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12 pesquisa a HP TEMPO E MUDANGA NO PAN TANA L SUL- ‘csrosnisstncr por Alvaro Banducel Janior \AHETAS CELSO ARAKAKI © seninet ge mae ciiraeom ese cena _ FOF en, 5 soars ais peo 0 cian do vi sama a aman can epi tno he te oar poss oles oe emt tu ge Sou te iran ome a Sean a isnasann sees ane meee case dnt donne ws pa omen cose sae. otras as van eet a in en a a on pr pose ah, cihgnmasn ane cnrieSewee eno io ade Ga ea cn oe ate One Sa Socios ar Ne a Soscplnme sins nal Se Meme a ee cae tenho fe nn chm i ge a See ee Shs pe asteeernc maaan ngs eae “Sones sapere Ge a te, Space Re eee eee eaniae a a enna a Nt a nse rn cee ee icin eter ane dette koa alee sear ingens SRS Seem ee ie cae atm ate incertae mee eases ee nen nacre mny Secs, rai cor ou a a Sr i eevenaner sae ee ns Sino wo penancv, devido a0 arses coleve de tus Ohta, uns essa um conflto amoreso, uss deli de consciencia, slo Exos que pelea sea ‘anharimenstespublicas com maior flciidadee frequéncia que no anbvente ne wands dade, © grupo participa dos sentiments indivicuais'e ‘richard, a atvidades do pantanere com 9:B2do tem sim carat mca Tier'fre us 0 tengo Gapenes ao uablte no campo ale’? webs po ‘sabia en, mug vo ctioiy snared code tom sig pre da Sine ee datnvaom.hvqucadh& om tal bead’ nad mas 30 ‘ume icnpo eiidune. © ecg onde peo tm eporndade de “oer sas blades, ext Sun creme tes km de efimas seu Uma Dindmica Diferente ns sna do temgo na scien ra bon, 0 ilo a Sac 9 Om gona rh eicdade en, medrthe conga I go moa 8 peas sci dina, Se © emp eS Cutan cme dese x mgd Cnurnds erode caval qu “pura @ dete de gees uc, mats tds, mas ree de 1 Teas catciman em po cance mise cgae_ so wnt ses fon mas usd rao logis comes So do ‘eens ‘hath tempo do pvr guesses ors dow mance NHS HO ite vr na ui 0 tes i! ¢ A a ence a devas. gu vnc em i aa do me “one “oh i at 9 ta ‘te Sana hagas as i ae pees Oo sentimento que normalmente cultivamos com respeito as socicdades Turais, si falta de dinamismo e¢ carater retrégrado, torna-se ainda mais consistente quando P teferido a regides distantcs ¢ isoladas dos grandes ccntros urbanos, 7 Nossa percepgaio do tempo -e das. mudangas que nele ocorrem = estuturada que d esta na sucessao rapida da atividade difcrentes, choca-se como ritmo "cadenciado" e 9 “organico" da existéncia no campo. Nele, © principal elemento regulador do fluxo 5 das ocupagoes humanas ainda € a natureza e, por maiores que sejam os avangos ‘ tecnoldgicos, 0 tempo que rege a produgdo rural independe em muitos aspectos de : Nossa vontade ou controle. Para que animais de corte atinjam o ponto de abate, por ; exemplo, € necessario aguardar scu crescimento e engorda € para que graos scjam ; colhidos é preciso antes esperar scu amadurecimento. Sado limitados os recursos capazes de acelerar e dinamizar estes processos. Aliados ao seu curso "natural", 0 isolamento da vida no campo contribui para sedimentar no morador da cidade a idéia de uma existéncia est4tica ¢ monotona. Mas, até onde esta imagem condiz com a realidade do mundo rural? De que modo o serianejo percebe o ritmo de sua existéncia? Haveria nela espago para criatividade € inovagdo ja que permanece em muitos aspectos regida pelo ciclo astrondmico ¢ sazonal? “Este artigo procura discutir estas questdes tendo como referéncia uma regio considerada ainda bastante distanciada -da sociedade urbana. Trata-se do pantanal matogrossense, mais exatamente as regides do Pago da Lontra e Nhecolandia, onde sdo analisadas a dinamica interna dos grupos que ld residem e 0 modo como vivenciam as recentes experiéncias de contato com o