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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE


FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS
CURSO DE DIREITO

Cimara Neves Maia

OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA


NO INQUÉRITO POLICIAL

Governador Valadares
2011
2

CIMARA NEVES MAIA

OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO


POLICIAL

Monografia apresentada para obtenção do grau


de bacharel em Direito apresentada à
Faculdade de Direito, Ciências Administrativas
e Econômicas da Universidade Vale do Rio
Doce.

Orientador: Fabriny Neves Guimarães

Governador Valadares
2011
3

OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO


POLICIAL

Monografia apresentada como requisito para


obtenção do grau de bacharel em Direito pela
Faculdade de Direito, Ciências Administrativas
e Econômicas da Universidade Vale do Rio
Doce.

Governador Valadares, ________ de __________________ de 2011

Banca Examinadora:

______________________________________________
Prof. Fabriny Neves Guimarães - Orientador
Universidade Vale do Rio Doce

________________________________
Prof.
Universidade Vale do Rio Doce

________________________________
Prof.
Universidade Vale do Rio Doce
4

RESUMO

O inquérito policial é o instrumento utilizado pelo Estado no levantamento de indícios da


autoria e materialidade de um fato delituoso, objetivando a propositura da Ação Penal cabível,
por intermédio de seus legitimados. Caracteriza-se como um procedimento de natureza
inquisitiva e administrativa, regulamentado pelo Código de Processo Penal e outras
legislações especiais.É um procedimento cercado de polêmicas pelos jurista e para sociedade
em geral, visto que neste instituto o investigado é privado de alguns direitos e garantias
constitucionais.O presente estudo explora o inquérito policial em relação à aplicação dos
princípios do contraditório e da ampla defesa, buscando demonstrar as possibilidades de
defesa do investigado, bem como a possibilidade de intervenção deste na confecção do
instrumento apuratório.Para tanto, foi analisado os aspectos gerais do inquérito policial, bem
como dos referidos princípios, para posteriormente adentrar na discussão da possibilidade
destes figurarem no procedimento administrativo.

Palavras-chave: Inquérito Policial. Princípio do Contraditório. Princípio da Ampla Defesa.


5

ABSTRACT

The police inquiry is the instrument used by the state in collecting evidence of authorship and
materiality of a criminal fact, aiming at the initiation of appropriate criminal action, through
their legitimated. Characterized as a procedure for administrative and inquisitive nature,
regulated by the Code of Criminal Procedure and other special laws. This procedure is
surrounded by controversies between jurist and society in general, since this institute the
investigation is deprived of certain rights and guarantees constitutionals . The present study
explores the police investigation about the application of the principles of the contradictory
and full defense, seeking demonstrate the possibilities of defense investigated, as well as the
possibility of intervention in the making of this instrument of verifying. Conclusive, we
analyzed the general aspects of the police inquiry as well as of those principles and the
possibility of appearing in the administrative proceeding.

Key Words : Police Inquiry . Principle of Contradiction .Principle of Full Defense


6

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................7
2 INQUÉRITO POLICIAL.........................................................................................................8
2.1 ORIGEM...............................................................................................................................8
2.2 CONCEITO..........................................................................................................................9
2.3 FINALIDADE....................................................................................................................11
2.4 SUJEITOS...........................................................................................................................15
2.5 CARACTERÍSTICAS........................................................................................................17
2.6 NATUREZA JURÍDICA....................................................................................................22
3 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO ..................................................................................26
3.1 DOUTRINA CONTRÁRIA À ADOÇÃO DO CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO...27
3.2 DOUTRINA FAVORÁVEL À ADOÇÃO DO CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO. .31
4 PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA .....................................................................................34
4.1 AUTODEFESA..................................................................................................................35
4.2 DEFESA TÉCNICA ..........................................................................................................36
4.3 DIFERENÇA ENTRE O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA
...................................................................................................................................................38
4.4 DOUTRINA CONTRÁRIA À ADOÇÃO DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO.....39
4.5 DOUTRINA FAVORÁVEL À ADOÇÃO DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO.....41
5 CONCLUSÃO.......................................................................................................................45
REFERÊNCIAS........................................................................................................................49
7

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo demonstrar o que a doutrina e a jurisprudência têm
entendido no que tange à aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla
defesa no inquérito policial, tendo em vista que há divergências, principalmente doutrinárias,
a respeito do tema.No primeiro capítulo, o objeto do estudo será a fase investigatória.
Procuraremos especificar o conceito, a finalidade, a origem, os sujeitos e as principais
características elencadas pela doutrina, para, depois, adentrar nos princípios do contraditório e
da ampla defesa.

No segundo capítulo, o princípio do contraditório será o objeto de análise. O conceito,


a fonte constitucional e, principalmente, a questão da aplicação ou não deste princípio no
inquérito policial serão abordados, para que, ao final, possamos optar por uma ou outra
corrente.

Assim como no segundo capítulo, o terceiro discorrerá a respeito do conceito, da fonte


constitucional e também a questão da aplicação ou não na fase investigatória de um princípio
constitucional. Entretanto, neste capítulo, o princípio da ampla defesa será o objeto de estudo.
Procurarei, ainda, diferenciar o contraditório da ampla defesa, porém, vale ressaltar, que esta
não será uma tarefa fácil, pois nem mesmo a doutrina a fez. Sendo assim, um breve
comentário será feito, diferenciando o campo de atuação de cada princípio.

Ao final de toda exposição, a conclusão abordará tudo o que foi discutido até então,
para, depois, opinarmos quanto à aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e
da ampla defesa no inquérito policial.
8

2 INQUÉRITO POLICIAL

2.1 ORIGEM

No Brasil, o procedimento investigatório, com o nome Inquérito Policial, surgiu com


a reforma processual penal ocorrida em 1871, pelo Decreto Regulamentar nº. 4824, de 22 de
novembro de 1871.

Apesar deste nome ter aparecido apenas com o decreto citado, deve-se observar que
suas características principais já se encontravam delineadas em lei anterior; a de n. 261, de
três de dezembro de 1841, a que, dispondo, num de seus capítulos, sobre a competência das
autoridades policiais, lhes atribuía o encargo de “remeter, quando julgarem conveniente, todos
os dados, provas e esclarecimentos, que houverem obtido sobre um delito, com exposição do
caso e de suas circunstâncias, aos juízes competentes, a fim de formarem a culpa”.

Desta forma, pode-se observar, nitidamente, que as obrigações das autoridades


policiais, daquela época, praticamente, não se alteraram com as obrigações dos delegados nos
inquéritos policiais atuais.

A lei nº. 261 de 1841 surgiu influenciada por um período de grandes acontecimentos
políticos. Como lembra Augusto Mondin:

O código de processo criminal, de 1832, que antecedera, refletia o liberalismo que


dominava os espíritos naquela época, inspirado por duas grandes revoluções dos
tempos modernos – a da Inglaterra na ordem política, e a da França na ordem
social.1

No Brasil, os princípios, excessivamente liberais, adotados pelo código de 1832,


mostravam-se ineficazes na repressão das desordens e dos crimes que se alastravam por vários
pontos do país.

Em 1842 a desordem continuava. Os estados de São Paulo e de Minas Gerais foram os


principais focos de revolta da época.

Levando-se em conta o estado de anarquia em que se encontrava o país, foi proposta a


reforma do código de processo criminal, modernizando a legislação de processo penal. Esta
1
MONDIN, Augusto. Manual de inquérito policial. São Paulo: Sugestões Literárias, 1962, p. 55.
9

modernização ocorreu, especialmente, com o advento da Lei n. 2033 de 20 de setembro 1871


regulamentado pelo Dec. 4824 de novembro de 1871. Foi a partir deste decreto que passamos
a conviver com o procedimento investigatório, chamado de Inquérito Policial, no nosso
ordenamento jurídico.

Até os dias atuais, o Código de Processo Penal brasileiro, no título II, do livro I, dos
art.4º ao 23º, consagra praticamente todas as características e formas do inquérito policial,
sistematizado pelo Decreto Regulamentar nº. 4824, de 22 de novembro de 1871.

2.2 CONCEITO

No que se refere ao conceito de inquérito policial, não há uma divergência


significativa em nossa doutrina. O próprio Decreto Regulamentar que o instituiu, em seu
artigo 42 dizia que “inquérito policial consiste em todas as diligencias necessárias para o
descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices,
devendo ser reduzido a instrumento escrito”.
A grande maioria dos doutrinadores brasileiros vincula o conceito de inquérito policial
com a sua característica de servir de embasamento à propositura de futuras ações penais,
sejam elas públicas (proposta pelo Ministério Público), sejam elas privadas (proposta pelo
ofendido). Com este entendimento podemos citar:

Fernado Capez em sua obra afirma que inquérito policial:

[...] trata-se de procedimento persecutório de caráter administrativo instaurado pela


autoridade policial. Tem como destinatários imediatos o Ministério Público, titular
exclusivo da ação penal publica (art. 129, I, CF), e o ofendido, titular da ação penal
privada (art. 30, CPP); como destinatário mediato tem o juiz, que se utilizará dos
elementos de informação nele constantes, para o recebimento da peça inicial e para a
formação do seu convencimento quanto à necessidade de decretação de medidas
cautelares 2.

Neste mesmo sentido entende Romeu de Almeida Salles Junior ao dizer que:

Inquérito policial é o procedimento destinado à reunião de elementos acerca de uma


infração penal. É o conjunto de diligências realizadas pela policia judiciária, para
apuração de uma infração penal e sua autoria, para que o titular da ação penal possa
ingressar em juízo, pedindo aplicação da lei ao caso concreto. 3

2
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 67.
3
SALLES JUNIOR, Romeu de Almeida. Inquérito policial e ação penal. Bauru: Jalovi, 1978, p. 21.
10

Para Julio Fabbrini Mirabeti e Fernando de Almeida Pedroso, o procedimento


investigatório que conhecemos é mera peça preparatória e informativa do processo penal. O
primeiro conceitua dizendo que “Inquérito policial é todo procedimento policial destinado a
reunir os elementos necessários à apuração da pratica de uma infração penal e de sua autoria.
Trata-se de uma instrução provisória, preparatória e informativa” 4. O segundo autor, com o
mesmo raciocínio dos demais afirma que “a peça policial tem natureza preparatória da ação
penal, ressurtindo como procedimento preliminar e informativo para a instauração do
processo”. 5

Como se pode observar, todos os autores acima citados conceituam o inquérito policial
como um instrumento destinado a apuração de infrações penais e suas respectivas autorias.
Além desta prerrogativa, vinculam o inquérito como uma peça meramente preparatória da
ação penal.

Há, ainda, autores que definem o inquérito ressaltando a característica do registro e


coleta de provas do fato. Um autor que segue esta linha de pensamento é Augusto Mondin ao
afirmar que:

O inquérito, apreciado em seus vários aspectos, é o registro legal, formal e


cronologicamente escrito, elaborado por autoridade legitimamente constituída,
mediante o qual esta autentica as suas investigações e diligências na apuração das
infrações penais, das suas circunstâncias e dos seus autores. 6

Em sentido um pouco diverso dos demais autores, não na essência do conceito do


inquérito, mas, sim, na questão da vinculação ou não deste como mero instrumento
preparatório da ação penal, o doutrinador André Rovégeno traz uma definição um pouco
diferente dos demais ao ensinar que:

Inquérito policial é o expediente escrito, produzido pelo órgão de policia judiciária


competente, onde são reunidas e documentadas todas as diligências levadas a efeito
(e todos os resultados encontrados nessas diligências) durante a tarefa de esclarecer
as circunstancias de um fato que se apresentou inicialmente com aparência de ilícito
penal passível de sancionamento, confirmando ou afirmando essa aparência inicial e,
esclarecendo, se possível, na hipótese confirmatória, a autoria da conduta”. 7

Analisando todos os conceitos elaborados pelos doutrinadores nacionais, pode-se


4
MIRABETE, Julio Fabrrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2001, p. 76.
5
PEDROSO, Fernando de Almeida. Processo penal; o direito de defesa: repercussão, amplitudes e
limites. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 58.
6
MONDIN, op. cit., p. 54.
7
ROVÉGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla
defesa. Campinas: Bookseller, 2005, p. 91.
11

concluir que a definição de inquérito policial é praticamente a mesma, salvo algumas


diferenças já mencionadas.

