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econémico-social que prevalece nas relagdes de dependéncias e subordinagao entre nagdes hege- ménicas européias entre si e as suas colénias — no Oriente, Hlhas, Africa e Américas — bem como também das colénii re si, num periodo que, aproximadamente, vai de 1500 a 1800. Permeia todo o texto um esfor- g0 no sentido de rever a viséo univeca que 0 nosso conhecimen- to produziu sobre o sistema capi- talista e seu funcionamento. no. periodo em questéo. ip © MERCADO INTERNO COLONIAL "a histéria do abastecimento, no caso brasileizo, é sobretudo a histéria escondida por trés dos polos dominantes da produce © da sociedade” Maria Yedda Linhares Até ontem, qualquer texto que tratasse do ASC, Rormalmente dispensaria este capitulo e o que se segue Entretanto, a partir de algumas pesquisas © obras recen. tes, estamos convencidos de que as proposigdes aqui abor- dadas vio-se tornando cada vez mais componentes me cessirios do seu estudo. - E para tentarmos versar da mancica mais abrangente © fiosso tema que desenvolvemos estes dois capitulos. Em ambos, como era pertinente a finalidade deste texto, tra Bathamos quase que tio-somente com hipéteses que en- corram uma proposta revisionista cm relacdo as teses ‘comiuimente consagradas sobre 0 ASC. = Estamos bem conscientes, portanto, de que 0 con- __ Wido destes dois capitulos reclama demoradas © com- (Pl8kas'pesquisas arquivais. Mas também estamos certos, ‘Por experiéncia propria de investigagio em arquivos na a © ANTIGO SISTEMA COLONIAL 30 cionais € estrangeiros, de que o volume e = qualidade dos documentos que esperam esse’ trabalho, com certeza yao contribuir para que possumos melhor conhecer a economia colonial. Os poucos estudas a respeito ja dei xam entrever esse capitulo, até ento ainda quase inédito, da histéria ccondmica do Brasil. ‘A questéo do mercado interno colonial s6 passa a ganhar sa devida atengio, para os estudiosos, neste tilt mo quartel do século XX1 ‘Antes, preferia-se cientificamente no 0 considerar. Era como se no existisse. Como se tivéssemos apenas uma economia de autoconsumo, desvaliosa sequer como Sbjeto de estudo, enquanto que a produgio chamada nobre, inteiramente voltada para 0 exterior, recebia © re cebe todas as atengdes ¢ estimulos institucionais, cient ficos © econémico-sociais Dessa_maneira, no periodo colonial, eram exate- mente esses mercados externes, consumidores em grande escala de nossa producio, que davam a tonica a todo o ‘nosso processo histérico, Entretanto, particularmente para o primeiro quartel do século XIX’ e para uma regio tipica de subsistencia ‘mercantil — Minas Gerais — a revisio critica que as Pesquisas jé permitiram tem oferecido excelentes resul- tados nessa diregio. ‘Questionando © quadro convencional que encontra- ram, ie, de qu “Ao se referir @ economia de subsisténcia em gers f historiografia sempre a tem relegado a um plano apenas subsididtio da economia de exportacao, constituindo, portanto e apenas, um pélo comple. mentar a economia de exportagio” (Aleic Lenha- 10, As tropas da moderacao, p. 33) “Em todos esses perfodos agiicar, ouro @ café), as JOSE ROBERTO DO AMARAL LAPA regides & margem do boom exportador séo suma- Hlamente exclufdas como “decadentes” ou “estag- nadas”. Uma identidade econdmica é negada a esas reas que, quando muito, so tratadas como “periféricas”, “dependentes”, meros apéndices dos setores exportadores. Se, de’ todo, tal conexdo nao pode ser estabelecida, a regiio 6 colocada na mais desprezivel de todas’ as categorias — “economia de subsisténcia” —e & condenada a0 esqueci- mento” (Roberto Borges Martins, A economia es cravista de Minas..., p. 2) 05 dois autores em questo, pelo menos, revelaram uma dinfmica de desenvolvimento interno antes sequer pres- sentida, Nesse sentido, percorra-se a literatura cientifica © = verificagao sera f4cil. Praticamente, nenhum autor ficou imune & projecio dessa imagem, obviamente elaborada pelo proprio colonizador, que colonizou © descolonizou quando © quanto quis! Estévamos todos convencidos dessa verdade irretor- quivel, pois a evidéncia era tio manifesta, que no dava como negi-lo. A colonizacso s6 tinha um senttio, 36 se Ihe confere sentido quando produz para © mercado ex- terno. Concede-se apenas, quando isso ocorre, duas coisas: 1. que essa producto seja subsididria & exportacdo. SO esta é capaz de promover: “...um ineipiente movimen- to de diferenciagio e de integracio dos ‘mereados inter- nos”, no dizer de Maria Silvia C. Franco. Constitul na plantagem escravista a “varidvel dependente”, ainda que, ai; Gorender estaque sua importincia; 2. que a meca- nizagio da produgio industrial na Europa induz em grande escala o consumo nas coldnias por parte da socie- dade, mas af j4 € outra histéria, pois por isto mesmo o sistema entra em crise com o desenvolvimento do merea- do istemno colonial! © ANTIGO SISTEMA COLONIAL a Admire, portanto, que existe o mercado conse: midor colonia, itr 56 naron dimenife ieee, uma vez que a inoraa nto cont, Or, aoa colonia represen | ta “mercado” consumidor seguro para as mercadorias fa-|/ bricades em Portugahy sno 6 tebe pa tor oes, limentagho, manufatras oa Por out lado se ao recahecs que nfo Tol preciso que o capialsmo Industral ating teu mal ako grat ds ceuenvavimento no perlode considered, part gue t6 tnalo’ te processste a crise com