleciona “esta, sem dúvida, a forma mais
sórdida de lenocínio, constituindo parasitismo ao negro ofício da prostituição, de cuja renda miserável participa.
Era aos rufiões que Justiniano chamava pestíferos. A lei penal punindo o rufianismo visa reprimir a exploração
123
de prostitutas, o que altamente ofende a moral pública.” E prossegue afirmando que os autores alemães, a
propósito do rufião, baseados em decisão da Suprema Corte daquele país costumavam referir-se à necessidade de
reunir o autor daquele crime determinandas características típicas, sendo fundamental para a existência do crime
não apenas a prática da infração cominada, mas também a personalidade característica do agente (Wesen und Art
des Täters). Tratava-se, segundo Fragoso, de uma verdeira admissão da teoria do tipo normativa de autor, o que
seria de pronto incompatível com a ordem jurídica brasileira. Admitia, todavia, a incriminação do rufianismo,
pois segundo Fragoso configurava um estilo de vida antissocial que deveria ser exprimido como um
comportamento jurídico habitual. FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições de Direito Penal. Parte Especial. 3ª
Edição: Rio de Janeiro: Forense, 1981. pp. 68-69. Em que pese contribuição doutrinária de Fragoso esta
dissertação mostra-se contrária à criminalização do rufianismo. Como descrito pelo próprio tipo, tirar proveito é
o núcleo típico, quer dizer, a conduta principal do rufião é a extração de lucro, o que é perfeitamente aceitável no
capitalismo. Vários agentes servem como intermediários de atividades em geral e são pagos por meio de
comissionamento. Contudo, o Código Penal visa a punir a atividade do agenciador de prostituição sendo certo
que a mercancia sexual não é atividade ilícita. Pune-se o rufianismo simplesmente por ser uma conduta
moralmente condenável. Havendo livre vontade de quem se envolve na prostituição nenhum grave mal causaria
o agenciador da atividade, com exceção dos casos em que houvesse delito violento que buscasse escravizar
alguém para a prática de relações sexuais. A favor da extinção do crime de rufianismo do Código Penal está
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010. p. 155.
333
No Brasil, a vagabundagem ou vadiagem encontra previsão no art. 59 da Lei de Contravenções Penais. Diz o
referido dispositivo: “Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter
renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a próprio subsistência mediante ocupação
ilícita: Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses. Parágrafo único: a aquisição superveniente de
renda, que assegure ao condenado meios bastantes de subsistência, extingue a punibilidade”. Vale destacar que
até a consecução desta dissertação a vadiagem continuava sendo contravenção no direito penal brasileiro.
Encontrou-se em pesquisa no sítio da Câmara dos Deputados nada menos que 14 (catorze) projetos de lei que
visavam à revogação da contravenção. Parece que o projeto de lei em fase mais adiantada é o de número
4668/2004 de autoria do deputado federal José Eduardo Cardozo. Enviado à Comissão de Constituição e Justiça
daquela Casa em 21/12/2004 retornou em 08/08/2012. Em 22/08/2012 seguiu ao Senado Federal. Desde
20/09/2012 em relatoria do Senador Pedro Tacques. Em doutrina, Renato de Mello Jorge Silveira argumenta:
“não se pode aceitar, assim, em dias atuais, a manutenção desta figura como ainda válida. Caiu ela em desuso,
quer por sua configuração discriminatória, quer, mesmo, pela evolução do Estado e a percepção da
impossibilidade de intervenção na vida dos cidadãos, os quais têm ampla liberdade de desempenhar suas vidas.
SILVEIRA, Renato de Melo Jorge. Comentários à Lei de Contravenções Penais – arts. 59 a 65. In: SALVADOR
NETTO, Alamiro Velludo (coord.). Comentários à Lei de Contravenções Penais. São Paulo: Quartier Latin,
2006. pp. 278-279.
334
O art. 60 da Lei de Contravenções Penais (já revogado) previa como contravenção “mendigar, por ociosidade
ou cupidez: Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses. Parágrafo único: aumenta-se a pena de um sexto
a um terço, se a contravenção é praticada: (a) de modo vexatório, ameaçador ou fraudulento; (b) mediante
simulação de moléstia ou deformidade; (c) em companhia de alienado ou menor de dezoito anos (revogado pela
Lei 11.983/2009).”
335
ROXIN, Claus. Derecho Penal... p. 181.
336
ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA, Nilo, ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal
Brasileiro... p. 605.
124
Outra medida de claro desrespeito à dignidade humana era vedar práticas sexuais
entre raças, prática esta que se relacionava à idéia da não mistura da raça superior
com as inferiores. Até mesmo a introdução da esterilização como medida de
segurança foi posta em prática nesses casos. Em 1935, institui-se no Estado Nazista
a adoção do princípio da analogia, consagrado no art. 2º do StGB, no qual
introduziu-se o seguinte texto: “É punível aquele que comete um ato declarado
punível pela lei ou que, conforme a ideia fundamental de uma lei penal e o
sentimento do povo, merece ser punido. Se nenhuma lei penal for diretamente
aplicável ao ato, o ato é apenado conforme a lei que se aplique mais adequada à
idéia fundamental337
Segundo Anton Oneca, citando Schaffstein e Dahm, para a Escola de Kiel, o
crime não era só fundamento, senão ocasião da pena; o Estado utilizava a pena
para tornar visível aos olhos de todos o seu poder. Por meio da pena manifestava-se
simbolicamente a dignidade do Estado338.
Após a Segunda Guerra, período em que a repercussão do comportamento
nazista chocou o mundo, o direito penal da Kieler Schule foi duramente criticado e,
por consequência, a partir do novo cenário político desenhado no Ocidente, a
manutenção daquele tipo de ordenamento totalitário e prejudicial à dignidade
humana mostrava-se impossível de perpetuação, eis que significava,
339
fundamentalmente, desrespeito total aos direitos humanos .
337
Idéia similar à adoção da analogia em matéria penal encontrava-se presente no Código Penal Soviético de
1926, que tinha no art. 16 a seguinte redação: “quando algum ato socialmente perigoso não esteja previamente
previsto no presente código, o fundamento e a extensão de sua responsabilidade determinarão em conformidade
com os artigos do mesmo relativos aos delitos de índole análoga”. Cfe. LUISI, Luis. Os Princípios
Constitucionais Penais. 2ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. p 21.
338
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal... p. 33
339
Sobre a punição dos líderes nazistas após a Segunda Guerra ver JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O
Tribunal Penal Internacional. A internacionalização do direito penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
125
340
KELSEN, Hans. A democracia. Tradução Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 25.
341
ENCARNAÇÃO, João Bosco. Filosofia do Direito em Hebermas. Revista Impulso. Piracicaba: Unimep –
Metodista, 2003. Acesso em 01/12/2012. Disponível em <www.unimep.br/phpg/editora
/revistaspdf/imp20art04.pdf>.
342
HIRSCH, Hans Joachim. Acerca del estado... p. 373.
343
POLAINO NAVARRETE, Miguel. Protección... p. 42: “desde la primera mitad del siglo XIX hasta bien
entrada el siglo XX, durante un largo período de tiempo, nadie cuestionaba la virtualidad del concepto de bien
jurídico como elemento definidor de la función esencial del Derecho penal. El bien jurídico era um dogma casi
intocable en la Ciência penal. Y, por eso, llegamos a lo mismo: durante todo esse tiempo, existia acuerdo en que
la función esencial, legitimante, del Derecho penal era la protección de bienes jurídicos, sea como fuera la
forma que esos se entendían”.
344
Cfe. TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. pp. 184 e ss.
126
aos estados das coisas que tenham sido valorados de forma positiva por quem cria
o direito, o que significa, hoje em dia, caber tão-somente ao legislador a eleição de
bens jurídicos, tendo como intenção agir de forma a impedir um comportamento
perturbador à sociedade345.
O uso atual do conceito de bem jurídico na argumentação dogmática, tanto
pela jurisprudência quanto pela doutrina, argumenta Amelung, origina-se de uma
norma de conduta baseada em um juízo de valor do legislador que indica certos
estados de coisas como paradigmas 346.A partir deste juízo, extrair-se-ão limites à
aplicação da norma. Quando a interpretação dirigir-se além ou aquém do bem
jurídico normalmente trazido pelo tipo penal tentar-se-á aferir se será possível com
aquele mandamento jurídico alcançar a finalidade perseguida pelo legislador. Nesta
medida, o conceito de bem jurídico obtido a partir de um valor jurídico construído e
exteriorizado pelo legislador, figura como uma forma de interpretação teleológica dos
tipos penais constantes na parte especial dos códigos.
A crítica mais forte de Amelung direciona-se à doutrina denomina por ele de
tradicional, na Alemanha. Para Amelung, o ponto negativo situa-se no modo de
interpretação adotado atualmente acerca dos bens jurídicos fundamentados,
primordialmente, no critério teleológico, critério este que ocasionaria uma
desqualificação do conceito de bem jurídico de um sentido material para uma
categoria exclusivamente formal, positivista e vazio de conteúdo sendo, ao mesmo
tempo, indeterminada e suscetível de influências políticas seguindo quaisquer
orientações, inclusive forças desprovidas de um padrão crítico apto a fundamentar a
atuação do legislador347. Sobre o tema, vale transcrever passagem de Amelung em
que há a crítica direcionada à concepção de bem jurídico estritamente legalista
presente no cenário dogmático da Alemanha da década de 1980:
345
AMELUNG, Knut. El concepto de bien jurídico en la protección penal de bienes jurídicos. In: HEFENDEHL,
Roland. La Teoria del bien jurídico.¿Fundamento de legitimación del Derecho penal o juego de abalorios
dogmático? Madrid: Marcial Pons, 2007.
