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PLANTA

Ciclo de reflexão / serviço educativo


Malvada Associação Artística
Escola Conde de Vilalva
Março de 2022

Os livros 2

Gostar, não gostar 2

Alfabeto 3

Ribeiro 3

Sombra das árvores 4

Semente 4

Bem vindos ao Botanicum 4

Aprender os nomes das árvores 5

Havia Um Jardim 5

Árvores caducas 6

Apanhar folhas 7

Louvor da Terra 8

Filosofar 8

Arbustos Ornamentais 8

Arranjar flores 8

Árvores de Fruto 8

Laranjeira 9

Colher alimentos das sebes 9

Olga Tokarczuk - “A Alma perdida” 9

Vila D’Arcos 11

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Os livros
Os livros gostam de olhos de qualquer cor,

de dedos de qualquer cor,

e às vezes gostam de vozes dedicadas

que fazem das palavras seres com vida,

seres que sonham, seres que inventam

e criam alvoroço no teu peito.

Os livros gostam de luz e de pão e de paz para serem lidos,

embora muitos livros sejam lidos quase às escuras,

ou com fome

e às vezes até em plena guerra.

Os livros gostam de corações que sentem,

mentes que pensam.

Os livros gostam de tudo isto e de muito mais.

Os livros creio eu gostam de mim

e também por isso eu gosto dos livros.

Gostar, não gostar


Gostar, gostar, gostar…

Não chega às vezes gostar,

é preciso a cabeça saber por que gosta

mesmo que não saiba dizer bem porquê.

Gostar, gostar não chega.

A vida é só feita de gostares?

Mas será que alguém

aguenta muito tempo a não gostar?

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De gostares e não gostares é feita a vida.

Só que às vezes, para se gostar de alguma coisa,

é preciso, primeiro, uns não gostares

que ajudem a aplanar esse caminho.

Aprender a gostar, sim, é preciso,

e também é aprender a não gostar.

E a tolerar o não gostar e o desgosto.

Aprender, aprender, aprender…

Claro está que a vida não seria vida

sem uns bons gostares de vez em quando.

Os bichos também gostam e desgostam.

E as coisas?

- Que coisas? - pergunta certa menina.

- Quem responde? - pergunto eu.

Alfabeto
Na poesia o alfabeto

gostaria muito de ser música.

Ribeiro
De que gostam

as águas do ribeiro?

- De beber

as sombras das árvores.

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Sombra das árvores
- De que gostam

as sombras das árvores?

- De imitar as árvores.

Mas certo poeta que eu conheço

escreveu:

Do que as árvores gostam

é de imitar as suas sombras.

Semente
É quando a semente cai no chão

que ela gosta de dizer à terra:

- Vem e transforma-me.

Comigo

virá um dia

em que mais perto do céu hás de ficar.

Bem vindos ao Botanicum


Este não é um museu banal. Imaginem que podiam passear por todos os campos, bosques,
florestas tropicais e clareiras floridas do mundo. Pensem como seria se pudessem ver as
plantas mais bonitas, exóticas e bizarras, todas de uma vez. Alguma vez se interrogaram
sobre o que veriam, se fosse possível voltar atrás no tempo e recuar até ao início da vida na
Terra?

Visitem as galerias e fiquem a saber que as plantas existem há muitos mais milhões de
anos do que nós. Algumas mudaram ao longo do tempo, enquanto outras se mantiveram na
mesma. Passeiem pelas nossas exposições e descubram as muitas formas de vida
diferentes das plantas.

Algumas espécies que aqui veem também se encontram no quintal de vossa casa ou no
jardim do vosso bairro. Muitas das plantas das nossas galerias também existem nos
armários da cozinha. Sabiam que comem plantas da família das gramíneas, provavelmente
todos os dias?

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Neste museu, aprenderão pormenores científicos fascinantes: por exemplo, porque é que
algumas plantas são verdes e outras não; que algumas plantas vivem na água e outras
suspensas no ar, sem qualquer ligação ao solo; e que até existem plantas que se alimentam
de carne. Entre as plantas, contam-se algumas das formas de vida maiores, mais
pequenas, mais antigas e mais fedorentas da Terra. Entrem no Botanicum e descubram o
estranho e maravilhoso reino das plantas, com toda a sua colorida e surpreendente
majestosidade.

Aprender os nomes das árvores


Hoje em dia, parece que nos contentamos em poluir o cérebro com as vidas amorosas de
celebridades medíocres, os desenvolvimentos obscuros dos argumentos das séries
televisivas e os últimos caprichos em termos de moda oriundos de um grupo restrito de
pessoas, elas próprias conhecidas pelas suas figuras absolutamente ridículas.

