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PROJUDI - Processo: 0000404-61.2013.8.16.0006 - Ref. mov. 28.

1 - Assinado digitalmente por Daniel Ribeiro Surdi de Avelar:10580


02/03/2021: RECEBIDA A DENÚNCIA/REPRESENTAÇÃO. Arq: Rejeição da Denúncia

Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE
Poder Judiciário
2ª Vara do Tribunal do Júri do
Foro Central da Comarca da Região
Metropolitana de Curitiba

Autos: 404-61.2013.8.16.0006

Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJYVD X3MZN PB3AZ JNXD3


Acusado: Márcio Almeida

Relatório.

No mov. 19.2, o Ministério Público ofereceu denúncia contra


o acusado Márcio Almeida (já qualificado), imputando-lhe a prática do delito previsto
pelo art. 121, caput, c.c. art. 14, inc. II, ambos do Código Penal, por ter, supostamente,
desferido disparos de arma de fogo contra a vítima Daniel Dobrowolski.

Eis a narrativa fática exposta pelo parquet:

“No dia 08 de abril de 2013, por volta das 15 horas, em via pública,
na Rua Bom Jesus de Iguape, bairro Boqueirão, neste município e
Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR,
o denunciado MÁRCIO ALMEIDA, com vontade e consciência,
agindo com inequívoca intenção homicida, iniciou a execução do
crime de homicídio contra DANIEL DOBROWOLSKI, eis que de
posse de uma arma de fogo (não apreendida), desferiu disparos
contra vítima, causando-lhe as lesões descritas no laudo de
exame de lesões corporais (mov. 9.9), quais sejam: cicatriz
hipercrômica hipertrófica larga, disposta verticalmente na linha
média abdominal, desde apêndice xifóide até a região pública com
perda do umbigodo, não consumando o intento delitivo por
circunstância alheia à sua vontade, qual seja, o pronto
atendimento médico prestado à vítima."

Segundo constou do boletim de ocorrência do mov. 9.1,


pág. 3, os fatos ocorreram no dia 08/04/2013, em via pública no bairro Boqueirão, nesta
Capital, local em que a vítima se encontrava conversando em frente a uma banca de
sorvetes, momento em que passou a discutir calorosamente com uma pessoa. Instantes
depois, o agressor retornou de bicicleta, armado, e desferiu dois disparos de arma de
fogo contra a vítima, sendo que um deles lhe acertou no tórax. Segundo o noticiante, a
vítima estaria embriagada e criando confusão com vários pedestres que por ali
transitavam. O noticiante Rogério Rodrigues Torres, dono da banca de sorvetes,

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PROJUDI - Processo: 0000404-61.2013.8.16.0006 - Ref. mov. 28.1 - Assinado digitalmente por Daniel Ribeiro Surdi de Avelar:10580
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descreveu ainda o atirador como sendo magro, alto e com aproximadamente vinte anos,
trajando bermuda cinza e jaqueta preta com capuz.

No dia 06/05/2013, ou seja, aproximadamente um mês após


os fatos, a vítima Daniel Dobrowolski, de profissão Policial Militar (reformado), foi ouvida
em uma primeira oportunidade (mov. 9.1, pág. 11), ocasião em que relatou que no dia do
fato estava conversando com um sorveteiro (Rogério Rodrigues Torres), ocasião em
que um sujeito de bicicleta, aparentando ter vinte anos, 1,70m, branco, cabelo curto
castanho, se aproximou dando risada e mexeu com o declarante dizendo “que que foi?”,
ao que o declarante respondeu “que foi o quê? Eu sou policial”, sendo retrucado
novamente pelo rapaz, que teria lhe dito: “fique aí que eu já venho”. Minutos depois este
indivíduo retornou e efetuou disparos contra o declarante, sendo que um deles lhe atingiu
no tórax, e para se defender pulou em cima do atirador. Disse que não estava brigando
com ninguém e negou ter feito uso de bebidas alcoólicas. Disse ter ouvido comentários
no sentido de que o autor dos disparos seria a pessoa conhecida como “Marcinho”,
frequentador do “Bar do Seu Zé” ou “Bar do Zé”. Disse não saber a motivação do crime,
mas desconfia que tenha sido pelo fato de ter dito que era policial.

Em cumprimento à ordem de serviço da autoridade policial


destinada à identificação da pessoa conhecida pela alcunha “Marcinho”, os
investigadores de polícia subscritores do relatório de investigação do mov. 9.1, pág. 18,
informaram apenas que: “localizamos e intimamos o Sr. Márcio Almeida, Rg/Pr
12.689.298, residente à rua Ten. Tito Teixeira de Castro, 1329, fundos, Boqueirão.
Curitiba. Este supostamente, pelas informações colhidas é o Marcinho citado na ordem
de serviço” (grifei). Não foram apontados maiores detalhes das diligências realizadas
tendentes à localização e identificação do referido suspeito.

