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VIVENDO COM OS MESTRES DO HIMALAIA Experiéncias Espirituais do Swami Rama Vivendo com os Mestres do Himalaia recolhe as mais sedutoras ¢ extraordindrias experiéncias do Swami Rama. Numa prosa cheia de poesia, tais experiéncias descrevem nfo somente 0 tipo de filosofia f¢ 0 modo de ser de seus sdbios, mas também a paisagem e a cultura himalaica. Nascido na India, em 1925, numa famiia de brémanes eruditos, numa idade precoce, o Swami Rama fez-se ordenar monge por um grande sébio do Himalaia. Na idade adulta, empreendeu viagem de aprendizado, deslocando-se do monastério até a caverna, estudando e vivendo com insimeros sdbios, na solidgo das montanhas himalaicas e nas planicies da India, De 1939 a 1944, ensinou Upanixades ¢ escrituras budistas em diversas escolas ¢ monastérios hindus. Pouco tempo depois, de 1946 2 1947 estudou misticismo tibetano. Por fim, os penosos anos de estudo das escrituras, as horas intermindveis de aperfeigoamento das préticas de meditagfo, a disci- plina € a investigagfo solitéria dos estudos superiores da consciéncia, tudo isso culminou com a obtengfo do mais alto titulo espiritual da India. Em 1949, 0 Swami Rama tomouse Shankaracharya de Karvirpithan. No inicio de 1952, renunciow a dignidade e a0 presti- fio do elevado titulo, tendo, em seguida, retomado aos Himalaias para absorver os derradeiros ensinamentos do mestre e buscar inspi- ragfo pare abrirse para o Ocidente. Por 3 anos, estudou psicologia, filosofia e medicina ocidentais na Europa. Em 1970, tornowse con- sultor da Fundagfo Menninger, em Topeka, no Kansas, desenvol- vendo um projeto chamado “Controle Voluntério dos Estados Internos”. Swami é 0 fundador, 0 presidente ¢ o lider espiritual do Himalayan Institute of Yoga Science and Philosophy. EDITORA PENSAMENTO Expeniéncias Espirituais do arse Actes VIVENDO COM OS MESTRES DO HIMALAIA SWAMI AJAYA, (Organizador) VIVENDO COM .OS MESTRES DO HIMALAIA Experiéncias espirituais do ‘Swami Rama Traduggo de OCTAVIO MENDES CAJADO o | | EDITORA PENSAMENTO. Titulo do original: LIVING WITH THE HIMALAYAN MASTERS: Spiritual Experiences of Swami Rama Copyright 1978 Himalayan International Institute, Honesdale, Pennsylvania. Todos 0s direitos reservados. ry) Direitos de wadugo para a lingua portuguesa no Brasil adquiridos pel EDITORA PENSAMENTO Rua Dr. Mario Vicente, 374, 04270, S80 Paulo, SP, fone 272-1399 = Que se reserva a' propriedade Iiteréria desta traduelo, Impresso.em nossas oficinasgrffcas. Agradecimentos Seja-me permitido exprimir meus sentimentos de gratidgo aos estudan- tes © amigos que coligizam ¢ transcreveram as fitas das conferéncias de Swami, Agradego também ao Professor Larry Travis ea Arpita 0 auxitio que ‘me prestaram na organizacio do manuscrito. Estendo minha gratilfo especial ao dr. Agnihotri por haver preparado © glossirio e explicado as palavras sinscritas empregadas no livro. Madhu ¢ Gopala Deva me ajudaram no exame dos manuscritos para levar a cabo as mudangas necessirias. Agradego igualmente a Gary Evers e a Kevin Hoffman © preparo das fotografis. O Frofessor Mark Siegchrist eo jornalsta Richard Kenyon me assstiram na corresio da pontuagio. Randy Black desenhow os, ‘mapas. A sra. Howard (Cossie) Judt, presidenta do nosso Inetituto, dirigiu a publicaglo deste live. ‘Agradeso ainda sinceramente a sra. Theresa O'Brien o trabalho afinca- do no leiaute ¢ na composigio tipogrifica. Tndice Minka humilde besca A teus pés de lotus — Sri Swami Rama Mapa do Himalas Mapa do norte da India 1 EDUCACAO ESPIRITUAL NO HIMALAIA O sagrado Himalaia Meu gurudeua e meus pais Meu mestre e o principe swami Pegacas de iusto ‘Como vivemos nas cavernas I OMESTREENSINA ‘Apreadendo a dar Como o mestre poe & prova seus alunos Jornada de uma noite inteira através da floresta Cruzando um rio que transbordou Minha oferenda a meu mestre Solidio Maye, 0 véu o6smico Verdade amarga de efeitos abengoados Ensinais os outros mas me despojais A disciplina é imperativa Bengios numa maldigéo TH 0 CAMINHO DA EXPERIENCIA DIRETA So aexperigncia direta é 0 meio 0 conhecimento verdadeiro elimina o sofrimento ry 15 A mantra da felicidade ‘A mantra das abelhas ‘Abuso da mantra Recebo uma sura Pratica tnica do tantra Cometeste muitos roubos Um swarni arremessador de fogo Um mistico surpreendente Minha me e minha mestra Um iogue eterno IV APRENDENDO HUMILDADE 0 ego e a vaidade sao baldados Meu ego inchado Caltivando quolidades interiores Eu me julgava perfeito A pritica torna perfeito 0 sébio do Vale das Flores Y_VENCENDO 0 MEDO 0 disho Confundido com um fantasma Meu medo de cobras Na caverna de um tigre VIO CAMINHO DA RENONCIA Todo o meu ser é um olho Minha experiéncia com uma dangarina ‘Transformagio de um assassino Uma ligfo de desapego Prova o mundo ¢ depois renuncia ‘eins ou fogo? Meas primeiros dias como suami Perseguigdo constante Vivendo num monte de seixos Tentagdes no caminho Devo casar-me? Dignidade espiritual também é vaidade Uma experiéncia infeiz Encantos do mundo Dois renuncisntes nus = Nomundo e, todavia, acima dele Perder éganhar 88 90 95 98 100 103 107 109 13. 7 121 125, wz 130 136 138 143 145 148 150 155 159 161 163 166 170 12 174 176 179 181 183 185, 188 192 194 197 199 201 vu vin EXPERIENCIAS EM VARIOS CAMINHOS Umasébia de renome Como coragio nas mise ligrimas nos olhos O carma é 0 autor No ashram do maatma Gandhi “Sacificio, nfo, mas conquista, sim” — Tagore Endiceitando a Historia Maharshi Raman Encontro com Sri Aurobindo A onda de bem-aventurange Trésescolas de tantra Os sete sistemas da filosofia oriental Soma ALEM DAS GRANDES RELIGIOES Um sibio eristdo do Himalaia Meu encontro com um sadu jesuita Jesus no Himalaia ‘Uma visto do Cristo Judaismo na Joga Nao pertengo a ninguém sendo « Deus PROTEGAO DIVINA Bracos protetores Perdidos na terra dos devas Terr de Hamsas Um swami agnéstico Um encontro marcado com a morte PODERES DA MENTE Ligées na areia Transmutagio da matéria Onde esté'o meu burro? Quer era o outro Gopinath? Experigneia com um médium PODER DE CURA ‘Meu primeiro contato com o poder de cura Meu mestre manda-me curar alguém Métodos nfo ortodoxos