Em síntese, inquérito policial nada mais é que, um conjunto de atos administrativos


destinado a reunir os elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de
sua autoria. Não é apenas um instrumento que fundamentará a instauração de uma possível
ação penal; é, também, um instrumento que buscará esclarecer a verdade de um fato tido
como infração penal.

2.3 FINALIDADE

O direito penal, como ciência do direito, é, eminentemente, público, ou seja, tutela os


bens mais importantes de uma sociedade. Sendo assim, ao ocorrer um fato supostamente tido
como um ilícito penal, quem sofrerá a lesão ao bem jurídico, além do ofendido, será o próprio
Estado; e a ele caberá o dever de garantir a aplicação da lei, pois sem dúvida alguma o Estado
é o representante da sociedade.

Com a lesão, intrinsecamente, surge o persecutio criminis e o jus puniendi, ou seja, o


direito do Estado de perseguir e punir o autor da ofensa ao bem jurídico tutelado.

Entretanto, a norma penal não pode ter aplicação imediata, pois está vinculada e
delimitada pelos Princípios Constitucionais e pelos Princípios Processuais do Direito Penal.
Desta forma, o Estado apenas poderá aplicar uma sanção penal a um caso concreto se o
devido processo legal for respeitado. Em outras palavras, há a obrigatoriedade de que o agente
causador do fato típico seja previamente submetido a uma ação penal, para que,
posteriormente, se aplique a sanção legal.

Como exposto anteriormente, a ocorrência de um ilícito penal gera o dever de punir.


Porém, para que este dever seja exercido, o Estado deve-se valer de instrumentos e
informações que possibilitem determinar as circunstâncias e a autoria deste ilícito. A esta
atividade de colheita de informações, apuração de autorias e análise de circunstâncias dá-se o
nome de persecutio criminis.

A persecução penal ocorre em dois momentos no nosso sistema processual penal. O


12

primeiro será na fase de investigação, ou seja, no inquérito policial. O segundo momento da


persecução ocorre na própria ação, principalmente na fase de instrução. Como o tema deste
trabalho diz respeito ao inquérito policial, é nesta fase da persecução penal que me
aprofundarei.

O primeiro momento da persecutio criminis está relacionado à fase de investigação


extrajudicial. Esta fase de investigação, no nosso Código de Processo Penal, é
instrumentalizada pelo inquérito policial. O Estado, detentor do direito de perseguir, utiliza
este instrumento como forma de complementação à ação penal. E como complemento, o
procedimento investigatório servirá de subsídio ao juiz para a aplicação da sanção penal ao
individuo, autor do ato ilícito.

A doutrina brasileira tem entendimento similar quando se trata da finalidade do


inquérito. A esse respeito Julio Fabbrini Mirabeti preleciona:

O inquérito policial é o meio mais comum de colher elementos probatórios mínimos


para que o Estado, através da ação penal, aplique a sanção penal devida ao autor de
uma infração. Tem este por objeto, a apuração de fato que configure infração penal e
respectiva autoria, para servir de base à ação penal ou às providencias cautelares. 8

Praticamente, com as mesmas palavras, Fernando Capez diz que “A finalidade do


inquérito policial é a apuração de fato que configure infração penal e a respectiva autoria para
servir de base à ação penal ou às providencias cautelares”9.

Sem citar as providências cautelares, porém mencionando a autoridade competente


para presidir a investigação extrajudicial, Fernando da Costa Tourinho Filho entende que:

É lícito afirmar, nos termos do §4º, do CPP do art.144 da Lei Maior, que às Polícias
Civis, dirigidas por Delegados de Polícia de carreira, incumbem, ressalvada a
competência da União, as funções de investigar as infrações penais e sua respectiva
autoria, bem como (e aqui teríamos a Polícia Judiciária) fornecer às Autoridades
Judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento do processo 10.

O autor complementa dizendo que:

O inquérito visa à apuração da existência de infração penal e à respectiva autoria, a


fim de que o titular da ação penal disponha de elementos que o autorizem a
promovê-la. Apurar a infração penal é colher informações a respeito do fato
criminoso . 11

8
MIRABETTI, op. cit., p. 77.
9
CAPEZ, op. cit., p. 70.
10
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2002, p.
60.
11
Ibid., loc. cit.
13

A jurisprudência manifesta-se com o mesmo entendimento dos autores citados acima:


“O inquérito policial destina-se a apurar a notícia de um crime em tese, reunindo as provas
indiciárias suficientes para que o Ministério Público ofereça a denúncia”. 12

Ainda: “O inquérito policial é um procedimento administrativo, visando apurar uma


infração penal e sua autoria e fornecer ao órgão da acusação os elementos necessários à
propositura da ação penal”. 13

Uma outra idéia a respeito da finalidade do inquérito policial tem surgido com
doutrinas mais recentes, abandonando aos poucos o entendimento de que este instrumento
serve apenas como uma peça meramente informativa ao Ministério Público. Infelizmente, a
maioria dos doutrinadores tem seguido este pensamento, dizendo que o procedimento
investigatório tem como objetivo colher elementos que possam ser utilizados pela acusação
para promover a ação penal.

Entretanto, autores, como André Rovégno e Marta Saad, tentam, em suas obras,
modificar este raciocínio. Para eles, o inquérito realizado pela polícia judiciária, enquanto
instrumento da justiça, serve ao juiz e também ao acusado que necessita saber sobre a
viabilidade ou não da ação penal que contra ele é proposta.

Marta Saad ao mencionar Sergio Marcos de Moraes Pitombo, obtempera:

O convencimento sobre a viabilidade da acusação formal não toca, só, aos


acusadores; porém, ainda mais ao juiz, que há de convencer-se de que a denúncia e a
queixa, por seus alicerces, ou fundamentos, irrompem admissíveis, ou inadmissíveis.
[...] a convicção refere-se, também, ao imputado, o qual, analisando os meios de
prova, em que se baseia a acusação formal, persuade-se de que existe justa causa, ou
não (art. 648, I, do CPP). 14

André Rovégno trata, em seu livro, de algumas hipóteses em que o inquérito policial
produz um conjunto de dados que não autorizam e, que por vezes, impedem a deflagração da
ação penal. São eles:

[...] demonstração de que o fato apurado foi alcançado pela prescrição; decadência
do direito de queixa; conclusão de que o fato apurado não se reveste de caráter
criminoso; causa de exclusão de antijuridicidade ou causa de extinção de
punibilidade; e ainda a hipótese em que o inquérito demonstra que o suspeito
inicialmente apontado não foi efetivamente o autor da conduta delitiva,

12
STJ- HC 6859 – Rel. Edson Vidigal – j. 18.11.97 – DJU 2.3.98, p123
13
TACRIM-SP-AP- Rel. Camargo Aranha-JUTACRIM-SP 27/486
14
SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.
152.
14

permanecendo, contudo desconhecida a autoria 15.

Como se pode observar, em todas estas situações, acima citadas, não haverá processo
e, nem por isso, o inquérito deixou de atingir sua finalidade. Para estes dois últimos autores, a
doutrina brasileira deve parar de relacionar o sucesso do procedimento investigatório com a
sua utilização nos fundamentos de acusação. Segundo eles, o inquérito policial atinge sua
finalidade, seja quando produz indícios que levem à instauração da ação penal, seja quando
não os produz. E isto ocorrerá, não porque o inquérito é um instrumento ineficiente, mas
porque se chegou à conclusão de que, nos termos de nosso ordenamento, não se justifica a
instauração da ação penal.

Ao expor o pensamento destes doutrinadores, cabe indicar o que cada um pensa a


respeito da finalidade do inquérito policial.

Para Marta Saad, as finalidades se dividem em duas ordens, quais sejam:

[...] a de reconstruir o fato investigado, informando e instruindo a autoridade judicial


e o acusador, público ou privado. O inquérito policial não é só base para a acusação,
como a maioria dos autores costuma dizer, mas base para arquivamento[...] 16.

E, ainda:

[...] a de ministrar elementos para que o juiz possa se convencer acerca da


necessidade ou não se de decretar a prisão preventiva, o arresto ou seqüestro de
bens, a busca e apreensão, a quebra de sigilo bancário ou telefônico. Serve, portanto,
de base para a decretação de medidas e provimentos cautelares, no curso do
inquérito 17.

Neste mesmo sentido, André Rovégno sustenta que a finalidade do inquérito policial
é:

[...] colher todos os elementos relacionados a fato supostamente criminoso,


esclarecendo, tanto quanto possível e desde logo, a verdade, podendo conduzir à
ação penal ou podendo descartar seu inicio [...] a verdade não interessa apenas ao
processo, como base de uma sentença segura, mas importa também à investigação,
como instrumento a evitar acusações desnecessárias. 18

Portanto, analisando todos os entendimentos doutrinários, conclui-se que “a causa


finalis” do inquérito policial não é, única e exclusivamente, reunir provas para viabilizar a
15
ROVÉGNO, op. cit., p. 139.
16
SAAD, op. cit., p. 150.
17
Ibid., p. 153.
18
ROVÉGNO, op. cit., p. 143.
15

propositura da ação penal e, possivelmente, uma condenação, mas, sim, reunir elementos que
valorados pelo juiz competente, possam esclarecer a verdade dos fatos, contribuindo assim, de
forma poderosa, para a aplicação da justiça.

2.4 SUJEITOS

No inquérito policial, não há que se falar em partes, pois não se trata de processo.
Como exposto anteriormente, o inquérito se resume em um conjunto de atos administrativos
no qual se torna impossível dizer que há autor e réu; estes sim podem ser chamados de partes
em uma ação; não em um procedimento investigatório.

Primeiramente, pode se dizer como sujeito do inquérito a figura do investigado. O


investigado é a pessoa que sofre uma imputação pela autoria de um fato criminoso, sendo que
este ilícito penal é objeto de investigação de um inquérito policial. Quando um indivíduo é
investigado, todas as suspeitas de autoria de um crime recaem sobre ele, ou seja, todos os
procedimentos de um inquérito estarão voltados para aquela pessoa.

Entretanto, a figura do investigado difere-se da figura do acusado, pois esta


terminologia só se usa quando o sujeito do delito já está sendo processado por meio de uma
ação penal, que se inicia com a citação válida. Há que se falar, ainda, que o acusado goza dos
princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Agora, para o investigado, estes
princípios não lhe são conferidos. Esta última afirmação segue o entendimento da maioria dos
doutrinadores brasileiros, porém vale ressaltar que este tema será abordado mais adiante neste
trabalho.