a noloecniaaph oor, tmice e\poliica das coldnias, ext tambéa tahoe hes colegio vee mercado © n cconom’ interns (conedo cael) slo se cerutmam apeuas_quanae rovolopto Industral righ que extnces ‘Nao se trataria portanto apenas de mais um sintoma\ 7) de ne quando a verdade podese agua, mas de) uma oortacia que so etende pelo ASC, numa conte Sig portant ese uma colocugle © oure, ica tim fell nstar simplesmente que omer \ ado" intomo ¢ ainda © comer interclosil s8's80 | Snsendoy © mismo eaimaladen, comma um‘recuve pare | fecuporer © “plone faclonamonio do. stun clonal, ive om plono wortce da cit, © que equlvle dst no Gite quartet do sécalo VIE Gone ro tin Bia oe no tr) decisive para reertutarar 0 stem, exctonieando SciiarteandomesGpois eoldnas. Alls, quem deta © processo nto. podera ser euro. —'é"0 goer de Indopondencia dos Eutedon Uniden Tnalmento, neta treqfentes cages da obra snaoe de Nova, quando procure demonstea’ sovellt sabre SS Abertura” com que Portugal responde i eri, no Cnsdora quero mertado interno, qucr 0 comérco inte. ‘Slonlal eo couttro do que tfiraa em eutroe omens Go: lv, ourando devimportacia ‘com que, ain ‘ivr sie eatudadent JOSE ROBERTO DO AMARAL LAPA. Enfim, s6 quando desempenha um papel necessitio & exportagio € que poder, quando muito, ocupar um desvio da histéria econémiga, mas néo mais do que esse lugar. A elaboragéo dessa ideologia e, em conseqiiéncia, de luma teoria © prética cientificas, foi répida e acompa. hou as descobertas © © processo de colonizagao © de dependéncia, levando as agGes imediatas que se voltaram, Para o atendimento extemo, permeando toda a nossa hist Somente agora, quase 500 anos depois, alguns auto- res comecam a perceber que essa, afinal, é a perspectiva ideolégica do colonizador que 0 colonizado assumiu © ar rastou até ontem, provocando equivecos em diferentes niveis, colocando-nos agentes e idéias fora do seu exato lugar. Somes o que eles queriam ou querem que sejamos. Mas, do nivel ideol6gico € preciso descer a0 nivel empi rico ¢/ou subir ao cientifico, para reprojetarmos outra imagem que, sem descartar propriamente as teorias, quer da colonizacao, quer da dependéncia, demonstre em todo ‘6as0 que tanto esta quanto a subordinaco colonial nic anulam a capacidade de gerar uma economia com certo | gru de autonomia ou pelo menos certa dindmica que Ihe & imanente. Embora o sistema tenha capacidade para comportar © até mesmo gerar cm seu beneficio essas relagaes de producio de varias naturezas — e esta é uma das grandes contradigSes do Modo de Produgéo Capitalista, como se Verificaré muito mais tarde — acabaram elas, em lento Proceso econémico € politico, por comprometer © pré- prio ASC. ‘Quando Furtado demonstrou a articulagdo das dt versas economias regionais na colénia, constitulu consi Weravel avanco. Mas, na verdade, posteriormente, poco ‘Progredimos nessa direcdo, mesmo porque esse ‘mesmo © ANTIGO SISTEMA COLONIAL as autor foi eloqiiente em negar qualquer possivel desempe- ‘ho & economia de subsisténcia, Assim, esse tipo de agricultura, como a pequena Producio € © comércio regional continuaram sendo des prezados. O proprio e sério problema do abastecimento do teria chegado a merecer do Estado uma politica es. pecifiea, Registre-se, contudo, que no caso dos autores — Lenharo e Borges Martins — que recuperaram ou mesmo Projetaram o mercado interno como objeto de estudo, fizeram-no para o século XIX, primeira metade e primei ro quartel respectivamente, num perfodo excepcional para \ ‘a5 nossas preocupagées, desde que marca justamenie © Spice da crise do ASC, no Brasil, com a desintegrago da economia de mineracdo, a vinda da corte, a abertura dos Portos, a discreta introdugio do trabalho livre, a form: $80 de grande mercado consumidor na cidade do Rio de Janeiro, a independéncia e outros eventos dos quais se Pode estabelecer algumas correlagdes com aquela crise. Mas, 6 interessante observar também que em ambos © desempenhio do mercado interno com a referida crise, ‘mas antes de reconhecer a potencialidade interna da eco. nomia brasileira. O seu enfoque é a partir dai, mesmo Porque a0 apontarem esse crescimento interno 0 fazem ‘na sua estruturaco, para a rea estudada — Minas Ge- rais — em relagzo a um perfodo no qual praticamente (9 mercados externos inexistem para os nossos produtos. No so trata portanto de simplesmente aplicarmos 5 mesmos raciocinios cabfveis para a primeira metade do século XIX, para o periodo anterior também. Nem lampouco se pode extrapolar suas conclusdes para toda: @ colénia ou todo © império, pois o “crescimento para dentro” de Minas 6 setorial ¢ peculiarizado, pode-se.tal- vez, reconhecer como conjuatural, por ligar-se A sede da corte, para onde houve grande afluxo de pessoas © de 8 autores no houve enfatica preocupagio em relacionar © ly as JOSE ROBERTO DO AMARAL LAPA capitais do Reino, além da regido contar com © impulso da acumulagio anterior que © ouro permitiu. Este, por exemplo, no parece ser 0 caso do Maranhiio no mesmo periodo, estudado por Furtado ¢ Castro. © gue se reclama € a pesquisa € andlise da virtual dade da economia colonial a0 longo de sua formasio, Claro esté que a sua mensuragdo devera ser outra, specifica para cada Area econémica e mesmo conjun. tural, quando o desempenho do momento assim o exisir. Conhecer a organizacio do comércio interno, a arti- culagdo ou simples desdobramentos