de cura Curando num santuério do Himalaia Aos pés dos mestres| 203 205 210 213 216 219 224 234 237 249 301 303 306 31 34 318 321 323 326 329 336 XUI_AGRAGADO MESTRE guru é uma corrente e um canal de conhecimentos A stata que chora A fotografia de meu mestre ‘Quem pode matar 0 eterno? Metade “aqui”, metade “li” ‘Como foi salva uma jovem viva Meu mestre salva um homem que se estava afogando Shaltipata~confesindo bem avenarans leu gréo-mestre no sagrado Tibete Preparando-se para rasgar 0 véu XIU DOMINIO SOBRE A VIDA E A MORTE nascimento e a morte sfo apenas duas virgulas Atitudes diante da morte As técnicas de descarte do corpo Vivendo num corpo morto Meu mestre lanca de sio seu corpo XIV JORNADA PARA 0 OCIDENTE A visio recorrente do médico ‘Transformagio na caverna Caminhos do Oriente e do Ocidente Nossa tradigéo Instituto Himalaico Glossério 349 Minha humilde busca Sri Swami Rama procede da nobre heranga-dos sibios do Himalaia Cientista, flésofo, iogue, filantropo ¢ guia espiritual de, muitos profissionsis ¢ outros estudiosos, passa 0 dia ensinando e ajudando eeus alunos, ¢ a maior parte da noite, em meditacSo. Entre as coisas que me atrairam para le, antes ‘que eu escolhesse este caminho, figuravam sua dbvia compaixéo por toda a humanidade e sua profunda compreensio de individuos particulares. Final mente decidi seguir 0 caminho dos sébios ¢ com ele estudei nas faldas do Himalaia, em Rishikesh, onde fui iniciado como renunciante ais margens do sagrado Ganges. Tive também a oportunidade de visjar em sua companhia por alguns de seus sitios favoritos nc Himalaia, que ele procura para descansar de sua faina incessante de ensinare escrever. Um dos lugares onde vivi com swamiji* fe um grupo de estudantes americanos, por varios dias, esta deserito na historia intitulada “Bragos protetores”. E um dos locais mais belos e serenos «que ji tive ocasido de visiar. Moramos numa casa de barro 20 pé do santui- Ho ¢, durante o dia, costumivamos meditar & sombra dos abetos. Tive inimeras oportunidades de verlhe a obra filantropica, Em nossas viagens, topel com muitos estudantes detentores de bolsas de estudo para Iniversidades oferecidas pelo consércio beneficente que ele fundou. Em Hardwar, visite’ uma clinica oftalmologica sustentada por ele, Também visitel um colégio dedicado ‘is ciéncias que Swamiji construiu perto de Landsdowne, no Himalaie, regio em que vagueara na mocidade. Os aldedes do logar ainda 0 chamam pelo apelido, Bhole Baba, que quer dizer sébio gentil. Toda vez que iamos para as montanhas, éramoé seudados por multi does de pessoas ¢ tocadores de tambor, que nos conduziam onal- mente, Reverenciam-no desde os simples habitantes das aldeias até aos Iideres da sociedade indiana. ee = Forina afetuowa respeltom de tratamento que getalmente se emprege em selaglo a ry (0 Colégio Cientifico de Graduagéo sustentado por Swamijiem Landsdowne Durante minha visita a Kanpur, fui hdepede da dra. Sunanda Bai, uma dos principais ginecologistas ¢ cirurgides da India e grande admiradora de ‘Swami. Minha conversagfo com essa grande dama foi assaz esclarecedora, Faria muitos anos que ela o conhecia, ¢ as historias que me contou acerca das suss experiéncias com ele confirmaram alguns experimentos relatados neste Livro, As narrativas espirituais de Swamiji do que the acontecera pareciam tio milagrosas que eu mesmo 95 as compreendi depois que viajei ‘com ele pela India. Em Deli, Kanpar, Rishikesh e nas montanhas, encontrei diversas pessoas que o conheciam havia mais de trinta anos e tinham part pedo de alguns eventos descritos por ele. E descreveram-nos da maneira por que os haviam experimentado, Durante nossas viagens na India, Swamiji aludiu muitas vezes & cua tarefa no Ocidente. Disse-me que pretendia fundar nos Estados Unidos um Instituto destinado a verficar cientificamente, docamentar, publicar e censinar as experiéncias da nossa heranca. E concluia — Temos de construir um centro de vida que seja uma ponte impor tante entre o Oriente ¢ 0 Ocidente. Seguimos 0 caminho calcado na mensagem que nos transmitiram nosios mestres e grdo-mestres no Himalaia, cuja presenga sentimos de ‘continuo, De acordo com nossa tradigio, acreditamos firmemente que, fem seu sentido genérico, “ioga” significa todas as filosofias ¢ priticas ja seguidas pelos grandes sdbios, nfo 66 do Himalaia, mas também do judais ‘mo, do cristiansmo, do budismo, do zen ¢ do sufismo. A palavra “ioga” referese is priticas ¢ filosofies de apoio, que entiquecem por dentro e por fora. Swamiji costuma dizer: — Vivemos todos com sede mas, em vez de beber diretamente, limitamo-nos a mascar as erves que flutuam a superficie do lago da vida. Essas eryas contém pequena quantidade de égua e nfo nos matam a sede, Para saciéla de todo, precisamos mergulhar fundo, além de todas as conven- Ges aparentes, a fim de descobrir as verdades fundamentas da vida Algumas historias ¢ ensinamentos encontrados neste livro foram tirados de experiéncias que Swamiji me referiu pessoalmente. Chegévamos, fis veres, a ficar sentados até as quatro horas da madrugada, discutindo fia filosofia da vida e suas experiéncias com os sibios, que eu registrave depois, Outra fonte das mesmas histérias exam os didrios de Swamiji, que cle mantinha com fidelidade, & medida que crescia. Tive o ensejo de exami- nar esses didrios durante minha estada em Rishikesh. Uma terceira fonte importante de material para o livro foram as conferéncias de Swamiji nos Estados Unidos 13 Com base nessas fontes, foi-me possivel compilar um alentado manus- ito, Certo dia, em que eu o trazia comigo, Swami perguntowme: — Que fardo estis carregando hoje? ~ Sto historias, — respondilhe, — que coligi de vossas conferénci dos vossos diivios, ¢ da instrugio que me destes, Por favor, ajudaime a escolher algumas para um lvro. Ele no fer caso do meu pedido e pis o manuscrito de lado durante dois anos. Finalmente, meus colegas Brandt Dayton, o dr. Burke,o de. Arye € 0 dr. OBrien me animaram a organizar e preparar a publicayao dete manuscrito, Essas histérias espirituais nfo proporcionam uma narrativa biogréfica ds vida de Swami, mas apenas retratam alguma coisa