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foutras vinte para fechcla. Seguindo M. Signoret, passeia-se com prazer por todo 0 apariamento. Entre os detalhes episodicamente rulos que Fumée Noire reine em torno de um fato banal — feliz ‘mente anulado no final — 0 didlogo no toalete ¢ a conversa dos ‘coquetis so cinema pleno, com a fotopafia a seu lad. © cigarro em La Cigarete era tedioso, mas havia af um disco ‘que girva bem... La Belle Dame sans merci fotografa a sutra afetuosa de Germaine Dulac melhor do que a cena do téxl © a do tiro 80 alvo em Malencomire. © filme que se comerca entre a ari € 0 conde ¢ to fro € manhoso, tio bem estofado e tio menos frato proibido e, naturalmente, menos rico, porém mis interior & mais cinema do que 0 cinema do “silken Ceil"® Lembro-me ainda de uma bela moto em L'Homme qui vendt son dme au diable de Pierre Caron. is af alguns exemplos; mas ndo todos, naturalmente Ginea, 17 de margo de 1922 Em cada prigafo de Een, tadot ox fmer lembador afo de toriao siesta etado po echo: Marcel Lieree, Abe Game, Lois Det. “Sten Coc, em igs s0 orginal, prs fate ain a0 cinema (Coal B. de Mile, neve. de “sedans” (Not do Orgad) 282 2.8.4. A INTELIGENCIA DE UMA MAQUINA — Excertos 8) SIGNOS (Capitulo 1) Rodas enfetigadas Por vezes, ums eranga nota na tela as imagens de um carro que avanga em movimento regular, mas cus rodas gram ritmadas, fora num sentido ora noutro, e que mesmo em alguns momentos eslzam sem rotapio. Espantado, at mesmo ingueto com essa falta de ordem, 0 jovem observador interroga um adulto 0 qual, ‘quando sabe © ovsa,explica essa evidente contradigfo tetando des cculpar wm exemplo to imoral de anarquia. Na mairia das vezes lids, © questonador contenta-se com uma resposta que ngo entende ‘bem mas, pode acoatecer também que um filésofo de doze anos fique, desde entéo, com uma cera desconfianga em relagio 2 um ‘expeticulo que dé wma pinura caprichosae talver até mentiosa do ‘mundo. 283, | Reratos que déo medo Decepeto, desencorajamento, tal & a impressio habitual das inicantes, mesmo as bonitas e dotadas de talento quando, pels pe rir ver, véom e ouvern seu prépso fantasms numa projegso. las ‘excobrem 1a propria imagem defetos que ao acreditam realmente posuir;sentenrse Wraidas, lesadas pela objetiva e pelo microfone ‘io reconhecem nem accitam certs tragos do pr6prio rosto ou en- tonagdes nt prdpria voz; sentem-se dante dos Sisas coma que em presenga de uma estranha, de uma irmé jamals encontrada anterior- mente.” O cinema mente, elas dizem. Reramente tal mentira p> rece favorivel, embelezadora, Seja para melhor ou pior, © cinema, em seu registro € repro- dugdo de seres, sempre os transforma, os recria numa segunda per- sonalidade, cvjo aspecto pode perturbar a consctncia a0 ponto de fazer com que ela se pergunte: Quem sou eu? Onde est minh verdadeia identidade?”E ter de actscentar ao “Penso, logo, existo" © “porém nlo penso em mim do modo como existe” & ume ate- ‘uate singular a evidéncis do exis Personaliomo. da. matéria (© primeiro plano lavra um outro tento conta & ordem familie as aparéncias. A imagem de um olho, mio, boca, que ocupe toda 1 tela — nfo apenas porque ela é ampliada wezentas vezes, mas também porque a vemos iolada da comunidade orginica — re- vestese de ume espécie de autonomia animal. Esse olho, cies dedos, esses libs j se tornam sere que tém cada um seus préprios limites, seus movimento, sua vida, seu proprio fim. Eles existem por si mesmos. Nao parece mais uma fabula 0 fato de 0 olho, a imfo € a lingua teem alma propria, como acreditavam os vitlisas, No fundo da iis, um esptito forma seus oréculos. Ese othar fmenso, gosiarfamos de tocilo, no foste ee carregado de tanta force perigosa. Jé nfo é mais uma fdbuleo fsto de & luz set poo derivel. No ovo de um crstalino, tamsparece um mundo eontuso © contradtério no qual adivinbamos © monismo universal ds Mesa de Esmeralda, a unidade do que se move © do que & movido, ub 284 ee een eae plade de mesma vida, o pro do pesamento € 2 espinal Unidade da vide Essa