You are on page 1of 8
A CLASSIFICAGAO DOS FATOS JURIDICOS' Marcelo Barroso Kimmel O presente texto pretende ser um instrumento para ser utilizado em ala de aula apresenta a classificagao dos fatos jurfdicos na forma proposta por Pontes de Miranda em seu Tratado de Direito Privado, primeira divisao que se pode fazer dos fatos juridicos (ato jurtdi- co Jato sensu) contesponde a dicotomia entre os fatos conformes a direito icitos) eos contrarios a direito (ilicitos), conforme classificagao proposta por Pontes de Miranda’ " Bxtraido de “Ar nulidadee na formacio do contrato de trabalho", monografia com a qual ‘autor obteve o titulo de Especiaista em Dizeto do Trabalho pela Unisinos (2000) ® PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Tratado de dieto prvado. 4.ed. 2. i Sio Paulo: RT, 1977, Tomo Tl. p. 185-185, tnt 8 ap 192 FATOS JURIDICOS LicITOS Os fatos juridicos conformes a diteito classificam-se em: Fato juridico stricto sensu: s40 0s fatos da natureza, independentes de ato humano como dado essencial. Sao exemplos dessa espécie de fato juridico o nascimento, a morte, oimplemento de idade, a aluviao ea avulsao, Ato-fato jurtdico:.0 fato para existir necessita de um ato humano, ‘mas 0 elemento volitivo (vontade) nao ¢ relevante, Nao importa se houve ou nao vontade em praticar 0 ato, Firessaltada a conseqiéncia do ato, ou sea, o fato resultante. O ato-fato juridico divide-se em: 2) atos reais, Sao os atos humanos de que resultam conseqdéncias faticas. Bo fato resultante que importa para a configuragao do fato juridico, nao 0 ato humano como elemento volitivo. S40 exemplos de ato real a aga; a pesca; o fato de o louco pintar um quadro e the adquirir a pro- pricdade; a crianga descobrir um tesouro enterrado ¢ Ihe adquirir a propriedade; 8) atos-fatos indenizativos. B 0 ato humano nao contratio a diteito (por tanto Hicito), do qual decorre prejuizo a terceiro ¢ 0 dever de indenizar Cato nao €ilfcto, nado ha uma vontade (intenga0) de eausaro prejuzo. E praticado no exercicio regular de um direito ou emestado de necessi- dade, causando dano a patrimonio de terceiro, gerando o dever de inde- nizar. Exemplifica-se com o artigo 160, If, do Codigo Civil Brasileiro combinado com o artigo 1519 do mesmo; € ©) atos-fatos caducilicantes. Sao os fatos juridicos cujo feito € a extingao de determinado direito ~ decadéncia - ou da agao que o assegura ~ prescticdo —, independentemente de ato ilfcito (ou verificagao de ele- mento volitiva) de seu titular, A prescrigao e a decadéncia se dao pelo decurso do prazo, Sao exemplos os artigos 178 ¢ 179 do Cédigo Civil Brasileiro Ato juridico lato sensu: 0 fato juridico cujo suporte fético tem como cere uma exteriorizacao consciente da vontade, dirigida a um resul- tado. A vontade € 0 elemento nuclear’ do suporte fético O ato-juridico Jato sensu divide-se em 2) ato juridico stricto sensu. Uma vontade é exteriorizada (manifes- tada ou declarada) conscientemente, com um objetivo determinado. Nao ha escolha de categoria juridica ¢ os efeitos juridicos do ato esto pteestabelecidos na lei (efeitos sto necessarios). Sao exemplos o estabele- cimento do domicilio; o reconhecimento da paternidade; a interpelagao para constituir 0 devedor em mora; ¢ +) negocio juridico. As partes tem liberdade para a escotha da cate- gotia juridica, bem como a estruturagdo do contetido eficacial (quais os efeitos querem que emane da relagdo juridica que estabelecem) das rela- es juridicas. Predominio da autonomia da vontade, com os limites esta- belecidos pela lei, especialmente pelas normas piblicas (que visam ao pre- dominio do interesse publico). Os contratos em geral sdo exemplos dessa espécie de fato juridico, Uma representagao grifica da classificagao dos fatos juridicos ici 3 tos pode ser assim esbogada: & to jute sto seas . voy s ‘oe reis : Fatojuico toe ofa jutico Fao ji tats Loy Novato ‘As