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Governador Valadares
2011
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Governador Valadares
2011
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Banca Examinadora:
______________________________________________
Prof. Fabriny Neves Guimarães - Orientador
Universidade Vale do Rio Doce
________________________________
Prof.
Universidade Vale do Rio Doce
________________________________
Prof.
Universidade Vale do Rio Doce
4
RESUMO
ABSTRACT
The police inquiry is the instrument used by the state in collecting evidence of authorship and
materiality of a criminal fact, aiming at the initiation of appropriate criminal action, through
their legitimated. Characterized as a procedure for administrative and inquisitive nature,
regulated by the Code of Criminal Procedure and other special laws. This procedure is
surrounded by controversies between jurist and society in general, since this institute the
investigation is deprived of certain rights and guarantees constitutionals . The present study
explores the police investigation about the application of the principles of the contradictory
and full defense, seeking demonstrate the possibilities of defense investigated, as well as the
possibility of intervention in the making of this instrument of verifying. Conclusive, we
analyzed the general aspects of the police inquiry as well as of those principles and the
possibility of appearing in the administrative proceeding.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................7
2 INQUÉRITO POLICIAL.........................................................................................................8
2.1 ORIGEM...............................................................................................................................8
2.2 CONCEITO..........................................................................................................................9
2.3 FINALIDADE....................................................................................................................11
2.4 SUJEITOS...........................................................................................................................15
2.5 CARACTERÍSTICAS........................................................................................................17
2.6 NATUREZA JURÍDICA....................................................................................................22
3 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO ..................................................................................26
3.1 DOUTRINA CONTRÁRIA À ADOÇÃO DO CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO...27
3.2 DOUTRINA FAVORÁVEL À ADOÇÃO DO CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO. .31
4 PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA .....................................................................................34
4.1 AUTODEFESA..................................................................................................................35
4.2 DEFESA TÉCNICA ..........................................................................................................36
4.3 DIFERENÇA ENTRE O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA
...................................................................................................................................................38
4.4 DOUTRINA CONTRÁRIA À ADOÇÃO DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO.....39
4.5 DOUTRINA FAVORÁVEL À ADOÇÃO DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO.....41
5 CONCLUSÃO.......................................................................................................................45
REFERÊNCIAS........................................................................................................................49
7
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo demonstrar o que a doutrina e a jurisprudência têm
entendido no que tange à aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla
defesa no inquérito policial, tendo em vista que há divergências, principalmente doutrinárias,
a respeito do tema.No primeiro capítulo, o objeto do estudo será a fase investigatória.
Procuraremos especificar o conceito, a finalidade, a origem, os sujeitos e as principais
características elencadas pela doutrina, para, depois, adentrar nos princípios do contraditório e
da ampla defesa.
Ao final de toda exposição, a conclusão abordará tudo o que foi discutido até então,
para, depois, opinarmos quanto à aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e
da ampla defesa no inquérito policial.
8
2 INQUÉRITO POLICIAL
2.1 ORIGEM
Apesar deste nome ter aparecido apenas com o decreto citado, deve-se observar que
suas características principais já se encontravam delineadas em lei anterior; a de n. 261, de
três de dezembro de 1841, a que, dispondo, num de seus capítulos, sobre a competência das
autoridades policiais, lhes atribuía o encargo de “remeter, quando julgarem conveniente, todos
os dados, provas e esclarecimentos, que houverem obtido sobre um delito, com exposição do
caso e de suas circunstâncias, aos juízes competentes, a fim de formarem a culpa”.
A lei nº. 261 de 1841 surgiu influenciada por um período de grandes acontecimentos
políticos. Como lembra Augusto Mondin:
Até os dias atuais, o Código de Processo Penal brasileiro, no título II, do livro I, dos
art.4º ao 23º, consagra praticamente todas as características e formas do inquérito policial,
sistematizado pelo Decreto Regulamentar nº. 4824, de 22 de novembro de 1871.
2.2 CONCEITO
Neste mesmo sentido entende Romeu de Almeida Salles Junior ao dizer que:
2
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 67.