346
Amelung menciona três fundamentos pelos quais a contraposição entre sua concepção baseada sobre a
sociedade e uma concepção que se fundamente no indivíduo não deveria ser superada: (1) os interesses da
sociedade e do indivíduo podem solapar-se ou imbricar-se de maneira imediata; (2) uma sociedade desenvolvida
seria capaz de propiciar ao indivíduo melhores condições de desenvolvimento e melhores oportunidades para a
sobrevivência individual; (3) os múltiplos processos de interação em um sistema social altamente diferenciado
com a instalação ou institucionalização de direitos fundamentais jamais poderiam realizar-se por meio da coação
direta estatal, mas sim através da cooperação de cada um dos indivíduos por meio do processo que denomina
incremento das possibilidades de comunicação. Em resumo, para Amelung, no esforço de proteção da sociedade
encontrar-se-á espaço para a proteção dos indivíduos. JAKOBS, Günther. Danosidade Social?... p. 96.
347
AMELUNG, Knut. El concepto... pp. 233-238.
127
Isso parece politicamente incorreto – quem escreve tal coisa recebe a crítica
de que com isso aproxima-se de maneira perigosa da suposta e já superada
idéia cínica, segundo a qual o direito é o que é útil para o povo -, o que não
é desconhecido por Amelung e, por isso, expõe de maneira clara que não
se trata de uma declaração política, mas sim descritiva: a teoria dos sistema
não legitima quando designa as condições de existência de um sistema –
348
Idem, Ibidem p. 263.
349
COSTA, Helena Regina Lobo da. Considerações sobre o estado atual da teoria do bem jurídico à luz do harm
principle.p. 136. In GRECO, Luís. MARTINS, Antonio. Dogmática Penal como crítica da pena. Estudos em
homenagem a Juarez Tavares por seu 70º Aniversário em 2 de setembro de 2012. São Paulo: Marcial Pons,
2012.
350
AMELUNG, Knut. Der Rechstguts in der Lehre vom strafrechtlichen Rechtsgüterschuktz. apud JAKOBS,
Günther. Danosidade Social? Anotações sobre um problema teórico fundamental do Direito Penal. In Teoria da
Pena, Bem jurídico e imputação... p. 94.
128
351
JAKOBS, Günther. Danosidade social?... p.95.
129
352
ROXIN, Claus. Derecho penal... p. 68,
353
Sobre a teoria dos sistemas, Juarez Tavares aduz: “a teoria geral dos sistemas é, no fundo, uma teoria
estruturalista, pois busca fundar o método científico na determinação das chamadas tipologias estruturais, que
desempenhariam o papel de princípio unificador da atividade especulativa. O elemento caracterizador dessa
tipologia é representado pela noção de sistema, que simboliza a organização dentro de um processo de
informação. A norma jurídica está situada dentro daquilo que se denominou círculo regulativo e funciona como
uma operadora de informações do justo e do injusto, pelo qual se devem orientar as decisões jurídicas”.
TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto... pp. 54-55.
354
LUHMANN, Niklas. Introdução à Teoria dos Sistemas. Petrópolis: Vozes, 2009. A Teoria dos Sistemas
Sociais, para Luhmann, é a forma mais adequada de realizar a análise da atual complexidade do mundo,
ultrapassando as formas clássicas dentro da sociologia. É uma teoria que estuda simultaneamente o sistema
social com ponto de partida no conceito de complexidade e, também, adaptando-se à multicentralidade existente,
sem impor um único ponto de partida para a observação do mundo, seja a socialização, seja a luta entre classes
ou as trocas simbólicas. Para a Teoria dos Sistemas de Luhmann, há várias divisões simultâneas e efêmeras em
funcionamento no mundo complexo e as pessoas não mais cobstituem o agente social por excelência, mas parte
do ambiente dos sistemas sociais, operando em conjunto com estes, a cada momento em que tomam parte nas
comunicações dos sistemas.
355
PARSONS, Talcott. A estrutura da ação social. Vol. II. Petrópolis, 2010. A teoria social de Parsons parte da
ideia basilar de Durkheim, isto é, a de que a educação e a socialização se equivalem. Os estudos de Parsons
acerca da teoria social podem ser classificados como funcionais-estruturalistas. Adota Parsons um viés
organicista, entendendo o sistema social como um instrumento analítico capaz de descrever a ação social. Assim,
a sociedade, para Parsons, ém um sistema estruturado sobre quatro pilares: (i) o cultural, (ii) o econômico, (iii) o
social ou o imperativo funcional e o (iv) político. Com efeito, a sociedade, enquanto sistema, adapta-se ao meio
ambiente no qual está inserida. Sobre os pilares do desenvolvimento da teoria de Parsons, Beno Sander leciona:
“a economia é a unidade funcionalmente diferenciada que satisfaz as necessidades de adaptação da sociedade. A
política é a unidade que tem por função a consecução dos objetivos em sociedade. A cultura satisfaz as
necessidades de manutenção estrutural da sociedade. Por fim, o imperativo funcional ou o social significa a
interação de todos os elementos anteriormente citados a fim de que haja a sobervivência e manutenção da vida
social”.SANDER, Beno. Consenso e conflito: perspectivas analíticas na pedagogia da administração da
educação. São Paulo: Pioneira, 1984. pp.24-25.
356
Ver, por exemplo, JAKOBS, Günther. Fundamentos do Direito Penal. Tradução de André Luis Callegari. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. pp. 138 e ss.
357
Idem., Danosidade social?... p. 93.
130
358
Idem,. Sociedad, norma y persona en una teoría de un Derecho penal funcional. Cuadernos de Doctrina y
Jurispridencia Penal, v.5., n.9. Buenos Aires: s.e., 1999. pp. 19-58.
359
JAKOBS, Günther. Danosidade social?... pp. 93 e ss.
360
JAKOBS, Günther. Danosidade social?... p. 103.
361
AMELUNG, Knut. El concepto... pp. 244-246.
362
TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto... p. 196.
131
363
MÜSSIG, Bernd. Desmaterialización del bien jurídico y de la política criminal. Sobre las perspectivas y los
fundamentos de una teoría social del bien jurídico crítica hacia el sistema. Revista Ibero-Americana de Ciências
Penais, ano 2 , n. 4. Porto Alegre: Centro de Estudos Ibero-Americanos de Ciências Penais, 2001. p. 178: “el
Derecho penal garantiza – desde la perspectiva del conjunto de la sociedad – el Derecho como estructura de la
sociedad y, com ello, la configuración fundamental de ésta.; y desde la perspectiva individual garantiza las
condiciones fundamentales de las interacciones sociales mismas: el modelo fundamental de orientación para la
configuración de los contactos sociales. Esta concepción contiene un momento preventivo sólo en la medida en
que la existecia misma de estructuras actualiza la dimensión social de la comunicación y, com ello, la del prorio
sistema social; em consecuencia de la confirmación demostrativa de las estructuras existentes remite hacia el
futuro”.
364
A legitimidade, segundo Jakobs, é caracterizada como “que seja legítimo é algo que se configura como
espírito de um tempo (e que é apreendido especulativamente pela filosofia) e ademais será apresentado como
estável enquanto espírito vinculado com a cultura jurídica transmitida e dedicado à conservação e incremento
dessa cultura. Esse espírito, que preenche e reflete a – concebida enfaticamente – realidade do presente, não pode
obviar-se se queremos que oo direito seja determinador da realidade. Se confrontarmos o espírito dos tempos
com veementes e acalorados postulados político-jurídicos, então o espírito parecerá frio, porquanto que se
encontra vinculado com o que é factível e, na qualidade de espírito de uma sociedade complexa seu conteúdo
não pode sersempre algo demasiado. Hassemer descreveu, com seu desenvolvimento bastante diferenciado da
experiência valorativo-existencial ou do acordo normativo, como o espírito dos tempos se converte em algo
subjetivo: o que pe vinculante rege-se pela comunicação, não por sujeitos”. JAKOBS, Günther. Danosidade
Social?... pp. 105-106.
365
JAKOBS, Günther. Fundamentos do Direito Penal... p.116.
366
Idem, Ibidem. pp. 112-113.
132
367
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal... p. 36.
368
ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal
Brasileiro. Segundo volume: teoria do delito, introdução histórica e metodológica, ação e tipicidade. Rio de
Janeiro: Revan, 2010. pp. 215-216. Sustentam os doutrinadores que a teoria do bem jurídico é antes de tudo uma
teoria visando à limitação do poder punitivo estatal, mesmo se tratando de uma tarefa extramenente difícil, pois:
“a decisão política criminalizante, sempre determinada por conjunturas do poder, por demandas publicitárias do
populismo penal: as emergências desnudam o uso oportunista da ultima ratio”. E prosseguem, em trecho
favorável à adoção da teoria do bem jurídico, apesar de todas as vicissitudes: “que o conceito limitativo de bem
jurídico tenha se pervertido num conceito legitimante, que faculta metodologicamente uma criminalização
ilimitada, é prova suficiente de sua incapacidade para a tarefa redutora. Quem não define para quê serve a pena
está impossibilitado de distinguir entre poder punitivo legítimo e ilegítimo, e também de indicar o poder político
até onde não se apresente poder jurídico para contê-la. Em outras palavras: o estado de polícia sempre avança até
onde o Estado de Direito consentir. Mas os equívocos do conceito legitimante de bem jurídico não nos devem
conduzir a descartar o conceito limitativo”.