aos indenizatvos conformes ‘or-loscadueeates ‘dito ‘tess : ‘io jurico io putdico srctosensu taro sens ‘oj : Negocio jusico "A detigho de nelestidade ser fet alate 93 brasiro 194 FATOS JURIDICOS ILicITOS Enquanto os atos Iicitos geram os efeitos almejados pelo agente, “A atividade ilicita provoca uma consequéncia juridica, apenas esta € outra que néo a almejada pelo autor do ato" Portanto os ilicitos também s40 fatos juridicos, cujo efeito nao € o pretendido pelo agente’, mas sim as cconseqtténcias sancionatérias da norma, A classificagao dos fatos contrérios a direito nao goza de unanimi- dade doutrinaria, Os autores modernos limitam-se a classificar os fatos ilicitos de acordo com a norma positivada no artigo 159 do Cédigo Civil Brasileiro, considerando ilicitos apenas aqueles atos decorrentes da vonta- de humana que infringem um dever geral de conduta’, néo considerando ilicitos atos que decorram da natureza ou que nao envolvam a vontade. Conforme Pontes de Miranda’ “(..) ha mais atos ilititos ou contra ros a direito que os atosilicitos de que provém obrigagao de indenizar Aclassificagao dos fatos contrérios a direito (ilicitos) pormenoriza- da, alcangando todas as hipoteses de ilicitude, tem o seguinte perfil: Fato juridico iicito stricto sensu — so 0s acontecimentos da nature za que trazem como conseqéncia o dever de reparar. A ilicitude resulta de simples fato da natureza, Pode-se apresentar como exemplo o fato de al- guém responder pelos prejuizos decorrentes de caso fortuito ou forga maior, conforme os artigos 957 ¢ 1127 do Cédigo Civil brasileiro’ TRODRIGI p. 168, 0 esbulhador nio aleangao fim dessiado: a poste. Ao coatsrio, isa obrigado a deixar 0 imavel, senda compeliga a indenizar 0 eebulhado, poit ao esbulho falta a ceidade (Rodrigues, 1991, p. 168-169) “GOMES, Orlando, Introdueao a0 direto chil 13, ed, Rio de Taneto: Forense, 1998. p 487 PONTES DE MIRANDA, op. st, Tomo Hp. 201 * MELLO, Marcos Bernatdes de. Teoria do fatojurdi (plano da evisténcia) 8, esta Sio Paulo Saraiva, 1998, p. 208 » Idem, Tbe, p. 207 DES, Sivo. Direito civil Parte geral 22. eA, atal, Sto Peto: Saraiva, 1991 scussiengioonsritas uaiees Ato-fato ilicito~ a contrariedade a direito decorre de ato-fato, ou seja, de fato produzido pelo homem, sem ser considerada, no entanto, a vontade de pratica-lo®, ¢ que causa prejuizo a terceiro. O mau uso da propriedade que causa prejuizo a seguranca, sossego e satide dos vizinhos, independente da vontade de prejudicar, é exemplo de ato-fato ilicito! Ato illcto Jato sensu agao ou omissio voluntétia, culposa ou nao, conforme a espécie, praticada por pessoa imputavel que, implicando infra- 0 de dever absoluto” ou relativo”, viole direito ou cause prejutzo a ou- ‘rem. Os atos ilfeitos Jato sensu dividem-se em: a) ato ilicito stricto sensu ou absoluto, Espécie definida no artigo 159 do Cédigo Civil Brasileiro, caracteriza-se por prescindir de uma relagao juridica anterior entre 0 agente que pratica o ilicito ¢ o ofendido. "Essa espécie de fato juridicn € propasta por Pontes de Miranda (Teatado de diteito ‘pivado, Tomo J, p. 193) para explcar a bipétese de alguém causar prejuizo a terceto, ‘com o conseqtente dever de indenizar, sem que tal conduta posss The ser imputads (© antigo 159 do Codigo Civil Braileto exge, para geraro dever de indeaizar. que a agio ‘ou omissio seja voluntria).O que aconteceria com o absolutamentemneapaz que causa ‘9 dano? Sua ag30 ou omissio €involuntara, na se elasificando fato como at ita abseluto (ver definigso adiaate), Assim, mesmo que a vontade aso seja considerada, ‘corre o dever de indenizar: 0 ato-fato jurdicoscto entra no mundo jurdice apenas ‘como fato (sem que #© perquira a vontade), gerando conseqtencia, como o dever dot pais indenizat, em razs0 de ato dos filhos menores (atigo 1521, T. do Codigo Civil Brasileiro) ou dos tutres e euradores pelos atos de