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Paul Gilbert A PACIENCIA DE SER METAFISICA Titulo original: La patience d’étre — Métaphysique © Editions Culture et Vérité, Bélgica, 1996 Boulevard Saint-Michel, 24 1040 Bruxelles ISBN 2-87299-054-2 Preparacao: Carlos Alberto Barbaro D1acramacAo: Miriam de Melo Francisco Revisdo: Iranildo B. Lopes Edighes Loyola Rua 1822 n° 347 ~ Ipiranga 04216-000 Sao Paulo, SP Caixa Postal 42.335 — 04218-970 - Sio Paulo, SP @ Uh 6914-1922 @ (1) 6163-4275 Home page e vendas: www.loyola.combr Editorial: loyola@loyola.com.br Vendas: vendas@ loyola.com.br Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desia obra pode ser reprodusida ou transmitida por qualquer forma elou quaisquer meios (eletronico ou mecdnice, incluindo fotocépia e gravagdo) ou arquivada em qualquer sistema ‘ow banco de dados sem permissdo escrita da Editora, ISBN: 85-15-02779-8 © EDICOES LOYOLA, Sao Paulo, Brasil, 2005 Sumério Prélogo .... Introdugdo A\DIFERENCA ONTOLOGICA A diferenca ontologic LA existéncia € 2 CSSENCIA weestteteeseseeeeenseeesareresssressessssesnsen 15. 2. O ser eo ente Primeira parte A ANALOGIA, SER DA LINGUAGEM capitulo um: A ciéncia e 0 tempo .... 1. A ciéncia e a abstracao do tempo. 2. A ciéncia aristotélica e as categorias 3. A ciéncia moderna e o sentido que esta por vir .. . 50 capitulo dois: A substancia, a presenga e o tempo ... ey 1. A ciéncia ¢ a presenga .. «55 2. A dualidade temporal da substanci 2.99 3. A presenga substancial . . 66 capitulo trés; A lingua e 0 discurso 1. A gramatica e 0 sentido... 2.A lingua . 3. O discurso capitulo quatro: A metafora e a acao 1, As palavras e as coisas ... 2.0 univoco, 0 equivoco e 0 parOniMo ....cssssmeseunnseneenenes 103 3. A metafora 107 capitulo cinco: A analogia e 0 ato .. 1. A proporgao e a proporcionalidade 2. A proporcionalidade ¢ 0 ato... 3. A proporcionalidade, a existéncia € a esséncia .... capitulo seis: A hierarquia dos entes 1, Uma hierarquia de atos ... 2.O mineral, 0 vegetal e o animal See Wisiviaiin ssserrancncsnit vals sccccrcessessmeenacaccnecs et scieeno capitulo sete: A fala e a linguagem 1.A fala 2. Aristoteles e Agostinho 3. A lingua ..... 2. Heidegger . 3.Gadamer ¢ Habermas sisssssneunsnunansninsnennseneunssisansnnnee 190 Sat A .LINGUAGEM E A LIBERDADE capitulo nove: A linguagem ea liberdade... .o:201 Suh Bate Os TRANSCENDENTAIS, LINGUAGEM DO SER tent gol capitulo dez: A historia dos transcendentais . 1. A categoria e o predicamento ... 2. Da Antiguidade aos Tempos Modernos ..... capitulo onze: A légica dos transcendentais.... 1.A ordem tomista dos transcendentais .. 2, Antropologia ¢ ontologia SSE TS Gi a ene acca ee capitulo doze: A unidade..... 1, A RES eo“UNO”. 2.O “UNO” e 0 modelo 3. Rumo a um modelo universal 4, O modelo reflexivo ...... capitulo treze: A bondade que se da 1, Plotino e a simplicidade espiritual 2. Schelling e a criagao.. 3. Bruaire € 0 ser de doa capitulo quatorze: A verdade que se expo: 1, A verdade ontica 2. A verdade como adaequatio 3. A verdade ontolégica... 4. A verdade metafisica.... capitulo quinze: O bem que se deseja 1.O beme o desejo .. 2. O mundo, vocé e eu 3. A diferenga sexual..... capitulo dezesseis: A perfeigao ¢ 0 mal . 349 1. A perfeicao eo dom 2. O desejo eo mal ... 3.0 mal e a liberdade...... Conclusao A BELEZA E A PACIENCIA A beleza e a paciéncia .... 1. A beleza transcendental na Idade Média 2. Ser belo... 3. Aadmiragao e 0 tempo .. