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CO DEVIR EDUCACAO ISSN: 2526-849 OS TRACOS FASCISTAS POR TRAS DO PRECONCEITO, VIOLENCIA E BULLYING NA ESCOLA. FASCIST TRAITS BEHIND PREJUDICE, VIOLENCE AND BULLYING INSIDE SCHOOL. Anilde Tombolato Tavares da Silva’ Candida Alayde de Carvalho Bittencourt” Resumo Este texto consiste em critica contundente as condigdes sociais que geraram o fascismo e, dentro desse, personalidade autoritaria predisposta a preconceitos e consequentemente a atos de violéncia. A anélise do preconceito e a violéncia na escola, permite entender como as representagdes da sociedade em que vivemos se reproduzem no cotidiano escolar - instituigaio que deveria ser 0 espaco de educagdo e socializagao das criangas, mas que se transformou em espago de agressio e desrespeito miituo, com situagdes de preconceito, violéncia e bullying, como o uso de piadas ¢ ofensas, formas de violéneia psicoldgica que sdo negativas para a formago ¢ constituigio da subjetividade e identidade das crianeas. Esses, nto devem ser tolerados e, necessitam ser enfrentados por professores, coordenadores e dire¢o, com trabalhos educativos de desconstrugio de estigmas. O referido artigo traca caminhos reflexivos para identificar e combater bullying, a manifestacao do preconceito e contribuir na superacao do pensamento estereotipado em relaclo as minorias vitimas do preconceito na escola, além de impactar a formacio de educadores que vivenciam essa realidade no dia a dia nas salas de aulas. Palavras chave: Educa¢ao; Preconceito; Personalidade Autoritaria; Bullying. Abstract This text focus on a severe criticism to social conditions that result in fascism and, within that, to an authoritative personality inclined to prejudice and as a consequence to acts of violence Analyzing prejudice and violence within a school, allow us to undersiand how the representations of the society which we live are recreated in the school environment ~ an institution that should be a space for education and socialization to children, but had become a space of reciprocal aggression and disrespect, happening situations of prejudice, violence and Professora Associada do Departamento de Educacio da Universidade Estadual de Londrina. E-ail: anildetombolato@ gmail co rofessora Associada do Departamento de Arte Visual da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: candida carvalho@uel.br Revista Devir Educacdo, Lavras, vol.3, n.1, p.116-126 jan./jun., 2019. 116 CO DEVIR EDUCACAO ISSN: 2526-849 bullying, using jokes and insults, psychological violence which is negative in the formation and constitution of a child’s subjectivity and identity. These, should not be tolerated and, it is necessary to be faced by teachers, coordinators and school government, through educative work to deconstruct stigmas. This article reflects ways to identify and fight bullying, prejudice manifestation and contributes to overcome stereotyped thoughts related to minorities that are victims of prejudice inside the school, in addition to impact educator's formation from professionals who deal with this reality in their classrooms every day. Key words: Education; Prejudice; Authoritative personality; Bullying Introdugio A questio do preconceito e as ages para combaté-Io, é um tema muito recorrente em diversos meios, desde 0 académico até instincias governamentais e internacionais. Tal discussio se fundamenta pela necessidade de refletir sobre os tragos fascistas que se escondem nas atitudes que se espalham cotidianamente nas escolas ¢ fora delas. O texto pretende discutir 0 preconceito, a violéncia e 0 bullying presentes na escola, apoiados nos trabalhos de pensadores da Teoria Critica da Sociedade e textos de Adomo e Horkheimer. E uma critica contundente as condigdes sociais que geraram o fascismo