369
Batista et al , cuidadosamente, expõem a diferença entre a doutrina de Jakobs e aquela típica do direito penal
nazista, posto que Jakobs não pauta sua imputação numa Gesinnung (numa disposição anterior), mas sim na
violação de um papel social.
370
ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal
Brasileiro. Segundo volume: teoria do delito, introdução histórica e metodológica, ação e tipicidade... p. 219.
371
GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio; GOMES, Luiz Flavio; BIANCHINI, Alice. Direito penal:
introdução e princípios fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p.259.
133
372
JAKOBS, Günther. Danosidade Social?... p. 93-98. Sobre as afirmações calcadas no conceito individual-
monista de bem jurídico Jakobs, parafraseado Aristóteles, afirma: “quem não possa viver em sociedade, ou – por
ser autossuficiente – não necessite dela, não pe mebro do Estado, é ou uma besta ou um Deus. A recém-esboçada
teoria monista-individual do bem jurídico não se apoio, em todo caso, na essência da sociedade, mas sim no
indivíduo, cujo desenvolvimento deve constituir abertamente o propósito final do fim do mundo”.
373
POLAINO NAVARRETE. Miguel. Protección de bienes jurídicos y confirmación de la vigência... p. 38. No
mesmo sentido, isto é, em discordância daqueles que criticam Jakobs, atribuindo a maior parte das críticas as
características de “anedoctas o malintencionadas descalificaciones” ver POLAINO NAVARRETE, Miguel. El
valor de la dogmática em Derecho Penal. Homenaje al profesor Dr. Gonzalo Rodríguez Mourullo. Madri:
Civitas, 2005. pp. 837-852.
134
374
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, 25ª Edição. São Paulo: saraiva, 2005. p.
145.
375
Cfe. BARROSO, Luis Roberto. Direito Constitucional Contemporâneo. Conceitos fundamentais e a
construção de um novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p.40.
376
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores. 26ª Ed,
2006. p. 113.
377
Quanto ao conceito de Estado Direito, José Afonso da Silva salienta que é perceptível que seu conceito
dependa da própria ideia de Direito. Por isso, a expressão Estado de Direito pode ter tantos significados e
designar tantas coisas diferentes quanto a palavra Direito. Por exemplo: havia um Estado de Direito Feudal, bem
como um Estado de Direito burguês, outro Nacional e etc. Disso derivaria, segundo o mestre do Largo de São
Francisco, a ambiguidade da expressão Estado de Direito, sem mais qualificativo que lhie implique o conteúdo
material. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo... p. 113.
135
378
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 2ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2007. p. 41.
379
Cfe. HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegra:
Sergio Antonio Fabris Editor, 1998. pp. 5-10.
380
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 16ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. pp. 102
e ss.
136
que pode ou não pode ser decidido (conteúdo das obrigações negativas e positivas
dos órgãos de poder381). Sobre o tema, José Afonso da Silva382 aduz:
381
Cfe. BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo... p. 40.
382
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo... p. 112.
383
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a
cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o
pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
384
Art. 2º da Constituição da República Portuguesa de 1976. A República Portuguesa é um estado de direito
democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no
respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de
poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia
participativa.
385
Art. 1º da Constituição Espanhola de 1978: España se constituye en um Estado social y democrático de
Derecho, que proougna como valores superiores de su ordenamiento jurídico la libertad, la justicia, la igualdad y
el pluralismo político.
386
V. DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 2ª Ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2009. pp. 55-57.
387
V. BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo. pp. 123 e 131.
137
388
Cfe. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional...p. 569: “com efeito, um novo polo jurídico de
alforria se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e
universalidade, os direitos fundamentais de terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX
enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses do indivíduo, de um grupo
determinado ou de um Estado. Tem primeiro destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de
sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já
enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos
anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao
desenvolvimento da paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade”.
389
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá- lo para as presentes e futuras gerações.§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao
Poder Público:I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das
espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as
entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da
Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a
supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos
atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a
que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;VI - promover a educação
ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII -
proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica,
provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.§ 2º - Aquele que explorar recursos
minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo
órgão público competente, na forma da lei.§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados.§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar,
o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei,
dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos
naturais.§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias,
necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua
localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
390
V. BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo... p. 41.
138
Segundo Luiz Regis Prado391, o conceito de bem jurídico deve ser inferido a
partir da Constituição, operando-se uma espécie de normativização de diretivas
político-criminais. Podem as teorias constitucionalistas serem divididas em (i) teoria
estrita e (ii) teoria geral ou ampla. No Brasil, Janaína Conceição Paschoal 392 prefere
denominá-las, respectivamente, de teoria da constituição como limite positivo ao
Direito Penal e teoria da constituição como limite negativo. O ponto em comum
dessas duas teorias, segundo Paschoal, é o fato de o legislador ordinário somente
poder utilizar a tutela penal para a proteção de bens jurídicos reconhecidos explícita
ou implicitamente pelo Texto Constitucional como relevantes ou caros a uma
determinada sociedade393.
A diferença entre as teorias reside na característica de a teoria ampla ou geral
faz referência ao texto maior de modo genérico, amplo, abrangente, isto é, fazendo
remissão à forma de Estado (Democrático de Direito) estabelecida, aos princípios
que inspiram a norma fundamental e com base nos quais se constrói o sistema
punitivo394; enquanto a teoria estrita ou negativa dos limites aduz que para a máxima
intervenção estatal no campo da tutela penal ser admissível não basta que a lei
penal não entre em conflito com a Constituição, conforme prevê a teoria adversa,
mas, sim, deverá o legislador penal, necessariamente, criminalizar condutas que
firam os valores de relevância constitucional. Trata a teoria estrita do princípio da
legalidade não só na legislação infraconstitucional, mas na própria Constituição, a
qual reflete os valores sociais395. Segundo Prado396, as teorias constitucionais
estritas são mais comuns na doutrina italiana, representada, principalmente, por
Franco Bricola397 que faz análise do Direito Penal daquele país tendo como
parâmetro o art. 13 da Carta Política Italiana398. O professor da Universidade
Estadual de Londrina arremata399:
391
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal... p. 52.
392
PASCHOAL, Janaína Conceição. Constitucionalização, Criminalização e Direito Penal Mínimo. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2003. pp. 55 e ss.
393
PASCHOAL, Janaína Conceição. Constitucionalização...p. 59.
394
Cfe. PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal... p. 52.
395
Cfe. PASCHOAL, Janaína Conceição. op. cit.,. p. 59.
396
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal... p. 54.
397
BRICOLA, Franco. Teoria generale del reato. Novissimo digesto italiano. Torino: Unione Tipográfica-
Edutrice Torinese, tomo XIX, 1957. p. 15 apud PASCHOAL, Janaína Conceição. op. cit.,... p. 61.
398
Art. 13 da Constituição Italiana: La libertà personale è inviolabile.(i) Non è ammessa forma alcuna di
detenzione, di ispezione o perquisizione personale, né qualsiasi altra restrizione della libertà personale, se non
per atto motivato dell'Autorità giudiziaria e nei soli casi e modi previsti dalla legge.(ii) In casi eccezionali di
necessità ed urgenza, indicati tassativamente dalla legge, l'autorità di Pubblica sicurezza può adottare
provvedimenti provvisori, che devono essere comunicati entro quarantotto ore all'Autorità giudiziaria e, se
139
questa non li convalida nelle successive quarantotto ore, si intendono revocati e restano privi di ogni effetto.(iii)
È punita ogni violenza fisica e morale sulle persone comunque sottoposte a restrizioni di libertà.(iv) La legge
stabilisce i limiti massimi della carcerazione preventiva.
399
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal... p. 54.
400
NUVOLLONE, Pietro. La problemática penale della costituzione. Aspetti e tendenze del diritto
costituzionalle: scritti in onore di Costantino Mortati. Milão: Giuffrè, 1957. p. 491
401
BATISTA, Nilo Batista. Introdução Crítica ao Direito Penal brasileiro. 11ª Ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
p.96.
140
402
ROXIN, Claus. Derecho Penal... p. 55.
403
Idem, Ibidem... pp. 56-57.
404
ROXIN, Claus. Derecho Penal... p. 56.
405
Idem, Ibidem. p. 58.
