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A INFLUÊNCIA DO PROJECTO NA QUALIDADE DO LUGAR

Article · January 2005

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3 authors:

Vicente del Rio Paulo Rheingantz


California Polytechnic State University, San Luis Obispo Federal University of Rio de Janeiro
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Denise de Alcantara Pereira


Federal Rural University of Rio de Janeiro
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TECENDO A QUALIDADE DO LUGAR: cartografando narrativas e experiências de urbanidade View project

Projeto do Lugar para o Trabalho: Cognição e Comportamento Ambiental na Avaliação de Desempenho de Edifícios de Escritório View project

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A INFLUÊNCIA DO PROJECTO NA QUALIDADE DO LUGAR

A influência do projeto
na qualidade do lugar
Percepção da Qualidade em Áreas Residenciais no Rio de Janeiro, Brasil

Paulo Afonso Rheingantz*, Denise de Alcantara** e Vicente del Rio***

* Arquiteto, Doutor em Resumo: Este artigo apresenta os resultados par- nas são instantâneos, estruturantes, e multiplicado-
Engenharia de Produção
ciais da Pesquisa PROJETO E QUALIDADE DO res em termos da economia e dos mercados, mas
pela COPPE/UFRJ;
Professor Adjunto, LUGAR: Avaliação de Desempenho de Lugares na acabam por causar impactos bastante palpáveis e,
Faculdade de Arquitetura e Cidade do Rio de Janeiro, relativos aos estudos de muitas vezes, perversos em nível local e do coti-
Urbanismo da caso das áreas conhecidas como General Glicério e diano das cidades.
Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Brasil. Parque Guinle1. A partir de um quadro teórico e O mundo está se transformando em um só
** Arquiteto, Mestre em conceitual comum fundamentado em conceitos de lugar, ilimitado, imaterial, atemporal. A possibili-
Arquitetura pelo PROARQ- sentido de lugar e de percepção e comportamento dade de vivermos «realidades virtuais» e a facili-
FAU/UFRJ; Professor
Substituto, Faculdade de ambiental, além de uma metodologia com base nas dade de conexão a uma rede inesgotável de infor-
Arquitetura e Urbanismo dimensões de desempenho da forma urbana propos- mações tende a provocar uma significativa redu-
da Universidade Federal tas por Kevin Lynch, a pesquisa procura avaliar o ção na sensibilidade do homem em perceber o que
do Rio de Janeiro, Brasil.
*** Arquiteto, Doutor em
grau de correspondência entre a qualidade ambien- está concretamente à sua volta, o que sugere o
Arquitetura pela FAU/USP; tal percebida por moradores e usuários com os atri- aparecimento de novos modos de territorialidade
Professor, CalPoly – San butos físico-espaciais oriundos dos projetos originais que ameaçam a preservação das diversidades cul-
Luis Obispo.
1 Pesquisa Desenho para as áreas. As descobertas e os resultados par- turais, do singular, do simbólico, e dos lugares
Urbano e Qualidade do ciais têm demonstrado a validade da metodologia reais. As redes de informação e a realidade virtual
Lugar, área de Teoria e utilizada para a avaliação do projeto e do desempe- representam uma completa ruptura com a nossa
Projeto do Programa de
nho urbano, sugerindo uma relação direta entre a experiência de cidade: agora somos habitantes de
Pós-Graduação em
Arquitetura – Faculdade forma urbana definida pelos predicados do projeto uma cidade sem território e sem fronteiras, e o
de Arquitetura e Urba- original, a qualidade percebida e o reconhecimento nosso lar, um recipiente do mundo.
nismo – Universidade
dessas áreas como lugares especiais pela população. Assim, as cidades se tornam os nós de conexão
Federal do Rio de Janeiro
(PROARQ-FAU-UFRJ). aos diversos tipos de redes e se caracterizam, de
Coordenação geral: modo paradoxal, por sua conexão física e social
Vicente del Rio; Sub-
INTRODUÇÃO: GLOBALIZAÇÃO E LOCALIZAÇÃO com o globo e por sua desconexão do local que as
Coordenador: Paulo A.
Rheingantz; Pesquisador torna uma nova forma urbana. Suas extensões terri-
(estudo de caso Parque Já muito se escreveu e publicou sobre a globali- toriais são marcadas pela descontinuidade de
Guinle): Denise de zação e os seus efeitos nos países, regiões, cidades, padrões de uso do solo e seu crescimento – em
Alcantara; Assistente de
pesquisa: Daniel David e nas localidades. Efeitos estes que, seguindo as tamanho e em atratividade – está diretamente rela-
Cassal de Medeiros; velocidades das transmissões de internet, não ape- cionado com seu poder gravitacional em termos de

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CIDADES

localização de funções de alto nível e de escolhas Os autores consideram que o aprimoramento


pessoais. Configurando um espaço relativamente do processo projetual – especialmente a adequa-
segregado no mundo ao longo dos nós do espaço ção do ambiente construído às necessidades e
de fluxos, as cidades e seus monumentos de cone- expectativas dos moradores e usuários – passa pela
xão simbólica – hotéis internacionais e edifícios identificação e observação sistemática dos lugares
de escritórios com ambientação semelhante em que mais satisfazem à população, buscando as for-
todo o planeta, para garantir alguma familiaridade ças estruturantes da «realidade» do lugar e tor-
com o mundo interior e induzir à abstração do nando mensuráveis as suas qualidades. Por um
mundo ao redor – afastam a arquitetura da história lado, a pesquisa busca estudar os significados e os
e da cultura locais e a tornam refém da abstração atributos visuais e cognitivos pela perspectiva de
histórica produzida pelas novas tecnologias da seus usuários. Por outro lado, a pesquisa busca: (a)
informação global e pelas «possibilidades ilimita- explicitar as intenções originais do arquiteto; (b)
das que embasam a lógica transmitida pela multi- estudar o projeto original e a permanência de seus
mídia» (CASTELLS 1999: 442). aspectos formais; (c) procura compreender como o
A discussão dos conflitos e contradições gera- projeto e seus aspectos formais se apresentam hoje
dos por este processo e seus reflexos sobre o aos seus usuários bem como sua significância na
ambiente construído sugerem duas posturas rela- construção do lugar. A possibilidade de considerar
cionadas ao ambiente-comportamento: de um o projeto e usuários como atores ambientais, possi-
lado, a necessidade de reconquistar a qualidade bilita a compreensão de algumas perspectivas dife-
dos espaços urbanos e arquitetônicos que propicie renciadas sobre o significado destes lugares.
«o retorno às suas funções elementares de prote- A seguir, são apresentadas as bases teóricas do
ção e de criação de identidade» (RIEWOLDT, trabalho e os resultados parciais da pesquisa rela-
1997); de outro lado, a busca pela reintegração do tivos aos estudos de caso do Parque Guinle
homem em uma realidade arquitetônica em termos (ALCANTARA 2002) – complexo residencial para
estéticos, ergonômicos e ecológicos com seus classe média-alta considerado um dos maiores
ambientes sócio-culturais e naturais. ícones do modernismo nacional projetado por
Assim, surgem duas questões diretamente rela- Lucio Costa no final dos anos 40 – e ao da Rua
cionadas ao tema e ao estudo de ambientes públi- General Glicério e suas adjacências (FÁVERO
cos geradores de satisfação e atração em seus 2000; del RIO et al 2001) – empreendimento imo-
usuários: biliário dos anos 30 projetado por Washington
Azevedo dotado de avançadas qualidades urbanís-
1. Até que ponto a qualidade de uma área resi- ticas para a época – ambos localizados nas Laran-
dencial e o seu reconhecimento como um jeiras, privilegiado bairro da zona sul do Rio de
lugar especial por seus usuários pode ser atri- Janeiro.
buído ao projeto urbano original?
2. Em que medida o sucesso de um lugar junto
à população pode ser previsto e como é pos- I. QUALIDADE DO LUGAR
sível incorporar essas informações nos futu-
ros projetos e na legislação urbana? Desde a Antigüidade a qualidade do lugar tem
sido reconhecida como um importante – senão o
Para responder a essas perguntas, e a partir de principal – atributo de atração das pessoas, sejam
uma base teórica e metodológica única de modo a elas moradores, usuários ou visitantes. Os antigos
possibilitar análises comparativas e sugerir algumas romanos acreditavam que todo lugar era possuído
Pesquisador (estudo de
generalizações para o projeto da cidade este por um espírito próprio, que o animava e protegia. caso General Glicério):
estudo se debruça sobre o desempenho ambiental Este espírito era chamado de genius loci e repre- Marcos Fávero; Assistentes
de duas áreas residenciais de reconhecida quali- sentava a energia, o princípio de unidade e a con- de pesquisa: Bruno
Alegria, Adriana Santos,
dade na cidade do Rio de Janeiro – a Rua General tinuidade do lugar (WALTER 1988). É ela quem Vanessa Quintal e Daniel
Glicério e o Parque Guinle. determina preferências e expectativas, atratibilida- David Cassal.

