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Consideragées sobre 0 impeachment Marous Faver Duemargale, Pree do Clg Permanente de Presidents de Trbnis de Justa do Brasil Sumario + [=Introdugio: A relevincia atual do tema + Il —Histérico: 1) O inpeachment inglés € 0 americano; 2) O impeachment no Brasils 2.1) A nomenclatura constitucional, a expresso inglesa ¢ o conceito atuals 2.2) As diferencas entre 0 inpeadment americano ¢ 0 brasileito; 2.3) Conceitos juridicos dos institutos afins; 2.3.1) Inftacdes penais e infragdes nao penais; 2.3.2) Hicito penal ¢ ilicito administrativos 2.3.3) Crime de responsabilidade ¢ infracao politico-administrativa; 2.3.4) Crime funcional e “crime de responsabilidade”; 2.3.8) Consequéncias da imprecisio técnica; + Il-Conclusées. 32 Garde Mensal» inde jcc 0. 729, 5285, de 20 = Introdugao ‘©: momento em que o pais se defronta com grave crise politica, N= possibilidade de evolugao para uma séria crise institucio- nal, parece-nos oportuno relembrat algumas consideracdes sobre 0 impeachment, sua natureza juridica, sua evolucio historica, retirando do ostracismo antigas anotacdes académicas sobre o tema, com sugestoes para a sua aplicacio nos dias atuais. Observe-se, por oportuno, que zo fazer a apresentagio do volume especial temitico da jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal sobre impeachment, em 1996, 0 ministro Sepiilveda Pectence, entio seu presidente, assim se expressou: “Na estrutura constitucional do presidencialismo, poucos Institutos tetio sofrido condenagio tio generalizada ¢ in- clemente quanto o inpeachment do presidente da Republica.” Autor da melhor obra sobre o tema em nossa literatura —cuja primeira edico significativamente é de 1964 —, Paulo Bro layrara o que a todos parecia irremovivel veredicto condenatério: cd de Souza Pinto “Incapaz de solucionar as crises institucionais, 0 impeachment, paradoxalmente, contsibui par o agravamento delas. O ins- tituto, que, pela sua rigidez, nfo funciona a tempo ¢ a hora, chega a por em risco as instituigSes, e nao poucas vezes elas se estihagam, Representadas as forcas em conflito,a dinimica dos fatos termina por fender as linhas do instituto envelhecido, e, transbordando do leito constitucional, a revolugio passa a ser o rude sucediineo do remédio tao minuciosa a cautelosamente disciplinado na le. Destarealdade, so testemunho asincursdes armadas que pontilham, aqui i, 0S pleitos institucionais.” (Gata Mental» Rio de Jz. 729,p 5285, den 2015 53 Dai, concluir a tese com invocagio do juizo de Ruy, de implacivel sarcasmo, que a Brossard pareceu definitivo: “Ninguém mais enxergou na cesponsabilidade presidencial senio um tigre de palha. Nao é sequer um canhiio de musew que se pudesse recolher, entre as antigualhas historicas, i seccio arqueologica de uma acmaria. F apenas um monstro de pagode, um grifo oriental, medonho na carranca e nas garras iméveis.” Na América, em 1974, a solucio da crise de Watergate — quando, uma vez mais, a dindmica dos fatos politicos attopelou a tentativa de fazé-lo mover-se a tempo -, a esterilidade do inpeachment pareceu receber outra confirmacio eloquente. © resultado é que, na doutrina constitucional, os textos sobre 0 int peachment recendiam ao mofo das especulacdes ociosas, salvo quando ‘05 animava 0 sabor polémico dos que, a exemplo do trabalho de Brossard, faziam, da dissecagio do instituto, uma arma a mais para a ctitica do presidencialismo e a pregacio da crenca parlamentarista No Brasil, durante o vinténio do autoritarismo militar, seria tisivel a simples idcia de responsabilizacio, perante 0 Congresso e sob controle dos tribunais, de um presidente da Repablica que