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e-metropolis
ISSN 2177-2312
E-mail:
emetropolis@bservatoriodasmetropoles.net
Website:
www.emetropolis.net
editor-chefe
Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro
editores
Ana Carolina Christóvão
Carolina Zuccarelli
Eliana Kuster
Fernando Pinho
Juciano Martins Rodrigues
Patrícia Ramos Novaes
Pedro Paulo Machado Bastos conselho editorial
Renata Brauner Ferreira Profª Drª. Ana Lúcia Rodrigues (DCS/UEM)
Samuel Thomas Jaenisch Prof Dr. Aristides Moysés (MDPT/PUC-Goiás)
Prof Dr. Carlos de Mattos (IEU/PUC-Chile)
Prof Dr. Carlos Vainer (IPPUR/UFRJ)
Profª Drª. Claudia Ribeiro Pfeiffer (IPPUR/UFRJ)
assistente Prof Dr. Emilio Pradilla Cobos (UAM do México)
Thaís Velasco Profª Drª. Fania Fridman (IPPUR/UFRJ)
Prof Dr. Frederico Araujo (IPPUR/UFRJ)
Profª Drª. Héléne Rivière d’Arc (IHEAL)
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Prof Dr. Hermes MagalhãesTavares (IPPUR/UFRJ)
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Profª Drª. Luciana Teixeira Andrade (PUC-Minas)
Prof Dr. Luciano Fedozzi (IFCH/UFRGS)
Prof Dr. Luiz Antonio Machado (IUPERJ)
Prof Dr. Manuel Villaverde Cabral (ICS)
Prof Dr. Marcelo Baumann Burgos (PUC-Rio/CEDES)
Profª Drª. Márcia Leite (PPCIS/UERJ)
Profª Drª.Maria Julieta Nunes (IPPUR/UFRJ)
Profª Drª. Maria Ligia de Oliveira Barbosa (IFCS/UFRJ)
Prof Dr. Mauro Kleiman (IPPUR/UFRJ)
Prof Dr. Robert Pechman (IPPUR/UFRJ)
Prof Dr. Robert H. Wilson (University of Texas)
Profª Drª. Rosa Moura (IPARDES)
Ms. Rosetta Mammarella (NERU/FEE)
Prof Dr. Sergio de Azevedo (LESCE/UENF)
Profª Drª. Simaia do Socorro Sales das Mercês (NAEA/UFPA)
Profª Drª Sol Garson (PPED/IE/UFRJ)
Profª Drª. Suzana Pasternak (FAU/USP)
Editorial
parte orientadas pelos modelos difun-
didos por organismos internacionais
como o Banco Mundial e o Banco
Interamericano de Desenvolvimento.
Abordando temas diversos, as
nº 25 ▪ ano 7 | junho de 2016 questões levantadas pelos autores
permanecem totalmente pertinentes
às discussões atuais a respeito das
A
metrópoles, e aos questionamentos
presentamos a nossos leito- tos territoriais e o ajuste espacial que vêm sido insistentemente levan-
res a nova edição da Revista na cidade olímpica, Orlando Santos tados a respeito de que tipo de cidade
e-metropolis, na qual esta- Junior e Patrícia Novaes argumen- queremos e a quem ela deve atender
mos trazendo temas que remetem a tam que o contexto da preparação da em suas reformulações, sua espacia-
aspectos bastante atuais das metró- cidade do Rio de Janeiro para rece- lidade, seu planejamento e sua polí-
poles brasileiras. Começamos com ber dois megaeventos esportivos, a tica.
nosso artigo de capa, A hinterlândia, Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Na entrevista desta edição, Eri-
urbanizada?, no qual o professor de Olímpicos em 2016, levou a profun- ck Omena de Melo entrevista Marie
Teoria Urbana da Harvard Univer- das reestruturações urbanas da cidade Huchzermeyer, professora da Esco-
sity, Neil Brenner, traz uma nova e do seu padrão de governança, que la de Planejamento e Arquitetura na
perspectiva crítica a respeito da cha- caminharam em direção ao que pode Universidade Witswatersrand, em
mada “Era Urbana” ao novamente ser caracterizada de uma urbanização Joanesburgo. Huchzermeyer tem de-
problematizar os conceitos e as teo- neoliberal. Neste contexto, os auto- senvolvido um estudo sobre a rela-
rias que regem o nosso conhecimento res discutem como a reconfiguração ção da produção intelectual de Henri
sobre os fenômenos de urbanização. urbana de alguns espaços da cidade Lefebvre com a noção do “direito à
Em um primeiro momento, Brenner podem apontar para processos de cidade” na perspectiva das regiões
problematiza a metodologia de men- gentrificação e para o aprofundamen- semi-periféricas e seus movimentos
suração urbana utilizada pela Orga- to das desigualdades socioespaciais. sociais urbanos. Ao discorrer sobre
nização das Nações Unidas (ONU), Em seguida o texto Hierarquia, os resultados desta pesquisa, a pro-
que anunciou em seu relatório que policentrismo e complexidade em fessora traça um quadro comparativo
mais de 50% da população mundial sistemas urbanos, de Carlos Gonçal- da questão do direito à cidade em seu
já estaria vivendo em meios urbanos ves, trata de como a discussão sobre país natal, a África do Sul, e no Bra-
desde 2008. O autor levanta dúvi- a configuração dos sistemas urbanos sil, além de explicar o seu interesse
das acerca do que é designado como mantém centralidade nos estudos re- pela relação entre Lefebvre e o con-
“zona urbana” para cada país e, di- gionais e urbanos. O autor propõe, texto latino-americano como produto
retamente, para seus respectivos con- nessa perspectiva, as possibilidades de uma tentativa de leitura das cida-
textos demográficos, culturais e so- de se integrar analiticamente as no- des a partir da periferia.
ciais, indicando, portanto, que esses ções de hierarquia, de rede, de po- A seção especial apresenta alguns
dados mereceriam análise mais qua- licentrismo e de complexidade na resultados do curso de extensão “As
litativa. Além disso, o autor também compreensão dos sistemas urbanos. cidades e a produção de subjetivida-
cita que existem na atualidade certos Finalizando, temos o artigo Reas- des”, desenvolvido pelos estudantes
fenômenos de urbanização que estão sentamento involuntário em projetos do Programa de Pós-Graduação em
invisíveis ao paradigma científico he- de saneamento em Belém do Pará. Psicologia (UFRJ), uma reflexão co-
gemônico. Como exemplo, ele fala O texto de José Julio Ferreira Lima letiva sobre os processos de segrega-
da hinterlândia como representante e de Monique Bentes Machado Sar- ção socioespacial em curso e sobre a
de um conjunto de paisagens e terri- do Leão analisa alguns episódios de experiência sensível dos corpos na
tórios que, mesmo não dispondo de remoção e reassentamento decorren- cidade.
uma “imagem urbana”, são espaços tes de grandes projetos de saneamen- Por fim, em nosso ensaio foto-
fundamentais à reprodução das cida- to que foram realizados pelo poder gráfico, apresentamos o trabalho de
des. Por ser uma grande abastecedora público na cidade de Belém ao lon- Fabiano Gozzo, que nos mostra um
de recursos naturais às necessidades go das últimas décadas. Os autores outro olhar sobre a Estação Brás do
urbanas de produção, a hinterlândia apresentam alguns pontos críticos Metrô de São Paulo. O “olhar passa-
também é um espaço urbanizado, dessas intervenções e questionam as geiro” de Gozzo acompanha “a poé-
mas que não recebe atenção. soluções que vem sendo adotadas e tica urbana” do labirinto de cimento e
No artigo Rio de Janeiro: Impac- as diretrizes dessas ações, em grande ▪
ferro da estação.
editorial
Capa Especial
06 A hinterlândia, urbanizada? 35 Reassentamento 49 Derivas urbanas
The hinterland, urbanized? involuntário em projetos e percursos subjetivos:
de saneamento em um relato da experiência
Por Neil Brenner
Belém do Pará de produção do curso
Tradução: Pedro Paulo “As cidades e a produção
Involuntary resettlement
Machado Bastos de subjetividades”
in sanitation projects
in Belém, Pará Urban drift and subjective
courses: a story on the
Por Monique Bentes
experience of lecturing
Artigos Machado Sardo Leão
“Cities and the production
e José Júlio Ferreira Lima
12 Rio de Janeiro: Impactos of subjectivities” course
territoriais e o ajuste Por Alice Vignoli Reis,
espacial na cidade olímpica Karoline Ruthes Sodré
Rio de Janeiro: territorial
Ensaio e Rafael Ostrovski
impacts and the spatial
adjustment in the
44 Um olhar passageiro
A passenger look
Olympic city
Por Orlando Alves Por Fabiano Gozzo Entrevista
dos Santos Junior
e Patrica Ramos Novaes 54 Por uma leitura
léfèbvriana da periferia
For a Léfèbvrian reading
26 Hierarquia, policentrismo of the periphery
e complexidade em
Com Marie Huchzermeyer
sistemas urbanos
Hierarchy, polycentrism Por Erick Omena
and complexity
in urban systems
Por Carlos Gonçalves
ficha técnica
Projeto gráfico A Ilustração de capa foi feita por
e editoração eletrônica Renato Mãozão Tupinambá,
Paula Sobrino arquiteto e urbanista.
r.maozao@gmail.com
paulasobrino@gmail.com http://renatomaozao.wix.com/maozao
Revisão
Aline Castilho
alinecastilho1@hotmail.com
capa
Neil Brenner
A hinterlândia,
urbanizada?
C
omeço este artigo com a lem- popularmente aceito, o leitor pode
brança já familiarizada de um acabar desconhecendo a outra perspec-
fato aparentemente inexpug- tiva de interpretação deste autor sobre
nável e que foi divulgado a partir de o tema. É até mesmo capaz de que
uma fonte confiável: em 2007 os es- as expectativas de leitura recaiam em
tatísticos da Organização das Nações ideias mais comuns sobre as cidades,
Unidas (ONU) determinaram que tais como qual seria o papel delas nas
mais de 50% da população mundial, transformações globais da atualidade,
naquele momento, já estava vivendo ou sobre a reestruturação em curso pela
em áreas urbanas. Embora permeada qual vêm passando. Isso nos levaria a
por esforços que procuram decifrar o levantar tais questões seguidas de um Neil Brenner
modo como se deu a acelerada indus- debate, nesses termos, sobre as cidades. é professor de Teoria Urbana e Diretor do
Urban Theory Lab da Harvard Graduate
trialização capitalista no século XIX no Todo mundo parece concordar que School of Design. É cientista político
eixo da Europa-América do Norte, a elas são unidades espaciais elementares e geógrafo. Seu mais recente livro é
noção de um mundo em urbanização da idade urbana contemporânea. Con-
Implosions / Explosions: towards a Theory
of Planetary Urbanization. Nesta obra,
tornou-se hoje um quadro interpreta- tudo, a que mais o conceito de urbano ele discute a necessidade de se parar de
tivo onipresente1. E em virtude de o poderia possivelmente referir-se? pensar a cidade como uma coleção de
prédios e de pessoas ocupando um deter-
início deste artigo trazer um dado já
minado espaço definido para dar início ao
enfoque, em vez disso, na ideia de que
A PROBLEMÁTICA a urbanização é um processo histórico
e global que se estende a cada
1 Neil Brenner and Christian Schmid, “The
‘urban age’ in question,” International Journal
DA URBANIZAÇÃO rincão do planeta.
de interpretação puramente descritiva e empírica pertrófica”, seja por meios de aumento da densidade
para referenciar uma tendência natural de organiza- e extensão das áreas metropolitanas já existentes, seja
ção espacial humana. Dentro desse contexto, como por meio da criação de novas zonas de assentamento
Ross Exo Adams explica: “Assim como as condições urbano ex nihilo às margens de antigas áreas rurais ou
climáticas, a urbanização é algo que existe ‘à nossa dos principais corredores de transporte; ou através da
revelia’, uma condição bastante ‘complexa’ de ser intensificação do fluxo migratório do rural para ur-
apresentada como um objeto restrito à análise dos bano ocasionado pelos efeitos nocivos de programas
seus próprios termos e, portanto, complexa de ser de ajustamento estrutural de terra, grilagem, expan-
mapeada, monitorada, comparada e catalogada”2. A são agroindustrial, pilhagem ecológica etc.6.
compreensão empirista, naturalista e quase ambien- Por outro lado, esta urbanização vista singular-
talista da urbanização persistiu de várias maneiras ao mente como o reflexo do crescimento das zonas ur-
longo do século XX. Nas décadas mais recentes, os banas da cidade é autoevidente. Analisando-as pela
modelos naturalísticos de urbanização ganharam no- ótica de um nível empírico básico, as limitações dos
vos enquadramentos interpretativos com base no vo- dados divulgados pelo Censo da ONU sobre a urba-
lume de dados produzido pelas ciências estatísticas, nização são bem conhecidas. O problema simples,
que, por sua vez, tendem a considerar a densidade mas ainda aparentemente intratável, ao qual o soci-
urbana como uma condição basicamente semelhan- ólogo Kingsley Davis já havia dedicado grande aten-
te ao de um sistema biológico fechado sujeito a leis ção crítica na década de 1950, refere-se ao fato de
científicas, previsíveis e, portanto, tecnicamente pro- que cada Censo Nacional utiliza seu próprio critério
gramáveis3. para medir as condições urbanas, tornando inconsis-
As declarações contemporâneas da ONU quan- tentes os dados comparativos internacionais sobre a
to a este mundo majoritariamente urbano em que urbanização. Na década atual, por exemplo, entre os
estamos vivendo, assim como as principais vertentes países que demarcam seus tipos de assentamentos ur-
dos discursos de políticas globais voltadas ao planeja- banos com base no tamanho da população (101 dos
mento e ao desenho urbano, ainda compreendem o 232 Estados Membros da ONU o fazem), o limiar
fenômeno da urbanização através de um dispositivo4 para tal classificação varia de 200 para 50 mil pessoas;
de conhecimento naturalista, a-histórico e empirista. menos de 23 países optam pelo mínimo de duas mil,
Nesse caso, a urbanização é vista como o crescimen- ao passo que 21 outros países especificam tal valor
to populacional simultâneo à difusão espacial das para cinco mil. Uma série de problemas em termos
cidades, sendo, portanto, concebida como tipos ge- de comparabilidade surge daí, tendo em vista que
néricos e universalmente aplicáveis de assentamentos as localidades “urbanas” dentro de uma jurisdição
humanos. Uma vez entendida essa ideia, a era urbana nacional podem ter pouco em comum com aquelas
contemporânea representaria, então, uma congrega- classificadas do mesmo modo em outro lugar.