3
SALLES JUNIOR, Romeu de Almeida. Inquérito policial e ação penal. Bauru: Jalovi, 1978, p. 21.
10
Como se pode observar, todos os autores acima citados conceituam o inquérito policial
como um instrumento destinado a apuração de infrações penais e suas respectivas autorias.
Além desta prerrogativa, vinculam o inquérito como uma peça meramente preparatória da
ação penal.
2.3 FINALIDADE
Entretanto, a norma penal não pode ter aplicação imediata, pois está vinculada e
delimitada pelos Princípios Constitucionais e pelos Princípios Processuais do Direito Penal.
Desta forma, o Estado apenas poderá aplicar uma sanção penal a um caso concreto se o
devido processo legal for respeitado. Em outras palavras, há a obrigatoriedade de que o agente
causador do fato típico seja previamente submetido a uma ação penal, para que,
posteriormente, se aplique a sanção legal.
É lícito afirmar, nos termos do §4º, do CPP do art.144 da Lei Maior, que às Polícias
Civis, dirigidas por Delegados de Polícia de carreira, incumbem, ressalvada a
competência da União, as funções de investigar as infrações penais e sua respectiva
autoria, bem como (e aqui teríamos a Polícia Judiciária) fornecer às Autoridades
Judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento do processo 10.
8
MIRABETTI, op. cit., p. 77.
9
CAPEZ, op. cit., p. 70.
10
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2002, p.
60.
11
Ibid., loc. cit.
13
Uma outra idéia a respeito da finalidade do inquérito policial tem surgido com
doutrinas mais recentes, abandonando aos poucos o entendimento de que este instrumento
serve apenas como uma peça meramente informativa ao Ministério Público. Infelizmente, a
maioria dos doutrinadores tem seguido este pensamento, dizendo que o procedimento
investigatório tem como objetivo colher elementos que possam ser utilizados pela acusação
para promover a ação penal.
Entretanto, autores, como André Rovégno e Marta Saad, tentam, em suas obras,
modificar este raciocínio. Para eles, o inquérito realizado pela polícia judiciária, enquanto
instrumento da justiça, serve ao juiz e também ao acusado que necessita saber sobre a
viabilidade ou não da ação penal que contra ele é proposta.
André Rovégno trata, em seu livro, de algumas hipóteses em que o inquérito policial
produz um conjunto de dados que não autorizam e, que por vezes, impedem a deflagração da
ação penal. São eles:
[...] demonstração de que o fato apurado foi alcançado pela prescrição; decadência
do direito de queixa; conclusão de que o fato apurado não se reveste de caráter
criminoso; causa de exclusão de antijuridicidade ou causa de extinção de
punibilidade; e ainda a hipótese em que o inquérito demonstra que o suspeito
inicialmente apontado não foi efetivamente o autor da conduta delitiva,
12
STJ- HC 6859 – Rel. Edson Vidigal – j. 18.11.97 – DJU 2.3.98, p123
13
TACRIM-SP-AP- Rel. Camargo Aranha-JUTACRIM-SP 27/486
14
SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.
152.
14
Como se pode observar, em todas estas situações, acima citadas, não haverá processo
e, nem por isso, o inquérito deixou de atingir sua finalidade. Para estes dois últimos autores, a
doutrina brasileira deve parar de relacionar o sucesso do procedimento investigatório com a
sua utilização nos fundamentos de acusação. Segundo eles, o inquérito policial atinge sua
finalidade, seja quando produz indícios que levem à instauração da ação penal, seja quando
não os produz. E isto ocorrerá, não porque o inquérito é um instrumento ineficiente, mas
porque se chegou à conclusão de que, nos termos de nosso ordenamento, não se justifica a
instauração da ação penal.
E, ainda:
Neste mesmo sentido, André Rovégno sustenta que a finalidade do inquérito policial
é:
propositura da ação penal e, possivelmente, uma condenação, mas, sim, reunir elementos que
valorados pelo juiz competente, possam esclarecer a verdade dos fatos, contribuindo assim, de
forma poderosa, para a aplicação da justiça.