tivesse nos quartéis a fonte real do seu poder e s6 a cles devesse contas. “Tudo, assim, fazia imprevisivel que, ainda na primeira década da retomada do proceso democritico € nos primeiros anos da Cons- tituigio de 1988, os juizes do Supremo Tribunal Federal se vissem a bracos com a tarefa de decidir questdes cruciais sobre a natureza € 0 processo por crime de responsabilidade contra o presidente da Repiblica: primeito, a respeito do ensaio, liminarmente repelido, 54 Carta Mental Rio de Jriz, 729, p 5288, dee 2015 contra o presidente José Sarney (Mandado de Seguranga n°20.941),¢, pouco tempo depois, a propésito dos sucessivos momentos do caso Collor, na Camara dos Deputados € no Senado Federal (Mandados de Seguranca n* 21.564, n® 21.623, n® 21.628, n® 21.633 e n¢ 21.689). Os acérdios retratam dias particularmente draméticos da hist6ria do Supremo Tribunal, tais as circunstincias que cercavam as sessdes em que as decisdes foram tomadas, as ve7es, literalmente, a vista da migio excitada: no obstante, os votos — malgrado as divergéncias = dio testemunho, todos eles, da seriedade juridica e da serena im- parcialidade com que se portou a Corte. De outro lado, sob 0 prisma da dogmatica constitucional, a singula- tidade da série de julgados do caso Collor ~até aqui, a0 que se sabe, os tinicos que retratam 0 exame jurisdicional das diversas fases de um processo de impeachment presidencial que chegou ao seu termo ~ pro- piciou acumular nos anais do Supremo Tribunal uma inédita vivéncia judicial do instituto, com paginas de inegivel valor doutrinitio. O iinstituto duramente criticado durante anos, por ser considerado incapaz de, no presidencialismo, solucionar as crises institucionais, particularmente, no que se refere a0 impeachment do presidente da Repblica, vem ultimamente e, em especial, ap6s 0 “caso Collor” no Brasil, o “Watergate” (1973) e “Clinton”, nos Estados Unidos, e a crise na Argentina, ganhando maios relevncia e estudos mais apro- fundados, mesmo porque, se o instituto falhar, a fissura constitucional (ou rerolugad) passa a ser um eventual sucedaneo como remédio para ‘0s conflitos institucionais, como tem demonstrado a histéria, ao lado de outras ocorréncias trigicas (remtincia, suicidio, fuga, etc). Nio se pode, todavia, pensar no énpeachment como um veiculo de incrustagio ou exacerbagio de ctise, ou instrumento de vendetas —— (Caria Mental ode Jancea, 7, p 528, de. 2015 55 politicas, mas, sim, como um remédiainsitucionale heroico para debelar graves crises politicas, eventualmente ocorridas nos diversos entes federativos. $6 assim, € com essa filosofia, ele se justfica. I -Histérico 1) O impeachment inglés ¢ 0 ameticano Parece fora de diwvida que impeachment tenha nascido na Inglaterra ‘como uma instituicio mediante a qual 2 Camara dos Comuns formu- lava acusagdes contra os ministros do rei, ea Camara dos Lordes as julgava. A Cémara Baixa era assim, como ainda ¢ hoje, o tribunal de acusagées, enquanto a Cimara dos Lordes funcionava, como ainda hoje, como corte de julgamento. A data exata do surgimento do impeachment é profundamente discutida Entendem alguas que ele “se desdobra do crepiisculo do séeulo XII ow XIVamadrugada do século XIX” (Paulo Brossard, O Impeachment, Editora Globo, 1965). ‘Alex Simpson, em AI Treatise on Federal Impeachment, Filadélfia, 1916, a0 afirmar na pagina 5 que os autores discordam sobre a época do surgimento do instituto, relaciona o impeachment de David, em 1282, como 0 primeiro, seguindo-se o de Thomas, Conde de Lancaster, em 1322; 0 de Roger Mortiner eo de Simon de Beresford, em 1330; ode Thomas de Barclay, em 1350; € 0 de Richard Lyons e 0 de William Lord Latimer, em 