ção de tendências que aumentam cumulativamente Outros critérios de mensuração baseados em re-
a população nos centros urbanos. Por esse ângulo, ferências da administração pública, densidade, infra-
a metanarrativa da era urbana contribuiria para ser- estrutura e/ou em índices socioeconômicos utiliza-
vir a um quadro não apenas de interpretação, mas dos pelos outros 131 Estados Membros da ONU,
também de justificativa a uma enorme variedade de quando comparados entre si, contribuem ainda mais
intervenções espaciais destinadas a promover, segun- para desalinhar um conjunto de dados já extrema-
do classificação do geógrafo Terry McGee, a “domi- mente heterogêneo. Algumas áreas administrativas
nância da cidade”5. deveriam ser, portanto, automaticamente classifica-
Em todo o mundo, o objetivo comum de tais es- das como urbanas? O critério de densidade popu-
tratégias de urbanização é o de construir a “cidade hi- lacional, se houvesse, seria o mais apropriado para
classificá-las como tais? A concentração de níveis de
emprego não rurais deveria ser vista como peculiar a
2 Tradução livre. Ver original: Ross Exo Adams, “The burden of áreas urbanas (como acontece na Índia, apesar de tal
the present: on the concept of urbanisation,” Society and Spa-
critério levar em conta apenas os residentes do sexo
ce, disponível em: <http://societyandspace.com/2014/02/11/
ross-exo-adams-the-burden-of-the-present-on-the-concept- masculino)? Em suma, esta rápida análise de como
-of-urbanisation/>. Acessado em 5 jul. 2016. a ONU tabula e interpreta seus dados revela que a
3 Brendan Gleeson, “What role for social science in the ‘ur-
ban age’,” International Journal of Urban and Regional Re-
search, 37, 5, 2013, 1839-1851. 6 Max Ajl, “The hypertrophic city versus the planet of fields,”
4 Brenner e Schmid, “The ‘urban age’ in question.” em Neil Brenner (ed.), Implosions/Explosions: Towards a Study
5 Terry McGee, The Urbanization Process in the Third World. of Planetary Urbanization (Berlin: Jovis, 2014), pp. 533-550;
London: Bell & Sons, 1971. Mike Davis, Planet of Slums (London: Verso, 2006).
geralmente invisíveis, que enredam o estilo de vida predeterminados por questões tecnológicas ou pela
urbano com a silenciosa e violenta acumulação por necessidade econômica, os projetos de urbanização
espoliação e a destruição ambiental que ocorrem são um meio e produto da energia, imaginação, luta
nas nossas hinterlândias e paisagens operacionais e experimento das políticas coletivas. Seria possível
do mundo? Ainda que os urbanistas levantem for- imaginar, por exemplo, uma forma de urbanização
mas distintas de inteligência e de capacidades de vi- em que vários padrões de assentamento e de arran-
sualização espacial para esses locais, paralelamente, jos estruturais diferenciados fossem cultivados dentro
eles têm um papel inestimável em construir novos de um enquadramento holístico de desenvolvimento
mapas cognitivos do tecido urbano constituído desi- territorial baseado na prevalência ecológica e na ges-
gualmente a nível planetário. Em troca, esses mapas tão equilibrada dos recursos? Poderíamos imaginar
propiciariam as tão necessárias diretrizes de orien- também uma forma de urbanização em que as famí-
tação a todos aqueles que aspiram a redesenhar em lias e as comunidades que optassem por permanecer
formas mais socialmente progressistas, politicamente em zonas menos densamente povoadas ou remotas
inclusivas e igualitariamente ecológicas o nosso te- conseguissem desfrutar, mesmo assim, do acesso às
cido urbano. Tendo em vista que esses argumentos infraestruturas públicas viáveis, aos meios de subsis-
desafiam o dogma da cidade hipertrófica – isto é, a tência sustentáveis e a alguma medida de controle po-
suposição predominante de que as cidades cada vez lítico sobre as condições básicas que permeiam suas
maiores representam o inevitável futuro da humani- vidas cotidianas? Talvez o papel dos urbanistas dedi-
dade –, eles também ampliam o horizonte para que cados a desenhar os espaços não urbanos do mundo
imaginemos uma alternativa de urbanização. Muitas seja este, o de facilitar a imaginação e a produção des-
urbanizações são, de fato, possíveis. Em vez de serem tas alternativas de urbanizações. ▪
Rio de Janeiro
Impactos territoriais e o ajuste espacial na cidade olímpica
Resumo
Argumenta-se, neste artigo, que estão em curso diversas mudanças na cidade do Rio de
Janeiro, que caminham em direção ao que pode ser caracterizada como uma urbanização
neoliberal. Em particular, deve-se considerar o contexto da preparação da cidade do Rio
de Janeiro para receber dois megaeventos esportivos, a Copa do Mundo de 2014 e os Jo-
gos Olímpicos em 2016. Neste contexto, discute-se a hipótese da ocorrência de processos
Orlando Alves
de gentrificação em algumas áreas da cidade do Rio de Janeiro, especialmente na área
dos Santos Junior
é sociólogo, doutor em planejamento
do porto, no bairro da Barra da Tijuca e na Zona Sul.
urbano e regional, professor do Instituto
de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Palavras-chave: Urbanização neoliberal; Megaeventos esportivos; Conflitos urbanos;
Regional – IPPUR da Universidade Federal
Gentrificação. do Rio de Janeiro – UFRJ, pesquisador
da rede Observatório das Metrópoles.
Abstract orlando.santosjr@gmail.com
This article argues that the various changes the city of Rio de Janeiro encompass in the
recent period, walking toward what can be characterized as a neoliberal urbanization,
are involving a process of creative destruction of urban structures, institutional arrange- Patrícia Ramos Novaes
ments and management regulations of urban space. In particular, it considers the process é assistente social, doutoranda em plane-
jamento urbano e regional (Instituto de
of preparation of the city to receive two sports mega events, the World Cup 2014 and the
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regio-
Olympic Games in 2016. In this context, we discuss the hypothesis of the occurrence of nal – IPPUR da Universidade Federal do Rio
gentrification processes in some city areas of Rio de Janeiro, especially in the Port area, de Janeiro – UFRJ), pesquisadora da rede
in the neighborhood of Barra da Tijuca and in the South zone. Observatório das Metrópoles.
____________________
Artigo recebido em 16/06/2015
artigos
que a progressiva substituição das ideias e políticas externas de financiamento, e novos investimentos di-
vinculadas ao liberalismo social1, ou políticas keyne- retos ou novas fontes de emprego”. (p. 172);
sianas, pelas ideias e políticas neoliberais expressam o (ii) A promoção de atividades empreendedoras,
modelo que hoje denominamos de neoliberalização. por parte da coalização de poder e da parceria públi-
De início, é preciso considerar que o liberalismo co-privada, subordinadas ao mercado, que, como to-
social também se manifestou de forma diferenciada das as demais atividades capitalistas, estão “sujeitas a
nos diversos países e contextos nacionais conside- todos os obstáculos e riscos associados ao desenvolvi-
rados. Mas pode-se, de uma forma muito sintética, mento especulativo, ao contrário do desenvolvimen-
caracterizá-lo como a combinação dos princípios do to racionalmente planejado e coordenado”. (p. 173);
liberalismo clássico (sobretudo o foco no indivíduo e (iii) O enfoque do empreendedorismo urbano
a ênfase no mercado) com o Estado-Nação redistri- está ligado a lugares específicos da cidade, capazes de
butivo que teria o papel de intervir para garantir algu- atrair o capital privado e proporcionar rentabilidade
mas das condições econômicas fundamentais para o aos investimentos, e não ao conjunto do território, o
exercício das liberdades individuais defendidas. Entre que implicaria grandes riscos de aumento das desi-
as intervenções aceitas e justificadas estavam as polí- gualdades socioterritoriais.
ticas de habitação pública e de zoneamento urbano, Nesse contexto, a ascensão do neoliberalismo,
as leis antitruste, as políticas de segurança alimentar o acirramento da competição interurbana e a difu-
e de renda mínima. Em síntese, o argumento mais são do empreendedorismo urbano trariam diversas
importante para justificar essas intervenções estava implicações para a dinâmica das cidades. Tomando
fundado na ideia da imperfeição dos mercados autor- como referência a abordagem de Harvey (2005 ),
regulados, que poderiam colocar em risco o funcio- pode-se destacar como uma dessas implicações “[...]
namento da sociedade sem a intervenção promovida a ênfase na criação de um ambiente favorável para os
pelos governos (Hackworth, 2007). negócios acentuou a importância da localidade como
Já o neoliberalismo, como Harvey afirma, poderia lugar de regulação concernente à oferta de infraestru-
ser entendido como tura, às relações trabalhistas, aos controles ambientais
e até à política tributária em face do capital interna-
uma teoria sobre práticas de política econômica cional” (Harvey, 2005, p. 180).
que afirma que o bem-estar humano pode ser mais Entre os efeitos desse processo, pode-se destacar
bem promovido por meio da maximização das li- o aumento da flexibilidade espacial das empresas e do
berdades empresariais dentro de um quadro insti- capital, decorrentes das novas posturas adotadas pelo
tucional caracterizado por direitos de propriedade empreendedorismo urbano. Entretanto, ao mesmo
privada, liberdade individual, mercados livres e li- tempo, as medidas promovidas também tenderiam a
vre comércio. O papel do Estado é criar e preservar
um quadro institucional apropriado a tais práticas
gerar processos homogeneizadores entre as cidades,
(Harvey, 2008, p. 2). na medida em que as estratégias inovadoras que es-
tariam sendo adotadas pelas mesmas, com o objeti-
vo de se tornar atraentes como centros culturais e de
Como diversos autores apontam, existe uma re- consumo, tenderiam a ser replicadas e copiadas pelas
lação entre a ascensão do neoliberalismo nos países demais cidades, o que poderia tornar efêmeras as van-
centrais e a emergência de um novo padrão de gover- tagens competitivas eventualmente alcançadas.
nança, caracterizada pelo empreendedorismo urbano Nesse contexto, na busca pela atração de capitais,
(Harvey, 2005; Hackworth, 2007), entendendo por poderia se constatar a proliferação de projetos espe-
governança certo padrão de interação entre o gover- culativos, de alto risco, pelas administrações locais,
no, a sociedade e o mercado (Santos Junior, 2001). o que seria expresso na multiplicação de projetos de
Segundo Harvey (2005), a governança empreen- turismo, de espetáculos culturais e de eventos espor-
dedorista neoliberal seria caracterizada por três ele- tivos.
mentos centrais: Além disso, a governança da cidade cada vez mais
(i) A constituição de uma coalização de poder, se assemelharia à governança das empresas privadas,
que sustenta a governança empreendedorista, confor- o que permitira caracterizá-la como uma governan-
mada em torno da “(...) noção de ‘parceria público- ça empreendedorista corporativa empresarial, ou de
-privada’, em que a iniciativa tradicional local [a ini- governança empreendedorista neoliberal. Nessa pers-
ciativa privada] se integra com os usos dos poderes pectiva, a ênfase da gestão recairia sobre os lugares ou
governamentais locais, buscando e atraindo fontes áreas da cidade capazes de atrair investidores, e não
mais sobre o conjunto do território, o que poderia
1 David Harvey caracteriza as políticas vigentes antes do neo- agravar as desigualdades intraurbanas e gerar proces-
liberalismo de liberalismo embutido (Harvey, 2008).
sos de decadência ou abandono das áreas negligen- processo de destruição criativa de estruturas urbanas,
ciadas. instituições de gestão e marcos regulatórios adequa-
Esse processo seria atravessado por muitas con- dos à dinâmica de acumulação de capital em um
tradições que abririam novas possibilidades de ação mercado desregulamentado, funcionando com base
política envolvendo disputas em torno dos projetos nos princípios neoliberais. Em outras palavras, a ur-
de cidade. Nessa perspectiva, uma das características banização neoliberal expressaria o conjunto de polí-
dos processos de neoliberalização seria a emergência ticas e práticas visando a mercantilização das cidades.
de novos conflitos urbanos em torno da produção, Neste contexto, entende-se que a crescente ado-
gestão e apropriação da cidade (Hackworth, 2007). ção do empreendedorismo urbano na cidade do Rio
Apesar de esse processo ter sido reconhecido ini- de Janeiro poderia atingir de forma específica a con-
cialmente nos países centrais, também se verifica a figuração urbana de certos espaços, apontando na
transformação da governança urbana das cidades direção do aprofundamento das desigualdades socio-
brasileiras na perspectiva da governança empreen- espaciais da cidade. As mudanças em curso estariam
dedorista neoliberal, marcada por especificidades, sendo em grande medida legitimadas discursivamen-
como todas as demais cidades. De fato, o neolibe- te pela realização dos megaeventos em curso e do su-
ralismo pode ser considerado, como argumenta Ha- posto legado social que os mesmos seriam capazes de
ckworth (2007, p. 11), um “(...) processo altamente proporcionar à cidade. Nessa perspectiva, a Prefeitu-
contingente que se manifesta e é vivido de forma ra do Rio de Janeiro denominou Projeto Olímpico o
diferente, através do espaço. A geografia do neolibe- conjunto de intervenções planejadas para a cidade,
ralismo é muito mais complicada do que a ideia do incorporando sob esta marca tanto as intervenções
neoliberalismo”.2 vinculadas à Copa do Mundo de 2014 como aquelas
Nesse sentido, utiliza-se o conceito de neolibera- vinculadas às Olimpíadas de 2016.
lismo realmente existente, tal como formulado por Tomando como base essas formulações, a hipóte-
Theodore, Peck e Brenner (2009), compreenden- se deste artigo seria de que a cidade do Rio de Janeiro
do que o neoliberalismo não deveria ser concebido estaria vivendo um processo de modernização neoli-
como um sistema acabado, mas como um processo beral, marcado pela progressiva adoção do padrão de
de transformação socioespacial. É por esta perspec- governança baseado no empreendedorismo urbano,
tiva que estes autores entendem os “processos con- envolvendo, nos termos propostos por Theodore,
temporâneos de neoliberalização como catalizadores Peck e Brenner (2009):
e expressões de um processo de destruição criativa a) o desmantelamento e a destruição de estru-
do espaço político-econômico existente, e que se dá turas urbanas, arranjos institucionais e regulações
em múltiplas escalas geográficas.” (Theodore; Peck; vinculadas às gramáticas existentes no município do
Brenner, 2009, p. 3). Rio de Janeiro e à história da cidade, visando à des-
A compreensão destas transformações requer que regulamentação da economia, à promoção de uma
se leve em consideração “as interações, dependentes nova rodada de mercantilização da cidade e ao fe-
das trajetórias e contextualmente específicas, que chamento dos espaços públicos de participação a elas
ocorrem entre os marcos regulatórios herdados, por vinculados.
um lado, e os projetos emergentes de reformas neo- b) a construção de novos espaços urbanos, insti-
liberais orientados para o mercado, por outro. Ou tuições, modalidades de gestão pública e de regula-
seja, projetos cuja aparência e conexões substanti- ções institucionais adequados aos princípios do neo-
vas os definem como significativamente neoliberais liberalismo e à governança urbana empreendedorista
(Theodore; Peck; Brenner, 2009, p. 3)”. neoliberal.
Entendida como um processo socioespacial, c) a manutenção de espaços urbanos, arranjos
a neoliberalização poderia ser interpretada como institucionais e regulações públicas anteriores que
uma modalidade de ajuste espacial (Harvey, 2005), são fundamentais para o exercício do poder da nova
expressando-se na forma de uma urbanização neoli- coalização empreendedorista, na medida em que esta
beral (Hackworth, 2007; Theodore, Peck e Brenner, tem que compor com as antigas coalizões de poder
2009). Nestes termos, a urbanização neoliberal seria vinculadas à trajetória política da cidade e às suas
caracterizada por uma dinâmica que envolveria um diferentes gramáticas, universalismo de procedimen-
tos, clientelismo, patrimonialismo e corporativismo.
Apesar de se verificar transformações urbanas em
2 Nas palavras do autor: “Neoliberalism (...) is a highly con-
outras áreas da cidade, observa-se que o ajuste espa-
tingent process that manifests itself, and is experienced diffe-
rently, across space. The geography of neoliberalism is much cial neoliberal em curso na cidade do Rio de Janei-
more complicated than the idea of neoliberalism.” (Hackwor- ro, envolveria especificamente o bairro da Barra da
th, 2007, p. 11), tradução livre dos autores.
Disponível em <http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/arquivos/2905_aps_%C3%Adndice.JPG>.
Fonte: Instituto Pereira Passos, 2010, marcações dos autores.
Figura 2:
Favelas
Selecionadas
investimentos são vinculados à preparação da cidade água e saneamento e construções habitacionais. Mas da Zona Sul,
para receber as Olimpíadas de 2016. outros investimentos também foram e estão sendo Rio de Janeiro,
Além do metrô, a Barra da Tijuca ainda está sen- realizados nas favelas Pavão-Pavãozinho e Cantaga- 2015.
do beneficiada com outros investimentos em infraes- lo (situadas entre os bairros de Copacabana e Ipane-
trutura vinculados às Olimpíadas, envolvendo obras ma), Vidigal (no bairro do Leblon), e Santa Marta
de esgotamento sanitário, duplicação de avenidas e a (no bairro de Botafogo)4, todas situadas em áreas de
construção do Parque Olímpico, que está em execu- grande valorização imobiliária (Figura 2). Todas es-
ção em uma área de 1,18 milhão de metros quadra- tas favelas também receberam Unidades de Política
dos, onde antes existia o Autódromo do Rio, com Pacificadora – UPPs, passando a integrar a política
previsão para se transformar posteriormente em uma de segurança do governo de estado de combate ao
área renovada com parque e espaços de moradia para tráfico nas favelas.5Essas favelas não são as únicas a
a população de média e alta renda. receber programas de urbanização e de segurança pú-
A região portuária também é palco de uma das blica, mas há fortes indícios de que as intervenções
maiores intervenções em curso na cidade, a Ope- em curso tenham impactos diferenciados nas favelas
ração Urbana Consorciada da Área de Especial In- da Zona Sul em relação a outras favelas da cidade,
teresse Urbanístico da Região Portuária do Rio de situadas em áreas menos nobres e sem tanto interesse
Janeiro, criada em 2009. Neste projeto de renovação do mercado imobiliário.
urbana, que abrange 5 milhões de metros quadrados, No processo de renovação urbana em curso, per-
são implementadas ações relacionadas à moderniza- cebe-se a criação de novos arranjos de gestão de ser-
ção da infraestrutura urbana, saneamento ambien- viços e equipamentos públicos e dos próprios espaços
tal, redes de informática e telecomunicações, entre urbanos reconfigurados, sobretudo por meio da ins-
outros serviços.