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A INFLUÊNCIA DO PROJECTO NA QUALIDADE DO LUGAR

des variadas, inserções em guias turísticos, valori- competição em nível global resulta numa ênfase
zações fundiárias e comerciais. crescente da materialidade, localidade, bordas e
As pessoas desenvolvem relações de atração e limites fixos (RIEWOLDT 1997). A importância e
afeto ou de repulsa por um lugar. Este sentimento, do significado dos lugares começa a ser re-valori-
que se relaciona com a memória e com a imagina- zada e aumenta o interesse em resgatar e salvar os
ção, foi chamado de topofilia por Yi-fu Tuan bairros e as comunidades, na pior das hipóteses
(1980). Segundo Tuan, a qualidade de um lugar em função do reconhecimento de que tanto a
está intrinsecamente ligada a um sentimento holís- capacidade de trabalho dos operários quanto a
tico, atemporal de difícil explicação em toda sua capacidade empresarial dos executivos, estão
plenitude. Ao estudar a força dos laços afetivos intrinsecamente ligadas à qualidade de vida e à
desenvolvidos pelos moradores e usuários dos satisfação com o lugar.
bairros mais antigos, Rypkema relaciona esta força
ao fato de que, nestes lugares, «o senso do lugar e
o espírito de comunidade tiveram tempo de refor- II. COGNIÇÃO E COMPORTAMENTO NA QUALI-
çar-se mutuamente» (RYPKEMA 1996: 61). DADE DOS LUGARES
Segundo este autor o senso do lugar e o espírito
de comunidade serão cada vez mais cruciais para A cognição ambiental tem sido reconhecida
o sucesso do desenvolvimento econômico: as como fundamental na saúde humana, uma vez
visões alternativas de mundo, que se consolidam a comprovado que os ambientes de má qualidade
partir dos anos 60 e 70, trazem novos elementos física e espacial levam à insatisfação de usuários e
para o entendimento das relações homem- moradores e, até mesmo, a instabilidade emocional
ambiente; e o «divisor tecnológico dos anos 70» e comportamentos destrutivos (LANG et al. 1974;
(CASTELLS 1999), com as inovações na indústria LANG 1987; PARSONS 1991; WHYTE 1977). A
da informação, que transformam e globalizam o insatisfação se revela através de condutas agressivas
capital acelerando o comércio e integrando mun- em relação a elementos físicos e/ou arquitetônicos,
dialmente os mercados financeiros. A perspectiva mormente aqueles reconhecidos como públicos ou
de ver o mundo entrar em «um futuro desconhe- situados junto a lugares públicos. Descaso com o
cido e problemático, mas não necessariamente lixo, quebra-quebras, grafite, derrubada de placas e
apocalíptico» (HOBSBAWM 1995: 16), que frag- vandalismo a edifícios públicos são das manifesta-
menta «os lugares, os tempos da produção, do ções psicosociais mais comuns. Estas condutas são
consumo e do conflito» (DE MASI 1999: 198), reforçadas pelo desconforto psicológico dos indiví-
motiva diversos pesquisadores a estudar formas de duos, como sensação de abandono, dificuldade de
que relacionem este crescente interesse com o concentração, incapacidade de relacionar-se com
movimento de «global localization». vizinhos, saudade constante, tensão ou outras
Com a globalização, os diversos lugares da pro- manifestações psicológicas.
dução não mais se relacionam segundo uma divi- Esta também é a opinião dos psiquiatras, parti-
são territorial em regiões, mas segundo um territó- cularmente aqueles ligados à ciência cognitiva. O
rio de redes que, viabilizado pelas novas tecnolo- new town blues, por exemplo, seria a instabilidade
gias de comunicação, se superpõe à divisão territo- emocional, sentimento de isolamento e falta de
rial em regiões (SANTOS 1997). A dificuldade de familiaridade, identificados em pesquisas entre
lidar com níveis crescentes de segregação e de des- moradores de cidades novas, como as inglesas
conexão de pessoas e lugares entre si aumenta a Runcorn e Milton Keynes (WHYTE, 1977). PAR-
sensação de desordem social transcendente e, SONS (1991) demonstrou a existência de proces-
curiosamente, reações de ‘localismo’ ou o «desejo sos psicológicos ligados a fatores afetivos e prefe-
de permanecer em uma localidade delimitada ou rências ambientais, além de discutir evidências
retornar a um sentimento de ‘lar’ tornam-se um neuropsicológicas que ligam estímulos perceptivos
tema importante» (FEATHERSTONE 1997: 144). a processos fisiológicos como, por exemplo, res-
A insubstancialidade das redes eletrônicas e da postas do sistema imunológico. Gallagher (1993)