1376. No trabalho do professor Pinto Ferreira, citando Harold Laski, ele afirma que o primeiro impeachment ocorreu em 1326, com Eduardo ILL. Nessa época, teriam surgido os casos mais famosos de Latimer € Neville, nos quais os tratadistas vio buscar a sua origem, vindo, depois, 56 Carte Mental Rid jan, 729, $285, den 2015 Catt Mental Bod jie, 72 ‘ode Pole, em 1386; o do eminente filésofo ¢ estadista Bacon; o de ‘Mompson, em 1621; odo Duque de Buckinghan,em 1627; odo Conde de Stafford, em 1640; o de Warren Hastings, em 1787; ¢ 0 do Lorde Merville, em 1805 (Pinto Ferreira, Divito Conctitucionel, p. 350-351). ‘cil dissertar fato é que, conforme menciona Paulo Brossard, nio a respeito do instituto inglés, precisando-the as caracteristicas ¢ as Epocas, pois elas mudaram 20 longo do tempo, ¢ o préprio institute sofreu um grande periodo de recesso. “Apés longo periodo de hibernagio, durante o qual, e por isso mesmo, prosperou o bill of attainder, que era uma con- denacio decretada por lei, uma lei-sentenca, odiosamente pessoal ¢ retroativa, no juizo de Esmein, o impeachment ressurgiu com pujanca. Passou a ser admitido nos casos de ofensa 4 Constituicio inglesa por crimes muitas vezes dificeis de definir na imprecisio dos textos” “Se, originariamente, 0 émpeachment foi processo criminal que ocorria perante © Parlamento, para que poderosas indivi- dualidades pudessem ser atingidas pela Justica, ¢ supunha infracZo prevista em lei e com a pena em lei cominada, cedo ficou estabeleci 4 lei quamto A determinagio do delito, em se tratando de ‘times capitais, eram livres para escolher e fixar penas, que jo que, embora os lordes estivessem ligados podiam variar da destituigio do cargo a prisio, ao confisco, A desonta, ao exilio ea morte” (Paulo Brossard, obra citada). “Expandindo-se, passoua ser livremente admitido em relacio 1 high crimes and misdemeanors, crimes @atos que nfo constituiam, ‘crime, mas faltas consideradas prejudiciais ao pais, indepen- dentemente de enunciacio ou caracterizacio legais.” 37 pe “Desta forma, sem deixar de ser criminal a jurisdicio, 0 processo ganhou vastas dimensOes politicas. Sofreu ele real metamorfose, que é registrada pela generalidade dos autores, nio faltando quem sustente que ha certo tempo o cariter politico sobrepujou o aspecto judiciairio” (Idem). © que nos parece importante nessa andlise € estabelecer a diferen- ciagdo entre impeachment ascido na Inglaterra e 0 adotado nos Estados Unidos da América, ¢ que de ld serviu de exemplo para a legislacao brasil Abolindo o dill of attainder e adotando 0 inpeachment, os americans racionalizaram o instituto inglés, expurgando-o dos aspectos excep- cionais e, por vezes odiosos que, historicamente, a ele se ligavam. Na verdade, quando os constituintes americanos da Filadélfia ado- taram 0 impeachment, ele jé havia softido na Inglaterra uma extensa evolugio, ganhando relevo 0 aspecto politico sobre © criminal, “limitando em seu aleance quanto as pessoas, restrito no que con- cere as sances, desvestido do carter criminal que fora dominante, expurgando de certas caracteristicas anciis, 0 impeachment quando na Inglaterra chegava a senectude, ingressava no elenco das jovens americanas” (Brossard, p. 31). instituig Na Inglaterta, o impeachmontatinge um tempo aautoridade e castiga © homem, enquanto, nos Estados Unidos, fere apenas a autoridade, despojando-a do cargo, e deixa imune o homem, sujeito, como qual- quer, e quando for 0 caso, i aco da Justiga (Joseph Story, Conmmentaries ‘on the Constitution of the United Staies, $* ed., Boston). Segundo Henry Campbel Back, citado por Pinto Ferreira, “nao resta divida que nos Estados Unidos o mpeachment ganhou