Todas estas informações irrelevantes estão a afastar os conhecimentos, transmitidos ao


longo de várias gerações, sobre o mundo verdadeiro à nossa volta.

Veja-se, por exemplo, a árvore despretensiosa. Quantas árvores diferentes é que conhece?
Seja honesto: quatro, cinco?

Talvez o carvalho, o azevinho, o pinheiro, o salgueiro e o teixo.

Mas então e o amieiro, o freixo, a bétula, a cerejeira, o ulmeiro, o olmo, o espinheiro-alvar, a


aveleira, o zimbro, o choupo-branco, o ácer, a faia, o álamo, a sorveira, a árvore-branca, o
chorão, ou a recentemente descoberta sorveira-silvestre?

E depois ainda há o abeto-da-noruega, o carvalho-da-turquia, o plátano-bastardo, o


castanheiro-doce, o lariço-do-japão e mais e mais, por aí fora. Reivindique o seu cérebro de
volta e aprenda os nomes das árvores.

Havia Um Jardim
​É uma canção para as crianças

Que nascem e vivem entre o aço

E o betume entre o betão e o asfalto

E que talvez nunca venham a saber

Que a terra era um jardim.

Havia um jardim que se chamava terra.

Brilhava ao sol como um fruto proibido.

Não não era o paraíso nem o inferno

Nem nada que se tivesse já visto ou ouvido.

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Havia um jardim uma casa árvores

E para fazer amor uma cama de musgo

E um regato correndo sem uma vaga

Vinha refrescá-lo e continuava o seu curso.

Havia um jardim grande como um vale.

Onde em todas as estações se podia matar a fome.

Sobre a terra escaldante ou sobre a erva gelada

E descobrir flores que não tinham nome.

Havia um jardim que se chamava terra.

Tão grande que milhares de crianças podiam habitá-lo.

E que os nossos avós tinham habitado na sua época

Após dos seus avós o terem eles herdado.

Onde está esse jardim onde poderíamos nascer?

Onde poderíamos viver despreocupados e nus?

Onde está essa casa com todas as portas abertas

Que procuro ainda e que já não descubro?

Árvores caducas
No outono,

As árvores vão

Perdendo as suas folhas

Muito lentamente.

A ciência fala em:

Estratégia, sobrevivência,

Conservação de humidade,

Clorofila, nutrientes,

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Energia, claridade.

Mas eu tenho cá para mim

Que elas se despem assim

Porque gostam de sentir

A chuva a cair-lhes no corpo.

Digo, no tronco.

Quando, no outono, começa a chover,

Se olhares atentamente

Até tu consegues ver

Que as árvores esticam os braços

Mais do que habitualmente

E abrem ainda mais os dedos das mãos

Os ramos, quero eu dizer.

Eu sei que é exatamente assim

Porque isso também me acontece

A mim.

Apanhar folhas
As primeiras folhas de outono começam a esvoaçar e a cair à volta da minha casa,
assinalando o começo de um ritual que é tradição na nossa família. Para garantir que se vai
ter sorte nos próximos doze meses, quando os ventos outonais estão a soprar, saímos para
a rua a fim de apanhar - ou tentar apanhar - doze folhas cadentes.

Parece fácil, mas folhas que se reviram, formam espirais e comam não são de se deixar
apanhar no ar. E a competição pelos espécimes mais coloridos ou com formas mais bonitas
pode ser implacável quando uma revoada delas passa rapidamente por nós, dando origem
a divertimento excelente.

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Louvor da Terra
Parece-me que a terra é uma fonte de felicidade. Regar as flores enquanto as
contemplamos cumula-nos de uma felicidade silenciosa e enche-nos de calma. "Trabalho
de jardinagem" não é, portanto, uma expressão adequada. Trabalho significa originalmente
tormento e fadiga. Pelo contrário, a jardinagem enche-nos de felicidade. No jardim
descanso das fadigas da vida.

Filosofar
Às vezes, uma pessoa tem de falar para descobrir o que pensa.

Arbustos Ornamentais
A partir do século XVII, recolher plantas bonitas do mundo inteiro para expor em jardins
públicos e privados tornou-se uma componente importante do comércio europeu. Os
indivíduos ricos rivalizavam entre si, contratando caçadores profissionais de plantas para
percorrerem o mundo em busca de novas descobertas. Construíram estufas cada vez mais
complexas para exibirem os seus achados, que incluíam tudo, de delicadas orquídeas a
nenúfares gigantes.