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CIDADES

discutiu o efeito do lugar no nível de fantasia das ainda que timidamente, por outras cidades, como é
crianças, no índice de criminalidade, nas atitudes o caso do Rio de Janeiro em seu novo Plano Estraté-
de operários, e na deterioração urbana, afirmando gico, no esforço para atrair os Jogos Olímpicos e
que «um bom ou mau ambiente promove memó- nos programas e projetos para recuperação imagé-
rias ruins ou boas, que inspiram um humor bom ou tica implantados nos últimos anos, como o Corre-
mau e, por sua vez, nos inclina para um bom ou dor Cultural, o Rio Cidade e o Favela Bairro.
mau comportamento» (GALLAGHER, 1993: 132). Com o objetivo de melhor entender a estrutura-
O estudo da percepção e do comportamento ção dos lugares e operacionalizar a atividade pro-
ambiental é fundamental na compreensão das jetual (sejam elas de preservação ou re-desenho),
inter-relações entre o homem e o ambiente cons- um número considerável de pesquisadores da
truído, em especial suas expectativas, seus julga- arquitetura e do desenho urbano têm se dedicado
mentos e suas condutas. As ações humanas sobre a analisar a qualidade dos lugares por meio do
o meio ambiente natural ou construído assim estudo da percepção e do comportamento. Estes
como os ambientes resultantes de projetos de estudos procuram captar o espírito do lugar para
arquitetura ou planos urbanísticos geram conse- aproximar o projeto do ambiente mais adequado
qüências imprevistas e afetam de maneira imprevi- ao ser humano, fundamento indispensável para os
sível a qualidade de vida e o bem estar dos seus programas e projetos de revitalização de áreas cen-
usuários e moradores. trais, cuja força simbólica no imaginário e no coti-
Por outro lado, cresce a preocupação com a diano da população é tão importante.
percepção e com a imagem da cidade como uma Alinhados com este pensamento, um número
das manifestações mais claras da globalização da crescente de pesquisadores brasileiros busca apro-
economia, das redes instantâneas de informação e ximar a preocupação conceitual pelos temas da
das novas centralidades. Na disputa em atrair percepção e do comportamento à praxis de pro-
investimentos, fluxos turísticos e grupos mais abas- jeto. O estudo The Evolution of Environment-Beha-
tados, a percepção da imagem da cidade é funda- viour Studies and Architectural Education in Brazil
mental. Discutindo o marketing de lugares, Kotler (del RIO, HORNE e RHEINGANTZ 2001) ilustra o
et al (1993) demonstram como a economia do forte crescimento dos estudos relacionados com
mercado global é dependente da qualidade do ambiente-comportamento, particularmente em
lugar e como as cidades do futuro serão cada vez situações arquitetônicas, devido à consolidação
mais dependentes do binômio inovação-lugar. das linhas de pesquisa em Avaliação Pós-Ocupa-
Sem qualidade de vida os re-investimentos locais ção (ORNSTEIN 1992, 1995, 1996a, 1996b;
se reduzirão na medida do aumento da competiti- RHEINGANTZ 1995, 1998, 2000, 2002) e em
vidade a nível global e a conseqüente perda de publicações relacionadas com a Percepção
mercado para outras cidades se dará em função da Ambiental (del RIO & OLIVEIRA 1996; del RIO
grande mobilidade do capital, das indústrias de 1998; del RIO, DUARTE e IWATA 2000; del RIO,
ponta e das sedes e grupos empresariais. DUARTE e RHEINGANTZ 2002).
No Brasil, o fenômeno da mitificação de Curi- Embora ainda sejam escassos os estudos empí-
tiba também é demonstrativo, tendo sido analisado ricos de maior porte, particularmente aqueles de
recentemente por García (1993, 1996), que chama caráter comparativo e objetivos operativos, nas
atenção para a importância do planejamento cidades brasileiras existem diversos lugares que são
urbano nas estratégias de city marketing e de atra- de reconhecida qualidade. A exemplo das cidades
ção de investimentos. Existe uma relação direta históricas coloniais, muitos deles são dotados de
entre a concentração dos negócios e a qualidade grandes atrativos turísticos, em que pese ainda ser
dos lugares onde as pessoas mais qualificadas têm desconhecida a razão e as causas de sua atratibili-
prazer em viver, conforme reportagem da revista dade, assim a influência de seus atributos, dos
Exame (dezembro 1996), a qual enfatiza a valoriza- índices espaciais ou os fatores comportamentais do
ção da imagem de Curitiba pelo governo munici- sucesso destes lugares ainda serem desconhecidas.
pal. A importância deste tema tem sido assumida, São características identificáveis? Podem ser quali-

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A INFLUÊNCIA DO PROJECTO NA QUALIDADE DO LUGAR

ficadas, medidas e quantificados? Será que são homem, conhecida por cognição, que pode ser
comparáveis? definida como «o processo do saber operativo que
é reconhecidamente amplo, permitindo lidar,
consciente e inconscientemente, por um lado, com
III. A CONSTRUÇÃO DO LUGAR E A QUALI- a informação selecionada e apreendida [através do
DADE DE PROJETO processo perceptivo], e, por outro, com a sua orga-
nização em representações simbólicas, conjuntos
A maioria dos conceitos de lugar fazem referen- de valores e tendências para determinados tipos de
cia explícita aos atributos físico-espaciais e à quali- conduta» (del RIO 1991: 125).
dade do projeto ou desenho original da área consi- A partir deste quadro e de acordo com Canter
derada. Neste sentido, surgem algumas importantes (1977), podemos aqui afirmar que a definição de
questões. O que constitui um lugar? Qual a dife- um lugar se dá por intermédio da inter-relação de
rença entre um lugar e um local? Qual a importân- três dimensões fundamentais de constituição, a
cia do lugar para a vida humana, a cultura e as saber: os elementos físicos que o constituem, os
relações sociais? Quais as dimensões e sensações conceitos que fazemos dele e os usos e comporta-
que definem um lugar e sua identidade, tornando- mentos que eles possibilitam. O esquema teórico de
o distinto de outros? Canter (Fig. 1) permite explicar a natureza de um
Se o espaço se configura a partir do conjunto lugar como sendo composta pela inter-relação de
de relações que vinculam um determinado três dimensões básicas: a física, a comportamental e
ambiente ou objeto a quem o percebe, então a cognitiva. Para a primeira, contribuem os aspectos
podemos considerar o espaço como uma das e atributos físicos do lugar que conhecemos ou que
dimensões da existência humana e o espaço podemos perceber. Para a segunda, contribuem o
urbano-arquitetônico como uma concretização conjunto de atitudes e comportamentos que o lugar
deste espaço existencial. Como todas as ações possibilita. Para a terceira, contribuem os conceitos
humanas precisam necessariamente dar-se em um deste lugar formados em nossa mente ao processar-
espaço específico – seja ele reconhecidamente um mos as duas outras e ao recorrermos a lembranças
lugar, ou um não-lugar (AUGÉ 1994) – o espaço ou outras «fontes cognitivas».
urbano-arquitetônico pode ser considerado uma Essa base teórica fenomenológica em conjunto
das dimensões da existência humana. Por esta com a obra de Kevin Lynch, aponta para uma
mesma razão, podemos afirmar as idéias de local e direção metodológica que viabiliza a análise de
de lugar não podem ser definidas dissociadas da
noção de espaço. FIGURA N.º 1 – Diagrama teórico de David Canter
A idéia de local está diretamente vinculada à
de localização, um dos princípios fundamentais
para a tarefa de organização espacial empreendida
sistematicamente por todos os indivíduos com o
objetivo de se estabelecerem no mundo sensível.
O local pode ser associado ao reconhecimento do actividades LUGAR atributos físicos

que está próximo – à noção do aqui – e do que


está distante – à noção do para além de – ou seja,
do que está fora do campo perceptual.
Em contrapartida, a idéia de lugar envolve duas
questões: uma ligada à noção do estar em relação
com o meio ambiente – tudo que nos rodeia no concepções

globo terrestre, seja natural, construído, social ou


cultural (GIBSON 1974) – derivada da conceitua-
ção de local; e outra, relativa à forma de com-
preensão e de entendimento do mundo pelo Fonte: del RIO, 2002