natureza pura~ 58 Corte Menral Rio de oni 0.79. p 525, dex 2015 mente politica: The natare of this punishment is politcal only” (Constitution Law, 3 ed,, p. 139). ‘Também a licio de Von Holst (Tbe Constitutional Law of the United States, p. 158): Impeachment is a political process The decision as to what the law is made by the powers which actin this process as accuse a judge in as much as they carry out the constitutional provision in accordance with the interpretation which seems thems jus ‘There is no appeal from their decision. Vé-se, pois, que nos Estados Unidos inquestionavelmente, o impea- chment ern por fim afastar o agente do cargo, sem prejuizo de outras sangOes porventura cabiveis. F, 4 evidéncia, processo politico com cominacio de penas politicas, como o sio a perda do cargo € a ina- bilitagio para o exercicio de outro. Outza caracteristica do impeachnentamericano, ¢ essencial 4 andlise que procuramos realizar, éa sua regulamentacio pelos estados-membros ch federacio. Esse aspecto € tio marcante, que James Bryce chega a afirmar que cle resultou imediatamente das Constituigdes estaduais, 56 mediatamente do direito inglés. “O impeachment iio veio ditetamente da tradicio inglesa, porém das Constituigdes da Virginia (1776) ede Massachus- sets (1780), que tinham seguido nisso certamente o exemplo da Inglaterra” (The American Conmon Wealth, vol. 1, p. 50). Informa, por seu turno, Austin F MacDonald (American State Gover ment and Administration, Nova York, 1950, p. 253): a ‘Messal Rio de Jens. 729, 3285, den 2015 59 In every State the governor may be removed by process of impeach- ment. Its customary, however, to use this poner only when some ery serious offense is charged — flagrant abuse of authority for example, ar downright dishonesty. Where inefficiency is not enough to justify the representation of charges. As a result, onl four goveraors have been removed from office on impeachment charges since the troubled days of reconstruction following the aivil war. Assim, é necessario acentuar-se que, embora originirio do direito piblico inglés, sio marcantes as diferengas entre 0 impeachment in- glés, que se alastrou por toda a Europa, ¢ 0 instituto implantado nos Estados Unidos e dali transportado para o Brasil, a Argentina ¢ toda a América Latina. Pelo sistema europeu, vinculado A tradi¢o juridica britinica, além das penas de cariter politico-administrativo, ocorte também aplicagao de penalidades civis e criminais, razio pela qual é ele reputado pelo jurista francés Léon Duguit como um processo de natureza mista, isto é, politico-penal Como citado por Paulo Brossard: “Strory ja ensinava que 0 impea- chment & um proceso de natureza puramente politica”. Lawrence, tantas vezes citado pelas maiores autoridades, faz suas as palavras de Bayard, no julgamento de Blount: “O impeachment, sob a Constituigao dos Estados Unidos, € um processo exclusivamente politico. Nao visa a punir delinquentes, mas proteger 0 Estado. Nao atinge nem a pessoa nem seus bens, mas simplesmente desveste a autoridade de sua capacidade politica.” Lieber nao é menos incisivo ao distinguir 0 impeachment nos dois lados do Atlintico, dizendo que “o impeachment inglés é um julgamento penal”, o que no ocorre nos Estados Unidos, onde o instituto é politico ¢ nio criminal. Von Holst nao diverge: “O impeachment é um proceso politico”. E semelhante a linguagem de Tucker: “O impeachment & um processo politico contra acusado como membro do governo, para proteger 0 governo no presente ou faruro”. E conhecida a passagem em que Black sintetiza numa frase alicdo que, desde o século XVIII, ver sendo repetida nos Estados Unidos: “E. somente politica