e, dentro desse, a personalidade predisposta a preconceitos e consequentemente a atos de violéncia. Entre estes textos cabe ressaltar: “La personalidade Autoritaria” de 1965, “Elementos do Anti semitismo”, publicado na Dialética do Esclarecimento, em 1947; “Minima Moralia: Reflexdes a partir da vida danificada”, de 1951 e “Eclipse da Razio”, de Horkheimer, de 1946. Textos que consistem em critica contundente as condicdes sociais que geraram o fascismo. Leituras que nos instigam a colocar em diivida as disposigdes psicolégicas na abordagem adotada nos tragos da personalidade autoritaria, dentro de um fenémeno complexo € dinamico que se constrdi entre individuo © sociedade. Nossa compreensio apoia-se na citagio de Adorno e Horkheimer (1973), 20 afirmarem que’ As grandes leis do movimento social nfo regem por cima das cabecas dos individuos, realizando-se sempre por intermédio dos proprios individuos e de suas agdes. A investigacio sobre o preconceito tende a reconhecer a participacto do movimento psicoldgico nesse processo dindmico em que operam a sociedade e o individuo. (p.173-174) Revista Devir Educacao, Lavras, vol.3, n.1, p.116-126 jan/jun., 2019. 117 CO DEVIR EDUCACAO ISSN: 2526-849 Um processo dinimico em que as caracteristicas do sujeito potencialmente preconceituoso so adquiridas durante o seu processo de socializagio e, portanto nio sio inatas — s4o psicossociais e atuam na formagao € sustentagdo das representagdes psicolégicas @ no comportamento etnocéntrico do sujeito, contribuindo na formacio complexa das caracteristicas e diversidade nas estruturas autoritérias da personalidade. Neste sentido, podemos afirmar que existem virios tipos de sujeitos autoritarios, conforme a prevaléncia de uma ou mais destas estruturas. Desta forma, entende-se que os tragos fascistas, transvestidos pela violéneia escolar & derivada de uma violéncia social, quando se apresenta em suas especificidades, ¢ diretamente social, quando traz problemas sociais de diversas naturezas para dentro dos muros escolares. © arquétipo da personalidade potencialmente fascista e autoritiria se estrutura, de forma resumida, em algumas caracteristicas tais como: adesio ao idedrio burgués, submissio acritica nas relagdes com autoridade moral, agressividade autoritaria, hostilidade e desprezo as humanidades, énfase nas relagdes de dominac3o-submissio, supersti¢io estereotipia, oposigao a subjetividade, projecao ¢ preocupagio excessiva com a sexualidade. (ADORNO et all, 1965) Diante da urgente necessidade de levantar e tecer um diagnéstico critico em relagao a predominaneia cada vez maior desse tipo de racionalidade buscamos compreender os mecanismos que so articulados para cometer atos preconceituosos e violentos dentro e fora dos muros escolares ¢, contribuir na superagdo do pensamento estereotipado em relagdo as minorias vitimas do preconeeito na escola, além de promover o debate e a formacio de educadores que vivenciam essa realidade no dia a dia nas salas de aulas. Fascismo e Personalidade Autoritaria Os estudos sobre o preconceito esto conectados, historicamente, ao surgimento e a0 estabelecimento da ideologia nazi-fascista. A obra La Personalidad Autoritaria elaborado por uma equipe de pesquisadores formada por filésofos, socidlogos, psicanalistas, liderados por Adorno, da Universidade de Berkeley, fruto de diversas pesquisas realizadas na década de 1940, permitiu a identificagao dos tragos de personalidade potencialmente fascista através de instrumentos, que mensuravam e identificavam os tragos presentes em individuos com este tipo de personalidade. Nestes estudos, os pesquisadores elaboraram a “Escala F”, um indicador empirico em que através de questionarios © entrevistas clinieas procuraram Revista Devir Educacdo, Lavras, vol.3, n.1, p.116-126 jan./jun., 2019. 