102
CIDADES

desempenho do lugar e de seu projeto, e que pode No reconhecimento e no levantamento das


explicar rebatimentos sobre as qualidades hoje características físicas dos dois lugares, a análise
reconhecidas por seus grupos de usuários. Na dos projetos originais e os dados censitários foi
seminal Teoria da Boa Forma Urbana, Lynch complementada pelo mapeamento gráfico da evo-
demonstra como a boa forma urbana pode ser lução urbana desde a construção até a situação
gerada através de qualidades espaciais mensurá- atual e de seu entorno urbano. A análise das rela-
veis por seu desempenho e pelo uso dos diversos ções morfológicas baseou-se em mapas figura-
universos sociais – pressuposto que evita a referên- fundo sobre plantas cadastrais de diferentes perío-
cia a modelos ou índices de qualidade pré-deter- dos de desenvolvimento e em mapeamento «in
minados2. loco» do uso do solo, do gabarito, do tecido
urbano, do sistema viário, da arborização e da
cobertura vegetal. Os levantamentos possibilita-
IV. OS ESTUDOS DE CASO ram a identificação dos elementos conformadores
do tecido urbano: distâncias e acessibilidade; espa-
Os estudos de caso da Rua General Glicério e o ços construídos e espaços vazios, e domínios
do Parque Guinle, evidenciaram que sua composi- público, semipúblico e privado (Fig. 2). Também
ção físico-espacial está diretamente relacionada à possibilitaram identificar as diferenças mais mar-
qualidade do desenho urbano e dos projetos arqui- cantes entre o tecido urbano do entorno em rela-
tetônicos desenvolvidos na «construção destes luga- ção ao traçado diferenciado das duas áreas, bem
res». As propostas projetuais de Washington Aze- como compreender a lógica estruturadora e as
vedo para a Rua General Glicério e de Lucio Costa transformações que ocorreram ao longo do pro-
para o Parque Guinle – avançadas para seu tempo cesso evolutivo dos dois lugares estudados.
– (a) consideram e dialogam com o entorno e com Nos dois estudos de casos o uso do solo é pre-
as condições topográficas e climáticas do sítio; (b) dominantemente residencial, com inserções de
proporcionaram uma equilibrada combinação de comércio local, de instituições públicas e de
uso residencial e comercial, valorizando os sentidos ensino, bem como de serviços e templos religiosos. 2 Evitando as referências à

de público, semi-público e privado; (c) promovem, A análise do processo evolutivo das áreas de «tabelas» e «índices» ditos
preservam e valorizam a cobertura vegetal; (d) faci- abrangência evidenciou o adensamento vertical e universais, tão comuns nos
manuais, livros de
litam a circulação de pedestres e a permeabilidade a sistemática substituição do casario antigo por referência, códigos e leis
física e visual do conjunto e de seu entorno. novos edifícios de dez ou mais pavimentos. urbanísticas.

FIGURA N.º 2 – Mapas de morfologia e levantamentos realizados nos dois estudos de caso

Fontes: ALCANTARA, 2002 e FÁVERO, 2000

103
A INFLUÊNCIA DO PROJECTO NA QUALIDADE DO LUGAR

A urbanização do bairro das Laranjeiras deu-se A valorização imobiliária da zona sul, a


como uns dos vetores naturais de expansão urbana mudança do uso industrial para a zona suburbana e
da cidade ao longo do Rio Carioca, cujo incre- o fechamento da fábrica de tecidos promoveram o
mento ocorreu após a instalação do sistema de surgimento do empreendimento imobiliário residen-
transportes coletivos e pela proximidade com o cial Cidade Jardim Laranjeiras no local onde se
centro. Isto ocasionou um crescente desmembra- situava a fábrica, em fins dos anos 30. Concepção
mento das chácaras ali existentes em lotes residen- urbanística de Washington de Azevedo, coincide
ciais e conseqüentemente a abertura de novas ruas com as propostas contidas no Plano Agache e revela
a partir do principal eixo de penetração do bairro, forte influência dos modelos das cidade-jardim.
a Rua das Laranjeiras. O primeiro trecho da Rua Seus 413 lotes residenciais, distribuídos em 29 hec-
General Glicério – objeto de um dos estudos de tares, seguem um padrão orgânico em torno de um
caso –, além de 25 novos logradouros já estavam eixo principal central – a Rua General Glicério. O
abertos em fins do século XVIII. lançamento foi interrompido durante a Segunda
Guerra e, com o relançamento do empreendimento
IV.1. General Glicério – de Fábrica de Tecidos em 1945, o projeto original sofreu algumas altera-
à Cidade Jardim Laranjeiras ções: a inclusão de doze edifícios de apartamentos
Segundo Fávero (2000), a instalação da Compa- com doze pavimentos com uso comercial ao nível
nhia de Tecidos e Fiação Aliança (Fig. 3), no lugar da rua e de outros edifícios de menor porte para os
hoje conhecido como General Glicério (Fig. 4), lotes circundantes, bem como a inclusão do projeto
causou forte impacto no perfil sócio-económico do da prefeitura de um túnel – nunca realizado – a par-
bairro, atraindo uma população de menor poder tir da Rua General Glicério, ligando Laranjeiras a
aquisitivo para suas vilas operárias. Mas a fisiono- Botafogo. O arquiteto, numa visão avançada, consi-
mia residencial do bairro não foi alterada, tanto derou a rua principal como a melhor localização
por sua localização no fundo do vale e ocultada dos edifícios mais altos conFigurando-a como uma
pelos morros do entorno, quanto pela configuração avenida que daria acesso ao túnel. Sua sensibili-
arquitetônica dos edifícios da fábrica, análoga às dade atendeu ainda às novas tendências «progressis-
grandes construções residenciais da época. tas» do pós-guerra ao adotar um vocabulário proto-

FIGURA N.º 3 e 4 – Mapas de morfologia e levantamentos realizados nos dois estudos de caso

Fonte: del RIO, 2002

104
CIDADES

modernista para as novas torres além dos novos pre- luxo em estilo afrancesado. Lucio Costa, arquiteto
ceitos da Carta de Atenas, tais como: a idéia das brasileiro de renome internacional – já tendo reali-
super-quadras, a densidade e o edifício alto em cen- zado com êxito outros projetos para a família –
tro de terreno. Anúncios na época destacavam as conseguiu reverter esta intenção, resultando na
qualidades do empreendimento: «uma cidade construção dos primeiros edifícios residenciais
moderna num bairro aristocrático»; «distante dez modernistas no Brasil (Fig. 5) cujo partido arquitetô-
minutos do centro urbano» (A Semana, 9 de setem- nico representou, conforme seu autor, o «prenúncio
bro de 1939); «majestosas construções rodeadas de das superquadras de Brasília» (COSTA, 1995).
jardins» (Diário da Noite, 15 de março de 1945). Concebidos inicialmente como um conjunto de
seis blocos independentes ao longo da rua em alça,
IV.2. Parque Guinle – o palácio e seus jardins apenas os três primeiros blocos foram construídos,
como cenário entre 1948 e 1952. Sua concepção urbanística –
Dos três períodos distintos de ocupação que em crescent georgiano – levou em conta o tecido
marcam a história do Parque Guinle – a instalação regular do entorno, enfatizando a vista panorâmica
do palácio eclético dos Guinle, a construção dos do parque e do palácio. O conjunto define uma
edifícios modernistas de Lucio Costa e a inserção espécie de anfiteatro (NOGUEIRA, 1991) com os
do edifício do escritório MMM Roberto – conside- edifícios representando a platéia que vislumbra o
ramos o segundo como o principal para determinar parque como palco de convivência comunitária
a configuração urbana do lugar. (Fig. 6), em um cenário verde exuberante. Como
Inspirado na arquitetura européia da de fins do ponto focal e principal protagonista atua o palácio
século XIX, Eduardo Guinle construiu o palacete eclético, sobre uma das cumeeiras do sítio. O
eclético que serve atualmente como residência ofi- acesso ao conjunto pelo portão original do Palácio3
cial do Governador do Estado. Em torno do parque – aqui denominado Portal – delimita e pontua a
público densamente arborizado e aprazível – resul- transição entre o lugar e a cidade. O «diálogo»
tado da doação à municipalidade de parte de seus com a cidade é percebido também no primeiro
jardins – os descendentes de Guinle desejavam bloco edificado, cuja fachada em curtain-wall azul
implantar um conjunto de edifícios residenciais de turquesa está voltada para a rua de acesso. Nos