Já na Zona Sul parece ocorrer uma situação mais 4 O complexo de favelas do Pavão-Pavãozinho e do Cantaga-
complexa, pois além da extensão da linha 4 do me- lo foi beneficiado com obras do Programa de Aceleração do
trô, observa-se investimentos públicos em segurança Crescimento – PAC, iniciado em 2008, que realizou diversas
obras de urbanização e saneamento, reassentou moradores em
pública e na urbanização das favelas. Algumas delas,
novas moradias e implantou um elevador visando a facilitar
tais como Babilônia e Chapéu Mangueira, situados o acesso dos moradores, com um mirante no alto da favela.
no bairro do Leme, são beneficiados pelo programa O Morro Santa Marta também foi beneficiado com obras de
Morar Carioca Verde3, que prevê diversos inves- urbanização do PAC, após a instalação da primeira Unidade
timentos tais como iluminação pública, redes de de Polícia Pacificadora, em dezembro de 2009.
5 A favela Santa Marta foi a primeira a receber a UPP, em
2008. As favelas Babilônia / Chapéu Mangueira e Cantagalo /
3 Cf. <http://www.cidadeolimpica.com.br/projetos/morar- Pavão-Pavãozinho receberam o programa em 2009; e a favela
-carioca/>. Acesso em: nov. 2014. do Vidigal, em 2012.
tituição de Parcerias Público-Privadas - PPPs, em ge- da cidade diz respeito à destruição criativa de regula-
ral promovidas no contexto da preparação da cidade ções favoráveis ao mercado (Hackworth, 2007; Theo-
para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de dore; Peck; Brenner, 2009). Tal como observado nos
2016. Como destaca Hackworth (2007, p. 61), “(...) Estados Unidos e nos países centrais, esse fenômeno
um dos fundamentos da governança neoliberal no também pode ser verificado no contexto do Rio de
âmbito local é a cooperação público-privada. Estas Janeiro e envolve a adoção de novas regulações vincu-
alianças podem variar consideravelmente na forma, ladas aos projetos de renovação urbana em curso na
mas crescentemente espera-se que os governos mu- cidade, apontando para um padrão de intervenção do
nicipais sirvam como facilitadores do mercado, em poder público crescentemente marcado pela adoção
vez de atuar nas falhas dos mercados”.6Vários são os de regulações de exceção, subordinadas aos interesses
exemplos desta cooperação público-privada no caso do mercado nas áreas que estão sendo objeto de re-
do Rio de Janeiro, envolvendo, entre outros, a reno- novação urbana.
vação da Área Portuária, por meio da Operação Ur- Em segundo lugar, no caso do Rio de Janeiro, per-
bana Porto Maravilha que se realiza através da maior cebe-se o papel ativo do poder público na promoção
parceria público-privada do Brasil, e a construção do das transformações verificadas, não se restringindo
Parque Olímpico, a segunda maior do país. a viabilizar os projetos de renovação urbana a serem
As parcerias público-privadas concedem a admi- promovidos pelo capital privado. Nessa perspectiva, a
nistração de equipamentos e serviços por um deter- Prefeitura do Rio de Janeiro aparece como o principal
minado período de tempo, e implicam a participação promotor dos projetos de renovação urbana que estão
do Estado por meio de alguma modalidade de trans- sendo implementados, atuando de diversas formas,
ferência de recursos públicos, como isenções fiscais, envolvendo a articulação ou elaboração dos projetos,
obras de infraestrutura, transferência de patrimônio o financiamento direto de diversas intervenções, a
ou de recursos orçamentários. concessão de incentivos fiscais e isenções de impos-
Os contratos mediante PPPs revelam duas ques- tos para a atração dos empreendimentos privados,
tões importantes. A primeira diz respeito à mudan- a adoção de novos arranjos institucionais de gestão
ça no padrão de atuação das empresas privadas que do espaço urbano e de mudanças na legislação ante-
passam de executoras de grandes obras a gestoras de riormente vigente, em especial aquela relacionada aos
equipamentos e serviços públicos7. A segunda ques- parâmetros construtivos. Nesse processo, não se pode
tão é relacionada a riscos da subordinação da gestão deixar de registrar a participação de outras esferas do
de equipamentos e de espaços públicos à lógica do poder público, do governo federal e do governo esta-
mercado, tendo em vista que as empresas gestoras dual, sobretudo no que diz respeito aos investimentos
desses equipamentos e espaços públicos passam a diretos e ao financiamento das intervenções, como
tomar decisões vinculadas à eficácia econômica e à no caso das obras de mobilidade dos BRTs, do VLT
maximização do lucro de seus investimentos. No caso e do metrô.
do Porto Maravilha e do Parque Olímpico há que se Além disso, em terceiro lugar, as transformações
ressaltar que a gestão privada diz respeito a grandes nas configurações urbanas vinculadas à Barra da Tiju-
espaços urbanos da cidade do Rio de Janeiro. ca, Área Portuária e Zona Sul parecem estar associa-
Um aspecto a ser considerado na análise das trans- das a processos de valorização imobiliária, gentrifica-
formações urbanas na perspectiva da neoliberalização ção e elitização social.
6 Tradução livre dos autores. No original, “(…) one of foun- URBANIZAÇÃO NEOLIBERAL E
dations of neoliberal governance at the local level is public-
-private cooperation. These alliances can vary considerably in GENTRIFICAÇÃO NA CIDADE DO
form, but city governments are increasingly expected to serve RIO DE JANEIRO
as market facilitators, rather than salves for market failures.”
7 No caso do Rio de Janeiro, as PPPs são geridas pelas se- A discussão sobre os impactos territoriais da urbani-
guintes empresas: PPP do Porto Maravilha – Consórcio Porto
zação neoliberal no Rio de Janeiro envolve a discus-
Novo, integrada pelas Construtoras OAS, Odebrecht e Ca-
rioca Engenharia; PPP do Parque Olímpico – Consórcio Rio são em torno de possíveis processos de gentrificação
Mais, integrado pelas construtoras Odebrecht, Andrade Gu- em algumas áreas da cidade.
tierrez e Carvalho Hosken; PPP do VLT do Porto – Consórcio Utilizamos aqui o conceito de gentrificação com
VLT Carioca, integrado pelas empresas CCR Actua, Invepar, base nas formulações de Neil Smith (1987; 2006),
Odebrecht Transport, RioPar, RATP e Benito Roggio Trans-
porte; PPP do BRT Transolímpica – Consórcio Rio Olímpi-
que implica o processo de reestruturação das áreas
co, formado pelas construtoras Invepar, Odebrecht TransPort centrais, em decadência e ocupadas pela população
e CCR. de baixa renda, pela ação de atores coletivos públicos
Tabela 1: Valorização Imobiliária dos Bairros Leblon, Leme e da favela do Vidigal – 2008-2015.
Fonte: <http://www.zap.com.br/imoveis/fipe-zap-b/>, valores atualizados e tabulados pelos autores, com base na variação de: ORTN/
OTN/BTN/TR/IPC-r/INPC, disponível em <http://www.tjmg.jus.br/data/files/E0/53/AC/DC/10D4051088CF93050D4E08A8/Fatores_
Atualiz_Monet_1015.pdf>. Acessado em 6 jun. 2016.
Observação: Os dados do m² da Favela do Vidigal e do Bairro do Leblon para setembro de 2011 são referentes ao mês de outubro
de 2011, em razão da inexistência de informações para o Vidigal no mês de setembro deste ano.
Em todas elas, verificam-se a instalação de hostels, ba- processos como gentrificação, pelo menos no senti-
res e casas noturnas, que atraem turistas e moradores do clássico do termo; (ii) intensa valorização imo-
da cidade, em um processo de resignificação simbóli- biliária das áreas situadas no entorno das favelas da
ca destas áreas.9 Nestas favelas também encontram-se Zona Sul, proporcionadas pela resignificação das fa-
trilhas que levam a mirantes com vistas privilegiadas velas como um ativo simbólico positivo, tornando
da cidade, sendo que um dos maiores shopping centers estes espaços, já ocupados pelas classes médias e altas,
da Cidade, o Shopping Center Rio Sul, é patrocina- ainda mais elitizados; (iii) risco de gentrificação da
dor de uma delas, a trilha da Babilônia.10 favela do Vidigal, ou pelo menos de algumas de suas
Nesse sentido, cabe indagar se esta resignifica- áreas melhor situadas e de mais interesse do mercado
ção não teria por objetivo tornar a favela um ativo imobiliário.
simbólico capaz de revalorizar seu entorno, situado
em bairros de alta valorização imobiliária (Botafogo,
O caso da Zona Portuária
Leme, Copacabana, Ipanema e Leblon).
A favela do Vidigal parece ser um caso a parte, O projeto de revitalização da Zona Portuária, deno-
tendo em vista se constituir na única favela onde os minado de Porto Maravilha, é implementado por
grandes grupos imobiliários atuam, além de ser uma meio da Operação Urbana Consorciada da Região
das poucas favelas da Zona Sul que não possuem Portuária do Rio de Janeiro, e abrange 5 milhões de
programas de habitação de interesse social promovi- metros quadrados. Deste total, aproximadamente
do pelo poder público. Com uma vista privilegiada 3,8 milhões fazem parte da Área de Proteção do Am-
para o mar, esta favela, ou pelo menos parte dela, biente Cultural (APAC) dos bairros Saúde, Gamboa
pode efetivamente estar vivendo processos que se as- e Santo Cristo, que incluí ainda algumas favelas, en-
semelham aos processos de gentrificação. tre as quais o Morro da Providência e a Pedra Lisa,
Para discutir esta hipótese, pode-se comparar a além do Morro da Conceição. A população total re-
valorização imobiliária de três áreas selecionadas: o sidente na área da Operação Urbana era 29.953 pes-
bairro do Leblon, que concentra população de alta soas, em 2010, segundo o Censo do IBGE, cujo o
renda e se constitui em um dos metros quadrados perfil pode ser caracterizado como de baixa e média
mais caros da cidade; a favela do Vidigal, vizinha ao renda.
bairro do Leblon, e o bairro do Leme, que tem em Desde 2010, vem se dando um processo de reo-
seu interior a favela da Babilônia (Tabela 1). É inte- cupação da área, financiado pela venda de Certifica-
ressante notar que todas estas áreas parecem sofrer dos de Potencial Adicional de Construção (Cepacs),
uma forte valorização imobiliária após a instalação que afeta de forma diferenciada os diferentes setores
das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas fa- da área portuária, que têm potencial construtivo di-
velas do Vidigal e da Babilônia (ambas em 2009). ferenciado segundo o número máximo de pavimen-
Além disso, percebe-se uma alta valorização na favela tos que é possível construir em cada setor (Figura 3).
do Vidigal e também no bairro do Leme, talvez como Além disso, o projeto de renovação urbana envolve
impacto dos programas de urbanização e das políti- fortes investimentos no patrimônio histórico e cul-
cas de resignificação da favela Babilônia. A queda na tural e na construção de artefatos culturais marca-
valorização imobiliária, verificada a partir de 2014, damente pós-modernos, como o Museu do Amanhã
provavelmente pode ser explicada como decorrência e o Museu de Arte do Rio de janeiro – MAR, que
da crise econômica vivida pelo Brasil. também expressam a intencionalidade de resignifica-
As transformações em curso na configuração ur- ção simbólica da região.
bana da Zona Sul da cidade sugerem que este ter- Tendo em vista a existência de uma grande área
ritório está vivenciando processos combinados de: de preservação cultural, de uma população de bai-
(i) resignificação simbólica das favelas situadas nesta xa e média renda, e de muitas favelas, parece pouco
região, gerando uma relativa elitização heterogênea provável que a região portuária sofra um processo
destes espaços, sem que se possa caracterizar estes de gentrificação na sua totalidade. Assim, a hipó-
tese mais plausível é a de que os setores de maior
potencial construtivo sofram o risco de processos de
9 A favela Babilônia foi tema de uma telenovela brasileira, gentrificação, acompanhados de relativa elitização
exibida pela maior rede de televisão, a Rede Globo, exibida
heterogênea no restante da área. Reforçando esta hi-
entre 16 de março e 28 de agosto de 2015.
10 Cf. <http://www.riosul.com.br/shopping_cidadania. pótese, constata-se que os grandes empreendimentos
php>, acessado em 13 out. 2015. imobiliários e comerciais que estão sendo lançados
aspx.>, acessado em ago 2014. Obs.: Na figura, estão destacados os subsetores e setores
Fonte: CDURP, <http://www.portomaravilha.com.br/web/sup/OperUrbanaApresent.
Transolímpica, foram responsáveis pela remoção de puro e extensivo, no qual ocorreria uma completa
cerca de 1.500 famílias, do total das 4.130 famílias substituição das classes populares residentes por seg-
removidas em razão das obras da Olimpíada 2016. mentos das elites sociais e econômica, mas de um
Para a construção do BRT Transoeste, destacam-se as processo combinado e complexo. Neste sentido, en-
remoções de comunidades inteiras, tais como Restin- quanto alguns espaços parecem sofrer os riscos de
ga, Vila Harmonia, Recreio II, Notredame e Vila da serem gentrificados, outros parecem se transformar
Amoedo, totalizando aproximadamente 400 famílias no sentido de se tornarem relativamente mais eliti-
removidas. Além disso, no processo de construção zados e heterogêneos, com a relativa preservação do
do Parque Olímpico (Barra da Tijuca), a Prefeitu- seu perfil popular. Há que se considerar também os
ra Municipal tentou remover a comunidade da Vila conflitos sociais envolvidos nestes processos, que tor-
Autódromo, que fortemente mobilizada e articula- nam seu desfecho ainda incerto.
da com outras redes e organizações sociais, resistiu e A questão a ser considerada diz respeito ao pa-
finalmente conseguiu assinar um acordo de perma- pel que o poder público municipal vem desempe-
nência de 20 famílias.12 Tal vitória, de grande impor- nhando nesse processo. Tal como observado no caso
tância para a comunidade e resultado de uma longa das cidades norte-americanas (Hackworth, 2007), a
história de resistência, não apaga o fato de terem sido Prefeitura do Rio de Janeiro parece estar envolvida
removidas cerca de 500 famílias que residiam nesta diretamente na promoção da gentrificação, atuando
comunidade. tanto na retirada dos obstáculos políticos e econômi-
Nesse sentido, pode-se argumentar que certas cos existentes, tornando-a possível através dos meca-
áreas da Barra da Tijuca estão sofrendo processos de nismos de mercado, como diretamente, promoven-
gentrificação promovidos pelo poder público e isto do a remoção das comunidades de baixa renda e sua
se expressa na medida em que o poder público pro- transferência para localidades mais distantes.
move, ao mesmo tempo, processos de remoções e a Ao longo desta análise, buscou-se trazer alguns
expansão imobiliária nesta região, especialmente vol- elementos que possibilitam interpretar os processos
tada para as populações de mais alta renda. atuais de transformação urbana da Cidade do Rio
de Janeiro como um processo de modernização neo-
liberal, expresso em uma nova rodada de mercantili-
CONSIDERAÇÕES FINAIS zação, associado a um processo de destruição criativa
envolvendo configurações urbanas, arranjos institu-
No decorrer deste artigo, buscou-se interpretar as cionais e regulações urbanísticas e sociais, envolven-
transformações em curso na cidade do Rio de Ja- do certos espaços da cidade, notadamente situados
neiro como uma modalidade de ajuste espacial ne- na Barra da Tijuca, na Área Portuária e na Zona Sul.
oliberal, fortemente impulsionado pela realização Cabe agora, nestas considerações finais, levantar al-
de dois grandes megaeventos, a Copa do Mundo de guns impactos dessa modernização neoliberal sobre
2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Neste contexto, a governança urbana e o futuro da cidade do Rio de
discutiu-se a hipótese da ocorrência de processos de Janeiro.