Na sequência das investigações, alguns comerciantes da


região foram ouvidos, apresentando as declarações que se seguem.

Márcio Vidal Teixeira (mov. 9.2, pág. 6), ouvido em


17/05/2013, proprietário de uma loja de bicicletas, disse que estava em seu
estabelecimento no momento em que ouviu um disparo de arma de fogo, sendo que se
virou e viu o momento em que um indivíduo alto, cor de pele branca, cabelo quase
raspado, com o físico reforçado, o qual estava conduzindo uma bicicleta e estava

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Acusado: Márcio Almeida
armado, apontou novamente a arma para a vítima e desferiu outro disparo. Disse que a
vítima se escondeu atrás de um veículo e não foi novamente atingida. Disse que não
conhecia o autor dos disparos. Quanto à vítima, era do seu conhecimento que ela tinha
problemas com bebida e que ficava agressiva quando embriagada, asseverando que no
dia do ocorrido a vítima havia feito uso de bebida alcoólica. Soube apenas que a
motivação do crime teria sido uma discussão.

Rogério Rodrigues Torres (mov. 9.2, pág 8), ouvido em


17/05/2013, proprietário de um quiosque de sorvetes, disse que a vítima estava
conversando em frente ao seu estabelecimento, quando um indivíduo alto de
aproximadamente 1,75m de altura, magro, olhos castanhos, cor de pele branca, cabelo
castanho bem curtinho como se tivesse sido cortado com máquina, cuja identidade o
declarante desconhece, começou a discutir com a vítima, não sabendo informar o motivo.
Disse que ambos trocaram insultos e ofensas mútuas, sendo que a vítima estava
embriagada e bastante alterada. Então este indivíduo saiu dali e retornou instantes
depois de bicicleta, perguntou pela vítima, momento em que a vítima já foi para cima
deste indivíduo e começou novamente a discutir, quando o atirador sacou a arma e
desferiu dois disparos contra a vítima, deixando o local em seguida. Disse que não
conhece o atirador, mas assevera que já havia vendido sorvetes para essa pessoa
algumas vezes, porém não soube informar se ele era morador da região. Depois do fato,
nunca mais viu o autor do crime no local.

Jairo Cesar Cordeiro (mov. 9.3, pág 1), ouvido em


23/05/2013 dono de uma verduraria, disse que não estava em seu estabelecimento
comercial no momento do fato, mas que no período da tarde esteve no local e soube do
ocorrido. Disse que não conhecia a vítima e nunca a tinha visto pela região, assim como
nunca viu o autor do crime e nada sabe a respeito de sua identidade. Apesar de ter sido
solicitada a apresentação das imagens das câmeras de segurança de seu
estabelecimento, afirmou que tais dispositivos não captaram nada relativamente ao
momento do fato, pois estão posicionadas por cima do toldo da sorveteria e, portanto,
não filmam o local em que os fatos se deram.

Do relatório de investigação do mov. 9.4, pág. 8, extrai-se


que a equipe de investigação teve acesso às referidas imagens das câmeras de

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Acusado: Márcio Almeida
segurança do estabelecimento comercial de propriedade da testemunha Jairo, porém,
constatou-se que as referidas câmeras efetivamente não captaram o momento do fato.

Ouvido novamente em fevereiro de 2014, sendo que o dia


exato não constou do termo de declaração do mov. 9.5, pág 12, a vítima Daniel
Dobrowski compareceu à presença da autoridade policial para a finalidade de realização
de reconhecimento fotográfico, ocasião em que relatou não ter condições de
reconhecer o autor do crime apenas através da visualização da fotografia, porém
acredita que caso o indivíduo fosse mostrado pessoalmente ao declarante, teria
condições de reconhecê-lo.

Anoto que nesta ocasião a autoridade policial sequer


acostou ao feito qual a fotografia do suspeito foi mostrada à vítima.

Em 26/02/2016, em termo de declaração acostado ao mov.


9.7, pág.1, o suspeito Márcio Almeida, RG 2.442.873-7, foi ouvido perante a autoridade
policial, ocasião em que informou que estaria preso cumprindo pela pelo delito de roubo,
afirmando ainda que desconhece a vítima, bem como os fatos por ela relatados no
inquérito policial. Asseverou não saber onde estava na data dos fatos diante do grande
lapso temporal decorrido. Negou a prática do crime e destacou nunca ter possuído arma
de fogo. Autorizou que pela autoridade policial fosse tirada uma fotografia para fins
de reconhecimento, a qual se encontra acostada ao mov. 9.7, pág. 4.

