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É UTÓPICA A

INTENÇÃO DA
FILANTRÓPICA?
Existe uma correlação entre o saber cultural e o afeto comunal.

O matrimónio entre o índice cultural da comunidade e a pre-


servação do património, material ou imaterial, cria uma expo-
nencial afinidade entre a cultura e o que perdura. O indivíduo
mais conhecedor é mais pacificador e, a sociedade mais
culta, torna-se mais adulta.

Na realidade, o Homem mais culto evita o tumulto. Porque


formatado para avaliar e valorizar, destrói menos; prefere
preservar e louvar com acenos. Se tem mais cultura
demonstra mais desenvoltura; se mais sabido, mais valoriza o
antigo; se mais sabedor, mais promove o amor e, quanto mais
artista, mais usa a imaginação como conquista. Também,
quanto mais culto menos oculto e mais promove o indulto.

Por isso, o ensino deve ter a cultura como hino e, no reinado


da educação, a arte como primado.

Afonso Pinhão Ferreira in Lusitano Afonso


TRAZES PARA A LUZ UM MOMENTOS DE
FIO DE ÁGUA MOVIMENTOS, IMAGENS
DE VIAGENS
Trazes para a luz um fio de água, a lucidez irreversível, a louca ferida lírica da inocência onde esvazias os dias, a escura sombra onde humedeces
de um coração. O destino é um desenho que sobe da terra pelas árvores as lágrimas ou engastas os rastros incomensuráveis do olhar que
e bate obscuro em qualquer lugar como num corpo a sua sombra. Um perpetuam o fulgor dos caminhos e a morada das divindades? É sublime esta exposição que o artista apelidou de “Origem da Admirar a exposição de Helder de Carvalho, implica interiorizar a
rumor de pedras que pulsa sobre as feridas seculares como montanhas Imperfeição”. Mostra sofisticada escultura, que exige delicada leitura. imaginação do seu trabalho. Cada uma das obras tem o fundamento
expondo na paisagem o seu ritmo ou perda em permanência. Exibe o talento do escultor, na representação de um momento indutor. de ser uma só representação imagética do plural das imagens que
É sobre o ritmo dos céus que estiras o nada obscuro, a cegueira Permite apreciar um instante de um movimento, um percurso; o bastante perfazem a viagem hipotética de um movimento. O artista produz a
E tudo é tão silencioso que espanta desabrido em escassez ou inferno. E iluminante, que testemunhas o caos da sabedoria, a lâmpada bafejando para imaginar um acontecimento, um discurso. imagem de um instante e o observador deduz toda a viagem faltante.
tudo se espalha em carpintaria e sal, no s cães que ladram, na fuligem as metáforas que inspiram a melancolia ou a impaciência com que A imagem do escultor é imperfeita para consentir que a viagem do
sobre os muros e na luminosidade que mistura búzios e mulheres, se entranha fundo o vapor da música, essa matriz donde transborda As esculturas parecem imperfeitas, mas foi assim que as figuras observador possa ser perfeita.
na agitação dos peixes estendidos sobre os ombros, por detrás dos a dilatação das narinas, a matéria intensa das emoções, a suspensão foram feitas. Cada uma sendo uma imagem distorcida de uma viagem
pássaros perseguindo no seu destino a morte. E o que resta é engolido pura da tristeza, o adubo saturnino dos campos, a arte de remar ou sucedida. Uma distorção propositada que autoriza uma construção Helder de Carvalho é um escultor figurativista, um ator perfeccionista.
na escuridão das imagens como a fome ou a humidade nas roupas, nas balbuciar entre as coxas das mulheres sílabas embebidas de labaredas imaginada. A idealização de movimento, com a eternização de um Vive a arte representativa no respeito pela harmonia, pela proporção,
ruínas que descarnam as sepulturas, na exactidão que rasga a água – é isto a morte? –, uma luz que ramifica em decantação os bagos de momento. pela simetria, sempre na procura da perfeição comunicativa. Na
como bálsamo. zimbro, o rugoso encantamento que lapida os gestos exactos com que presente exibição, ele auxilia o observador na busca da perfeição.
as sementes arrebatam o ar e brilham transcendendo a noite na sua Qualquer deslocamento no espaço é uma viagem, sendo que cada