FIGURA N.º 5 e 6 – Vista do Parque Guinle com o Palácio das Laranjeiras à direita (in: ALCANTARA, 2002) e configuração original do projeto em
forma de anfiteatro (in: NOGUEIRA, 1991)

3 O Portão do Palácio,
adquirido na época da
construção do palacete
por Guinle mas mantido
embalado durante anos,
foi resgatado por Lucio
Costa em sua concepção
e montado durante a
construção dos edifícios
modernistas e é tombado
pelo IPHAN – Instituto do
Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional.

105
A INFLUÊNCIA DO PROJECTO NA QUALIDADE DO LUGAR

FIGURA N.º 7 – Panorama do Parque Guinle com o Palácio das Laranjeiras à esquerda e o edifício «brutalista» de MMM Roberto à direita

outros blocos – com suas fachadas vislumbrando o não trouxeram mudanças significativas para a
belíssimo panorama do parque – Costa inseriu pai- General Glicério, tampouco para o Parque Guinle.
néis intercalando elementos cerâmicos vazados e Ao contrário, estes ambientes urbanos destacam-se
brises verticais conformando uma rica e variada por suas características únicas e diferenciadas que
textura e protegendo assim as varandas da pior permaneceram ao longo do tempo e mantém sua
orientação. Os principais elementos formadores do aura aprazível e os atributos que os tornam ainda
edifício moderno estão presentes no projeto e evi- hoje lugares digno de admiração e altamente valo-
denciam os preceitos corbusianos: a pureza formal, rizados no mercado imobiliário local.
as linhas racionais da fachada, a forma prismática e
a estrutura livre e os pilotis vazados.
A filosofia e a sintaxe corbusiana, particular- V. MÉTODOS DE ANÁLISE
mente o modelo Dom-ino e o projeto das Unités
d’Habitación, foram assimiladas e re-interpretadas A análise focalizou três das sete dimensões de
através de uma solução de modernidade universal desempenho apontadas por Lynch – vitalidade,
com forte presença da arquitetura colonial brasi- sentido e adequação – refletindo o esquema teó-
leira. Costa ousou criar uma nova semântica na lin- rico da Figura 1, que representam o conceito de
guagem modernista inserindo elementos históricos sentido de lugar, um dos principais geradores da
– os elementos cerâmicos vazados que remetem satisfação e da atração de um determinado
aos muxarabi lusitanos, os painéis de azulejaria e a ambiente. Neste contexto se procurou compreen-
inserção de cores – criando assim uma verdadeira der o projeto original de modo a tornar suas quali-
simbiose do moderno com a tradição local. dades «mensuráveis».
A terceira fase de ocupação do Parque Guinle O uso de múltiplos métodos de pesquisa – tais
ocorreu nos anos 60 com a construção de um como a técnica de visão serial, aplicação de ques-
longo edifício de seis blocos geminados, projetado tionários e entrevistas, mapeamento cognitivo e a
pelo escritório MMM Roberto. Ainda que seguindo análise do comportamento ambiental pela observa-
a inspiração modernista e respeitando o traçado e ção direta – possibilitou maior quantidade de dados
a implantação previstos por Costa, sua solução que depois de cruzados e analisados qualitativa-
«brutalista» gerou forte ruptura com a sintaxe com- mente, permitiram uma avaliação mais coerente e
positiva original (Fig. 7). precisa dos resultados. Com base nas dimensões de
A especulação imobiliária no bairro das Laran- desempenho de Lynch, a estruturação da pesquisa
jeiras, a partir dos anos 70, e a liberação de gabari- possibilitou, nos dois estudos de caso dois pontos de
tos mais elevados no entorno, apesar de ocasiona- vista diferenciados e complementares – a visão do
rem um forte impacto no bairro como um todo, especialista e a visão do usuário.

106
CIDADES

FIGURA N.º 8 – Quadro resumo dos fundamentos, métodos e técnicas utilizados

Dimensões de desempenho Fundamentos Métodos / Instrumentos

Mapas Figura-fundo
VITALIDADE Morfologia urbana
Levantamento das características físicas

Townscape Visão serial


Questionários e entrevistas – moradores,
SENTIDO Percepção e cognição ambiental
trabalhadores e visitantes
Mapeamento cognitivo Mapas mentais (sketch-maps)

ADEQUAÇÃO Comportamento ambiental Observação direta participativa

A dimensão vitalidade, analisada a partir do FIGURA N.º 9 e 10 – Trechos dos percursos da análise visual da General Glicério – com a «pracinha» repre-
sentando um nó – e no acesso do Parque Guinle em frente ao Portal – um dos principais marcos referen-
olhar do especialista, orientou a análise das carac- ciais do lugar
terísticas físicas e morfológicas relativas a cada
ambiente urbano. A dimensão sentido foi anali-
sada com base na aplicação de questionários e de
mapeamentos cognitivos e complementada pelo
estudo do townscape e pela visão serial (CULLEN,
1996). A dimensão adequação foi avaliada com
base na aplicação de questionários e entrevistas
informais com os usuários e da observação direta
do comportamento ambiental. Veja no quadro
abaixo um resumo dos fundamentos, métodos e
instrumentos utilizados (Fig. 8).

V.1. Análise Visual


Complementando os estudos de caso e com
base no conceito de townscape, os pesquisadores
realizaram um exercício de análise visual da paisa-
gem. A visão serial de Cullen (1996) possibilitou
destacar os principais atributos físicos e espaciais
característicos, bem como identificar os elementos
estruturais apontados por Lynch (1960) – marcos,
nós, percursos, limites e setores – e as alterações
significativas da paisagem observadas ao longo dos Fonte: del RIO, 2002; ALCANTARA, 2002

principais trajetos dos pedestres.