2.4 SUJEITOS
No inquérito policial, não há que se falar em partes, pois não se trata de processo.
Como exposto anteriormente, o inquérito se resume em um conjunto de atos administrativos
no qual se torna impossível dizer que há autor e réu; estes sim podem ser chamados de partes
em uma ação; não em um procedimento investigatório.
Desta forma, pode-se dizer que, o inquérito policial é presidido por um delegado de
polícia de carreira, cuja atribuição é, como regra geral, determinada em razão do local de
consumação da infração (ratione loci). Nada impede, entretanto, que se proceda à distribuição
da competência em função da natureza da infração penal (ratione materiae), como ocorre em
16
Analisando o inquérito apenas como uma peça meramente preparatória da ação penal,
a doutrina e a jurisprudência têm ratificado que este instrumento tem como destinatário
imediato o titular da ação penal. Nos casos de ação penal pública, o titular do direito de ação
será o Ministério Público. Nas hipóteses de ação penal privada, o destinatário imediato será o
ofendido ou quem tenha a qualidade para representá-lo.
Portanto, não se pode esquecer que todo procedimento investigatório também terá um
destinatário mediato. A figura que preenche este papel no nosso ordenamento jurídico é o
juiz, pois o inquérito fornece subsídios para que ele receba a peça inicial e decida quanto à
necessidade de decretar medidas cautelares (prisão provisória, quebra sigilo telefônico, etc),
sendo que tais medidas tornam-no prevento na eventual ação penal.
19
CAPEZ, op. cit., p. 67.
17
autos.
2.5 CARACTERÍSTICAS
a) sigiloso: o Código de Processo Penal, em seu artigo 20, determina que “a autoridade
assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da
sociedade”.
Em relação ao advogado, não lhe pode ser negado o acesso às peças do inquérito nem
ser negado o direito à extração de cópias ou fazer apontamentos, sob pena de violação ao
direito de defesa técnica. (art. 7º. Do Estatuto da Advocacia - lei. 8906/64).
O órgão público que preside o inquérito policial está representado pela figura do
delegado de polícia. A ele é garantida a faculdade de deferir ou indeferir qualquer diligência
requisitada pelo investigado ou pelo ofendido, não estando sujeito à suspeição. O artigo 14 do
CPP diz que “o ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer
diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade”. Há, entretanto, na doutrina, a
compreensão de que o exame de corpo delito não pode ser negado pela autoridade quando
requisitado.
Isto quer dizer que, independente de qualquer espécie de provocação, o inquérito deve
ser instaurado pela autoridade quando estiver diante da notícia de uma infração penal. Até o
ano de 1994, antes do advento da Lei n. 8.862/94, cabia à autoridade policial julgar,
discricionariamente, a possibilidade e a conveniência de iniciar ou não o inquérito policial.
Atualmente, esta discricionariedade não deve mais existir.
Esta regra da oficiosidade será apenas observada nos casos de ação penal pública
incondicionada. Em casos de ação penal, condicionada à representação, e ação penal privada,
a autoridade policial não depende apenas de si para a instauração da atividade investigatória;
necessita de uma autorização. Neste sentido, o artigo 5º, §§ 4º e 5º regula que:
20
Ibid., p. 73.
19
Por fim, o artigo 46, §1º realça esta disposição ao dizer que “quando o Ministério
Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da
data em que tiver recebido as peças de informações ou a representação”.