11s CO DEVIR EDUCACAO ISSN: 2526-849 identificar o potencial fascista de individuos conmuns numa sociedade massificada. Nesta escala, 0 tipo psicologico radicado no seu nivel mais elevado caracterizado por Adorno como fascista. Os autores tomaram como ponto de partida a discriminagdo social, mas seu propésito nao era referir-se ao fascismo politico ¢ ideoldgico de Estado, mas centralizar suas anélises em descobrir as predisposigdes psicossociais para o fascismo latente em cidadaos comuns que no participavam de organizagdes politicas radicais. O perfil da personalidade autoritaria ou do homem autoritario era um conceito relativamente novo e visivelmente presente nas sociedades modemas democriticas. A preocupagio dos autores era descobrir os tragos essenciais © histéricos da personalidade potencialmente autoritiria ou fascista que parece combinar as ideias babilidades tipicas da sociedade altamente industrializada com crengas irracionais ou anti racionais. Freud, na década de 20 do século passado jé havia diagnosticado que o mal estar na cultura nasce da repressio aos impulsos e desejos, sacrificando a felicidade humana e libertando os impulsos destrutivos do homem contra a civilizagao. Hoje nos deparamos com uma realidade diferente em que convivemos com uma abundincia material e intelectual, em que aparentemente os impulsos ¢ desejos podem ser satisfeitos, porém mantemos a sensagio de um sentimento de claustrofobia, de que o mal estar nao desaparecen, a pressio social tomou-se mais aguda e os niveis de violéncia cresceram em relago a0 mundo administrado. Cabe ressaltar que uma das questdes relevantes nos estudos frankfurtianos é enfrentar a frieza contemporinea dos individuos que favoreceu a predisposigdo de comportamento fascista e entender 0 que o gerou. O principio foi o anti semitismo, em que a prerrogativa é a do sujeito etnocéntrico que possui a predisposigao para a discriminagao e preconceito contra virios grupos étnicos. Ele sente-se cada vez mais envolvido numa rede densa de enclausuramento social ¢ quanto mais densa é a rede, mais 0 individuo tenta se libertar. Contudo, essa densidade impede a saida. Isso Libera as forgas destrutivas contra a civilizagao, que se torna mais irracional e violenta © Individuo impulsionado pelo medo de nao ser aceito pela coletividade, tende a aderir a ideias ¢ ideais que permitem sua preservacio imediata e 0 defende da destruigao, idealizando como verdade absoluta, 0 grupo e sua lideranga ao qual se identifica e rejeita, projetando qualidades negativas para qualquer ago, membro ou ideia de grupos ao qual nio se identifica em forma de preconceito. Segundo Horkheimer e Adorno (1985), esse medo Revista Devir Educacdo, Lavras, vol.3, n.1, p.116-126 jan./jun., 2019. 9 CO DEVIR EDUCACAO ISSN: 2526-849 continua a existir na substituigio do dominio da natureza sobre ele pelo dominio da sociedade, que nesse sentido, reage ainda a forgas nao civilizadas, Quando este quadro se instala, o individuo fraco ¢ impotente procura compensar sta fraqueza se identificando com seus opressores. Ele busca nas estruturas do poder uma identificagdo imagindria diante da sua insignificdncia e inaptidio frente a experiéneia que realimenta a personalidade autoritiria que por sua vez nasceu da persisténcia dos pressupostos sociais objetivos que geraram o fascismo. 3s fildsofos se propuseram entender os tragos do fascismo e 0 preconceito com base em pesquisa sobre © individuo totalitirio, aquele que é portador de uma estrutura relativamente rigida e constante, por um “reconhecimento cego, obstinado € intimamente rebelde tibutado a tudo que se reveste de poder."