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Leonardo Silva Alves
Leonardo Silva Alves
Salvador
2011
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Salvador
2011
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AGRADECIMENTOS
RESUMO
PALAVRAS- CHAVE:
SUMMARY
Keyword:
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 9
2 O TEATRO UNIVERSITÁRIO NA UNIMONTES ................................................... 14
2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A TRAJETÓRIA DO TEATRO
UNIVERSITÁRIO DO BRASIL .................................................................................... 19
2.2 O ENTRELAÇAMENTO DE FIOS NA FORMAÇÃO DE UM GRUPO - HISTÓRICO
DA CIA ACÔMICA ........................................................................................................ 28
2.2.1 Criação do sistema de trabalho .................................................................................... 31
2.2.2 Espetáculos montados .................................................................................................. 35
2.2.3 Uma década de caminhada .......................................................................................... 49
3 TECENDO RELACIOMENTOS E CRIANDO UMA REDE DE AÇÕES .............. 55
3.1 PRIMEIRO CONTATO E PARCERIA ........................................................................... 57
3.2 DIVULGAÇÃO DA PROPOSTA - NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO TEATRAL ....... 58
3.3 INÍCIO DOS TRABALHOS DO NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO ............................... 61
3.4 MERGULHO EM RETIRO ............................................................................................. 65
4 PROCESSO DE CRIAÇÃO EM COLETIVO - TECENDO AÇÕES E CRIANDO
CENAS............................................................................................................................ 69
4.1 ABORDAGEM METODOLÓGICA ............................................................................... 70
4.2 DECISÃO E ESCOLHA DA DRAMATURGIA ........................................................... 95
4.3 PRIMEIROS RASCUNHOS DRAMATÚRGICOS ...................................................... 107
4.4 CONSOLIDAÇÃO E REPERCUSSÃO DO TRABALHO .......................................... 126
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 142
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 149
ANEXOS.........................................................................................................................153
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1 INTRODUÇÃO
Quatre maim,
catre mane,
catri mano,
catrumano;
Observando o costume dos moradores do sertão san-franciscano, o biólogo
naturalista Saint-Hilaire achou curiosa a locomoção, mesmo de pequenas distâncias,
ser feita sempre a cavalo. Sugerindo uma fusão entre as patas dos cavalos e as mãos
de seus condutores, queria denominá-los de quatro mãos. Guimarães Rosa,
retomando o termo em sua obra, atribui valor depreciativo, dando ao interlocutor
caráter de inferioridade intelectual. Em fins de 2005, intelectuais Nortes Mineiros
propõem revisitar o termo junto a pesquisas históricas, num intuito de reverter o
tom pejorativo que a expressão sugere.1
Catrumano sim sinhô!... Expressão forte que traz toda uma história com sentido
de vida ligado ao trabalho duro de criação de gado e plantio de terra, povo alegre, espontâneo,
hospitaleiro. Representatividade do Norte de Minas na criação do estado, sua importância na
labuta diária do homem do norte, que através de matrizes culturais refletidas no seu povo
mostra seu valor. Assim mostro através desta pesquisa a influência artística na minha
trajetória profissional e humana o encontro com a Cia Acômica e a realização do espetáculo
teatral Exercício nº1 sobre Catrumano.
Ao participar do processo de criação que (ora) a Rede Teia2 me proporcionou no
núcleo de investigação teatral de Montes Claros, tive a oportunidade de fazer um retrocesso
na minha trajetória de trabalho artístico e profissional. Situações que me levaram a uma
reflexão sobre o fazer teatral e o trabalho em grupo na busca de um objeto comum.
Aprofundamento nas origens históricas do ser catrumano e suas características marcantes que
estão impregnadas no povo norte mineiro: este corpo forte acostumado a lidar com o sol do
cerrado, corpo pronto para as atribuições corriqueiras do dia a dia do sertão mineiro. Processo
de criação próximo a minha realidade de infância, de cotidiano, de convivência com amigos e
família, de contato com disciplina, respeito, brincadeiras, contos, histórias, dúvidas e anseios.
Assim nos foi proposto construir um pequeno texto para o prospecto do trabalho relatando
1
Locução inicial do Espetáculo Exercício nº1 sobre Catrumano, onde os atores estão deitados como cavalos em
um curral, durante a execução da locução eles começam a se movimentar como animais despertando e se
transformam em cavalos e conduzem a platéia ao local da apresentação como se tocassem uma boiada.