subversio na hlerarquia das coisas apravase com a re- produgdo cinematogitica des movimentes, sja em camera lets ou ‘celerada. Os cavales planam acima do obsiéculo; as plantas ges ticulam; os eristais se acoplam, reproduzem-s, ciatizam sues fe Fidos; lava se eleva, « gua tansforma-se em 6leo, borracha, breu acborescente; 0 homem adquire a densidade de uma nuvem, a cor sistincia do vapor; ele € um animal puramente gasoso, de uma grapa {ling de uma desea simiesca, Todos os sistemas compertimen- tados'd naturezaficam desarticlados. Resta apenas um teino: 3 vida, [Nos gestos, mesmo nos mais humanos, a inteligéncia se apaga ante do instinio que, sozinho, pode comandat jogos de misculos io sats, tio nuancados,tdo absolutamente ceros e felis. O uni ‘verso infeiro & um animal imenso cujs pedras, flores © pissaros #80 ) EXCERTOS DOS CAPITULOS 2 ¢ 3 0 quiproqué do cominuo © do descontinuo Um feito de milegre ‘Como se sabe, um filme se compde de grande nimero de ims: ‘ges justapostas sobre a pelicula, mas distntas e um pouco disseme- Thantes pela posicio mais ou menos msificada do objeto cinems- tografado. Numa certa cadincia, a projegio dessa série de Figures, separadss por curios itervalos de espaco e de tempo, produz uma sparincia ‘de movimento ininterupto. Eo prodigio mais espete- cular da méguina dos Irmios Lumitre 6 que la transforma a des continuidade em continiidade; permite a sintso de elementos descon tinuos ¢ iméveis num conjunto continuo mével; realiza a transigdo entre 06 dois sspectos primordiais da natureza que se opunham € se excluiam mutuamente desde que existe uma metasica das cif A continuldade, a flsa aparéncia de uma descontinuidade Quem opera 0 prodisio? 0 aparetho de registro ou 0 de. pro jesdo? Com cfeto, todas as figuras de cada uma das imagens de lum filme, projetadas sucessivamente na tele, Ream tio imévels € 287 separadas quanto jd o estavam desde a sus aparigdo sobre a cama da sensivel, A animaco © a confluénca destas formas sio. produ ies, ndo na pelicula ou na objetva, mas unicamente no. proprio hhomem. A descontnuidade 6 se transforma em continuidade de pois de haver penetrado 0 espectador. Trata-se de um fendmend Pramente interior, Fora da pessoa que ests olhando, no hé- mo- Vimento, Muxo ou vida nos mossicos de Iuz ¢ sombra que a tela ‘mosira sempre fires. Dentro, ha a impressio de que, como todos ‘0s outros dados dos sentidos, trata-se de uma interpretacso do obje ‘e, ou seja, uma iusfo, um fantasma Se c homer, através dos setidos, etd apto a perceber 0 des- Continuo como continuc, a prépria miiquina "imapina” mate faci ‘mente 0 continuo como descontinu. Nee pom, teelse om mecaniin dotdo de sbjevitade pripna una ver gue cle rps cs no como ela st Pe Een pelo oo hirano, ma spony como sk meno mW de feotd com sua eseutura pric, gs he sonfere un pstonal dade.” a dicontinidde dat inages fs nas eau dae 4 a prod, © ao intervals eats su docameato pus) = al seve de fndanento real a0 continuo humananente image 4 tne projet, eric ab sr mais 6 qu um fasta Sn ‘ebdo epemado por wma maquina No in, o cinema mostou-0s, ao conn, ama tania cto sbjva de uma descomiidade mas verde em epi fe mea cinema nor mos, no desontnun une nteroreanss dria de vinaconiade peor Conllse cao qe {mbes comlauo ea decent Cnmtopcs so na verde iquameteinexstetes: qe o continue «'odecotiua tua ae ‘damete como objet © conceit, sed sua ela pons Ue fang na gil ambos podem abtirse musamente Aprendizado da perspectva ‘Todo espeticulo que & imitagéo de uma seqiéacia de aconteci- Imentos cri, pela propria sucessio ele contida, um tempo que The & 288 particular, uma deformaeio do tempo histérice. Nas manifestagoes, primiivas do teatro, ese tempo falso ousava apenas alastar-se ome ‘imo possivel do tempo realmente ocupado pela apo descrita. Do ‘mesmo modo, os primeitos deseahistas e pintoes aventuravam-se t= Imidamente no falsorelevo; mal sabiam representr uma profundidade Ausria do espago, restringindose & realidade da superficie plana so- ‘bre a qual tabalhavam. Fok somente aos poucos que o