do meio em que ele vivia, apresentam retratos dos sibios do Himalaia e dos seus métodes de exsino. Nio esto dispostas cronologicamente, senio agrupadas de acordo gam 0 tema. Dentro de cada tema'tentei colocar as narragbes numa seqién cia cronologica. Cada histéria, por si sé, & um expediente de ensino, que contém ligbes valiosissimas. Essas experiéncias ianicas nos ajudam @ com reender-nos, em todos os niveis, por dentro e por fore, Sinto imenso prazer em apresenti-las wo leitor. Que a nobre vida que ‘me inspirou o inspire também. E que o letor palmilhe o eaminho da luz eda vide, ‘Swami Ajaya Setembro de 1977 4 A teus pés de lotus Esta néo é minha vida, sendo a dadiva de experiéncias que colhi dos sibios do Himalsia e de ti, mestre muito amado, Certa noite solitéria cuidei que wm raio de luz, de repente, rompia a neblina e perguntei « mim mesmo o que poderia se. : esse anoitecer tu me deste um vishumbre do amor divino. E ouvi Seu nome pronunciado por tevs labios projetando nova luz sobre meu destio. ; No quarto escuro do meu coragéo estava acesa a lampada que arde sempre como a limpada sobre o altar. Quem, como tu, misturou as melodias do. ii da ster no canto la_minha vida, permitindo-me compreender “a alegria que se aunts, Sel, sobre ot das does alegria que joga nia poeira tudo 0 que t. eno conhece uma palavra”? ; Para of que compreendem tua mensagem nfo heverd medo sobre a terra, ; Hoje, portanto, a flor da gratidfo imorredoura oferece suas pétalas a teus pés de létus ‘Swami Rama 15 Bay oF BENGAL 0 sagrado Himalaia As corditheiras do Himalaia tém uma extenso de quase 2.400 quilé- metros. O monte Everest, que se alga acima de 8.700 metros, na fronteira do Nepal do Tibete, é a mais alta de todas as montanhas do mundo. Perses, hindus, tibetanos ¢ chineses esereveram sobre x grandeza e a beleza dessas ‘montanhas. A palavra Himalaia vem de raizes sanseriticas: him significa neve abaia significa lar — o lar das neves. Eu gostaria de que o leitor se desse conta de que o Himalaia nfo é apenas o lar das neves, mas tem sido também tum baluarte da sabedoria e da espiritualidade iogues para milhdes de pessoas, independentemente de suas crengas religiosas, Esta antiga e rica tradigfo perdura até hoje, enquanto estas montanhas finicas continuam a murmurar sua glorieespiritual a quantos tém ouvidos para ouvir. Nasci e crieime nos vales do Himalaia. Vagueei pelo meio deles por mais de quatro décadas e meia e fui educado pelos seus sébios. Conheci os rmestres que vivem e vigjam por ai, estudei a seus pés e experimente-Ihes a sabedoria espiritual. Do Himalaia do Pendjabe ao Himalaia de Kumayun e de Gathwal, do Nepal 20 Assio e de Siquim 20 Butdo ¢ ao Tibete, percorri cesses sitios proibidos, virtualmente inacessiveis a turistas. Escale alturas de 5,700 6,000 metros sem equipamentos de oxigénio ou equipamentos modernos. Muitas vezce, sem comida, desfaleci, exeusto ¢, por vezes, ferido, mas sempre, de um modo ou de outro, encontrei ajuda nesses ocasiSes. Para mim, as montanhas do Himalaia sfo meus pais espirituais ¢ viver ali foi como viver no colo de minha mie. A cordilheira educou-me em seu ambiente natural ¢ inspirou-me um estilo de vide particular. De uma feta, quando eu tinha catorze anos, um sibio desconhecido abensoou-me € deu-me uma folha de bhoje patra, o papel feito de casca de érvore, no qual se escreviam os antigos livos sagrados, Nessa folha escreveu ele, “Seja 0 mundo pequeno contigo. Segue tu o caminho da espiritualidade”. Ainda a trago comigo. O amor que recebi dos sébios é como a neve perene que forma as geleiras pratesdas do Himalaia e depois se derrete para converterse em 21 Seja 0 mundo pequeno contig. Segue tuo camino da espirtualidade. Avadhoot, Gangotsi, 1939 rilhares de ribeiras, Quando 0 amor se torou Senhor da minha vide, perdi completamente o medo e pasei a viajar de uma cavern a outr, stravessan do ns ¢ transpondo dasiladins entre montanes, cecado de pie cobertos de neve. Em todas as condigSes eu me sentia alegre, procurando os sion econo, gue petra pemanee Gesconhecidon. Cada instante je minha vida foi enriquecido de experiéncias espirituais, que muitos outro talvez encontrem dificuldade para comprender Noroutros O sibio gentil ¢ amavel do Himalaia s6 tinha um tema arrebatador © amor & natureza, 0 amor as eraturas e 0 amor 20 Todo. Os sébios do. Himalaia ensinaram-me primeiro o evangelho da natureza. Depots comecc a prestar atengio & misica que vinha das flores vigosas, dos cantos dos stro até da meorainha das bats dere dos eapinhos da over ve em tudo a prova do belo, Se uma pesson no aprender a escutar & ini da neers ¢ a sreiaite a puestude 0 que imple o bomen 4 buscar o amor em su fonte poder ear perdido na mais remota Antgtt ade. O leitor precisa da andlise psicolégica para descobrir na natureza a origem de tanta felicidade, de tantas cangdes, sonhos ¢ formosuras! O evangelho da natureza tira suas pardbolas dos ros glacais, dos vale repletos de lirios, das florestas cobertas de flores e da luz das estrelas, Esse evange- tho revela 0 conhecimento enfitico através do qual aprendemos a verdade ¢ contemplamos o bem em toda a sua majestade e gloria, (Quando aprendemos a owvir « mince da natureza ¢ # apreciar o que dla tem de belo, nossa alma se move em Tarmonia com todo meio em que vive. Todos 0s nosis movimentose todos os sons que emitimos encontra- Fo, por certo, seu lugar na sociedade humana, A mente do homem deveria ser ekercitada para amar a natureza antes de olhar pelo corredor da sua vid. ‘Aparece, entlo, uma revelagSo a espiar através dela com o nascer da alva. 22 asia tC ALERT mM NN 'A dor € as afligdes da vida desaparecem com a escuriddo e com a neblina {quando o sol se levanta, A mortalidade encontra sev caminbo na eonsciéncia a imortalidade. E. um ser mortal deixa de sofrer as angistias e tristezas que 4 morte parece fazer chover sobre ele. Ha séculos que a morte ver sendo fam manancial constante de sofrimento mas, a0 morrer, o homem aprende a umirse ao infinito ¢ 20 eterno. Quando aprendemos a apreciar plenamente a profundidade da nature: 2a em sua simplicidade, pensamentos fluem, espontineos, em