(ADORNO & HORKHEIMER , 1973 p.178). Um aspecto importante destacado pelos autores ¢ que o pensamento do individuo & orientado hierarquicamente, submetido a autoridade moral idealizada pelo modo de vida social; ou seja ao grupo que supostamente julgam pertencer e colocando-se propensos a condenar, pelos mais diversos pretextos, aquele que nao pertence a0 seu grupo e, consequentemente considerado inferior. O individuo tende a ideslizar o grupo e os lideres com os quais se identifica e projetar qualidades negativas, objeto do preconceito, nos grupos com os quais nao se identifica. Desta forma, entende-se a manutengio da sociedade administrada atual por meio do individuo que é parcial ou plenamente alheios a ela. Adomo ¢ Horkheimer (1973, p.121) explicam que: & preciso reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais atos, € preciso revelar tais mecanismos a eles préprios, procurando impedir que se tornem novamente capazes de tais atos, na medida em que se desperta uma consciéncia geral acerca desses ‘mecanismos. As palavras de Adomo, nos colocam diante da necesséria “inflexo em direpo a0 sujeito” na sua relagio social para estudar preconceito e suscita tecer consideragdes sobre as disposigdes psicolégicas para a disposigio de tais atos no contexto de uma sociedade totalmente administrada onde os controles tecnolégicos dissolveram 0 individuo auténomo. Devemos considerar que a logica do capital nivela a tudo e a todos aos imperativos da economii . Nada escapa a mao invisivel do mereado, que modela no somente os bens & servigos, mas também a alma humana, Afirmamos a real necessidade de pensar a moralidade Revista Devir Educacdo, Lavras, vol.3, n.1, p.116-126 jan./jun., 2019. 120 CO DEVIR EDUCACAO ISSN: 2526-849 dentro de uma perspeetiva de entender o individuo em sua complexidade histérica e social, constituido nfo apenas de valores morais, como a justica ou a generosidade, mas imbuido de sentimentos, pensamentos, anseios e desejos que se misturam continuamente Estamos diante de uma sociedade em que a opressio impde-se como uma forga devastadora, impedindo que os individuos vivam a autonomia e liberdade em sua plenitude, A realidade politica, econdmica e social determina o individuo em seu intimo, naquilo que deveria ser o micleo de sua autonomia. Nesta realidade em que estamos imersos “os sujeitos so impedidos de se saberem como sujeitos. A oferta de mereadorias que se abate qual avalanche sobre eles, contribui para isso, da mesma forma que a Indistria Cultural e incontiveis mecanismos diretos ¢ indiretos de controle”. (ADORNO apud MAAR, 2009, p26). A. consequéncia desta organizagio totalitaria do mundo capitalista & 0 enfraquecimento do individuo diante das forgas opressoras abrindo portas para o surgimento das tendéncias fascistas e da personalidade autoritaria na sociedade, Uma tendéncia que nio fomentada por ideologias politicas conservadoras, mas da impoténeia ¢ da paralisia que incapacita o individuo a reagir frente a racionalidade opressora do nmundo administrado. E comum nesse caso, uma forma de pensamento, que para Adorno (1993) foi denominada de “natureza ciclista”- aquela que “na acepgao metaforica de uma pessoa que gosta de calear com o pé quem esti por baixo e, ao mesmo tempo, dobra o corpo, em posigio humilde, para os que estio em cima.”(p.179). Para sobreviver, 0 individuo precisa se conformar e abrir mio da subjetividade autdnoma, que esta ligada a ideia de democracia adaptando-se © identificando-se com o existente e, assim fomenta a personalidade potencialmente autoritiria, A atitude tipica da personalidade autoritiria e preconceituosa é ser a0 mesmo tempo de dominagao e submissio; domina aqueles que percebe mais fracos, ¢ submete-se aos que percebe mais fortes. Para assegurar a manutengdo de sua hierarquia, a qualquer prego, este pensamento totalitirio, apega-se 4 uma falsa seguranga, proibindo toda e qualquer reflexio, com um ‘inico propésito: matar o diferente como se nfo houvesse qualquer outra alternativa, Desprezando assim, sua propria atividade intelectual, afetiva e criativa, afastando-se de sua responsabilidade pessoal e, que diz. muito mais para o que sente preconeeito, do que para seu alvo, Envolto no totalitarismo, 0 preconceito tende a destruir 0 individuo na sua plenitude, fisica e psiquicamente; juridica e moralmente. © homem toma-se destruido na. sua individualidade. Revista Devir Educacdo, Lavras, vol.3, n.1, p.116-126 jan./jun., 2019. 