homem, de- seavolvendo seu géaio de animal imitador por excelénca, indo de imitaes da natureza para segundas e tefeiras imitagGes dessas primeiras, habitvowse 2 ullizar espagos e tempos fcticies que se Mastavam cada vez mais dos modelos origina Assim, a longs duraglo dos mistrios reresentados durante a dade Média traduz bem a difculdade que oF expcitos da época te bam em mudar de perspectiva temporal. Conieglentemente, um drama que nio durasse no palco quase tanto quanto o seu deseavol vimento real, no parecia digno de crédito ov de susciar iluses. Ea repra das tts unidades, que fixava em vinte e quatto horas © indximo de tempo solar pasvel de ser reduzido para ts ou quatro Thoras de espeticulo, marca uma outra etapa’ do caminho para ‘9 encurtamentos cronol6gicos, ou sea, para a relatividade tempo- ral. Hoje, esta redocéo da duracio a uma escala de 1/8, que era 19 méximo que se permita a tragédia clisica, parece um esforco bem fraco se comparado as compressbes de 1/50.000 feits pelo ci nema ¢ que mio deixam de nos dar um pouco de verigem A méquina de pensar 0 tempo ‘Um outro mito surpreendente do cinema & mulilicar abran- ddr imensamente os jogos da perspecva temporal, levando inte- liggocia para uma ginstica que Ihe é sempre peaoss: pasar do abso- Ito arraigado 4 instveis condicionas.” Neste ponto, ainda, esta miquins, que estica ou condensa a duracio, demonsirando ana tureza varidvel do tempo, que prega a relatividade de todos os pa: rimetros, parece provida’ de uma espécie de psiquismo. Sem essa ‘miquins, no veriamos materialmente © que pode ser um tempo Cingeata mil vezes mais ripido ou quatro vezes mais lento do que faquele em que vivemos. Ela é um instrumento material, sem di ida, mas com um jogo que oferece uma sparéncia tio elaborada, 289 {io preparada para o uso do esplrito que j& se pode consideré-la um meio pensamento, um penstmenta segundo regras de anise ¢ sin {ese que, sem o insrumento cinemstogritico, o homem teria sido incapan de realizar Tempos locas ¢ incomensuréveis © cinema no explica apenas que o tempo é wma dimensio di- rigid, corelativa das dimensbes do espago; cle explica também que todas’ as estimaivas desa dimenséo 36 tém um valor particular. Admitese que as condigSes sstrondmicis em que a terra se situa ‘mpooham-he um aspecto e uma divisio do tempo radicalmente di versos dos que devem existr na nebulosa de Andrémeds, onde 0 ‘fu © 0s movimentos nfo s80 oF mesmos; mas, para quem munca vin a cémera lenta ou a aceleralo do cinema, & dificil imaginar sparéncia que pode te, visto do exterior, um outro tempo além do nosso, Um filme curto documentrio que desereve, em alguns mi nutos, doze meses da vida de um vegetal, dewe a germinacio até 4 maturidade e degenerescecia, af 4 formasio das sementes de uma ‘ova geragdo, basta para nos fazer realizar mais extaordiniria viagem, a evaséo mais difl que homem jf tentou Este fllme parece libertarnos do tempo tereste — isto & do tempo solar — de cujo ritmo parecia que nada poderis jamais nos, arrancar. Sentmo-nos introduzides num novo tniverso, num ou ‘ro contin, cujo deslocamento no tempo 6 cinglenta mil vezes mais pido. Li reina, sobre um pequeao dominio, um tempo particular, tum tempo Toca, que parece eneravado no tempo terrestre, 0 qual, spesar de abranger zona mais vast, & apenas tm tempo local, em czavado por sua vez, em outros tempos ou justaposto © meseledo les. Mesmo o tempo do conjunto do nosso universo ainda nio & mais do que um tempo particular, vélido para esse conjunto, mas ‘no fora dele e nem mesmo em todas as regoes que Ihe si i sore. Por analogia, entrevemos ses incontévee tempos ultreparti- culares, ordenadores dos ultramicrecosmos témicor que a mect- nica ondulatria ou quintia acreiteserem incomensurives entre si, 290 al ‘ do mesmo modo que eles ado ttm ums medida comum como tempo sole, A ccelerogdo do tempo vvifica & espiritualiza [A amplitude 0s jogos de perspective sspapotempoal que of rece a camera lent # imagem eseradn ¢ 0 rieio peta, T= tela movimento e vida no que se acteteva ser