entre produtores © comerciantes, o financiamento ¢ lucros, as firmas comer ciais © manufaturciras, as unidades de producéo agricola, © transporte © os airavessadores, a estocagem e pereci mento dos produtos, as crises e reagdes do mercado, distribuigao © equilibrio, a especulagdo © os precos, € 9 que nos falta, Muito menos se protende identiticar propciamente uma economia de mercado na(s) coldnia(s), mas arti- cular e demonstrar as dimensdes do mereado interno na economia colonial © melas a insezcio da economia de subsisténcia © o seu grau de integrasio ¢/ou complemen taco, de resisténcia e/ou autonomia em relasio aos mer cados externas, Recobrar esta questio ndo significa tentar inverter © processo de conhecimento histérico ow desde~ mhar © carater de subordinago da economia colonial. Agueles dois autores aos quais nos referimos, ao es tudarem o século XIX, tiveram que se reportar, com o mesmo vigor e interesse, ao século XVIII, para chegarem s conclusses a que chegaram. Assim, € que no podemos perder de vista 0 nosso Processo hist6rico, no qual a mercantilizacio da ccono. mia de subsisténcia e © abastecimento sempre tiveram um mencionamos, se ao Estado é negado que tivesse uma politica propria para’ atender esses setores, (© ANTIGO SISTEMA COLONIAL 45 nlo se pode desconhecer contudo sua sistemética ago. interveniente, tendo por objetivo regularizar as xedes de producéo © ‘irculacto. Portanto, 0 que agui é chamado de mercado interno se refere a0(s) sistemas) permanente(s) de trocas que se desenvolve, evidentemente que com variéveis, oscilagées Internas e relacionadas direta ou indiretamente aos mer eados externos, com peculiaridades regionals © da orge- nizagio da produgfo, no longo dos séculor XVI, XVII © XVII, Essa afirmagdo no pretende, em momento algum, escondicionar, como um todo, a economia colonial dos mercados europeus. Antes, procura mostrar que no seu interior & possivel localizar sistemas de trocas que pela uantidade © qualidade dos produtos locais comerciali- zados, pelo volume de forgaie-trabalho recrutada, pelo montante de capitais mobilizados, pelo processo” de acumelagio primitive que ensejou, pelo complexe de co- mercializagao que envolveu, nao podem ser simplesmente nneyados com uma penada, Em nome da decadéncia, da ostensiva pendria de ertas reas © em certas époces, no se. deve emitir vm Juizo genérico ¢ definitive, para toda a colénis, que mio tove o privilégio de voltar-se para fora. Na verdade, © espago que ocupa na “periferia” do sistema € pequeno ¢ freqlentemente desapercebido, entre ‘outros motives, porgue em certos casos as distancias © Aiticuldades a vencer chegam a ser igusis ow superiores Aquelas que se tem de percorrer para stingir ot mercados extemos. Enuretanto, a resisténcia, duragfo, desenvolvimento conjuntural, os| movimentos sociais deflagrados em seu rnome, os interesses envolvidos, os grupos de produtores e/ou mercadores que atrait ¢ sta emergéncia, perflados uma postura colonial, isto 6, nfo-metropolitens, formam lum conjunto que, se de uum lado contribuiu para comple- At 6 ra “ae JOSE ROBERTO DO AMARAL LAPA mentar a viabilidade das relagdes metrépole-colénia, de outro foi um dos fatores de sua deterioragio, Bastaria esta Gltima questio para justificar aqui agora a insercio do muitas yezes, mas nein sempre, atto- fiado sistema interno de trocas_no estudo do sistema capitalista Mas, voltemos a tese convencional. Era mais do que convincente, Sendo, vejamos: ¢ clementar que criago do mercado interno esteve sempre condicionada e obsta- culizada, entre outros fatores, pela nao transformacao dos colonos em assalariados ¢/ou pequenos produtores, isto & formavarse necessdrio que a massa de renda fosse distri. bufda em lucros ¢ salérios. Assim, € que se permitiria, em principio, a aquisigio de bens para a satisfacdo das necessidades primérias e secundarias, com 0 conseqllente esforgo interno para res. ponder também a esses estimulos. N&o era possivel que ndo existisse nenhuma beech no mercado © nenhuma condigdo para ser aproveitada, quer pelos que produziam através do cultivo da terra, quer pelos que se entregavam ao artesanato © & manufatura ou ‘mesmo A prestacko de servigas. ‘A pattir desse raciocinio, de que era patente a falta de ambas, toda uma série de razdes foram apontadss para justificar a inexisténcia de um mercado interno. Ora, uma certa autarquizagio da economia de expor- taco por parte dos produtores em conjunturas favordveis, OS pregos, cujas comunidades agricolas procuravam a auto-suficigncia, situando-se @ subsisténcia, nesse caso, fora do mercado, bem como a permanente utilizasao de ‘uma massa de forca de trabalho escrava, portanto sem Poder aquisitivo, levaram-nos a relegar definitivamente a questho do mereado interno. Devia mesmo inexistir nessa perspectiva, pois 0 es- ravo no precisava adquirir 0 que consumia, nfo havia ‘manufaturas ¢ as riquezas niio se transformavam em mer- © ANTIGO SISTEMA COLONIAL o eadorias, sendo consumidas no préprio local, por quem as produzia As grandes propriedades agricolas com numeroso Plantel de escravos, cuja produgdo estava voltada para 0. exterior tinham, por outro lado, sua prépria produsio de ‘subsisténcia. Sé a plantagem representava a riqueza, fora dela 56 /extrema pobreza imperava, numa fatalidade sem saida, Dessa maneira, nfo tinha muito sentido estudar senio a economia