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COLECGAO PERSPECTIVAS ACTUAIS/EDUCACAO Volumes publcodos IURREAGAQE tes MENTO CIRICUAENA ESCO Ragone ygiesos rr E even CAO CANA ranted leet) ee con ‘ EBD om se meee Favs 2Q8CIO COLCA AMCAGEDOS SEAS 0 ERICACHO ~Cone Goo Cala do atch Sion deecase: tae NANA ONIN CES AVMACHO DAS COUS ISERDEEOIOI ee tthe At © UCINCUM Aloe Seb nnumuncs nous RIO saree ETO ADUCACEO- naa poke duc OA ans RS Borges cones c100C05ECUTUA HAR ENTICHO DOCU ‘DOC COMO MOFESIO- Cas lon ilo pel ISTN0 MLO ERE Somdm eae AO EiofEU COM EEE HEA AS INGUS omnes OSHEREE geo emi tr IMR OAS COS: Comm Dac pease er “ ESRB RCAC, conc ANCA DK EBLEACKO Teoria da educagao Concep¢ao antinédmica da educagao José Maria Quintana Cabanas Lessa a Beira Iteor finpservbip ub Numero: 40205, ogee saga coleogao perspectivas actuais | educs 12. A educac&o como jogo de antinomias No final do capftulo 3, concebfamos a educagao como uma realidade proble. matica, no sentido de que oferecia uma natureza antinémica, Isto €, a educacig nao é um facto notmalizavel do modo harménico, absoluto e evidente (‘cientf. co”, poderiamos dizer} que muitos imaginam, mas, pelo contrério, comporta uma contradigo interna de principios que a convertem num programa de accdo nao muito bem definido, assente na ddvida e com um leque de objectivos que se tor. nnam incompativeis uns com os outros. Essa é a realidade da estrutura antinémica da educagio. © que devemos fazer agora é descrever esta tiltima, mostrando as diversas antinomias que se entreviram na actividade educativa e o cardcter polidémico que conferem & educagéo. [4 0 fizemos com duas antinomias, a saber. a de se devernos educar sendo "permissivos" ou, pelo contrétio, “restritivos e coercivos” no que toca a natureza do educando (e a ela dedicamos os capftulos 4 a 10) ea de se a eeducagio se hé-de fazer sob o signo da autoridade ou da liberdade (capitulo 11). ‘Mas a educagao encerra mais antinomias do que estas: dai falarmos de uma “con- cepgao antinémica da educagao”. Chegou o momento de demonstré-lo; e esse é 0 objecto do presente capitulo. Para isso aplicaremos & concepao da educacéo a metodologia dialética, vendo como se lhe adequa perfeitamente. Alguns fildsofos tentaram interpreta, segundo o esquema antinémico, toda a realidade existente. A sua tentativa é bas- tante problemética e fica como mais um dos modelos cosmovisionais; mas no ue respeita& funcionalidade da explicagdo antindmica dessa parcela da realide de chamada educagao, é algo que se acha fora de diivida: acreditamos que a con- cepgao antinémica é essencial a ideia de educacdo, pois mostra o que mais a caracteriza. as alterativas e as inquietagdes de actuacao que se colocam a quem consciente do que se propée fazer quando vai educar. Partiremos de uma visdo da dialéctica como modo de pensar ou explicar a realidade e os seus diversos Ambitos. Logo veremos como a teoria da educagio se resume na colocacéo de uma série de situagées dialécticas, pelo que se regista uma longa sequéncia de antinomias entre os seus principios; e, como fruto disso, poderemos formular uma teoria antinémica da educacao. A visdo dialéctica da realidade Segundo Hegel, “o método nao é outra coisa sendo a estrutura do todo exposto na sua pura essencialidade™’, Em Filosofia propuseram-se dois grandes (Uy egel @ WF apnoea de op Auber, Pats 194, 1 pl 222 ecto cove oro AMMA modelos ou métodos de interpretacéo explicativa do existente no mundo: a ana- fogia € a dialéctica, Os dois so coerentes em si mesmos e satisfatérios no seu resultado; mas s0 muito diferentes, adequando-se melhor um e outro a aspectos distintos da realidade (pois nenhum dos dois responde perfeita e definitivamente ‘oque percebemos da realidade), (0 método anal6gico € estatico, enquanto que o dialéctico € dindmico. O pri- meiro, formulado por Arist6teles e a sua longa escola de seguidores, vé a realida-~ de como plural e escalonada: os diversos entes ordenam-se segundo graus de per- feigdo inerente a eles, em relacao com as categorias Gnticas que possuem e com o tipo de principio Onticos a que respondem. Com esses elementos cabe construir toda uma teoria da educago, na qual esta altima aparece, por exemplo, como uma qualidade (ou “acidente”) da pessoa, que tem por causa eficiente o educando por causa exemplar os valores; educar-se & um passar da possibilidade ao acto, bd diversos tipos de educagao, etc. (© método dialéctico, que permite pensar o movimento e realizar a sintese dos contrétios, parte de outros pressupostos, vai