Outro sujeito da fase investigatória é o delegado de polícia. É ele quem preside e


conduz o inquérito policial. É a pessoa com maior autoridade dentro de uma delegacia.
Atualmente, para ingressar na carreira, é necessário ser bacharel em Direito e conseguir
aprovação em concurso público

Desta forma, pode-se dizer que, o inquérito policial é presidido por um delegado de
polícia de carreira, cuja atribuição é, como regra geral, determinada em razão do local de
consumação da infração (ratione loci). Nada impede, entretanto, que se proceda à distribuição
da competência em função da natureza da infração penal (ratione materiae), como ocorre em
16

alguns estados, onde existem delegacias especializadas na investigação de determinados


crimes.

Analisando o inquérito apenas como uma peça meramente preparatória da ação penal,
a doutrina e a jurisprudência têm ratificado que este instrumento tem como destinatário
imediato o titular da ação penal. Nos casos de ação penal pública, o titular do direito de ação
será o Ministério Público. Nas hipóteses de ação penal privada, o destinatário imediato será o
ofendido ou quem tenha a qualidade para representá-lo.

Portanto, não se pode esquecer que todo procedimento investigatório também terá um
destinatário mediato. A figura que preenche este papel no nosso ordenamento jurídico é o
juiz, pois o inquérito fornece subsídios para que ele receba a peça inicial e decida quanto à
necessidade de decretar medidas cautelares (prisão provisória, quebra sigilo telefônico, etc),
sendo que tais medidas tornam-no prevento na eventual ação penal.

É importante lembrar, que esta exposição relacionando a função do inquérito policial


como um instrumento exclusivamente preparatório do processo é característica da nossa
doutrina.

A título exemplificativo Fernando Capez diz que:

Inquérito policial tem como destinatários imediatos o Ministério Público, titular


exclusivo da ação penal publica (art. 129, I, CF), e o ofendido, titular da ação penal
privada (art. 30, CPP); como destinatário mediato tem o juiz, que se utilizará dos
elementos de informação nele constantes, para o recebimento da peça inicial e para a
formação do sue convencimento quanto à necessidade de decretação de medidas
cautelares 19.

Em relação aos destinatários do inquérito, a Constituição Federal de 1988 em seu art.


5º, LIII, os limitou em dois princípios, o princípio do promotor natural, sendo que ninguém
será processado senão pelo promotor de justiça previamente indicado pelas regras legais
objetivas, e o princípio do juiz natural, o qual garante que todos têm o direito de ser julgados
pelo magistrado previamente investido segundo critérios legais objetivos.

Finalmente, têm-se, ainda, como sujeitos do inquérito policial, a vítima e a testemunha


do ilícito penal. Estas duas figuras são de grande valia e de suma importância para o
andamento e a conclusão das investigações. Colaboram prestando informações e declarações
sobre o fato delituoso, facilitando as investigações policiais; e sendo corroboradas em juízo,
possuem máximo valor probatório se estiver em harmonia com as demais provas colhidas nos

19
CAPEZ, op. cit., p. 67.
17

autos.

2.5 CARACTERÍSTICAS

Em regra, a doutrina segue a mesma linha de raciocínio ao discriminar quais são as


características do inquérito policial. Os principais autores e a jurisprudência, de uma maneira
geral, não divergem a respeito deste tema. Entretanto, vale relembrar que como exposto
anteriormente, o entendimento majoritário em relação a este conjunto de atos administrativos
está vinculado à idéia de um instrumento preparatório e informativo da ação penal. As
características a serem citadas do inquérito são:

a) sigiloso: o Código de Processo Penal, em seu artigo 20, determina que “a autoridade
assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da
sociedade”.

Ocorre sigilo no inquérito não se estende ao órgão do Ministério Público, à autoridade


judiciária competente e ao advogado.

Em relação ao advogado, não lhe pode ser negado o acesso às peças do inquérito nem
ser negado o direito à extração de cópias ou fazer apontamentos, sob pena de violação ao
direito de defesa técnica. (art. 7º. Do Estatuto da Advocacia - lei. 8906/64).

O STF reconheceu o direito de acesso ao inquérito ao editar a Súmula Vinculante n.14,


com o seguinte teor:

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos


de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão
com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de
defesa.

b) escrito: o inquérito policial dever ser um instrumento escrito ou datilografado. Não


é admissível a forma de investigação verbal. Outra forma não há de se permitir o meio pelo
qual se busca investigar a prática de infração penal e sua autoria, senão por um instrumento
formalmente documentado. E, ao analisar o inquérito sob o ponto de vista preparatório e
informativo do processo, seria impossível aceitar que a atividade de investigação que fornece
subsídios ao titular da ação penal seja meramente verbal.
18

Sendo assim, o Código de Processo Penal regulamentou a questão em seu artigo 9º ao


dizer que “todas as peças do inquérito policial serão num só processado, reduzidas a escrito
ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade”.

c) oficialidade – como atividade investigatória, o inquérito policial só pode ser


realizado por órgãos oficiais, excluindo dos particulares esta tarefa, mesmo em ações de
natureza privada. Neste sentido, Fernando Capez diz que “inquérito policial é uma atividade
investigatória feita por órgãos oficias, não podendo ficar a cargo do particular, ainda que a
titularidade da ação penal seja atribuída ao ofendido”. 20

O órgão público que preside o inquérito policial está representado pela figura do
delegado de polícia. A ele é garantida a faculdade de deferir ou indeferir qualquer diligência
requisitada pelo investigado ou pelo ofendido, não estando sujeito à suspeição. O artigo 14 do
CPP diz que “o ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer
diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade”. Há, entretanto, na doutrina, a
compreensão de que o exame de corpo delito não pode ser negado pela autoridade quando
requisitado.

d) oficiosidade: a partir do momento em que a autoridade competente tomar


conhecimento de um nottia criminis, deverá, de oficio, instaurar um inquérito policial para a
apuração do fato criminoso e de sua respectiva autoria.

Isto quer dizer que, independente de qualquer espécie de provocação, o inquérito deve
ser instaurado pela autoridade quando estiver diante da notícia de uma infração penal. Até o
ano de 1994, antes do advento da Lei n. 8.862/94, cabia à autoridade policial julgar,
discricionariamente, a possibilidade e a conveniência de iniciar ou não o inquérito policial.
Atualmente, esta discricionariedade não deve mais existir.

Esta regra da oficiosidade será apenas observada nos casos de ação penal pública
incondicionada. Em casos de ação penal, condicionada à representação, e ação penal privada,
a autoridade policial não depende apenas de si para a instauração da atividade investigatória;
necessita de uma autorização. Neste sentido, o artigo 5º, §§ 4º e 5º regula que:

O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não


poderá sem ela ser iniciado [...] nos crimes de ação privada, a autoridade policial
somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para
intentá-la.

20
Ibid., p. 73.
19

Entretanto, após iniciado o inquérito, todos os atos praticados serão realizados de


ofício pela autoridade competente.

e) indisponibilidade: depois de instaurado o inquérito, este não pode ser arquivado


pela autoridade policial sem o requerimento do Ministério Público e a ordem do juiz. O
arquivamento é ato privativo do juiz, porém há necessidade do requerimento do órgão do MP.
Caso haja desentendimento entre o juiz e o promotor em relação ao arquivamento dos autos
de inquérito policial, deve-se aplicar a regra do artigo 28 do Código de Processo Penal, ou
seja, remete-se o instrumento investigatório ao procurador geral.

Na prática, é comum a autoridade policial opinar em relação ao arquivamento de


inquérito policial quando faltar elementos para a propositura da ação penal ou quando
verificar-se a não ocorrência de fato típico. Entretanto, sempre é bom lembrar, que a
autoridade policial não tem competência para arquivar; ele pode opinar, mas quem legalmente
requer, é o Ministério Público, e quem legalmente decide, é o juiz.

No entanto, a autoridade policial poderá proceder às novas pesquisas, se de outras


provas tiver notícia. É essencial que estas diligências posteriores tragam novas provas (art.18
do CPP).

f) dispensabilidade: como exposto anteriormente, o inquérito policial é uma das fases


da persecução penal. Entretanto, esta fase não é obrigatória, podendo ser dispensado nas
situações em que o Ministério Público ou o ofendido já disponham de elementos suficientes
para a propositura do processo penal. O artigo 12 do Código de Processo Penal é o primeiro a
anunciar esta característica do inquérito ao dizer que “o inquérito policial acompanhará a
denúncia ou a queixa, sempre que servir de base a uma ou outra”.

Ainda mais explícito o artigo 27 do CPP, traz que:

Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos


casos em que caiba ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o
fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.

Outro artigo que pode ser mencionado a respeito da dispensabilidade do inquérito é o


39 do § 5º, do mesmo Código que diz:

O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem


oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso,
oferecerá a denúncia no prazo de 15 dias.
20

Por fim, o artigo 46, §1º realça esta disposição ao dizer que “quando o Ministério
Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da
data em que tiver recebido as peças de informações ou a representação”.

Como se pode verificar, o Código de Processo Penal brasileiro não diz,


expressamente, que o inquérito policial é dispensável à propositura da ação penal, porém, em
artigos diferentes, buscou explicitar esta característica.

Há que se observar, entretanto, que o titular da ação penal, ao dispensar a utilização do


inquérito policial, como subsídio à propositura do processo, deverá apresentar elementos de
convicção suficientes para que o juiz receba a inicial acusatória. Neste sentido, Fernando
Capez compreende que:

O titular da ação penal pode abrir mão do inquérito policial, mas não pode eximir-se
de demonstrar a verossimilhança da acusação, ou seja, justa causa da imputação, sob
pena de ver rejeitada a peça inicial. Não se concebe a acusação de um mínimo de
elementos de convicção. 21

g) incomunicabilidade: o artigo 21, do Código de Processo Penal, traz uma situação


que para a grande maioria da doutrina não foi recepcionada pela Constituição Federal de
1988. Tendo em vista que o CPP de 1942 foi elaborado de acordo com a Constituição vigente
na época, ou seja, a de 1937, a incomunicabilidade do preso seria mais uma forma de
repressão ao cidadão, pois, neste período, o Brasil vivia sob um governo puramente
autoritário, comandado pelo então presidente Getúlio Vargas.

O principal argumento dos autores a respeito da incomunicabilidade frente à atual


Constituição Federal, é que o artigo 136, par. 3º, IV, expressamente, vedou esta característica
no estado de defesa. Ora, se em um estado de exceção a Constituição proibiu tal restrição de
direitos ao preso, lógico seria que, em períodos de normalidade, a incomunicabilidade
também fosse vedada. Não há razão para tal restrição no inquérito policial.

Outro argumento plausível, para não se aplicar a incomunicabilidade, é o fato de que a


Constituição Federa/88 em seu artigo 5º, incisos LXII e LXIII garantiu ao preso o acesso
irrestrito da família e de advogado. O primeiro inciso diz que “a prisão de qualquer pessoa e o
local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do
preso ou à pessoa por ele indicada”. O segundo inciso, garantindo o acesso à família e ao
advogado, diz que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer
calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”.
21
Ibid., p. 76.
21

Apesar de não haver qualquer norma legal vedando, expressamente, a


incomunicabilidade do preso no inquérito policial, com exceção do estado de defesa, fica
evidente deduzir que esta característica do inquérito não pode mais ser aplicada. Caso
contrário, os direitos fundamentais do cidadão preso estariam sendo violados.