Aí, nesse lugar ambíguo, cruzas o vento e serás o aprendiz do frio, o errância muda como se fossem a magia de um poema ou um archote de momento é dela um pedaço, uma mensagem. Os movimentos imprimem
que acena com palavras acres a lonjura puríssima. E olharás o céu em ferro ardendo terrível junto aos pés? na retina, vestígios inacabados de momentos sequenciados. E, cada
vigília como se caminhasses entre ossos para não chorar, consumindo mensagem gravada dum movimento resultante, mais não é que a Afonso Pinhão Ferreira
o ar fresco, a tremura das chamas, os minuciosos odores que salpicam E nos campos, e nas tábuas, e na murmuração dos desertos colherás o imagem de um instante. Administrador da ORTOPÓVOA
a pele submersa que emerge enquanto assombram ao olhar em sangue ar dos verbos infindos, os mapas incessantes, a volúpia rigorosa do amor
as tintas. que culmina fecundo em passagem ofertante, uma constelação onde Ora, a memória humana é o arquivo das mensagens que tem lugar
se fundam paisagens bafejadas pelo turbilhão da pele e pelos estames na mente; a história que se explana em forma de imagens quando se
Uma palavra não chega para o seu fim como nos lameiros se purga rútilos da solidão – é assim a morte? –, o que atravessa o sagrado vazio consulta e consente. Recordar momentos é, tão só, projetar movimentos,
o lodo ou abafam as neblinas. E serás breve na solidão perdurando de infinito, as lâminas que revolvem os desejos e queimam a sede dos e isso passa por visualizar as mensagens que foram arquivadas em
cedo nas ladeiras que escorrem do céu a que assomas com a filigrana venenos – alinham os arrabaldes das paisagens e arrastam de escuridão imagens encadeadas. É como se exprime um filme. Contudo, uma
descrente dos versos. É ácida a água que bebes e não és imune ou a bondade donde escorre a beleza e os escombros luminescentes do imagem de um filme, por si só, não nos mostra toda a história, apenas
venturoso. mundo, os cavalos como um pensamento, que baptizamos piamente exprime a trajetória. Trata-se do mapeamento de um dado momento.
magoando a infância de tudo sem remorsos, badalando sinos absolutos Enfim, juntar aos três planos do espaço, um quarto pedaço. Dar à
Serás justo como os plátanos que declinam o embuste da memória e a prumo sobre miragens inextinguíveis que estriam o limiar do tempo tridimensionalidade da escultura outra vitalidade e abertura. Juntar a
erguem nos túneis o incenso dos segredos, a língua dos massacres que onde cravejamos a cintilação da cinza tocada pela incerteza das noção de movimento à tridimensão do elemento.
ressoa nas cidades sem aviso. Como se deus, adormecido, repetindo palavras e o gume da luz – é assim a morte?
sem cuidado a mesma partilha de sempre, perdidamente exausto, Porém, algumas dessas imagens, apesar de fugazes na síncrese da cena
aguardasse numa curva a tua ausência. gravada, são capazes de fazer a síntese da realidade experimentada.
E, as traduções heurísticas dessas mensagens visuais, são expressões
Mas não esquecerás, há labirintos sonoros que fermentam na tua cabeça Jorge Velhote artísticas, por demais. É pegar na essência de uma imagem e criar uma
como caldeiras tempestuosas, há bátegas de escamas que te revolvem mensagem de imanência.
a pele em ira, há subterrâneos cúmplices da invernia e dos presságios
abissais que escavam na tua língua a essência dos séculos, há pústulas
em decomposição violenta que esbarram no sono dos penedos os seus
vulcões em chamamento – é isso a morte? –, um abismo onde despejas
o vento febril dos despojos, estendes a luz que embriaga a nudez exacta

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FORMAS ENCENADAS

Falaram, sem resistência, das emoções, do movimento, da figura


humana. Falaram de amor, sem rigor ou simetria. E Por fim perderam-
se, na água, em busca da liberdade. Entre os cornos siderais, em lutas
desiguais, coabitaram espaços encenados. Estranha forma de vida,
essa. Falaram Sobre a condição humana, aquela em que somos,
dois, juntos, muitos, na procura do equilíbrio de forças, em conquistas
destemidas. A sobrevivência é sempre A última conquista.