Como as árvores e os arbustos ornamentais têm de crescer ao ar livre o ano inteiro, um dos
objetivos primordiais do caçador de plantas era encontrar espécies que conseguissem
suportar o frio e a humidade dos invernos do norte europeu.

Arranjar flores
De todas as artes domésticas, apanhar flores do jardim, da sebe, do campo ou do bosque, e
depois arranjá-las numa jarra antes de a pôr na janela, é seguramente um dos prazeres
ociosos mais requintados.

O ato intemporal de cortar as flores e as juntar numa jarra encoraja-o a olhar com atenção
para o milagre das pétalas, das cores e das folhas, e a reparar que cada uma das flores é
ligeiramente diferente das outras. Nunca há duas iguais.

Árvores de Fruto
Os humanos sempre comeram fruta: além de caroços de palmeira-de-óleo-africana com
5000 anos, os arqueólogos encontraram restos de banana com 4500 anos em povoamentos
humanos em África.

A maior parte dos frutos pode ser comida diretamente da árvore.

Mas porque é que são importantes para as plantas?

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Porque é que produzem frutos? A resposta é a reprodução. Todos os frutos carregam a
semente da planta.

Por vezes, a semente está aninhada no interior da parte carnuda do fruto, como acontece
no caso das maçãs e das peras.

Noutros casos, a semente está agarrada ao exterior do fruto, como acontece com as
amoras e os morangos.

Outros frutos moles têm uma semente maior em forma de caroço, como as cerejas e os
pêssegos.

Noutros, a carne e as sementes estão ambas envoltas numa casca firme, em especial nos
frutos de climas quentes, em que a carne exposta poderia secar, como os citrinos, os
ananases e as bananas.

Muitas plantas dependem de animais e pássaros para dispersarem as suas sementes.

Mas um fruto não é só aquilo que comemos numa salada de fruta. O café provém de um
fruto e o mesmo acontece com o cacau, que nos dá o chocolate.

Laranjeira
Carregada de frutos em janeiro

a laranjeira gosta de desafiar

a frialdade do inverno,

docemente, alaranjadamente.

Colher alimentos das sebes


As amoras, os abrunhos, as azedas e até os mirtilos e os morangos-bravos estão todos ali,
nessa grande despensa que é o campo. O prazer de apanhar a sua própria comida e, em
seguida, levá-la para casa para fazer com ela uma tarte, uma aguardente de abrunhos ou
uma sopa de azedas e urtigas é realmente intenso. Consegue esquivar-se completamente à
necessidade de trabalhar e ganhar dinheiro, e todo o processo é um prazer do princípio ao
fim. Tem um vislumbre de um mundo de verdadeira autonomia e liberdade.

Olga Tokarczuk - “A Alma perdida”


Era uma vez um homem que trabalhava muito depressa e que, há bastante tempo, deixara
a sua alma algures longe de si.

Sem alma, vivia até muito bem - dormia, comia, trabalhava, conduzia o automóvel e até
jogava ténis. Às vezes, porém, tinha a impressão de que, em seu redor, tudo era plano;

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parecia-lhe que se deslocava sobre uma folha lisa de papel de um caderno de matemática,
folha essa toda ela coberta de quadrados iguaizinhos.

Certa vez, durante uma das suas inúmeras viagens, estava o homem no seu quarto de hotel
quando acordou a meio da noite e sentiu dificuldade em respirar. Espreitou pela janela, mas
não sabia muito bem em que cidade se encontrava, tanto mais que, vistas das janelas dos
hotéis, todas as cidades pareciam iguais. Também não sabia muito bem como é que ali fora
parar ou porque motivo se encontrava ali. E infelizmente também tinha se esquecido do seu
nome. Era um sentimento estranho, porque não fazia ideia de como haveria de se dirigir a si
próprio. E assim se remeteu pura e simplesmente ao silêncio. Durante toda a manhã, não
dirigiu qualquer palavra a si próprio, o que o fez sentir-se verdadeiramente solitário - como
se no interior do seu corpo já não houvesse ninguém. Quando se pôs diante do espelho da
casa de banho, viu-se a si mesmo como uma sombra deslavada. Por instantes, pareceu-lhe
que se chamava Andrzej, mas, logo a seguir, teve a certeza de se chamava Marian. Por fim,
aterrorizado, encontrou o passaporte no fundo da mala de viagem e viu que se chamava
Jan.

