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bom filme mudo em que a acgdo se desenvolve naturalmente sem 0 emprego de uma tinica palavra. © cinema pode atrair a atencio com os proprios objectos inanimados. Suponhamos novamente que, durante a represen- tagiio de uma pega, nos aparece uma flor em cima de uma mesa. Esta flor nunca poderia atrair a atengao do pul “com a atencao do piiblico para os pormenores insignificantes da pega porque a atengaio dos espectadores deve ser dirigida para o centro de interesse da acco. © tealizador de cinema tem grandes possibilidades de con- trolar a atengao do pubblico; pois, ao colocar a cdmara onde pre- fende, langa no écran aquilo que tem mais importincia no mo- mento ¢ pode dar significacdo adequada aos objectos sem neces- sidade alguma de a flor ter de gritar «Agora olhem para mim». © interesse do piiblico 6 dirigido necessariamente para cla Porque, nesse momento, nada mais aparece no écran. O mesmo acontece a outros pequenos acontecimentos que o cinema toma evidentes ~ uma mosca a mover-se, ou o fumo de um cigarro — © que nao poderiam atrair por si s6 suficientemente a ateng&o do ‘espectador. No cinema, estes pequenos acontecimentos, representados Por coisas acessérias, so exactamente do mesmo tipo dos «macroscépios», representados pelos actores. Por isso mesmo, a homogeneidade do cinema 6 muito satisfat6ria. A possibilidade de mudar rapidamente a distancia do objecto leva naturalmente a uma relatividade dos padrées de tamanho. Abstraindo do facto de o espectador poder usar os seus conhéci- mentos passados para avaliar 0 que vé — de saber, por exemplo, que as moscas s&o objectivamente muito mais pequenas do que os montes — nao possui nada que Ihe permita avaliar 0 tamanho objectivo daquilo que esté a ser apresentado. N&o consegue saber a que distancia estava a camara do objecto. Um jornal de actualidades de uma exposi¢aio de arquitectura apresentava varios planos de casas construidas ¢, logo a seguir, planos de um pe- queno modelo em gesso da cidade de Roma. Para o espectador, ambos os conjuntos de casas parecem ter 0 mesmo tamanho, embora num deles as casas fossem de tamanho normal filmadas A distincia necesséria e, no outro, os modelos tivessem apenas n alguns centimetros de altura e as fotografias tiradas de muito perto. Aqui, a experiéncia de nada podia servir ao espectador na avaliagao dos tamanhos relativos. Esta relatividade permite, por um lado, que coisas de tama- nhos diferentes aparegam com tamanhos iguais e assim possam ser relacionadas umas com as outras. Num filme sobre a vida universitéria na Alemanha, a barriga arredondada de um estu- dante a ressonar no plano de um sofé, transforma-se numa paisa- gem — no monte suavemente arredondado, perto de Heidelberg e com a mesma forma da barriga. Estas duas coisas que, na realidade, tém tamanho completamente diferentes, so facil- mente compardveis, devido ao facto dé 0 abdémen ter sido foto- grafado de muito perto e 0 monte a distncia; houve assim a oportunidade de se estabelecér uma engracada comparagao entre ambas. ~~ Por outro lado, 0 espectador pode ter uma nogao diferente do tamanho do que aparece no écran € daf resultarem determinados efeitos. Um critico referiu-se, certa vez, a uma cena da versio cinematografica de A Casa das Bonecas, de Ibsen, como exem- plo t{pico de linguagem cinematogréfica. Vé-se um quarto ¢, subi- tamente, uma enorme mao € introduzida nele mostrando como 0 guario 6 realmente pequeno e faz parte de uma casa de bonecas. primeira vista, 0 quarto parece ter um tamanho normal, porque, na fotografia, nada indica que estamos em presenga de uma coisa excepcional — um brinquedo. A mudanga repentina, provocada por um meio perfeitamente natural — 0 tamanho normal de uma mio humana — dé, ao espectador, da melhor mancira, 0 simbo- ismo do acontecimento. Realmente, 0 que aqui se dé é ai ficago ideal de uma casa humana e de uma casa de bri Assim, mais uma vez, uma «desvantagem» do cinema — a impos- sibilidade de dar um padrao absoluto de tamanho — transformou- -se nlovamente em vantagem ¢ foi utilizada com a intengao de obter um efeito artistico. ‘A UTILIZAGAO ARTISTICA DA AUSENCIA DA CONTINUIDADE ESPAGO-TEMPO Ao contrério da vida real, 0 cinema permite saltos no espaco »€ no tempo. A