pups ¢ euratelados (artigo 1521 UL do mesmo Cédigo). "MELLO, op. ei. p. 208 = Lito Absolute: ago existe relagdo jurdica entre quem pratica o iio ¢ 0 ofendido. fo dever geral de todos (sendo, portanto, oponivel erga omnes) respeitar © patrimdnio jusiico Gncluldas a vida, a integridade Osea, a Uberdade, ete) de todas as pessoas. Exempla: Pedro abulroa na nus o atlomével de Carlos. Geraldo mata Abelard, "Tito Relativa: ge entte 0 agente que pratica 0 ata ileito ¢ 0 ofendido bs umn relagao juriica antenr, por exemplo, um contato,tem-se um ito selativo. Exemplo: deve~ {dor nio paga sua divide no vencimento; marido gue sbandona o lt Algunechamamn exe icito de contratual (aso € correto, porque nso € 36 a relagso juridiea contrato que adnite 0 ita telavo ~ #50 08 aos juniieos Jo sense Ano n°, le 2092 = ofan 2008 98 Ocorrendo o dano, em razao da ado ou omissio do agente, emerge 0 dever de indenizar. A reparagao tem natureza patsimonial, abarcando tanto os danos materiais como os morais" b) atoilicito relativo. E caracterizado pela violagao de um dever que emer- ge de uma relacao juridica, seja contratual’ ou decorrente de outra relagio juridica, que nao a contratua como, por exemplo, as protegidas pelo direito de familia, Gera 0 dever de indenizacao por perdas ¢ da- nos A classificacao proposta por Pontes de Miranda apresenta duas ou- tras espécies de atos ilicitos, que a doutrina moderna reluta em aceitar: ©) ato ilfcito caducificante"”, Nem sempre a agao ou omissao culposa do agente, violadora de direitos de outrem, gera o dever de indenizar. Re~ sulta, em algumas situag6es, na perda de um direito, Deve haver aculpa, na pratica do ilicto. Tem-se como exemplo 0 artigo 395 do Codigo Civil Brasileiro, em que o pai ou mae pode perder o patrio poder em virtude de castigo imoderado ao filho ou em razo de seu abandono; 4) ato ilicito invatidante’*. Quando os atos juridicos (c apenas esta espécie de fato juridico, 4 que envolvem a vontade humana) apresentam pro- bblemas relativos & capacidade,licitude ou possibilidade do objeto, & for- z e 34 nao paira divides sobre s indenizabitidade patrimonial dos danos morsis, especial= siente em vrtude do seu reconhecimento na Consiuirio Federal de 1988, artigo 8°, X ‘Mesmo em Ambito tabalhista pode ocorrer, se 0 dano moral decorrer da relagio de emprego Como acontece com o devedor que nio cumpre & obrigagio na data pactusda ou pelo modo austado Giga 1056 do Cadigo Ci Braslezo) 0 sto ileto praticado pelo tutor no exerts da tutela (MELLO, op. st, p. 214) " PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavaleanti.Tatado de direito prvado 4,08, 2. ti Sio Paulo: RT, 1977-Tomo Lp. 216-217 Idem, Ibidem. A nota seguinte expica a denominacio. Avo 196 ma, ou devido a manifestagdo viciada da vontade (em virtude de erro, dolo ou coagao), «ato sera invalido”. O ato foi praticado em desconfor- midade ao Direito (portanto ilfcito) ¢ a sangao estabelecida nao € 0 dever de indenizar, mas a nulidade relativa ou absoluta do ato jurfdico, previstas, respectivamente, nos artigos 145 ¢ 147, do Codigo Civil Bra- sileiro Arepresentagao grafica da classificagao dos fatos juridicos ilicitos pode ser assim esbogada: BIBLIOGRAFIA GOMES, Orlando. Introdugdo a0 direito civil. 13.04, Atualizador. Humberto Theodora Kinior, Rio de Janeiro: Forense, 1998. 562 p. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do ato juridico (plano da existéncia) S.ed, atual, Sao Paulo: Saraiva, 1998. 239 p. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavaleant. Tiatado de direito privado. 4.cd, 2. tir, $0 Paulo: RT, 1977. Tomo I. $50 p, Tratado de direito privado, 4.04, 2, tis. S40 Paulo: RT, 1977, Tomo IL ST6p. RODRIGUES, Silvio, Direito civil Parte geral, 22.ed, tual, $40 Paulo: Saraiva, 1991, v1. 383 p, ® Por isso denominado ato ito ivalidante (Melo, op. et, p. 215, nots 284), brnsiro

You might also like