No dia seguinte, foi ter com certa médica, que era velha e sábia, e esta dirigiu-lhe as
seguintes palavras:

- Se alguém pudesse olhar para nós lá do alto, veria que o mundo está repleto de
pessoas que correm apressadas, transpiradas e muito cansadas, e que atrás delas
correm, atrasadas, as suas almas perdidas, incapazes de acompanhar o passo dos
seus donos. Daqui resulta uma grande confusão; as almas perdem a cabeça e as
pessoas deixam de ter coração. As almas sabem que perderam o dono, mas as
pessoas, frequentemente, não se dão conta de que perderam a alma.

Jan ficou muito perturbado com este diagnóstico.

- Como é que isso é possível? Será que também perdi a minha alma? - perguntou.

A sábia médica respondeu:

- Tal acontece porque a velocidade de deslocação das almas é muito inferior à dos
corpos. É que as almas surgiram em tempos muitíssimo remotos, logo após a
Grande Expansão, quando o cosmo ainda não estava muito acelerado e, portanto,
continuava a poder olhar-se ao espelho. O senhor tem que procurar um lugar onde
se sinta bem, sentar-se aí tranquilo e aguardar pela sua alma. Certamente, ela
estará agora onde o senhor esteve há dois ou três anos. Por isso, a espera pode
demorar um pouco. Não vejo outro remédio para o seu caso.

E foi precisamente o que fez o homem chamado Jan. Encontrou uma casinha nos arredores
da cidade, e, todos os dias, aí se sentava à espera. Nada mais fazia. Tal durou muitos dias,
semanas e meses. O cabelo de Jan cresceu muito e a barba chegou-lhe à cintura.

Até que, certa tarde, alguém bateu à porta - era a sua alma perdida, cansada, suja e
arranhada.

- Finalmente! - exclamou ela ofegante.

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Desde então, viveram felizes para sempre e Jan passou a ter muito cuidado para não fazer
nada demasiado depressa de modo que sua alma conseguisse acompanhá-lo. Fez ainda
outra coisa: enterrou no quintal todos os relógios e malas de viagem. Dos relógios
cresceram belas flores, semelhantes a campânulas de várias cores, e, por sua vez, as
malas de viagem geraram enormes abóboras, que alimentaram Jan ao longo de todos os
tranquilos invernos que se seguiam.

Vila D’Arcos
de Sophia de Mello Breyner Andersen

Vila d'Arcos fica ao norte, um pouco para leste, numa região de montanhas. É uma
cidade de província e pequena, com ruas empedradas em torno da catedral, enorme como
um navio de eternas viagens. As suas casas antigas - nobres, mesmo quando pobres - são
proporcionadas com justeza, desde o degrau da escada até ao quadrado da janela, desde a
balaustrada da varanda até à superfície da parede de granito sem reboco, onde só a pedra
de armas, com arruelas, grifos e leões, é grande demais, sobre os ferros e as madeiras
desconjuntadas da porta; como se no mundo em que estamos nada importasse, nem o frio
do granito, nem a estreiteza sombria dos quartos, nem a pobreza monótona dos dias, mas
só importasse a nobreza, que mostramos à luz e que é o projeto da nossa alma.
É uma cidade antiga, onde, estagnada, se desagrega e se dissolve lentamente uma
vida desvivida gesto por gesto, sílaba por sílaba.
Os carros gemem ao longo das ruas empedradas. Passam poucos homens e
rápidas mulheres vestidas de preto e, em maio, as roseiras florescem, nos muros que o
inverno cobriu de musgo. Por trás da porta verde da pequena janela da casa de esquina,
uma mulher de olhos agudos, muito juntos e castanhos, vê tudo, sábia e arguta,
terrivelmente atenta, como se o seu olhar lesse e amparasse o desacontecer das coisas. Há
jardins imprevistos, mais subtis e complexos do que o imaginável, onde crescem altas
magnólias, com grandes flores brancas, de pétalas profundas e largas, macias e espessas,
e onde a água de prata que irrompe da boca dos golfinhos de pedra cai nos pequenos
tanques oitavados. Jardins de buxo, camélias e violetas, perfumados de contemplação e
paixão, de esquecimento e silêncio. Jardins docemente abandonados a uma solidão
dançada pelas brisas, enquanto um longo sussurro de adeus acena de folha em folha, nos
ramos mais altos das árvores. Jardins onde reconhecemos que a vida é um sonho do qual
jamais acordamos, um sonho onde irrompem aparições prodigiosas, como o lírio, a águia e
o inesquecível rosto amado com paixão, mas onde tudo se transforma em esquecimento,
distância, impossibilidade e detrito. Jardins onde reconhecemos que a nossa condição é
não saber. É não poder jamais encontrar a unidade. E encontrar a unidade seria acordar.

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