gentrificação na cidade do Rio de Janeiro, fazendo-se Em primeiro lugar, cabe destacar que esse pro-
algumas ressalvas, dadas as características específicas cesso de mudanças preserva antigos agentes, práticas,
das configurações urbanas e as transformações consi- estruturas urbanas, instituições e arranjos institucio-
deradas, seja na área Portuária, no bairro da Barra da nais e que a emergência de novos agentes, práticas,
Tijuca ou na Zona Sul. estruturas urbanas, instituições e arranjos institucio-
Apesar de se tratar de processos ainda em curso, a nais ocorre se combinando com aquilo que é pre-
análise evidencia que as transformações urbanas em servado. Assim, o que tentou-se mostrar é que não
curso estão associadas à tentativa de fortalecimento, estamos diante da mera continuidade de processos
revitalização ou criação de centralidades na cidade, anteriormente em curso. Há processos novos que
por meio de processos de destruição criativa de estru- não expressam exatamente uma ruptura com as anti-
turas urbanas, de instituições e de regulações públi- gas práticas, mas uma inflexão, na qual a moderniza-
cas e da resignificação desses espaços. Argumentou-se ção neoliberal em curso pode ser considerada conser-
ainda não tratar-se de um processo de gentrificação vadora em muitos aspectos. Nesse sentido, torna-se
um desafio analisar como se combinam as velhas e
as novas culturas políticas.13 De qualquer forma, já
12 Cf. Site da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janei-
ro: Defensoria e Prefeitura firmam Acordo Coletivo de Per-
manência e Urbanização da Vila Autódromo. Ver <http:// 13 O estudo de Guimarães (2015) elucida alguns dos meca-
www.portaldpge.rj.gov.br/Portal/conteudo.php?id_conteu- nismos por meio dos quais se combinam essas velhas e novas
do=3137>. Acessado em 15 abr. 2016. práticas no caso da modernização neoliberal da Barra da Ti-
é possível inferir que, do ponto de vista da gover- do uma nova coerência estruturada (Harvey, 2004),
nança urbana, esta modernização neoliberal parece que ao mesmo tempo preserva estruturas urbanas,
se aproximar das práticas patrimonialistas, que tanto instituições sociais e agentes presentes no território.
marcam a história da cidade do Rio de Janeiro, e se A combinação do velho e do novo caminha no senti-
distanciar da gestão democrática associada ao ideário do de reproduzir práticas que ameaçam os princípios
do direito à cidade. Nesse contexto, as esferas públi- da gestão democrática e a universalização de direitos
cas de participação são progressivamente substituídas na cidade.
por processos decisórios que subordinam o poder pú- Nesse contexto, caberia refletir sobre as possibi-
blico à lógica do mercado. lidades da constituição de um bloco de oposição às
Em segundo lugar, em sintonia com a abordagem transformações em curso, superando as tendências à
utilizada (Hackworth, 2007), o processo de imple- fragmentação impulsionadas pela coalizão de poder,
mentação desse projeto de neoliberalização envolve e da construção de um projeto alternativo, na pers-
diversas contradições e suscita diferentes conflitos pectiva da afirmação de uma cidade inclusiva, mais
urbanos envolvendo resistências e oposições, por justa e democrática no Rio de Janeiro.
exemplo, no tocante às prioridades dos investimentos
realizados, às remoções de comunidades situadas nas
áreas de intervenção, à inexistência de canais de parti- REFERÊNCIAS
cipação social e às transformações na vida social. Tais
conflitos, protagonizados por uma diversidade de or- BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do
ganizações e movimentos sociais, podem incidir nos julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS:
rumos do projeto de neoliberalização, alterando-o Zouk, 2007.
mais ou menos substantivamente, ou mesmo inviabi- CASTRO, Demian Garcia; GAFFNEY, Christo-
lizando-o, dependendo da força que ele venha atingir pher; NOVAES, Patrícia Ramos; RODRIGUES,
ao longo do tempo, o que reforça a incerteza sobre o Juciano; SANTOS, Carolina Pereira; SANTOS
futuro da cidade. Neste sentido, pode-se prever que JUNIOR, Orlando Alves dos. Rio de Janeiro:
a governança urbana do Rio de Janeiro tenderá a ser os impactos da Copa do Mundo 2014 e das
marcada pelo acirramento da conflitualidade. Olimpíadas 2016. Rio de Janeiro: Letra Capital,
No entanto, como terceiro aspecto, não se pode 2015.
ignorar a força da coalizão de poder que comanda Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de
esse projeto de governança empreendedorista neoli- Janeiro. Megaeventos e Violações dos Direitos
beral, que demonstra força hegemônica e capacidade Humanos no Rio de Janeiro - Dossiê do Comitê
de incorporar de forma subordinada, pelo menos dis- Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro.
cursivamente, os interesses subalternos, compondo Olimpíada Rio 2016, os jogos da exclusão 2015.
com outros agentes e com outras gramáticas políticas Rio de Janeiro, novembro de 2015. Disponível
existentes de forma a se viabilizar a implementação em <http://issuu.com/mantelli/docs/dossiecomi-
deste projeto, resultando na especificidade da cidade terio2015_issuu_01>. Acessado dez. 2015.
neoliberal do Rio de Janeiro. Em síntese, mesmo que GUIMARÃES, Renato Cosentino Vianna. Barra da
de forma subordinada, é preciso reconhecer ganhos Tijuca e o Projeto Olímpico: a cidade do capital.
parciais e fragmentados das classes populares em al- Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do
gumas áreas da cidade, como decorrência dos inves- Programa de Pós-Graduação em Planejamento
timentos que estão sendo realizados, em especial no Urbano e Regional da Universidade Federal do
campo da mobilidade urbana. Rio de Janeiro – UFRJ. Rio de Janeiro, UFRJ,
Em suma, as profundas transformações em curso 2015.
na dinâmica urbana da Cidade do Rio de Janeiro en- HACKWORTH, Jason. The Neoliberal City: gov-
volvem, de um lado, novos processos de mercantili- ernance, ideology, and development in American
zação da cidade, e de outro, novos padrões de relação Urbanism. New York: Cornell University Press,
entre o poder público e o setor privado, caracteriza- 2007.
dos pela subordinação do poder público à lógica do HACKWORTH, J. and N. Smith 2001. The chang-
mercado. Esse processo envolve a destruição criativa ing state of gentrification. Tijdschrift voor
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ça Empreendedorista: a modernização neolib- Chile, nº 66, Mzo. 2009. ▪
Carlos Gonçalves
Hierarquia, policentrismo e
complexidade em sistemas urbanos
Resumo
A discussão sobre a configuração dos sistemas urbanos mantém centralidade nos estudos
regionais e urbanos. Este artigo concorre para que se possam integrar as noções de hie-
rarquia, de rede, de policentrismo e de complexidade na compreensão destes dispositi-
vos (os sistemas urbanos). Analisando os principais traços que marcaram a transição das
estruturas hierárquicas para lógicas de rede, a afirmação do policentrismo por oposição
a configurações hierárquicos rígidas e o aprofundamento da dicotomia entre segmentar
ou integrar os elementos que compõem os sistemas urbanos, aportamos na necessidade
de compreender estes organismos como sistemas complexos. Escolher entre privilegiar a
componente analítica (interpretação) ou a operativa (intervenção) é redutor e amplifica
os riscos de se desbaratar o potencial de desenvolvimento patente (ou latente) na malha
das relações locais-regionais-globais.
Abstract
The configuration of the urban systems is a central theme on the urban and regional stu-
dies. This article contributes to accommodate the terms of hierarchy, network, polycen-
trism and complexity when it comes to understand those mechanisms (the urban syste-
ms). The most important characteristics of the hierarchical structures transition to the
reticular systems are considered and the dichotomy between segment and integrate the
elements that comprise the urban systems is analysed. Therefore, the urban linkages
are viewed through the lens of the complex systems. To focus on one of the components
Carlos Gonçalves
é bolsista de Investigação Post-Doc
(both when interpreting and intervening) is reductive and increases the risks of des-
e Pesquisador efetivo do Centro
troying the evident (or latent) development potential in the network of local-regional- de Estudos Geográficos, IGOT,
-global relationships. Universidade de Lisboa.
____________________
Artigo recebido em 14/08/2015
artigos
organização e exercício de poder na economia global. Communities - Directorate-General for Regional Poli-
As cidades globais servem de localização privilegiada cies, 1992), que informou as propostas do Esquema
para o setor financeiro e para empresas com serviços de Desenvolvimento do Espaço Comunitário (Co-
altamente especializados (que destronaram as do se- missão Europeia, 1999). Esta perspetiva cria um
tor industrial na liderança da criação de riqueza). São contraponto ao modelo de polarização em torno,
igualmente palco da afirmação de centros de produ- primeiro, do eixo banana azul e depois, do pentá-
ção de inovações que alimentam os setores líderes e, gono. A sua pertinência afirma-se à medida que se
para finalizar, afirmam-se como mercados para pro- consolida o propósito de alargar as áreas dinâmicas
dutos tidos como inovadores (Sassen, 2001). do espaço comunitário, esbatendo, deste modo, as
Deste modo, o novo modus operandi destas cida- disparidades existentes e crescentes no território da
des incutiu impactos tanto na estrutura econômica União Europeia.
internacional quanto na forma urbana. A cidade Esta resposta de política, orientada para a confi-
global concentra o controlo sobre uma vasta porção guração de sistemas urbanos polinucleados, deveria
de recursos. Enquanto organização urbana, social e reproduzir-se em várias escalas. Seguindo a síntese
econômica a cidade é marcada pelas estratégias dos presente em DGOT-DU e MCOTA (2004) viabi-
setores financeiros e outros com níveis elevados de lizar-se-ia assim: i) a criação, na União Europeia, de
especialização (da industria e dos serviços). É a esta mais territórios competitivos à escala global; ii) a
matriz restrita de nós, com capacidade de polarização criação de um sistema de regiões metropolitanas po-
crescente, que Sassen (2001) atribui a classificação de licêntrico e equilibrado, bem assim, a estruturação de
cidades globais: lugares privilegiados para a acumu- clusters e redes de cidades respaldando políticas tran-
lação de capital e para a fixação de centros de poder seuropeias2; iii) a criação de estratégias de desenvol-
institucional e privado. Simultaneamente, também é vimento espacial que privilegiassem redes de cidades
nestas que se verificam maiores níveis de iniquidades. considerando, neste plano, os espaços transnacionais
Resta saber se concentram, ou não, maior resiliência e transfronteiriços3; iv) a melhoria da estrutura de
evolutiva. funções dos espaços urbanos e intraurbanos inseridos
A globalização traz consigo produção e disponi- em sistemas metropolitanos.
bilização (exponencial) de informação, ou seja, po- Na origem da adoção do policentrismo, como
tência, conhecimento e inovação. Num contexto de instrumento de política de ordenamento e de desen-
aceleração das mudanças, comprimem-se os lugares volvimento territorial, está a European Spatial Deve-
onde se localizam centros de comando e de decisão lopment Perspective (ESDP) adotada pelos ministros
(Ferrão, 1995). O mesmo autor diz-nos que a posi- responsáveis pelo planeamento regional e urbano
ção que cada centro urbano ocupa, ou ocupará, no dos Estados Membros da União Europeia, reunidos,
contexto da rede urbana nacional ou internacional, em maio de 1999, na cidade de Potsdam. O docu-
não é regido por mecanismos determinísticos. mento, aprovado nessa reunião, propõe que as po-
líticas de desenvolvimento, com impacto espacial,
deveriam ser coordenadas de forma a configurar, ou
ENTRE MONOCENTRISMO a consolidar, trajetórias de desenvolvimento susten-
E POLICENTRISMO tável. As principais orientações de política visam: i)
ao desenvolvimento de um sistema urbano equilibra-
O desenvolvimento dos meios de transporte, dos do e policêntrico e uma nova relação urbano-rural;
modos de comunicação e a especialização crescente ii) à capacidade de assegurar equidade no acesso a
das cidades fez com que os modelos monocêntricos infraestruturas e a redes de conhecimento; e iii) ao
(hierarquizados de modo rígido) perdessem parte da desenvolvimento sustentável pela gestão prudente e
sua aderência à realidade e vissem fragilizada a sua pela proteção das paisagens naturais e culturais (Co-
capacidade de ancorar o desenvolvimento urbano. O missão Europeia, 1999, p. 11).
sistema urbano polinucleado emerge do esforço de Enquanto orientação para as políticas de orde-
busca por alternativas aos centros fortemente pola- namento e de desenvolvimento do território, o po-
rizadores disfuncionais e congestionados. Tal ocorre licentrismo granjeia crescente relevo. Esta proposta
no seio da discussão sobre o sistema urbano europeu de leitura das dinâmicas territoriais surge intercalada
no final dos anos 1990.
Sob a designação de grape model, o conceito de
2 Lisboa e Porto entram nesta estrutura especialmente se se
policentrismo surge referenciado em Kunzmann e considerar o sistema urbano da Península Ibérica.
Wegener (1991) transposto, depois, para o estudo 3 Podiam ser apresentados vários exemplos, desta natureza.
da Comissão Europeira (Commission of the European Gomes et al. (2010) representam um esforço nesse sentido.
com uma proposta para o desenvolvimento urbano interpõe-se ao modelo unipolar hierarquizado infle-
mais equilibrado, incorporando maior coesão, dialo- xível, no qual uma única cidade (ou região metro-
gando de modo mais profícuo com as áreas rurais, politana) emerge como motor de desenvolvimento,
garantindo maior sustentabilidade. O conceito de capitalizando o seu potencial na subjugação dos res-
policentrismo surge associado a outras noções tais tantes centros que gravitam na sua região de influên-
como: complementaridade entre centros urbanos cia. Tal domínio pode materializar-se, por exemplo,
(Meijers, 2006), potenciação de sinergias (Meijers, no efeito de sucção de novos investimentos ou de
2007), configuração de regiões urbanas policêntricas fixação de atividades inovadoras. Os centros secun-
(polycentric urban region - PUR) (Bailey & Turok, dários, colocados na dependência direta do centro
2001; Robert & Sako, 2001) e funcionamento dos polarizado, transformam-se (por exemplo) em dor-
sistemas urbanos em rede (Burger, 2013; Camagni & mitórios e, mesmo os que se apresentam com outras
Salone, 1993). valências específicas, emprestam gradualmente a sua
Oferecendo um contraponto aos modelos de de- identidade ao centro.
senvolvimento hierarquizados e monocêntricos, o Qualquer outra cidade que, colocando-se dentro
policentrismo congrega em si uma proposta de di- destes anéis de influência, procure combater a perda
fusão dos processos de desenvolvimento, recorrendo de identidade, terá dificuldades em conseguir orga-
a fórmulas para fazer com que estruturas urbanas nizar a sua própria rede de ligações. Nestas estrutu-
pontuadas por centros de menor dimensão se pos- ras monocêntricas, fronteiras administrativas rígidas
sam afirmar com capacidade de ascender aos recur- somadas a rivalidades, ou a défices de entendimento
sos que qualificam as vidas dos residentes, de que as institucional, colocam uma cidade da periferia de um
grandes aglomerações metropolitanas são detentoras. centro polarizador numa posição particularmente
De modo simples, coloca-se em confronto o modelo frágil. Por um lado, porque recusa tirar partido dos
monocêntrico com outro de cariz policêntrico (Ri- benefícios da aglomeração, por outro, porque vê di-
chardson, 1988). ficultada a sua capacidade de gerar uma trajetória de
No topo das preocupações do ordenamento e do desenvolvimento própria.
desenvolvimento do território, está a busca de respos- No caso em que o modelo de desenvolvimento
tas que contraponham a ancoragem dos motores do urbano procura convergir para um funcionamento
desenvolvimento em determinados centros. Buscam- sistêmico do tipo rede urbana policêntrica, todos
-se explicações para o facto de não se conseguir fazer os centros estabelecem relações bidirecionais com
com que mais centros urbanos consigam atrair deter- os demais. O principal nó não perde essa condição,
minados tipos de investimento, oferecer e integrar-se contudo, procura se beneficiar das ligações com os
em redes de transportes mais robustas, gerar inova- restantes, construindo relações de complementarida-
ção, respeitar os recursos ambientais, atingir determi- de. Cada um dos centros procura desenvolver as suas
nados patamares de sustentabilidade. É neste quadro potencialidades endógenas, tendo em conta as opor-
que o conceito de policentrismo assume destaque. tunidades que resultam do funcionamento em rede
Traz no seu significado a possibilidade de se formular (potencia ligações intra e inter).