É importante salientar, que a incomunicabilidade do preso jamais se estenderá ao


advogado. A ele, não se pode impor, em nenhuma hipótese, esta restrição. O Estatuto da
Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (lei 8906/94) em seu artigo 7º, III, garantiu ao
advogado o livre acesso com o seu cliente ao dizer que “Art. 7º São direitos do advogado: III
– comunicar-se com seus clientes, pessoalmente e reservadamente, mesmo sem procuração,
quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares,
ainda que considerados incomunicáveis”.

A jurisprudência, de forma quase que pacífica, compreende que a incomunicabilidade


do preso em relação ao seu advogado é proibida, ao afirmar:

O inquérito policial, como procedimento inquisitorial que, pela sua própria essência,
é sigiloso, não poderá sofrer a interferência de qualquer interessado na pesquisa das
investigações. Sua incomunicabilidade é mantida, menos, porém em relação ao
advogado. O sigilo eventualmente imposto a ele, conquanto legítimo, não é causa
impediente de suas prerrogativas, consubstanciadas no art. 89, III e IV, da Lei
4.215/63. 22

h) informativo: é comum em nossa doutrina e também nos tribunais a afirmação de


que o inquérito policial constitui peça meramente informativa, ou seja, limita-se a fornecer
elementos para que o titular da ação penal possa exercer o seu direito em juízo, não visa
emitir nenhum juízo de valor sobre a conduta do autor do fato.

Como é considerado um instrumento informativo, os vícios, possivelmente existentes


no inquérito policial, geram a ineficácia e a invalidade do ato realizado (prisão em flagrante,
por exemplo), porém jamais influenciarão na próxima fase da persecução penal: a ação penal.
Um ato praticado no inquérito, que não obedeça às formalidades legais, não invalida a ação
penal subseqüente.

É notório que eventuais irregularidades podem diminuir o valor probatório do


inquérito no exame do mérito da causa. Neste sentido, Julio Fabbrini Mirabete entende que:

Irregularidades podem e devem diminuir o valor doas atos a que se refiram e, em


certas circunstancias, do próprio procedimento inquisitorial globalmente
considerado, merecendo consideração no exame do mérito da causa. Contudo, não

22
TJMS -Rel. Álvaro Cury-j. 26.8.85-RT 603/302
22

se erigem em nulidades, máxime para invalidar a própria ação penal subseqüente. 23

Há também, um outro posicionamento doutrinário em relação à esta característica do


inquérito policial. Alguns autores não concordam em dizer que a primeira fase da persecução
penal é meramente preparatória e informativa ao titular da ação penal. Concluem que o
inquérito não visa apenas informar, mas convencer a viabilidade da ação penal ou a
viabilidade da decretação de qualquer medida cautelar.

Para Marta Saad, ao citar Coriolano Nogueira Cobra:

O inquérito traz elementos que não apenas informam, mas de fato instruem,
convencem, tais como as declarações de vítimas, os depoimentos de testemunhas, as
declarações dos acusados, a acareação, o reconhecimento, o conteúdo de
determinados documentos juntados aos autos, as perícias, a identificação
datiloscopia, o estudo da vida pregressa, a reconstituição do crime 24.

Como se pode notar, não há unanimidade quando se fala em inquérito policial como
um instrumento meramente informativo ao titular da ação penal, embora grande parte da
doutrina e os nossos tribunais adotam este tipo de entendimento.

A questão a ser abordada, é que o inquérito policial é um instrumento de extrema


importância para o Estado na sua função de perseguir e punir o agente causador do ilícito
penal. Esta fase não pode e não deve servir, única e exclusivamente, como fonte de
condenação de algum acusado. O inquérito deve ser analisado como um instrumento, que
juntamente com outros indícios, influenciará o livre convencimento do juiz na condenação de
alguém ou, anteriormente, na decretação de alguma medida cautelar.

2.6 NATUREZA JURÍDICA

O inquérito policial tem natureza jurídica de procedimento administrativo com caráter


inquisitorial.

A fase de investigação em regra é promovida pela polícia judiciária, instituição


pertencente ao Poder Executivo, daí um argumento para que tal procedimento não ser
processo, devendo portanto, ser estudado à luz do direito administrativo, porém dentro do
direito processual penal, uma vez que são tomadas medidas de coerção pessoal e real contra o
23
MIRABETTI, op. cit., p. 80.
24
SAAD, op. cit., p. 161.
23

investigado, necessitando, neste caso, de intervenção do Estado-juiz.

Para muitos autores o inquérito é um procedimento de índole meramente


administrativa, de caráter informativo, preparatório da ação penal, tendente ao cabal e
completo esclarecimento do caso penal, destinado, pois, à formação do convencimento do
responsável pela acusação.

Outro argumento utilizado pelos doutrinares para a concretização da idéia de


procedimento administrativo é o fato do inquérito não seguir uma ordem pré-estabelecida, não
ter rito definido em lei, o delegado determina as diligências a serem realizadas de acordo com
a necessidade que caso.

O inquérito policial é inquisitivo devido à discricionariedade que a autoridade policial


possui na realização de diligência que entender ser útil ou necessária para o esclarecimento do
fato criminoso e sua autoria.

Esta discricionariedade, conferida a autoridade policial, é representada no nosso


ordenamento jurídico, nos artigos 14º e 107º do Código de Processo Penal. O primeiro diz que
“o ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer diligência, que será
realizada, ou não, a juízo da autoridade”. Com a leitura deste artigo, entende-se que é
facultado à autoridade policial realizar ou não qualquer diligência solicitada; é conferido o
caráter discricionário em sua decisão.

É importante lembrar que o exame de corpo de delito é uma exceção à esta regra do
artigo 14º, pois o artigo 184, do CPP, reza que a autoridade policial e o juiz podem negar
qualquer diligência quando não for necessária ao esclarecimento da verdade, salvo o exame
de corpo de delito.

Voltando ao artigo 107º, a discricionariedade também fica evidenciada quando se diz


“não se poderá opor suspeição as autoridades policias nos atos do inquérito, mas deverão elas
declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal”. No inquérito, não ocorre a mesma
situação da oposição de suspeição da ação penal, porém, cabe ao delegado, no exercício de
suas atribuições, declarar-se quando o dever legal assim exigir.

Fernando Capez, em sua obra, defende a tese de que os artigos 14º e 107º do Código
de Processo Penal, citados anteriormente, sustentam o caráter discricionário da autoridade
policial e como conseqüência a natureza inquisitiva do inquérito, ao que ensina:

[...] evidenciam a natureza inquisitiva do procedimento o art. 107 do Código de


Processo Penal, proibindo argüição de suspeição das autoridades policias, e o art. 14,
24

que permite à autoridade policial indeferir qualquer diligência requerida pelo


ofendido ou indiciado (exceto o exame de corpo de delito, art.184, CPP 25.

Vale ressaltar que discricionariedade não se confunde com arbitrariedade, ou seja, não
é conferida à autoridade policial agir por seus impulsos sem que respeite os limites da lei.
Neste sentido, Fernando de Almeida Pedroso, ao citar Mario Mazagão traz que:

Arbítrio é a faculdade de operar ou deixar de operar, de acordo com os impulsos


individuais, sem quaisquer limites. Discrição é a faculdade de operar ou deixar de
operar, dentro, porém, de um campo, cujos limites são fixados estritamente pelo
direito 26.

A inquisitividade do inquérito em nada se confunde com o modelo de processo


inquisitório, que vigorou na justiça eclesiástica, onde se transportava a ação pública das mãos
das partes para as do juiz; dava ao juiz não mais o poder de somente julgar, mas também o
poder de investigar, dirigir e provocar de ofício os atos de instrução. Não é conferido este tipo
de atribuição à autoridade policial.

O caráter inquisitivo, instrumentalizado na discricionariedade da autoridade policial se


dá, como observa Marta Saad, ao citar Romeu de Almeida Salles Junior:

[...] no sentido de escolher as medidas necessárias e pertinentes a fim de apurar o


fato, que se apresenta como ilícito e típico; a falta de rito preestabelecido faz com
que a seqüência das investigações varie do resultado das diligências, que se sucedem
27
.

Observada a discricionariedade da autoridade policial, a doutrina majoritária e a


jurisprudência defendem que deste direito decorre a não aplicação do princípio do
contraditório e do princípio da ampla defesa. Para eles, seria incompatível conferir tal direito
ao delegado de polícia, sem que se conferisse ao autor do ilícito penal as garantias
constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Além do mais, o caráter informativo do
inquérito, defendido por esta mesma doutrina e por esta mesma jurisprudência, impossibilita o
exercício destas garantias, pois os vícios contidos no instrumento investigatório não têm força
para anular uma ação penal.

Ao iniciar o breve comentário desta natureza inquisitiva, foi mencionado que o


próximo tópico abordado neste trabalho será a exposição dos princípios constitucionais do
contraditório e da ampla defesa no inquérito policial. Como não poderia deixar de ser, este é
25
CAPEZ, op. cit., p. 73.
26
PEDROSO, op. cit., p. 61.
27
SAAD, op. cit., p. 155.
25

um tema que traz divergência no nosso ordenamento jurídico, sob a ótica da aplicabilidade ou
não destes princípios na fase investigatória.
26

3 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

O contraditório está presente no ordenamento jurídico brasileiro desde a Constituição


de 1937 (art. 122, n.11, segunda parte). Foi mantido nas Constituições posteriores (1946, art.
141, § 25; 1967 art. 140, § 16, renumerado na Emenda de 1969 para art. 153, §16). Até este
momento, este princípio estava restrito apenas à instrução criminal.

Entretanto, com o advento da Constituição Federal de 1988, o contraditório deixou de


ser um instituto exclusivo da instrução criminal e passou a integrar todos os processos
judiciais e administrativos. Atualmente, o contraditório está consagrado no art. 5º, LV, da CF,
que declara: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Entende-se como contraditório a “ciência bilateral dos atos e termos processuais e


possibilidade de contrariá-los”28. Tal afirmação foi feita por Joaquim Canuto Mendes de
Almeida e é repetida por todos os doutrinadores brasileiros.

Pode-se dizer, ainda, que o contraditório é o princípio garantidor do direito de resposta


a todo ato produzido pela parte contrária, ou seja, a todo ato exercido caberá igual direito a
outra parte de se opor, de dar versão diferente ou ainda de fornecer interpretação jurídica
diversa.

Este princípio decorre do brocardo romano audiatur et altera pars, o qual diz que a
parte contrária deve ser ouvida, garantindo-lhe a possibilidade de praticar todos os atos que
visam influenciar no convencimento do magistrado. É por esta característica, que a doutrina
identifica o princípio do contraditório pelo binômio ciência e participação.

Apesar da grande maioria da doutrina relacionar o contraditório como uma garantia do


acusado, vale lembrar que, ao acusador, este direito também lhe será conferido. Sendo assim,
no processo penal, o Ministério Público tem o direito de ser informado e o direito de reagir da
mesma forma que o réu.

O contraditório pressupõe partes antagônicas, que têm como objetivo formar o livre
convencimento do julgador imparcial, através de suas interpretações, opiniões e versões em

28
ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios Fundamentais do Processo Penal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1973, p. 82.
27

cada caso. Desta forma, deve-se garantir às partes, o direito de se contradizerem, para que o
juiz, após analisar todos os fatos e provas colhidas no processo, solucione o conflito da
melhor maneira possível.

