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0090
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Ação: PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento -> Procedimento de Conhecimento -> Procedimento
Comum Cível
Processo nº: 5291675-72.2020.8.09.0090
Promovente(s): Antonio Ferreira Paixao
Promovido(s): Banco Bmg S/a
SENTENÇA
Afirma o requerente, em suma, que contratou com a instituição Requerida empréstimo com descontos automáticos
em seu benefício na modalidade empréstimo consignado.
Aduz que já pagou toda a dívida, porém não há abatimento no saldo devedor.
Discorre que são descontados indevidamente de seu benefício, todos os meses, o valor de R$ 46,85 (quarenta e seis
reais e oitenta e cinco centavos) de maneira ininterrupta e sem prazo para o fim do contrato (descontos).
Afirma que já pagou o valor de R$ 1.874.00 (um mil oitocentos e setenta e quatro reais). Por tal razão, requereu a
concessão de liminar a fim de que fossem suspensos os descontos efetuados em seu benefício até o deslinde final da demanda.
Pugnou, ainda, pela declaração de inexistência do débito apontado na inicial, bem como a condenação do
demandado na restituição dos valores que foram pagos a maior, em dobro e, também, a condenação do banco requerido em
indenização por danos morais.
No ev. 4 foi determinada a intimação do autor para emendar a inicial a fim de juntar cópias legíveis de seus
documentos pessoais e comprovante de endereço.
Na decisão proferida no ev. 8, foi deferido o pedido liminar, determinada a inversão do ônus da prova e a realização
A parte ré apresentou contestação no ev. 14. Alegou, preliminarmente, decadência do direito do autor.
No mérito, rebate os argumentos trazidos pelo requerente sustentando a validade do contrato celebrado entre as
partes, a utilização do cartão de crédito, a inexistência de dano moral, a inexistência de valores a serem ressarcidos ao
consumidor, bem como inexistência de dano indenizável. Por fim, requereu a total improcedência dos pedidos iniciais.
A audiência de conciliação restou inexitosa, tendo em vista que as partes não entraram em consenso (ev.19)
Em impugnação à contestação, o autor refutou as alegações apresentadas pelo requerido, pugnando, no final, pela
procedência dos pedidos nos termos da inicial (ev. 20).
No ev. 21, foi determinada a intimação das partes para manifestarem o interesse na produção de outras provas.
O autor informou que não tem interesse na produção de outras provas, assim como requereu o julgamento
antecipado da lide (ev. 24)
Por seu turno, o requerido quedou-se inerte, conforme certidão jungida ao ev. 25.
No ev. 27, foi proferida decisão saneadora, na qual foi rejeitada a preliminar de decadência alegada pelo requerido,
bem como aberto prazo para as partes apresentarem requerimentos/alegações finais.
É o relatório. Decido.
Em proêmio, nota-se que a presente lide está apta a receber julgamento, visto que a matéria nela versada é
unicamente de direito e os fatos estão suficientemente comprovados pelos documentos juntados (artigo 355, inciso I, do Código
de Processo Civil).
Cuida-se de ação declaratória de inexistência de débito c/c danos morais e repetição de indébito e, ainda, pedido de
condenação do requerido em indenização pelo dano moral experimentado pelo autor.
Tendo o feito sido saneado e rejeitada a preliminar em decisão saneadora, bem como diante da inexistência de
outras preliminares a serem analisadas, adentro ao meritum causae.
Insta salientar que o caso vertente enquadra-se dentre as hipóteses de incidência do Código de Defesa do
Consumidor - CDC e suas disposições, em face do tipo de relação celebrada, que é de natureza bancária/financeira, portanto,
subordinado ao regime legal e à sistemática de referido diploma.
À luz da legislação consumerista, entre as disposições do art. 6º do CDC está a positivação do direito à informação
adequada e clara sobre produtos e serviços, com a especificação correta da quantidade, características, composição, qualidade,
tributos incidentes e preços, bem como os riscos que apresentem o objeto.
Em verdade, no âmbito das relações de consumo, a informação não compreende apenas um direito do consumidor,
consubstanciando-se também em um dever do fornecedor, podendo tal assertiva ser extraída da interpretação conjunta dos arts.
31, 46 e 52 de lei n. 8.078/1990:
“Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, senão lhes for
dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos
forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.”
“Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de
financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e
adequadamente sobre: I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional; II - montante dos juros
de mora e da taxa efetiva anual de juros; III - acréscimos legalmente previstos; IV - número e periodicidade
das prestações; V - soma total a pagar, com e sem financiamento”.
Ainda sobre o direito à informação, transcrevo a lição do Min. Paulo De Tarso Sanseverino em seu voto como relator
do Recurso Especial 1.599.511/SP:
“O dever de informação constitui um dos princípios consectários lógicos do princípio da boa-fé objetiva,
positivado tanto no Código Civil de 2002 (art. 422), como no Código de Defesa do Consumidor (art. 4º, III),
consubstanciando os deveres de probidade, lealdade e cooperação, que deve pautar não apenas as
relações de consumo, mas todas as relações negociais. Esse dever de informação é de tal modo acentuado
que, segundo ALCIDES TOMASETTI JR., a relação de consumo estaria regida pela regra cavaet praebitor
(acautele-se o fornecedor), que impõe ao fornecedor uma obrigação de diligência na atividade de esclarecer
o consumidor, sob pena de desfazimento do negócio jurídico ou de responsabilização objetiva por eventual
dano causado, ao passo que, num sistema jurídico liberal, aplica-se a regra inversa, caveat emptor(acautele-
se o comprador), incumbindo ao comprador o ônus de buscar as informações necessárias sobre o negócio
jurídico que pretende celebrar (O objetivo de transparência e o regime jurídico dos deveres e riscos de
informação nas declarações negociais de consumo. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista
dos Tribunais, v. 4. out-dez/1992, p. 58)”.
A informação, como direito do consumidor e como dever do fornecedor, visa à adequação do princípio da autonomia
de vontade com a evidente vulnerabilidade técnica, econômica e jurídica de um dos lados da avença, sendo elemento que permite
um melhor equilíbrio da relação contratual.
Na contramão do que foi exposto, as instituições financeiras, não raras vezes, utilizam-se de preceitos vagos e da
sua superioridade técnica e informacional para impor, por meio de contratos de adesão, cláusulas claramente abusivas, tolhendo
direitos e impondo obrigações evidentemente desproporcionais.
A própria forma de execução do contrato se torna abusiva quando impossibilita o devedor saber exatamente qual é o
montante devido e o quanto foi amortizado da dívida. Não raras vezes, as informações passadas pelo fornecedor são tão confusas
que o consumidor equivoca-se até acerca do objeto do contrato.
Compulsando os autos, verifico que as partes firmaram um contrato conhecido como “Cartão de Crédito
Consignado”, por meio do qual, em simples palavras, é disponibilizado ao cliente um cartão que pode ser utilizado para realizar
compras a crédito e saques. Em contrapartida, liberado um valor na conta do cliente (empréstimo) e, após, são descontados
mensalmente no contracheque do cliente valores para pagamento, que é o valor mínimo da fatura do cartão de crédito.
Sobre o tema, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás editou a Súmula nº 63, que preconiza o seguinte:
“Os empréstimos concedidos na modalidade 'Cartão de Crédito Consignado' são revestidos de abusividade,
em ofensa ao CDC, por tornarem a dívida impagável em virtude do refinanciamento mensal, pelo desconto
apenas da parcela mínima devendo receber o tratamento de crédito pessoal consignado, com taxa de juros
que represente a média do mercado de tais operações, ensejando o abatimento no valor devido, declaração
Registro, neste ponto, que referida súmula destinou-se àqueles casos em que os consumidores das instituições
financeiras não sabiam que estavam aderindo a um contrato de cartão consignado.
Essa é exatamente a situação evidenciada nos presentes autos. O autor, conforme consta de sua narrativa, a qual é
reforçada pelas provas documentais produzidas nos autos, pensou solicitar o serviço bancário de empréstimo consignado, cujos
valores seriam descontados diretamente na sua aposentadoria. Ocorre que para utilização do valor emprestado foi fornecido um
"cartão de crédito consignado".
Em que pese pensar contratar um simples empréstimo, mútuo feneratício, na verdade o autor firmou um contrato de
cartão de crédito, em que o desconto mensal do valor mínimo da fatura é feito sobre sua aposentadoria.
Ademais, a parte requerida não comprovou o envio de fatura de pagamento para o endereço do autor, inviabilizando
o pagamento e gerando o desconto do mínimo da fatura, com os encargos financeiros posteriores.