uma cadeia de relações entre centros urbanos de tal Levar avante a configuração deste imaginário re-
modo densa que permita a geração de funcionamen- produz-se, por exemplo, na localização de um parque
tos sistémicos ou em rede (Hague & Kirk, 2003). empresarial na cidade de menor dimensão, aprovei-
Articulada conjuntamente, essa agregação de tando a oferta de espaço a preços mais acessíveis e/ou
centros tem possibilidade de gerar massa crítica que a qualidade ambiental envolvente (amenidades difí-
viabiliza vitalidade empresarial, aumenta a oferta de ceis de concretizar na cidade central), atraindo novas
serviços e capitaliza amenidades. Processos de de- empresas que se beneficiam de um mercado alargado.
senvolvimento policêntrico trazem consigo esbati- O centro comercial reconfigura-se para responder às
mentos de fronteiras, relativização de barreiras his- valências de mercado e de produção de uma região
tóricas, desvalorização de estruturas administrativas, alargada, um parque temático fixa-se num pequeno
secundarização de rivalidades para dar lugar a robus- lugar e atrai famílias de toda a região, as ofertas de
tecimento de corredores de comunicação (físicos e lazer articulam-se em rede procurando tirar partido
virtuais), aprofundamento de trabalho conjunto e dos recursos locais, redes de informação regionais co-
de estratégias de cooperação mais efetivas (Hague e ligem a oferta cultural, as oportunidades de empre-
Kirk, 2003). Esta interpenetração de escalas é vista go, as articulações entre os sistemas de transportes e
como modularidade no paradigma que sustenta a re- equipamentos etc., a estratégia de promoção engloba
siliência do desenvolvimento urbano. o sistema urbano, as fronteiras administrativas esba-
Como se disse, o desenvolvimento policêntrico tem-se: passam a ser vistas como pontes, deixando
de ser barreiras (Hague e Kirk, 2003), conferindo ricas subjacentes ao policentrismo), Davoudi (2003)
consistência ao percurso de desenvolvimento. Nes- desbrava a literatura dedicada, apresentando uma
ta imagem hipotética, caracterizadora do funcio- reflexão na qual coloca em confronto as estruturas
namento de um sistema urbano policêntrico, estão de organização do território mono e policêntricas. A
subjacentes a busca por maior racionalidade, um autora levanta a hipótese de existir um desligamento
desenvolvimento urbano mais equilibrado e maior entre a absorção política e técnica do segundo mode-
distribuição de atividades econômicas pelas várias lo, face às dinâmicas de transformação em curso, que
cidades/regiões. No geral o potencial de competitivi- parecem indiciar uma quebra na tendência do pa-
dade aumenta e dissemina-se (Burger, 2013). drão descentralizador, ao mesmo tempo que se afir-
Certo é que o conceito de policentrismo adquire mam processos híbridos de concentração/dispersão.
vários significados, tantos quantas as escalas em que Descobrem-se evidências que estabelecem uma
se pode materializar. No espaço da União Europeia, relação circular entre condições econômicas e re-
onde, como se disse, se encubou o conceito, a sua centralização urbana. “Regiões que, à medida que
maior missão é estimular processos de desenvolvi- o processo de reconcentração ocorre, conseguem
mento, para além da área normalmente designada de atrair mão de obra e residentes, capacitam-se para
pentágono, equilibrando e conferindo maior capaci- melhorar os quadros de vida urbana. Regiões mais
dade a outras regiões de se integrar em sistemas urba- vulneráveis, do ponto de vista econômico, estão mais
nos europeus e globais. Este posicionamento estra- expostas a espirais de descentralização e de declínio”
tégico responderia à necessidade que a Europa tem (Cheshire, 1995, citado em Davoudi, 2003, p. 983).
de aumentar a sua representação na configuração Trata-se, pois, de adensar as teias de complexidade
de regiões que competem no sistema urbano global. que caracterizam as cidades. O nível de complexida-
Posicionado na escala dos países, o policentrismo de que comportam é um dos elementos centrais na
responderia à necessidade de disseminar as políticas adaptabilidade que conseguem gerar.
de competitividade, reduzindo as disparidades, au-
mentando a coesão, esbatendo as fronteiras entre os
vários patamares (e cidades neles posicionados) dos ENTRE FRACIONAMENTO
sistemas urbanos nacionais. E COMPLEXIDADE
Tomando uma leitura regional, o conceito de sis-
temas urbanos policêntricos (Bailey e Turok, 2001) Para fomentar a sustentabilidade nos sistemas ur-
concentra boa parte da relevância desta estratégia. banos, é necessário observar a malha complexa das
Compreende conjuntos de áreas metropolitanas, relações entre atividades e pessoas e destas com as
separadas por trajetos históricos e modelos espaciais ossaturas, construídas e biofísicas, de modo a que se
divergentes que deslocam a sua orientação para as- minimize a energia utilizada e se maximizem as pos-
sumir a expressão de amplas regiões urbanas fun- sibilidades de trocas profícuas. A redução da comple-
cionais, densificando a sua matriz de interrelações xidade (criando-se texturas urbanas do “tipo árvore”)
(Burger, 2013). Nas constelações urbanas policên- bloqueia os fluxos, incrementando a fragmentação e
tricas, capitaliza-se competitividade, respondendo, o afastamento entre pessoas e espaços. “As cidades
porventura, com um acréscimo de potencialidades históricas têm sobrevivido e prosperado, graças ao
face às estruturas monocêntricas. Estas aglomerações processo de incremento da complexidade, absorven-
se beneficiam de bacias de emprego alargadas, diver- do sucessivas transformações, sem perder o essencial
sidade e especialização de serviços, nós posicionados da sua estrutura” (Salat, Bourdic e Nowacki, 2010
no topo das redes de transportes (portos, aeropor- p. 167).
tos), evitando efeitos nefastos, geralmente associados Num sistema urbano, todos os seus elementos
a centros de maior densidade: congestionamento, interagem. Esses elementos podem agrupar-se em
insegurança, poluição (Faludi, 2004). estruturas morfológicas, econômicas, sociais ou am-
Resumindo, a aplicação do modelo policêntrico, bientais. Todas contribuem separadamente, todavia
visto como alternativa ao de expressão monocên- interferem, através das múltiplas articulações que de-
trica/hierárquica, pode direcionar-se para escalas sencadeiam, para uma arquitetura fluida de relações.
intraurbanas, interurbanas ou interregionais. Para Dito de outro modo, o resultado do comportamento
além de contextualizar o conceito de modo mais de cada um dos elementos não decorre das condições
abrangente (dando conta de que a sua raiz se esten- que encerra em si próprio, mas das interações que
de até aos sociólogos da Escola de Chicago e de nos estabelece com os demais (Rocha, 2012). A evolu-
apontar as dificuldade de tornar claros os princípios ção, enquanto correia de transmissão dos processos
conceptuais, os alicerces teóricos e as análises empí- de mudança, é comandada por essa teia de ligações.
Isto desloca o foco da análise da observação direta das Os sistemas urbanos abeiram-se do colapso sem-
propriedades de determinado sistema (subsistema, pre que se simplifique a teia de relações que os supor-
ou componente especifica de um qualquer sistema) tam. Tal decorre ainda da calibração do modelo ten-
para aportar na natureza e na extensão das conexões. do como bitola a matriz de interações geradas num
Os sistemas urbanos, enquanto sistemas comple- tempo específico, porque é sabido que na realidade o
xos (Bretagnolle et al., 2006; Albeverio et al., 2008; tempo é uma variável intrinsecamente mutável que
Salat, Bourdic & Nowacki, 2010; Rocha, 2012), impõe variações em todas as outras. As representa-
não são dispositivos cuja configuração se estabelece ções mecânicas e simplificadas afastam-se, de modo
uma vez perpetuando-se, depois, para todo o sempre. crítico, da realidade que pretendem analisar (Albeve-
Muito pelo contrário, estes estão sujeitos a mudanças rio et al., 2008) (figura 2).
permanentes em função das pequenas variações que A dinâmica de uma população pertencente a uma
se vão introduzindo reiteradamente nas suas múlti- cadeia alimentar exemplifica os efeitos de retorno
plas variáveis. A acumulação de pequenas mudanças num ecossistema real, onde tem lugar subsistemas pa-
pode precipitar uma grande transformação, que obri- ralelos que se sobrepõem criando padrões em que os
ga a sobressaltos nas trajetórias de desenvolvimento, dos níveis hierárquicos superiores se alimentam dos
conduzindo, no extremo, a que se configure uma que se posicionam abaixo. A cadeia retroalimenta-se
nova matriz de funções (figura 1). por esta via, bem assim, pela reciclagem de todos os
O comportamento que produz a bifurcação (nova fragmentos de carbono e de minerais que decorrem
matriz de funções) deriva da teorização em torno da da mortalidade. Tal sucede se se modelar a dinâmica
noção de catástrofe, desenvolvida na física. Resumi- populacional, fixando taxas de natalidade, de mor-
damente, o foco da teoria formula-se da seguinte for- talidade e de sobrevivência assumindo sempre que
ma: uma pressão sobre qualquer entidade induz-lhe quem se posiciona nos patamares mais elevados da
um movimento. Os incrementos na quantidade de hierarquia elimina os demais. Ou seja, a cadeia meta-
pressão são reproduzidos na extensão do movimento. bólica seleciona os que apresentam maior performan-
Esta linearidade reproduz um comportamento típi- ce. Todavia, na realidade não é exatamente assim que
co. Menos comum, mas não menos possível, é que acontece, o que obriga a que se questione a validade
por via de pressões ínfimas decorram, como respos- do modelo dinâmico para representar o “sistema real”
tas, rupturas dramáticas. Este tipo de resposta é de- (Albeverio et al., 2008).
signado por catástrofe. Os sistemas urbanos são, por definição, difíceis
Figura 1: Perspetiva sincrônica da interligação de trajetórias de desenvolvimento em sistemas urbanos4
4 Num sistema complexo os trajetos de desenvolvimento, estão em permanente reconfiguração. Uma crise ou um distúrbio (uma interferência
nas múltiplas configurações que se estabelecem entre as estruturas) podem aproximar o sistema de um limiar, ou fazer com que este seja ultrapas-
sado. Aqui, iniciam-se novos trajetos que, por sua vez, hão-de estruturar uma nova configuração para o sistema.
Figura 2:
Interações num
de delimitar, pelo que as configurações propostas, agregação coletiva (com forte ou fraca coesão), ema- sistema que entra
por norma, desenham-se por referência aos propósi- nam estruturas de regulação social. Bretagnolle et al., em colapso quando
é simplificado; com
tos a que se destinam. São sistemas abertos pelo que (2006) apresentam o exemplo da evolução das cida- base em Albeverio
evoluem constantemente, incorporando mudanças des francesas, nas últimas décadas, afirmando que, et al.(2008)
técnicas, sociais, administrativas, ou de qualquer independentemente das variações de tipo funcional,
outra natureza. Resultam da articulação, interação dimensão, localização, de um modo geral, todas
e sobreposição de múltiplas redes. Categorizar a sua mostram capacidade de se adaptarem rapidamente às
estrutura, atribuindo-lhe estas dimensões de comple- várias ondas de inovação técnica e social. Tal resul-
xidade, não conduz à conclusão de que a organização tou, na maior parte dos casos, de comportamentos
dos sistemas urbanos obedece a princípios estocás- de imitação que não obedecem a uma cadeia hierár-
ticos. Não obstante as diferenciações que se possam quica de transmissão de indicações. O padrão apro-
estabelecer entre os nós do sistema urbano (ou da xima-se mais de um arranjo de fragmentos sobre-
multiplicidade de interações que possam ocorrer postos que se vão contagiando a partir de qualquer
nas suas fronteiras), é certo que as suas trajetórias de posição ou localização. A completude desta estrutura
desenvolvimento assentam em alguns denominado- é de difícil definição e desvia-se da possibilidade de
res comuns. Capacidade de adaptação à mudança, enquadramento em esquemas do tipo hierárquico.
adaptabilidade, seletividade, cooperação e imitação O sentido geral da trajetória do sistema urbano
(Bretagnolle et al., 2006) são algumas dessas caracte- incorpora, por esta via, interações geradas entre os
rísticas transversais. elementos da microescala, ao mesmo tempo que res-
ponde aos que se forjam no plano da macroescala.
Geram-se (ou anulam-se) assim, continuamente,
EM CONCLUSÃO novas propriedades. Articulando hierarquia-policen-
trismo-monocentrismo-policentrismo-fracionamen-
Os sistemas urbanos resultantes das mais variadas to-complexidade amplifica-se a compreensão das
contingências (determinada distância a uma metró- dinâmicas urbanas recentes. Apesar de constituírem
pole, partilha de uma identidade cultural ou geográ- diferentes focos (que tanto podem ser vistos de modo
fica, pertença a uma bacia de emprego, a uma domi- isolado como através da sua interação dicotômica)
nância funcional ou a uma parceria circunstancial) sobre os dispositivos que captam as relações entre
reproduzem uma miríade de comportamentos co- polos urbanos, quanto maior o esforço de integração
letivos que no extremo se disseminam, deixando de entre as diferentes leituras, maior será a capacidade
responder a um núcleo de controle, não raras vezes, de interpretar e de potenciar a teia de fluxos que os
afirmam mecanismos de auto-organização. Dessa configuram.
Reassentamento involuntário em
projetos de saneamento em Belém do Pará
Resumo
A principal estratégia de intervenção para melhorias em assentamentos precários em
Belém do Pará tem sido por meio de projetos de macrodrenagem com o objetivo de
sanear e integrar essas áreas a malha formal da cidade. Por sua vez, os projetos geram
alto número de deslocamentos involuntários. Ao analisar experiências de reassentamento
ocorridas em Belém, questiona-se a operacionalização das políticas operativas para re-
assentamento involuntário de agências internacionais de financiamento (Banco Mundial e
Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID) e a capacidade de promoverem a trans-
Monique Bentes
formação urbana que pretendiam. Há uma dificuldade para soluções de reassentamento
Machado Sardo Leão
é graduada em Arquitetura e Urbanismo
na cidade, levando ao confronto do discurso das políticas operativas com o formato final
pela Universidade Federal do Pará (2010),
do reassentamento. Apesar do reassentamento, ao longo do tempo, adquirir um papel Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela
importante na forma de compensação para a população deslocada, observa-se que as Universidade Federal do Pará - PPGAU/
políticas operativas tendem a ser uma universalização de soluções, levando a limitação UFPA (2013). Atualmente é professora
dos cursos de arquitetura e urbanismo da
de estratégias de reassentamento.
Universidade da Amazônia (UNAMA) e da
Palavras-chave: Reassentamento; Remoções; BID; Banco Mundial; Cidade de Belém; Universidade Federal do Pará (UFPA).
Abstract
The main upgrading intervention strategy in slums in Belem has been through major José Júlio Ferreira Lima
drainage projects in order to reorganize and integrate these areas in the formal fabric of é graduado em Arquitetura pela Univer-
sidade Federal do Pará (1986), mestrado
the city. In turn, the projects generate a high number of involuntary displacement. The em Arquitetura - Fukui University (1991),
analysis of resettlement experiences occurred in Belém Pará state, this paper questions mestrado em Desenho Urbano - Oxford
the implementation of operational policies for involuntary resettlement devised by inter- Brookes University (1994) e doutorado em
Arquitetura - Oxford Brookes University
national funding agencies (World Bank and Inter-American Development Bank - IDB) and
(2000). Atualmente é professor associado
the ability to promote urban transformation as planned. There is a difficulty for resettle- da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
ment solutions in the city, three cases studies indicate a confront of operational policies’ e dos Programas de Pós-graduação em
discourses with the final resettlement. Despite the relocation, over time, have a major Arquitetura e Urbanismo e de Geografia
da Universidade Federal do Pará e pes-
role in compensation for displaced people, it is observed that the operating policies tend
quisador do Observatório das Metrópoles,
to be universal solutions, leading to limiting relocation strategies. Núcleo Belém.