Então, a partir da referida fotografia, foram novamente


intimados a comparecer à Delegacia o comerciante Rogério Rodrigues Torres e a vítima
Daniel Dobrowolski, para fins de reconhecimento.

A testemunha Rogério Rodrigues Torres, no mov. 9.7,


pág 8, em 29/02/2016, afirmou não reconhecer o sujeito da aludida fotografia como o
autor do crime versado no presente inquérito policial.

Já a vítima, Daniel Dobrowolski, no mov. 9.8, pág. 2/4, em


15/12/2016, ou seja, mais de três anos e meio depois do crime, afirmou reconhecer o
indivíduo Márcio Almeida, RG 2.442.873-7/PR (documento diverso daquele constante
no primeiro relatório de investigação do mov. 9.1, pág. 18), como sendo o autor dos
disparos que lhe atingiram.

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Acusado: Márcio Almeida
Ouvido novamente perante a autoridade policial em
13/07/2018, agora na condição de interrogado, mov. 9.9, pág. 7, o acusado Márcio
Almeida novamente negou a prática do crime, dizendo que nunca teve arma de fogo e
que apenas praticava roubos e furtos de carros para sustentar seu vício em drogas.

Destaco que neste termo de interrogatório a autoridade


policial constou um terceiro número de RG, n° 12.689.289-5, embora a assinatura do
acusado nos termos de declaração do mov. 9.7 (pág.1) e mov. 9.9 (pág. 10), sejam
coincidentes1, bem como a sua filiação e data de nascimento.

Fundamentação.

Entre os requisitos exigidos para o recebimento da denúncia


destaca-se a justa causa, condição da ação prevista no art. 395, III, do CPP a qual deve
ser entendida como a “existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade de um
lado e, de outro, com o controle processual do caráter fragmentário da intervenção
penal”2. Trata-se, como bem pondera Aury Lopes Jr., de uma “condição de garantia
contra o uso abusivo do direito de acusar”3.

No caso concreto, a materialidade fática se encontra


demonstrada pelo laudo do exame de lesões corporais do mov. 9.3 (pág. 17) e pelo laudo
complementar de sanidade física do mov. 9.9 (pág. 2).

Já no que se refere aos indícios de autoria, vislumbra-se


que o acervo indiciário constante dos elementos informativos apresentados, não se
presta a estribar a acusação oferecida nos presentes autos, tudo conforme passarei a
justificar. Para tanto, faz-se necessário analisar, entre outros aspectos, se os requisitos
objetivos para o reconhecimento foram observados e, num segundo momento, o aspecto
valorativo dos indícios (standard probatório suficiente para recebimento da denúncia).

Do reconhecimento fotográfico.

Apesar do reconhecimento fotográfico não estar disciplinado


no Código de Processo Penal, é notório que a sua utilização não é vedada pela
jurisprudência nacional. Com razão, há momentos em que o reconhecimento fotográfico -
1
Anoto, quanto a isso, que o número de RG declinado pelo Ministério Público na denúncia parece estar
equivocado.
2
LOPES JR., Aury. Direito processual penal, 15ª. ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 196.
3
Idem.
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Acusado: Márcio Almeida
desde que respeitados os ditames legais (CPP, art. 226) e observada a melhor técnica -,
pode ser considerado como um dos únicos meios de prova sumária da autoria delitiva 4.
Para tanto, basta imaginar a inexistência de filmagens da cena do crime; a fuga do
suspeito que inviabilize o seu reconhecimento pessoal; a hospitalização da
vítima/testemunha por tempo relevante que a impeça de comparecer à delegacia; e, a
limitação prática da inexistência de pessoas que guardem semelhança com o suspeito.
Nesses casos, o reconhecimento fotográfico pode vir a ser um instrumento suficiente
para a decretação de medidas cautelares ou mesmo subsidiar – junto com outros
elementos indiciários - a justa causa para o recebimento da denúncia.
Porém, é de suma importância ressaltar o que restou
decidido no HC n. 598.886/SC, de relatoria do Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
27/10/2020, momento em que, a 06ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, mudou
radicalmente o seu entendimento a respeito do reconhecimento pessoal e passou a
assentar que: “O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado
na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva,
quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e
quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do
contraditório e da ampla defesa”5.
Assim, o procedimento previsto no art. 226 do CPP –
“garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime”6 -,
passa a ser interpretado como uma norma cogente, cuja inobservância proporcionará a
nulidade da prova caso já carreada aos autos, não podendo consequentemente subsidiar
a condenação do acusado caso inobservado.
No caso concreto, verifica-se que a primeira descrição
(sumária) feita pela vítima da pessoa do suspeito ocorreu em data de 06/05/2013 (mov.
9.1, pág. 11), aproximadamente um mês após os fatos. De acordo com o relato do Sr.
Daniel Dobrowolski, o autor dos disparos seria um homem branco, de cabelos curtos e