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. INTRODUCAO A DIFERENCA ONTOLOGICA aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. A DIFERE DNTOLOK O homem contemporaneo, fascinado pela ciéncia, € esmagado por ela. A ciéncia, por mais eficiente que seja, uniformiza 0 nosso universo e produz uma cultura mundial em que muitos nao se reconhecem. Os su- cessos técnicos entusiasmam a0 mesmo tempo em que atordoam e inquie- tam. Precisamos ficar livres de nossa fascinagao priméria pela ciéncia. Esta ignora o principio ontoldgico, o ser que une diversificando, Ela reduz a diversidade dos entes materiais a unidade dos principios formais. O espi- rito humano exige mais que a ciéncia para compreender-se no Amago do mundo, No inicio de nosso século, Bergson fez um chamado as nossas culturas empiristas para que houvesse um “suplemento de alma”; 0 mes- mo fez Husserl em suas conferéncias sobre A crise do espirito europeu’. Ao tematizar a diferenca entre o ser eo ente, Heidegger também previne contra os excessos das ciéncias e das técnicas. Essas preocupacoes também foram as do existencialismo, que se irradiou por volta dos anos cingiienta e que certamente influenciou Heidegger, sem contudo constituir a espinha dor- sal de seu empreendimento. Pode-se pensar que a problematica da dife- renga ontolégica remete a uma meditacao que procura libertar a existén- cia do poder da ciéncia sobre os entes. Ora, essas inquietagdes contemporaneas inegavelmente estimula- ram uma nova atengao pelos grandes textos antigos, os de Santo Tomés sobre 0 esse € 0 ens, por exemplo’. A confrontagao entre 0 Aquinate € Heidegger* certamente sera rica em ensinamentos para aprofundar nos- sa reflexao sobre a “diferenga ontologica’. 1. A existéncia e a esséncia Heidegger nao foi entendido universalmente, longe disso. Os fi- lésofos de viés positivista lhe fizeram ouvidos moucos. Carnap escre- veu paginas precisas e duras, mas sem outro alento que o formal, con- tra as formulas alambicadas de sua conferéncia intitulada O que é a 6. HUSSERL, E. “Die Krisis’ 7.“A diferenga ontol6gica [...] em seu alcance sistematico nao se afasta essencial- mente da distinctio realis tomista” (BALTHASAR, H. U. von Les Héritages, 379). 8. Ver uma espécie de estado da questao em DARDIGUES, A. “Saint Thomas @Aquin et Heidegger”. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. A DIFERENCA ONTOLOGICA @ 19 também é um ato, aquele que faz ser, aceita, sem duvida por homonimia ou confusao, alguns tragos desse ato formal. A forma torna possivel a presenga do ente a inteligéncia. A esséncia, que une a forma e a matéria, éem ato para a inteligéncia, 0 ato do que é compreendido, Para Santo Tomis, assim como para os gregos, a matéria € uma poténcia indeter- minada que a forma determina em favor de nosso conhecimento. A forma permite ao intelecto apreender a matéria em si indefinida e imprecisa. Ela é um ato para 0 intelecto. Mas nao se pode confundir 0 ato de ser tomista com essa forma grega. O ato de ser tomista unifica 0 ente mais radicalmente que por sua presenca inteligivel. A forma unifica o ente situando-o em uma classe de outros entes no conjunto do mundo. Ora, “ser” nao constitui uma classe de entes. Um ente que nao é nao é sequer um ente. O ato de ser acentua, portanto, o poder determinante da forma: o ente, por seu ato de ser, esta na origem de si. Segundo Caputo, a forma desem- penha no Aquinate um papel de precisao mais que de universalizacao: “A forma [...] serve apenas para apertar e restringir a infinidade do ente como tal”””. Entretanto, nao se pode negar que, para o Aquinate, a inteligéncia tem necessidade do poder universalizador da causa for- mal. O ente determinado toma o seu lugar no mundo sendo ligado a outros entes semelhantes a ele. Quando eu digo que “Pedro é gentil”, eu 0 situo na classe de todas as coisas “gentis”, eu o universalizo, em- bora eu também 0 separe de todo o resto particularizando-o. A forma sem divida particulariza, mas ela sobretudo universaliza, Em com- pensacao, o ente enquanto é, usufrui de uma unicidade irredutivel; ele é porque ele é em seu ato de ser proprio e diferente dos atos de ser de todos os outros entes. Para Santo Tomas, 0 verdadeiro principio de individuagao nao é a matéria e sim 0 ato de ser’'. O ato de ser, gracas ao qual o conhecimento da esséncia determinada nao é um sonho vao ou uma pura representagao, singulariza radicalmente; ele exclui toda universalizacao ao modo generalizante da forma inteligivel. A forma vale de modo homogéneo para todas as matérias que estao de acordo 20. CAPUTO, J. D. “Heidegger's Dif-ference”, p. 165. 