acucareira e a de mineracko, pois, no mais cram apenas suas sombras que se_projetavam. Era o modo de producio da miséria! A produgio individual era detconsiderada, por nio alimentar supostamente qualquer circuito econdmico, en. Guanto que a produgo social estava inteiramente voitada para 0 comércio com o exterior. A margem do comércio mercantilista é que se pro- cede © consumo da maiorie da populagdo, portanto sem estimulos, a ndo ser aqueles que, mais uma vez, s6 o(a) mercado(s) extemo(s) pode(m) oferecer, Néo havendo saldrios, afirmava-se que a massa de renda gerada fluia em sua maior parte para o exterior, dada a absoluta dependéncia da economia colonial ¢ falta de acumulagio origindria local, néo entrando por tanto na posse coletiva dos que aqui viviam, uma vez que estava fortemente concentrada, Essa irregular distribuigko da renda, por sua vez, torava inelastico 0 mercado consumidor. A esse quadro de estagnasio acrescente-se a produtividade © rentabili- dade consideradas sempre como bastante baixas e temos luma visio completa da questo, ‘Como definia Celso Furtado “Desenvolvimento com base em mereado interno s6 se tora possivel quando 0 organismo econdmico atinge um determinado grau de complexidade, que se caracteriza por uma relativa auto- nomia tecnol6gica” (Formagao econdmica do Brasil, p. 130) JOSE ROBERTO DO AMARAL LAPA Nessa concepeio esti embutida a falsa idéia de in compatibilidade © llogicidade entre 0 trabalho escravo © 1 tecnologia ou © avanga tecnolégico, que atravessa nosse historia econémica, de Furtado a Linhares, © que ver. sendo energicamente discutida por Castro. E esse mercado que ndo existe, cuja mediccridade de organizacio, auséncia de evolucio das técnicas, baixiss mas produtividade e rentabilidade esvaziam, que vai com- por 0 chamado quadro de estagnacdo. Ora, justamente esse mercado — na falta de melhor explicacso — é que também vai fornecer a “vanguarda da expansio caleeita” e oferecer os capitais acumulados para montagem de nova economia que se avizinhava, segundo Furtado e outros autores, como Maria Silvia e Yedda Linhares (sic!). Isso, Para nic falarmos na lavoura canavieica em Sio Paulo, também anteriormente formadora dos pré-requisites que Viabilizaram o café. Esse esquema explicativo, com as contradigses que apontamos, desalentava preocupagoes maiores em pesqui- sar ¢ conhecer a economia colonial ao seu interior, Nessa versio, ainda, a trama de relacdes que carac- \eriza © mercado interno implicava entdo um comércio permanente de trocas, onde podia predominar 0 es cambo, ¢ 0 fluxo monetirio era pequeno ou até inexistente para alguns. A falta de capacidade aquisitiva, © acanha. mento da vida colonial e © crédito restrito, pareciam realmente travar a economia interna, agravada ainda pe- las distincias, morosidade e inseguranca dos transportes, ago dos atravessadores, carga tributéria excessiva, con. trole fiscal ete. Entretanto, € preciso atentar para o fato de que mes- mo com essas\ limitagoes, constituiu-se um sistema de trocas que supera, em muito, © nivel local de escambo ¢ autoconsumo, incluindo até ‘mesmo a prépria produgio fescrava € sua comercializagdo do excedente, em pritica, ‘cuja significaco foi estudada por Gorender, Casto ¢ | | © ANTIGO SISTEMA COLONIAL a9 Ciro Cardoso, além, naturalmente, dos pequenos produ- tores livres com ou sem escravos, eles sim representando também um setor importante part o mercado interno. Deles inclusive se sabe @ sa ocorréncia nos enge- hos de agiicar, como também se sabe dos trabalhadores — “oficiais” © “mestres” — bem pagos © exercendo fungOes qualiticadas. ‘A construgio dese mercado interno ¢ concomitante com o mercado intercolonial © se faz cumprindo e/ou reagindo 3s imposigOes do capitalismo internacional que rege 0 mercado mundial, ‘© mercado de abastecimento interno vai valer-se, in clusive, para essa comercializagio, da estrutura montada Para atender o comércio de exportaglo e importacio, embora naturslmente com certos atritos, unta vez que este permanecia na mao dos portugueses (Apud Alcir Lenha ro, As tropar da moderagao, p. 26) Ha, portanto, mercade mesmo, caracterizado pela reefproca dependéncia que tm entre si os possuidores de mereadorias de diversa natureza, em termos rigorosa~ mente marxistas, Obra recente, propondo estimulantes sugestes meto- dolégicas de pesquisa e estudo, lembra dados de ordem demogritica indispenséveis para conhecer a estrutura do mercado interno, em termos de subsisténcia e abasteci- mento urbano, distribuig#o da populagiio nos setores de atividade produtiva, seus movimentos, padrées de renda © consumo, mercado de trabalho etc. (Maria Yedda Li- hares, Histérla da Agricultura Brasileira, p. 149 © O problema do abastecimento..., fls. 132/140). Se desconhecemos a estrutura desse mercado produc tor e consumidor interno, vejamos, contudo, como se toma possivel estabelecer algumas de suas linhas e dar- je certo contorno, por certo ainda revelador de sta precariedade. Assim, pelo menos para © século XVIII, temos 0 JOSE ROBERTO DO AMARAL LAPA entre Minas © 0 sertio a troca de ow por gado. O serto remete para o litoral gado © ouo em trocn de ‘manufaturas € escravos importados. A repiio das Minas manda para 0 litoral ouro © diamantes, recebendo tame bem em troca os mesmos produtos que vio para serie, enquanto que ao longo do litoral se desenvolve umn circu to