André Rovégno, ao tratar da característica da bilateralidade do contraditório leciona


que:

A existência de duas partes digladiando-se perante um julgador imparcial, a


necessidade de que ambas sejam ouvidas, a possibilidade conferida a elas de
arrazoarem seus pedidos e impugnarem os adversos, tudo conduzindo a uma decisão
final do julgador[...]; faz com que a doutrina aponte a natureza dialética do processo
acusatório, que se estrutura sobre o movimento (bilateral) de oposição constante das
partes. 29

Ao tratar deste tema, observa-se que a doutrina e a jurisprudência têm o mesmo


entendimento, ou seja, o contraditório deve ser aplicado e respeitado no processo penal. Os
dois principais argumentos são: a Constituição Federal, expressamente, garantiu este direito
aos litigantes em processo judicial; e o processo penal, em algumas situações, atinge a
liberdade do indivíduo (o direito à liberdade é garantido pelo art. 5º da Constituição Federal).

Em relação à aplicação deste princípio no processo penal não há o que se discutir.


Entretanto, em relação ao inquérito policial, o contraditório não é aplicável. Este
entendimento se encontra, praticamente, em toda doutrina e em todos os tribunais. Como não
poderia deixar de ser, há estudiosos que defendem a tese de que se pode aplicar o
contraditório na fase investigatória.

3.1 DOUTRINA CONTRÁRIA À ADOÇÃO DO CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO

É dominante o entendimento de que não é possível a aplicação do contraditório no


inquérito policial. São vários os argumentos que explicam tal afirmação.

Em primeiro lugar, pode-se dizer que o fundamento para o não cabimento deste
princípio na fase investigatória está no próprio texto constitucional. Como se sabe, o art. 5º,
inciso LV da Constituição Federal, assegura o contraditório em processo judicial ou

29
ROVÉGNO, op. cit., p. 249
28

administrativo e para os acusados em geral. Entretanto, para a doutrina majoritária, o


inquérito policial não é processo, mas, sim um conjunto de atos administrativos que não tem
ordem cronológica sistêmica, ou seja, o delegado conduz as investigações sem uma seqüência
preestabelecida; ele atua de acordo com a necessidade de cada caso.

Neste sentido, Romeu de Almeida Salles Junior entende que:

O inquérito policial é inquisitivo porque a autoridade comanda as investigações


como melhor lhe aprouver; - não existe um rito preestabelecido para a elaboração do
inquérito ou andamento das investigações; [...] estas têm seqüência dependendo das
determinações da autoridade em face da necessidade de realização desta ou daquela
diligencia. 30

Antônio Scarance Fernandes também defende a inaplicabilidade do contraditório, pois


o inquérito policial não é processo, e sim um conjunto de atos administrativos. Sendo assim,
não estaria abrangido pela regra do art. 5º, inciso LV da CF/88. O autor expõe que o artigo em
questão:

[...] ao mencionar o contraditório, impõe seja observado em processo judicial ou


administrativo, não estando aí abrangido o inquérito policial, o qual constitui um
conjunto de atos praticados por autoridade administrativa, não configuradores de um
processo administrativo 31.

Marta Saad, ao citar o mesmo autor a cima aduz que “assim, não se mostra apropriado
falar em contraditório no curso do inquérito policial, seja porque, na opinião de alguns, sequer
há procedimento, […] 32.

Vale dizer, ainda, que o acusado referido pela Magna Carta, não engloba a figura do
investigado do inquérito policial. Para os estudiosos, não se pode dar uma interpretação
extensiva da figura do acusado descrita pelo art. 5º, inciso LV.

Entende desta forma, Julio Fabbrini Mirabete, ao afirmar que:

O inquérito constitui-se um dos poucos poderes de autodefesa que é reservado ao


Estado na esfera de repressão ao crime, com caráter nitidamente inquisitivo, em que
o réu é simples objeto de um procedimento administrativo 33.

Na verdade, estes doutrinadores apenas aceitam a figura do acusado em processo


judicial ou administrativo. Como a primeira fase da persecução penal não é processo e, sim,
30
SALLES JUNIOR, op. cit., p. 25.
31
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002, p. 64.
32
SAAD, op. cit., p. 221.
33
MIRABETTI, op. cit., p. 77.
29

um conjunto de atos administrativos, o contraditório não é adotado.

O segundo fundamento utilizado pelos doutrinadores é o fato de que a aplicação do


contraditório no inquérito policial, fatalmente, prejudicaria o andamento das investigações. Se
todo ato praticado durante a fase investigatória precisasse da intimação ou da anuência do
investigado, o inquérito perderia sua função na fase de persecução penal. Como o inquérito
visa solucionar um fato criminoso e sua autoria, o contraditório poderia atravancar a
realização de uma perfeita investigação.

Sendo assim, entende Fernando de Almeida Pedroso que “outorgar-se


contraditoriedade à fase investigatória resultaria em conturbá-la, tornando-a sinuosa e
atabalhoada, com sérios gravames para a futura relação processual penal”34.

Outro fundamento, defendido pelos doutrinadores, se traduz na natureza inquisitiva do


inquérito policial. Como vimos anteriormente, a autoridade policial tem discricionariedade na
decisão de autorizar ou realizar qualquer diligência, ainda que requerida pelo ofendido ou seu
representante legal (exceção ao exame de corpo de delito). Esta discricionariedade está
redigida no art. 14 do Código de Processo Penal.

Outra característica da inquisitividade do inquérito é o fato de não ser possível argüir


suspeição das autoridades policiais. Estas autoridades somente serão suspeitas, quando assim,
as declararem por motivo legal (art. 107 do CPP). Deve-se lembrar ainda, que caso haja
qualquer vício no curso do inquérito policial, este não será capaz de anular a ação penal. É
possível que o ato viciado no curso das investigações seja declarado como ineficaz ou
inválido, porém, não será argumento para um eventual pedido de anulação do processo.

A característica inquisitiva na primeira fase da persecução penal encontra outro


alicerce, quando se trata do sigilo nas investigações. Para os defensores desta tese, o
contraditório não é compatível com um instrumento sigiloso, no qual restringe a atuação do
réu e em algumas situações a do seu advogado.

Como se pode observar, estes doutrinadores, após especificarem todas as formas da


natureza inquisitiva do inquérito policial, concluem pela inaplicabilidade do contraditório na
fase investigatória. Segundo esses autores, o contraditório é compatível com um instituto
acusatório, como é o caso da ação penal e, não, com um instituto inquisitivo, corporificado
pelo inquérito policial.

34
PEDROSO, op. cit., p. 59.
30

Após delimitar as formas desta característica da fase investigatória, cabe observar o


que os defensores desta tese dizem a respeito da aplicação do contraditório em um
instrumento inquisitivo.

Fernando da Costa Tourinho Filho entende que:

O contraditório implica uma série de poderes que não se encontram, nem podem ser
encontrados, no inquérito policial: formular reperguntas ás testemunhas, argüir a
suspeição da Autoridade Policial, ter o direito de requerer diligências que lhe
interessem, não podendo sua realização ser mera faculdade da Autoridade Policial,
recorrer dos atos da Autoridade Policial. 35

Para Fernando de Almeida Pedroso, a natureza inquisitiva deve ser mantida para que o
inquérito consiga atingir sua finalidade, ou seja, buscar desvendar o fato criminoso e sua
autoria. O autor diz que:

O caráter inquisitivo do inquérito deve ser preservado, para que dessa sua natureza
decorra, como consectário lógico e sempre que necessário à elucidação do fato ou à
conveniência da sociedade, o sigilo das investigações 36.

Após analisar o posicionamento da maioria dos doutrinadores a respeito do caráter


inquisitivo do inquérito policial, cabe ainda, verificar um último fundamento para a não
aceitação do contraditório no curso das investigações.

A jurisprudência e a doutrina têm admitido a figura do contraditório deferido ou


postergado. Esta modalidade de contraditório ocorre quando uma prova é produzida ou
quando uma perícia é realizada durante as investigações extrajudiciais, sem que, se tenha dado
ao investigado o direito de ser intimado ou de contrariá-las.

Entretanto, estas provas ou estas perícias só terão valor se produzidas ou refeitas


perante o juízo competente e sob a “luz” do contraditório. Isto quer dizer que, se não for
garantido o direito da parte de contestar ou de refazê-las, as perícias ou as provas produzidas
no inquérito policial não terão qualquer efeito na ação penal, ou seja, deverão ser invalidadas
pelo magistrado no curso do processo.

Ao aceitar esta idéia de postergar o contraditório apenas para a ação penal, pode-se dar
a entender que o Código de Processo Penal e a Constituição Federal não estão sendo
respeitados. Para quem desconhece este instituto processual, o contraditório deferido aparenta
ser um ato juridicamente incorreto.

35
TOURINHO FILHO, op. cit., p. 64.
36
PEDROSO, op. cit., p. 59.
31

No entanto, não há qualquer previsão legal exigindo que o contraditório seja prévio ou
concomitante ao ato realizado. Desta forma, não há de se negar que esta modalidade de
contraditório deve ser aceita, e como conseqüência disso, o princípio perde a razão de ser
adotado no inquérito policial.

Um exemplo de contraditório deferido, citado pela doutrina, ocorre quando uma prova
pericial é realizada no curso das investigações do inquérito policial e, posteriormente, poderá,
em juízo, ser impugnada ou, se estiver errada, refeita.

Como se pode analisar, o contraditório deferido ou postergado é outro argumento


defendido por aqueles que são contrários à aplicação deste princípio constitucional na
primeira fase da persecução penal.

Antônio Scarance Fernandes, a respeito deste tipo de contraditório preleciona que:

Entre nós, as medidas cautelares em geral e também as perícias são, em regra,


determinadas durante a investigação sem a audiência do suspeito ou indiciado e sem
participação de advogado - a observância do contraditório é feita depois, dando-se
oportunidade ao acusado de, no processo, contestar a providência cautelar ou de
combater a prova pericial realizada no inquérito. Fala-se em contraditório diferido
ou postergado i.

Após analisar todos os fundamentos utilizados pelos doutrinadores e pelos Tribunais


relativos à não aceitação do princípio do contraditório no inquérito policial, cabe analisar, a
partir de agora, quais são e de quem são os entendimentos que aceitam o contraditório na fase
investigatória.

Vale salientar, mais uma vez, que a doutrina majoritária não aceita a aplicação deste
princípio.

3.2 DOUTRINA FAVORÁVEL À ADOÇÃO DO CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO

Quando se fala em aplicar o princípio do contraditório no inquérito policial, há a


necessidade de mencionar os principais defensores desta tese: Marcelo Fortes Barbosa e
Rogério Lauria Tucci.

Os argumentos apresentados por estes doutrinadores estão, diretamente, ligados na


32

questão da interpretação do inciso LV, art. 5º da Constituição Federal.

Para eles, quando a Constituição garante o direito ao contraditório para os “acusados


em geral”, deve-se entender que qualquer pessoa, estando sujeita a uma investigação ou a um
processo formalmente concretizado, estará apoiada por este princípio. Outro entendimento
não há, pois, se a Carta Magna tivesse o objetivo de restringir este direito, não teria utilizado a
expressão “acusados em geral”, mas apenas a palavra “acusados”. Como não houve esta
restrição, o indiciado ou, simplesmente, o suspeito no inquérito policial está englobado por
aquela expressão.