121 CO DEVIR EDUCACAO ISSN: 2526-849 A tendéncia inracional de identificagio com grupos socisis superiores e o realismo exagerado que no busca a compreensio do mundo pela razo, mas o reconhecimento de sua superioridade absotuta frente a0 outro é uma das earacteristicas da personalidade fascista que distorce a realidade, traduzindo-se em absoluta submissio ao existente, Para o fascista em potencial, cada individuo nao tem outra escolha que nao seja submeter-se “a uma adaptagao que implica resignagdo perante a impossibilidade de lograr qualquer melhora esseneial, que temos de abandonar todo © sonho e nos moldarmos até nos convertermos em um acessorio a mais da maquina social.”(ADORNO, 1965, p.650) A personalidade potencialmente autoritiria ou com tracos fascistas, no interior do pensamento adorniano nos conduz a compreenséo e critica do ajustamento social alienado que consiste também na anilise da decadéncia dos processos formadores de cultura em sua carieatura unidimensionalizada pela semiformagio. Pela vertente da anilise de Adomo, a semiformagio apresenta um aspecto central que remete diretamente as modalidades regressivas da personalidade pretensamente autoritaria que é a esfera do ressentimento. O ressentido ¢ a ri igor semiformado, volta sua hostilidade contra os fragilizados, os diferentes os impotentes na hierarquia social, desviando, dessa forma, o rancor e a hostilidade contra a cultura, ao invés de entender os mecanismos de injustica, fiieza desigualdade presentes na sociedade. Adorno (2000), mais do que aponta a reificagao do pensamento fascista ao argumentar que um “esquema sempre confirmado na historia das perseguigdes é a de que a violéncia contra os fracos se dirige principalmente contra os que sio considerados socialmente fracos e ao mesmo tempo — seja isto verdade ou nio ~ felizes.” (p. 122). Preconceito, violéncia e Bullying na escola Apés a anilise critica da personalidade autoritiria e fascista, dos condicionamentos soviais € culturais que produzem 0 preconceito, bem como das necessidades psiquicas envolvidas nessas formas de violéncia, como o enfiaquecimento da constituigdo do individuo que as desenvolve, tendo em vista o declinio da possibilidade de experigncia nos tltimos séculos & necessério nos voltarmos para o universo escolar, no intuito de desvelar o preconceito e estereétipos presentes nessa instituigdo, contribuindo assim, para a formagio de educadores que vivenciam essa realidade promovendo a ampliagio do debate e superagio do mesmo, Revista Devir Educacdo, Lavras, vol.3, n.1, p.116-126 jan./jun., 2019. 122 CO DEVIR EDUCACAO ISSN: 2526-849 As graves manifestagdes das tendéncias coletivas de actimulo de impulsos violentos e preconceituosos reprimidos, cada vez mais presentes no cotidiano da escola, sio relatados nos meios midiaticos: situagdes de brigas, estudantes portando armas, professores que sto agredidos por alunos, situagdes que envolvem comportamentos hostis e intolerantes, configurando perseguigdes ¢ bullying ¢ tantos outros casos que fazem parte da rotina de algumas instituigdes escolares, provocando exclusio e discriminag’o, causando danos psiquicos e emocionais, além de comprometer as relagdes interpessoais e o desenvolvimento dos individuos inseridos nesses espagos. Tais tendéncias sao agravadas na nossa sociedade em virtude