Localizado no fundo de um pequeno vale, a além de evidenciar a mudança para uma paisagem
Rua General Glicério está rodeada por morros altos mais atraente a partir dela (Fig. 9). A arborização
que definem o padrão orgânico de suas ruas adja- das vias públicas – outro forte aspecto observado –
centes. Ao longo do seu percurso, é possível gera o efeito de «cúpula» mascarando o foco do
observar a presença dos planos verticais laterais trajeto percorrido e reduzindo o impacto das
com as aberturas nesses planos bem delimitadas «paredes» contínuas formadas pelos edifícios.
entre os edifícios, demarcando fortemente o tra- A análise do Parque Guinle, por sua vez, per-
jeto. A posição de destaque da pracinha no cruza- mitiu corroborar a imagem «a priori» positiva do
mento da Rua General Glicério com outras cinco sítio entendido como lugar definido por uma paisa-
vias locais confere-lhe o caráter de ponto nodal, gem natural sempre presente que, com a arquite-

107
A INFLUÊNCIA DO PROJECTO NA QUALIDADE DO LUGAR

tura, configura um ambiente atraente, que pouco a seguir são brevemente comentados alguns destes
pouco se revela aos olhos do observador. É visí- resultados.
vel o contraste entre o entorno urbano – de baixa Nas questões sobre caracterização dos respon-
qualidade estética e de leitura visual complexa – e dentes, a longa permanência dos moradores (mais
a entrada do Parque – onde o Portal representa a de vinte anos) pode ser considerada resultado da
transposição da cidade formal e o início do lugar motivação de ali estarem. Tanto os moradores da
diferenciado e atraente, atua como marco referen- General Glicério quanto os do Parque Guinle fize-
cial (Fig. 10). Este novo recinto é delimitado pelos ram a opção de residir nestes lugares pelas qualida-
edifícios modernistas, pela densa arborização do des ambientais e estéticas encontradas e pela quali-
parque e da rua em alça – cujo efeito de «túnel» é dade dos apartamentos dos edifícios residenciais.
reforçado pela sinuosidade de suas linhas de força Lá permanecem por gerações e constroem histórias
em harmonia com a geometria pura dos edifícios. de vida relacionadas ao lugar. É interessante obser-
A relação rua/edifício, pontuada pelos pilotis e var a aparentemente contraditória constatação em
pela permeabilidade visual, é rompida pelo peso e relação aos moradores do Parque Guinle, que se
a horizontalidade do edifício dos MMM Roberto revelaram como os freqüentadores menos assíduos
construído no final do percurso. do parque público. Apesar disto, estes moradores
A topografia acidentada e os contornos dos possuem uma relação forte e direta com o exube-
morros próximos presente nos dois estudos – que rante cenário verde encimado pelo palácio eclético,
podem ser vislumbrados por todos os lados nos constantemente presente nas imagens evocadas.
ambientes analisados – possibilitam que o pedestre A freqüência de visitantes nos dois lugares mos-
tenha consciência de estar em um vale estreito e trou-se diferenciada em termos numéricos, porém
protegido. coincidente na avaliação qualitativa. Os visitantes
do Parque Guinle – muitos moradores das redon-
V.2. Percepção e Cognição Ambiental dezas e outros tantos provenientes de outras partes
Para o estudo e análise da dimensão sentido a da cidade e até turistas – revelaram-se como sendo
pesquisa baseou-se em questionários e em entre- seus maiores freqüentadores – atraídos pelas quali-
vistas estruturadas, com a intenção de compreen- dades ambientais e estéticas do lugar e pela sua
der as imagens e as memórias mais recorrentes, as tranqüilidade, bastante escassa na grande cidade.
preferências e as atitudes dos usuários em relação Na General Glicério, embora o principal objetivo
a cada ambiente pesquisado. da freqüência deste grupo tenha sido «visitar ami-
O questionário aplicado dividiu-se em quatro gos ou parentes», durante a entrevista, muitos
partes – caracterização dos respondentes, impres- encontravam-se passeando com estes por suas ruas
sões ambientais, imagens mentais, e preferências e arborizadas e aprazíveis. Tais resultados denotam
expectativas – e incluiu respostas abertas, fechadas o alto grau de atração exercido pelos dois ambien-
e avaliativas segundo escalas de valores. Os res- tes estudados.
pondentes foram classificados em três grupos: Em relação às imagens mentais dos entrevista-
moradores, trabalhadores e visitantes. Após a dos, 58% na General Glicério e 60% no Parque
coleta e a compilação dos dados, foram elabora- Guinle, relacionaram os aspectos positivos como
dos gráficos que auxiliaram na análise e compara- os mais relevantes na questão «qual é a primeira
ção dos resultados. coisa que vem à sua cabeça quando pensa neste
Os resultados dos questionários foram bastante lugar?» (Fig. 11). O cruzamento deste dado com
significativos com respeito à percepção do usuário os de outras perguntas sugere uma relação signifi-
com relação aos aspectos físicos e ambientais dos cativa destes aos aspectos físicos e com outros
lugares pesquisados, confirmando as descobertas relacionados ao desenho urbano das duas áreas.
da análise visual. Diversas semelhanças e coinci- Outra interessante questão evidenciada nos gráfi-
dências puderam ser relacionadas entre os dois cos foi a coincidente preferência dos respondentes
lugares, assim como as razões das diferenças mais na listagem dos elementos físicos que melhor
marcantes entre eles. A título de ilustração, a caracterizam o lugar: em primeiro lugar, arboriza-

108
CIDADES

ção (qualidade ambiental), em segundo lugar, par- nimidade na demanda por mais áreas de lazer e
que ou pracinha (ambientes públicos); em terceiro, recreação, fato plenamente justificável na General
os edifícios e o palácio (arquitetura característica); Glicério, onde há apenas uma pracinha com poucos
em quarto lugar, todo o conjunto. A relevância da brinquedos infantis. Já no Parque Guinle, apesar da
ambiência criada pela cobertura vegetal nas vias e exuberante e ampla área verde que agrada princi-
espaços da coletividade e a importância dos blo- palmente às crianças e ao mais idosos, não foram
cos edificados como marcos, são bastante nítidas e encontrados equipamentos ou quadras esportivas, o
reconhecidas pelos usuários como aspectos que que vem a ratificar este resultado, bem como a rare-
promovem a clara leitura destes lugares como um feita presença de jovens no lugar.
todo, único e característico (Fig. 11b, 12a e 12b). Uma interessante observação pode ser feita
quanto à ordem em que se agruparam os resultados
FIGURA N.º 11a e 11b – Gráfico ilustrando alguns resultados dos ques- em determinadas categorias nos dois estudos de
tionários aplicados na General Glicério
caso: os aspectos ambientais e visuais – arborização,
0 2 4 6 8 10 12 14
estética, elementos físicos de destaque – obtiveram a
Tranquilidade
maior aprovação e os aspectos arquitetônicos – esté-
tica dos edifícios, afastamentos, comércio – situa-
Qualidades visuais
ram-se em um índice positivo médio. Nos resulta-
e de ambiência
dos relacionados com a parte urbanística – manu-
tenção e conservação de ruas e calçadas e estacio-
Qualidade de moradia
namento – os índices gerais foram os mais baixos,
Morador
com o menor índice de aprovação. Entretanto, o
Trabalhador
Verde
Visitante mapeamento cognitivo evidencia como os mais fre-
qüentes os mapas do tipo percursos, representados
Fonte: Fonte: del RIO, 2002
por estas mesmas ruas, confirmando a boa orienta-
ção e estruturação mental em relação ao lugar.
FIGURA N.º 12a e 12b – Gráfico ilustrando alguns resultados dos ques- A utilização da técnica de mapeamento cogni-
tionários aplicados no Parque Guinle
tivo, veio complementar e enriquecer a compreen-
-0,5 0 0,5 1 1,5 2
são do sentido do lugar, no que diz respeito à
Arborização identidade, à legibilidade e à estrutura formal do
espaço. Os «mapas mentais» – os entrevistados
são solicitados a fazer representações gráficas,
Estética deste lugar
como um todo
fruto da sua memória do ambiente em estudo –
foram classificados em três grandes categorias,
Canteiros desenvolvidas por del Rio (1991) a partir de Apple-
yard (1976), acordo com as suas características e
Estacionamento
Morador
capacidade de representarem o lugar:
Trabalhador
Visitante