urbano. Certamente que as conclusées deste trabalho ndo sao extensivas ao pantanal como um todo. No entanto, apesar das situagées abordadas possuirem uma localizagdo espago-temporal especifica, podendo inclusive, em alguns aspectos, serem apontadas como "casos limites" - tanto geografica como sociolégicamente(!) - elas esto ocorrendo no pantanal e € a cultura do homem pantaneiro que estara sendo tratada em todo o decorrer do artigo. Uma Dindmica Diferente Quando discute 0 problema do tempo na sociedade rural ¢ urbana, 0 socidlogo francés Maurice Halbwachs aponta para a dificuldade em medir-lhe compara- tivamente a intensidade ja que referc-se a logicas sociais distintas. Se 0 tempo SEN [ere ct Tot Uma Dindmica Diferente Quando discute 0 problema do tem rancés Maurice Halbwachs aponta ‘ivamente a intensidade ja que refer pO na sociedade rural ¢ urbana, 0 socidlogc para a dificuldade em medir-lhe compara: e-se a ldgicas sociais distintas. Sc o tempo SSE EE a er ey a ae a Oa Sh gy materializa-se no espirito através de pensamentos duradouros que fhe dao significado ¢ consisténcia, como definir-lhe a rapidez comparando o niimero de < estados de consciéncia em grupos com representagdes mentais de espécie i diferentes? : : : ; t Muitas vezes nos iludimos ao associarmos a nogao de rapidez e dinamismo do c tempo ao volume de atividades desenvolvidas pelos individuos de uma dada sociedade. : ; . ; a Para um empregado da bolsa de valores. que vive em meio a agitagdo do mercado se financeiro, o ritmo do tempo certamente que é diferente 20 do vaqueiro em scu en trabalho com 0 gado. Retirem-sc, no entanto, como diz Halbwachs, os gestos pa . 5 4 comportamento e€ pensamento gu ZA os mesmos calculos, enfim, 9 cot : to pel : paaronieaies que estes homens reproduzem no cotidiano da bolss e seu tempo a ade i C 4ncia, to uniforme quanio ao do na ZN idcravelme! destituido de substancia, Ue " Seeatll hy (Halbwachs p. 119). Soriam necessirios muitos anes part ¢ eee a ce ae ener ee a mudanga qualitative a poato da que o acimulo destas atitudes pudesse resultar numa mudang a de imprimir um marco na memdria do grupo. 4 Por outro lado, se observarmos mais de perto o cotidiano do vaquciro, 1 esté longe de possuir a regularidade que comumente Ihe ividades corriqueiras esto as chcias, as sccas intensas ¢ as doencas do gado, rompendo constantemente com sua harmonia. re nas quais 0 gado é conduzido através das fazendas, cm longos periodos de marcha, possibilitam ao vagueiro um contato permancante com pessoas € situagoes diversas de seu cotidiano. E comum, também, o pedo, principalmente o soltciro, mudar-se quando “cangado" de viver numa mesma fazenda. As desavengas eo desejo de conhecer novas paragens sio elementos desencadeadores da mobilidade espacial e acabam por se constituir em fatores importantes na dindmica social da regido. O fato destes homens ocuparem o dia de modo diferente do nosso ndo significa, portanto, que seu tempo esteja sendo "mal aproveitado" ou que transcorra de modo vagaroso € mondétono. Antes de efetuarmos comparacées apressadas entre o rural e 0 urbano, procurando medir a intensidade do tempo por meio de algumas relacdes sociais convergentes, seria necessario conhecer 0 modo como cada grupo sente ¢ traduz o contetido destas relagdes nos seus contextos sociais especificos. Quanto ao pantaneiro, devido ao cardter coletivo de sua existéncia , um drama pessoal. um conflito amoroso, um delirio de consciéncia, so fatos que podem ganhar dimensdes piblicas com maior falcilidade ¢ frequéncia que no ambiente impessoal de uma grande cidade: O grupo participa dos sentimentos individuais