406406
Sobre a vedação da criminalização de condutas meramente imorais ou ideológicas Roxin busca resolver
dois problemas comumente tratados na doutrina penal: tráfico de drogas e maus tratos a animais. Nesses casos,
qual seria o fundamento da intervenção punitiva estatal? Para Roxin, “la punibilidad de la venta de drogas etc.,
se justifica por la incontralabilidad, que de lo contrario se produciría, de su difusión y de su peligro para
consumidores no responsables, sobre todo también para los jóvenes menores de edad”. Ainda quanto às drogas,
especificamente acerca do consumo pessoal de narcóticos, Roxin mostra-se desfavorável à criminalização: “ello
ya no es compatible con una concepción del Derecho penal orientada al bien jurídico y se aproxima
peligrosamente a un Derecho penal de la actitud interna”. Acerca da proteção penal conferida aos maus tratos
a animais: “um punto neurálgico lo constituye también el tipo de los malos tratos a animales (§ 17 TierSchG),
que siempre se cita como prueba de que incluso sin lesión a bienes jurídicos há de admitirse la punición. Y
efectivamente cabe preguntar cómo va a ser útil para la libertad del ciudadano o el aseguramiento del sistema
social la ‘protección de la vida y bienestar del animal’, a la que quiere servir la TierSchG según sus própias
manifestaciones. No obstante, hay que considerar admisible la punición de los malos tratos a los animales. Pero
ello no significa que en este caso se proteja una mera concepción moral, sino que hay que partir de la base que
el legislador, em una espécie de solidariedad entre las criaturas, también considera a los animales superiores
como nuestros semejantes, como ‘hermanos distintos’, y los protege como tales. Según esto, en la protección de
la convivencia humana se incluye también, aunque con diferente atenuación, junto a la vida humana em
formación la vida de los animales superiores. Su sentimiento de dolor se equipara hasta um cierto grau al del
hombre. El § 90 a BGB responde a dicha concepción”. Idem, Ibidem... p. 59.
141
407
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte Geral... p. 27.
408
MIR PUIG, Santiago. Direito Penal: Fundamentos e Teoria do Delito. Tradução Cláudia Vianna Garcia e José
Carlos Porciúncula Neto. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007... p. 38.
409
ROXIN, Claus. Derecho Penal... p. 55-60.
142
410 411
inadmisibiles ”. Para Roxin , não se poderá exigir respeito às leis por
parte de um cidadão se a incriminação da conduta mostrar-se inútil à
manutenção dos direitos individuais ou, também, incapaz for a incriminação
de assegurar a capacidade funcional de um sistema no qual está incluído.
413
(iii) Proibição de incriminação de condutas internas : ideias, desejos,
convicções, aspirações e sentimentos não podem constituir fundamento do
tipo penal414. O projeto mental do cometimento de um crime não será
punível. A priori, em qualquer hipótese, segundo Roxin415, será necessária à
conduta interna sua associação à realização externa416.
410
Idem, Ibidem. p. 56.
411
Idem, Ibidem.
412
Idem, Ibidem... p.57. Contrário à posição de Roxin acerca da vedação da utilização de bens jurídico-penais a
situações imorais, Mir Puig aduz: “es excesivamente incocreta. En realidad sirve sólo para excluir la
punibilidad de los hechos exclusivamente imorales, y aun en este ámbito lo difícil será en muchos casos decidir
si el hecho atenta o no únicamente en la Moral... En cuanto a la consecuencia que pretende extraer Roxin de su
concepción, de que no cabe penalizar al puro ilícito administrativo, no se desprende de la limitación del ius
puniendi a la protección de bienes jurídicos, sino del carácter subsidiário del Derecho penal... La formulación
peca, por lo demás de excesivo naturalismo que substituye a un verdadero desarrollo social del bien jurídico”.
Cfe. MIR PUIG, Santiago. Introducción a las bases del derecho penal... p. 132.
413
Cfe. HASSEMER, Windfried. Bienes jurídicos em derecho penal.Estudios sobre la Justicia Penal. Homenaje
al Profesor Julio B. Maier. Buenos Aires: Editorial del Puerto, 2005. p 63.
414
V. BATISTA, Nilo. Introdução crítica ... p. 92.
415
ROXIN, Claus. Derecho Penal.,... p. 56.
416
O próprio Claus Roxin relativiza esse mandamento em Conferência ministrada no Peru e na Colômbia no ano
de 2004. Trancrições das palestras encontram-se anexas à obra coletiva Teoria del Bien Jurídico organizada por
Roland Hefendehl...: “El principio de protección de bienes jurídicos no puede ser considerado el único criterio
para legitimación de los tipos penales. En la doctrina jurídico-penal alemana se discute intensamente sobre la
justificación democrática de la tendencia de nuestro legislador a adelantar la intervención penal a estádios
previos a la lesión del bien jurídico. Así, por ejemplo, la conducción bajo los efectos del alcohol se pune incluso
cuando no ha ocurrido nada, y la punición por estafa consumada de seguro tiene lugar cuando uno hace
desaparecer su propriedad para luego declararla como robada ante el seguro. En tales casos, muy numerosos
en la legislación más reciente, el principio de la protección de bienes jurídicos sólo és útil em forma modificada.
Sin duda: los preceptos que he puesto como ejemplo sirven a la protección de bienes jurídicos; el primero de
ellos a la de la integridad física, la vida y los valores patrimoniales en el tráfico rodado, el segundo, a la del
patrimonio de las empresas de seguro. El problema de estos preceptos es que la conduta incriminada aún se
sitúa muy lejos de la auténtica lesión de bienes jurídicos. Del concepto de protección de bienes jurídicos sólo se
sigue que en los supuestos de antelación considerable de la punibilidad se precisa una justificación especial de
por qué ésta es necesaria para la protección efectiva de un bien jurídico”. ROXIN, Claus. ¿ És la protección de
bienes jurídicos una finalidad del Derecho penal? In Teoria del Bien Jurídico... p. 454.
143
Além de Roxin, outro autor de destaque que sustenta ser Constituição limite e
fundamento à criação de tipos penais visando à proteção a bens jurídicos é Hans-
Joachim Rudolphi. Segundo Rudolphi417, ao Direito Penal amparado na Constituição
cumpre a função de proteger de possíveis ataques a normal convivência dos
indivíduos na sociedade, evitando, desta forma, a ocorrência de comportamentos
socialmente danosos.
417
RUDOLPHI, Hans-Joachim. El fin del Derecho Penal del Estado y las formas de imputación jurídico-penal.
In: SCHÜNEMANN, Bernd. El sistema moderno del derecho penal. Cuestiones fundamentales. Montevidéu:
Editorial B de F, 2012. p. 91.
418
Idem. Die verschiedenen Aspekte des Rechtsgutsbegriffs. In Festschrift für Richard M. Honig. Göttingen
[Alemanha]: Verlag, 1970. apud PRADO, Luis Regis. Bem jurídico-penal... p. 54.
419
RUDOLPHI, Hans-Joachim. Systematischer Kommentar zun StGB. apud CUELLO CONTRERAS, Joaquín.
Presupuesto para una teoría del bien jurídico protegido em Derecho penal. Anuario de Derecho Penal y Ciencias
Penales. Disponível em <www.cienciaspenales.net/portal/page/portal/IDP/ANUARIO_LISTA/1980-1989>.
Acesso em 17/05/2013.
144
420
WOHLERS, Wolfgang. Las jornadas desde la perspectiva de un escéptico del bien jurídico. In
HEFENDEHL, Roland (org.). La Teoría del Bien Jurídico.¿ Fundamento de legitimación de Derecho Penal o
juego de abalarios dogmático? Tradução Rafael Alcácer, Maria Martín e Iñigo Ortiz de Ubina. Madri: Marcial
Pons, Ediciones Jurídicas e Sociales S.A., 2007. p. 404.
421
Idem, Ibidem.
422
Idem, Ibidem. pp. 404-405. Apesar de tecer críticas ao chamado parâmetro externo (o Direito Constitucional),
Wolfgang Wohlers não dispensa a importância do conceito de bem jurídico para a dogmática moderna, conforme
se vê em trecho a seguir colacionado: “ahora bien: que la dogmática de bien jurídico por si sola no pueda
posibilitar ninguna decisión sobre la legitimad de las normas penales no significa ni que la teoría del bien
jurídico deba ser rechazada en su conjunto ni que pueda ser dada de baja. El bien jurídico es ese algo
protegido, y se mantiene como el punto de partida para la comprobación de la legitimidad de las normas
penales. En este desarrollo es importante a continuación, uma vez más, precisar el concepto de bien jurídico,
también em cuanto el contenido, lo que quiere decir, sobre todo, manternelo más concreto posible”. Em sentido
oposto à posição de Wohler ver, na mesma obra, texto de Roland Hefendehl intitulado De largo Aliento: el
concepto de bien jurídico.
145
The object of the Essay is to assert one very simple principle, as entitled to
govern absolutely the dealings of society with the individual in the way of
compulsion and control, whether the means used be physical force in the
form of legal penalties, or the moral coercion of public opinion. The principle
is the sole end for which mankind are warranted, individually or collectively,
in interfering with the liberty of action of any of their number, is self-
protection… The only purpose for which power can be rightfully exercised
over any member of a civilised community, against his will, is to prevent
harm to others. His own good, either physical or moral is not a sufficient
warrant. He cannot rightfully be compelled to do or forbear because it will be
better for him to do so, because it will make him happier, because, in the
opinion of others, to do so would be wise, or even right. These are good
reasons for remonstrating with him, or reasoning with him, or persuading
423
COSTA, Helena Regina Lobo da. Considerações sobre o atual estado da teoria do bem jurídico à luz do harm
principle.In: GRECO, Leonardo; MARTINS, Antonio. Direito Penal como crítica da pena. Estudos em
homenagem a Juarez Tavares por seu 70º Aniversário em 2 de setembro de 2012.São Paulo: Marcial Pons, 2012.
p. 133
424
MILL, John Stuart. On Liberty. Filadélfia: The Pennsylvania State University, 1998.