4
MATIDA, Janaina; NARDELLI, Marcella Mascarenhas. Álbum de suspeitos: uma vez suspeito para sempre
suspeito? In. Consultor Jurídico: Conjur. Disponível em: https://bit.ly/2MtPJP0. Acesso em 22/02/2021.
5
HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DE PESSOA
REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO
ART. 226 DO CPP. PROVA INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO. RIGOR
PROBATÓRIO. NECESSIDADE PARA EVITAR ERROS JUDICIÁRIOS. PARTICIPAÇÃO DE MENOR
IMPORTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. (...). (STJ, 06ª. Turma, HC
n. 598.886/SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. em 27/10/2020, DJe 18/12/2020).
6
Trecho do voto proferido pelo Min. Rogerio Schietti Cruz no HC n. 598.886/SC.
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Acusado: Márcio Almeida
castanhos, com 1,70m e aproximadamente 20 anos. Afirmou, ainda, que no momento
dos disparos o atirador estaria encapuzado. Aduziu que “ouviu comentários” – sem
identificar de quem – que o atirador seria a pessoa de “Marcinho”, um frequentador do
“bar do SEU ZÉ ou bar do ZÉ”.
No curso do inquérito policial os investigadores conseguiram
localizar o Sr. Márcio Almeida, portador do RG n. 12.689.298/PR, residente na Rua
Tenente Tito Teixeira de Castro, 1329, fundos, bairro Boqueirão. De acordo com a equipe
de investigação, o Sr. Márcio Almeida seria a pessoa de “Marcinho” referenciado nos
autos investigatórios. Ressalte-se que a residência do Sr. Márcio Almeida fica localizada
a aproximadamente um quilômetro do local dos fatos.
Em conformidade com os registros policiais (mov. 9.2), o Sr.
Márcio Almeida – então identificado como “suspeito” – portador do RG n. 12.689.298/PR,
nasceu em 11/02/1982 (teria 31 anos na data dos fatos) e seria filho da Sra. Rute
Almeida. O Histórico de Registro Policial do Sr. Márcio Almeida foi juntado aos autos
(mov. 9.4, pdf. 10), sendo possível visualizar uma nova foto, verificando-se uma
descrição física compatível com o relato da vítima, excepcionando-se apenas a idade.
Extrai-se do registro que o Sr. Márcio Almeida estaria preso pelo crime previsto no art.
180 do CP desde 24/06/2013.
Apesar do Sr. Márcio Almeida estar detido, a Autoridade
Policial optou por realizar a primeira tentativa de reconhecimento por meio fotográfico (?),
o qual se deu em fevereiro de 2014 (sem data precisa – mov. 9.5, p. 12 do pdf), cerca de
09 (nove) meses após a oitiva da vítima. E, apesar de não ser possível saber ao certo
qual fotografia foi exibida para a vítima, é possível facilmente concluir que foram as duas
fotos do Sr. Márcio Almeida, constantes do mov. 9.2 e mov. 9.4 (pdf. 10), pois, eram as
únicas constantes dos autos. E, ao arrepio da melhor técnica, foram carreadas fotos de
um único “suspeito”, em típico reconhecimento show-up. Porém, a vítima asseverou não
ter condições de reconhecer o suspeito pela simples exibição de uma fotografia e
asseverou que o reconhecimento deveria ser efetivado presencialmente:
“QUE, mostrada a fotografia de MARCIO ALMEIDA, que
segundo informações poderia ter sido o autor do crime,
alega não ter condições de reconhecê-lo somente através
da visualização da fotografia. (...). QUE acredita que caso
seja o indivíduo mostrado ao declarante pessoalmente,
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Acusado: Márcio Almeida
poderá dizer com convicção se seria ou não o responsável
pela tentativa de homicídio”. (grifei).