O titular da ação penal pode abrir mão do inquérito policial, mas não pode eximir-se
de demonstrar a verossimilhança da acusação, ou seja, justa causa da imputação, sob
pena de ver rejeitada a peça inicial. Não se concebe a acusação de um mínimo de
elementos de convicção. 21
O inquérito policial, como procedimento inquisitorial que, pela sua própria essência,
é sigiloso, não poderá sofrer a interferência de qualquer interessado na pesquisa das
investigações. Sua incomunicabilidade é mantida, menos, porém em relação ao
advogado. O sigilo eventualmente imposto a ele, conquanto legítimo, não é causa
impediente de suas prerrogativas, consubstanciadas no art. 89, III e IV, da Lei
4.215/63. 22
22
TJMS -Rel. Álvaro Cury-j. 26.8.85-RT 603/302
22
O inquérito traz elementos que não apenas informam, mas de fato instruem,
convencem, tais como as declarações de vítimas, os depoimentos de testemunhas, as
declarações dos acusados, a acareação, o reconhecimento, o conteúdo de
determinados documentos juntados aos autos, as perícias, a identificação
datiloscopia, o estudo da vida pregressa, a reconstituição do crime 24.
Como se pode notar, não há unanimidade quando se fala em inquérito policial como
um instrumento meramente informativo ao titular da ação penal, embora grande parte da
doutrina e os nossos tribunais adotam este tipo de entendimento.
É importante lembrar que o exame de corpo de delito é uma exceção à esta regra do
artigo 14º, pois o artigo 184, do CPP, reza que a autoridade policial e o juiz podem negar
qualquer diligência quando não for necessária ao esclarecimento da verdade, salvo o exame
de corpo de delito.
Fernando Capez, em sua obra, defende a tese de que os artigos 14º e 107º do Código
de Processo Penal, citados anteriormente, sustentam o caráter discricionário da autoridade
policial e como conseqüência a natureza inquisitiva do inquérito, ao que ensina:
Vale ressaltar que discricionariedade não se confunde com arbitrariedade, ou seja, não
é conferida à autoridade policial agir por seus impulsos sem que respeite os limites da lei.
Neste sentido, Fernando de Almeida Pedroso, ao citar Mario Mazagão traz que:
um tema que traz divergência no nosso ordenamento jurídico, sob a ótica da aplicabilidade ou
não destes princípios na fase investigatória.
26
3 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Este princípio decorre do brocardo romano audiatur et altera pars, o qual diz que a
parte contrária deve ser ouvida, garantindo-lhe a possibilidade de praticar todos os atos que
visam influenciar no convencimento do magistrado. É por esta característica, que a doutrina
identifica o princípio do contraditório pelo binômio ciência e participação.
O contraditório pressupõe partes antagônicas, que têm como objetivo formar o livre
convencimento do julgador imparcial, através de suas interpretações, opiniões e versões em
28
ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios Fundamentais do Processo Penal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1973, p. 82.
27
cada caso. Desta forma, deve-se garantir às partes, o direito de se contradizerem, para que o
juiz, após analisar todos os fatos e provas colhidas no processo, solucione o conflito da
melhor maneira possível.
Em primeiro lugar, pode-se dizer que o fundamento para o não cabimento deste
princípio na fase investigatória está no próprio texto constitucional. Como se sabe, o art. 5º,
inciso LV da Constituição Federal, assegura o contraditório em processo judicial ou
29
ROVÉGNO, op. cit., p. 249
28
Marta Saad, ao citar o mesmo autor a cima aduz que “assim, não se mostra apropriado
falar em contraditório no curso do inquérito policial, seja porque, na opinião de alguns, sequer
há procedimento, […] 32.
Vale dizer, ainda, que o acusado referido pela Magna Carta, não engloba a figura do
investigado do inquérito policial. Para os estudiosos, não se pode dar uma interpretação
extensiva da figura do acusado descrita pelo art. 5º, inciso LV.
34
PEDROSO, op. cit., p. 59.
30
O contraditório implica uma série de poderes que não se encontram, nem podem ser
encontrados, no inquérito policial: formular reperguntas ás testemunhas, argüir a
suspeição da Autoridade Policial, ter o direito de requerer diligências que lhe
interessem, não podendo sua realização ser mera faculdade da Autoridade Policial,
recorrer dos atos da Autoridade Policial. 35
Para Fernando de Almeida Pedroso, a natureza inquisitiva deve ser mantida para que o
inquérito consiga atingir sua finalidade, ou seja, buscar desvendar o fato criminoso e sua
autoria. O autor diz que:
O caráter inquisitivo do inquérito deve ser preservado, para que dessa sua natureza
decorra, como consectário lógico e sempre que necessário à elucidação do fato ou à
conveniência da sociedade, o sigilo das investigações 36.