Keywords: Resettlement; Remotions; IDB; World Bank; City of Belém; Pará state. jjlimaufpa@gmail.com
____________________
Artigo recebido em 19/06/2016
artigos
conjunto de ações quase como “receitas de bolo”. As do plano de ação Cities without slums (cidades sem
agências financeiras começam a reorientar seus pro- favelas), que visava a difundir mundialmente um
gramas habitacionais, visando a extinguir ou a mini- consenso a respeito do slum upgrading como política
mizar o número de remoções dos projetos na década urbana mais eficaz de combate à pobreza urbana. Na
de 1970. Em 1976, com a I Conferência do Habitat, agenda da política urbana recente das agências, en-
a ONU exercia pressão nas instituições, além de que tram questões como a sustentabilidade de cidades e
havia uma questão econômica para estas, já que as da minimização da degradação do meio ambiente, é
experiências eram dispendiosas e demonstravam-se valorizada a noção de cidades competitivas e preza-se
ineficazes (World Bank, 2004). pela boa governabilidade e bom gerenciamento das
O Banco Mundial e BID orientaram projetos de cidades (Cavalcanti, 2008).
urbanização de favelas (slum upgrading) e autocons-
trução, a exemplo do Site and services projects lan-
Políticas operacionais
çado pelo Banco Mundial, em 1975, incentivando
de “reassentamento involuntário”
projetos de lotes urbanizados (Davis, 2006; Arantes,
2004). Os projetos seriam compatíveis com a escas- Nas décadas de 1990 e 2000, observa-se a consoli-
sez de recursos e a baixa capacidade de pagamento dação da influência das instituições financiadoras,
da população a que se destinavam e indicavam o como o Banco Mundial e o BID, nas políticas urba-
mutirão como meio adequado de diminuição dos nas no Brasil e em outros países em desenvolvimento.
custos e ampliação da participação (Bueno, 2000). A respeito do reassentamento, as diretrizes dos dois
O Banco defendia uma política habitacional através bancos têm cumprido um papel fundamental, atra-
de um método mais pragmático em relação às pos- vés da obrigatoriedade da adoção de suas políticas
sibilidades financeiras (ability to pay). Consideradas operativas (Operational Policies - OP), constituídas
mais “realistas”, deveriam compreender a capacidade de diretrizes para governos mutuários que definem
de pagamento dos pobres (affordability) e a possibili- estratégias de desenvolvimento e fornecem orienta-
dade de seu trabalho gratuito (self-help). ções para decisões operacionais.
Através do financiamento de lotes urbanizados e O Banco Mundial adota a OP 4.12 de 2001 (re-
urbanização de favelas em países do terceiro mundo, visada em 2013) e o BID a OP 710 de 1998, cujos
o Banco Mundial passa a exercer enorme influência objetivos se assemelham e têm como prioridade mi-
nestes países, o que permitiu a inserção de suas pró- nimizar impactos provenientes do reassentamento
prias teorias e parâmetros na política urbana brasi- e promover, sempre que possível, a recuperação da
leira (Davis, 2006). Essas orientações passaram a população em relação à situação anterior e melho-
ser observadas no Brasil em programas alternativos rar suas condições de vida (World Bank, 2001; IDB,
criados pelo BNH a partir de 1975. Destaca-se o 1999).
PROFILURB (Programa de financiamento de tra- O Banco Mundial adota orientações sobre reas-
mas saneadas) criado para financiamento de lotes ur- sentamento involuntário, na década de 1980, quan-
banizados, com infraestrutura básica, com ou sem a do estudos encomendados identificavam que as expe-
unidade habitacional, e o PROMORAR (Programa riências de reassentamento eram fracassadas devido à
de Erradicação da Sub-habitação) que tinha como série de impactos negativos como o empobrecimento
objetivo a erradicação ou recuperação de áreas faveli- da população deslocada (World Bank, 2004; Cernea,
zadas através de saneamento e urbanização, incluin- 2003). O termo “reassentamento” na OP 4.12 pos-
do o financiamento de moradias (Bueno, 2000). sui significado mais abrangente do que relocalização
O Brasil se tornou o principal laboratório de física, incluindo também medidas de compensação e
ações de urbanização de favelas pelo Banco Mundial reparação decorrentes de perdas econômicas e sociais
e pelo BID na América Latina (Arantes, 2004). Os causados pelo deslocamento (World Bank, 2004).
bancos financiaram projetos de infraestrutura (prin- Segundo a OP 4.12, o deslocado tem direito de rece-
cipalmente relacionados ao saneamento) e equipa- ber habitações ou local para habitar, é determinado
mentos públicos. Além de projetos físicos, os bancos que o mutuário do projeto preste apoio durante o
irão defender ações de política social, inserindo pro- período de transição do deslocamento e recomenda
jetos de capacitação profissional e geração de traba- que sejam ofertados para a população financiamento
lho e renda, relacionados aos novos princípios de de- de crédito e cursos de capacitação profissional, itens
senvolvimento adotados pelos bancos, que incluem que estariam ligados ao objetivo de promover o de-
como objetivo o combate à pobreza urbana, vistos senvolvimento (World Bank, 2001).
no Poverty World Development Report (Relatório de A trajetória do reassentamento no BID também
Desenvolvimento da Pobreza do Mundo) (1990) e se inicia na década de 1980, quando o reassenta-
na Cities Alliance (Aliança de cidades) (1999), através mento inicialmente estará incluído entre questões
O projeto urbano do conjunto oferecia infra- do imóvel (em geral, valor baixo, que dificultava a
estrutura básica e equipamentos públicos, além da compra de outra casa).
proposta da autoconstrução dirigida, com diálogo de Em 2001, foi lançado pela PMB, o Plano de De-
técnicos com a população reassentada. Neste sentido, senvolvimento Local (PDL) Riacho Doce e Panta-
a aproximação com a universidade contribui na in- nal, comunidades localizadas nas imediações da área
serção de princípios de urbanização de favelas e pro- de intervenção da primeira fase da macrodrenagem
visão habitacional de interesse social, à luz das discus- do Igarapé Tucunduba (Belém, 2001), atendendo
sões que se faziam no meio acadêmico. A consultoria diretamente 1.537 famílias. O PDL era financiado
técnica foi formada por um convênio entre a Cohab/ pelo Governo Federal através do Habitar Brasil/BID
PA e o Paru/UFPA (Programa de Apoio à Reforma (HBB), criado em 1999, com o objetivo de finan-
Urbana, vinculado à Universidade Federal do Pará). ciar projetos de urbanização de favelas. No entanto,
Prestava-se consultoria para a população no projeto o HBB, segundo Cavalcanti (2008), seria uma for-
arquitetônico, na construção das unidades e no pro- ma sutil da difusão da agenda urbana do BID para
cesso de definição da ocupação de cada lote. Contu- as cidades brasileiras através da obrigação de regula-
do, a proposta era limitada pelo orçamento, já que mentos e normas. O PDL também se alinhava às di-
as indenizações eram baixas, dificultando a execução retrizes da administração municipal, que defendiam
das obras e a qualidade final da moradia. Apontam- itens como a participação da população no processo
-se que as principais dificuldades de adaptação dos de gestão da cidade (Barbosa, 2003; Souza, 2004).
reassentados ocorreram pela localização do conjunto, Assim, o PDL propunha duas opções para o mo-
pois, estava, na época, desarticulado da malha urbana rador deslocado: participar do reassentamento pro-
da cidade. gramado para área (com direito a auxílio aluguel) ou
ser indenizado em dinheiro de acordo com a avalia-
ção do imóvel (Belém, 2001). Observou-se a parti-
Projeto de macrodrenagem Tucunduba
cipação da comunidade no processo de elaboração
O projeto Tucunduba foi resultante da revisão pro- do projeto habitacional, realizado através de reuniões
jetual de obras de macrodrenagem na bacia do Tu- com moradores e técnicos da PMB. O primeiro pro-
cunduba iniciadas na década de 1990. A revisão do jeto habitacional propunha 609 novas unidades ha-
projeto foi feita em convênio com a PMB e UFPA bitacionais, que possuíam diferentes tipologias e que
e trazia solução que preservava o leito natural do seriam distribuídas conforme a especificidades das fa-
igarapé Tucunduba (Barbosa, 2003). O projeto era mílias e procuravam atender a solicitação dos mora-
justificado por favorecer tanto aspectos ambientais dores (Belém, 2001). A primeira situação adversa ao
como culturais, facilitando a permanência do rio cronograma foi em dezembro de 2001, decorrente do
com a função de via para escoamento e comércio de incêndio na área que atingiu 96 famílias, exigindo a
mercadorias, própria da região amazônica. O com- construção de alojamentos provisórios. Outra adver-
prometimento com aspectos sociais e econômicos da sidade foi a inviabilização da desapropriação de um
comunidade levou o projeto a ser reconhecido pela terreno de 70.935,12 m² pertencente à União, mas
Caixa como umas das 20 Melhores Práticas em Ges- sob a posse da Cooperativa Habitacional de Funcio-
tão Local no Brasil e estar entre as 100 melhores do nários da UFPA (Belém, 2001).
mundo, do Prêmio Global de Excelência Best Prac- A segunda proposta foi elaborada prevendo a
tices and Local Leadership Programme, conduzido pelo construção de 27 blocos de apartamentos. Essa mu-
CNUAH/Habitat (Barbosa, 2003). dança, apesar de ter sido aprovada pela população
Inicialmente foi proposta a transferência de pes- (como a diretriz do HBB exigia) com 85% dos votos,
soas para locais que fossem próximos à área de in- em geral não foi bem vista, pois era contrária ao que
tervenção. Entretanto, pela dificuldade em encontrar havia sido discutido nas reuniões participativas (Sou-
terrenos que comportassem o número de famílias, za, 2004). Essa mudança de postura seria atribuída,
optou-se pelo reassentamento no conjunto Eduardo segundo os técnicos do PDL, à pressão do cronogra-
Angelim, localizado aproximadamente a 20 km do ma que a execução do projeto deveria seguir, sob o
local, com 382 unidades habitacionais de 25 m² em risco da perda do recurso (Souza, 2004). A posterior
lotes de 120 m² e 180 m², além de contar com uma troca de gestão municipal paralisaria a execução das
escola e posto de saúde (Barbosa, 2003). A dificulda- obras, que se estenderam por mais de uma década.
de na aceitação do conjunto, pela distância, e a rei- Isto leva à vulnerabilidade social das famílias pela in-
vindicação dos moradores resultaram na adoção de certeza sobre a moradia, além da sensação de descré-
novas estratégias, como a compra de casas, permuta e dito em relação ao projeto, que acabou não tendo a
indenização em dinheiro, estabelecidas pela avaliação participação social anunciada.
ternativas na forma de atendimento à população que BUENO, L.M. de M. Projeto e favela: metodologia
sofre deslocamento involuntário. para projetos de urbanização. Tese de Doutora-
Observa-se que a adoção da indenização finan- do. São Paulo, FAUUSP, 2000.
ceira como principal medida compensatória é pre- CAVALCANTI, Ana Cláudia Rocha. A difusão
judicial ao deslocado, pois simplifica, através do da agenda urbana das agências multilaterais
pagamento do valor monetário, a problemática ha- de desenvolvimento na cidade de Recife. Tese
bitacional que este deverá resolver. Conclui-se que a (doutorado), Desenvolvimento Urbano, Univer-
quantificação de indenizações financeiras (como úni- sidade Federal de Pernambuco. Recife: 2008.
ca forma de atendimento ao deslocado) é um indica- CERNEA, Michael. For a New Economics of
dor para consequências sociais mais desiguais. Ocor- Resettlement: A Sociological Critique of the
re uma problemática no planejamento e execução de Compensation Principle. In: International So-
reassentamentos em Belém. Há uma dificuldade em cial Science Journal, 2003, nr 175. Paris, UNES-
favorecer a permanência dos moradores próximo do CO: Blackwell.
local de origem, mesmo que isto esteja programado. DAVIS, Mike. Planeta Favela. Ed Boitempo. São
Apesar de a participação social ser incentivada, ainda Paulo, 2006.
é observada dificuldade de uma maior integração da IDB (Inter-American Development Bank). Invo-
população nas decisões do projeto. A execução de- luntary Resettlement Operational Policy and
morada das obras leva ao descrédito pela população Background Paper (OP 710). Washington,
atingida e à vulnerabilidade de famílias que esperam D.C. October 1998.
por suas moradias definitivas. MARICATO, Ermínia. O impasse da política ur-
A provisão habitacional, compensação justa e re- bana no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2011.
organização social e espacial do local destinado aos PARÁ, Governo do Estado. Plano de Reassenta-
reassentamentos ainda são temas complexos para se- mento. Projeto de Saneamento para Recupera-
rem resolvidos. Considera-se necessário maior con- ção das Baixadas do Una. Belém: Companhia de
trole geracional dos projetos executados, além da re- Saneamento do Pará/BID, 1992.
visão de diretrizes, buscando soluções mais sensíveis _____. Relatório final Una. Belém: ALEPA/Comis-
às especificidades locais. são de Representação da Bacia do Una, 2013.
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MABEN. 2011. Rio de Janeiro, Zahar, Rio de Janeiro, 1980. ▪
nº 25 ▪ ano 7 | junho de 2016 ▪ e-metropolis 43
ensaio
Fabiano Gozzo
Um olhar passageiro
01 - As torres de TV
A
da Avenida Paulista
Estação Brás do Metrô de São para seus afazeres cotidianos, para o e a vista para o
Paulo pode ser medida apenas trabalho, para o lazer, para os terminais Centro emolduradas
pelos prédios de
com superlativos. Segundo a rodoviários, para fazer integração com apartamentos.
administração do Metrô de São Pau- as dezenas de linhas de ônibus muni-
lo, são 23.350m2 de área construída, cipais e intermunicipais que fazem da
atendendo nos horários de pico 60 mil Estação Brás o seu ponto final.
passageiros por hora. Sua inauguração A região do Brás foi predominan-
aconteceu em 10/03/1979 e faz a liga- temente industrial até o começo dos
ção dos bairros da Zona Leste de São anos 1970, quando as poucas casas e
Paulo, a mais populosa, ao Centro da vilas de operários começaram a ter vizi-
cidade e aos demais bairros via malha nhos morando em novas casas, alguns
metroviária. prédios de apartamentos passaram a Fabiano Gozzo
Além de ligar a casa do paulistano fazer companhia para os escritórios e, é publicitário (Faculdade de Co-
ao trabalho, ainda é passagem obriga- mais recentemente, com os galpões ce- municação Social Cásper Líbero),
tória para mais de um milhão de usu- dendo espaço para mais moradias ver- pós-graduado em gestão ambiental
(Universidade 9 de Julho de São Paulo
ários diários que vêm dos mais de 30 ticais e até parques, num processo de - Uninove) e professor universitário
municípios vizinhos à capital paulista. reocupação e reurbanização da região nas áreas de propaganda, marketing e
De lá, as multidões embarcam para central de São Paulo. Antes reduto de administração.
longas jornadas de trem ou Metrô, imigrantes italianos, e durante décadas fabiano.gozzo@gmail.com
abrigo para migrantes nordestinos, hoje o Brás rece- por um instante, o que irá ver olhando a partir do
be povos andinos, como os bolivianos. estômago da grande baleia?
Este ensaio visa acompanhar a poética urbana E agora, após a colocação de barreiras de flandres
partindo do ponto de vista de quem vem de fora: nas laterais das vias suspensas, ainda é possível ver
o choque em ver tantas pessoas, muros altos, gigan- algo além do frio metal?
tescas colunas de concreto, galpões e telhados cin- Por fora, a pintura vermelha e branca disfarça a
zentos, a cidade emoldurada por prédios enormes, rudeza das vias, mas preserva a privacidade dos pré-
as indústrias que ainda sobrevivem, os trens de carga dios que foram construídos décadas após a chegada
e passageiros, que seguem seu percurso todos os dias do Metrô. O morador quer ter sua janela fechada
do ano, sem exceção, o brilho reluzente do aço pra- para os olhos dos usuários, e para isso, impede que,
teado dos vagões de passageiros, as cores e logotipos de dentro, o passageiro possa enxergar a cidade, os
das empresas de logística, o labirinto de cimento e prédios, a luz do sol e o horizonte cada dia mais dis-
ferro com piso de borracha pastilhada, produzida tante.
preta e agora acinzentada após os anos de uso. A Estação Brás do Metrô de São Paulo abre suas
Ao olhar a sua volta, o que um usuário vê? Ao se portas às 4:40h e encerra suas atividades à meia-noite
aquietar e observar, há algo a vislumbrar de dentro durante a semana, às 0:30 aos domingos e à 1:00h
da Estação Brás? Se o passageiro parar sua corrida aos sábados. ▪
(abaixo)
07 - À esquerda, as chapas de aço recentemente colocadas impedem que o passageiro olhe, ainda
que involuntariamente, para as janelas dos prédios próximos. Ao mesmo tempo que preservam a
privacidade do morador, cegam o usuário, que, privado de movimento no vagão lotado, agora também
46 nº 25 ▪ ano 7 | junho de 2016 ▪ e-metropolis está proibido de enxergar ainda que prédios distantes e lúgubres e velhos telhados de galpões.
ensaio
09 - As plataformas de embarque/desembarque,
o sair e o chegar de trens vindos dos quatro cantos.