resposta 20s apelos dos noss0s sentidos delicados em contato com a natureza. Essa texperiéncia, que faz vibrar a alma, em sua plens harmonia com a orquestra perfeita de melodias e ecos reflete o som do marulbo das sguas do Ganges, Ob precipitarse dos ventos, o rogagar das folhas © 0 rugit das navens trove jantes. Revelase a lux do Bu e remover se todos os obstaculos. Acendemos to topo da montanha, de onde avistamos o vasto horizonte. Na profundeza do silencio esta escondido 0 manancial do amor. S6 os olhos da fé desvelan ‘cvéem a iluminagio desse amor, A mixica me ressoa aos ouvidos ¢ tornowse fo canto eativante e melodioso da minha vida. Esse descobrimento dos sibios une toda humanidade na harmonia do cosmo, Os sdbios sf0 as fontes de onde a humanidade recebe 0 conheci- mento ¢ a sebedosia para contemplar a luz « verdade e a beleza, que mostra b caminho da liberdade e da felicidade para todos, Eles adverter a humant dlade das sombras e vis ilusSes deste mundo. Com os olhos deles vé-se ‘melhor a unidade do univers. “A yerdade esta oculta pelo disco de ouro. 0, Senhor! Ajudsi-nos a escobrir de modo que possamos ver a Verdade.” O evangelho do amor, tal como o ensinam os sibios do Himalsia, faz que todo o universo se dé conta do manancial de luz, vida e beleza. Quando en era menino, senteime no sopé do monte Kailasa ¢ bebi das aguas glaciais do lago Mansarober. Muitas vezes cozinkei as verduras ¢ raizes produzidas pela Mie Natureza em Gangotri ¢ em Kedarnath. Viver fas cavernas himalaicas era muito agradavel e, quando estava Li, eu tinha 0 costume de vagar pelas montanhas durante 0 dis, tomando notas a0 acas0, ¢ voltando a minha caverna antes de cair a noite. Meu disrio esta cheio de ecerigdes de _minhas experiéncias com of sibios, iogues e outros lideres espirituais do Himalaia. Bata é a terre em que nasceu sandhya vasha, Virios estudiosos moder: nos tentaram interpretar e traduzir sondiya vasho chamando-the “a lingus- gem do crepisculo”, Na realidade, ela me foi ensinada de maneira muito fiferente do conceito que dela fazem os escritores modernos. Linguagem puramente iogue, é falada apenas por uns povcos ¢ afortunsdos iogues, Eibioe e entendidos. Filosdfica e idealmente, é muito semelhante 20 sinser- 23 to, pois cada palavra de sandhya vasho flui, prenhe de significado, do som de sua taiz, $6 pode ser usada na discussdo de assuntos espirituais e nfo contém vocabulirio para os negécios do mundo. Quando 0 sol casa com a lua, quando o dia casa com a noite, e quando Ida ¢ Pingale® fluem igualmente, essa unio € denominada sandhye ou sushumné.** Sushumné @ a mie de cujo ventre nasceu a linguagem sondhya washa ou crepisculo, Durente 0 periodo de sushumnd, 0 iogue conhece a maior alegria que alguém pode Cxpesimentas comcientemente. Quando fala com outros adeptas ete conversam nessa linguagem, que outras pessoas tém dificuldade para enten- der. © conhecimento da maneira aproprnda de cantar o veron védioos estd diminuindo aos poucos porque a gramitica dos Vedas é diferente do idioma sinscrito. (A gramitica dos Vedas chama-se Nirukta.) Da mesma forma, a gramitica de sandhya washa, inteiramente bascada em sons, esta desaparecendo. Como os executantes de misica cléssica podem fazer notas de sons ¢ de suas alturas, assim se podem fazer notas dos sons usados em sondhye vasha. A isso se chama ‘a linguagem dos devas®**”, Quando nos sentamos, pela manhi ¢ & tarde, no topo das montanhas, vemos beleza em toda a nossa volta. Se formos eriatures espirituais, com: Preenderemos que essa beleza € um aspecto insepardvel do Senhor, eu atributos sfo Sottyam, Shivam e Sundram — verdade, eternidade e beleza. Esta é a terra dos devas. No Himalsia, a aurora (ushé) e 0 erepisculo (sax hy — quando 0 dia casa com a noite) nfo sfo simples momentos criados pela rotagio da terra, mas encerram profundo significado simblico. ‘A manhi, a tarde, a noite e a madrugada tém, cada qual, sua propria Beles, que linguagem sguma é expan de descrever, Maitas veo por di as montanhas mudam de cor porque o sol esta a servigo delas. De manbi sfo prateadas, 2o meio-dia, douradas e, & noite, parecem vermelhas. Eu costuma- Ya pensar que minha’ mde vestia, para agradarme, muitos séris de cores diferentes. Nio tenho vocab para explcar ables através da Hague igem dos labios. $6 posso falar com alinguagem do coragio, mas as palavras no me passam pelos Libioe mes mer paws Posso dar-vos um vishumbre dessas belas montanhas. Sua beleza, cspléndida, trenscende qualquer descricfo. 0 ambiente matinal no Himalaia é tao calmo e sereno que impele o aspirante, espontaneamente, 20 siléncio. E por esse motivo que os habitantes do Himalaia se tornam meditativos. A natureza reforcou as escolas de meditagfo. Quando eu vivia na minha ‘caverna, ushé (a aurora), que segurava 0 sol nascente na palma da mio, 4, Canais de ene dito e equerdo do corpo humano. ~Aplicapio ersencal da consctaela da reepegao para despertar a forg vital ‘#9 Seres brilhantes. amie pars deipe me oy despertava-me todas as manbls, como se minha mie estivesse, em pé, diante de mim. Os raios do sol penetravam suavemente pela abertura. Na caverna Viviam divereos iogues, que estudavam a sabedoria dos Upanizades aos pés do mestre. ‘A tarde, quando 0 tempo fica mais claro ¢ o sol rompe através das nuvens, temee a impressio de que o poderoso Pintor esta despejando mnilhdes de cores sobre os pioos nevados, criando pinturas que nunca pode- riam ser imitadas pelos pincéis ¢ pelas cores dos minisculos dedos dos artistas, Toda e qualquer arte que existe no Tibete, na China, na India ¢ ‘ta Pémia traz em si alguma influéncia da beleza himalaica. Algumas vezes também tentei pintar, mas deixei de usar 0s pincéis, porgue minhas pinturas pareciam garatujas desenhadas por uma crianca. A beleza permanece press 1S Limitagdes dor reinos humanos quando info é apreciada vigorosamente. Quando alguém se adverte do nivel mais elevado da beleza que se projeta através da natureza, tornase um verdadeiro artista, Quando descobre 0 manancial de que nasce toda a beleza,o artista, em luger de pintar, comega ‘2 compor poemas. 