e estes, por sua vez, afetam a vida da coletividade. Regras e valores sociais sdo mobilizados - revistos e teforgados = a fim de que o grupo consiga absorver os efeitos destas Pequenas crises. A memoria social vai sendo pontilhada Por eventos que pareceriam, a principio, localizados ¢ restritos. O tempo, por seu lado, ganha consisténcia e dinamismo através desses canais de referéncia comuns. Da mesma forma, as atividades do vaqueiro nao podem ser avaliadas, do ponto de vista da passagem do tempo, desconsiderando-se a légica que as fundamenta internamente. Tal como entre os Nuer, pastores nativos do Sudao, descritos por Evans- Pritchard, as atividades do pantanciro com o gado tém um cardter marcante de , lazer. Para eles o tempo dispensado ao trabalho no campo nao é medido pela exatidao das horas, mas, ao contrario, transcorre de acordo com a légica propria da 19 atividade que desenvolvem. A vaquejada 6 um trabalho arriscado, rude, mas ao 4. Mesmo tempo estimulante. & o espago onde os pedes tem oportunidade de no aprimorar suas habilidades, cxibir sua coragem ¢ destieza, alba de reafirmar seu perceberemos que ele atribuimos. Junto das at i eA LAE: Oy OE LENO sori LIN GN CE = WEP ne Ce GaN dS £A ay? Te } status junto aos companheiros. Um touro que escapa, uma lacada certcira ou um > cavalo que "pula" fazem o deleite dos pedes que, mais tarde, nas rodas de tereré, irdo comentar seus {citos mais ousados, trocardo clogios ¢ chacotas. O tempo do trabalho ¢ 0 tempo do prazer que extende-se para além dos ‘momentos vividos no ) campo. 1 Vale assinalar por fim que estes homens tém um grande dominio sobre 0 mundo ao scu redor, conhecem as situagdcs, o ambicnte ¢ os instrumentos necessarios para ) s¢ lidar com ele. Seria no minimo. precipitado um juizo que qualificasse como ; cnfadonha uma existéncia tdo atenta aos detalhes. Uma paisagem que para nds s parcccria homogénea possui inumeros significados naqucle meio: as plantas ) guardam qualidades medicinais, 0 rastro de um animal pode indicar o local - adequado da caga, ou um perigo que ronda o gado, ou ainda prenunciar a ma sorte > na cacada, como creem acontecer aqueles que cruzam a “batida” de um tamadua. 1 O exercicio da consciéncia através destes simbolos demonstra um outro aspecto > da dinamica pantancisa: a capacidade do pensamento transitar livremente do plano material da cultura ao imagindrio, sem prejuizo da raziio. Na medida em que faz J este trajeto abre-se um novo universo de representagdes mentais Aqueles homens regulado por outra temporalidade. Trata-se de um tempo magico, onde seres e situagdes sobrenaturais podem scr evocados cm qualquer época para enquadrar numa cstrutura légica fendmenos aparentcmente irracionais. A loucura, por exemplo, que se apodera de muitos vaqueiros justifica rse nas agées de uma entidade como o Maozdo, scr sobrenatural que possui a capacidade de desvirtuar a razao daqueles que com ele tém contato ou duvidam de sua existéncia. i Um tempo fechado e previsivel como este em que se encontra 0 Mdoz4o, convive com uma temporalidade aberta ¢ linear onde se processam os eventos da vida didria. A cultura regional possui a capacidade de lidar simultaneamente com a temporalidade mitica e histérica a fim de traduzir e assimilar fatos acidentais que apresentam-se no seu cotidiano. r Ha, no entanto, alguns acontecimentos cujo cardter inovador exige uma reformulagdo de diversos aspectos da cultura, desencadeando nela reagdes antes e desconhecidas. Trata-se de mudangas estruturais que afetam as relacdes entre os individuos e as representagdes que tém do mundo. e e CO Espace da Murda 0 Pp