Conforme bem esclarece a doutrina especializada, “o


primeiro reconhecimento de um suspeito feito pela testemunha é o único
consideravelmente livre de interferências, portanto deve se atentar para que seja o mais
justo possível7.
A práxis de apresentar um único suspeito para o
reconhecedor é considerada altamente indutiva e apta a gerar um falso reconhecimento 8.
O reconhecimento ganha maior credibilidade quando o suspeito é colocado ao lado de
outras pessoas que guardem semelhança entre si, evitando-se que qualquer uma das
pessoas alinhadas ganhe destaque, seja pela posição ocupada, uso de algemas, ou, por
exemplo, pela roupa trajada. Aqui, ganha importância a filmagem de todo o
procedimento, pois o atual auto pormenorizado (CPP, art. 226, IV) pode não ser
suficiente para detalhar todo o procedimento de alinhamento de suspeitos e, como abaixo
veremos, as instruções ministradas ao reconhecedor.
As autoridades devem seguir protocolos específicos para
evitar que instruções inadequadas interfiram na convicção do reconhecedor. A
testemunha/vítima, não pode ser informada, por exemplo, de que o provável autor do
delito já se encontra preso; que outras pessoas já o reconheceram; que o seu
reconhecimento se trata de mero ato protocolar de uma investigação já concluída; ou,
que o suspeito ali presente já possui antecedentes em crimes graves (ou da mesma
espécie), propiciando o surgimento inconsciente de saltos causais de viés confirmatório.
De maneira diversa, deve ser advertida de que o suspeito pode não estar entre os
presentes e que o seu papel não se restringe a apontar um deles como sendo o autor do
crime.

7
CECCONELLO, William Weber; STEIN, Lilian Milnitsky Prevenindo injustiças: como a psicologia do
testemunho pode ajudar a compreender e prevenir o falso reconhecimento de suspeitos. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/apl/a.6471. Acesso em 18/02/2021.
8
“O show-up equivale a um teste de verdadeiro ou falso, em que a testemunha deve comparar o rosto do
suspeito com a representação mental do criminoso e responder se ambos são a mesma pessoa (Clark, 2012;
Clark & Godfrey, 2009). Assim, o show-up é um procedimento indutivo pois dadas as limitações da memória
humana descritas na seção de variáveis de estimação, o suspeito inocente pode ser reconhecido
simplesmente por ser semelhante ao criminoso (e.g., ambos são carecas; Agricola, 2009; Eisen, Smith,
Olaguez & Skerritt-Perta, 2017; Dekle, 2006; Fitzgerald & Price, 2015; Yarmey, Yarmey & Yarmey, 1996)”.
(CECCONELLO, William Weber; STEIN, Lilian Milnitsky Prevenindo injustiças... Ob. cit., p. 177).
8
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Acusado: Márcio Almeida
Em data de 26/02/2016 (mov. 9.7, pdf 2) – quase 03 anos
após os fatos – o Sr. Márcio Almeida passou a ser ouvido perante a Autoridade Policial.
Negou a prática do crime e autorizou que fosse fotografado (mov. 9.7, pdf 4) para que
sua imagem fosse exibida para eventual reconhecimento. Mais uma vez se questiona o
motivo de não ter sido realizado nesse ato o seu reconhecimento pessoal, o qual, repita-
se, havia sido solicitado pela vítima!
Na sequência, foram realizadas duas novas tentativas de
reconhecimento fotográfico. A primeira, ocorreu em 29/02/2016 (mov. 9.7, pdf 8),
quando a testemunha presencial Rogério Rodrigues Torres não identificou o Sr. Márcio
Almeida como sendo o autor do crime ora investigado. A segunda, protagonizada pela
vítima, apenas foi realizada em 15/12/2016 (mov. 9.8, p. 02/04) sem qualquer justificativa
plausível para tal dilação e, para nossa surpresa, restou positivo!
O reconhecimento (fotográfico) positivo pela vítima se deu
aproximadamente 02 (dois) anos após o primeiro (negativo) e mais de 03 (três) anos
após o crime, mesmo estando o suspeito preso e cumprindo pena em regime fechado.
Tal fato enfraquece em muito a força probante do
reconhecimento!
Primeiro, conforme analisaremos abaixo, o decurso temporal
compromete sobremaneira a qualidade do reconhecimento.
Segundo, a vítima havia solicitado que o reconhecimento
fosse feito presencialmente.
Terceiro, o suspeito poderia ter sido facilmente requisitado
pela Autoridade Policial para a realização do reconhecimento pessoal.
Quarto, apesar do Sr. Márcio Almeida ter fornecido uma
fotografia atualizada para a Autoridade Policial (mov. 9.7, pdf 4), a imagem exibida para
reconhecimento foi outra, sem qualquer justificativa.
Vejamos abaixo as fotos exibidas para reconhecimento e as
outras fotos constantes dos autos:

9
apb
PROJUDI - Processo: 0000404-61.2013.8.16.0006 - Ref. mov. 28.1 - Assinado digitalmente por Daniel Ribeiro Surdi de Avelar:10580
02/03/2021: RECEBIDA A DENÚNCIA/REPRESENTAÇÃO. Arq: Rejeição da Denúncia

Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE
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Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJYVD X3MZN PB3AZ JNXD3