425
Idem, Ibidem. pp. 66 e ss.
146
him, or entreating him, but not for compelling him, or visiting him with any
evil in case he do otherwise. To justify that, the conduct from which it is
desired to deter him, must be calculated to produce evil to someone else.
The only part of the conduct of any one for which he is amenable to society,
is that which concerns others. In the part which merely concerns himself, his
independence is, of right, absolute. Over himself, over his own body and
mind, the individual is sovereign426.
To the first of these modes of limitation, the rulling power, in most European
countries, was compelled, more or less, to submit. It was not so with the
second; and to attain this, or when already in some degree possessed, to
attain it more completely, became everywhere the principal object of lovers
of liberty. And so long mankind were content to combat one enemy by
another, and to be ruled by a master, on condition of being guaranteed more
or less efficaciously against his tirany, they did not carry their aspirations
beyond this point.
426
MILL, John Stuart. On Liberty…pp. 12-13.
427
Idem, Ibidem. p. 4
428
COSTA, Helena Regina Lobo da. Considerações sobre o atual estado da teoria do bem jurídico à luz do harm
principle... p. 140.
429
BAKER, Dennis. Constitutionalizing harm principle. Criminal Justice Ethics Review, v.27, nº2, [S.I., s.n],
pp. 3-28. Disponível em www.quaestia.com /library. Acesso em 17/05/2013.
147
Texas julgado pela Suprema Corte Estadunidense no ano de 2003 como um caso
claro de adoção do harm principle 430.
Adentrar o Estado à esfera da liberdade individual privada do cidadão
prejudicaria o ideal de não intervenção baseado no harm principle de Mill. A exceção
configurar-se-ia nos casos em que ocorre ou está prester a acontecer a violação ao
direito fundamental de outrem. Baker analisa o caso Lawrence vs. Texas da seguinte
forma431:
In Lawrence v. Texas the U.S. Supreme Court also made moral and
evaluative judgments when it interpreted the due process right as protecting
atypical sex practices in private between consenting adult partners.
In that case, the majority overruled Bowers v. Hardwick and held that: “it is
a promise of the constitution that there is a realm of personal liberty, which
the government may not enter.” The majority opined that the intimate adult
consensual conduct at issue (homosexual relations) was covered by that
liberty. the majority did not interpret the liberty interest involved as a
fundamental liberty. What it did was apply a standard that falls somewhere
between the strict scrutiny and the rational basis review standards.
In the U.S., a law that punishes a person who exercises his or her
fundamental liberties is upheld only where it can be shown that it is narrowly
tailored to achieve its policy goal (that is, narrowly tailored to achieve a
compelling government purpose). Under the rationally related test, a
challenged law will be upheld if it is substantially related to a legitimate
government purpose. “the legitimate government purpose need not be
the actual objective of the legislation—only its conceivable objective.
Since only those laws that lack a conceivable legitimate purpose will fail
this test, courts almost never fnd a law to be unconstitutional when non-
fundamental liberties are burdened.” Importantly, non-objective accounts of
harm have been enough to satisfy this requirement.
In Lawrence v. Texas the majority stated that: “the Texas statute
furthers no legitimate state interest which can justify its intrusion into the
personal and private life of the individual.” It also applied a rational basis test
(legitimate governmental interest test) with the traditional fundamental
privacy right in mind, but it did not apply a strict scrutiny test (compelling
state interest test).It held that the petitioners’ threshold liberty interest could
be overridden only if the legislature could show that it would further a
legitimate state interest. Lawrence was a case where the court rightly
interpreted (through a moral reading) that the activities involved fell within
the moral purview of the privacy right, and where the court’s moral reading
also found that the state could not demonstrate that it has a substantial
interest in having the exercise of that right overridden. the signifcance of the
430
Breve resumo do caso: John Gedes Lawrence e Tyron Garner foram flagrados pela polícia dentro de casa
fazendo sexo oral após ter sido a polícia alertada por vizinhos sobre um possível desentendimento com armas.
De acordo com a seção 21.06, item C, do Código Penal do Texas a prática de qualquer ato envolvendo um
desvio do curso natural do ato sexual configuraria crime, desde que realizado por pessoas do mesmo sexo.
Especificamente, o desvio do curso normal do ato sexual seria, consoante o diploma repressivo daquele estado:
“any contact between any part of the genitals of one person and the mouth or anus of another person; or . . . the
penetration of the genitals or the anus of another person with an object”. No fim, a Suprema Corte Americana
reconheceu a inconstitucionalidade do referido artigo, pois violaria uma série de comandos constitucionais,
dentre eles a igualdade de proteção, a liberdade de orientação sexual e a proteção da privacidade, tudo isso, à luz
de um sobreprincípio do direito anglo-saxão: o harm principle, eis que não houve qualquer ofensa à liberdade de
outros indivíduos com a prática do mencionado ato sexual dentro do domicílio dos apelantes. Um resumo
completo do caso pode ser encontrado em <www.law.umkc.edu/faculty/projects/ftrials/conlaw/lawrence.html>
431
BAKER, Dennis. op. cit., p. 26.
148
432
COSTA, Helena Regina Lobo da. Considerações sobre o estado atual da teoria do bem jurídico à luz do harm
principle... p.140.
433
Vale mencionar exemplo polêmico Delvin em sua obra Enforcement of Morals (1959): “we should ask
ourselves in the first instance whether, looking ato t calmly and dispassionaly, we regard it as a vice so
abominable that its mere presence is an offense. If that is the genuine feeling of the society in which we live, I do
not see how society can be denied the right to eradicate it” apud. DWORKIN, Ronald. Lord Delvin and
Enforcement Laws. The Yale Law Journal, maio, 75 v. 1966. pp. 986-1005. No entanto, segundo Delvin, as
práticas sexuais entre adultos de forma privada nao deveriam ser consideradas criminosas se realizadas em
ambiente privado. Na definição de Delvin, comportamentos homossexuais em público poderiam gerar a
exposição e a corrupção de outros cidadãos. Por isso, a fim de se proteger a decência, as condutas homossexuais,
desde que ostensivas, deveriam ser proibidas na Inglaterra. A posição de Delvin passou longe da imunidade a
críticas. Juristas americanos, principalemente, Hart e Dworkin criticaram a posição de Delvin.
149
434
Idem, Ibidem.p. 989.
435
FEINBERG, Joel. The Moral Limits of Criminal Law. Volume 1. Nova York: Oxford University Press, 1984.
436
COSTA, Helena Regina Lobo da. Considerações sobre a atual teoria do bem jurídico à luz do harm
principle... p. 141.
437
Idem, Ibidem.
150
438
WOHLERS, Wolfgang. citado por BUNZEL, Michael. SCHIMIDT, Juana. STOLLE, Peer. Teoría del bien
jurídico y harm principle. In HEFENDEHL, Roland (org.). La teoría del bien jurídico... p. 424.
151
439
BUSTOS RAMIREZ, Juan. Los bienes jurídicos colectivos. Repercusiones de la labor legislativa de Jimenez
de Asúa en el Código Penal de 1932. Revista de la Faculdad de Derecho Universidad Complutense. Madri:
Universidade Complutense, 1986. pp.152-153.
440
Idem, ibidem. p.161.
441
TIEDEMANN, Klaus. Manual de Derecho Penal Económico – Parte general y especial. Valencia: Tirant lo
Blanch, 2010. p.42.
442
Idem, Ibidem. pp.251 e ss.
152
443
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte Geral... pp. 133 e ss.
153
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas
poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste
código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares
pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste
código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo,
categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por
uma relação jurídica base.
La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad anunciou o fim de uma
sociedade industrial em que os riscos para a existência individual ou comunitária
154
444
Sobre a incapacidade do modelo calcado no Direito Penal tradicional ou liberal para enfrentamento
apropriado dos novos modos de ameaça originada pela sociedade de risco, Dino Carlos Caro Coria defende a
adoção da categoria de bens jurídicos coletivos, admitindo-os como uma categoria autônoma da ciência penal, tal
qual feita por Corcoy Bidasolo. Para Caro Coria, “ciertamiente, el modelo penal liberal, en orden a privilegiar la
esfera de la libertad, fur articulado, principalmente, como instrumento de protección de los llamados bienes
jurídicos individuales, para lo cual cimentó una dogmática funcional a dicha tutela y obediente de los princípios
de la legalidad, lesividad y causalidad. De esto modo, el DP clásico de protección de bienes jurídicos, se
concentra en uma relación individualizable entre autor y vítima, pues sus critérios de atribuición, que
actualmente proporcionan seguridad jurídica, se han desarrollado sobre tal fundamento y para esa función. En tal
orden la inidoneidad de los tradicionales intrumentos y categorias jurídicas, obedece a que se sustentan en la
ignorancia de datos fundamentales sobre esos nuevos riscos que se desea controlar. CARO CORIA, Dino Carlos.
Sociedad del riesgo, bienes jurídicos colectivos y reglas concursales para la determinación de la pena en los
delitos de peligro con verificación de resultado lesivo. Revista Peruana de Ciencias Penales, ano V, nº9. Lima:
Cultural Cuzco, 1992.
445
V. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte Geral... p. 134.
446
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo...pp.85-88.
447
DIAS, Jorge de Figueiredo. op. cit., ... p.135.