(no centro)
10 - Fuligem, ferro, pedra e ausência de sorrisos entre
os rostos que passam apressados, desfocando e sumindo.
(acima)
11 - Grandes são as distâncias a percorrer, seja do
subúrbio, seja na grande metrópole. O trabalho não
é interrompido, noite ou dia, exceto pela passagem
de uma composição, atrasando em alguns instantes as
atividades dos operários nas vias.
(ao lado)
12 - Bem abaixo do braço da grua é possível ver ao longe
as torres da Catedral da Sé, que marca o centro de São
Paulo. No caminho, prédios novos e velhos coexistem na
nº 25que
cidade ▪ se
ano 7 | junho de 2016 ▪ e-metropolis
redesenha. 47
e
anr tsiagioos
13 - É dia claro, passado pouco do meio-dia, mas a luz é 14 - Transporte integrado. Metrô, trem
interrompida pelo telhado, o concreto, os muros. Segurança e metropolitano, linhas de ônibus e monotrilho.
proteção contra a chuva. Ausência de paisagem ou brisa. E milhões de passageiros todos os dias.
Derivas urbanas
e percursos subjetivos
um relato da experiência de produção do curso
“As cidades e a produção de subjetividades”
E
ste artigo pretende relatar a ex- tundentes apelos por uma vaga, o que
periência do curso de extensão nos mostrou uma necessidade latente
“As cidades e a produção de em discutir a cidade que produzimos e
subjetividades”, oferecido no primei- como esta cidade produz subjetivação,
ro semestre de 2016 pelo Programa de formas de vida.
Pós-Graduação em Psicologia da Uni- A ideia de conceber e oferecer um
versidade Federal do Rio de Janeiro curso de extensão com esta temática
(UFRJ) e ministrado pelos mestrandos surgiu no âmbito do grupo de estu-
em psicologia Alice Vignoli Reis, Pe- do Cidades e Subjetivação (cujo nome
dro Legey de Abreu Lima e Karoline também inspirou o título do curso de
Ruthes Sodré e pelo graduando em extensão), ao longo do ano de 2015.
psicologia Rafael Ostrovski. Fomos O primeiro encontro se deu entre os
convidados pela revista e-metropolis a mestrandos Karoline Ruthes, Pedro
Alice Vignoli Reis
relatar esta experiência devido ao inte- Abreu e Lima e Alice Reis, em vista
é graduada em psicologia (USP) e mes-
resse pela relação estabelecida no curso de projetos de pesquisa que versavam tranda em psicologia pela UFRJ.
entre os estudos urbanos e os estudos sobre o tema da cidade e da produção alice.v.reis@gmail.com
no campo da produção das subjetivi- de subjetividades, porém com enfo-
dades. Nos parece que talvez este deba- ques diferentes: Alice estuda a relação
te ainda esteja pouco aprofundado no entre os processos de subjetivação e a Karoline Ruthes Sodré
é graduada em psicologia (UFRJ) e
campo acadêmico, apesar de alguns te- segregação socioespacial, a partir de mestranda em psicologia (UFRJ).
óricos já trabalharem de maneira con- um trabalho performático, realizado
karoline.ruthes@gmail.com
sistente esta relação, como a professora junto a jovens da Favela da Mangueira,
Paola Jacques Berenstein (UFBA). Ao em torno de práticas de convivência e
divulgarmos o curso, fomos surpreen- circulação no espaço da cidade; Pedro Rafael Ostrovski
didos pela quantidade de pessoas que estuda a criação de subjetividades e tec- é graduando em Psicologia (UFRJ).
se interessaram pelo tema e pelos con- nologias de mobilidade, mais especifi- rafael.ost3@gmail.com
camente no que diz respeito ao uso da bicicleta e do des eram muitas, mas foi necessário realizar escolhas,
automóvel em territórios urbanos; e Karoline estuda para adequar os temas ao tempo possível do curso.
as possibilidades de criação do “comum” na cidade, Sentíamos a necessidade de que as aulas pudessem
partindo das experiências de ocupações culturais no se expandir para além do espaço da universidade,
espaço urbano. Como este debate sobre as cidades e, por isso, decidimos que haveria também derivas
está incipiente no campo da psicologia, embora seja pelo espaço público e visitas a ocupações, durante as
bastante atual e esteja cada vez mais intenso, Karoline quais fosse possível uma vivência coletiva do espaço
e Pedro resolveram organizar esse grupo de estudos, da cidade, de forma a fortalecer e enriquecer nossas
ao qual Alice se agregou. Posteriormente, Rafael, que possibilidades de reflexão sobre a temática urbana.
escreve monografia sobre artistas de rua independen- Também decidimos que as aulas seriam conduzidas
tes, também se juntou ao grupo. de forma dialogada e aberta.
No Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Dessa maneira, o curso ficou formatado em doze
UFRJ, há a possibilidade de os alunos de pós-gra- encontros semanais, de três horas cada, com duas au-
duação oferecerem cursos de extensão universitária, las fora da universidade e duas aulas de reverberação
o que acaba se configurando como uma oportuni- após essas experiências. Os temas que elegemos fo-
dade de experiência docente e também de expandir ram os que estavam reverberando para cada um em
a abrangência do conhecimento produzido na aca- nossas próprias pesquisas. Os textos dialogavam entre
demia. Consideramos que é fundamental ampliar o si, com autores de várias áreas, e, assim, sinalizavam o
acesso a este conhecimento, de forma que os saberes quanto esse tipo de estudo emergia na transdiscipli-
produzidos na academia não fiquem apartados da vi- naridade, não sendo o debate exclusivo de uma única
vência do mundo e nem restritos àqueles engajados área de conhecimento. No decorrer do curso conver-
na produção. Este engajamento na pesquisa acadêmi- samos com os textos de Suely Rolnik, Raquel Rolnik,
ca ou científica acaba muitas vezes por ter um caráter David Harvey, Félix Guattari, Michel de Certeau,
instrumental, de obtenção de um título, de cumpri- Richard Sennett, Guy Debord, Paola Jacques, Mar-
mento de normas do produtivismo acadêmico e se celo Lopes de Souza, Antônio Risério, entre muitos
desvia de seu aspecto fundamental, que é aprofundar outros.
o saber coletivo sobre a experiência do e no mundo. Durante o percurso tivemos algumas surpresas.
Consideramos que a possibilidade de ministrar um Ao fazermos a divulgação do curso nas redes sociais,
curso de extensão nos reaproxima deste aspecto e do nos surpreendeu o grande interesse das pessoas: 180
sentido de estarmos enredados em uma pesquisa de pessoas inscritas, com cartas de intenções (item so-
mestrado, além de contribuir para a real sustentação licitado para seleção ao curso) interessantíssimas e
da universidade no famoso tripé: ensino, pesquisa e variadas, que narravam experiências e vontades di-
extensão. ferentes, cada um à sua maneira. Seria um desafio
No final do ano de 2015, movidos pelo interesse escolher as pessoas que preencheriam as 35 vagas
em compor com a extensão universitária, começamos que havíamos estipulado para o curso. Inicialmente
a pensar em construir um curso no qual pudéssemos seriam 25 pessoas, mas aumentamos a oferta de vagas
discutir o tema da produção de subjetividades e a ci- devido à grande procura. Elaboramos critérios que
dade. Nos reunimos algumas vezes para levantar as a seleção seguiria, divulgando-os a todas as pessoas
ideias, os temas, os textos, as nossas expectativas e interessadas:
nossas possibilidades de tempo. Tínhamos até mea- 1. O quanto a carta de intenções estava afinada
dos de fevereiro para fecharmos a proposta e subme- com o objetivo do curso;
tê-la ao edital dos cursos de extensão da UFRJ. 2. Pessoas que fazem parte de movimentos so-
Foram dois os blocos que escolhemos para tra- ciais e/ou coletivos que pensam e fazem in-
balhar no curso: os processos de segregação socioes- tervenções que abordam a temática do curso;
pacial em curso nas cidades e a experiência sensível 3. Professores e funcionários da rede pública de
dos corpos na cidade. São temas que vimos a neces- educação;
sidade de abordar tanto pela aproximação com as 4. Estudantes de diferentes cursos e áreas de co-
nossas pesquisas quanto pela urgência desses debates nhecimento.
nos espaços de formação e discussão fomentados pela Dessa forma, o grupo ficou composto por estu-
universidade. dantes e professores de diferentes cursos, lugares, ida-
A escolha dos textos e materiais didáticos foi fei- des, militâncias. Para exemplificar a mistura: as pes-
ta coletivamente pelas quatro pessoas envolvidas no soas vinham de cursos de teatro, geografia, educação
projeto do curso e divididos entre as aulas que foram física, arquitetura, dança, psicologia, de militâncias
organizadas tematicamente. As ideias e possibilida- na Vila Autódromo, Zona portuária, Observatório
de Favelas, Massa Crítica, Colégio Pedro II, Teatro – Sobre a visita à Horta Comunitária do Gra-
de Operações e rádios livres. Durante o curso, bus- jaú, os membros do grupo relataram que entrar em
camos construir uma linguagem comum, que apro- contato com um espaço de terra acessível dentro do
fundasse as discussões dos textos propostos, mas que bairro e cuidado de forma comunitária fez com que
não fosse hermética a quem não estivesse habituado se conectassem com a ideia do direito à terra e com a
com determinado autor ou conceito. Pensamos for- possibilidade de cuidá-la. Observaram também que
mas de aula que não prendessem os sentidos em uma mexer com a terra cria o sentimento de comunidade
única direção, procurando tanto variar a disposição e ressaltaram o fato destes frutos da terra ficarem dis-
das cadeiras (ora em círculos pequenos, ora em gran- poníveis a quem quer que quisesse colhê-los;
des; sem sentar duas vezes no mesmo lugar), quanto – Da visita ao Quilombo da Serrinha, os partici-
circular as vozes (atentando para o tempo de fala): pantes destacaram a possibilidade do encantamento
menos teatro, mais ágora. do espaço e o quanto este era bem cuidado e habi-
O exercício de pensar e organizar as aulas tem tado. O contato com as aulas de jongo fez com que
sido de grande contribuição para a escrita de nossas pensassem sobre a memória do corpo e a importân-
dissertações. Reler os textos que indicamos na bi- cia de “resistir para garantir que meus ancestrais con-
bliografia, pensando em como discuti-los, faz com tinuassem vivendo em mim”;
que as palavras e ideias ganhem maior densidade e a – Da visita à Vila Autódromo, foram marcantes
discussão das ideias nas aulas aprofunda e diversifica as casas ausentes, que foram demolidas pelo Estado
nossas compreensões e conceitos. Cada participante e o fato dos terrenos terem sido doados para grandes
traz uma singular composição de cidade inscrita em empreiteiras, como Odebrecht e Cyrela;
seu corpo e contribui com suas experiências, leituras – Da visita ao Centro de Educação Multicultu-
e ideias. ral da Serra da Misericórdia, cuja sede ocupa uma
Até o momento, vivemos uma das aulas fora do alocação que havia sido de uma das pedreiras que
espaço da universidade: a visita às ocupações. Os explora o local, o grupo ressaltou a percepção de uma
locais de visitas, definidos junto aos participantes, colonização do espaço e da terra e a importância da
foram: Ocupação Vito Gianotti, Vila Autódromo, resistência a essa colonização. Ressaltaram também a
Quilombo da Serrinha, Centro de Educação Cul- surpresa de descobrir um espaço com tanta beleza e
tural Serra da Misericórdia, Horta Comunitária do natureza tão próximo ao espaço construído da cidade
Grajaú e Escola Cairu. A princípio, pensávamos em e também a surpresa de descobrir, em um tempo de
nos restringir às ocupações vinculadas ao tema da tanta escassez de água, que a Serra tem 14 nascentes.
moradia, mas surgiu no grupo a necessidade de visi- De todos os relatos, ficou muito marcada a rela-
tar também outros tipos de ocupação, e uma pessoa ção entre as ocupações e uma relação de cuidado com
definiu as ocupações de uma forma mais abrangente, o espaço, e também de um espaço voltado, de fato,
como “espaços de resistência e cuidado dentro da ci- para a habitação. Esta palavra vem do latim habitare,
dade”. cujo significado é viver em, morar e está relacionada
Após a visita, compartilhamos os relatos das ex- à palavra habere –- “possuir, ter, manter”. A palavra
periências, que foram realizadas em grupo. Os relatos “morar”, por sua vez, vem do latim morari que quer
e a discussão foram bastante potentes e trouxeram dizer “retardar-se, ficar, viver”. As ocupações parecem
inúmeros elementos para pensar a cidade. Embora revelar espaços voltados para a vida e não para pro-
não seja possível registrar aqui todos os elementos, pósitos outros, estranhos a este caráter vital da exis-
devido a uma limitação de espaço de texto e da me- tência.
mória, seguem alguns pontos que ficaram registrados Ainda faremos uma deriva pelo centro da cida-
em nossos cadernos e em nossas lembranças acerca de, centrada na escuta da paisagem sonora urbana.
do dia: Com esta aula, procuramos propor outras formas de
– Da visita à Ocupação Vito Gianotti ficou re- habitar o espaço da cidade a partir dos sentidos do
gistrado o quanto uma militância e a luta pelo direi- corpo, para poder pensar sobre a relação entre cidade
to à moradia se articulam com a necessidade básica e experiência sensível.
de ter um teto para morar e sobre os desafios e a Movidos pelo elaborar desta escrita, e como for-
potência da autogestão de um espaço de habitação ma de fazer com que as vozes dos participantes tam-
coletiva e também sobre o trabalho de recuperar um bém constassem nesse relato, na aula do dia 30 de
prédio abandonado pelo poder público, tomado pela maio perguntamos a eles o que estavam achando da
vegetação e sujeira, de tornar o espaço habitável e da experiência do curso. Este também foi um momen-
incoerência da insistência deste poder em deixar o to de surpresa para nós – não esperávamos ouvir os
espaço desabitado e descuidado; aspectos que foram pontuados. Relataremos alguns
destes aspectos que ficaram registrados em nossas espaço de estudo assim afirma uma temporalidade
anotações: que atualmente é muito difícil de viver.