Ao aceitar esta idéia de postergar o contraditório apenas para a ação penal, pode-se dar
a entender que o Código de Processo Penal e a Constituição Federal não estão sendo
respeitados. Para quem desconhece este instituto processual, o contraditório deferido aparenta
ser um ato juridicamente incorreto.
35
TOURINHO FILHO, op. cit., p. 64.
36
PEDROSO, op. cit., p. 59.
31
No entanto, não há qualquer previsão legal exigindo que o contraditório seja prévio ou
concomitante ao ato realizado. Desta forma, não há de se negar que esta modalidade de
contraditório deve ser aceita, e como conseqüência disso, o princípio perde a razão de ser
adotado no inquérito policial.
Um exemplo de contraditório deferido, citado pela doutrina, ocorre quando uma prova
pericial é realizada no curso das investigações do inquérito policial e, posteriormente, poderá,
em juízo, ser impugnada ou, se estiver errada, refeita.
Vale salientar, mais uma vez, que a doutrina majoritária não aceita a aplicação deste
princípio.
Rogério Lauria Tucci, em sua obra Direito e Garantias Individuais no Processo Penal,
cita este primeiro fundamento ao dizer que:
Como se pode perceber, os dois últimos doutrinadores citados, dão uma interpretação
totalmente diferente do inciso LV do art. 5º da Constituição Federal em relação aos demais
doutrinadores. Enquanto estes interpretam a expressão “acusados em geral” restritivamente,
aqueles ampliam para o indivíduo suspeito ou indiciado a qualidade de acusado, descrita pelo
referido inciso. Desta forma, o suspeito passaria de mero objeto de investigação para um
sujeito de direitos, ou seja, ser-lhe-ia garantido o contraditório no inquérito policial.
O outro fundamento, apresentado pelos seguidores desta tese, também, está ligado à
interpretação do inciso LV do art. 5º. Este inciso garante o princípio do contraditório para
37
TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. São Paulo:
tese para o concurso de professor titular de direito processual penal da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, 1993, p. 27.
38
BARBOSA, Marcelo Fontes. Garantias constitucionais de direito penal e de processo penal na
constituição de 1988. São Paulo: dissertação de mestrado da Universidade Presbiteriana Mackenzie,
1993, p. 146.
33
André Rovégno, ao citar Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz, trata a questão da
confusão terminológica do art. 5º, inciso LV ao dizer que:
Para aqueles que entendem que o inquérito policial é um procedimento, e como para
alguns, a Constituição Federal mencionou “processo administrativo” de uma forma genérica,
aceitando-se então, a interpretação como se “procedimento” fosse, nada mais natural e lógico,
que o princípio do contraditório seja efetivamente aplicado no curso das investigações.
39
ROVÉGNO, op. cit., p. 303.
34
Ampla defesa pode ser entendida como uma garantia processual destinada a todas as
pessoas que, por algum motivo, são sujeitos passivos em uma relação; relação esta que, não
necessariamente, necessita ser um processo. Este princípio é exclusivo ao indivíduo que, por
alguma razão, se encontre em uma situação desfavorável , diferentemente, do princípio do
contraditório, no qual é garantido para ambas as partes.
Ampla defesa pode, portanto, ter lugar nos mais variados momentos e sob os mais
variados títulos; – em expedientes jurídicos que não sejam caracterizados como
processo judicial ou administrativo, mas onde se denote qualquer risco ou iminência
de surgimento de um quadro desfavorável em um indivíduo, pode aí ter lugar a
defesa ampla 40.
Em complemento à definição de ampla defesa, pode-se dizer, ainda, que este é o meio,
pelo qual se dá ao imputado, de trazer todos os elementos possíveis e legais ao processo, a fim
de que se esclareça a verdade dos fatos. Tudo o que for admitido em direito poderá ser trazido
ao processo, seja para esclarecer a verdade, seja para inocentar o acusado.