21. Cf. Tomas de AQUINO, De potentia, 7, 2, ad 9; Id., De anima, |, resp. e ad 2. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. A\ DIFERENCA Of LOGICA = 23 entre todos os entes, 0 resultado da diferenga ja exercido, o apagamento de sua origem absoluta. Nem tampouco ao se apresentar como 0 objeto de uma pesquisa sobre suas figuras historias, como se se pudesse encadear suas aparéncias no tempo e voltar na histria rumo ao ato de ser primei- ro, anterior a tudo “o que €” € condicao de todo ente finito. Trata-se antes de fundar 0 pensamento “em um impensado de onde [ela] recebe o lugar de sua esséncia”’', Para deixar emergir 0 impensado antes inte- rior que anterior a todo pensamento, diz Heidegger, devemos dar um passo para tras. Esse passo parece nos precipitar para fora do mundo, longe de todo ente, em um abismo vazio. Entretanto, nao precisamos temer a vertigem, a menos que quiséssemos absolutamente “nos repre- sentar [esse] salto”*’, Na verdade, 0 abismo ocultado pelos entes nao é vazio, embora nao contenha mais nenhum ente; sem entes, ele sai do campo de nossas representagOes. Para aqueles que se baseiam somente nos entes, a auséncia de entes é insuportavel e causa medo. Mas 0 pen- samento pode enfrentar esse atordoamento, reconhecer que nele ele “re- cua diante do objetivo que é 0 seu, o ser”, que ele oculta nele 0 seu bem. O que ele torna entao seu nao é uma nova série de doutrinas, de temas, de representac6es, e sim seu esquecimento do ser, da diferenca. “O passo para tras vai do impensado, da diferenga como tal, rumo ao que € preciso pensar e que é 0 esquecimento da diferenca”™'. Esqueci- mento que sem duvida manifesta o panico da inteligéncia diante do que ela nao domina em suas representagoes e que provém sobretudo e antes de tudo do ser que fica velado ao se expor nos entes. A questao da diferenga se desdobra ao se desconstruir a historia da filosofia para discernir como ela foi dobrada, isto €, esquecida. Entretan- to, Heidegger nao pretende corrigir esse esquecimento mediante um novo esforco especulativo, nem anuli-lo por meio de estudos precisos sobre a hist6ria da filosofia®’. Ele quer antes mostrar a sua necessidade”. O 31. Ibid., p. 283. 32. Ibid., p. 266. 33. Ibid., pp. 284-285. 34, Ibid. p. 285. 35. Cf, CAPUTO, J. D. “Demythologizing Heidegger”. 36. Cf. APEL, K. O. “Constitution du sens” aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ERENCA ONTO. SICA 7 mente. Dizemos isso ao julgar o ente, ao consentir ao que enunciamos, ao deixd-lo inscrever-se em nossas afirmagoes desde a altura de sua di- ferenca. “Existir significa efetuar essa diferenca””, isto é, exercer 0 ser que se inscreve em tudo para que tudo seja ¢ aja. Ser e tempo insiste na pré-compreensao antropoldgica do ser: todo projeto humano e toda compreensao, sobretudo de si, sao antecipados por seu término, por seu horizonte, do qual eles recebem seu impulso, pelo ser “daquilo que €” e que faz ser ao dar-se. Em seus Conceitos fundamentais, Heidegger enfa- tiza o apriorismo mais absoluto do ser enumerando em cascata as im- plicagdes da compreensao do Dasein: “Com-preender significa [...] ‘ser compreendido’ no ser pelo ser. [Com efeito,] com-preender significa a cada vez uma mutagao da humanidade a partir de sua relagao essencial com 0 ser, mas antes disso a disponibilidade a essa muta¢ao, mas antes a preparagao dessa disponibilidade, mas antes ainda a atencao a essa preparacao, e