– Foi falado que a maneira como organizamos a A construção coletiva do curso tem sido para nós
aula quebra a forma hierarquizada de transmissão do uma experiência enriquecedora em muitos sentidos:
saber, e todos se sentem participantes na construção como combustível para nossas pesquisas, como labo-
do conhecimento, além de que o fato do curso ter um ratório para nossas intervenções como pesquisadores
caráter aberto e democrático não faz que ele perca o e professores, como espaço para o “comum” no âmbi-
caráter acadêmico; to da produção interdisciplinar e como território de
– Uma das participantes afirmou que o curso a ventilação da própria academia, que na experiência
auxilia a pensar maneiras de quebrar as formas he- da extensão encontra a real possibilidade de abertura
gemônicas de dar aula, nas quais seja possível uma e articulação com as diferentes áreas de conhecimen-
maior troca de ideias entre os alunos. Ela relatou que to e atuação, assim como também com os temas de
o seu caderno está cheio de anotações de falas dos relevância para a sociedade com a qual, por vezes, a
colegas e ressalta o fato de passarmos anos na univer- academia pouco se relaciona.
sidade sem entrar em contato com o pensamento das Entre nossos futuros projetos, logo após o encer-
pessoas que estudam conosco. ramento do curso, estão os planos de organizar, jun-
– Um arquiteto que faz o curso pontuou que a to às pessoas que participaram, um seminário aberto
diversidade de áreas de formação dos participantes do no qual as questões abordadas nesse percurso se ar-
curso enriquece o debate. Ele disse que em sua área a ticulem com as áreas de interesse dos participantes.
discussão sobre a cidade é constante, mas que ele não Também é nosso objetivo retornar com o grupo de
via conexão deste debate com outras áreas do conhe- estudos Cidades e Subjetivação, que acontecerá no
cimento e que também não imaginava que esse tema campus da Praia Vermelha, com horário, dia e local
fosse tão amplamente discutido na geografia. ainda a confirmar. No decorrer do ano de 2015, o
– Uma geógrafa se surpreendeu com a afirmação, grupo funcionou de maneira muito aberta e autoge-
uma vez que o conceito central estudado na geografia rida. Qualquer um dos participantes podiam trazer
é a organização do espaço, mas, por sua vez, disse que para o grupo os desejos de leitura e estudo. Líamos
não imaginava que este debate pudesse ser realizado os textos durante o encontro, debatendo durante a
no âmbito da psicologia. leitura. Pretendemos manter esse formato de leitu-
– Uma outra pessoa afirmou que a palavra que a ra e participação. Também desejamos organizar mais
tem atravessado na experiência do curso é a palavra um curso de extensão que verse sobre o mesmo tema,
COMUM: “como construímos comum a partir da com previsão para o ano que vem.
troca de ideias e como o comum tem nos atravessado Como primeira experiência do curso, já
e nos trouxe até aqui”. Ela afirmou também que o conseguimos visualizar com mais clareza nossos
sentido da palavra OCUPAÇÃO lhe tem reverbera- acertos, nossos equívocos e as possibilidades de
do muito, e que o mais interessante para romper com ação que poderiam ser mais abrangentes ou mais
formas hegemônicas de estar na cidade é estar junto, específicas. Nossa vontade de produzir outro curso
trocar. é também um desejo de amadurecer a experiência,
– Alguém se lembrou do primeiro dia de aula e testando outros métodos, textos e reflexões, mas
disse que foi um dia de euforia, pois havia muita ex- mantendo o tema e o formato, explorando a
pectativa em relação ao curso e apontou como posi- heterogeneidade dos participantes
tivo o fato de havermos trazido uma proposta sobre
a visita às ocupações e termos permitido que ela fos-
se mudada e ampliada. Também foi pontuado que ALGUMAS REFERÊNCIAS
a experiência na ocupação foi significativa e seguiu
reverberando através das semanas. ARAÚJO, Débora. A mulher e o direito à cida-
– Um dos participantes disse que os encontros de. Disponível em: http://blogueirasfeministas.
permitiram “materializar o que é a produção de sub- com/2015/07/a-mulher-e-o-direito-a-cidade/
jetividade”. BENJAMIN, W. O flaneur. In: Charles Baudelaire:
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Marie Huchzermeyer
EM: Mais recentemente, você são resultado de sua viagem ao Brasil. Para isto, seria
começou a estudar as relações entre necessário examinar seus diários, o que não é algo
a produção intelectual de Léfèbvre
simples e fácil de fazer.
e suas viagens pela América Latina
no início dos anos 1970. Você
acha que essa experiência latino-
americana foi importante para o EM: Você teria mais resultados de
desenvolvimento dos conceitos pesquisa para compartilhar conosco?
léfèbvrianos, como o direito
à cidade? MH: Numa passagem sobre favelas na América La-
tina, perto do final de “A Produção do Espaço”, Lé-
MH: Não diretamente. Ele escreveu “O Direito à fèbvre usa todos os seus conceitos aplicando-os aos
Cidade” (Centauro Editora) em 1967, publicando- assentamentos informais. E ele afirma nesse pequeno
-o já em 1968. Contudo, deve ter surgido bastante trecho que parece haver nelas uma indicação da pos-
interesse neste livro, pois já em 1969 “O Direito à sibilidade de abertura política. Mas também que o
Cidade” foi publicado por uma editora brasileira. espaço dominado é tão repressivo que, na verdade,
Assim, eu acredito que naquele momento havia um isso não acontecerá. Então essa seria a leitura de Lé-
grande interesse do Brasil por esta obra. Mas, com ex- fèbvre sobre aquele contexto muito específico – isto
ceção deste fato, é muito difícil recuperar a memória é, a ditadura. Provavelmente já existiam ali aquelas
daquele período. Logo depois, ele escreveu “A Revo- comunidades eclesiásticas, fomentando profundos
lução Urbana” (Editora UFMG), mas deixando claro debates. Eu acho que não se pode transferir direta-
que ele também escreveu muitas outras coisas entre mente essas reflexões para assentamentos informais
esses dois livros. Contudo, o livro “A Revolução Ur- em qualquer outro país. Mas, por outro lado, muito
bana” também faz referência a “O Direito à Cidade”, da formulação conceitual pode ser aplicada em dife-
desenvolvendo mais a fundo posições e estratégias rentes contextos.
políticas. E dois anos mais tarde ele escreve “A Pro- Eu acredito que ele estava especialmente inte-
dução do Espaço” (La production de l’espace [Editions ressado em tudo que é diferente no espaço urbano
Anthropos]), muito mais voltada para a análise espa- e em alguns tipos específicos dessa diferença. E em
cial, onde, novamente, ele utiliza a análise do direito assentamentos informais. Todos nós concordamos
à cidade. Mais tarde, no fim de sua vida, ele escreve que assentamentos informais são diferentes e é por
“Sobre o contrato de cidadania”. E lá ele também fala isso que os reconhecemos. E Léfèbvre os olha não
da importância do direito à cidade, dentre outros di- como um problema, mas sim o espaço dominado
reitos, como o direito à diferença. Portanto, o pensa- como problema. Sim, ele reconhece que há pobreza
mento de Léfèbvre evoluiu, foi refinado, e, ao mesmo nas favelas, mas há também algo mais. Algo muito
tempo, se manteve bastante consistente. diferente acontece lá, algo que vale prestar atenção e
Contudo, a partir do que podemos concluir, ele que precisa ser entendido.
esteve no Peru e no Brasil em 1972. E, possivelmen- Léfèbvre está interessado em abertura política.
te, aconteceram outras viagens pela América Latina, E ele somente fez essa conexão com assentamentos
provavelmente no México. Isso é algo que eu gostaria informais após ter estado no Brasil. Em trabalhos
de investigar mais. Com a ajuda de Fernando Mal- anteriores a 1972, ele não menciona assentamentos
donado e Erick Omena, eu pude entrar em contato informais e favelas dessa forma, mas depois dessa vi-
com alguns professores brasileiros. Eles acreditam sita ele tece alguns comentários. Um deles é sobre as
que o impacto foi menos de Léfèbvre sobre o Brasil e favelas mexicanas, nas quais a autogestão é notável.
mais do Brasil sobre Léfèbvre. Conforme ele visitava Ele fala sobre um exemplo de 2 mil casas organizando
favelas, ele descobria o quão intensa era aquela vida seu próprio espaço, numa enorme favela do México
social e como havia nela uma possibilidade para que (e eu ainda quero descobrir se ele realmente visitou
o que ele chamava de “urbano” não fosse destruído. este lugar). Mas sobre as brasileiras, ele não diz fa-
Isso me fez prestar atenção especificamente na forma velas brasileiras, mas sim favelas latino-americanas.
como ele escreve e usa favelas em “A Produção do Ele fala sobre essa intensa vida social e sobre esse alto
Espaço”, publicado em 1974. Lá ele escreve de forma nível de autogestão do espaço ou auto-ordenamento
bem diferente em relação aos seus livros anteriores, espacial. Portanto, ele usa este exemplo para dizer que
nos quais ele mencionava favelas e subúrbios como há algo que se parece com o que poderia ser uma
fazendo parte de forças de segregação, insinuando possibilidade de abertura política, por ser tão intensa,
que eles fossem apenas “diferença induzida”. A mi- tão ativa. E por formar uma clara dualidade com o
nha hipótese é de que essas mudanças de abordagem espaço formal e dominado, que é o espaço criado por
isso depende de se esta diferença resulta num enfren- inspiradas por doadores ou pela Plataforma Global
tamento ao Estado ou não. pelo Direito à Cidade4. Elas têm dinheiro para fazer
Além disso, um assentamento informal apenas algo relacionado ao direito à cidade, e por isso desen-
pode se juntar ao Abahlali se aderir a um processo de- volvem projetos nesse sentido. E para minha frustra-
mocrático e se um certo número de pessoas concorda ção, essas ONGs começaram a trabalhar com o SDI
com uma forma bastante peculiar e democrática de e suas estruturas de comitê, que, é preciso dizer, não
se organizar. Pode-se dizer que aqueles assentamentos são democráticas. O SDI escolhe e nomeia líderes
informais estão começando a se constituir em “dife- comunitários... não há democracia de base. Não há
rença produzida” e que eles estão ativamente lutan- cultura de democracia de base.
do contra o Estado e o sistema. Mas eles ainda não É interessante que uma parte da base filosófica do
possuem o potencial de uma abertura política, nesse SDI venha dos situacionistas – e já se escreveu sobre
contexto específico, porque o ANC é incrivelmente isso. Os situacionistas internacionais eram um pe-
forte, podendo ser bastante repressivo. E, sobretudo queno grupo de pessoas que, em um dado momento,
em Durban, a política local do ANC é muito violenta tiveram contato com Léfèbvre. Léfèbvre os descreve
e desonesta, e o Abahlali experimenta isso de uma como caóticos e talvez subversivos, em um certo sen-
forma muito direta. Eles tiveram membros assassina- tido. Eles influenciaram o trabalho de Léfèbvre e seus
dos. E você falou sobre insurgência... para aqueles as- pensamentos sobre o urbano. Mas, tempos depois,
sentamentos informais sobreviverem, realmente, luta eles se separaram. Eu acho o SDI uma organização
e insurgência são fundamentais. estranhamente subversiva e bem difícil de enten-
Por outro lado, há também outros assentamentos der. Eles são muito grandes na África do Sul. Nessa
informais afiliados ao SDI3 (Slum Dwellers Internatio- comparação entre Brasil e África do Sul, eu acho que
nal), cuja filosofia está baseada no desenvolvimento realmente vale a pena mencionar o SDI, principal-
de uma relação pacífica com o Estado, uma coope- mente no que tange à forma como eles estão pegando
ração gentilmente descrita como “coprodução”, a carona no direito à cidade, sem de fato praticarem
grande nova expressão da moda. O que na prática seus fundamentos. Na verdade, eles afirmam serem
significa assegurar que os assentamentos informais contra a luta por direitos. Eles têm dito coisas bem
permaneçam sendo “diferença induzida”, isto é, depreciativas sobre advogados de direitos humanos e
aquela diferença sob o controle do Estado. sobre a luta por direitos, sempre se dizendo melhores
Embora o Abahlali continue sendo apartidário e do que estes grupos, pois eles pacificam os pobres e os
aberto a qualquer pessoa, eles definitivamente apren- fazem trabalhar de forma construtiva com os gover-
deram que não podem trabalhar com o ANC. Então nos. É muito problemático quando o direito à cidade
eu acho que para os assentamentos informais real- se transforma em um slogan que qualquer um pode
mente produzirem diferenças que desafiam o Estado, usar.
a relação com profissionais e técnicos é interessante.
Léfèbvre geralmente se refere à classe trabalhadora,
EM: O que despertou seu interesse
ele não se refere a pessoas vivendo em assentamen-
pela relação entre Léfèbvre e o
tos informais enquanto tais na sua teoria. Mas ele diz contexto latino-americano?
que a ação da classe trabalhadora é crítica, é muito
importante. É importante que a classe trabalhadora MH: Eu acredito que o Brasil é importante para a
assuma o planejamento. E tudo isso está na filosofia leitura de Léfèbvre a partir do hemisfério sul. Por-
léfèbvriana de necessidade de redução do Estado. A que, nos anos 1970 e 1980, havia um movimento
democracia, para ele, nunca é um estágio final, mas ativo no Brasil para efetivar os conceitos com os
sempre uma progressão na qual o Estado se torna quais Léfèbvre estava trabalhando, como “autoges-
mais e mais enfraquecido enquanto outros processos tão” e “democracia de base”. Eu me perguntava se
participatórios assumem o protagonismo. Então, Lé- eles haviam tomado emprestado esses conceitos de
fèbvre estava dizendo que a classe trabalhadora de- Léfèbvre. Pode ser que não. Havia outros teóricos,
sempenha um papel muito importante, mas que isso e provavelmente até mesmo Léfèbvre trabalhou com
não é suficiente. estes conceitos como ideias já existentes. Não se trata
Em relação ao direito à cidade na África do Sul, de dizer que Léfèbvre inventou a ideia de autoges-
há algumas ONGs que têm pensado sobre o assunto,
4 Esta plataforma é uma iniciativa recente, que desde 2014
3 O SDI é um movimento internacional de moradores de fa- envolve uma série de organizações da sociedade civil de diver-
vela, com origem na África do Sul e na Índia e atualmente sas partes do mundo. Entre os representantes brasileiros estão
presente em dezenas de países. o Instituto Pólis e o Fórum Nacional de Reforma Urbana.
tão. Mas é algo que ele pensou ser muito importante, brasileiro com Léfèbvre. E para isso o engajamento
dando preponderância a esta ideia no seu trabalho e de Léfèbvre com o Brasil também é relevante.
utilizando-a na sua filosofia política. E o mesmo vale Assim, meu principal interesse era entender o que
para “democracia de base”. Eu não conheço nenhu- ele estava falando sobre direitos. E minha leitura é
ma outra região, além da América Latina, onde este que de fato ele falou sério sobre direitos legais, em-
tipo de pensamento era tão preponderante nos anos bora de forma bastante peculiar. Isso tem sido exage-
1970 e 1980. Mesmo quando eu fui para o Brasil radamente desconsiderado pela literatura anglo-saxã.
pela primeira vez, em 1997, era sobre isso que as pes- O outro interesse era olhar para os assentamentos in-
soas trabalhando com favelas e com as comunidades formais através do olhar de Léfèbvre e entender como
eclesiásticas conversavam. E as discussões giravam ele percebeu o que ele chama de favelas na América
em torno da conscientização contra o clientelismo e Latina (ele também falou de favelas na França, quero
outros tipos semelhantes de prática política. dizer, da periferia da França).
E, na verdade, o fato de Léfèbvre ter estado no Alguns advogados aqui na África do Sul têm tra-
Brasil parece ter se refletido naquela experiência, já balhado a partir de uma perspectiva jurídica sobre o
que ele a menciona (talvez ainda haja manuscritos direito à cidade. Embora os pesquisadores dominan-
não publicados a serem descobertos). E também por- tes do Norte anglo-saxão digam “nem pense sobre
que o direito à cidade ganhou força como conceito uma interpretação jurídica do direito à cidade”, isso
no Brasil – através dos Fóruns Sociais Mundiais em é o que acaba acontecendo no Sul. É algo que é pos-
Porto Alegre, que ocorreram por um longo período, sível ser feito aqui na África do Sul, conforme expli-
entre outros encontros – tendo suas profundas raízes cado pelos meus colegas Marius Pieterse e Thomas
no movimento de reforma urbana. Coggin, por conta da forma em que nossos direitos
Pesquisadores brasileiros, e sobretudo Edésio Fer- estão dispostos na nossa constituição e como foram
nandes, afirmam que o Brasil concretizou o direito interpretados pela corte constitucional. Isso é algo
à cidade por um caminho institucional através do realmente fascinante.
Estatuto da Cidade, muito embora, para esta pers-
pectiva, a estrada não termine aí e nem seja fácil de
ser trilhada. Além disso, estes pesquisadores afirmam EM: Você diria que esse é um novo
que o Estado está muito contraditório no momento campo de estudos léfèbvrianos?
atual. Mas os pesquisadores anglo-saxões enxergam
essa afirmação de que o Brasil institucionalizou um MH: Sim... mas depende de como isso tudo será re-
direito à cidade como algo a ser tratado com muita cebido. É preciso inserir esse tipo de pensamento no
cautela, e educadamente desconsideram tudo isso. É mundo acadêmico anglo-saxão. E eu creio que isso
necessário lidar com essa discordância se o objetivo tem um certo impacto. Nós teríamos que ver se há
for usar Léfèbvre a partir do hemisfério sul, e se o que uma abertura para essa forma de leitura a partir da
se quer é entender melhor o Brasil e o engajamento periferia.▪
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