mais complexo, articulando Bahia, Rio de Jancito, Rio Grande do Sul, Pernambuco © o Prata, com. produtcs como escravos, mandioca, milho, arroz, feijao, peixe sal. ado, aguardente de cana, madeira de construgdo © de ‘inturaria, ete., além das mercadorias européias. Através da navegacio de cabotagem, esse sistema de trocas desenvoive-se ao longo da colonia, mas na verdade Feeebendo methor tratamento da parte do Estado $0 2 Partir do primeiro quartel do século XIX. Isto, pelo mon tivo de que, com os Tratados celebrados com a Inglaterra (1810), Portugal vé-se pressionado pelos seus grupos mercantis por um Indo, bem como interessado nos diree tos de alfandega por outto, a agir entéo no sentido ae reservar dois setores de relevincia em sua economia: o comércio com as colénias portuguesas do Oriente, js apontado por Nicia Vilela Luz © Emilia Viot! da Coste, © 0 comércio interno do Brasil Embora essa orientagdo venha no bojo das trans- formagdes accleradas pelos exéroitos de Napoledo, na verdade nada mais faz do que legitimar, estimular © asso, urar os interesses sobre atividades mercantis jd existentes secularmente, O sentido da série de medidas legais entas tomadas pelo Estado no ¢ propriamente o de fomentar Pritieas novas, mas o de reconhecer e preservar ae ja existentes, i.c., para o que nos interessa, duas dimensGes do comércio: 0 intercolonial eo interno. Deste ultimo, viabilizado pela navegacio de cabotagem, estudo recente demonstra © seu volume © qualidade (Maria Ligia Prado © Maria Cristina Luizetto, Coniribuicdo para o estudo...), © ANTIGO SISTEMA COLONTAL a Mas, 0 mercado interno a uma ‘rama que envolve uma constelagio mais variads, fem quantidade © qualidade, de produtos comercializades sobretudo nos nuicleos urbanos, mostrando portanto a sic, femétien gera¢io de um excedente de “subsisténcia” que implica, por sua vez, certo padrio de acumulacio, que nos referimos tem quase totalmente desprezado pelos historiadores de nossa Assim, por exemplo, a cidade do Rio de Fanciro tem, no inicio do século XIX, as cimento de milho, feijao, arroz, ° segurado 0 seu abaste-|| C tigo, cebola e farinhal de mandioca, enviados por Santa Catarina, guano outras reas produtoras também e omparecem com arroz,\ feijfo, mandioca, milho, hortalicas, animals de pequens Porte, peixes, etc, sendo que de Minas vinham para o Rio gado em pé, porcos, galinhas, carneiros, toucinhe, queijos, cereais, tecidos -grosscitos de algodao, o que se complstava com os produtos de Sio Paulo, Mato Crosse © Gods, As itincas e/a enormesdifculdades para 9 tame | Porte dos produtos ndo esmorecem o constante fuxo de mercadorias para esses miicleos e sobretudo para as areas t* de mineragao, como Minas, Mato Grosso © Geis, onde | s nconivam contingents” populaceoa Sie oder aquislivo e toma de pogements oot oe jun | feam guage seco doe meeadncy en Pyeientam tembm agentes da internets iontonat Na’ gue die espeto prepratents A cena ha: mada de subsisténcia, essa trama articulando-se ainda’ da seguint (Bahia) € abastecida por um elen: Jas naturals ow semimanufaturados Toniais também. de trocas se desenha, fe maneira: Salvador 1c0 de produtos agrico- © por manufaturis co- Assim, milho, feijio, farinha, agicar, carne-seca, Peixes salgados © secos vindos do Sio Francisco, do ‘Cearé, Pernambuco, Porto Seguro e Sergipe d’EI Rei ditt, 5 JOSE ROBERTO DO AMARAL LAPA glam-se para o mercado de Salvador. De Sio Paulo se- guiam ainda mereadorias como carne de porco conserva da em barricas cheias de banha, sendo que, vie Parana gus, se exportava farinha de mandioca para a Colonia do ‘Sacramento, bem como para ¢ Rio de Janeiro e até para & Bahia © Pernambuco. No mais, © que se concede aos moradores do planalto é a intensa exportacio de mar- melada, Do Rio Grande do Sul para a Colénia do Sacramen- to, entre outros produtos, seguia trigo, enquanto que para © Rio de Janeiro eram remetidos came-seea, couros seL0S, sebo, farinha de trigo, peixes ete. ‘Vilas do interior da Bahia tinham na madeira a sua maior riqueza de exportaclo “... 0 que faz maior com- mercio dos habitantes he a extracgdo e exportacdo de madeiras, ndo so para os navios, como para os edilicios da cidade e reconcavo © carracas para caixotes de assu~ car...”, diz um documento do séeulo XVI Na capital de Salvador entre as diversas manufa- turas que tinha, destacava-se uma fébrica de louga grossa. Na Amazénia o estrativismo desempenhava um papel de destaque na pauta de produgio ¢ comercializecao. Mas, também se produziu cacay, café, algodao, cana-de- -agdcar, ete. Para Mato Grosso © Golds, complexo sistema fluvial assegurava a regularidade do comércio intercapitanias © intercotonial, vindo do Sul © do Norte da colénis, das colénias hispanicas ¢ das portuguesas da Africa e Oriente, toda uma variedade de produtos agricolas, drogas e manu~ faturas, sendo que do Norte viaham para aquelas minas erva-doce, redes, sabio, carima, marmelada, feijao, act ar, came-seca, aguardente, manteiga, cacau, salsa, bau- nitha, jalapa, resina de assafétida, salsaparsilha, cravo, “pixeri”, borracha, gomas, etc. De Mato Grosso, em torna-viagem, seguiam para 0 Norte: cravo-do-maranhio, copafba, (© ANTIGO SISTEMA COLONIAL 5a sangue-de-drago, madeiras diversas, ervas arométicas, sal (dos rics), agdcar, tecidos grosseiros de algodio, artesa- rato indigena, polpa de tamarindo, além naturalmente do © que