a natureza deste julgamento”. Ou, como escreveu Tocqueville, num trecho que correu mundo: “O fim princi- pal do julgamento politico nos Estados Unidos é retirar o poder das mios do que fez mau uso dele, e de impedir que tal cidadao possa ser reinvestido de poder no futuro”. Como se vé, €um ato administrativo ao qual se dew a solenidade de uma sentenca. “Na Argentina, que, antes do Brasil, adotou institui- gdes semelhantes as americanas, outra nio € a licio dos constitucionalistas. Lé, como aqui, 0 impeachment tem por objeto separar a autoridade do cargo por ela ocupado, independentemente de consideragdes de ordem criminal. O objetivo do juizo politico nio é 0 castigo da pessoa de- linquente, senio a prote¢io dos interesses péblicos contra ‘© perigo ou ofensa pelo abuso do poder oficial, negligéncia no cumprimento do dever ou conduta incompativel com a dignidade do cargo” (Goncalves Calderon, Derecho Cons- titucional Argentino, Buenos Aires, 1923, 3* ed.). E também interessante acentuar que, politica por exceléncia, essa vertente foi perdendo, gradativamente,o seu objeto, particularmente nos sistemas parlamentares, principalmente em relago aos ministros, em face dos processos e da técnica peculiara esse sistema, que permite adestituicio dos ministros e dos ministérios por um proceso muito mais ripido e eficaz, qual seja, o voto de censura. (Carta Maral» Bs Jt, 729, 325, de. 2015 60 (Carte Mensa! Rip de Jeo, 729, p S285, dee 2015 = pees “ Cresce, no entanto, em contrapartida, a sua importancia nos sistemas presidencialistas, como formula jutidica adequada a responsabilizagiio dosagentes politicos (veja-se 0 voto do ministro Castro Nunes, Revista Forense, n° 125, p. 151, no julgamento da Representacio n° 96 ~Su- premo Tribunal Federal). Como afirmou, coma precisio costumeira, Epaca, 26/10/2015), 0 impeachment & © ministro Célio Borja (revista um instrumento democritico. Ganham, nese ponto, importincia as observagdes de Eduardo Duvivier, no livro Defésa do Ex-Presidente Washington Lax, no caso de Petrépolis, 1931, p. 72-75, verbis: “i interessante observar que, transpondo 0 Atlintico, 0 inpea- chment que, como instituicio politica, se originara na Inglaterra doprincipio da iresponsabilidade do Executivo e que, politica- mente, se extinguira como estabelecimento da sua tesponsabili- dade, sendo substituido pelo voto de censura, ou desconfianga, justifica-se, na América do Norte e nos paises da América do Sal, que lhe seguiram o exemplo, exatamente pelo principio da responsabilidade do Executive, como uma sangao politica de certos crimes ou delitos, ou de ‘simples falta de cumprimento de deveres funcionais dos Srgios dese Poder; decorrendo do principio da responsabilidade, o impeachment investe-se de efeito semelhante 20 do voto de censura, ou desconfianca? restringe-se’ perda do cargo, acidentalmente, apenas, podendo acarretara inabilitacio para outro: no pais de origem, cle guarda «em teoria, pois que cau em completo desuso o cariter punitivo desses crimes ou delitos; no pais para onde foi transplantado, perde esse cariter, passando a fungio punitiva dos crimes ou delitos para ttibunais comuns; corresponde, pois, ao voro de censura, com maior alcance, porque pode trazer a inabilitacio para outro cargo pablico, mas também, como maior garantia a Carta Menral + Rio de oni. 72. 