Acusado: Márcio Almeida

Foto 1 Foto 2 Foto 3 Foto 4 Foto 5


19/09/2013 26/02/2016 26/02/2016 28/12/2017 01/05/2018
imagem de 5 imagem de 2 imagem de 2 imagem de 4 imagem de 5
meses e 11 dias anos 10 anos 10 meses anos, 8 meses anos e 22 dias
após a data dos meses e 18 e 18 dias após a e 20 dias após após a data
fatos dias após a data dos fatos a data dos dos fatos
(mov. 9.4, p.16) data dos fatos (mov. 9.8, p.3) fatos (mov. 9.9, p.11)
(mov. 9.7, p.4) (mov. 9.9, p.11)

Reconheciment (autorizada a Reconhecimento (imagens do (imagens do


o realizado em tomada da realizado em registro registro
28/02/2014 imagem do 15/12/2016 penitenciário) penitenciário)
(10 meses e 20 suspeito) (3 anos, 8
dias após a data meses e 7 dias
dos fatos) após a data dos
fatos)
Resultado: Resultado:
NEGATIVO POSITIVO
(mov. 9.5, p.12) (mov. 9.8, p.2)

Mais uma contradição que segue sem uma explicação


razoável: a foto 1, imagem do suspeito mais próxima dos fatos não foi reconhecida; já
foto 3, imagem de 2 anos 10 meses e 18 dias após a data dos fatos acabou sendo a
identificada.
Tendo em vista a divergência entre os reconhecimentos
efetivados pela vítima (positivo) e pela testemunha Rogério Rodrigues Torres (negativo),
verificamos uma melhor qualidade da prova no relato da testemunha Rogério Torres,
pois, entre outros fatores, trata-se de testemunha ocular e desinteressada na apuração
dos fatos. Outrossim, quando da ocorrência do crime, há relatos de que a vítima estaria
embriagada, fato que, por si só, já compromete a qualidade do seu
reconhecimento. Nesse sentido, destaca-se o depoimento de Márcio Vidal Teixeira
(mov. 9.2, pág. 6), ouvido em 17/05/2013, o qual destacou que a vítima tinha problemas

10
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Acusado: Márcio Almeida
com bebida e que ficava agressiva quando embriagada, asseverando que no dia do
ocorrido a vítima havia feito uso de bebida alcoólica.
No mesmo sentido é o testigo de Rogério Rodrigues
Torres (mov. 9.2, pág 8), ouvido em 17/05/2013, quando destacou que a vítima estava
embriagada e bastante alterada. A mesma informação é extraída do Boletim de
Ocorrência (mov. 9.1, pdf 3): “(...) O noticiante informou que a vítima estava alcoolizada e
estava criando confusão com vários pedestres que passavam na rua”.
Outrossim, há um outro fator digno de nota que igualmente
enfraquece o reconhecimento feito pela vítima: a existência de uma arma de fogo.
Estudos demonstram que a existência de uma arma de fogo quando da prática do crime
acarreta – como regra geral – uma maior dificuldade na visualização das características
físicas do autor e da própria cena do fato delituoso diante do que se denominou “foco na
arma”. O efeito “foco na arma” diminui o posterior desempenho de testemunhas visuais
em testes de memória e isso se dá pela excitação fisiológica ou emocional que estreita o
feixe de atenção na arma de fogo, seja pela ameaça que ela representa, seja pela
incongruência do próprio objeto (arma de fogo) com o local dos fatos9. Destaco:

“A sequência visual das pessoas em cenas traumáticas é


diversa da acontecida em situações normais, dado que a
fixação dos olhos se dá justamente no que lhe é estranho,
causador de temor e medo. (...). Esse fenômeno foi
estudado pelos autores de psicologia e denominado como
fator ‘foco da arma’, pelo qual o objeto raro (arma) converge
a atenção da vítima e faz com que em nome da
sobrevivência a sequência visual preocupe-se basicamente
com seu movimento (...)”10.

9
FAWCETT, Jonathan M. et al. Of guns and geese: a meta-analytic review of the “weapon focus” literature.
Psychology, Crime & Law, v. 19, n. 1, p. 35-66, 2013. Disponível em: https://bit.ly/2ZIrYWf . Acesso em
21/02/2021. No mesmo sentido: MATIDA, Janaina. O reconhecimento de pessoas não pode ser porta aberta
para à seletividade penal. In. Consultor Jurídico – Conjur, 18 de setembro de 2020, disponível em,
https://bit.ly/3kYzXqh, acesso em 22 de novembro de 2020; ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo
Penal Conforme a Teoria dos Jogos, 6ª. ed., Florianópolis: EMais, 2020, p. 763.
10
ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos, 6ª. ed., Florianópolis:
EMais, 2020, p. 763.
11
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Acusado: Márcio Almeida
“A presença de arma distrai a atenção do sujeito de outros
detalhes físicos importantes do autor do delito, reduzindo a
capacidade de reconhecimento. O chamado efeito do foco
na arma é decisivo para que a vítima não se fixe nas feições
do agressor, pois o fio condutor da relação de poder que ali
se estabelece é a arma. Assim, tal variável deve ser
considerada altamente prejudicial para um reconhecimento
positivo, especialmente nos crimes de roubo, extorsão e
outros delitos em que o contato agressor-vítima seja
mediado pelo uso de arma de fogo”11.