melhor se conhece & sobre 0 abastecimento do excelente mercado consumidor que vai se formando nas Minas Gerais a partir do final do século XVII e para © qual convergiam produtos ¢ comerciantes de quase toda coldnia, Numa primeira fase, parece ter Sio Paulo re- presentado uma “‘retaguarda econémica das regiées mine-| radoras do centro © oeste brasileiros". Essas sumarissimas descricées, pela caréncia de pes- quisa, afloram apenas uns poucos produtos e sua origem © direcao, Ha rica documentago em arquivos portugue- ses, espanhéis ¢ brasileiros, com informagdes que com certeza permitirio conhecer todo © comércio interno da colénia, bem como siada 0 comércio intercolonial Por outro lado tem escapado & literatura cientifica que trata do problema, a redistribui¢do da renda colonial através do stendimento das suas mecessidades pelo Esta- do, num tal montante que o império colonial portugues 86 lapresenta sempre como deficitério para a metrépole. ‘Uma mostra da continuidade das remessas de moe- das de Portugal para o Brasil, portanto um fluxo mone- irio que geralmente é negado pelos estudiosos da economia colonial, temos apenas em relagso @ Pernam- buco, em 1808: quase 2 milhdes de cruzados, quantia considerada médical ‘Mas, fique claro que com essa afirmagio, baseada fem dados estatisticos, nfio queremos penser em explicitar © deficic de Portugal para com o Brasil apenas em. termos do seu montante de despesas. Estas contribuem, mas real- mente esse deficit € comercial, acusado pelas balancas de comércio e até mesmo defendido como necessério pelos {te6ricos iluministas que viam nele a tinica alternativa para ‘manter um superavit com as demais metrépoles! © co- 2 34 JOSE ROBERTO DO AMARAL LAPA. mércio de Portugal com o Brasil € sempre deficitirio, enquanto que com as demais colénias somadas — Asia, Africa ¢ ilhas — é superavitario, © fato é que, crom.a e em certo momento preco- nizada, essa situagao desfavordvel da metsépole em rola. ) so & colonia reflete até certo ponto um proceso de “endividamento”, que embora beneficiasse os grupos mer. antis metropolitanos, com certeza tornava também cte- dores os mesmos grupos coloniais, que assim tém motivos Para uma atuagio reivindicatsria, de diferentes tipos de Presses, em seu beneficio © no da coldinia, em posigdes até mesmo vantajosas em relagio & metrépole. Cumpre lembrar também, neste passo, a controvér- sia sobre @ lucratividade ou no da empresa colonial, Para 2 metépoic, dentro do sistema economica, eujos dados sobre os prejuizos tém ocupado a atengio de alguns cestudiosos, conciuindo-se convinceatemente que, no con junto, a colénia deu altos lucros a Portugal, Iuctos oriun- dos do comércio © garantidos pelo monopélio (Jose Jobson Arruda, O Rrasil no comércio.... pp. 53, 54, 125, 609 e 669) Quanto a0 fate dos circuitos propiciados pelo fisca- lismo, na arrecadaca0, e pelo complexo aparato adminis: trativo, na redistribuigso se processarem s6 através das estatais, representa entretanto um refluxo que viabi- liza tanto a economia para os mercados externos, quanto @ economia de subsisténcia, assegurando infra-estrutura, ‘multiplicando ocupagdes com todas as demais implica, Ges que esse processo gera, devendo-beneficiar em prin. cfpio toda a populagao. Assim, temos de certo modo que considerar, além do quase sempre desprezado montante de renda que per manece na colonia, © retorno de parte do montante do que © Estado arrecada, através de uma constelagio de {ributos. também nada despreziveis, como o dizimo, os Subsfdios literirio, militar, das bodas, 0 cruzado, a vinte- (© ANTIGO SISTEMA COLONIAL 55 tna, 0 quinto, © donativo, ete. ete. Para o agicar os im: ostos oneravam em 30% © mai ‘Somando esses fatores podemos admitir com Novais que, quando a exploracdo colonial promove @ aumento do mercado consumidor de produtos manufaturados, esté também capacitado esse mercado — entendido como da populagdo global — para outros produtos que nfo 0s ‘manufaturados, enquanto que ainda beneficiaré nfo ape- nas as manufaturas européias, mas sim as das coldnias portuguesas do Oriente, como procuramos demonstrar em ‘outro momento deste trabalho, Insistamos, ainda uma vez, que slo facvis de ser fenumeradas as limitagdes determinantes do rigido contor- no dese mereado, para que pudesse constituir-se em sua plenitude econdmica. ‘Como registramos, 0 regime de trabalho eseravo esti contre as mais sérias, pois exclui boa parte da populacio, © em certas dreas até mesmo sua grande maioria, da par ‘icipagao direta no mercado colonial, Mas, algumas reformulacdes a propésito da unilate- ralidade das linhas de interpretagso que privilegiam 0 mercado externo como a explicacio fundamental © tinica de nossa evolusio econémica vém sendo provocadas re- ccentemente, como ji mencionamos. Essas_reformulagdes jé atingiram inclusive, com ‘Yedda Linhares, 0 nivel de propostas metodoidgices de pesquisa que reconhecem o papel da economia de subsis- téncia e do mercado interno. © livro de Gorender, procurou.recuperar através do escravismo 0 nivel da producdo, 4e., numa formacko eco- nOmico-social pré-capitalista conseguiu mostrar que havia ccerta dinamica interna na economia dat reas colonizadas que 2 descaracterizava como mera anomia, cujo ritmo © sentido de vida s6 cram determinados do exterior, pelo capital comercial e portanto pela circulagtio mercantil, que esse