por outras vias e considera as coisas segundo um novo paradigma. O mundo nao aparece estratificado em ambi- tos e dividido em parcelas (como sucede na visao analégica do mesmo, que des- cobre umas “analogias” entre esses varios elementos), mas sim como um proces- so que a partir da desordem tende para a ordem, impulsionado por uma lei interna de solugéo de conllitos que, & medida que os supera, faz passar as coisas de uma situacao originéria cadtica para um estado final de unidade. Os dois modelos, tanto 0 analégico como o dialéctico, fazem 0 mesmo, a saber: dar uma explicagao do fendmeno da existéncia e das suas duas caracteristi- ‘cas mais evidentes, a pluralidade e a unidade, desagregando e dissolvendo uma na outa (© método dialéctico € cléssico. Platdo [4 o utilizou. Kant aproxima-se do mesmo, na questo das antinomias da razdo pura. Por certo que ele introduz 0 termo “antinomia” na sua acepgdo actual, pois amplia a sua significagéo etimolé- gica (de “conflito entre leis") para denotar o conflito que a razdo vé colocar-se como efeito dos seus prdprios procedimentos, Kant formulou quatro antinomias no campo da cosmologia racional, analisando a ideia de mundo; em cada uma se chega a proposigées contradit6rias inevitaveis e insuperdvels: tanto a tese como a antitese de cada uma destas antinomias é demonstrdvel com argumentos contun- dentes, sendo por isso impossfvel decidir entre uma e outra, de modo que o con- flito permanece sempre colocado. Esta concepgao kantiana das antinomias pode ajudar-nos muito a entender e a formular as antinomias pedag6gicas. Mas mais nos ajudard Hegel, o grande mestre do método dialéctico, que sublinha 0 carécter dinamico das antinomias € a sua categoria de estrutura da realidade: para Hegel a realidade néo s6 suporta antinomias como também ela prépria 6 uma antinomia. Todo o existente € um 223 eo nO coNCEN FO NEMEWCA BREDA feixe de contradigdes intemas que geram tensbes: Hegel acrescenta que essas tenses se resumem numa energia que provoca uma exploséo 6ntica criativa que ilumina uma categoria superior de ser. Mas neste titimo - que dé lugar a metatis- ca hegeliana e & sua concepeao da tealidade ~ j4 nao é preciso que o sigamos podemos contentar-nos com a sua proposta antinémica da realidade, e, pelo que diz respelto a educago, procurar a saida com outra férmula. Essa proposta pode ser vista no seguinte texto, no qual Hegel contrapée, ao “modo comum de pensar” (ou concepeao analégica, que € a tradicional), baseado na distinggo de principios, a sua concepeao dialéctica, que vé esses princpios confrontados entre si e 0 que “constitui a vida do todo’, isto €, a esséncia de uma realidade animada de um alento interno progressivo. Eis 0 texto: “A determi- nacdo da relagdo que uma obra de filosofia acredita ter com outras tentativas sobre o mesmo tema introduz um outro interesse e obscurece aquilo de que depende 0 conhecimento da verdade. Quanto mais rigidamente o modo comum de pensar concebe a oposigo miitua do verdadeito e do falso, tanto mais se acos- tuma a esperar, ao tomar posi¢do relativamente a um dado sistema filostico, — ‘quer uma concordéncia, quer uma contradicao -, e nisto sabe ver somente um ou outro, Este modo comum de pensar néo concebe a diversidade de sistemas filosé- ficos como o desenvolvimento progressivo da verdade; bem pelo contrério, vé uni- camente a contradigao nessa diversidade. A cépsula desaparece na floragio e poderia dizer-se que a cépsula cai rejeitada pela flor; e, de igual modo, ao apare- cer o fruto,a flor € denunciada como um falso ser da planta eo fruto introdua-se no lugar da flor como a sua prépria verdade, Estas formas ndo s4o somente distin- tas, mas cada uma delas afasta a outra, porque s&0 incompativeis entre si. Mas a0 mesmo tempo a sua natuteza fluida faz delas "momentos" da unidade orgdnica, na qual elas nao s6 se repelem, como também uma resulta t8o necesséria como a outra e esta mesma necessidade constitul a vida do todo.” (La Phénomenoloie dees prit, obra citada,t. 1, p.6) O grande problema da realidade € 0 de que ela possui contradigGes intemas (ainda que parega que isso va contra o principio I6gico fundamental da contradi- Go, jd que pelos vistos, hé algo que ao mesmo tempo é e ndo €, 6 um e 0 outro} Com isto a realidade aparece como estranha (como ininteligivel), mas é assim a realidade, Por isso a filosofia procurou sempre dar uma explicacao para este facto. No pensamento oriental antigo falou-se de dois principios antagdnicos das coisas: © yin © 0 yan. O persa Zotoastro