an Presen¢a do novo, do “moderno", princialmente como sinénimo de conforto, ha Bum tempo se faz notar em certas fazendas pantaneiras. Nas casas grandes ¢ Possivel observar antenas Parabélicas, aparelhos de ar condicionado e placas capladoras de energia solar, dispostos nas fachadas, constrastando com uma natureza praticamente selvagem e com a presenga humilde dos sertanejos. qu Algumas inovacées também se processaram no Ambito das relagdes de produgdo. —m; Porém, se é pequena a influéncia dos avangos tecnolégicos no ritmo das atividades pa Yecudrias, algumas mudangas nas relagdes de trabalho (én iaterferido signifi- que Cativamente na estrutura da socicdade local. a we sete Até alguns anos atrds existia entre os pantanciros = Deemer 5 : uma espécie de "consciéncia niveladora", da forma como a ate ous las arré Teixeira Monteiro referindo-se aos camponcses do Contestado. Segundo ele, no mas SeTlAO catarinenca antec de arantecerom as mudancas que culminaram no mai —_—-_-eo ‘A presenga do novo, algum tempo Se faz no’ do "moderno", princialmente como sinénimo de conforto, ha tar em certas fazendas pantanciras. Nas casas grandes é possivel observar antenas parabélicas, aparelhos de ar condicionado e placas captadoras de cnergia solar, dispostos nas fachadas, Constrastando com uma natureza praticamente sclvagem e com a presenga humilde dos sertanejos. ‘Algumas inovagdcs também se processaram no Ambito das relagdes de producao, rém, se é pequena a influéncia dos avangos tecnolégicos no ritmo das atividades arias, algumas mudangas nas relagdes de trabalho tém interferido. signifi- cativamente na estrutura da sociedade local. Até alguns anos atrds existia entre os pantanciros - fazendciros ¢ empregados - uma espécie de "consciéncia niveladora", da forma como a definiu Douglas Teixcira Montciro referindo-se aos camponcses do Contestado. Segundo ele, no sertao catarinense, antes de acontecerem as mudancas que culminaram no movimento messidnico, as contradigdes e conflitos de classe e no trabalho eram amenizadas pela proximidade - mesmo estilo de vida ¢ mesma consciéncia de mundo - entre fazendeiros € os individuos que para eles trabalhavam. No pantanal, da mesma forma, ndo eram poucas as fazendas onde os proprietarios € seus camaradas - como anteriormente eram denominados os pedes - ctesciam juntos, trabalhando lado a lado.e desfrutando do mesmo status. Entre eles formavam-se vinculos de amizade e compadrio. Muitos foram os agregados que deixaram as fazendas para constituirem as suas proprias posses com as cabecas de gado recebidas dos patrées.. Viviam em fungio do gado e através deie identificavam-se. A partir dos anos cingiienta, entretanto, mudangas na legislagao trabalhisia extendem ao campo direitos anteriormente restritos aos trabalhadores da cidade. como salario minimo, contrato assinado, jornada de oito horas, entre outros(-). oO aumento no volume de obrigagées patronais - como indenizagao que incluia salario mais custos relativos aos beneficios produzidos nas ‘terra - contribuiu. por sua vez . a figura do parceiro ¢ aumentar 0 niimero de pedes mo gado (cf. para extingiiir praticamente ent diaristas, contratados somente no periodo de trabalho mais intenso co: Barros Neto). / a O modo como 0 vaquciro passa a scr remunerado nao the traz muitas vantagens jé que todo trabalhador, tenha ele maior ou menor tempo de servico, mais ou mes experiéncia, possua ou nao familia, € igualado através do salario mn a excetuando 0 capataz, ¢ comum a todos aqueles que lidam i Nas conversas, sao freqiientes as reclamag6es sobre este sistema een " ne a ss oe sua fla de justiga. en