448
DIAS, Jorge de Figueiredo. op. cit,... p 140.
155
449
Em algumas passagens de sua obra Direito Penal – Parte Geral Figueiredo Dias apresenta uma teoria
complementar e mais radical à teoria do bem jurídico coletivo: Lebenszusammenhänge als soche (relações ou
contextos de vida enquanto tais). Amparado em Stratenwerth Figueiredo Dias sustenta que em certos casos a
tutela dos grandes riscos e das gerações futuras pode passar pela assunção de um direito penal do
comportamento.em que são penalizadas e punidas as puras relações da vida como tais. Significa dizer que servirá
a Lebenszusammenhänge als soche à punição de certas espécies de comportamentos em nome da tutela dos bens
jurídicos coletivos e só nesta medida se encontra legitimada. Segundo Dias, “desta maneira se manterá a
fidelidade possível ao paradigma jurídico-penal iluminista que nos acompanha e se espera possa continuar a ser
fonte de desenvolvimento e do progresso; e possa continuar a ser fonte de desenvolvimento e de progresso; e
possa continuar assim a assumir seu papel insubstituível na contenção dos mega-riscos da sociedade pós-
industrial e na função tutelar dos interesses também das gerações futuras”. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito
Penal. Parte Geral... p. 154. Em sentido similar às propostas de Figueiredo Dias, Mirentxu Corcoy Bidasolo
também manifesta preocupação com assegurar futuro às novas gerações. Segundo a professora espanhola, a nova
dogmática penal deve seguir a direção assinalada pelos bens jurídicos coletivos sem que isso implique o
menosprezo de princípios garantistas. Para Corcou Bidasolo, “los bienes jurídicos supraindividuales son
autônomos pero ello no excluye que, em cuanto intereses predominantes en la sociedade, sólo podrán ser
calificados como tales y, en consecuencia legitimada la intervención penal para su protección, aquéllos que
sirvan al mehor desarrollo personal de cada uno de los indivíduos que la conforman”. CORCOY BIDASOLO,
Mirentxu. Limites objetivos y subjetivos a la intervención penal en el control de riesgos. In: MIR PUIG,
Santiago; CORCOY BIDASOLO, Mirentxu (orgs.). La política criminal em Europa. Madrid: Atelier penal, [s.n].
p. 30.
450
FERNANDES, Paulo Silva. Globalização, Sociedade de Risco e o futuro do Direito Penal. Panorâmica de
alguns problemas comuns. Coimbra: Almedina, 2001. p. 74.
156
451
ROXIN, Claus. Derecho penal... pp. 60-63.
452
Cfe. GRACIA MARTÍN, Luis. Prolegômenos... p.49.
453
CORCOY BIDASOLO, Mirentxu. Límites objetivos e subjetivo... p.38.
157
454
MENDOZA BUERGO, Blanca. Gestión del Riesgo y Política Criminal de Seguridad en la Sociedad del
Riesgo. In: AGRA, Candido; DOMINGUEZ, José Luis; GARCÍA AMADO, Juan (ed.). La seguridad en la
sociedad del riesgo. Un debate abierto.Barcelona: Atelier, 2003. pp. 67-89.
455
DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. La Política Criminal en la encrucijada. apud CALLEGARI, André Luís;
COLET, Charlise Paula; WERMUTH, Maiquel Ângelo; ANDRADE, Roberta Lofrano. Direito Penal e
Globalização. Sociedade de Risco, imigração irregular e justiça restaurativa. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2011. p. 23.
456
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte Geral...p.150.
457
SEHER, Gerhard. La legitimación de normas penales basada en principios y el concepto de bien jurídico. In:
HEFENDEHL, Roland (org.). La teoría del bien jurídico. ¿Fundamento de legitimación del Derecho penal o
juego de abalorios dogmático? Madri: Marcial Pons, 2007. pp. 69-70.
458
Idem, Ibidem.
158
No mesmo sentido, Gracia Martín460 denomina este novo direito penal ligado
à proteção destinada a bens jurídicos transindividuais de direito penal moderno.
Para o autor espanhol, este novo Direito seria próprio do atual momento vivenciado
pela sociedade de risco. O controle e a prevenção dos riscos (de grandes
dimensões e sujeitos indeterminados) são considerados como tarefas que devem
ser assumidas pelo Estado, e para a realização de tais objetivos o legislador recorre
ao tipo penal de perigo abstrato como instrumento técnico adequado por excelência.
Silva Sánchez461, do mesmo modo que os autores anteriormente citados,
alerta para a necessidade de proteção desses novos bens jurídicos transindividuais:
459
Idem, Ibidem. p.71.
460
GRACIA MARTÍN, Luis. Prolegômenos... p.49.
461
SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria. A Expansão... p. 113.
159
462
MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade de Risco e Direito Pena. São Paulo: IBCCRIM, 2005. pp.
102-103.
463
HASSEMER, Windfried. Segurança Pública no Estado de Direito. Revista Brasileira de Ciências Criminais,
São Paulo, nº 5, 1994. pp. 55-69.
464
Idem,. Bienes jurídicos en el Derecho penal... p.63.
160
465
Idem, Derecho penal simbólico y protección de bienes jurídicos. Pena y Estado, Revista
hispanolatinoamericana, n. 1., 1991... p.25.
466
HASSEMER, Windfried. Derecho penal simbólico y protección de bienes jurídicos... p. 26.
467
HASSEMER, Windfried. Punir no Estado de Direito. In: GRECO, Luis; MARTINS, Antonio. Direito Penal
como crítica da pena. Estudos em homenagem a Juarez Tavares por seu 70º aniversário em 2 de setembro de
2012. São Paulo: Marcial Pons, 2012. p.340.
161
468
Cfe. MENDOZA BUERGO, Blanca. Gestión del riesgo y política criminal... p. 69-70.
469
CALLEGARI, André Luis; MOTTA, Cristina Reinholf. Estado e Política Criminal: a expansão do Direito
Penal como forma simbólica de controle social. In: Política Criminal, Estado e Democracia... p. 13
470
HASSEMER, Windfried. Persona, mundo e responsabilid. Bases para una teoría de la imputación en Derecho
penal. Madri: Tirant lo Blanch, 1999. p. 47.
471
Cfe. HASSEMER, Windfired. Derecho penal simbólico y protección de bienes jurídicos... p. 33. Segundo
este doutrinador, os bens jurídicos transindividuais ou, como prefere, universais tratam-se, na realidade, de uma
antecipação da lesão aos bens jurídicos, no sentido de assegurar somente o bem-estar dos homens puramente em
um sentido somático e não preocupados em resguardar a vida ou a saúde das pessoas, preocupa-se mais essa
nova categoria a proteger a saúde pública, o funcionamento do mercado, a função empresarial, etc.
472
CALLEGARI, André Luis; COLET, Charlise Paula; WERMUTH, Maiquel Ângelo; ANDRADE, Roberta
Lofrano. Direito Penal e Globalização... p. 27.
162
473
MOCCIA, Sergio. Emergência e defesa de direitos fundamentais, n.25. Revista Brasileira de Ciências
Criminais. São Paulo, n. 25, 1999.
474
Idem. Ibidem.
163
475
Cfe. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Supra-Individual... p. 68.
476
CORCOY BIDASOLO, MIrentxu. La Política Criminal em Europa... p. 30.
477
FERNANDES, Paulo Silva. Globalização, Sociedade de Risco e Direito Penal... p. 76.
164
penais condutas tão gravosas que põem em risco a vida humana no planeta, o
resultado a ser alcançado pelo direito penal será contrário à proteção da dignidade e
da solidariedade entre os habitantes e, também, para os futuros habitantes do
planeta478.
No entanto, cabe destacar que o próprio Hassemer parece ter mitigado sua
posição monista-pessoal extremada quando assume que o conceito de bem jurídico-
penal não pode ficar imóvel diante da “roda da história” e distante da realidade social
que acabam por influir em instrumentos de proteção modificados 479. Expõe o
mencionado doutrinador:
478
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte Geral... pp. 146-147.
479
HASSEMER, Windfried. Bienes Jurídicos y Derecho penal... p. 66.
480
Sobre o tema, Corcoy Bidasolo sustenta que Hassemer admite que não poderá o Direito Penal moderno
prescindir da categoria dos bens jurúdicos universais, entretanto deverá funcionalizá-lo tendo como parâmetro a
proteção de um bem jurídico individual, além de descrever as condutas previstas no tipo penal de forma mais
precisa possível. A catedrática de Barcelona entende que a referência anterior a interesses individuais não deve
prosperar, pois os bens jurídicos coletivos são autônomos, somente podende ser qualificados enquanto categoria
própria, uma vez que em alguns casos a retrorreferência a um bem jurídico individual é meramente uma questão
retórica, não podendo ser comprovada na prática. Evidentemente, a adoção de bens jurídicos coletivos não
significará a derrocada dos princípios garantistas e de preservação da dignidade humana. CORCOY
BIDASOLO, Mirentxu. La Política Criminal en Europa... p. 28.