distinguiu também um principio do bem e um princfpio do mal que personificou em Ormue e Ariman; do mesmo modo Manes € 0 maniquefsmo distinguiam 0 reino da luz do teino das trevas estabelecendo, assim, uma doutrina dualista, No século XV Nicolau de Cusa deu um passo mais, procu- rando uma media¢ao entre os dois principios; afirma que, primeiramente, todas as coisas se achem integradas em Deus, realidade origindria, mas que logo se desin- tegram no mundo em diversidade e multiplicidade, numa relacio de distingao € 204 Aemeelocoo eco or mma oposico; e assim como s6 no miltiplo se manifestam os contrérios, no infinito vido @ coincidir o que vemos que acontece num polfgono inscrito numa circunfe- rencia (que, sendo distinto dela, a0 multiplicar-se indefinidamente o némero dos seus lados acaba por confundir-se com ela) é 0 que acontece com tudo, de tal modo que no infinito se realiza a cincidentia oppositorum, Entre essas situagGes inicial e final de harmonia e repouso dé-se a situacao mundana da distingao e da contradicao. E é ela que nos liga a nés préprios. Assim, pois, entre dois princfpios que so ao mesmo tempo simulténeos € opos- tos, vemos surgir uma tensdo a que chamamos antinomia, Podemos distinguir quatro classes de ahtinomias: 1° — antinomias légicas, que pressupdem uma con- tradigfo entre duas ideias do pensamento: é 0 caso de imaginarmos um citculo quadrado ou simplesmente essas figuras ret6ricas a que chamamos paradoxos; hd antinomias I6gicas famosas, como a do mentitoso recordada por Cicero, ou 0 paradoxo de B, Russell (1902); 2°— antinomiasfiloséfcas, como por exemplo as kan- tianas, segundo as quais 0 mundo é ao mesmo tempo ilimitado e limitado, sim- ples e composto, no qual hé determinismo e ha liberdade, tenha ou ndo tenha ‘como causa um ser necessério; 3° —antinomias reais so as que existe nos factos da nossa experiéncia quotidiana e em situacdes objectivas como é o caso do bem individual e do bem do grupo, que podem ser antagénicos, ou a necessidade de o individuo se adaptar & sociedade sem deixar de ser aut6nomo, ou o facto da edu- cacio ser produzida pelo proprio educando e, ao mesmo tempo, por um agente esterno (0 educador); 4° - antinomias pedagéaicas: a Gltima antinomia referida é pedagégica e como ela ha muitas, de acordo com o que veremos mais adiante; por agora s6 queremos clarificar que essas antinomias pedagdgicas s40 “reais”. Como disse O. Reboul, antinomia “nao significa simplesmente contradicao, mas também oposicao de duas leis, quer dizer, de duas regras, cada uma das uais pode reivindicar com justica a nossa adesdo. Desconhecer uma destas duas regras opostas serd uma violéncia arbitréria do espftito, um dogmatismo”. "Diz-se que a vida se encarrega de resolver as antinomias; mas fé-lo pelo caminho do compromisso, da confusdo. (..) A Filosofia, a menos que abdique de todo 0 pen- samento, nao pode limitar-se a ser s6 vida. Quer ver claro nela. Supetar a antino- inia consiste em descobrit um ponto de vista superior que integre as duas teses opostas; que as integre ou as separe, mas fazendo justiga a ambas"™, As antinomias da educacao ‘A concepcio antinémica ou dialéctica da realidade rompe com todos os esque- mas I6gicos (que sao de per si estdticos, exclusores, no sentido de que estabelecem (2) REBOUL, lve Tamiemara st anna aie? Narea, Madi, 1972 pp 135 ses 225 Tom DA BUC AO -CENCEREAO ANNEMARIE distingdes, rigidas, permanentes), Aquilo que tem uma natureza antinémica oy dialéctica € algo que nao se entende, ndo se compreende, ndo se pode explicar pelo contrétio, algo que se vive, se experimenta, se assinala. Sobre o antinomica 0 dialéctico néo haveria que pensar, nem falar, nem escrever: s6 se deveria obser vvéclo € admiré-lo, senti-lo e segui-lo, Mas a nossa razéo humana tem um forte imperativo: quer entendé-lo e exp cérlo. Por isso, cedendo a este instinto, temos também reduzido a dialéctica 4 ‘esquemas ldgicos que nos permitam explicé-la Contrario A Meio-termo Contrario B AyTese ) Sintese 1B) Antitese © esquema mais simples e natural, neste caso, é o que se concretiza em trés termos: no pensamento tradicional, quando se falava de “oposigao de contrérios pensava-se num contrétio A (positiva) e no seu contrdrio B (negativo), entre o¢ quais cabia um meio-termo, No sistema de Hegel falava-se de tese, antitese e sin- tese, mas nao de “meio-tetmo”: este, concebido como um equilfrio, é inaceitével porque entdo no haveria “movimento”, que & a mola do sistema, sendo impres-

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