Fonte: ALCANTARA, 2002


– simbólicos: desenhos constituídos de uma
representação icônica mais abstrata;
– semi-estruturados: desenhos que sugerem a
Nas questões sobre preferências e expectativas, a compreensão de uma lógica operacional sim-
quase unanimidade (>80%) com relação à demanda ples da área;
por mais policiamento e guaritas expõe o sentimento – estruturados: desenhos mais elaborados que
de insegurança inerente à cidade como um todo. demonstram boa compreensão e estrutura da
Curiosamente, nas outras perguntas relacionadas área.
com os aspectos de segurança pública dos dois luga-
res houve avaliação positiva, o que demonstra o sen- Nesses mapas (Figs. 13a, 13b, 13c, 14a, 14b e
timento de segurança dos entrevistados. Houve una- 14c) foram identificados os clássicos elementos

109
A INFLUÊNCIA DO PROJECTO NA QUALIDADE DO LUGAR

lynchianos – marcos, nós, percursos, limites e seto- clara distinção daquele lugar específico em relação
res – de modo a confirmar ou não as descobertas ao restante do bairro de Laranjeiras, a exemplo do
decorrentes da análise da visão serial. A escala que ocorre no Parque Guinle.
relativa de cada um desses elementos e a ordem de No estudo da General Glicério, os mapas das
elaboração dos desenhos foram analisados para categorias moradores e visitantes são, em sua
determinar a sua significação e importância para o maioria absoluta, do tipo estruturado ou semi-
respondente (del RIO, 1991). Para facilitar a com- estruturado, o que vem confirmar que os usuários
pilação e a análise dos dados foram gerados qua- da General Glicério, motivados pelo interesse de
dros listando a freqüência dos elementos físicos ali estar ou permanecer, possuem grande com-
presentes nos mapas conforme a categoria e o tipo preensão da estrutura formal do lugar. No caso
de respondente e resumidos no esquema da do Parque Guinle, a maior incidência de mapas do
«forma visual» destes lugares (Fig. 15). tipo simbólico pode ser justificada pelo viés da
As contradições evidenciadas nos quadros refe- imagem lúdica e sentimental e do subjetivismo evi-
rentes aos dois estudos de caso tornam clara a ima- denciado nas representações daquele ambiente
gem diferenciada que a população possui em rela- urbano. A força motivadora desta opção é reve-
ção a estes lugares. O traçado orgânico do con- lada pela forte presença dos elementos naturais
junto das ruas que compõem o ambiente da Gene- representados nos mapas, tais como a vegetação
ral Glicério – em torno do eixo físico principal que exuberante e a água – presença que pode ser per-
as organiza, reforçado pela extensa cobertura vege- cebida em todo parque, desde o borbulhar do ria-
tal que cria o efeito de túnel – sobressai nos mapas cho artificial que corta todo o parque à placidez
elaborados, demonstrando que o principal ele- do espelho d’água. Também o caráter marcada-
mento lynchiano estruturador da imagem mental mente simbólico está representado pelo Portal e
deste lugar é o percurso. A presença maciça dos pelo Palácio, principais marcos referenciais do
elementos setor e limite em grande parte dos lugar, ou seja, elementos urbano-arquitetônicos de
mapas – representados pelas ruas em alça e pela significativa representação e clara identificação na
disposição dos elementos edificados – denota a imagem mental dos usuários.
A técnica de observação direta para análise e
FIGURA N.º 13a, 13b e 13c – Exemplos de mapas mentais simbólicos, semi-estruturados e estrutura- avaliação do comportamento ambiental foi imple-
dos dos respondentes da General Glicério
mentada apenas no segundo estudo de caso, o Par-
que Guinle. Sua aplicação ampliou o foco da pes-
quisa e a complementou, confirmando os resulta-
dos que foram obtidos nas outras técnicas utiliza-
das ou corrigindo possíveis distorções devido ao

FIGURA N.º 14a, 14b e 14c – Exemplos de mapas mentais simbólicos,


semi-estruturados e estruturados dos respondentes do Parque Guinle

Fonte: ALCANTARA, 2002 Fonte: ALCANTARA, 2002

110
CIDADES

enfoque na avaliação ser predominantemente qua- quação, da qualidade da forma urbana e do signifi-
litativo. Isto pode ser constatado com a realidade cado daqueles ambientes enquanto lugar.
observada no lugar em contraponto com a visão Os resultados até aqui apresentados evidenciam
lúdica, sentimental e subjetivamente positiva que a importância, para a avaliação da qualidade
os usuários têm do lugar, amenizando seus aspec- ambiental, do sistema de múltiplos métodos desen-
tos negativos – manutenção precária, aspecto volvidos a partir das dimensões de desempenho de
degradado em alguns trechos e presença de men- Kevin Lynch e relacionadas à base fenomenológica
digos – que passam a ter pouca ou nenhuma rele- proposta por Canter. A seguir estão apresentados
vância em sua avaliação final. os principais resultados.

FIGURA N.º 15 – Esquema da «forma visual» dos lugares pesquisados Quanto à Vitalidade
Os aspectos fundamentais desta qualidade são:
bom suporte à vida, à saúde e à perpetuação das
espécies, que estão diretamente ligados ao bem
estar e determinam se um local é vital. Os ambien-
tes analisados foram avaliados positivamente nos
aspectos sustentação e segurança, pois são atendi-
dos por todas as facilidades e sistemas de abasteci-
mento públicos – redes de água, energia elétrica,
saneamento, telefone, gás canalizado – e se locali-
zam próximo ao comércio e aos serviços em geral.
A ambiência, a topografia e a densa arborização
presentes em ambos criam um microclima agradá-
vel e ameno, além de servirem como filtros da
poluição atmosférica e dos ruídos inerentes à
cidade.
Num aspecto mais subjetivo da dimensão vitali-
dade, a avaliação também foi positiva, pois existe
harmonia tanto no que se refere às características
edilícias – ambiente natural e espaço construído –
quanto à relação ergonômica entre o ambiente e o
homem. Através da análise visual foi possível con-
firmar a presença de atributos que favorecem a per-
cepção das idéias de escala e controle e da sensa-
ção de conforto do lugar.
VI. PRINCIPAIS RESULTADOS DA PESQUISA
Quanto ao Sentido
Na pesquisa sobre a qualidade do lugar a busca Para apreender a imagem que o homem possui
de uma avaliação mais coerente e precisa se tor- em relação ao lugar que habita ou usa e seu grau
nou possível com o sistema de múltiplos métodos de interação com o ambiente, o emprego do ques-
empregado, que gerou dados sobre o reconheci- tionário e dos mapas mentais foi plenamente vali-
mento do lugar em suas características físicas e dado. Tais instrumentos de medição qualitativa
ambientais, sobre sua imagem para a população e possibilitaram a obtenção de um retrato fiel da
também sobre as influências que o lugar exerce. dimensão cognitiva do lugar.
Os resultados de cada um dos métodos emprega- Os principais usuários dos lugares pesquisados,
dos e seu cruzamento precederam à avaliação glo- sejam moradores, trabalhadores ou visitantes, com-
bal das dimensões de desempenho diretamente provadamente possuem forte ligação afetiva e
relacionadas ao tema – vitalidade, sentido, ade- apreço por aqueles ambientes, para onde são atraí-