40
Ibid., p. 278.
35
Entre diversas maneiras de atuação elencadas no parágrafo anterior, vale ressaltar que
algumas delas são descritas pela doutrina, como formas de atuação do princípio do
contraditório e não da ampla defesa.
Após analisar algumas formas de atuação do direito de defesa, cabe agora, descrever
as duas espécies deste princípio: autodefesa e defesa técnica.
4.1 AUTODEFESA
A autodefesa é um direito do individuo, que não pode ser suprimida pelo magistrado,
porém ela é renunciável, ou seja, o acusado pode dispensar as garantias fornecidas por esta
espécie de ampla defesa.
anterior.
O princípio da ampla defesa, também tem como espécie, além da já citada autodefesa,
a defesa profissional ou defesa técnica, como é mais conhecida.
Não é juridicamente correto a acusação ser representada por quem detém habilidade
técnica (em ação penal pública, o promotor é quem possui esta habilidade; na ação penal
privada é o advogado) e a defesa não ter nenhum representante técnico. Como salienta André
Rovégno, “é por esse motivo que, se o acusado resiste a constituir advogado, deve o juiz
nomear-lhe um, que ficará responsável por sua defesa [...]” 43.
Além de indisponível, a defesa técnica deve ser plena. Esta característica nos revela
que a defesa, realizada por profissional habilitado, deve ocorrer durante toda a ação. O
acusado não pode ficar desprovido desta modalidade de defesa. Caso o indivíduo não tenha ou
não possua condições de pagar um defensor, deve o juiz, obrigatoriamente, nomear um dativo
para suprir esta falta. É muito importante que se tenha a presença de advogado no curso da
ação penal.
Antônio Scarance Fernandes traz essa idéia de atividade efetiva do advogado quando
leciona:
43
ROVÉGNO, op. cit., p. 272.
37
Após discorrermos sob as duas espécies de ampla defesa, é possível concluir que para
se garantir uma defesa efetiva e satisfatória ao acusado, a autodefesa e a defesa técnica devem
percorrer, conjuntamente, o desenrolar da ação penal.
O acusado tem o conhecimento dos fatos, porém não saberá utilizá-los da melhor
forma possível. Desconhece o momento, a forma e as possibilidades de discorrer sobre tais
fatos, de uma maneira que possa influenciar a decisão do magistrado em seu favor.
Desta forma, outro entendimento não há, pois para que o direito de defesa seja,
realmente, aplicado, a autodefesa e a defesa técnica devem se complementar.
Com este raciocínio, André Rovégno cita o autor Antônio Magalhães Gomes Filho,
que entende “as duas facetas do direito de defesa são complementares e somente a sua
coexistência em todo o desenrolar do processo é capaz de assegurar a efetividade da
participação em contraditório”. 45
44
FERNANDES, op. cit., p. 273.
45
ROVÉGNO, op. cit., p. 271.
38
Autores como Cândido Rangel Dinamarco e Ada Pellegrini Grinover, não procuram
diferenciar o contraditório da ampla defesa. Entendem que a ampla defesa é um elemento do
contraditório, isto é, este princípio abrange aquele, e, em determinados momentos, eles se
complementam.
Entretanto, contra este raciocínio, a doutrina majoritária tem defendido a noção de que
a ampla defesa é um princípio mais abrangente, sendo o contraditório um instrumento de
atuação daquele.
Defensor desta tese, Marcelo Fortes Barbosa, citado por André Rovégno, diz que
“enxerga na ampla defesa o princípio maior, absoluto e superposto ao contraditório” 46.
Como se pode observar, a doutrina de uma maneira geral, não faz uma diferenciação
entre os dois princípios. O que se discute é a questão da abrangência ou não de um princípio
sobre o outro.