Rogério Lauria Tucci, em sua obra Direito e Garantias Individuais no Processo Penal,
cita este primeiro fundamento ao dizer que:

O legislador constitucional de 1988 inseriu a expressão “acusados em geral” no


inciso LV do art. 5º, evidenciando, com isso, a sua intenção de ampliar ao máximo o
alcance dessa expressão, pois, se essa não fosse a sua vontade, teria dito
simplesmente “acusados” – a amplitude, assim alargada, da expressão alcança, em
razão dessa máxima extensão proposta pelo constituinte, sem qualquer sombra de
dúvida, qualquer espécie de acusação, inclusive a ainda não formalmente
concretizada . 37

Para Marcelo Fortes Barbosa, o suspeito ou o indiciado não é mero objeto de


investigação, mas um sujeito de direitos, que, constitucionalmente, deve ser beneficiado pelo
contraditório. Entende que “[...] todo o sistema da Constituição de 1988 se encaminha para
uma concepção do indiciado como sujeito de direitos, afastando entendimentos ultrapassados,
que o viam como simples objeto de investigação” 38.

Como se pode perceber, os dois últimos doutrinadores citados, dão uma interpretação
totalmente diferente do inciso LV do art. 5º da Constituição Federal em relação aos demais
doutrinadores. Enquanto estes interpretam a expressão “acusados em geral” restritivamente,
aqueles ampliam para o indivíduo suspeito ou indiciado a qualidade de acusado, descrita pelo
referido inciso. Desta forma, o suspeito passaria de mero objeto de investigação para um
sujeito de direitos, ou seja, ser-lhe-ia garantido o contraditório no inquérito policial.

O outro fundamento, apresentado pelos seguidores desta tese, também, está ligado à
interpretação do inciso LV do art. 5º. Este inciso garante o princípio do contraditório para

37
TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. São Paulo:
tese para o concurso de professor titular de direito processual penal da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, 1993, p. 27.
38
BARBOSA, Marcelo Fontes. Garantias constitucionais de direito penal e de processo penal na
constituição de 1988. São Paulo: dissertação de mestrado da Universidade Presbiteriana Mackenzie,
1993, p. 146.
33

todos os litigantes em processo judicial ou administrativo.

Na nossa doutrina, não se tem um consenso se o inquérito policial é um procedimento


administrativo ou um processo administrativo ou, simplesmente, um conjunto de atos
administrativos. Para os adeptos da adoção do contraditório, o legislador constituinte ao
mencionar a expressão “processo administrativo” do inciso LV, cometeu um erro
terminológico, pois sua verdadeira intenção era expressar “procedimento administrativo”.

Desta forma, os defensores assíduos da aplicação do contraditório na fase


investigatória estariam, constitucionalmente, fundamentados, pois para eles o inquérito
policial é um procedimento e não um processo.

André Rovégno, ao citar Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz, trata a questão da
confusão terminológica do art. 5º, inciso LV ao dizer que:

A confusão terminológica, e até mesmo conceptual, entre processo e procedimento


se tradicionalizou em nosso País, a ponto de, no texto de uma Constituição falar-se
em processo administrativo, quando se está querendo aludir a procedimento
administrativo, motivo pelo qual não se deve fazer uma interpretação
excessivamente restritiva dos conceitos, vez que o próprio legislador nacional
entende ser possível a utilização do vocábulo processo para designar procedimento
39
.

Para aqueles que entendem que o inquérito policial é um procedimento, e como para
alguns, a Constituição Federal mencionou “processo administrativo” de uma forma genérica,
aceitando-se então, a interpretação como se “procedimento” fosse, nada mais natural e lógico,
que o princípio do contraditório seja efetivamente aplicado no curso das investigações.

Os argumentos expostos, daqueles que defendem a adoção do contraditório no


inquérito policial, como se pode observar, é todo baseado em uma interpretação ampliativa do
inciso LV, do art. 5º da Constituição Federal.

Como já ressaltamos anteriormente, o entendimento da doutrina de uma forma geral,


e, principalmente, dos nossos Tribunais, é de que o contraditório não é aplicável na fase
investigatória, pois esta é puramente inquisitiva.

39
ROVÉGNO, op. cit., p. 303.
34

4 PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA

Assim como o princípio do contraditório, a ampla defesa é garantida a todos os


litigantes em processo judicial e administrativo e aos “acusados em geral”.

Ampla defesa ou direito de defesa surgiu no ordenamento jurídico brasileiro, na


Constituição de 1824, em seu art. 179, par. 8º. Nas Constituições seguintes, este fenômeno
processual permaneceu, e, atualmente, está descrita no inciso LV, do art. 5º da Constituição
Federal.

Ampla defesa pode ser entendida como uma garantia processual destinada a todas as
pessoas que, por algum motivo, são sujeitos passivos em uma relação; relação esta que, não
necessariamente, necessita ser um processo. Este princípio é exclusivo ao indivíduo que, por
alguma razão, se encontre em uma situação desfavorável , diferentemente, do princípio do
contraditório, no qual é garantido para ambas as partes.

André Rovégno sustenta este entendimento ampliativo da abrangência do direito de


defesa quando leciona:

Ampla defesa pode, portanto, ter lugar nos mais variados momentos e sob os mais
variados títulos; – em expedientes jurídicos que não sejam caracterizados como
processo judicial ou administrativo, mas onde se denote qualquer risco ou iminência
de surgimento de um quadro desfavorável em um indivíduo, pode aí ter lugar a
defesa ampla 40.

Em complemento à definição de ampla defesa, pode-se dizer, ainda, que este é o meio,
pelo qual se dá ao imputado, de trazer todos os elementos possíveis e legais ao processo, a fim
de que se esclareça a verdade dos fatos. Tudo o que for admitido em direito poderá ser trazido
ao processo, seja para esclarecer a verdade, seja para inocentar o acusado.

Assim como reza o próprio inciso LV , o direito de defesa é aplicado em processos


judiciais e administrativos. No entanto, é no processo penal que este princípio deve ter um
maior campo de atuação, ou seja, deve-se garantir aos “acusados em geral” todas as
possibilidades de defesa, pois o direito penal e, principalmente, o processo penal atingem
direitos indisponíveis dos cidadãos.

40
Ibid., p. 278.
35

Em relação ao processo penal, a ampla defesa se concretiza de diversas maneiras, tais


como: necessidade de se conferir acusado, além da defesa pessoal (autodefesa), a defesa
técnica, com a possibilidade, para os necessitados, de obtenção de assistência jurídica integral
e gratuita; a imperativa observância da ordem de manifestação no processo, com a defesa
falando sempre por último; existência de acusação clara precisa; possibilidade de
apresentação de alegações e dados fáticos contra a acusação; a possibilidade de acompanhar a
prova produzida; a possibilidade de impugnar, por meio de recurso, toda decisão
desfavorável; a concessão de tempo e meios adequados para a preparação da defesa; e por
fim, o direito de não ser obrigado a depor contra si. 41

Entre diversas maneiras de atuação elencadas no parágrafo anterior, vale ressaltar que
algumas delas são descritas pela doutrina, como formas de atuação do princípio do
contraditório e não da ampla defesa.

Após analisar algumas formas de atuação do direito de defesa, cabe agora, descrever
as duas espécies deste princípio: autodefesa e defesa técnica.

4.1 AUTODEFESA

A autodefesa é um direito do individuo, que não pode ser suprimida pelo magistrado,
porém ela é renunciável, ou seja, o acusado pode dispensar as garantias fornecidas por esta
espécie de ampla defesa.

Ela é exercida pelo próprio acusado, sem a presença de um advogado na realização de


determinado ato. Ocorre, principalmente, no ato do interrogatório, quando o acusado fornece
sua versão sob os fatos ou quando invoca o direito ao silêncio (art. 5º, inciso LXIII). O
acusado pode, ainda, acompanhar os atos da instrução criminal, solicitar a realização de
provas e requerer a sua presença no cumprimento de diligências.

Neste sentido, Antônio Scarance Fernandes entende que a autodefesa se manifesta


através “do direito de audiência, direito de presença e direito de postular pessoalmente” 42.
Todos esses direitos são corporificados pelos atos praticados pelo acusado do parágrafo
41
Ibid., p. 269.
42
FERNANDES, op. cit., p. 280.
36

anterior.

4.2 DEFESA TÉCNICA

O princípio da ampla defesa, também tem como espécie, além da já citada autodefesa,
a defesa profissional ou defesa técnica, como é mais conhecida.

A defesa técnica é aquela realizada por profissional habilitado (advogado),


profissional este possuidor de capacidade postulatória. Uma de suas características é a
indisponibilidade, ou seja, o imputado não pode renunciar este direito, pois, caso contrário, o
princípio da igualdade das partes estaria afetado.

Não é juridicamente correto a acusação ser representada por quem detém habilidade
técnica (em ação penal pública, o promotor é quem possui esta habilidade; na ação penal
privada é o advogado) e a defesa não ter nenhum representante técnico. Como salienta André
Rovégno, “é por esse motivo que, se o acusado resiste a constituir advogado, deve o juiz
nomear-lhe um, que ficará responsável por sua defesa [...]” 43.

Além de indisponível, a defesa técnica deve ser plena. Esta característica nos revela
que a defesa, realizada por profissional habilitado, deve ocorrer durante toda a ação. O
acusado não pode ficar desprovido desta modalidade de defesa. Caso o indivíduo não tenha ou
não possua condições de pagar um defensor, deve o juiz, obrigatoriamente, nomear um dativo
para suprir esta falta. É muito importante que se tenha a presença de advogado no curso da
ação penal.

Depois de verificar as duas primeiras características da defesa técnica, cabe agora


estudar a terceira e última: defesa técnica efetiva. A efetividade, a qual se busca no direito de
defesa, está relacionada à atuação do advogado no processo. Esta atuação não pode ser
meramente física, ou seja, o defensor tem que ser atuante no processo, agindo conforme os
poderes que lhe são conferidos na busca de uma decisão favorável ao acusado.

Antônio Scarance Fernandes traz essa idéia de atividade efetiva do advogado quando
leciona:
43
ROVÉGNO, op. cit., p. 272.
37

É preciso que se perceba, no processo, atividade efetiva do advogado no sentido


assistir o acusado; - de que adiantaria defensor designado que não arrolasse
testemunhas, não perguntasse, oferecesse alegações finais exageradamente sucintas,
sem análise da prova, e que, por exemplo, culminassem com pedido de Justiça? –
haveria, aí, alguém designado para defender o acusado, mas a sua atuação seria tão
deficiente que é como se não houvesse defensor 44.

A título de curiosidade, defesa técnica assegura a todo acusado a possibilidade de


escolher qualquer defensor, pois, entre eles, deve sempre existir uma relação de confiança,
principalmente, do acusado em relação ao advogado. O magistrado somente poderá interferir
neste direito de escolha, quando o advogado deixar de atuar no processo, prejudicando a
defesa do acusado. Quando isto acontece, cabe ao juiz destituir o advogado desidioso e
intimar o imputado, para que contrate outro defensor. Caso não o faça, o juiz poderá nomear
um advogado de sua confiança para realizar a defesa.

Após discorrermos sob as duas espécies de ampla defesa, é possível concluir que para
se garantir uma defesa efetiva e satisfatória ao acusado, a autodefesa e a defesa técnica devem
percorrer, conjuntamente, o desenrolar da ação penal.

O acusado tem o conhecimento dos fatos, porém não saberá utilizá-los da melhor
forma possível. Desconhece o momento, a forma e as possibilidades de discorrer sobre tais
fatos, de uma maneira que possa influenciar a decisão do magistrado em seu favor.