0 pincel e as cores nfo tém acesso a esse nivel mais apurado da ‘consciéncia. A beleza espiitual hi de ser expressa em niveis cada ver mais profundos e sutis. Os vigjantes mais antigos do Himalaia sf0 as nuvens que vém rolando mansamente da Baia de Bengala. Erguendo-se do oceano, as nuvens de mongao’ viajam no rumo dos picos nevados do Himalaia, abragam-nos ¢ voltam, ragindo, as planicies, cerregadas da dgua pura da neve. Fazem ‘chover suas bénglos sobre o solo da India. Kalidasa, grande poeta sanscrito, tonhecido como o Shakespeare do Oriente, compés muitos poemas a respeito dessas nuvens. Meghdoot é um exemplo solitério de uma excelente ‘colegio deles, em que Kalidasa usou as nuvens como mensageiras para Tevarlhe o recado a amada, que vivia cativa no Himalaia. 0 Ramayane eo Mahabbarato, famosos poemas épicos hindus, desroancham-se em louvores, quando descrevem peregrinagSes 20 Himalsia. Nem os poetas modernos, que escreveram em hindi e urdu, entre os quais Prasad ¢ Ickbal, resstiram & tentagio de exaltar a beleza himalaica, Muitos poemas sinscritos, como Makimna, so cantados como se un viajante, sabisse o Himalaia ¢ dele deacesse, Eu também compunha poemas e cantava, embora nfo fosse bom poeta nem bom eantor. A misica clisica da India tomou de empréstimo Fegas, como Pahari, as toadas melodiosas cantadas pelas raparigas do topo das montanhes O Himalaia continua repleto de mistérios para os poetas, artistas, misioos € viajantes, mao 26 revela sua mensagem mais importante ‘aos que estio preparados. SO os misticos so capazes de desvendar os verdadeiros segredos dessas montanhas maravilbosas. Eu costumava errar pelas montanhas com meu urso de estimagfo, que re era muito fiel. Ele me queria muito bem e tornowse sumamente posses- 25 a» y is al sivo, Era incapaz de ferir quem quer que fose, mas derrubava todo aquele que se aproximasse de mim. Chameilhe Bhols, ¢ foi meu melhor compa heiro durante esses dias. Por onze anos, viveu perto da minha caverna ¢ sempre me esperava sair, Meu mestre no aprovava minha afeigfo cada vez tmaior por esse animal de estimagio, e costumava areliar-me, chamando-me encantador de urtos. De manhi, carregando um cajado comprido para Sjadarme a scalar 0 morro, ev me dirgia ao ato da montanha, que distava de seis a nove quildmetros da minha caverna. Levava comigo meu dirio, alguns lapis 0 urso Bhola. Depois do dia quinze de setembro comeca a nevar no Himalaia, mas continuet meus longos passeios aos pincaros das montanhas mais proximas, entoando hinos 4 Divina Mie. De vex em quando me acudia 20 espirito © pensamento de que minha vida pertence aos que seguem nossa tradiglo. Ni The preocupava a minha individualidade, mas eu tinha uma consciéncia ‘aguda da tradigho dos sibios, que seguia. Ainda que infringiste a diseiplina uitas vezos ¢ me rebelasse, era perdoado, Nesses dias, ovorreram iniimeras fexperiéncias psicologicas ¢ espirtuais profundas. As vezes eu me sentia ‘como um rei, mas sem o peso da coroa na cabega. O fato de nio ter nenhu- ma compankia nem comunicagio humana me trouxe grande paz e serenida- de. Compreendi que a natureza é muito pacifica. SO perturba os que s¢ pperturbam, mas ensina eabedoria aos que Ihe admiram e apreciam a beleza Iso é especialmente verdadeiro no Himalaia. Encontramse em abundineia nessas montanhas muitas variedades de flores. Os que possuem imaginagio poética dizem que, vistas dos picos cobertos de neve, as vertentes atapetadas de flores parecem um magnifico aso florido que um diseipulo plenamente preparado desse de presente, tom suma reveréncia, ao seu gurudevo, Eu me sentava & beira desses cantei ros naturais e ficava olhando para o céu, a procura do Jardineiro. Entre todas as flores que crescem nos vales do Himalsia, as mais belas io 8 liris ¢ as orquideas. Centenas de variedades de lirios florescem antes de acabarse o inverno e, is vezes, antes até da nevada. Ha uma variedade de Iirio corde-rosa muito bonita, Cresce em junho ¢ em julho numa altitude de 2.400 2 3.300 metros se encontra nas margens do rio Rudra Garo, que desigua no Ganges em Gangots. Essa mesma variedade de lirio também cexeace abaixo das drvores de Bhoja Basa. ‘As orquideas do Himalsia, mais dedumbrantes do que qualquer outra flor, exescem numa altitude de 1.200 a 1.800 metros. A mais pesada Gque jé encontei vvia num carvalho ¢ pesava pouco menos de 680 gramas, Kigumas variedades podem encontrarse em estufas, a poucos quilometros de Catmandu, no Nepal, mas mouitas continuam desconhecidas dos horticul- tores, Durante a temporada de floracio, os brotos, em sua obstinagio natu. a7 ral, retardam o florescimento e, as vezes, levam de seis a sete di desabrochar. As flores das orquideas srosame belas e ota floragdo dura, pelo menos, ole meets e me som ents eles sua Os cactos da montenha abremse em flores d 1s cactos e-em flores de repente na noite enhus- rada. Timidas diante dos raios do sol, suas pétalas perdem o vigo antes que © sol desponte, ¢ eles nunca mais florescem, Conhego mais de vite e cinco variedades de suculentos ¢ actos no Himalaia, usados para finalidades medicinai. Disseram-me que uma planta trepadeira, a somo, da familia das assclepiadaceas, cresce numa altitude de 3.300 a 5.400 metros. __Bntre a grande variedade de flores do Himalaia, hi mais de cento e singintavariedaes de rododendros. A mais notivel ¢azal bran. 50 comuns as variedades cor-de-rosa e vermelhas, ¢ outra variedade poss Pitslas maltiolordas, No verdo, por vezes, um vale todo se alfambra de flores de rododendros pores Ca AA rainha des flores do Himalaia é a himkamol, ou “Iitus da neve”, flor rarisima. Um dia em que eu vagabundeava pelas montanhas, vi uma Bimkanal sal iscas, do tananko de um pes, que eres exve dus rochas, semi-enterrada’na neve, Pusme a contempléla e minha mente entabulou um didlogo com ela eur cena — Por que estés aqui sozinho? — pergunte‘-he. Tua beleza foi feta para ser adorada, Devias darte a alguém antes que tuas pétalas caissem e retornassem 20 p5. Quando a bisa Ihe soprou o caule, ele estremeceu, inclinowse na ints diego ocespondenma ov + inine _ = Cres que'me sinto solitatio' porque estou s6? Bstar'sé é estar num 13; Aprecio estas alturas, a pureza, o abrigo que me fornece o guarda-chuva szul Ii em cima, Eu queria colher a flor ¢ pensei em arrancictae levida a0 meu mestre. Comparci-minha propria vida a esse lotus e exclamel, como erianga alegre € irresponsivel: — Que te aconteceré se eu esmagar tuas pétalas? 