montagem € a operago que consiste em ligar B planos de situagdes que ocorrem em tempos € espacos diferen- tes. Até agora, os teéricos, especialmente os russos, tém dedi- + Os russos foram os primeiros a compreender as possibili- dades artisticas da montagem; ¢ foram, também, os primeiros que tentaram definir sistematicamente os seus principios. Ao mesmo tempo, levaram longe de mais 0 seu entu: }0 por ela. Consi- iIme pronto fosse, no inicio do seu livro Técnica do Cinema afirma que.a montage é a base da arte do cinema. Tentémos mostrar atrés que um plano simples nao é apenas uma mera reproducio da natureza; que num s6 plano existem importantes diferengas entre a natureza e a imagem projectada; © que devemos considerar os processos de compo- siglo como profundamente artisticos. No entanto, podemos ver facilmente a razo por que a mon- tagem € 0 caminho principal para a arte cinematogréfica. A ima- resulta de um processo de registo da reali- 10 pelo homem, mas que, superficialmente falando, do que reproduzir a natureza. Todavia, quando se faz a montagem, 0 homem domina 0 processo — 0 tempo € seriado, as coisas descontinuas no tempo e no espago sto ligadas entre si, Isto constitui, de facto, um processo sensivelmente criador ¢ formativo. ‘ Pudovkin descreve assim o infcio da arte do cinema: «Nao havia lugar para a arte no trabalho do operador. Este registava a arte dos actores. Certamente, no havia problema algum para 0 realizador sobre qualquer espécie de arte de repre- sentagao no filme, de quaisquer atributos especiais da pelicula ou de métodos de abordar o assunto. Qual era, de facto, 0 trabalho do realizador, naquela época? Tinha 0 argumento, que era exacta- mente como uma pega escrita para 0 teatro, excepto que nfo havia didlogo, ¢ tentava-se preencher a sua falta com os gestos e, muitas vezes, com longas legendas. O realizador dirigia a cena ‘como se estivesse no teatro; organizava as entradas e as saidas, as transigdes © outros movimentos do actores. Tratava da repre- ™ sentago da cena ¢ o operador registava-a na sua totalidade — a cémara servia unicamente para fixar cenas que, j4 de si, eram completas © acabadas». A montagem s6 aparece com 0 desen- volvimento da arte do cinema. A montagem de um acontecimento coerente no tempo ¢ no espago deve ser diversa da montagem alternada de acontecimen- tos que sao dissociados uns dos outros. Foi com estes tiltimos que @ montagem comegou, pois trata-se de um processo menos revolucionério; os varios planos eram ligados uns aos outros, do mesmo modo que as diferentes cenas eram representadas em sequéncia no palco. Durante séculos, foi hébito apresentar em teatro sequéncias de cenas sem qualquer ligacao alguma no tempo ou no espaco. Depois apareceram os rudimentos de alguma coisa mais no palco: as cenas eram cortadas e as varias artes misturadas umas com as outras — isto é, a acgSo era inter- rompida subitamente, a seguir representava-se uma cena com- pletamente diferente, depois esta era interrompida para se conti- nuar com a primeira, pouco tempo depois dava-se nova inter- rup¢do para prosseguir com a segunda e assim por diante. Este procedimento pode ser j4 encontrado nas pegas classicas, onde, nas cenas de batalha de Shakespeare, por exemplo, a accao alternava, muitas vezes, entre um e outro campo. O cinema podia servir-se deste processo com mais facilidade porque, em vez da repeti¢ao das cenas no palco, poderia monté-las umas atrés das outras numa sequéncia répida e harmoniosa. Foi muito mais ousado cortar cenas unitérias, interromper cla, a fim de alterar a relaga0 dos objectos filmados. Tem sido esta, até hoje, a atitude mais enérgica relativa A emancipagao da camara, A montagem 6, para o realizador, um Sptimo instrumento for- mativo que 0 ajuda a dar relevo e mais significado aos aconteci- mentos reais que fotografa. Do tempo continuo de uma cena s6 aproveita as partes que the interessam e, da totalidade espacial dos objectos © dos acontecimentos, utiliza apenas aquilo que é relevante. Realga © omite certos pormenores a0 mesmo tempo. Anteriormente jé demos exemplo de casos destes. Por vezes, também, na montagem se costumam associar planos que, embora sem ligagao real, esto relacionados a nivel 15

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