A capacidade atencional de seres humanos é limitada, e,


consequentemente, é impossível codificar todos os
7
estímulos que ocorrem no ambiente . Se, durante o crime, o
perpetrador porta uma arma, por exemplo, esse estímulo
que representa uma ameaça atrai a atenção da vítima. Há
diferenças na codificação do fato quando existe a presença
de arma. Quando isto ocorrer, a tendência será o prejuízo
da codificação do rosto do criminoso12.

O fator tempo também é um dado a ser destacado.


“A memória humana difere de um registro feito por uma
filmadora ou câmera fotográfica pois humanos não codificam tudo o que observam.
Informações armazenadas na memória podem ser esquecidas e informações
recuperadas estão sujeitas a ser modificadas”13.
A memória humana está ligada a maneira como uma dada
pessoa codifica, armazena e recupera fatos. Tal processo não funciona de modo perfeito,
eis que não somos capazes de codificar tudo aquilo que vemos, escutamos e sentimos;
e, considerando a nossa limitação de armazenamento, uma grande parte do que
11
LOPES JR, Aury. Direito processual penal, 15ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2018, p. 493.
12
CECCONELLO, William Weber; ÁVILA, Gustavo Noronha de; STEIN, Lilian Milnitsky. A (ir)repetibilidade da
prova penal dependente da memória: uma discussão com base na psicologia do testemunho. In. Revista
Brasileira de Políticas Públicas. Vol. 8, n. 2. Agosto, 2018.
13
CECCONELLO, William Weber; STEIN, Lilian Milnitsky Prevenindo injustiças... Ob. cit. Acesso em
18/02/2021.
12
apb
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Acusado: Márcio Almeida
experenciamos é desprezada e outra acaba se perdendo com o passar das horas, dias,
etc., ou, como sabemos, pela ação das falsas memórias. “Há mais de um século
pesquisas científicas têm demonstrado que a memória pode se deteriorar com o decorrer
do tempo. Assim, no intervalo de tempo entre o fato de interesse da justiça criminal até o
depoimento, que invariavelmente demora mais do que um ano, muitas informações são
esquecidas”14.
Tratando-se dos efeitos deletérios do tempo e do
desvirtuamento da memória a partir de influências externas, MELLO e GERVITZ
acrescentam que:
“A memória é elemento vulnerável. Tão humana quanto
aqueles a que serve, repleta de falhas objetivas e subjetivas.
É seletiva. Se de um lado, para amainar o sofrimento,
transforma aquilo já visto, ressignificando o vivenciado, de
outro é tão insegura e volátil, que é capaz de preencher os
espaços em branco da lembrança por uma imagem recém-
vista. A memória manipula e é manipulável, de forma que a
lembrança que protege, pode ser a mesma que faz enganar.
A memória é a salvação, mas também é o perigo de
recordar conforme seja mais fácil de aceitar”15.

Diante disso, quando a nossa memória é evocada, os fatos


pretéritos não serão recuperados de maneira estática. Estudos demonstram e enfatizam
a maleabilidade da memória, eis que cada vez que é evocada, uma nova interpretação é
feita e novos fatos podem ser somados e outros esquecidos.
As etapas de armazenamento e recordação acontecem num
continuum: uma vez que a memória é evocada, ela
encontra-se em um estado transiente em que novas
informações podem ser inseridas e armazenadas jun-

14
CECCONELLO, William Weber; ÁVILA, Gustavo Noronha de; STEIN, Lilian Milnitsky. A (ir)repetibilidade da
prova penal dependente da memória: uma discussão com base na psicologia do testemunho. In. Revista
Brasileira de Políticas Públicas. Vol. 8, n. 2. Agosto, 2018.
15
MELLO, Maria Cecilia Pereira de.; GERVITZ, Luiza Cobra. A influência da imagem sobre a memória e a
reconstrução dos fatos. O desafio do reconhecimento fotográfico. Revista de Direito e Medicina, vol. 04/2019;
out-dez. de 2019.