No contexto apresentado nos autos, ao qual se soma o absurdo fato de os descontos se prolongam no tempo sem
data de encerramento, o enriquecimento da parte ré se sustenta na má-fé e no uso de expedientes escusos para ludibriar o
consumidor, a parte mais frágil desta relação.
Outrossim, o que se percebe é que, com o desconto mensal efetuado para o pagamento mínimo da fatura do cartão,
somente são abatidos os encargos do cartão, sendo que o valor principal da dívida é mensalmente refinanciado e acrescido de
juros exorbitantes, dentre outros encargos, restando claro que o autor nunca conseguirá quitar o débito inicial, mesmo com os
descontos sucessivos efetuados diretamente de sua folha de pagamento.
A respeito desse tipo de contratação, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás já reconheceu ser
abusiva a conduta do banco requerido, notadamente pela ausência de limite do número de parcelas e pelo valor excessivo da taxa
de juros aplicada ao cartão de crédito, passando a considerar o contrato como empréstimo consignado, inclusive sob orientação
de Circular do Banco Central. A manutenção do contrato nos termos originários representa um endividamento vitalício.
Assim, resta claro que o autor, quando aderiu ao contrato, acreditou que estava contratando um empréstimo
consignado para débito em sua aposentadoria e não um cartão de crédito consignado e, desta forma, foi induzido ao erro, pela
falta de transparência da parte requerida e, principalmente, por ter faltado o agente financeiro (parte requerida) com o dever de
informação consagrado na lei consumerista.
Vertente outra, contendo o contrato qualquer cláusula que possa ser considerada desproporcional, deve ser
declarada nula de pleno direito, na forma preconizada pelo artigo 51, inciso IV e § 1º, mas sem resolução do contrato, em
homenagem ao princípio da conservação dos contratos, abrigado no artigo 51, do CDC, em seu § 2º, dispondo que “a nulidade de
uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração,
decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”.
Entretanto, a nulidade de cláusulas contratuais, segundo os critérios legais, somente poderá ocorrer quando
Neste sentido, seria perfeitamente possível o reconhecimento de nulidade de cláusula contratual com previsão de
juros em índice totalmente desproporcional, fora da realidade do mercado financeiro, onerando de forma excessiva e
desnecessária o consumidor em manifesta vantagem para o fornecedor.
Destarte, o débito, embora exigível, deve ser pago pelo autor em consonância com a sua vontade original, qual seja,
empréstimo consignado. Ademais, diante do valor inicial da dívida e o montante já pago pelo autor, denota-se a provável quitação
do contrato, porém será necessária a readequação do contrato, e não a declaração de sua nulidade.
Da readequação/conversão do contrato:
Entendo que é cabível a revisão da cláusula contratual (art. 6º, V do CDC) para adequar à manifestação de vontade
original do autor, qual seja, empréstimo consignado com desconto em folha de pagamento (aposentadoria) e não cartão de
crédito, com pagamento sobre o valor mínimo.
Neste sentido:
Após a EC nº 40/2003, que revogou o §3º do art. 192 da Constituição Federal, e de acordo com a Súmula nº 648 do
Supremo Tribunal Federal, não há mais que falar em limitação dos juros no patamar de 12% (doze por cento) ao ano.
Não obstante, se verificada a abusividade na incidência de encargos, capaz de onerar demasiadamente a parte
contratante, deve ser repelida pelo Poder Judiciário, como medida de buscar o equilíbrio contratual.
No caso dos autos, é fato que o contrato de “Cartão de Crédito Consignado” não estabelece número de prestações
ou prazo determinado, descontando, apenas, o valor mínimo da fatura mensal diretamente na folha de pagamento do autor, de
forma que resta evidenciada a abusividade contratual, na medida em que a quitação do saldo remanescente dificilmente seria
efetivada.
Quanto à taxa de juros remuneratórios a ser aplicada, no meu entender, deve ser aplicado ao caso a porcentagem
praticada pelo BMG para o crédito pessoal consignado na data em que foi realizado o empréstimo, levando em conta o valor do
crédito de R$ 1.078,00 (um mil e setenta e oito reais), conforme contrato juntado ao ev. 14 - arq. 5.