2
Projeto idealizado pela Cia Acômica que visa além de desenvolver ações de formação artística para fortalecer a
produção local, o projeto incentiva a manifestação cultural convidando artistas locais a se apresentar e fazer parte
dessa rede de experiências. Desde 2004, a REDE TEIA atua em Minas Gerais, promovendo apresentações de
espetáculos de artes cênicas, além de palestras e oficinas, tendo sempre grupos e pensadores locais convidados.
Vale ressaltar, a importância dos grupos locais nas atividades da REDE como interlocutores fundamentais e
estruturantes de todo o nosso processo, pois essas parcerias formam essa rede de idéias e iniciativas. A REDE
TEIA avançou em seu formato, aprofundando seu caráter formativo através dos Núcleos de Investigação Teatral
que proporcionam a junção de teoria e prática. REDE TEIA - Experimentação e investigação em artes cênicas,
Montes Claros, 2008. Tabloide.
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nossos sentimentos e emoções. Pelos atores pesquisadores foi executado também em conjunto
o seguinte texto:
No peito, a coragem. Nos braços, a força. Nos pés, a resistência. CATRUMANO:
quatro pés. Homem que anda a cavalo e campea o gado, nos Gerais. Nascimento
prematuro: sete meses – falhas e progressos. Aprendemos a nos esforçar e ser
disciplinados no trabalho diário e intensivo. Compartilhamos nossas emoções e
vidas. Unimos força e superamos nossas inseguranças e dúvidas. Convivemos num
universo de idéias, aprendemos para a arte e para a vida a confiar nas palavras a
perder, a sofrer e a escutar.3
3
GRUPO CATRUMANO. Exercício nº1 sobre Catrumano. Espetáculo de finalização do Núcleo de investigação
teatral de Montes Claros/2008. Direção: Nelson Bambam; Cláudio Marcio; Leonardo Alves. Dramaturgia
Glicério Rosário. Montagem com Processo Colaborativo pelos Atores pesquisadores do núcleo. Montes Claros –
2008. Prospecto.
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Claros – Unimontes – meu intuito foi buscar aperfeiçoamento e qualificação para aprofundar
conhecimentos teóricos e práticos.
No primeiro contato com trabalho coletivo, já citado anteriormente, participei de
todo o processo de criação: montagem de coreografias, sugestões de figurinos e cenários,
além dos ensaios até as apresentações, mesmo não tendo maturidade suficiente para o
entendimento sobre o fazer artístico. Em seguida participei de outros grupos artísticos ligados
à dança clássica e contemporânea. Em todos eles participei do processo de criação e também
auxiliei a parte técnica com montagem de cenários e iluminação. Percebo hoje, o quanto foi
importante ter vivenciado todas estas experiências com grupos variados e suas formas de
abordagem do processo de preparação física do artista
Já no teatro vivenciei outros pontos importantes no processo de criação como:
concentração, atividades de preparação e utilização da voz, estudo de texto dramático e
especificidade de dramatização. Surge para mim uma nova ideia de trabalho coletivo, própria
do fazer teatral, composta por cumplicidade, confiança, troca, emoção, relação, convivência e
uma atração cada vez maior pelo trabalho de grupo e pelo processo de criação.
Reconhecemos a ideia de teatro de grupo segundo Peixoto (2002):
Sempre busquei referência no modelo dos mestres com os quais trabalhei, por
perceber neles criatividade, disciplina, competência, determinação e envolvimento com o
grupo e com o processo artístico. A rotina de atividades de manutenção e ensaios do trabalho
em grupo proporciona a aproximação e a familiarização, configurando uma necessidade de
estar junto. Prescinde de comprometimento. A partir disso, percebi fatores que auxiliam na
sustentação dos princípios do trabalho grupal, a saber:
Ao receber o convite para coordenar o núcleo de investigação teatral da Rede Teia em sua
edição de 2008, na cidade norte mineira de Montes Claros, em parceria com a Unimontes,
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Site da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes pesquisa sobre missão e histórico da
instituição. Disponível em: <http://portal.unimontes.br/index.php?option=com_content&view =article&id
=3450& Itemid =212.> Acesso em: 06 out. 2011.