Nae ari _ Ee pregados". Se ha dizem é “pessoa muito boa", sempre "preocupada com os x : Tabatha alguma falta esta € devida aos gerentcs ou ae ie eae paternalist controlando mais de perto as finangas fazendas. ‘ 2 instituigdo. Preservam intocado 0 patronato como Ins! — p ene ITT na” Te page Dessa forma, em mcio a uma situacdo trabalhista Nova mas sustentada por antigos esquemas que obstruem canais mais amplos de revindicagao, os vaquciros buscam solug6es individuais para scus problemas: alguns tentam trabalhar de empreiteiros, na construgiio de cercas, quando cntio tornam-se auténomos e conseguem obter melhor remuncragdo; outros buscam trabalhos na cidade onde, por nao possuirem qualificagao, costumam ser ainda mais explorados, perdendo algumas vantagens garantidas por diversas fazendas como a carne ¢ a moradia gratuitas. Por outro lado, a educagdo ganha importancia one mio fe ascensio social. Sdo poucos os pedes que desejam ver scus fiihos realizando 6 mesmo trabalho que o seu: ¢ perigoso e ndo da muito sustento, dizem. ie O fato é que com isto, mesmo o Pedo que. permanece na fazenda, aproxima- cada vez mais da cidade: 14 matricula seus filhos nas escolas ptiblicas: suas na mulheres passam a trabalhar em servigos domésticos e ele, aos poucos. vai estendendo e fortalecendo nos centros urbanos sua rede de parentesco, Parametros antigos da indentidade pantaneira(3) aos poucos perdem-se em meio a estas mudancas de valores e crises nas telacées sociais. Em seu lugar surgem elementos de uma ordem diferente desencadeando reagées e sentimentos ambiguos r@ na populacao local que, aceitando ou rejeitando as mudangas, jamais matém-se Passiva diante delas. ha é a O Contato Com O Novo as na Neste contexto é Possivel deparar com situagdes insélitas para uma ordem rural due ‘se quer estatica. No Pago da Lontra, por exemplo, podemos encontrar, nas 40, margens rans imntem Condutores de barco ne Vira luistas € pescadores; moradores de cidades proximas reventemente che dos: Mh- que se transformarain em vaquciros; proprictarios de fazendas que ingressaram no. Sctor turistico, além de outras figuras ¢ situagdes incomuns. A presenca cada ver « soe 0S ~ O Contato Com O Novo Neste contexto é possivel deparar com situagées insélitas para uma ordem rural que se quer estatica. No Pago da Lontra, por exemplo, podemos encontrar, nas margens do rio Miranda, vaquciros que se transformaram cm condutores de barco | para turistas ¢ pescadores, moradores de cidades proximas recentemente chegados - que se tfhsformaram em vaqueiros; proprictirios de fazendas que ingressaram no setor tur além de outras figuras ¢ situagdcs incomuns, . A presenga cada vez. maior do turista na regido tem claramente influenciado os | arranjos da cultura local. Ela ndo significa apenas nova fonte de trabalho ¢ renda. . mas wn meio de contato pemanente com 0 urbano. Criangas € jovens sao os que mais facilidade tém em aproximar seu comportamento ao deles: usam as mesmas girias. roupas parecidas, éculos escuros e jamais se furtam a sua presenga. Os ma velhos procuram assimilar os valores trazidos por estes novos personagens, algum vezes com finalidade comercial, outras, em casos extremos, visando anular memdria que os remete a vida pantaneira tradicional. Este é 0 caso de um ex-vaqueiro que reside com a muther e oito filhos n terreno exiguo a beira do rio Miranda. Sentindo-se lezado pelo patrao, resolveu abandonar 0 trabalho com o gado e iniciar-se na. atividade de piloteizo. Des entdo, num periodo que se extende por mais de um ano, sua vida € pescadores € outros turistas através do rio, atento as margens 4 procura de