Em sentido diverso, o defensor técnico tem o conhecimento jurídico, tanto o prático


quanto o teórico. Ele sabe de todas as regras, procedimentos e conhece quais são as brechas
legais e, principalmente, sabe como aplicá-las. No entanto, o defensor técnico desconhece a
fundo a verdade sobre os fatos, sendo assim, seu conhecimento técnico fica prejudicado na
defesa do indivíduo.

Desta forma, outro entendimento não há, pois para que o direito de defesa seja,
realmente, aplicado, a autodefesa e a defesa técnica devem se complementar.

Com este raciocínio, André Rovégno cita o autor Antônio Magalhães Gomes Filho,
que entende “as duas facetas do direito de defesa são complementares e somente a sua
coexistência em todo o desenrolar do processo é capaz de assegurar a efetividade da
participação em contraditório”. 45

44
FERNANDES, op. cit., p. 273.
45
ROVÉGNO, op. cit., p. 271.
38

4.3 DIFERENÇA ENTRE O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

A doutrina nunca conseguiu diferenciar os limites de atuação dos princípios


constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Alguns aspectos apontados como forma de
atuação do contraditório podem também ser considerados pertencentes à ampla defesa, e vice-
versa. Há doutrinadores que tentam estabelecer determinados critérios distintivos, porém,
obter a perfeita diferença entre estes dois princípios, parece algo distante de ser alcançado.

Autores como Cândido Rangel Dinamarco e Ada Pellegrini Grinover, não procuram
diferenciar o contraditório da ampla defesa. Entendem que a ampla defesa é um elemento do
contraditório, isto é, este princípio abrange aquele, e, em determinados momentos, eles se
complementam.

Entretanto, contra este raciocínio, a doutrina majoritária tem defendido a noção de que
a ampla defesa é um princípio mais abrangente, sendo o contraditório um instrumento de
atuação daquele.

Defensor desta tese, Marcelo Fortes Barbosa, citado por André Rovégno, diz que
“enxerga na ampla defesa o princípio maior, absoluto e superposto ao contraditório” 46.

Como se pode observar, a doutrina de uma maneira geral, não faz uma diferenciação
entre os dois princípios. O que se discute é a questão da abrangência ou não de um princípio
sobre o outro.

No entanto, o doutrinador Gil Ferreira de Mesquita, em uma obra destinada ao


processo civil, propôs uma diferenciação entre o contraditório e a ampla defesa e que, através
de suas conclusões, poderá ser transportada ao processo penal. O livro, Os Princípios do
Contraditório e da Ampla Defesa no Processo Civil Brasileiro, é baseado em dois critérios: o
critério dos destinatários e o critério do grau de dependência.

O primeiro, decorre do entendimento de que o contraditório é destinado tanto para a


acusação quanto para a defesa, isto é, o contraditório é um princípio que abrange ambas as
partes na relação processual. Por outro lado, a ampla defesa é destinada somente à defesa,
pois, para o autor, o direito que é garantido à acusação de defender suas teses, levar elementos
de prova ao processo e atacar decisões que considere injusta, decorre do direito de ação,
46
Ibid., p. 275.
39

consagrado no inciso XXXV, do art. 5º da Constituição Federal, e não do direito de defesa.


Este inciso diz que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”.

Sendo assim, o legislador constitucional teria cometido um erro técnico ao garantir a


ampla defesa a todos os litigantes em processo judicial ou administrativo. Segundo Gil
Ferreira Mesquita, a ampla defesa deve ser assegurada apenas ao sujeito passivo da relação,
pois ao acusado já lhe é garantido o direito de ação. É este direito que confere à acusação, seja
ela pública ou privada, a garantia de atuação efetiva do processo.

André Rovégno, citando Gil Ferreira, conclui que “é a bilateralidade entre ação e
defesa o que torna o exercício da defesa dos interesses das partes distinto em base
principiológica: o autor exerce em razão do princípio da ação; o réu, face do princípio da
ampla defesa”. 47

Em relação ao critério dependência, entende-se que o contraditório é o elemento


iniciador do princípio da ampla defesa, pois é aquele que garante às partes o direito à
informação e à reação. Como o próprio autor entende, o contraditório funciona como um
gatilho para a ampla defesa, sendo um plus necessário para o desencadeamento de todas as
suas conseqüências.

Depois do breve comentário sobre as possíveis diferenças existentes entre o princípio


do contraditório e o da ampla defesa, cabe agora, analisar a aplicabilidade da ampla defesa no
inquérito policial. Primeiramente, estudaremos os argumentos que negam a adoção de tal
princípio e, posteriormente, serão abordados os fundamentos daqueles que aceitam a ampla
defesa na fase investigatória

4.4 DOUTRINA CONTRÁRIA À ADOÇÃO DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO

No Capítulo II deste trabalho, abordamos os fundamentos elencados pela doutrina


majoritária, para a não aceitação do princípio constitucional do contraditório no inquérito
policial.

47
Ibid., p. 277.
40

Este tópico tem como objetivo descrever quais são os argumentos plausíveis para a
não adoção do princípio constitucional da ampla defesa na fase investigatória. Todos os
argumentos apresentados para negar a adoção do contraditório servem, também, para negar a
aplicação da ampla defesa no inquérito policial.

A ampla defesa, assim como o contraditório, pode prejudicar o perfeito andamento das
investigações. O inquérito policial perderia a sua verdadeira finalidade, pois se em todo ato
praticado houvesse a necessidade de se garantir o direito de defesa do suspeito, a eficácia
deste instrumento estaria comprometida.

Segundo o entendimento jurisprudencial e doutrinário, a interpretação do inciso LV do


art. 5º da Constituição Federal deve ser restrita a literalidade do texto. Dessa forma, a
Constituição não garante a ampla defesa no inquérito policial, tendo em vista que este
princípio é garantido apenas aos litigantes em processo judicial e administrativo e ao acusados
em geral.

Em primeiro lugar, o inquérito não é processo; estruturalmente ele é descrito como um


procedimento. Em segundo lugar, na fase investigatória não há a presença de litigantes e
muito menos a figura do acusado; no inquérito não existem partes litigando uma contra a
outra, mas, sim, um sujeito objeto de investigações. E este sujeito, de forma alguma, pode ser
considerado como o acusado a que se refere a Constituição Federal; não se pode confundir o
indivíduo investigado com o indivíduo acusado.

O terceiro e último fundamento, defendido pela doutrina, para a não aplicação da


ampla defesa na primeira fase da persecução penal, corporifica-se em sua natureza inquisitiva.

Esta característica do inquérito policial, defendida por grande parte da doutrina, já foi
tema de estudo em capítulos anteriores neste trabalho. Como podemos verificar, a
inquisitividade é encontrada em diversos momentos na fase de investigação.

A discricionariedade da autoridade policial, quanto ás realizações de diligências,


também, é outra característica apontada pela doutrina. Podemos lembrar ainda da
impossibilidade de se argüir a suspeição da autoridade policial; autoridade esta que preside
todas as investigações.

Para finalizar o entendimento sobre a inquisitividade do inquérito, retornaremos ao


raciocínio de que um vício ocorrido durante as investigações não tem força legal para anular
uma ação penal. Como já visto, este vício pode invalidar algum ato do inquérito, porém não
será capaz de prejudicar o andamento de um processo.
41

Em complemento ao parágrafo anterior, salienta ainda a doutrina que o inquérito é


mero instrumento preparador da ação penal, ou seja, cabe ao Ministério Público analisá-lo, e
se entender necessário, propor a devida ação penal.

Depois da análise destes fundamentos, concluímos que os motivos apresentados pelos


autores que não aceitam a aplicação do contraditório no inquérito policial são os mesmos que
negam a ampla defesa. Não há, na doutrina ou na jurisprudência, argumentos que diferenciam
a tese da não adoção destes princípios constitucionais na fase investigatória.

Embora a maioria da doutrina e da jurisprudência defenda esta tese, é certo que o


indivíduo, sujeito passivo das investigações, não deve ser submetido às injustiças praticadas
pelo órgão Estatal responsável pela persecução penal.

Neste sentido André Rovégno, quando cita o autor Fauzi Hassan Chouke, diz que:

Compreender a extrema dificuldade de inserção da garantia já na investigação não


significa o abandono do suspeito a uma sorte arbitrária, onde venha a ser alvo
constante e absoluto de injustiças e sofra investigações criminais fruto de
imaginação dos órgãos estatais responsáveis pela persecução 48.

4.5 DOUTRINA FAVORÁVEL À ADOÇÃO DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO

Ao contrário do princípio do contraditório, a adoção da ampla defesa no inquérito


policial é defendida por um número considerável da doutrina. É evidente que, a doutrina
majoritária é contrária a este entendimento, no entanto vem surgindo, em nossa doutrina,
respeitáveis estudos que defendem a aplicação deste princípio na fase investigatória.

Todas as obras que negam a ampla defesa no inquérito policial sempre estão
fundamentadas pelo caráter inquisitivo deste instrumento. Entretanto, o direito à defesa não
pode ser negado ao investigado. Este, segundo essa doutrina, é sujeito de direitos, ou seja, não
pode ser submetido a uma investigação onde não lhe é garantido direitos inerentes à condição
da dignidade humana.

As palavras de André Rovégno trazem esta indignação:

Aceitar que a defesa está impedida de qualquer participação no inquérito policial,

48
Ibid., p. 286.
42

por ser um expediente de natureza inquisitiva, significa aceitar a idéia de


inquisitividade medieval, que tratava o inquirido como objeto e não como sujeito de
direitos, perspectiva que está totalmente superada pelas conquistas do Estado de
Direito, do pleno reconhecimento da dignidade humana e dos direitos inerentes a
essa mesma condição humana 49.

A ampla defesa é o principal mecanismo de proteção ao indivíduo, contra toda forma


de atuação Estatal. O cidadão, que por algum motivo, tem seu patrimônio jurídico colocado
em risco por ato do Estado, deve usufruir o direito de defesa.

Como se sabe, o inquérito policial é um instrumento Estatal, destinado à persecução


penal. Durante as investigações, determinados atos praticados pela autoridade policial, podem
atingir o patrimônio jurídico de uma pessoa. Como exemplos desta invasão, podemos citar: a
decretação de prisão preventiva ou da prisão temporária, a apreensão e seqüestro de bens, a
busca pessoal ou domiciliar, a limitação do direito à inviolabilidade do domicílio, da
intimidade e da vida privada, entre outros.

Para os defensores deste entendimento, a ampla defesa é a garantia mais eficaz para
que o cidadão proteja o seu direito à liberdade e ao seu patrimônio. Mesmo que as restrições
impostas durante a fase investigatória não tenham caráter definitivo, deve-se garantir a todos
este direito.

Um outro argumento, para a aplicação da ampla defesa, decorre da já comentada


interpretação do inciso LV, do art. 5º da Constituição Federal. Para alguns doutrinadores, o
indiciamento deve ser considerado como uma efetiva acusação. A partir do momento que a
autoridade policial reúne fortes indícios contra uma pessoa, esta será indiciada.

Pode-se negar que o indiciamento seja uma acusação formal, porém é inadmissível
entender que o indivíduo indiciado não esteja abrangido por uma acepção ampla do conceito
de acusado.

Marta Saad, ao citar Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, entende que tal afirmação
encontra respaldo técnico, pois:

[...] o indiciamento traz serias implicações: o indiciado afiançado, por exemplo, não
se ausenta, nem muda de residência, sem aviso e permissão, tendo-lhe, pois, restrita
a liberdade de ir e vir (arts. 322 e 328 do Código de Processo Penal); - pode, ainda,
sofrer apreensão e seqüestro de bens, providências cautelares, coarctantes dos
direitos de posse e propriedade 50.