0 Fetus replicow: = Ficarei contente, pois minha fragrincia se irradiaré por « estard cumprida a finalidade da minha vida. naa Arranquei o létus pelas raizes ¢ levei-o a men mestre, mas esté nfo se Imotrou muito rat, Nunct Ihe aradara uta a flores ¢ sua fagrnc, ‘4 nfo ser numas poucas ocasides em que me ordenava que cothesse flores na Forests para o culto, Foi eta altima ver que colki ma flor. Fizowme a impressio de ter despojado a Mie Natureza, arrancando-the o filho do colo. 28 : | Nunca mais fiz iso, A beleza exiote para ser admirada e nfo usada, posuida cou destruida, O o:nso estético se desenvolve quando principiamos a apreciar abeleza da natureza. [A fim de satisfazer e realizar meu desejo de ficars6, entrei a vagar de tum lado para outro, admirando a natureza pelo simples fato de estar com tla. As vees eu descia até is ribeiras nevadas ¢ olhava para as ondulagées que batiam umas nas outras & medida que iam para a frente. Os ros € beiras que se frecipitavam do topo das geleiras pareciam outros tantos tachos de eabelos, A misica eriada pelos cursos 4’égua é estimalante, Eu comparava a coriente da vida a essas correntes que estéo sempre fluindo fe obvervava, atento, a massa aquosa que corria para o oceano, sem jamais deixar uma lacura. Os cursos d’égua nunca voltariam para tris, mas outra masse Iiquida ensheria o claro, Havia sempre continuidade. As ribeiras sio tomo o fluxo perene da vida. Durante horas eu as observava, nevosas, a fir das geleirs ¢ das quedas d’égua. As duas margens dos riachos brilhavam ‘como prata nas noites de luar. ‘Vivendo na parte do Himalaia onde flui o Ganges, eu me,sentava nas suas ribas rochosise fitava 08 olhos no eéu azul e na lua clara, que perdia tor na arcia, Observava as luzes tremeluzentes que vinham das casinhas das aldeias distantes », quando as nuvens se separavam, via 0 céu cintilar com as limpadas de um milhéo de estrelas. Essa grandiosa assembléia ¢ longa procisséo estelar ultrapassa a imaginagfo humana. Lé embsixo, na terra, Os picos do Himalaia fruiam em siléncio a feira dos astros. Dirse-ia até que flguns brincassem de esconde-esconde entre os picos das montanhas. Em todas as diregBer, 0s cimos e o$ ribeiros cobertos de neve eram iluminados pela claridade letosa que emanava da extrelada multidéo de que até hoje Ine lembro. A noite, a neblina formava espesso alcochoado branco sobre © Ganges, entre duss cadeias de picos nevados e, antes do nascer do sol, uma camada de neblira cobria o Ganges como alvo cobertor, debaixo do qual se tinha a impressdo de que roncava uma serpente adormecida. Os raios do sol nascente precipitavam-se para beber daquelas aguas sagradas com a mesma ofreguiddo com que eu me precipitava para banhar-me no Ganges todas as manhfs, A gua da montanha tinha a limpidez do cristal, acalmava os olhos ¢ estimulave os exntidos. Muitos rios fluem do grande lago Mansarobar, nas faldas do monte Kailasa, mas en:re todos of rios que tém suas eabeceiras nas montanhas do Himalaia, o Ganges é nico. Quando desce de suas nascentes nas geleiras de Gangotri, earrega em suas aguas uma variedade de minerais de valor nutritive terapéutico, Raro se manifestam moléstias da pele entre os aldedes que vivem nas margens do rio sagrado. Em todos os lares hi uma garrafa de égua do Ganges, que quase todos costumam dar de beber 08 moribundos. Engarrafada, essa dgua no se estagns, ¢ nela no sobrevivem bactérias, que sobrevivem na égua de outros rios. Hé muito tempo, os marinheiros descobriram que # agua potivel do Ganges, transportada por navios que navegavam de Caleuté a Londres, nio se estagnava, a0 passo que a agus do ‘Tamisa transportada por navios que faziam o percurso de Londres & India precisava ser substituida durante 0 percurso. Os componentes quimicos e ‘minerais nicos dessa 4gua tém sido analisados por muitos cientistas no mundo inteiro. O dr. Jagdish Chandra Bose, eminente cientista indiano, analisou a gua do Ganges ¢ concluiu: “Parece no haver outra égua de rio ‘como esta em parte alguma do mundo. Suas qualidades minerais tém pode- es para curar intimeras doengas.” +. Entretanto, quando 0 Ganges desee as planicies, é alimentado por uitos ribeirées ¢ rios poluidos, e perdem-e os méritos da sua égua, Alguns aldedes atiram os corpos de seus mortos no Ganges acreditando que, assim, as almas dos seus entes queridos vio para o ou. Pessoalmente, nfo aprovo 0 sistema de poluir a dua e depois bebé-la e chamar-the santa. Meu mestre ensinou-me a nfo beber a dgua do Ganges, nem banhar-me nela pensando ‘que, a0 fazé-Jo, eu me estaria limpando dos meus pecados. Ele doutrinow-me na filosofia do carma e disse: — Temos de colher os frutos do nosso carma. A lei do carma é inevits- vel ¢ aceita por todas as grandes filosofias do mundo: “O que semeares, colheris”. Aprende @ cumprir tuas obrigagies peritamente, sem aversio nem apego, ¢ nfo acredites que alguma coisa podera tirar, lavando, teu mau carma. O tomar banho num rio ¢ o fazer peregrinagies de um santuério a outro nfo te libertario da sujeig#o a0 carma. Tal erenca é mera superstigfo -carece de logica 0s rios que descem do Himalais enriquecem o solo da India e alimen- tam hoje em dia mais de 600 milhées de pessoas. Nada obstante, hé quem dige que essas montanhas s80 pobres. Escritores atrevem-se a afirmar que 0 Himalaia, economicamente decepcionante, tem poucos depésitos minerais nfo suporta empresas de grande vulto. Concordo com eles: economicamen- te, a5 montanhas nfo so ricas. Espiritusis, provém @ subsisténcia de renan- Giantes, ¢ nfo dos materialmente opulentos. Os que tentaram explorar as riquezas do Himalaia de um ponto de vista econdmico fracassaram, ¢ 05 ‘que-se langarem a tais aventuras no futuro verse-o igualmente decepcions- dos.:As aldeias himalaicas nio receberam sua cota de educago, tecnologia evtnedicina modernas, muito embora as montanhas sejam o reservatdrio da agua potavel e das aguas de irrigacio de toda a India. Os planejadores indis- znos revelam-se desassisados nfo dando maior destaque a esse importante recurso. Os habitantes do Himalaia, todavia, preferem que as coisas continuem como estio. “Deixainos sozinhos sem exploragio. Sede gratos ¢ respeitai- nos de longe,” séo as palavras que ouco de muitos aldedes do Himalaia. 