a animal que possa exibir aos passageiros curiosos dos atrativos locais. Como trabalha de empregado para o dono da embarcacdo, seu maior sonho tornou-se adquirir um barco a motor, o que de imcdiato garantiria sua independéncia econdmica e, em decorréncia, asseguraria scu ingresso definitive | nO novo contexto social. > A vida no Pago da Lontra representa para ele ndo apenas uma nova oportunidade de emprego mas um espago onde pode praticar a recusa dos valores que considera tradicionais - € das antigas relacées de subordinacdo que Ihe sao inerentes - sem incorrer em risco intenso de ser excluido ou marginalizado na sociedade. Mas se ha antigos boiadciros que insistem em assemelhar-se a0 novo, silenciando sobre sua origem pastoril, encotramos junto deles pessoas provenientes de outras regiées que se esforgam por parecer com o nativo. E 0 caso de um antigo militante de csquerda que vcio para o pantanal ha aproximadamente vinte anos fugido da repressdo militar ¢ que acabou sc transformando em cagador profissional. mais tarde pescador. Vivendo numa pequena a de madeira nas terras de um hotcl da regiao, ele € apontado como um grande contador de causos pantaneiros ¢ é com historias que ocupa boa parte de scu tempo, : s Diferentemente do habitante local ou dos vaqueiros recém chegados, este pescador conhece 0 homem urbano, sabe que 0 turista procura 0 habitante tipico, 0 S S S a : = om seus habitos ¢ conhecimcntos proprios. E exatamente esta a pantanciro c Ss whe c n s procura transmitir aos visitantes, a de algu¢m adaptado e sintonizado image.n que com a cultura regional. ot Estes so dois casos extremos ccrtamente, porém importantes para nos mostrar 0 ambiente contraditério que se criou no interior da vida social no Pago da Lontra, onde as pessoas procuram constantemente, ¢ de acordo com os recursos culturais de que dispdem. adequar-se aos novos arranjos provenicntes do contato com uma cultura estrangeira. Aqui, papéis sociais invertem-se, valores e costumes sociais so depreciados enquanto outros sao fortalecidos. Referéncias culturais importantes como o gado, diluem-se dando lugar a outras fontes de significado, como a natureza. Trata-se de uma mudanga consideravel para um vaqueiro, pois se antes o mundo natural era em muitos aspectos encarado como um elemento limitante de suas acdes, um desafio contra o qual deveria lutar diariamente - a rusticidade e selvageria do gado, a brutalidade das enchentes, o tormento dos insetos -, agora ganha um novo estatuto e passa a ser objeto de exaltacao. Nao Mais Como "De Primeiro"? Seo gado tende a ser esquecido em alguns contextos especificos, ele continua sendo o padrao de referéncia social e recurso econémico mais determinante no pantanal. Foi através dele que o pantaneiro ocupou suas terras e em fungio dele justifica sua presenga até hoje na regiao. No entanto, mesmo nas atividades campeiras muitas transformagoes se efetuaram nos ultimos anos. Nao sao todas as fazendas que possuem gado bagual, selvagem, ¢ que precisa scr, literalmente, cacado a lago nos capoes. Osaleo fracionamsrio das terras - seja em novas fazendas ou delas inteiramente - que torna a” presenta jumana mais frequente junto aos rebanhos, contribuiram para amansar 0 gado em muitas propricdades, Se antes domar um cavalo bravo implicava em monta-lo sem maiores cuidados, amansando-o a forca, hoje existem pedes que ndo montam em cavalo xucro scm primeiro “manuncia" o animal, prepara-lo calmamente, acostuma-lo a corda ¢ ao restante da “traia", Muitas habilidades vo se perdendo no esquecimento dos vaqueiros: amansar 0 boi para carro, 0 proprio manejo da carreta, a