do que Adomo (2000) denomina “claustrofobia das pessoas no mundo administrado”, sendo este caracterizado como “rede densamente interconectada.” (p.122) Octavio Ianni (2004), denunciou a expansio do racismo, no século XXI, em escala mundial, nas diversas sociedades, que ao invés de retroceder, como era de esperar, tendo em conta as conquistas educacionais, se insere na dindmica socioeconémica moderna com violencia excludente. E assim que 0 mundo ingressa no século XXI, debatendo-se com a questio racial, tanto quanto com a intolerincia religiosa, a contradiyao natureza e sociedade, as bierarquias masculino-feminino, as tensdes e lutas de classes. Sao dilemas que se desenvolvem com a modemidade, demonstrando que 0 “desencantamento do mundo”, como metifora do esclarecimento e da emancipagdo, continua a ser desfiado por preconceitos e supersticdes, intolerincias e racismos, irracionalismos e idiossincrasias, interesses e ideologias (lanni, 2004, p. 2 Horkheimer e Adomo “Dialética do esclarecimento” alertavam sobre esse aspecto ao explicarem o desenvolvimento da civilizagao ocidental, 0 processo pelo qual o homem vence as trevas da ignorincia, do preconceito e da submissfio, mas contudo, acreditamos ter reconhecido com a mesma clareza que © proprio conceito dese pensamento, tanto quanto as formas histéricas concretas, as instituicoes da sociedade com as quais est entrelagado, contém o germe para a regressdio que hoje tem lugar por toda parte. Se 0 esclarecimento nao acolhe dentro de si a reflexao sobre esse elemento regressivo, ele esté selando sew proprio destino. Abandonando a seus inimigos a reflexdo sobre 0 elemento destrutivo do progresso, 0 pensamento cegamente pragmatizado perde seu caréter superador 2, por isso, também sua relagio com a verdade. (HORKHEIMER&ADORNO, 1985, p.13), Revista Devir Educacao, Lavras, vol.3, n.1, p.116-126 jan./jun., 2019. 123 CO DEVIR EDUCACAO ISSN: 2526-849 Podemos inferir, que o proceso pelo qual o homem vence as trevas da ignorincia, preconceito e submissio vem acompanhado do pensamento alienado, que despido de seu potencial emaneipatério ante o dominio da razao técnica impede uma formagao esclarecida e emaneipatéria. Horkheimer ¢ Adomo ao refletir sobre a ambiguidade contida no conceito de progresso, inferem que 0 mesmo contém barreiras de exclusdo e que os homens perderam 0 componente humano presente na cultura, apoiando-se numa conformagio irracional. Na obra Eduoaciio e Emancipacdo, Adomo discorre, entre outros, sobre a violéneia e a barbarie, filhas de uma racionalidade irracional, de conformagGes formais do pensamento produzidas e alimentadas pelo fracasso da formacio e uniformizagio da sociedade administrada. Adorno esti caracterizando o cardter manipulador da personalidade fascista como consciéncia coisificada, tipiea de pessoas que tratam a si proprias e a0 outro como coisas. A violéncia & complexa, multifacetada, encontrando-se na sociedade sob as mais diversas formas, que se articulam, se conectam e se cruzam, sustentando pensamentos e agdes marcados pela exteriorizagao de agressdes fisicas, que expressam o nivel de intolerdncia que 0 preconceito pode causar, em que os individuos so julgados, maltratados, menosprezados violentados por aparéncia fisica, cor, opgao sexual, ou também pela violéneia psicolégica, geralmente mais sutil, mas igualmente maléfica para a formagio e constituiglio da subjetividade e identidade do sujeito. A anilise do preconceito e a violéncia na escola, permite-nos entender as bases psiquicas da servidao voluntéria ¢ como as representagdes da sociedade em que vivemos se reproduzem no cotidiano escolar - instituigio que deveria ser o espago de educagio e socializagio das criangas, mas que se transformou em espago de agressio desrespeito anituo, com situagdes de