Constata-se também, que o autor não utilizou o cartão de crédito para efetuar compras, conforme consta no
demostrativo de despesas juntado no ev. 14 - arq. 8/11, o que comprova que, de fato, o consumidor acreditou se tratar de contrato
de empréstimo consignado.
Neste particular, fazendo uma consulta no Site do Banco Central, verifiquei que na data da assinatura do contrato
(24/10/2016) – (ev. 14, arq. 5), o Banco BMG S/A estava utilizando o percentual de 2,05% (dois vírgula zero cinco por cento) ao
mês para os empréstimos consignados.
Consequentemente, em sede de cumprimento de sentença, os débitos contraídos pelo autor referente aos depósitos
feitos em sua conta bancária e compras ou saques com o cartão de crédito, deverá ser atualizado mediante a utilização de juros
remuneratórios no valor de 2,05% (dois vírgula zero cinco por cento) ao mês, a serem calculados em 36 (trinta e seis) parcelas,
com o consequente abatimento do valor já pago à instituição financeira mês a mês, apurado por simples cálculos aritiméticos.
Caso haja valor exceder, este deve ser restituído ao autor, de forma simples, ante a ausência de má-fé da parte Ré.
Do dano moral:
O dano moral configura-se, em uma perspectiva moderna, na violação a algum dos direitos da personalidade,
prescindindo da demonstração de dor ou sofrimento.
No caso, evidenciada a conduta ilícita do réu, porquanto tenha descumprido com o dever de informação (art. 6, III,
CDC) de boa-fé objetiva, fazendo uso de práticas abusivas e, por conseguinte, prevalecendo-se da fraqueza do consumidor,
negando atendimento à sua demanda (art. 39, II e IV, CDC).
Neste contexto, entendo que a situação vivenciada pelo autor transcende o mero aborrecimento, configurando
induvidosa violação a direitos da personalidade, notadamente a honra, e os direitos do idoso, eis que se viu preso a uma dívida
infindável por anos.
Importante frisar que o valor da indenização em epígrafe deve ser fixado pelo juiz com moderação e de maneira
proporcional ao grau de culpa, orientando-se pelos parâmetros sugeridos pela doutrina e jurisprudência. Necessário se faz que
seja aferido com razoabilidade, valendo-se o magistrado de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e as
peculiaridades de cada processo.
É cediço que não existem critérios absolutos para a fixação da indenização por dano moral, devendo esta ser
alcançada de maneira comedida, de modo que não represente enriquecimento sem causa por parte do ofendido, ao passo que
não pode ser ínfima a ponto de não representar uma repreensão ao causador do dano, ou seja, ter caráter pedagógico.
Destarte, vários fatores devem ser levados em consideração, como a capacidade econômica das partes e a
repercussão do ato ilícito em análise. Ante tais observações, reputo como razoável no presente caso, a fixação de indenização por
dano moral em R$ 3.000,00 (três mil reais).
Ante ao exposto, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos vertidos
na exordial para:
a) Determinar que o empréstimo de R$ 1.078,00 (um mil e setenta e oito reais), seja recalculado, incidindo a taxa de
2,05% ao mês, em 36 (trinta e seis) parcelas;
b) Condenar o requerido à restituição, de forma simples, dos valores pagos a maior, mediante apuração da quantia
na fase de cumprimento de sentença, por simples cálculos aritméticos, com juros de 1% ao mês, a contar da citação, na forma dos
artigos 405 e 406 do Código Civil, e correção monetária pelo INPC, incidente a contar dos descontos indevidos;
c) Condenar o banco requerido, ao pagamento de indenização pelo dano moral causado à requerente em R$ 3
.000,00 (três mil reais), com juros de 1% ao mês, a contar da citação, nos moldes do artigo 405 do Código Civil e correção
monetária pelo INPC, a contar do ajuizamento da ação;
Condeno o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% sobre o
valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, do CPC.
Havendo recurso de apelação, considerando que não há mais juízo de admissibilidade pelo juízo de origem, nos
termos do art. 1.010 do CPC, intimem as partes para apresentarem suas razões e contrarrazões recursais, no prazo legal e após,
remetam os autos ao E. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, com as nossas homenagens de estilo.
Transitada em julgado, intimem o autor para, no prazo de 15 (quinze) dias, requerer o que entender de direito, sob
pena de arquivamento, nos termos do art. 523 do CPC.
Juiz de Direito