antes a incitacao para tal preparacao, e antes um primeiro recolhimento no ser”**, Percebe-se como a diferenciacao e 0 apagamen- to do ser (Austrag) estao na origem de todas as diferencas, e em primeiro lugar 6nticas e conceituais. Mas a Austrag nao pode ser entendida senao praticando-a, deixando-se o ser dizer-se a si mesmo no amago de seu esquecimento, esquecendo-o. Com efeito, “a diferenca ontolégica nao funda; ela nao constitui rigorosamente nada; ela faz ser de uma maneira totalmente particular: ela deixa 0 proprio ser se dar como abertura possivel”®’. A meditacao sobre a diferenca nao visa, pois, a sua tema- tizacao, mas sim 4 abertura do espirito ao ser que se revela em seu es- quecimento, a revelacao do ser como esquecimento, A diferenca heideggeriana entre 0 ser e 0 ente nao corresponde perfeitamente a distincdo tomista entre a existéncia e a esséncia, que tematiza um principio de existéncia interiormente ao ente oferecido a nossa experiéncia intelectual. Pode-se perguntar, contudo, se a reflexao do filésofo de Friburgo nao poderia renovar o sentido que os tomistas atribuiram ao existir, situar a substancia concreta em um horizonte que 47. GREISCH, J. La parole heureuse, p. 87. 48. Gesamtausgabe, t. 51, p. 93 — trad. de J. Greisch, La parole heureuse, p. 122. 49, ESPOSITO, C. Heidegger. Storia e fenomenologia del possibile, p. 51. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. PRIMEIRA PARTE A ANALOGIA, SER DA LINGUAGEM aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. AcENCAEO TEMPO wm 35 hoje por nossos comerciantes é real, mas superficial. Nao nos espante- mos se, hoje, em uma ordem tao dependente do comércio, nossa infor- magao cobre tudo, mas nao penetra em nada, se ela é tao vasta quanto impotente diante dos dramas humanos que vemos a cada dia em nossas telas de televisao. O adagio da légica antiga, segundo o qual “a profun- didade ou a compreensao de um conceito é inversamente proporcional a sua extensao ou ao numero de individuos aos quais ele convém’, tam- bém vale para as nossas viagens e informacoes. A ciéncia, que promoveu 0 mundo neutro e monetario que conhe- cemos hoje, produz tanto inquietacao como entusiasmo. Tendo provo- cado, por volta dos séculos XVI e XVII, a neutralizacao de nossa morada terrestre, ela adquiriu um poder enorme. Impessoal, ela pode manipular tudo ¢ destruir-nos. Sabemos, contudo, que somos os responsaveis por ela. A explosao da bomba atomica 600 metros acima de Hiroshima, no dia 6 de agosto de 1945, embora tenha permitido o fim de uma guerra atroz, nos impés questdes inéditas. Nossos dias conhecem inquietudes ignoradas por nossos ancestrais: somos ultrapassados pelo poder daqui- lo que inventamos, ¢ nao sabemos como reagir’. O cientista atual se parece, mas quando visto de longe, com o demiurgo platénico’. Como este tiltimo, ele molda a matéria do mundo imitando idéias. Entretanto, suas idéias, ele nao as entende como Platao, como indicagoes do Eterno que ele deve primeiramente contemplar, ¢ sim como seqiiéncias de opera¢des que guiam seu trabalho e suas técni- cas rumo a um futuro previsto e predeterminado. Certamente estamos acostumados a pensar que a ciéncia libertard 0 futuro de nossos limites presentes. Mas nao faltam exemplos que negam essa opiniao: a previsao cientifica imp6e ao futuro ser conforme ao que queremos que ele seja a partir de nosso presente. Dai uma afirmacdo que parecera paradoxal a nossa mentalidade superficial: a ciéncia ignora o real. Vejamos a biologia humana, uma das ciéncias mais brilhantes e inquietantes de nossa época. O homem de hoje se imagina capaz de programar seu futuro administrando cientificamente a producao da- 2. JONAS, Cf. H. “The Scientific and Technological Revolution”. 3. PLATAO, Timeu, 28a-c, 41a-42e.

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