mule ¢ ines ‘Numa proeco acerada ecale dos rior € dolocada ~ varia do de acordo com 1 rlaco de acleragio — no seo de ume ‘ior qualiiasao du catenin: Asim: oo cries comepam a ve flor mania dus cls vias; ay pans snimalease, esalem luz suport exrimem sta wade por mo de exo. Lembrumo-nos eno com menos ripest de certs resins expetinenas tides por pacientes pesqusadores. Por exempo: ‘Pnmown, contaameate seus tabs, pera sr levadas 2 Sor tan oles durante a oo ea revoir darnt odin AS Sin tendo, movinents vegans que, em nos tempo, tal cone ume iting com cools, sn que 0 alo du bletvarevela Bases is conics Gemstogrtcn do tempo, fezem supe Spans, aconjugeio de dus fcldas, das prlent como Timi enfbiidde a meméca, nas goa lovee o flame todo que gle do qu aoc, Dorian hesiaremos em He do botaniea gue w pencops com am psclogia eas orgies, 6 ue uma subsinca nu qual se veiica emda de sua maleabi- iiGe eumite-se evidentemente peste postr slums cose que Se aproime do exit. be memo modo, vas especies de inf Séroe dio moss de saber erntarse, beneiandose da expe binge ada hitmen, nome pg ‘sitar thes a volar em stig inverso 90 eu movimento utr c« comer ou jar em fano da cor dat qe thes ali ad.” E no enerciio esa intligince que “a semen, 20 desen- fetver 4 plums prfere ose ulgumento, como dise Hegel © que So'ovo (deseavlvendo 0 ato) obedec: & sue moma, sua lipca eso seu deer, como scredtave Clave Berard gue, 8 $60 ined, ea tame egsiano vitite 291 0 retardamento do tempo mortfca e materialza [Numa projesdo lenta, a0 contro, observase uma degradagto das formas que, 20 sofferem una diminuigdo em sua mobildade, petdem algo da sua qualidade vital Por exemplo, « aparéacia hu: ‘mans privada, em boa parte, da sua espritvalidade, O pensamen- to apaga-se no olhar: na fisiouomis, o pensamento fica entorpecido, ftomase ilegivel. Nos gestos, # falta de jelto — signo de vontade, resgate da liberdade — desaparece, absorvida pela graga inflivel do instinio animal, Todo homem é apenas um ser de misculos Ii ss, nadando num meio denso, onde fortes cortentezas sempre care: am € moldam este Sbvio descendente das velbas faunas matinbes, das dguasmies. A repressio vai mais longe e ultrapassa 0 ste animal. E encontra, nos desdobramentos do torvo e a mica, & elasticidade ava do eaule; nas ondulagSes dos cabelos e da crin gitados pelo vento, o balango da floresta; nos hatimentos des ba Datanas © das asis, as palpitagées das folhes; no enrosear © deser- oscar dos réptis, © sentido espral de todo crescimento vegetal Quando a projecto é ainda mais lets, toda subslincia viva retoms 4 sun viscosdade fundamental, deixando vir & tona sua natureza esencialmente coloidal. E finalmente, quando no hé mais movi ‘mento visvel num tempo bastante dilsado, 0 homem toma-se este ‘ua, o vivo confunde-se com o inete, © universoinvolui num deverto de matéria para sem teago de expt, 292 2.8.5 0 GINEMA DO DIABO — Excertos 8) 0 FILME CONTRA LIVRO* porque permanece sempre concreta, de mancira precisa fe rica, que a imagem cinematografca se presia pouco & esquemat- aso que permilria uma clasifiagio rgoross, necessria a uma farquiteturg Iigica © um pouco complicada. Na verdade, a imagem 6 um simbolo, mas um simbolo muito préximo da realidade sens vel que ele representa, Enguanto iso, 8 palavra consul um sim bolo indieto, elaborado pela razio e, por isso, muito afasado do objeto. Assim, para emocionst 0 leitor, a palavta deve passar no- vvamente pelo citcuito dessa razio que 4 produru, a qual deve de- cifrar¢ strumar logicamente este signo, antes que cle desencadeie @ represetacio da reaidade afastada & qual coresponde, ou sea, a tes que essa evocasso eseja por sua vez apta a mexer €om os sent mentos. A imagem animads, 20 contivio, forma ela prépria uma representagio jf semipronta que se dirige & emotvidade do espec- fador quise sem precsar da mediagdo do raciocinio. A frase fica ‘camo tim criptograma incspax de suscitat um estado Sentimental ex T Fredo do sano "O pesado contra a rz. 293

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