confecgio do lago, sao algumas das tarefas que nao pertencem mais ao dominio comum. Estas mudangas_ sc process: questdcs trabalhistas ja referidas, provoc trabalhadores de campo nhecolandenses, acostumados ao trabalho rude do campo, freqiientem o descaso de alguns pe6es mais novos. E comum ouvi: um tempo idilico e impreciso, afirmando que "de primeiro’ praticos, conheciam qualquer tarefa relacionada ao gado, que "0 povo de antigamente tinha mais coragem, eles nao "achavam dificuldade no servigo" e que “era diferente a vida dele, 0 jeito dele trabalhar, 0 jeito dele ficar com todo mundo”. Nao estamos diante de um mero conflito de geragGes, que certamente existe no pantanal, porém, de uma situacao em que individuos detentores de um determinado conhecimento na sociedade, seja no plano material ou espiritual, véem-no ameacado de esvaziar-se em seu significado com 0 advento de novas praticas ¢ padrées sociais. Séo questdes como 0 trator que substitui a carreta de boi, 0 livro em lugar do arreio, a vacina da cidade ao invés do remédio do campo que reclamam uma solucdo do vaqueiro, obrigando-o a reavaliar cotidianamente seus valores ¢ necessidades. Um pedo certa vez, tentando encontrar uma explicagdo para os acontecimentos que presenciava, chegou a afirmar que o pantanal estava ficando doente; para cleo clima e a saide da regido haviam se modificado. Diferentemente do piloteiro no Paco da Lontra nao via com bons olhos as inovagées que se processavam. Ao contrério, encarava-as como algo impuro, profano, a colocar em perigo a cultura da qual participava. Estas reagées existem ¢ sdo comuns. E importante ater-se a elas para que sc possa perceber um outro aspecto do fendmeno da mudanga, o de que cla nao sc reduz a formula simples da substituigao ou justaposigao do antigo pelo novo. Trata-se na verdade de um acontecimento onde valores inusitados, quando contrapostos a uma determinada estratura cultural, desencadcia nela sensagdcs pensamentos cujas raizes cncontram-se nesta mesma estrutura. __A falsa nogdo de que a vida no pantanal é destituida de dinamica ¢ intensa nao deve ser substituida por outra que ve} am no interior da propria estrutura tural e, tal como as cam muitas vezes reagées negativas nos Vaqueiros antigos - principalmente eles - ente recriminam a inaptidao e -los referirem-se nostalgicos a ” os pedes eram todos uma temporalidade ja nas mudangas.um ee fator de anulagdo completa da cultura regional. O pantanal nao esta "descaracterizado" pelo trator ou pelo turista. E 0 homem pantanciro, dentro ae contexto geografico ¢ cultural, quem esta scndo chamado a lidar com estas no variaveis sociais. Para cle certamente trata-se de um processo dramatico, que can seus valores ¢ remexe com suas estruturas de pensamento, mas que nao o elimina como agente social portador de uma cultura propria. As mudancas realmente ocorrem, porém, nas reagdes e sentimentos, percebemos 0 quanto clas siio ambiguas. Aqucles que negam a tradigao véem-se constantemente traidos em scu discurso pelo modo de vestir-se, de construir suas casas, pela sua moral e, principalmente, pelo linguajar, proprio do homem pantaneiro. Por outro lado, os que insistem em preservar a ordem estabelecida -acabam recorrendo a elementos tipicamente urbanos para validar seus arguments. E 0 caso de um pedo campeiro da fazenda Nhumirim que comentava indignado o vestuario de alguns companheiros: "vem uma reportage ai pa firmd, pa firma bastante coisa do pantanal (...) Mas se vai firma uma turma ai tudo de camisetinha (..), sem chapéu. Ai quem vai olhd 14 vai fald: num é 0 pantaneiro esse aqui”. Revela-se aio sentido