30 me: mnericiponenntty ¥ sods nema assent aa aes Sustentam a economia das aldeias minisculos campos terraceados em que ee cultivam a cevada, o trigo ¢ as lentilhas. A criagio inclui bifalos, tameiros, gado bovino, poneis e cabras. Os aldebes que vive no Himalaia do Pendjab ¢ de Caxemira, no Himalaia de Kumayun,¢-de Garhwal e no Hiimalaia do Nepal e de Siquim possuem muitas caracteristicas em comum. Séo pobres mas honestos; no furtam nem brigam, Nas aldeias encarapita- das no alto das montanhas, ninguém tranca sua casa — as trancas nfo sio necessérias. Hé ali sitios de peregrinacio. Se fordes a um santuério no alto das montanhas e deixardés cair yossa bolsa no caminho, ela estari no mesmo lugar quando por ls passardes semanas depois. Ninguém tocaré nels, Consi- derase falta de respeito mexer nas coisas alheias sem permissio. “Por que precisariamos das coisas dos outros?” perguntario. Nao hé cobiga porque 2s neceasidades so escassas. Eles nfo sofrem de insanidade materialist Q's 6 preci ‘s'planicies lhes fornegam sal ¢ dleo para in ete thy aladdin memes capt do {que a maioria das outras espalhedas pelo mundo, mercé dos habitos simples, Thonestos e delicados do povo. A vida ¢ calma e pacifica. As pesoas nfo sabem odiar. Néo compreendem 0 ddio. E-ndo querem descer as planes. Quando deixam as montanhas, a0 Se sentem vontade no meio da gente dss planicies com seus traques, jogos ¢ fingimentos. Nas éreas das monts- has mais influenciadas pela ‘cultura moderna, no entanto, a mentira © 0 furto comesaram a.ocorrer com maior-freqiéncia. Considera-se a sociedade modema adiantada e culta, mas ela no é suténtia, mas artifical como qualquer pola arf. Poacs, hoe em dia, dio valor is pérolas auténticas. O ser humano moderno enfraquecen-se e fraqucceu sur nattreza humana a0 procurar cultivéla cada ver mais, ¢ fo perder o contato com a naturesa ¢ a realidade, Na cultura moderne, ‘ivemos para mostrar-nos aos outros, € nfo para servilos. Mas se fordes és Tnontanhas, sgja qual for a vosse identidade, as primeiras coisas que vos perguntardo slo as seguintes: — J comestes? Tendes onde ficar? ‘Qualquer um ali vos faréessas perguntas, quer sejais amigo, quer sejais cestranho. (0 povo do Himslaia de Garhwal ¢ Kumayun é inteligente, eulto ¢ hoopitalelo. A arte do vale de Kangra e a arte de Garhwal efo famosas por seu trabalho singularesimo de bico de pena e de cor. A educagio em algu- sas comunidades serranas € melhor do que em muitas outras partes da India. Os padres das diferentes comunidades sabem tanta astrologia mistura- da com tantrismo que, as veres, o seu saber surpreende os vigjantes das planicies, O povo leva uma vida simples, proxima da natureza. Mora em frelas casas de madeira ¢ tece as proprias roupas. A noite, reine-se para 31 ‘Campos terraceados no Himalaia salmodiar ¢ cantar eu folelore em belas melodias. Danga num grupo ¢ entoa ‘anges populares harmonioses ¢ comoventes, Os tambores das montanhas so excelentes ¢ as flautas de bambu ¢ harpas primitivas sfo usadas pelos pastores ¢ pelas criancas de escola. Quando os rapazes ¢ raparigas sobem as montanhas em busca de capim para o gado e madeira para lenha, compéem ‘espontaneamente ¢ cantam poemas. As eriangas tém um modo proprio de gozar a vida jogando héquei e futebol. A reveréncia aos pais € pessoas mais velhas é uma das caracterfsticas notaveis da cultura himalsica. ‘A maioria das drvores que cresce em altitudes de 1.200 a 1.800 metros slo carvalhos, pinheiros e devdaru (abetos) de varias espécies, Nas altas montanhas, cresve a bhoja patra e fornece papel de oértice, que os aldedes utilizam para. registrar suas experiéncias, 0 modo com que levam a cabo seu culto religioso, e 0 emprego de ervas, Todo aldego conhece alguma ‘coiss acerca de ervas, fiteis para muitos propésitos na vida cotidiana. Todas as aldeias de Caxemira e do Pendjab, do Nepal e.de, Siquim so famosas pelos soldados robustos ¢ sadios que fomnecem, 0 exército indiano. A cexpectativa de vide do povo, muitas veres,é superior a cem anos, ‘A comunidade himalaica que vive nas montanhas do Paquistdo chama- -se hunza ¢ come carne, mas a que vive na parte indiana do Himalaia chama “se hamso, e & vegetarians, Hamas quer dizer “‘cisne”, ¢ este é um simbolo freqiente na micologia hindu. Diz-se que o cisne tem o poder de separar ¢ beber apenas o leite de uma mistura de leite.¢ agua. Da mesma forma, ‘ete mundo é una mistura de duas coisas: 0 bom ¢ 0 mau, A pessoa sdbia cescolhe ¢ fica com o que é bom e deixa de lado o que é mau. Em todo 0 correr das montanhas 0 culto de Shakti® é conspicuo, € ‘em toda aldeia hi pelo menos uma ou duss capelinhas, Os sibios visjam ¢ nfo formam comunidades. Provém de culturas diferentes e de diferentes partes do pais (¢ do mundo) e vivem em cavernas, debaixo de irvores ou fem minisculas chogas de sapé, Esses locais de habitacdo, considerados como templos, situam-se fora das aldeias. Hi sempre um sibio, pelo menos, is yezes varios, que li se demoram e cujas necessidades mais urgentes sf0 tatisfeitas pelos aldedes. Quando algum sadu** iogue ou sibio errante aparece, 08 aldebes lhe oferecem, prazerosos, a comida de que dispem. Gostam de receber héspedes e travam amizade facilmente com eles, Quando vinjeipelo Himalsia, nfo me agradava ficer com os aldedes ou com os funciondrios estaconados aqui e ali, mas preferia aposentar-me nas ermidas, ‘cavernas ¢ chogas de sapé dos sébios. © Mie Divina. Renunciant, 33 Culturalmente, o Himalaia nfo constitui obsticulo nem ria barreiras ‘para os paises cituados de um e de outro lado dele, Hi centenas de comuni Gades ¢ nacionalidades nessas montanhas que se notabilizam por peculiai- dades em seus modos de vida, resultantes de alguma fusio inséita da cultura indiana com a tibetana e a chincsa, Falam-se linguas diferentes em diferentes partes do Himalaia. Tempo houve em que eu falava o nepali, o garhwali, 0 kcumayuni, o pendjabie um pouco de tibetano, mas nunca aprendi o idioma falado em Caxemira, O conhecimento dessas Iinguas das montanbas ajudow- ‘me a comunicar-me com os lideres espirituais locais e com os herbanérios. 