165
Silva Sánchez antevendo que seria muito difícil impedir a expansão do direito
penal, e, também, ilógico seria manter a teoria do delito atrelada a idênticas
exigências dogmáticas do passado482. Renuncia, portanto, Silva Sánchez à teoria do
delito como uma elaboração geral e uniforme do ilícito penal, visto que a
manutenção do antigo paradigma significaria um retrocesso ao sistema de garantias
fundamentais. Assim expõe Silva Sãnchez483 acerca da modernização do direito
penal:
481
Vale ressaltar que Silva Sánchez já admite a existência de um Direito Penal da terceira velocidade, isto é, jus
puniendi apto a incidir na tentativa da manutenção dos fundamentos últimos da sociedade constoituída na forma
de Estado. Silva Sánchez cita como exemplos os delitos patrimoniais profissionais, os delitos sexuais violentos
ou reiterados, os fenômenos da criminalidade organizada e o terrorismo. Para o autor espanhol: “sem negar que a
terceira velocidade de Direito Penal descreve um âmbito que se deva aspirar a reduzir a mínima expressão, aqui
se acolherá com reservas a opinião de que a existência de um espaço de Direito Penal de privação de liberdade
com regras de imputação e processuais menos estritas que as do Direito Penal de primeira velocidade, com
certeza, é, em alguns âmbitos excepcionais e por tempo limitado, inevitável.” SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María.
A Expansão... pp. 148-154.
482
Idem, Ibidem... p.84
483
Idem, Ibidem. p.85.
166
484
FERNANDES, Paulo Silva. Globalização, Sociedade de Risco e o Futuro do Direito Penal... p. 140.
485
Cfe. GRACIA MARTIN, Luis. Prolegômenos... p. 109.
486
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte Geral... p. 141.
487
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A Expansão... p.146.
488
Idem, Ibidem. p.147.
167
489
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte Geral... p.148.
490
GRACIA MARTÍN, Luis. Prolegômenos... p.110.
491
ROXIN, Claus. Derecho Penal.. p.62.
168
492
Cfe. FERNANDES, Paulo Silva. Direito Penal, Sociedade de Risco e Globalização... p.81.
493
STRATENWERTH, Günter. La Criminalización en los delitos contra bienes jurídicos colectivos. In:
HEFENDEHL, Roland. La teoría del bien jurídico. ¿ Fundamento de legitimación del Derecho penal o juego de
abalorios dogmáticos? Madri: Marcial Pons, 2007. p. 368.
494
Cfe. ROXIN, Claus. Derecho Penal... p.64
495
STRATENWERTH, Günter. op. cit.,... p. 370.
496
STRATENWERTH, Günter. La Criminalización en los delitos contra bienes jurídicos colectivos... pp. 366-
367.
169
Éste era el estímulo para alcanzar nuestra meta de entender lo que había sucedido
en el pasado, el estímulo para el propio estudio, el estímulo para nuestro
compromiso com las polémicas políticas y periodísticas de la época, desde la lucha
contra el rearme de Alemania hasta la caída de un neonazi que había sido
nombrado ministro de cultura por el FDP de la baja Sajonia. Con esto quiero decir
que, respecto de la forma de Estado que progresivamente renasció, no nos
interesaba, o por lo menos no en primeira línea, el marco de las condiciones de
nuestra libertad personal. Más importante era la consecución de una comunidad que
se correspondiera en la medida de lo posible con nuestras convicciones sobre cómo
deberían convivir de aqui en adelante los seres humanos de nuestra procedencia, y
con las tareas con las que deberían comprometerse también como grupo. Una
comunidad con la cual pudieramos identificarnos en nuestra existencia social.
497
Sabe-se que a Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/05) não Abordou apenas do patrimônio genético humano.
Dissertou, ainda, acerca da pesquisa, comercialização, liberação no meio ambiente e o consumo de Organismos
Geneticamente Modificados (OGM), isto é, de outras entidades biológicas além do ser humano (art. 3º). No
entanto, a fim de se querer restringir o âmbito da pesquisa e, também, por considerar a discussão acerca do
patrimônio genético humano mais atraente à luz do embate entre concepções monista-pessoal e dualistas de bem
jurídico escolhe-se tratar somente da parte da Lei 11.105/05 que faz referência á engenharia genética humana.
498
MINAHIM, Maria Auxiliadora. Direito Penal e Biotecnologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.
113.
499
CASTRO FILHO, Sebastião de Oliveira. Liberdade de investigação e responsabilidade ética, jurídica e
bioética. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro (org.). Biodireito: ciência da vida, os novos desafios, 2001. p.
354.
500
SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. Bem jurídico-penal e Engenharia Genética Humana... pp. 175.
170
O mundo jurídico, que é o que nos interessa, viu-se, de uma hora para
outra, solicitado, tanto pelos pesquisadores como pelos profissionais, que o
invocavam como meio de garantir mais segurança e maior legalidade à
audácia das novas práticas, evitando as eventuais demandas diante dos
tribunais.
Ora, o desenvolvimento ilimitado das ciências biomédicas provocou reações
em cadeia para as quais o homem não estava preparado, nem material nem
espiritualmente falando.
O exemplo mais veemente do que se está afirmando pe é a inseminação
artificial humana, enquanto restrita ao campo médico, não gera maiores
questionamentos. Quando, porém, transposta ao mundo jurídico provoca
uma infinidade de dúvidas, ainda não resolvidas (ao menos quanto à
imunidade desejada).
(...)
A partir da década de 1970, o que se constatou foi exatamente isso: o
descompasso, senão a inadequação, quando não, a ausência de normas
capazes de responder suficientemente às necessidades e indagações
humanas.
José Afonso da Silva ao realizar uma leitura do art. 225, II, da Constituição
brasileira aduz que a intenção do legislador constituinte originário foi preservar a
diversidade biológica, em qualquer espécie, incluindo, portanto, a humana. Essa
manutenção da variabilidade genética, segundo o mestre paulista, é
simultaneamente um seguro e um investimento visando à manutenção das opções
501
PIVETTA, Marcos.Células-tronco. A Lei de Biossegurança vai impulsionar a pesquisa nacional. Revista
FAPESP.São Paulo, abril. 2005. p. 30.
502
SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. Bem jurídico-penal e Engenharia Genética Humana... pp. 176.
503
LEITE, Eduardo de Oliveira. O Direito, a Ciência e as Leis Bioéticas. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro
(org.). Biodireito: ciência da vida, os novos desafios, 2001. pp. 103-104.
171
504
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
p. 840.
505
SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. op. cit.,... pp. 325.
506
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 5ª Ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2010. pp. 123-124.
507
Idem, Ibidem. p. 124.
508
A exposição de motivos da Lei n. 11.105/05 determina que esse diploma legislativo tem como finalidade a
regulamentação dos incisos II, IV e V do art. 225 da CF, estabelecer mecanismos de fiscalização de situações
que envolvam Organismos Geneticamente Modificados e criar o Conselho Nacional de Biossegurança.
509
SILVA, José Afonso da. Comentários... pp.840-841.
510
Sobre transgênicos consultar LAJOLO, Franco Maria; NUTTI, Marília Regini. Transgênicos: bases
científicas de sua segurança. São Paulo: SBAN, 2003.
172
Art. 24. Utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o art. 5o
desta Lei:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
511
SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. Bem jurídico-penal e Engenharia Genética Humana... p. 176
512
O primeiro caso analisado na jurisprudência mundial a respeito da legitimidade ou não de procedimentos
eugênicos ocorreu no ano 1927 (caso Buck v. Bell). Considerou a Suprema Corte dos Estados Unidos da
América constitucionais as leis de trinta estados da federação que estabeleciam esterilização compulsória para
mulheres mentalmente retardadas. Essa obrigatoriedade vigorou até a década de 1970. O argumento da Suprema
Corte Americana era que a esterilização compulsória destinava-se à proteção e à segurança do Estado. KEVLES,
Daniel. In the Name of Eugenics. Genetics and the Uses of Human Heredity. Nova York: Knopf, 1985.
513
MINAHIM, Maria Auxiliadora. Direito Penal e Biotecnologia... p. 130.
173
514
MINAHIM, Maria Auxiliadora. Direito Penal e Biotecnologia... p. 131.
515
SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. op. cit.,... p. 187. Para Souza, a eugenia negativa tem como objetivo
apenas evitar ou prevenir a extensão de patologias genéticas e é perfeitamente admissível no Direito. Ao
contrário, a eugenia positiva intenta o melhoramento da espécie humana pelo aperfeiçoamento de seus caracteres
genéticos, significa dizer, é melhorar a espécie a fim de se conseguir chegar á raça perfeita. Neste ponto reside o
perigo.
516
PIVETTA, Marcos.Células-tronco. A Lei de Biossegurança vai impulsionar a pesquisa nacional...p.33.
174
517
SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. Bem jurídico-penal e Engenharia Genética Humana... p. 333.
518
Recomendação 934 do Conselho da Europa (1982). Esta recomendação aduz que os direitos à vida e à
dignidade humana incluíam o direito a herdar o patrimônio genético inalterado. Fonte: Conselho Nacional de
Ética para as Ciências da Vida de Portgual (Ministério da Saúde). Parecer sobre a proteção jurídica das
invenções biotecnológicas, ano de 1993. Disponível em <www.cnecv.pt>. Acesso em 20/05/2013.
Dois anos após a edição da Recomendação 934, no ano de 1984, o Conselho da Europa editou a Recomendação
16 que estabelece disposições específicas sobre o uso da tecnologia do ADN recombinante em seres humanos,
inclusive definindo-o como a formação de um novo material genético que não existia de maneira natural no
organismo original.