13
apb
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Acusado: Márcio Almeida
tamente com a memória original. Entretanto, não permanece
registrado no cérebro se as informações que compõem a
memória foram armazenadas durante ou após o fato. A
memória que uma testemunha tem do fato é resultado da
codificação original somada às recuperações subsequentes,
como conversas com outras testemunhas sobre o ocorrido,
entrevistas com policiais, ou reconhecimento de suspeitos.
Nesse sentido, a repetibilidade da prova dependente da
memória pode apresentar um risco de deteriorar essa
evidência, ao invés de preservá-la16.

Não há dúvida de que o tempo influencia a qualidade das


nossas lembranças que, se não ativadas, tendem a se enfraquecer e a mudar,
possibilitando a persuasiva influência de terceiros e criança falsas memórias. Exatamente
por não possuirmos a capacidade de sempre nos lembrarmos dos fatos em sua inteireza,
a memória, ao ser evocada, “apresenta uma síntese aproximativa daquilo que foi
percebido”17.
Diante disso, a busca pela melhor produção probatória deve
observar, quanto ao reconhecimento pessoal: (i) o menor espaço de tempo possível
entre o evento delitivo e a realização do meio de prova 18, visto como meio de prova
irrepetível; e, (ii) o acatamento das regras legais e a adoção da melhor técnica
indicada com aportes da Psicologia do Testemunho.
No caso concreto, conforme já relatamos, aproximadamente
09 (nove) meses se passaram entre a data do fato (08/04/2013) e o primeiro
reconhecimento fotográfico (negativo) realizado (fevereiro/2014). O segundo
reconhecimento fotográfico, agora positivo, apenas se deu em 15/12/2016, ou seja,

16
CECCONELLO, William Weber; Et al. A (ir)repetibilidade da prova penal... Ob. cit., p. 1062.
17
DI GESU, Cristina Carla. Prova penal e falsas memórias. Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais) –
Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008, p. 255.
18
Uma vez que a face do criminoso é codificada uma representação mental de seu rosto é armazenada na
memória. Entretanto, o armazenamento de informações na memória não é estático e a testemunha pode
esquecer parte das informações armazenadas já nas primeiras 24 horas (Payne, Toglia & Anastasi, 1994;
Wetmore et al., 2015). Quanto maior o intervalo decorrido desde o crime menos detalhada torna-se a
representação mental do rosto do criminoso e consequentemente o reconhecimento do suspeito é
prejudicado (Dysart & Lindsay, 2014). (CECCONELLO, William Weber; STEIN, Lilian Milnitsky Prevenindo
injustiças... Ob. cit. Acesso em 18/02/2021.

14
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Acusado: Márcio Almeida
quando transcorridos mais de 3 anos e 08 meses do ocorrido, enfraquecendo
sobremaneira a qualidade da prova.
Por fim, a esperança de que com a instrução em juízo o
caso penal poderia ter melhor sorte, não merece acolhida. Como vimos, a única prova
indiciária da autoria delitiva é o problemático reconhecimento fotográfico feito pela vítima,
realizado mais de três anos após o crime. Trata-se, como sabemos, de vício insanável
face a irrepetibilidade do ato19! Não existem provas objetivas (filmagens, exame de
papiloscopia, DNA, etc.,) e todas as demais testemunhais não reconheceram o suspeito
como sendo o autor do crime. Ademais, pensar ser ônus do acusado demonstrar que
estaria em outro local, quando já decorridos quase 08 (oito) anos da prática delituoso, é
espécie de “prova diabólica” a exigir praticamente o impossível.

Ante o exposto, rejeito a denúncia oferecida nos


presentes autos, o que faço com amparo no art. 395, inc. III, do CPP.

P.R.I.

Curitiba, datado e assinado digitalmente.

DANIEL R. SURDI DE AVELAR


JUIZ DE DIREITO

19
“(...) o reconhecimento fotográfico, acima de tudo, deve ser evitado pela influência irreversível que pode
causar na memória da vítima ou testemunha, pois, uma vez admitida como verdade a falsa fotografia, nunca
mais se retornará ao status quo ante para que se proceda, de forma genuína, a um novo reconhecimento.
Todas essas cautelas devem ser rigorosamente observadas, principalmente em um cenário que o
reconhecimento vem sendo feito à revelia do seu procedimento orientador (art. 226 do Código de Processo
Penal), o que se constatou ser prática frequente no mundo jurídico”. (MELLO, Maria Cecilia Pereira de.;
GERVITZ, Luiza Cobra. A influência da imagem sobre a memória e a reconstrução dos fatos. O desafio do
reconhecimento fotográfico. Revista de Direito e Medicina, vol. 04/2019; out-dez. de 2019.

15
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