caso definiria a estrutura global. ade JOSE ROBERTO DO AMARAL LAPA Representou portanto considervel e polémico avan- {G0 no nosso conhecimento histérico em quela dicegao, embora tenha também esvaziado a questo do mercado: interno, que em grande escala seria incompativel com o modo de produgao eseravista, que & como define nossa realidade colonial. “Inexistia : ado na colénia e a norma do auto -abastecimento devia ser absoluta” (pp. 89 © 243). © que pode ser vilido para certas éreas rurais, mas ndo climina © comércio fixo de beira de estrada, 0 comércio volante de porteira em porteira, tampouco resolve o Problema de abastecimento dos niicleos urbanos ¢ das reas de mineragio, 5 quais, entretanto, conforme o ‘mesmo autor, produziam os mantimentos para 0 proprio consumo. © ainda Gorender quem reconhece que day “regides excéntrieas”, isto &, que nfo produziam para os mereados externos, 2 atividade principal era a da eco. nomia natural, “cabendo 2 economia mercantil a margem complementar”. Mas, reconhecenda a reprodugio da pro. ducio (reproducdo simples © mesmo reproduedo amplia- da) na coldnia aponta para certo nivel de acumulacio ntema, desprezacio até entio, que pode inclusive, em ‘nossa maneira de entender, vit a responder em parte & uestiio do mercado interno. Alids, em estudo que escre- Veria depois do livro que tratamos, admitira a insuficién. la © nfo mais a inconsténcia do’ mercado interno, este mais acumulagdo e a reprodusdo ampliada do capital, responséveis diretos pelo desenvolvimento do eapitalisme, no Brasil, Para periodos posteriores, os estudos de Souza Mar- tins fizeram escala, resgatando a pequena producto, tam- bem relegada a Glimo plano, pois parecia evidente até entiio que em nada contribuia para o desenvolvimento quer da colonia quer da nacido livre. © ANTIGO SISTEMA COLONIAL a Esse tipo de producio assumia assim o papel fatal de obstaculizador do capitalismo, que Ihe confere certa versiio marxista. Para esse tltimo autor, entretanto, © ca pitalismo ¢ capsz de produzir relagGes nnio-capitalistas de Produgiio, das quais se nutre, Com esses trabalhos, em que se pese todas as diver- géncias que 1ém provoesdo, dava-se um passo decisive Para repensar 4 teoria do nosso subdesenvolvimento ou desenvolvimento, Isso porque caminhamos para um conhecimento mais profundo e abrangente da formago econémico-social bra sileica Embera o nosso objeto de estudo se dirija nomeada- ‘mente para a coldnia, queremos nos demorar um pouco mais no registro de dois trabalhos, por nés jé utilizados reste capitulo, mas que se referem mais a0 século XIX, tratando, como também ja se afirmou, de uma regige de desempenho econdmico peculiar, Somando-se cles sos anteriores, j4 citados, contri- buem com sua pesquisa 2 estudo, para que se chegue a resultados altemente significantes que, por certo, relati- vizarfo © total © absoluto predominio dos miercados extemos como categoria explicativa, Exige-se agora o exame da pequena produsdo local ©, mais do que isso, 0 do desempenho das relacées de Producio © forgas produtivas que nem sempre se perii= tavam pela l6gica impositiva dos mercados externos, dos ceniros de decisio, porta-vozes, afinal, das nagdes hege- mOnicas e do capital internacional. Referimo-nos as teses respectivamente de Aleit Le- mharo © Roberto Borges Martins sobre a economia de ‘Minas Gerais, que manipulando dados empiricos abrem amplas perspectivas para que se comece afinal a desven- dar toda a face que permanecia oculta em nossa eco- noma. Entre outras colocagdes desses autores esto justa- 56 JOSE ROBERTO DO AMARAL LAPA mente dados, hip6teses © conclusdes que convergem, de maneira convincente, para a demonstracéo da existencia de“certa dinamica inierna de nossa economia, que néo se sujeita passivamente aos mercados externos, que tem niveis de renda © poder aquisitive capazes de comportar Permanentes fluxos de mercadorias, mao-de-obra eserava. ‘acumulagéo simples, crescimento econdmice, resistencia as crises externas, etc. A sua potencialidade pode direta ou indiretamente depender dos mercados externos, mas a trama da sua pro- dugio, distribuigio, circulacao € consumo — dos cereais fis manufaturas —'é tecida com certo grau de autonomia, Nesse capitulo e no que diz respeito A economia de Subsisténcia cabe ainda uma referéncia & consagrada tese de que quando se acentua a demanda externa, exigindo 8 mobilizagio de terras, forga de trabalho, implementos © instalagées agricolas, meios de transporte ¢ crédito, € eatdo automético que 0 consumo interno seja deamati- camente afetado devido a reducio da cultura de subsi téncia, gerando, por sua vez, problemas sociais nas cid des, devido ao colapso do sistema de abastecimento. Ness caso, no estamos privilegiando apenas us causas externas Para explicar a carestia de alimentos, pois com freqiiéncia 8s internas também a determinam aié mesmo com maior intensidade. Reconhecemos a falta de base empirica para uma conclusio fechada a respeito dessa questo. Entretanto, € preciso acrescentar que justamente os produtos de sub. sisténcia, pelos altos precos que alcancam, atrafam ho- mens livres que no tendo condigdes de’ dedicarse a grande lavoura voltam-se para a subsisténcia agora com ensadora. Por outro Indo, é licito admitir que nas épocas de queda dos precos nos mercados externos, a agricultura de subsisténcia situada fora da plantagem