e a dimensdo da efervescéncia cultural e historica dispostos na idéia de mudanga. A televiséo, um marco dos avancos tecnoldgicos ¢ da urbanidade, traduzida em seu contetdo de poder, acaba por ser utilizada de forma "eficiente" em pleno pantanal da Nhecolanidia para afirmar como positivo . valores tradicionais da regiao. Seja em fungdo de determinantes externas ou mesmo internamente, a cultura _ Pantaneira, como a de qualquer sociedade rural, tera de lidar constantemente com a idéia do novo. Apesar disto, atras de todas as mudangas e inovagées nela desencadeadas, lutando para manter suas referéncias, traduzir e assimilar outras Novas, estard sempre o homem pantanciro, absolutamente coerente com suc realidade e seu tempo. en novas, estaré sempre o homem pantaneiro, absolutamente coerente com su: realidade e seu tempo. Notas 1. Os locais onde foram cothidos os dados deste trabalho tém contato mais freqiiente com a cidade que muitas outras fazendas pantaneiras. O Pago da Lontra, no ponto onde cruzam o vio Miranda ¢ a MS-184, é regio de ficil acesso e vem sendo cada vez mais explorado turisticamente, seja pela pesca ou pelo turismo ecol6gico. “id na Nhecoléndia as anélises abrangem as regides proxima a fazenda Nhumirim (ela inclusive), de propriedade da EMBRAPA, que hoje, devido ao acesso constante de seus S tecnicos as fazendas vizinhas, acaba por facilitar 0 contato das familias pantaneiras ali S residentes com a cidade de Corumbd e com as novidades da sociedade urbana. - Os contatos com 0 mundo externo que se dao através do radio, dos modismos que sé e espalham com ajuda de trabalhadores itinerantes e alé mesmo de alguns poucos televisores 4 nGo sao, entretanto, exclusivos desta regido. 2 Estas leis somente comegaram a ser aplicadas com maior rigor no final dos anos setenta. Ondina Leal, analisando a situagao trabalhista do gaticho nos pampas ressalta que 0 atraso na sua aplicagdo deveu-se em grande parte a impunidade que os proprietérios de terras gozavam, principalmente no periodo do governo militar. Apesar de garantir direitos basicos ao trabalhador, o modo como séo implantadas as leis, sem atentar para as particularidades 0 regionais, acaba por prejudicar aqueles que deveriam ser os seus maiores beneficidrios. 0 3. Entenda-se por identidade os padrées sociais que servem de referéncia ao convivio de © individuos do mesmo grupo, possuindo um valor e uma fungdo existencial para eles. e A identidade pantaneira, portanto, néo é vista aqui como uma esséncia @ cujas n particuluridades culturais todos nés matogrossenses estariamos submetidos. A cultura m pantaneira é tanto universal (veja-se as semelhangas com os gatichos nos pampas, os Nuer no Suddo, os vaqueiros nordestinos) quanto tinica, ow seja, tem particularidades que dizem respeito a ela apenas, @ sua historia, aos sujeitos que a produziram e ao contexto desta construgao. Qualquer tentativa de extendé-la até nds, como se participéssemos da mesma ) 7 ) OS unidade existencial ou de pensamento, seria uma "apropriagéo indébita". um artificio 0 ideolégico. , no ‘0 Bibliografia Basica ra 1. BARROS aT é de. ia iri i epee ao NETO, José de. A criagfo empirica de bovinos no pantanal da a a ia, S4o Paulo, Resenha Tributaria, 1979, 2. EVAS-PRICTC) LE. v0. 5 tee EE. Os Nuer, Sio Paulo, Perspectiva, 1978. do : TeAImNona S, Maurice, A Memiéria Coletiva, Sao Paulo, Vértice, 1990. Tees un F. The Gauchos: male culture and identity in the pampas, sity of california, Berkeley, tese de doutorado, 1989. ade. um Alvaro Banducci Junior @ Antropélogo e Professor da UFMS.

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