Em renovados desejos que nos alentam, movimentamos sonhos,


almejamos lutas. Falamos no deserto Sobre miragens inextinguíveis.
Brincamos na caça extinguível da paz. Em busca da luz, do amor, da
felicidade, equilibramos os nossos corpos e, Sob o ritmo dos céus,
dançamos livremente. Voamos em sonhos que sentimos na nossa pele,
ao arrepio das emoções nos Abismos onde se despeja o vento.

Em Catástrofes anunciadas, recordamos as já vividas. Assombros de


corpos articulados em movimentos encenados. Em conquistas de
Temíveis equilíbrios, iludimos a harmonia da agitação na desigualdade
da liberdade. Tudo, tudo, na Conquista do sono, do amor, da paz.

Numa nova modernidade, exibimos espaços encenados, ocupamos


tempos deslocados, em género supremo. Numa Série de cinco
pensamentos, redimensionamos em liberdade as emoções e expressões
da figura humana, sempre em movimentos, equilibrados na volumetria
do improviso que manipulamos. Até que chega A Noite (Maillol, 1920)
em que nos amamos nos braços do próprio corpo, adormecido.

E em cada dia, purificamos e renascemos, como Roubadores de Água,


numa infindável e sempre renovada liberdade de encenadas Formas de
Continuidade no Espaço.

Isabel Patim
Fevereiro 2022

Por fim perderam-se


Bronze policromado
40 x 30 x 60 cm
2014

4 5
Entre os cornos siderais
Bronze policromado sobre base
em acrílico negro
30 x 40 x 75 cm
2018

Sobre a condição humana


Bronze policromado sobre base
com aro de metal
45 x 36 x 45 cm
2018

6
A última conquista
Bronze policromado sobre base em
acrílico negro
35 X 25 x 70 cm
2018

Sobre miragens inextinguíveis


Bronze policromado com base
em madeira patinada de negro
60 x 25 x 50 cm
2019

8
Abismos onde se despeja o vento
Bronze policromado sobre base em
madeira patinada de negro
30 x 30 x 64 cm
2018

Em busca da luz
Bronze policromado
70 x 30 x 70 cm
2014

10 11
Sob o ritmo dos céus
Bronze policromado
60 x 35 x 52 cm
2016

Catástrofes anunciadas
Bronze policromado sobre base
com aro de metal
45 x 35 x 80 cm
2018

12
Assombros Temíveis equilíbrios
Bronze policromado sobre base em Bronze patinado com base
madeira patinada de negro em acrílico negro
55 x 34 x 34 cm 40 x 22 x 65 cm
2018 2017

14
Série Homenagem a Maillol I
Bronze aberto com base
em acrílico ovalado negro
30 x 26 x 22 cm
2021

Série Homenagem a Maillol II


Bronze aberto com base
em acrílico ovalado negro
30 x 26 x 22 cm
2021

16
Série Homenagem a Maillol III
Bronze aberto com base
em acrílico ovalado negro
30 x 26 x 22 cm
2021

Série Homenagem a Maillol IV


Bronze aberto com base
em acrílico ovalado negro
30 x 26 x 22 cm
2021

18
Série Homenagem a Maillol V
Bronze aberto com base
em acrílico ovalado negro
30 x 26 x 22 cm
2021

Conquista do sono
Bronze patinado com base
em acrílico negro
40 x 22 x 65 cm
2017

20
Série Os Roubadores de Água I
Bronze com patine castanha e base em acríli-
co negro 20 x 20 x 22 cm
2020

Série Os Roubadores de Água II


Bronze com patine castanha e base
em acrílico negro
20 x 20 x 35 cm
2018

22
Série Formas de Continuidade
no Espaço I
Modelo para passagem a bronze
50 x 20 x 111
2021

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