15
tempo à frente do Projeto. Muitos trabalhos teatrais foram montados durante o percurso
do TU como nos relata a Professora Solange Sarmento:
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Página da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes com informações dos cursos de
graduação e projetos de extensão cultural. Disponível em: <http://www.cch.unimontes.br/ portal
/index.php/curso-de-teatro/projetos-de-extensao/teatro-universitario> Acesso em: 06 out. 2011.
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6
Informação da Revista eletrônica: Enciclopédia Itaú Cultural Teatro sobre o Teatro Universitário da
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Disponível em: < http://www.itaucultural.org.br/
aplicExternas/ enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=cias_biografia&cd_verbete=12577>. Acesso
em: 23 set. 2011.
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Informação da Revista eletrônica: Enciclopédia Itaú Cultural Teatro sobre o Teatro Universitário da
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/
aplicexternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=conceitos_biografia&cd_verbete=619&cd_item=
31>. Acesso em: 23 set. 2011.
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O UTEC nasceu da necessidade de discussão e organização no plano teórico das praticas e fenômenos
relacionados à cena dentro do espaço acadêmico da Unimontes - Universidade Estadual de Montes
Claros. Em um breve relato, sobre o surgimento do UTEC, aqui deixamos registrado que aos 05 (cinco)
dias do mês de agosto de 2005 iniciaram-se as primeiras discussões sobre as condições da pesquisa em
Teatro, Dança, Educação para a Cena e as Manifestações Populares Organizadas no Norte de Minas.
Ressaltamos que nossa inquietação, que desencadeou no surgimento do UTEC, foi influenciada por
pesquisas do campo da Etnomusicologia, realizadas pelo professor Luiz Ricardo Silva Queiroz, ex-
professor de todos participantes do grupo (em seu inicio). O conceito Etnomusicologia que já fora
descrito no texto em nota, merece ser ampliado segundo a The New Encyclopaedia Briannica, 15ªed.
10
Grupo Catrumano (iniciante e veterano) – Resultado da Rede Teia – Núcleo de Experimentação e
Investigação em Artes Cênicas, que atuou em Montes Claros em 2008, como uma rede de pensamentos,
ideias e experimentações que tem o objetivo de contribuir para o desenvolvimento cultural e artístico em
sua área de abrangência. Esse projeto foi coordenado pelo ator e diretor teatral Nelson Bambam Jr. Hoje,
um Grupo instituído no Teatro Universitário como espaço de processo de investigação teatral e de prática
de pesquisa e trabalhos corporais, de preparação dos atores, com intuito de construção de um novo
espetáculo cênico do Grupo Catrumano, bem como manutenção do trabalho Exercício nº 1 – intitulado
Catrumano (espetáculo inspirado na tese de doutorado do professor João Batista da Costa) já apresentado
inclusive no último encontro da União Nacional dos Estudantes, ocorrido em Salvador/BA, e também nas
cidades mineiras de Manga, Matias Cardoso, Itacarambi, Januária e Carbonita.
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- O Núcleo Avançado de Práticas Teatrais – Montagem ―A Casa de Bernarda Alba‖ de Garcia Lorca –
Espaço de montagem cênica, de integração entre a equipe de professores envolvida no projeto. Neste ano
19
de 2009 o Núcleo assume a montagem do texto ―A Casa de Bernarda Alba‖, um trabalho iniciado ano
anterior no Ciclo de Leituras Dramáticas.
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Paschoal Carlos Magno, sem qualquer dúvida, foi uma figura de invulgares contornos. Daí ser muito
difícil resumir suas múltiplas atividades, todas voltadas para o mais puro sentido do ideal. Paschoal
Carlos Magno foi um idealista que dedicou toda a sua vida à modalidade estudantil do Brasil e ao teatro.
Poeta, escritor, teatrólogo, político, diplomata, destacou-se em todos os setores em que militou, mas sua
vida foi sempre uma constante: o teatro e os estudantes. Informações retiradas de: CARVALHO, Marinho
de. Paschoal Carlos Magno: 1906-1980. In: PASCHOAL CARLOS MAGNO: crítica teatral e outras
histórias. Organização de Martinho de Carvalho e Norma Dumar. Rio de Janeiro: Funarte, 2006. p. 21.
21
A citação acima destaca que, entre os integrantes do grupo, a prática teatral acabara
infundindo o gosto artístico e ajudando a despertar vocações, pois, subsequentemente,
alguns optaram pela carreira profissional.