5245, de. 2018 ‘Caria Mensa Ride in, para 0 acusado, porque nto basta que este contrarie a politica do Congresso, que também niio pode derrubar por uma maioria ‘ocasional, mas preciso é que ele ofenda a lei e que essa ofensa seja verificada na forma € com as garantias de um processo judicial e por um tribunal, que somente poder condeni-lo por dois tergos dos seus votos... Adotando o impeachment, como um meio de tornar efetiva a responsabilidade do presidente, seus ministros € outros funcionrios, tomaram-no, da Consti- tuigio inglesa, com as garantias, de natureza judicial, do seu processo originirio, mas com o efeito politico, muito aproximando, do seu timo estado de evolucao, 20 voto de censura —evolu¢io que fora, certamente, 0 resultado ao principio desenvolvido, na Inglaterra, na tiltina parte do sé- culo XVIII, da independéncia do Judiciario, como elemento particularmente garantidor da liberdade civil.” 2) O impeachment no Brasil Jia Constituicao do Império, de 1824, previa 0 processo de inpeach- ‘pit, femnado ¢ aproximado ao instituto britinico. A Lei de 15 de outubro de 1827, elaborada nos termos do art. 134 a Constituicio de 25 de marco, dispunha sobre a responsabilidade dos ministros ¢ secretirios de Estado e dos conselheiros, sendo de nnatureza criminal as sangdes que o Senado tinha competéncia para aplicar. Seu escopo, de acordo com Paulo Brossard, “nio era apenas afastar do cargo a autoridade com ele incompatibilizada, como veio a set no impeachment republicano, hé um tempo atingia a autoridade € 0 homem, em sua liberdade e bens”. AConstituicio de 1891 se orientou pela sistemética norte-americana. Amonarquia foi substituida pela Repiiblica. A Federacao sucedeu 20 1p 5285, dex 015 3 Estado unitirio, O sistema presidencial relegou a tradigao parlamentar do Império. A pessoa do imperador, legalmente inviolivel e sagrada, deu lugar ao presidente da Repablica, legalmente responsivel. O fov- peachment deixou de set criminal, pasando a ser de natureza politica. ‘A Constituigio de 1934 estabeleceu um sistema complexo de impear cbment, inclusive com um tribunal especial, composto de nove juizes, sendo trés senadores, trés deputados ¢ trés ministros da Corte Su- prema, que daria a decisio final. ‘A Lei Maior de 1934 pouco durou, eis que substituida pela Carta ‘Outorgada de 1937, que previa o impedimento, mas que nio teve qualquer significado ante a dissolugio do Congress. ‘A Constituigio de 1946, bem como as de 1967, 1969 ¢ 1988, regulow 0 smpeachnent, vinculando-o a0s chamados crimes de responsabilidade do presidente da Repiiblica. Anote-se que em qualquer dos textos constitucionais, aps a redemocratizacio, foi utilizada a palavea “im- pedimento” ou impeachruent. Todos eles mencionaram a suspensio do presidente de suas fungées, uma vez declarada procedentea acusacio. pelo voto de dois tercos da Camara dos Deputados. 2.1) A nomenclatura constitucional, a expressao inglesa € 0 conceito atual Com base nas expresses constitucionais e no significado gramatical do termo na lingua inglesa (impedimento, dentincia, acusagac), alguns doutrinadores vém entendendo que o impeachment significa apenas “0 afastamento provisério” do agente politico do cargo que ocupa. Por essa razio, Tito Costa (obra citada, p. 11) afirma que “nio resta nenhuma diivida que, com o impeachment, ‘objetiva-se 0 afastamento 64 (Corte Mersal «Rio de oni 0.729, p. 52-85, de 2015 ——— (Gala Mimtal Ri janceo,o provisério da autoridade politica’ pelo é:gio politico correspondente (asassembleias populates), fim de que, preservados 0 cargo e as fun- bes politicas que lhe sio inerentes, possa responder criminalmente pelas falhas cometidas, perante o Poder Judiciario”. Na verdade e a rigor, por impeachment se entendia apenas 2 acusagio formulada pela representagio popular, ou seja, a primeira fase do idade que, no sistema brasileizo, terminaria com o afastamento provisério da autoridade processada (Paulo Bros- sard, obra citada, p. 1). processo de responsal Gabriel Luiz Ferreira, com