André Rovégno, citando Gil Ferreira, conclui que “é a bilateralidade entre ação e
defesa o que torna o exercício da defesa dos interesses das partes distinto em base
principiológica: o autor exerce em razão do princípio da ação; o réu, face do princípio da
ampla defesa”. 47
47
Ibid., p. 277.
40
Este tópico tem como objetivo descrever quais são os argumentos plausíveis para a
não adoção do princípio constitucional da ampla defesa na fase investigatória. Todos os
argumentos apresentados para negar a adoção do contraditório servem, também, para negar a
aplicação da ampla defesa no inquérito policial.
A ampla defesa, assim como o contraditório, pode prejudicar o perfeito andamento das
investigações. O inquérito policial perderia a sua verdadeira finalidade, pois se em todo ato
praticado houvesse a necessidade de se garantir o direito de defesa do suspeito, a eficácia
deste instrumento estaria comprometida.
Esta característica do inquérito policial, defendida por grande parte da doutrina, já foi
tema de estudo em capítulos anteriores neste trabalho. Como podemos verificar, a
inquisitividade é encontrada em diversos momentos na fase de investigação.
Neste sentido André Rovégno, quando cita o autor Fauzi Hassan Chouke, diz que:
Todas as obras que negam a ampla defesa no inquérito policial sempre estão
fundamentadas pelo caráter inquisitivo deste instrumento. Entretanto, o direito à defesa não
pode ser negado ao investigado. Este, segundo essa doutrina, é sujeito de direitos, ou seja, não
pode ser submetido a uma investigação onde não lhe é garantido direitos inerentes à condição
da dignidade humana.
48
Ibid., p. 286.
42
Para os defensores deste entendimento, a ampla defesa é a garantia mais eficaz para
que o cidadão proteja o seu direito à liberdade e ao seu patrimônio. Mesmo que as restrições
impostas durante a fase investigatória não tenham caráter definitivo, deve-se garantir a todos
este direito.
Pode-se negar que o indiciamento seja uma acusação formal, porém é inadmissível
entender que o indivíduo indiciado não esteja abrangido por uma acepção ampla do conceito
de acusado.
Marta Saad, ao citar Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, entende que tal afirmação
encontra respaldo técnico, pois:
[...] o indiciamento traz serias implicações: o indiciado afiançado, por exemplo, não
se ausenta, nem muda de residência, sem aviso e permissão, tendo-lhe, pois, restrita
a liberdade de ir e vir (arts. 322 e 328 do Código de Processo Penal); - pode, ainda,
sofrer apreensão e seqüestro de bens, providências cautelares, coarctantes dos
direitos de posse e propriedade 50.
49
Ibid., p. 332.
50
SAAD, op. cit., p. 255.
43
Com estes exemplos e com outros já mencionados, fica evidente que o indiciamento
traz uma série de restrições à pessoa. Além dos exemplos técnicos, podemos citar, ainda, as
restrições econômicas e a prejudicialidade á honra do indivíduo.
Há, também, entendimentos no sentido de que os atos policiais, desde que tenham a
finalidade de produzir prova, devem estar acompanhados pela presença física do advogado. A
presença do defensor nada mais é do que o exercício da defesa técnica. Como já estudamos
anteriormente, a defesa técnica é uma das modalidades da ampla defesa.
É impossível não entender que a presença física do advogado nos atos das
investigações, o requerimento de diligências e a possibilidade de acesso aos autos do inquérito
policial, não sejam uma demonstração de que ampla defesa está sendo realmente aplicada.
Todos estes exemplos citados acima, podem ser considerados como exteriorizações deste
princípio.
André Rovégno, quanto ao último exemplo, entende que o advogado deve ter livre
acesso aos autos de inquérito quando diz que:
[...] o inciso XIV do art. 6º do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, que
garantiu, de forma ampla, a possibilidade de acesso ao advogado dos autos de
inquérito policial, mesmo que sem procuração e ainda que conclusos à autoridade 52.
51
Ibid., p. 261.
52
ROVÉGNO, op. cit., p. 345.