Os historiadores do teatro nos contam que Mário Brasini, por convite de
Jerusa Camões, estabeleceu um programa de estudos e de preparação dos atores.
Segundo Cafezeiro e Gadelha (1996):
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Décio de Almeida Prado, filho de Antônio de Almeida Prado médico e professor de Medicina também
voltado à literatura e ao teatro, iniciou o filho no gosto pelas artes. Décio recorda o prazer pela ribalta já
aos 10 anos, tinha o desejo de ser poeta como Martins Fontes amigo de seu pai. Escreveu jornais no
período ginasiano, de 1929 a 1933 em colaboração com Paulo Emílio Salles Gomes. Formou-se em
Filosofia e Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, em 1938, e bacharel
em Direito pela Faculdade de Direito da USP, em 1941. Crítico praticamente só escreve sobre teatro. No
decorrer de suas atividades acumulou prêmios, homenagens e distinções. Foi Presidente da Comissão
Estadual de Teatro e da Associação Paulista de Críticos Teatrais. Informações retiradas de: ARÊAS,
Vilma. Traços biobibliográficos de Décio de Almeida Prado. In: DÉCIO DE ALMEIDA PRADO: um
homem de teatro. Organização de João Roberto Faria, Vilma Arêas e Flávio Aguiar. São Paulo : Editora
da USP, 1997.
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[...] aspecto que salta aos olhos de quem se detém na análise do trabalho de
um grupo de teatro é justamente a constatação dialética de que um dos
elementos-chave de estímulo e avanço reside mesmo na diferença entre seus
integrantes: alguns dos momentos mais vigorosos de alguns grupos mostra
que foi justamente nos instantes de ardente discussão interna, quando cada
um investe com intensidade em suas dúvidas e projetos, que a unidade foi
forjada de forma mais produtiva. [...]o mesmo acontece em grupos de teatro
amador ou universitário e até mesmo em empresas de estrutura basicamente
mais comercial, masque, em melhores anos do teatro nacional, estavam
formadas, internamente, dentro de conceitos próximos aos de ―teatro de
grupo. (PEIXOTO, 2002, p. 244-245).
Essa escola foi um reduto de onde saíram grandes atores e profissionais das
artes cênicas para atuarem no Brasil e no exterior. As atividades da escola abrangem
desde o nível de iniciação até a profissionalização técnica dos envolvidos com as artes
cênicas. Influência direta na cena teatral de Minas Gerais, onde se vê refletido nos
elencos dos vários grupos teatrais formados na capital mineira por alunos do curso
técnico e acadêmicos da universidade. Na publicação NO CENTRO... (2002) da UFMG
encontramos relatos de professores sobre fatos que nos remetem ao início da história de
consolidação do Teatro Universitário em Minas:
14
Plano de Desenvolvimento Institucional - PDI da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.
Disponível em: <http://www.ufmg.br/conheca/pdi_ufmg.pdf> Acesso em: 23 set. 2011.
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[...] Essa formação é proporcionada por 13 docentes (são sete doutores e seis
mestres), que desenvolvem, paralelamente à atividade acadêmica, trabalho
artístico importante, em grupos como Galpão, Zap 18 e Oficina Multimédia.
Mariana Muniz destaca um aspecto da atuação da equipe de professores: a
contribuição para o desenvolvimento de uma área incipiente – metodologia
de pesquisa em teatro. [...] O curso de Teatro vive expectativas promissoras.
Já no segundo semestre de 2009, passa a compartilhar seu espaço físico com
o Teatro Universitário (TU), segundo curso profissionalizante do país, criado
em 1952. ―Será um desafio interessantíssimo aproximar as gestões desses
cursos, unindo experiências e criando novas formas de trabalhar‖, comemora
Mariana Muniz. Além disso, a instalação na EBA até 2010 de novos cursos
viabilizados pelo Reuni permite vislumbrar a criação, como ela diz, ―de um
grande instituto de artes, que incentivará o cruzamento de currículos e ainda
mais integração‖. O curso de Teatro é, por sinal, marcado pela possibilidade
de o aluno construir um percurso muito próprio, já que são várias as
disciplinas optativas e as alternativas de formação complementar em áreas
como Ciências Sociais e Artes Visuais. (RIGUEIRA JR., 2009, p. 4).