111
A INFLUÊNCIA DO PROJECTO NA QUALIDADE DO LUGAR

dos pelas suas qualidades e atributos percebidos. valorizado pela população, confirmando as suas
Ao reconhecerem os elementos físicos (consciente- qualidades formais, paisagísticas e imagéticas.
mente) e estruturais (inconscientemente) mais mar-
cantes, os usuários demonstraram possuir boa
estrutura formal do ambiente, coerente orientação CONSIDERAÇÕES FINAIS
no espaço, além de aptidão na leitura de seus sím-
bolos e características formais, ou seja, uma boa Através deste estudo foi possível entender se a
legibilidade. Identificam-se com o lugar que lhes é relação existente entre a qualidade de uma área
familiar e que para muitos representa sua história urbana e o seu reconhecimento como um «lugar»
de vida. O desejo de permanência dos moradores específico foram gerados e são dependentes do
mais antigos atravessa gerações não só pela quali- projeto original, ou seja: se houve intencionalidade
dade de suas residências, mas pelas qualidades projetual nas qualidades obtidas e hoje reconheci-
físicas, estéticas e ambientais do lugar. das pela população, ou se foram elas apenas fruto
do próprio desenvolvimento psico-sócio-cultural
Quanto à Adequação dos usuários.
Através da observação direta do comporta- A avaliação do desempenho dos ambientes
mento ambiental, realizado apenas no segundo urbanos estudados demonstrou que estes podem
estudo de caso, foi possível compreender o quanto ser considerados como lugares especiais, com uma
o ambiente está em conformidade com as funções forte identidade e qualidades amplamente reco-
ali realizadas, assim como as ações e condutas dos nhecidas pela população usuária. São ambientes
diversos grupos de usuários no meio. Com relação vitais, sensíveis e adequados à apropriação da vida
aos aspectos urbanísticos, o uso residencial é abso- cotidiana. A comunidade de usuários – principais
lutamente consolidado e valorizado tanto pelos atores naqueles cenários urbanos –– demanda a
atributos físicos e espaciais de seus edifícios, manutenção e a preservação dos lugares pelos
quanto pela sua inserção urbana, pela sua adequa- quais possui especial apreço e que sentem como
ção às condições topográficas e pela proximidade seu lugar, sua base existencial.
com centros comerciais e de serviços. O papel e a relevância dos projetos urbanísti-
O parque público em que se transformaram os cos e arquitetônicos concebidos para a qualidade
jardins do palacete dos Guinle, além de cenário ainda hoje presente nas áreas pesquisadas foram
magnífico, atua como ponto de atração de visitantes confirmados e comprovados não apenas pela visão
provenientes de todos os lugares em busca de atri- técnica e pragmática do arquiteto, mas também e
butos ambientais existentes em sua extensa área principalmente pelo critério subjetivo da visão do
verde e, principalmente, na bela paisagem do lugar. usuário. A análise comparativa entre os projetos
A conduta pacífica e o comportamento sociável dos originais, suas alterações e os lugares como se
visitantes podem ser considerados como reações encontram hoje, demonstram claramente que as
diretas aos benefícios advindos de seus aspectos decisões projetuais de Lucio Costa e Washington
ambientais, estéticos e também simbólicos. Os estí- de Azevedo foram determinantes na qualificação e
mulos sensoriais e perceptivos gerados pelo na construção de um novo lugar no imaginário de
ambiente – altamente impactantes – são filtrados de seus usuários, bem como para a permanência de
acordo com a motivação individual dos que ali se muitos de seus principais aspectos físicos, estéticos
encontram ou permanecem; passam por um pro- e ambientais.
cesso mental que os registra na memória, organi- Embora tenham sido realizados apenas dois
zando-os em imagens icônicas ou representações estudos de caso e a pesquisa ainda se encontre em
objetivas do lugar – as árvores, o Portal, o lago e as andamento, podem ser sugeridos alguns aspectos
aves, o Palácio – ou mais subjetivas e simbólicas – que influenciam ou, até mesmo, determinam a
ar puro, natureza, canto dos pássaros, saúde, quebra qualidade de um lugar dos quais podem ser extraí-
da rotina – que se transformam em estruturas signifi- das algumas diretrizes básicas para futuros projetos
cantes. O lugar Parque Guinle é reconhecido e urbanísticos:

112
CIDADES

A inserção urbana próxima aos centros de con- res da qualidade ambiental e a partir deles estabe-
sumo e serviços e o respeito às condições existen- lecer diretrizes e recomendações projetuais mais
tes no entorno, como por exemplo o Edifício Nova significantes e representativas dos desejos e valores
Cintra no Parque Guinle com suas fachadas dife- culturais de seus usuários.
renciadas, uma «dialogando» com a rua e a outra Em que pese as transformações relacionadas
voltada para o parque. com o processo de globalização da economia e da
A adequação às condições climáticas e topo- produção – que «midifica» o significado e a dinâ-
gráficas do sítio, configurando áreas protegidas dos mica dos lugares, «desestrutura e fragmenta os
distúrbios urbanos e promovendo a sensação de lugares da produção, do consumo e do conflito e
segurança. desarticulam o tempo» (HARVEY in CASTELLS
Respeito ao patrimônio natural ou construído 1999: 461) – a maioria das pessoas ainda vive em
existente e o reconhecimento de seu valor paisa- lugares e percebe o espaço com base no lugar,
gístico e estético – no Parque Guinle Lucio Costa ambiente que se diferencia por suas qualidades
tirou partido do Palácio e do Portal de acesso, for- físicas e simbólicas. Tendo em vista este processo
talecendo seu caráter simbólico, e do cenário de compressão temporal e espacial, é conveniente
verde criando uma configuração geral em «anfitea- resgatar a noção bachelardiana da casa-refúgio,
tro» natural. «primeiro mundo do homem» que abriga os deva-
O traçado diferenciado e sinuoso das ruas em neios e protege o homem e suas lembranças das
alça aliado à topografia (ruas em «crescent») em tempestades reais e imaginárias (RHEINGANTZ
torno de eixos principais (General Glicério) ou a 2000).
partir de elementos marcantes (Portal), definindo Neste sentido, parafraseamos Castells quanto à
setores bem delimitados e perceptíveis e limites necessidade de valorizar os lugares para habitação
espaciais claramente definidos, atributos indicados como ponte cultural e física ligando o universo
como «definição espacial» e «espaço contido» local dos homens à sua inexorável condição de
(CULLEN 1996). pertencimento à aldeia global da economia, da
A preservação ou promoção de cobertura vege- produção e da informação: «A tendência predomi-
tal extensa ao longo das ruas, gerando o efeito de nante é para um horizonte de espaço de fluxos a-
túnel, criando uma ambiência e um microclima histórico em rede, visando impor sua lógica nos
agradável e ameno. lugares segmentados e espalhados, cada vez
A clara demarcação entre o espaço público, o menos relacionados uns com os outros, cada vez
semipúblico e o privado com a relação rua/edifí- menos capazes de compartilhar códigos culturais.
cio, direta e intensa, enfatizada pela permeabili- A menos que, deliberadamente, se construam pon-
dade visual dos recuos e espaços entre as edifica- tes culturais e físicas entre essas duas formas de
ções em centro de terreno e dos pilotis vazados, espaço, poderemos estar rumando para a vida em
como no caso dos edifícios modernistas. universos paralelos, cujos tempos não conseguem
Com o desenvolvimento da pesquisa e sua encontrar-se porque são trabalhados em diferentes
extensão a outros estudos de caso, pretende-se dimensões de um hiperespaço social» (CASTELLS
identificar os elementos, índices e fatores gerado- 1999: 451-452).

113
A INFLUÊNCIA DO PROJECTO NA QUALIDADE DO LUGAR

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