escravista é que se ressentia. Nese sentido, so dois setores de reagoes © ANTIGO SISTEMA COLONIAL 50 distintas © iio como quer a maioria dos autores, a0 gene- rralizar 0 desempenho da subsisténcia nas crises. Lenharo revela a capacidade de uma economia viei- nal ¢ interprovincial, de escala razodvel, voltada para as concentragdes urbanas, conseguindo crescer independen- te dos mereados externos ou com estes em crise, ou ainda com os novos produtos de exportasio sofrendo forte con corréncia. Embora a sua preocupagio maior seja detectar os grupos emergentes compostos de lavradores-comerciantes Ctropeiros) que nio se ligam necessariamente a0 setor de exportagio © que, gracas ao seu desempenho econdmico no absstecimento do Rio, ganham projegio politica, para chegar a tanto 0 autor pereorre com éxito o processo de estcuturagio © nacionalizagao da producao ¢ comercia- lizacho desse sctor de subsisténcia. Na rea de Minas, 0 mercado interno ¢ interprovin- ial assume tais dimensses que reconhece que se toma “... dificil, as vezes, precisar os limites entre produgio mereantil de subsisténcia © produgao mercantil tipica de exporiagio™ (sie!). 434 Roberto Martins chega por outras vies a demons lar, por exclusio, © que parecia indemonstrével: @ capa Cidade de setores como a siderurgia, a pecuéria, a peque- a producéo © as manufaturas da provincia de Minas Gerais, poderem absorver uma das maiores concentra ‘960s de cscravos das Américas no titimo quartel do sé- culo XVII © primeira metade do século XIX, direta mente importados da Africa, desfazendo portanto, de ‘maneira veemente, uma série de hipsteses j@ cristalizadas como verdade em alguns dos nossos melhores trabalhos de historia econdmica, como por exemplo a incompatibi- lidade do trabalho escravo com atividades outras que nio 8 plantation, ou com inovacdes e certo grat de tecnologia, bem como ainda © refluxo da populag#io escrava da mine ; g oo JOSE ROBERTO DO AMARAL LAPA ragio para o café, que nas conclusGes de Martins nio se deu, ete, Pca craaye, ema es relagoes economicas intemas das colénias — no caso do Brasil que & 9 que mos inte- ressa aqui — € uma questio em aberto. Temos que conhecer sua estrutura, suas dimensdes, seu desempenho © sua capacidade de desenvolvimento, sem total ¢ irre- cuperivel sujeico aos mercados externos. ‘$6 entio poderemos avaliar © grau do sentido, na [5 sica capitalista, que as colénias tinham em relagio as metr6poles e a si mesmas, coldnias, Quando incorpora © propde uma tipologia para a colonizagio, Novais com certa pertinéncia praticamente exelui do sistema colonial es chamadas coldnias de po- voamento (Nova Inglaterra)... cvja produgéo se pro- cessa_mais em funcao do proprio consiimo interno da colonia © onde predomina a pequena propriedade” tambem a produgio manufatureira ¢ integra as coldnias de exploracdo (Brasil), cvja economia é montada em funcde dos mercados externos. Entretanto, nem as primeiras deixam de exportar o cexcedente, nem as segundas deixam de produzir para 0 NNio se trata de simplesmente ignorar o alto grau dependéncia ¢ subordinagio econémica da colénia a &)Ifrtpieroco rare ae pee far_menos até a interdependéncia entre ambos e mais crto_espaco de autonomia conquistado, impliado economicamente pela colonia, co repercussées politicas. Jew Telativizacho € que tem que ser estabelecida inegaveis sob o tisco de perdermos de vista 0. cardier de inteprali- Vecmcite Boers hover, pela 1gica do sistema, um de- senvolvimento econdmico interno da coldnia. Por outro "pode, a curto prazo, representar um “mecanismo™ diri- © ANTIGO SISTEMA COLONIAL a que nos referimes antes gido indiretamente para a acumulacio primitiva na_me- ‘épole ¢ por isso mesmo consentide, Entretanto, verifies se também que a curto prazo podia significar resisténc 0 exclusivo, particularmente para os que detinham os resultados da mineragie, uma vez que com eles conse~ guiam aumentar bem o seu grau de autonomia comer cial, pois no necessitavam da venda dos seus produtos ara comerciar Resta considerar que a médio ¢ longo prazos pode~ se aceitar que se transformasse numa forga econdmica © politica para a gestasao do mercado intemo e da inde pendéncia politics, conforme, de certa mancira, Novais do deixa de admitir. Daf, a relevincia ideoldgica e cien- ifiea da sua recuperagio como objeto de estudo, capaz de romper com © pragmatismo da prética social que sempre se scionou movida pela ideologia do colonialisme © do colonizader, Como hipsteses de trabalho para o conhecimento do mercado interno colonial, algumas projegies € que poderio futuramente responder sobre 0 verdadeito sig- nificado desse circuito de trocas. Assim, com calculos macroecondmicos, uma primeli- ra aproximagio poderd ser feita em relaglo, por exem- Plo, a0 acvear © aos demais grandes pradutos de expor- tagiio, como mineragio, algodao, couros, arroz, tabaco, madeira, etc. Corrigindo © acrescentando as conclusoes de Furta- do (sobre o agticar) que chegaram a accitar mais de 90% de Iucro, Gorender aventa que do Iuero, uma vez deduzidas as despesas de comercializagio © transportes Clretes, comissdes, seguros, etc.), reposieao, aumento da Produgio © atendimento a onerosa tributagio © As despe- sas de manutengSo, lazer, mais a consignagio de crédito Para aquisigio de outras mercadorias e os custos de pro- ) !

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