teatro da capital mineira com o intuito de promover uma oficina de Teatro e criação de
um espetáculo. O teatro ligado à Faculdade de Artes – Faceart – existia por iniciativa do
Professor José Baptista da Silva que dirigia o Grupo Faceato e manteve, por alguns
anos, o vínculo com a faculdade, produziu espetáculos, inclusive com participação de
acadêmicos do Curso de Artes e pessoas da comunidade, iniciando ,como se pode ver,
uma prática recorrente de formação de grupo com estímulo da academia. O teatro tem
em sua característica primeira o encontro, assim nos afirma Grotowski ―A essência do
teatro é o encontro. [...] um encontro entre pessoas criativas. [...]‖. (GROTOWSKI,
1971, p.41). Após o encontro com o Professor, diretor e ator Homero Carvalho Faria,
oriundo da capital, onde tinha destaque na cena teatral mineira, surge o convite para
este a assumir as disciplinas na primeira turma de licenciatura em teatro da Faceart.
Homero Faria contribuiu para a formatação e consolidação do Teatro Universitário da
Faculdade de Artes, iniciou o trabalho que logo foi assumido pela Professora Terezinha
Lígia das Graças Froes, egressa da primeira turma, na qual já mantinha uma trajetória
consolidada dentro do movimento mineiro de teatro amador. Sobre o Teatro
Universitário da Unimontes, Fróes (2003) nos relata que:
[...] o teatro é uma ação engendrada pelas reações e impulsos humanos, pelos
contatos entre as pessoas. Trata-se de um ato tão biológico quanto espiritual.
[...] um fascínio. Implica numa luta, e também em algo tão idêntico, em
profundidade, que existe uma identidade entre aquêles que tomam parte no
encontro. Todo diretor deve procurar encontros que se afinem com a sua
natureza. (GROTOWSKI, 1971, p. 42).
Essa mesma ideia é compartilhada por Santos (2007) que traça uma
trajetória da cena brasileira em relação às companhias de atores, com seus encontros e
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incertezas, e em depoimento, nos dez anos da Cia Acômica, nos esclarece uma
característica importante na história desta Cia, a qual se enquadra nas características dos
grupos contemporâneos imbuídos de uma visão que vai além do espetáculo, e coloca
os atores a perpassar pelo processo de criação, levando-os a refletir, durante todo o
processo, sobre o fazer da cena teatral. Simultaneamente ao movimento teatral da cena
brasileira a Cia Acômica se junta a esta corrente de renovação segundo a afirmação de
Santos (2007):
15
Ator-bailarino, professor do Teatro Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG –
e fundador da Tropa Mineira de Teatro Dança. A raiz dos seus estudos era a dança moderna de Isadora
Duncan, bailarina e pesquisadora americana. O professor orientava os laboratórios no Teatro
Universitário com base no corpo do aluno-ator, sua postura em cena, plasticidade corpórea,
movimentação no espaço, sempre utilizando como referência os elementos da natureza: fogo, terra, água e
ar, como Isadora e sua ―dança natural‖.
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O objetivo do principio fundamental da Biomecânica era o de levar o ator, dessa forma, a aprender a
controlar os próprios meios expressivos independentemente das condições do momento. A biomecânica
coloca em relevo a compreensão, por parte do ator, de sua atividade psicofísica durante seu processo
criativo.(BONFITTO, Matteo,O Ator Compositor.2006.p.44).
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Vsévolod Meierhold (1894-1940). Diretor, ator e grande homem de teatro russo. Estudou na Escola de
Arte Dramática de Nemirovich-Danchenko e fez parte do Teatro de Arte de Moscou como ator; trabalhou
com Stanislávski. Em 1917 proclama o Outubro Teatral, propondo a revolução artística e política do
teatro. Organizou espetáculos de massa e outros tais como A Floresta e O Inspetor Geral. Introduziu na
cena elementos de crítica social e, em 1937, tem seu teatro fechado. É preso em 1939 e morre fuzilado em
2 de fevereiro de 1940.
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Santos, da Universidade de São Paulo USP, trouxe pela primeira vez à capital mineira.
Esse laboratório fazia parte da programação do Festival Internacional de Teatro Palco e
Rua de Belo Horizonte – FIT/95. O que ficou desse encontro foi o contato com uma
nova abordagem do ofício de ator e uma sequência física que auxiliou os atores do
grupo a executarem uma rotina de trabalho.