44
espontaneamente ao local onde o ato deva ser realizado e se comprometa a não turbar o
procedimento, sua presença deverá ser garantida.
No entanto, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XXXIV, alínea “a”,
garante a todo cidadão o direito de petição aos Poderes Públicos. Não se pode conceber a
sobreposição do art. 14º do CPP (norma infraconstitucional) sobre um direito assegurado pela
Constituição. O Código de Processo Penal foi elaborado em 1942, sendo assim, com o
advento da Magna Carta de 1988, não se pode admitir o caráter discricionário do delegado de
polícia no deferimento ou não de diligenciais.
5 CONCLUSÃO
Há, ainda, o entendimento doutrinário de que o inquérito policial serve apenas como
um instrumento preparatório da ação penal. Entretanto, há uma outra corrente doutrinaria que
discorda desta afirmação e é a que nos parece ser o entendimento mais correto, quando diz
que a fase investigatória tem como finalidade reunir elementos, que valorados pelo juiz
competente, esclareçam a verdade dos fatos.
Desta forma, o inquérito pode tanto ser o instrumento que impulsione uma ação penal,
quanto um instrumento que prove a inocência de um suspeito. Não se dever admitir que a
finalidade da primeira fase da persecução criminal seja única e exclusivamente de fornecer
elementos para que o titular da ação penal exerça seu direito.
Sendo assim, estudou-se que o inquérito é marcado por ser um instrumento sigiloso,
observando que este sigilo não se estende ao órgão do Ministério Público, ao juiz e, em
respeito ao princípio da ampla defesa, também não se estende ao advogado.
A fase investigatória deve ser escrita, ou seja, não se admite investigações verbais.
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Estudou-se ainda, que o inquérito só pode ser realizado por órgãos oficiais, tirando dos
particulares a competência para tanto; daí a característica da oficialidade.
A oficiosidade também é uma das características, e dela pode-se entender que a partir
do momento que a autoridade policial toma conhecimento de um ilícito penal, deverá
imediatamente instaurar as investigações.
Pode-se ainda entender pela não adoção do contraditório no inquérito policial, pois
como já é sabido, existe a possibilidade do contraditório deferido. É através deste instrumento
que um ato, realizado sem a ciência ou a participação do investigado durante as investigações,
possa ser refeito durante a instrução criminal. Se nesta fase, a prova colhida durante a fase
investigatória não for refeita sob a luz do contraditório, esta será ineficaz para o processo.
A questão do inquérito policial ter natureza inquisitiva não pode servir como
fundamento para impedir a atuação da ampla defesa. O imputado deve ser visto pelo nosso
ordenamento como um sujeito de direitos e, não apenas, como um simples objeto de
investigação. Caso contrário, estaríamos vivendo um sistema de inquisitividade medieval,
desrespeitando todo o Estado de Direito e a dignidade humana.
Por todos os prejuízos legais, sociais, psicológicos e até financeiros, é difícil não
correlacionar o indivíduo investigado com a expressão “acusados em geral”. É importante
ressaltar que este posicionamento não tem como objetivo ampliar a interpretação da norma. O
que estamos tentando afirmar é que o legislador constitucional, de uma forma não tão clara,
garantiu a ampla defesa a todos os acusados, inclusive ao cidadão indiciado.
Desta forma, entende-se pela aplicação da ampla defesa no inquérito policial, pois é
através deste direito que o indivíduo conseguirá se defender das restrições a seu patrimônio e
à sua liberdade. Poderá, ainda, apresentar todos os argumentos que sirvam para demonstrar a
verdade dos fatos e que possam, de alguma maneira, encerrar as investigações ou embasar o
não recebimento da peça inicial de acusação.
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REFERÊNCIAS
FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2007.
MÜLLER, Mary Stela. CORNELSEN, Julce Mary. Normas e padrões para teses,
dissertações e monografias. Londrina: Eduel, 2003.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Pena. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008.
SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004.
SALLES JUNIOR, Romeu de Almeida. Inquérito policial e ação penal. Bauru: Jalovi,
1978.