519
Lei de Proteção a Embriões (Embryonenschutzgesetz) de dezembro de 1990.
520
Leis 94-653/1994 e 94-654/1994.
521
Lei 56 de 1994.
522
Lei 115/91.
523
Lei Orgânica 10 , de 23 de novembro de 1995.
524
Sobre o genoma humano, ver DIEDRICH, Gislayne Fátima. Genoma Humano: Direito Internacional e
Legislação brasileira In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro (org.). Biodireito: ciência da vida, os novos desafios,
2001. pp. 224-225. Segundo a autora: genoma humano é o conjunto de estruturas gênicas contendo o projeto de
construção e funcionamento de todo o corpo humano. O genoma é composto por 46 filamentos enrolados em
pacotes, os cromossomos, que, por sua vez, são constituídos por uma macromolécula chamada ácido
desoxirribonucléico.
175
525
Cfe. SOUZA, Paulo Vinicius Spordeler de. A criminalidade genética. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
p. 81.
526
Comunidade Europeia. Resolução 1.100/1989. Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. Disponível
em <www.biblio.unam.mx/libros/5/2290/30.pdf>. Acesso em 20/05/2013.
527
ANDRADE, Manuel da Costa. Direito Penal e modernas técnicas biomédicas. As conclusões do XIV
Congresso Internacional de Direito Penal. Lisboa, Revista de Direito e Economia. Ano 15, 1989, pp. 376 e 378.
528
MANTOVANI, Ferrando. Diritto Penale e tecniche bio-mediche moderne. apud SOUZA, Paulo Vinícius
Sporleder de. Bem jurídico-penal e Engenharia Genética Humana... p 351.
176
humano que está sendo alterado, mas, sim, toda a sociedade 529. Ainda sobre a
transindividualidade do bem jurídico identidade humana Souza aduz: “o bem jurídico
identidade genética possui uma natureza supra-individual, cujo portador titular é toda
a humanidade530”.
529
NUCCI, Guilherme de Souza Nucci. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas...p. 128 também mostra-se
favorável ao enquadramento da identidade genética humana como bem jurídico transindividual.
530
SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. Bem jurídico-penal e Engenharia Genética Humana... p. 383.
531
SILVA. José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 8ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p.17.
177
A indicação dos três aspectos revela apenas uma visão jurídica, fundada no
fato de que estão sujeitos a regimes jurídicos diversos. A doutrina tem-se
debruçado sobre a questão da unidade ambiental, com alguma divergência
que tende a desaparecer. É clara a ideia de bem cultural como aquele que
constitui testemunho material dotado de valor civilizatório, que oferece ao
jurista uma noção aberta, como nota Mario de D’urso. Mais difícil tem sido a
definição de bens ambientais, à vista de sua heterogeneidade, aflorado,
contudo, na Itália forte tendência a assimilá-los aos bens culturais. De fato,
“é muito difusa a doutrina que contesta a existência de bens ambientais
naturais, pois que, na realidade natural, eles não existem como “bens”, uma
vez que é sempre a obra humana que torna possível a sua fruição,
incorporando-os, assim, à própria civilidade como fonte de emoção. Quer
dizer, por aí, que o meio ecológico, natural, se transforma em meio
ambiente, cultural, como vida humana objetivada, na medida em que se lhe
reconhece um valor que, assim, lhe dá configuração de um bem de fruição
humana coletiva.
Toshio Mukai, por seu turno, também advoga a noção globalizante ou unitária
do meio ambiente. A necessidade de uma noção global de ambiente resulta não só
da multiplicidade de aspectos que caracterizam as atividades danosas para o
equilibro ambiental e, por conseguinte, de uma planificação global, mas também da
necessidade de relacionar o problema da tutela do ambiente com os direitos
fundamentais da pessoa534.
A partir de um viés econômico535, é possível afirmar que o meio ambiente é o
espaço onde se encontram e de onde se retiram os recursos naturais, como
elementos primordiais da produção. Segundo Luiz Regis Prado 536, a humanidade
ainda depende do ambiente natural, não apenas para a energia e os materiais, mas,
também, para os processos vitais de manutenção da vida, tais como ciclo do ar e da
água. Em consequência, a sobrevivência humana depende do entendimento e da
532
Idem, Ibidem.p.19.
533
Cfe. SILVA, José Afonso da.Direito Ambiental Constitucional... p.17.
534
MUKAI, Toshio. Direito Ambiental Sistematizado. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.. p. 5.
535
Sobre o tema meio ambiente e economia, ver NUSDEO, Fabio. Curso de Economia. Introdução ao Direito
Econômico. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. pp. 402 e ss.
536
PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente.3ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p.66.
178
537
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Supra-individual... p. 134.
179
538
Cfe. CORCOY BIDASOLO, Mirentxu. Los delitos relativos a la ordenación del território y el medio
ambiente: una persectiva criminológica. In: CORCOY BIDASOLO, Mirentxu; RUIDIAZ GARCIA, Carmen.
Problemas Criminológicos en las sociedades complejas: Navarra: Univesidad Pública de Navarra, (s.a). pp. 55-
56.
539
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental... p.25.
540
Cfe. CÂMARA, Guilherme Costa. O direito penal secundário e a tutela das futuras gerações. In: D’AVILA,
Fabio Roberto; SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder. Direito Penal Secundário. Estudos sobre crimes econômicos,
ambientais, informáticos e outras questões. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 230.
541
Cfe. SILVA, José Afonso da.. Direito Ambiental Constitucional... p. 25.
542
Nesse sentido encontra-se o Princípio 5 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento:
“para todos os Estados e todos os indivíduos, como requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável,
irão cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza, a fim de reduzir as disparidades de padrões de vida e
melhor atender às necessidades da maioria da população do mundo”. Disponível em
<www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf>
543
CAMPOS, Aline da Veiga. Precaução ambiental na era do Direito Penal Secundário. In: D’AVILA, Fabio
Roberto; SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder. Direito Penal Secundário. Estudos sobre crimes econômicos,
ambientais, informáticos e outras questões. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 100.
180
população; (ii) solidariedade para com as gerações futuras; (iii) participação popular;
(iv) preservação dos recursos naturais e (v) efetivação de programas educativos.
O Supremo Tribunal Federal, no ano de 2005, quando julgou a Medida
Cautelar (MC) em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de número 3.540/DF
concluiu que o legislador constituinte originário positivou o princípio do
desenvolvimento sustentável no corpo da Carta Política em virtude de ser o meio
ambiente um direito fundamental de terceira geração dotado da característica de
transindividual, uma vez que visa a preservação do meio ambiente e a impedir que
eclodam, no seio da coletividade, conflitos intergeracionais decorrentes de uma
possível exploração econômica futura e predatória do meio ambiente. A seguir
encontra-se transcrita a ementa do julgamento:
544
SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. O meio ambiente como sujeito passivo dos crimes ambientais. In:
D’AVILA, Fabio Roberto; SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder. Direito Penal Secundário. Estudos sobre crimes
econômicos, ambientais, informáticos e outras questões. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 270.
545
URQUIZO OLAECHEA, José. El bien jurídico. Lima, Revista Peruana de Ciencias Penal, ano III, nº6,
p..826.
546
Idem, Ibidem.
547
CORCOY BIDASOLO, Mirentxu. Problemas criminológicos en las sociedades complejas... p.69.
183
548
Art. 45 da Constituição Espanhola de 1978: Todos tienen el derecho a disfrutar de un medio ambiente
adecuado para el desarrollo de la persona, así como el deber de conservalo.
549
Cfe. SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de. O meio ambiente como sujeito passivo dos crimes ambientais... p.
271-272.
550
Cfe. PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente... p. 99.
184
direitos. Sustenta Figueiredo que com a leitura feita da legislação ordinária no Brasil
pode ser notado que os bens jurídicos como o equilíbrio ecológico da água, do ar e
do solo551. Cabe destacar, entretanto, que o autor não considera bens jurídicos
ecológicos estanques a qualidade do solo ou da água, ou, então, a fauna e a flora.
Prefere o doutrinador agrupá-los sob a rubrica de um bem jurídico macroecológico
intitulado ciclo biológico natural. Figueiredo complementa sua posição 552:
551
FIGUEIREDO, Guilherme Gouvêa de. Crimes Ambientais e Bem Jurídico-Penal. (Des)criminalização,
redação típica e (in)ofensividade. 3ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p.135.
552
Idem, Ibidem. p. 137.
553
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Supra-individual... p. 57.
554
CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da. Constituição e Crime. Uma perspectiva de criminalização e
descriminalização. Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1995. p. 199.
185
555
BUSTOS RAMÍREZ, Juan. Los bienes jurídicos colectivos... p. 163.
186
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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2011.
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Educacional, 2011.
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Janeiro: Revan, 2007.
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Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.
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Navarro, Daniel Jiménez e Maria Rosa Borrás. Buenos Aires: Paidós, 1998.
BECK, Ulrich. Living in the world risk society, economy and society. Londres:
Routledge, Taylor & Francis Group, 2006. 35 v.
190
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In: ADAM, Barbara (org.). The Risk Society and Beyond. Londres: Sage Publicatios,
2005.
BERSTEIN, Peter L. Against the gods: the remarkable histoy of risk. Nova York: John
Villey & Sons Inc., 1996.
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2010. V.1.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2005.
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