A partir dessa sequência de trabalho, desenvolvida sem a presença da
professora Maria Thaís, os atores buscaram em suas pesquisas estabelecer relações com
conhecimentos já adquiridos, ou seja, os preceitos de Isadora Duncan e da Capoeira
Angola. Ao se executar essa série de exercícios, surge então a compreensão de que os
movimentos básicos de treinamento corpóreo da Capoeira Angola possuem uma relação
de proximidade com os conceitos meyerholdianos de transferência de peso e locomoção
no espaço.
Contudo, o grupo ainda não sabia como desenvolver um programa
pedagógico e ser ao mesmo tempo um pedagogo e um aluno; como criar uma
linguagem comum num ambiente plural; como manter um sistema de trabalho; qual
modelo adotar. Mesmo com estas dúvidas o grupo continuava a trabalhar, como ressalta
Lerro (2007):
Lerro explica que a Cia Acômica, ao produzir essa obra de Jean Genet,
refletiu seu fazer artístico, a relação entre os integrantes, a continuidade da pesquisa e a
subsistência financeira do grupo, já que os atores ensaiavam, estudavam e treinavam em
média 12 horas por dia. O espetáculo foi realizado por meio da Lei de Incentivo à
Cultura de Belo Horizonte, com um orçamento que não permitia o pagamento e a
subsistência dos atores-pesquisadores. Na verdade foi parcialmente montado, com o
esforço e o desprendimento do elenco. Independente dos problemas que surgiam, o
grupo mantinha um objetivo de sempre buscar inovação. É nesse período que o grupo e
alguns atores-pesquisadores de Belo Horizonte conhecem a mímica corporal de Etienne
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18
Etienne Decroux, pedagogo, pesquisador e encenador do século XX e pai da mímica moderna. Foi e
continua sendo a maior referência da mímica moderna, criador da primeira gramática corporal no
ocidente para a arte de ator, tão complexa e tão original quanto a dos teatros orientais e do ballet. Sua
pesquisa é marcante para a formação do Teatro Físico. Entre todos que passaram por ele, destaca-se seu
primeiro e grandioso discípulo, Jean Louis Barrault.
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Professora e encenadora, especializada no sistema Laban e na técnica de Etienne Decroux. Licenciada
em Estudos Teatrais pela Sorbonne Nouvelle – Paris III. Fundadora e diretora da companhia Amok
Teatro.
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teatro de uma forma até então não vivenciada por aqueles atores. A princípio o houve o
fascínio, reflexo imediato da capacidade virtuosística desse corpo decrouxiano. O que
ainda não se sabia era que esse incansável pesquisador teatral não havia estruturado um
sistema de trabalho simplesmente para o virtuosismo e a beleza. ―O ator deve possuir
um autêntico saber técnico e levar em conta as leis de sua arte e de seu instrumento, o
corpo, que deve ser capaz de produzir as ações dramáticas e manifestar aquilo que é
imperceptível na vida cotidiana‖. (TEIXEIRA, 2007, p. 71). Conhecer uma gramática,
esse complexo de normas que regulam uma língua ou, no caso da mímica corporal
dramática, um corpo, é tarefa árdua. Para dizer que compreendo uma ―língua‖, o
primeiro ponto a respeitar é o trabalho sistêmico, minucioso, pautado num rigor preciso
e dinâmico. Estes são os problemas colocados para o ator no campo na mímica.
Decroux, a partir de suas reflexões pessoais, apontamentos e palestras
ministradas ao longo da vida, propõem conceitos sobre o teatro, a dança e a mímica,
mas não estabelece uma gramática, ao contrário, apenas nos permite vislumbrar o seu
conceito ideal de arte, sua filosofia de vida artística e sua busca incessante, quase
frenética, por esse ator presente, consciente, capaz de construir uma forma-posição
pensante. Reforçando a disciplina e o cuidado com o treinamento do seu corpo segundo
a filosofia decrouxiana Teixeira (2007) afirma:
A minha primeira relação com a Cia. Acômica foi a partir do convite para
integrar o elenco da montagem de As Criadas, de Genet, por ainda alguns
estudantes, amigos do Teatro Universitário da UFMG, espetáculo que daria
inicio à Cia. Não pude fazer ―Madame‖por outros compromissos
profissionais à época. Mas os deuses do teatro me manteriam na mira da Cia.