acuidade, afirma que “a palavea impeachment ‘io foi ainda introduzida na linguagem de nossas leis, mas certo que, passando da jurisprudéncia inglesa para a tecnologia universal do direito piblico, tem a significacio geralmente conhecida e serve para designar todo o proceso especial a que sio sujeitos os altos repre- sentantes do poder ptblico pelos crimes abusos que cometem, no exercicio de suas fungdes governamentais” (LAB, Dinvertayes,p. 231). ‘Ao nosso sentir, nos dias atuais, principalmente em razio do caso Gollor, a expressio se popularizou, e pelo mesmo vocabulo se designa hoje comumente nao sé 0 proceso politico que comega ¢ termina no seio do Poder Legislativo, como ainda o impedinento defnitivo do Agente politico. Por tais consideracdes, pensamos que razdes nio assistem a Tito Costa € Hely L. Meirelles, 20 afirmarem a inexisténcia de impeachment em telagio aos prefeitos municipais, apés a vigencia do Decreto-Lei n* 201/67. O conceito do instituto, na verdade, ganhou elasticidade no Adiceito brasileiro, passando a significar, como anteriormente afitma- do, mio s6 0 afastamento provisério, originario, como a denominar ‘todo o processo de impedimento do agente politico, como ainda o S285, dex 2015 65 afastamento definitivo da autoridade do seu cargo. (Vejam-se os dicio- naristas Pedro Nunes, Dicioncrin de Tecnologia Juridica, Koogan Larousse e Aurélio Buarque de Hollanda; e os doutrinadores Paulo Brossard, O imptachment, p. 12; Carlos Maximiliano, Comentarios & Constituigao de 46, p. 257, vol. Il Pinto Ferreira, Caso de Direito Constitucional, Ovidio Bernardi, Responsabilidade dos Prefeitns Munispais, etc). 2.2) As diferengas entre o impeachment americano € © brasileiro Conforme perfeita anilise de Carlos Maximiliano, em parecer en- contrado na Revista Forense, n° 25, p. 108-114, o impeachment & uma instituicio inglesa adotada nos Estados Unidos ¢ dali transportada para o Brasil, Na grande repiiblica norte-americana, gracas ao respeito pela independéncia dos poderes constitucionais, o presidente s6 é afastado do cargo depois de condenado definitivamente. No Brasil, desde 1890, sempre houve duas fases no proceso de inpeachment: a primeira, concluindo com uma decisto da Camara, semelhante & prondincia usada no Juizo Criminal comum; a segunda, perante 0 Se- nado, ultimada coma absolvigio ou condenagio definitiva, Entre nés, houve mais rigor do que nos Estados Unidos: uma vez que admitida Aacusacio por dois tercos da Camara, ¢ instaurado © processo pelo Senado, jd o presidente deixava o exercicio das suas altas fungdes (art. 86, § 14 inc. II da Constituigio Federal — CP) Allis, Viveiros de Castro (Esindos de Dirdiro Pubitco, cap. IX), chama 2 atencio para outra diferenca entre o sistema americano de ampeachment € 0 nosso, mostrando que aqui houve, por exigéncia constitucional, uma “(prévia definicao das chamadas infeacdes politico-administrati- vas” ou dos crimes de responsabilidade, seu processo e julgamento, ‘© que no ocorre na América. Ainda que com inegével contetido subjetivo, tudo esti definido hoje nos artigos 85 e 86 da Constituigdo de 1988, Essa caracteristica macional foi apontada como benéfica por Joao Barbalho, em seus clissicos Camentirios @ Consttuin Federal Brasileins, da seguinte mancira: “0 estatuto brasileiro especificou os crimes de responsabil- dade; ¢ foi além: exigiu que o primeiro Congresso ordinatio, 1a sua primeira sessio, os definisse em lei especial. Esse de- ver foi cumprido. E, de outro modo, deturpar-se-iao regime presidencial, podendo as Cimaras, sob qualquer pretexto, demitit o presidente: dar-se-ia incontrastével predominio delas. A posigio do chefe da nacio seria coisa