preconeeito, violéncia e bullying. Situagdes que ndo devem ser toleradas e, necessitam ser enfrentadas por professores, alunos, coordenadores e diregio, com trabalhos educativos de desconstrugao de estigmas. Nosso maior temor & que Auschvit se repita — e, neste sentido a escola nfo pode ser mais uma reprodutora da violéncia em relagio aos impulsos destrutivos da barbirie que se refered fhieza implicita na educagio nas atitudes violentas que tomam corpo e adeptos em efeitos catastroficos da primazia da violéncia coletiva sobre o individuo. A condigao social da escola é a de educar e socializar as novas geragdes, sendo lugar de encontro e convivéncias miltiplas. E necessario a conscientizacio dos tracos subjetivos presentes na cultura que propiciaram o advento do horror em que os efeitos catastroficos da primazia da violéncia coletiva caracterizado por Adomo (1995) como “pessoas que se Revista Devir Educacao, Lavras, vol.3, n.1, p.116-126 jan./jun., 2019. 124 CO DEVIR EDUCACAO ISSN: 2526-849 enquadram cegamente em coletivos convertem a si proprios em algo como um material, dissolvendo-se como seres autodeterminados. Isto combina com a disposigdo de tratar outros como sendo uma massa amorfa.” (p. 129) Contudo, atualmente ao invés de ser um lugar de construgio e fortalecimento dessa convivéncia, tomou-se paleo de agressio, desrespeito mutuo, bullying © preconceito. Destacando aqui, nossa intengdo de ressaltar as diferengas entre bullying e 0 preconceito (2015): como apresentados por Crochi © bullying parece ser uma forma de violencia mais indiferenciada do que a presente no preconceito mais arraigado, que tem alvos definidos justificativa para sua existéncia, e corresponder a uma maior fragilidade do individuo que © pratica; nesse sentido, o preconceito ‘menos delineado pode ser a atituce que pode levar a aco do bullying; esse também parece expressar melhor uma cultura homogénea, que, pela (falsa) formacdo, constitui individuos frios, insensiveis e com dificuldades de formular seus desejos e os reconhecer, 0 que pode direciond-los a uma forma de violéncia difusa, a0 contrétio do pteconceito que se fixa em necessidades mais bem delimitadas. (p. 54). Como vemos, o preconceito se caracteriza pela justificativa de dominagio, pela perseguigdo de individuos ou grupos pertencentes a minorias sociais; o bullying se apresenta como uma violéncia e se manifesta devido a intolerncia e a no aceitacio do outro que € diferente, sendo mareado por constantes agressdes fisicas e psicologicas, praticada por um ou ais individuos, A escola deve ter a capacidade e discernimento de admitir a existéncia do problema, que 0 preconceito, a violéncia € 0 bullying existem é 0 primeiro paso para que se possa buscar solucdes ¢ altemativas de enfrentamento ao mesmo. Dessa forma é importante que no proceso formativo, educadores ¢ educandos sintam-se parte do mesmo processo, no sentido de conseguirem identificarem as pessoas com potenciais tragos sidicos reprimidos e que se manifestam, verbalmente, quando, segundo Adomo (2000) “algo ¢ criticado ou exigido”, e se toma “ameagadora, como se os gestos e a fala fossem de uma violéucia corporal quase incontrolivel” (p. 127), Tendo uma construgdo social e nao inata, a violéncia pode ser combatida com agdes que demandam, segundo Adomo (2000) “autonomia, o poder para a reflex 10, @ autodeterminagiio, a udo participagao” (p. 125). Acreditamos que a educagio verdadeiramente humana — que rompa com a competigao desenfreada, com a banalizagio da Revista Devir Educacdo, Lavras, vol.3, n.1, p.116-126 jan./jun., 2019. 125 CO DEVIR EDUCACAO ISSN: 2526-849 violéneia, com agées de agressividade, que redundam em preconceito, violéneia e bullying - & emancipatéria. Referéncias ADORNO, Theodor W, et. al. 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