0 més de julho & o melhor més para se viajar no Himalzia. A neve ¢ as goleiras estdo derretendo, e milhares de ribeiras precipitam-se por toda a parte. O frio néo é desagradavel e os que conhecem a natureza das geleiras, avalanchas ¢ deslizamentos de tera podem viajar com cuidado, mas com ‘conforto, Os perigos das’ montanhas do Himalaia sio hoje iguais 20 que ‘sempre foram. Avalanchas, ribeiras ¢ rios vertiginosos, rochedos que se projetam no espago e picos cobertos de neve que se alteiam, sobranceiros, io mudaréo seus modos de ser por viajante nenhum, Apeser disco, @ heranca espiritual do Himalaia hi muito tempo vem motivando viajores & explorarthe a sabedoria desconhecida, Hi mais de mil anos, centenas de Viajantes tibetanos ¢ chineses, encontrando a literatura budista da India, traduziramana para suas proprias linguas, disseminando desse modo os fensinamentos budistas em seus paises..0 Grande Veiculo do budismo (Mahayana) transpos a8 fronteiras himalaicas, primeiro para 0, Tibete © depois para a China, enriquecendo a cultura ¢ a religifo chinesas. As tra es meditativas do zen so aspectos desse budismo transmitido, em seguida, para o Japfo. Os ensinamentos originals foram instilados por mestres hindus, {que viajarain para 0 Tibete ¢ para a’ China hi dez séculos. Os sdeptos do taofemo do confucionismo adoram o Himalaia e os mestres himalaicos, pois receberam muita sabedoria dos que viajaram e viveram nessas monta- Tthas. O principio da inaglo enfatizado pelo taofsmo encontree formulado om précisfo no Bhagavad Gita. O conceito de nirvana, daramente presente na filosofia indiana primitiva, exerceu influéncia sobre todas as religibes do ‘Tibete, da Mongélia, da China e do JapSo. Hoje em dia, o Tibete é um pais comunista e tudo faz cre que sua antiga sabedoria e a cultura que nela 9¢ baseava desapareceram, Entretanto, o Dalai Lama ¢ um punhado de seguido- res migraram para os contrafortes das montanhas do Himalaia ne India. Bssas montanhas foram meus sitios de recteio, Diree-iam amplos ‘sgamados estendidos, como se a Mie Natureza tivesse cuidado deles pessoal- mente de modo que seus filhos que vivem nos vales permanecessem felines, alegres e cénscios do propésito da vida. E ali que se pode chegar a compreen- der que desde a menor das hastes de relva até ao mais alto dos pincaros, nfo ha lugar para a tristeza na vida. 34 © sagrado Himalala, Meus quarenta e cinco anos de existéncia ¢ viagens com os sibios do Himalaia, sob a diregio do meu gurudevo, permitiram-me experimentar fem poueos anos 0 que normalmente ninguém experimentaria em virias existencias, Foime possivel fazé-lo em virtude da grasa do meu amado mestre, que queria que eu experimentasse, escolhesse e decidisse por mim mesmo. A série de experiéncias e meu aprendizado com os sabios me ajuda- ram a stingir e manter um centro de percepcio interior. Eu vos contarci ‘como eresci e coino fui exercitado, falarei sobre o6 grandes sibios com os aquais vivi e © que me ensinaram, nfo através de conferéncias e livros, mas, através de experiéncias. As historias reunidas neste livo sio um registro de algumas delas, Toda ver. que desejo contar uma histéria ao mundo, penso {que proprio mundo é uma histéria. Qro por que outros também possam tirar proveito dessas experiéncias, e por esse motivo falo nelas quando fago conferéncias ou leciono. Sempre pergunto aos meus alunos: — Que éo que é meu e que foi o que no te entreguei? Dessas histériss expiritusis, aprendei o que @ proveitoro 20 vosso crescimento, ¢ comecai a praticélo, deixando, por enquanto, com 0 narra dor o que esta além do voso alcance. As lembrangas dessas experiéncias ainda hoje me despertam e sinto que as montanhas do Himalaia me chamam de volta, 36 Meu gurudeva e meus pais Meu pai era um conhecido sanscritsta © homem altamente espiritual Muitos brémanes, que viviam em sua aldcia, procuravam'no para consultélo estudar com cle, Moderaéamente rico € generoso proprietirio de terras, meu pai nfo arava seus campos pesoalmente, mas partilhava dos produtos deles com os trabalhadores que o faziam. Fazia seis meses que ninguém sabia do seu paradeiro ¢ a familia jé chegara & conclusto de que ele morrera ou pronuitciara um voto de renincia, Na realidade, ele estava fazendo um Tongo retiro, porque tinha problemas com suas praticas espirituais, Entrega- vase uma intensa meditagio na floresta de Mansa Devi, nfo longe de Hardwar. Numa viagem que fez, de passagem por Mansa Devi, meu mestre chegou certa noite 20 sitio em que meu pai se encontravs. Ao védlo, meu pai conheceu de pronto que aquele era o sen gurudew. Muites vezes, num fontato inicial dessa natureza entre mestre € discipulo, os dois coragies respondem ¢ se abrem espontaneamente um para 0 outro, Isso pode aconte- cer ao simples contato de um olhar. Logo depois se inicia a comunicagio sem agfo e sem fala, Meu mestre Id ficou uma semana, orientando meu pai e instruindo-o finalmente para voltar para casa, que ficava a 1.650 metros de altitude nas colinas de Utar Pradesh. Minha mie renunciara a esperanga de ter o marido de volta e encetara ‘uma pritica intensive de austeridades. Quando meu pai regresou, narroulhe suas experiéncias com o mestre que o iniciara em Mansa Devi. Contoudthe que este Ihe dissera que, embora tivessem quarenta ¢ trés ¢ seasenta anos de idade, respectivamente, teriam um filho que também o seguiria, Dois anos mais tarde, meu mestre desceu do Himalaa aldeia de meus pais e visitouhes a casa, Meu pai estava jantando quando meu mestre chegou, € minha mde atendeu & porta. Sem saber quem era, pediuhe que fizesse 0 favor de esperar porque seu marido estava jantando ¢ ela o estava servindo, Ao saber da chegida de um héspede, meu pai deixou a comida e correu para a porta, Meu mestre disse: 37

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