instivel ¢ precétia, sem independéncia, sem garantias.” Diante desse quadro, é preciso atentar-se para 0 perigo de se fazer sustentagdes ou argumentacdes com base em textos ou doutrinadores alienigenas, sem perceber que sio consideriveis as diferencas entre um instituto e outro. Nao procedem também a nosso ver os argumentos de Tito Costa ¢ Hely Lopes Meirelles, 20 analisarem inypeachment de prefeitos, isso porque deixando, como deixouo Deereto-Lei n* 201/67, fixagio do. rito (att. 54) a cargo dos estados, cada uma das unidades da Federagio pode perfeitamente estabelecer 0 afastamento provisétio, tio logo sejaaccita a dentincia pela Cimara. Alias, foi isso exatamente que fez 0 Estado do Rio de Janeiro, prevendo em sua antiga Constiraigio (act. 214, § 4) e posteriormente em sua Lei Organica Municipal (Lei Complementar n* 1, de 17/12/75, art. 103, § 54) possibilidade do afastamento provisério do prefeito de suas func s, ou seja, estabe- lecendo a figura do impeachment gramatical ¢ histérico de Tito Costa € Hely Lopes Meirelles. 66 (Carte Mensal Rade ase, 72, p 5285, dex 2018 Carta Memul «Rio de anc n.729, 9.52585, dee 2018 or 2.3) Conceitos juridicos dos institutos afins ‘A atual Constituicio da Reptblica Federativa do Brasil, em seus artigos 85 e 86, dispoe: “Art. 85. Sio crimes de responsabilidade os atos do pre- sidente da Repiblica que atentem contra 2 Constituicio Federal e, especialmente, contra: I —a existéncia da Unio; I1- o livre exercicio do Poder Legislativo, do Poder Judicia- tio, do Ministétio Pablico e dos Poderes Constitucionais das unidades da Federacio; IIL o exercicio dos direitos politicos, individuais e sociais; TV —a seguranga interna do pais; ‘V~a probidade na administeacio; VI—alei orcamentiria; VII— 0 cumprimento das leis € das decisdes judi Parigrafo tinico. Esses crimes serio definidos em lei espe- cial, que estabelecer as normas de processo e julgamento” “Art. 86, Admitida a acusagio contra o presidente da Re- piiblica, por dois tergos da Camara dos Deputados, ser ele submetido a julgamento perante © Supremo Tribunal Federal, nas infragdes penais comuns, ou perante 0 Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. a Carta Mental» Rio de anc. 72, 5288, de 2015, § 190 Presidente ficard suspenso de suas fungdes: ‘T-nas infragdes penais comuns, se reccbida a deniincia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal; I1-nos crimes de responsabilidade, apés a instauragio do processo pelo Senado Federal; § 2° Se, decorrido 0 prazo de 180 dias, o julgamento nto estiver concluido, cessard o afastamento do presidente, sem prejuizo do regular prosseguimento do processo. § 3° Enquanto nao sobrevier sentenga condenatéria nas infragdes comuns, o presidente da Republica no estar sujeito a prisio, § 4°‘O presidente da Repiiblica, na vigéncia de seu man- dato, nao pode ser responsabilizado por atos estranhos a0 cexercicio de suas fungdes.” Estipula, por outro lado, no parigrafo unico do citado artigo 85, ‘que esses crimes seriam definidos em lei especial, que estabeleceria as normas do processo ¢ julgamento. Actual Carte repete, na verdade, 0 que constava do art. 84:da Cons- tiuigio de 1967 ¢ do art, 89 da Constituicio de 1946, Naesteira desses preccitos constitucionais, foi cditada, em 10/4/1950, a Lei n® 1.079, que define os crimes de responsabilidade ¢ regula o respectivo processo, Por essa lei (art. 24) e pelo prdprio texto constitucional, constata-se que esses “crimes de responsabilidade” so punidos, exclusivamen- te, com a perda do cargo e com a inabilitacio para 0 exercicio de aria Moma Rode jncie, 0.729, 5285, der 2015 ro)

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