49
Ibid., p. 332.
50
SAAD, op. cit., p. 255.
43

Com estes exemplos e com outros já mencionados, fica evidente que o indiciamento
traz uma série de restrições à pessoa. Além dos exemplos técnicos, podemos citar, ainda, as
restrições econômicas e a prejudicialidade á honra do indivíduo.

O fato do legislador constituinte não mencionar a figura do investigado no inciso LV,


não pode ser considerado como fundamento para a não aplicação do princípio da ampla
defesa no inquérito policial. É evidente que investigado foi englobado pela expressão
“acusados em geral”.

Sendo assim, há o entendimento de que é a partir do indiciamento que nasce o direito à


ampla defesa ao imputado. Marta Saad é defensora desta posição quando diz que:

Tem-se no indiciamento o momento procedimental ideal a partir do qual se deve,


necessariamente, garantir a oportunidade ou ensejo ao exercício do direito de defesa,
dado que o juízo que encerra é o de ser o sujeito o provável autor do delito; - o
indiciado tem interesse em demonstrar que não deve ser denunciado em juízo 51.

Há, também, entendimentos no sentido de que os atos policiais, desde que tenham a
finalidade de produzir prova, devem estar acompanhados pela presença física do advogado. A
presença do defensor nada mais é do que o exercício da defesa técnica. Como já estudamos
anteriormente, a defesa técnica é uma das modalidades da ampla defesa.

É impossível não entender que a presença física do advogado nos atos das
investigações, o requerimento de diligências e a possibilidade de acesso aos autos do inquérito
policial, não sejam uma demonstração de que ampla defesa está sendo realmente aplicada.
Todos estes exemplos citados acima, podem ser considerados como exteriorizações deste
princípio.

André Rovégno, quanto ao último exemplo, entende que o advogado deve ter livre
acesso aos autos de inquérito quando diz que:

[...] o inciso XIV do art. 6º do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, que
garantiu, de forma ampla, a possibilidade de acesso ao advogado dos autos de
inquérito policial, mesmo que sem procuração e ainda que conclusos à autoridade 52.

Em relação à presença do defensor na prática de atos da investigação extrajudicial, a


nossa doutrina ainda tem divergido. Entretanto, para os idealizadores desta idéia, não há
motivo justificável para o impedimento, pois desde que o advogado compareça

51
Ibid., p. 261.
52
ROVÉGNO, op. cit., p. 345.
44

espontaneamente ao local onde o ato deva ser realizado e se comprometa a não turbar o
procedimento, sua presença deverá ser garantida.

No que tange ao requerimento de diligências por parte do advogado ou do investigado,


a doutrina, de uma maneira geral, endente pela impossibilidade quando a autoridade indeferir
o pedido. Como já estudamos nos capítulos anteriores, o art. 14º do Código de Processo Penal
confere à autoridade policial deferir ou não o requerimento de diligências.

No entanto, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XXXIV, alínea “a”,
garante a todo cidadão o direito de petição aos Poderes Públicos. Não se pode conceber a
sobreposição do art. 14º do CPP (norma infraconstitucional) sobre um direito assegurado pela
Constituição. O Código de Processo Penal foi elaborado em 1942, sendo assim, com o
advento da Magna Carta de 1988, não se pode admitir o caráter discricionário do delegado de
polícia no deferimento ou não de diligenciais.

Diante de todos os argumentos expostos neste tópico, um número considerável de


doutrinadores vêm admitindo a aplicação do princípio constitucional da ampla defesa. No
entanto, este não é um tema pacífico na nossa doutrina e, em relação aos Tribunais, a ampla
defesa continua não sendo aceita na fase investigatória.
45

5 CONCLUSÃO

Depois da extensa explanação, chegou a hora de concluir o estudo a respeito do


inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Como já verificamos, o inquérito policial surgiu com o Decreto Regulamentar n. 4824


de 1871. Desde então, sua finalidade pouco mudou, pois a fase investigatória continua com o
objetivo de reunir elementos para a apuração de condutas criminosas e as suas respectivas
autorias.

Há, ainda, o entendimento doutrinário de que o inquérito policial serve apenas como
um instrumento preparatório da ação penal. Entretanto, há uma outra corrente doutrinaria que
discorda desta afirmação e é a que nos parece ser o entendimento mais correto, quando diz
que a fase investigatória tem como finalidade reunir elementos, que valorados pelo juiz
competente, esclareçam a verdade dos fatos.

Desta forma, o inquérito pode tanto ser o instrumento que impulsione uma ação penal,
quanto um instrumento que prove a inocência de um suspeito. Não se dever admitir que a
finalidade da primeira fase da persecução criminal seja única e exclusivamente de fornecer
elementos para que o titular da ação penal exerça seu direito.

Quanto ao inquérito, pode-se dizer ainda, que este é um conjunto de atos


administrativos, presidido por delegado de polícia de carreira, ou seja, é comandado por uma
autoridade concursada que exerce sua função com imparcialidade e respeito às normas
processuais penais. O delegado pode ser considerado como um dos sujeitos do inquérito,
assim como as testemunhas, a vítima, os destinatários imediato (possível titular da ação penal)
e mediato (o juiz) e, principalmente, o investigado.

Além da finalidade, do conceito e dos sujeitos que compõem o inquérito policial,


procurou-se elencar quais são as principais características apresentadas pela doutrina
brasileira.

Sendo assim, estudou-se que o inquérito é marcado por ser um instrumento sigiloso,
observando que este sigilo não se estende ao órgão do Ministério Público, ao juiz e, em
respeito ao princípio da ampla defesa, também não se estende ao advogado.

A fase investigatória deve ser escrita, ou seja, não se admite investigações verbais.
46

Estudou-se ainda, que o inquérito só pode ser realizado por órgãos oficiais, tirando dos
particulares a competência para tanto; daí a característica da oficialidade.

A oficiosidade também é uma das características, e dela pode-se entender que a partir
do momento que a autoridade policial toma conhecimento de um ilícito penal, deverá
imediatamente instaurar as investigações.

No que se refere à indisponibilidade, não é conferido ao delegado de polícia o poder


de arquivar os autos do inquérito; apenas o Ministério Público pode requerer tal arquivamento
e, caberá ao juiz decidir este requerimento.

Pode-se lembrar a característica da dispensabilidade; o inquérito não é essencial para a


propositura de uma ação penal. Se o titular da ação penal tiver elementos suficientes, poderá
dispensar este instrumento.

Em relação à incomunicabilidade do preso, entende-se que a Constituição Federal de


1988 revogou esta característica, pois se em um estado de exceção o legislador constituinte
extinguiu tal restrição, nada mais natural que, em um período de normalidade, esta regra não
se aplicasse mais.

O caráter informativo é defendido por aqueles que sustentam que o inquérito é um


instrumento preparatório da ação penal. Para eles, a fase investigatória tem como objetivo
apenas fornecer elementos ao titular da ação penal, tanto que, se algum ato praticado durante
as investigações for viciado, tal ato não será capaz de anular o processo instaurado.

A última característica apresentada neste trabalho foi a inquisitividade do inquérito


policial. Esta característica, segundo a doutrina majoritária e a jurisprudência, ocorre pelo fato
de o Código de Processo Penal garantir à autoridade policial certa discricionariedade na
condução das investigações e, ainda, por não ser possível argüir suspeição contra as mesmas.
Em conseqüência disso, não se aplicaria os princípios constitucionais do contraditório e da
ampla defesa nesta fase.

Em relação ao contraditório, o entendimento é de que não se deve aplicar este


princípio na primeira fase da persecução penal. Como pode-se analisar, para que se admita a
possibilidade do contraditório, há, necessariamente, a preexistência de partes em sentido
opostos, ou seja, deve existir acusação e acusado; requisitos que preencham o binômio ciência
e participação.

O contraditório só é aplicável em um sistema acusatório, onde é garantida às partes o


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direito de efetiva participação na instrução criminal. No nosso ordenamento jurídico, não há


previsão de que os atos praticados durante as investigações devam ser acompanhados pelos
suspeitos. Dessa forma, fica suprimido um direito inerente do princípio do contraditório,
revelando-se mais uma vez, a natureza inquisitiva do inquérito.

A discricionariedade da autoridade policial em deferir ou não uma diligência requerida


pelo investigado e o fato de não se poder argüir suspeição destes funcionários públicos
reforçam a idéia da inquisitividade da fase investigatória; característica incompatível com o
contraditório.

Pode-se ainda entender pela não adoção do contraditório no inquérito policial, pois
como já é sabido, existe a possibilidade do contraditório deferido. É através deste instrumento
que um ato, realizado sem a ciência ou a participação do investigado durante as investigações,
possa ser refeito durante a instrução criminal. Se nesta fase, a prova colhida durante a fase
investigatória não for refeita sob a luz do contraditório, esta será ineficaz para o processo.

Para finalizar a compreensão da não aplicação do contraditório no inquérito policial,


pode-se citar que este instrumento não tem caráter decisório e, sim, informativo. No entanto,
esta última característica não é o de servir única e exclusivamente ao titular da ação penal. Ou
seja, é que o inquérito é uma atividade desenvolvida, essencialmente, para a colheita de
informações, sendo facultado ao magistrado, utilizá-las ou não para a formação de seu
convencimento.

Em relação à ampla defesa, defende-se a sua adoção na fase investigatória. Este


princípio cabe para todos os crimes e em qualquer tempo e estado da causa.

A questão do inquérito policial ter natureza inquisitiva não pode servir como
fundamento para impedir a atuação da ampla defesa. O imputado deve ser visto pelo nosso
ordenamento como um sujeito de direitos e, não apenas, como um simples objeto de
investigação. Caso contrário, estaríamos vivendo um sistema de inquisitividade medieval,
desrespeitando todo o Estado de Direito e a dignidade humana.

Como já foi solientado, a ampla defesa é o mecanismo mais abrangente e eficaz


destinado à proteção dos interesses dos cidadãos. Quando o patrimônio jurídico de um
indivíduo é colocado em risco por uma intervenção Estatal, o direito de defesa deve lhe ser
assegurado. O inquérito policial pode ser interpretado como uma atividade que coloca em
risco o patrimônio jurídico do investigado, seja através da privação de liberdade, seja pela
perda da posse de seus bens.
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A Constituição Federal garante a todos os “acusados em geral” o direito à ampla


defesa. Muito embora, possa se falar que esta expressão não engloba a figura do indiciado,
concluí-se que o indiciamento pode ser considerado como uma forma de acusação informal.
Sendo assim, o indiciado seria recepcionado pela norma constitucional do inciso LV, art. 5º.

Por todos os prejuízos legais, sociais, psicológicos e até financeiros, é difícil não
correlacionar o indivíduo investigado com a expressão “acusados em geral”. É importante
ressaltar que este posicionamento não tem como objetivo ampliar a interpretação da norma. O
que estamos tentando afirmar é que o legislador constitucional, de uma forma não tão clara,
garantiu a ampla defesa a todos os acusados, inclusive ao cidadão indiciado.

Desta forma, entende-se pela aplicação da ampla defesa no inquérito policial, pois é
através deste direito que o indivíduo conseguirá se defender das restrições a seu patrimônio e
à sua liberdade. Poderá, ainda, apresentar todos os argumentos que sirvam para demonstrar a
verdade dos fatos e que possam, de alguma maneira, encerrar as investigações ou embasar o
não recebimento da peça inicial de acusação.
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