E depois de dois anos acompanhando essa experiência e vendo o projeto do
grupo quase se extinguindo, achei prudente estar junto com esses atores e
amantes do teatro. (BAMBAM, 2007, p. 35).
Este coletivo colaborador que ressalta Fischer (2003) se faz presente nos
trabalhos da Cia, Kalluh Araújo, o diretor, transformou-se num coreógrafo; não era sua
intenção a construção psicológica da personagem, mas a imagem cênica, a estrutura
visível, o efeito a produzir no espectador. No percurso de criação do espetáculo Anjos e
Abacates receberam vários estímulos e introduziram determinadas transformações que
foram fundamentais à continuidade da pesquisa. É um período dedicado a novas
parcerias e ao fortalecimento da estrutura-grupo, tinham necessidade de alguém na
produção que participasse também do processo, juntamente com a Cia. Foi quando
convidaram Nelson Bambam, que logo ingressa na companhia, trazendo consigo a
importância do produtor e sua inserção na dinâmica de um grupo teatral. Com
experiência em produção cultural e na busca de estímulo inovador no teatro através de
parcerias, Bambam (2007) descreve:
De uma forma geral, os festivais de teatro têm sido um dos principais eixos
promotores de intercâmbio entre os grupos e de projeção de companhias
iniciantes. Notamos também que muitos grupos tomam iniciativas para
interagir suas propostas de pesquisas de linguagens cênicas, metodológicas,
dramatúrgicas e, ainda, articular uma revisão da política cultural do país. [...]
é comum as companhias reconhecerem no seu semelhante os esforços e a
ambição em continuar galgando um espaço em que possam desenvolver suas
atividades artísticas e empreender melhores alternativas de manutenção e
continuidade de pesquisa. Esse tem sido o perfil do teatro de grupo dos anos
90, cuja formação das companhias têm origens diversas: festivais, encontros,
cursos técnicos e, principalmente, nas universidades. (FISCHER, 2003, p.
30).
atores tinham liberdade para improvisar era sugerido um tema ou uma música, mas
também utilizavam os canovacci20, ou seja, pequenos roteiros que o dramaturgo
propunha, e que na realidade já fazia parte de uma releitura da improvisação dos atores.
E é neste ritmo que o grupo alcança seu nível de maior complexidade produtiva.
Na construção do espetáculo Lusco-fusco ou tudo muito romântico os
Atores-poetas que utilizavam o seu corpo como ferramenta de trabalho e criação
continuada. Ator/artista, diretor e dramaturgo em colaboração, todos com o objetivo de
criar uma obra, um texto-espetáculo, uma criação teatral. Inicia-se a concepção do
processo colaborativo de criação que subtendido às atividades da Cia Acômica já se
fazia presente. Fischer (2003) nos expõe sobre processo colaborativo:
20
Roteiro sobre o qual o elenco improvisa. Canovaccio é uma estrutura teatral muito simples, que vem
desde o século XV aproximadamente. Era um caderno onde aparecia no princípio o nome das
personagens, ficando-se a conhecer praticamente o conteúdo. Estas estruturas tinham particularidade de
descrever as situações e indicar as personagens intervenientes nelas. Os diálogos eram esboçados e cabia
aos actores através da improvisação completar e desenvolver os mesmos. No início da sua aparição, o
"Canevas" era recriado por "Trupes", companhias ambulantes, que andavam de terra em terra em carroças
e o povo era o seu público alvo. Tinham grande capacidade naquilo que faziam. O "Canevas" constitui a
base dramática da commedia dell'arte.(Wikipédia, A enciclopédia livre, acesso 26/09/2011.)
42
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O Projeto Cenário, que tem a direção do Centro Cultural da UFMG onde através de edital público que
prevê cessão de espaço para o desenvolvimento de atividades de formação de grupos e de pesquisa na
área de artes cênicas (teatro, dança, circo, performance ou ópera).
43
[...] o atual teatro de grupo encontra uma relação dialógica com questões
sociais, políticas e culturais brasileiras. Convém ressaltarmos que muitos
grupos vêm se formando sob a perspectiva de pesquisas e aquisições de
metodologias, o que confere ao teatro de grupo relativa importância para o
desenvolvimento da cena brasileira contemporânea. (FISCHER, 2003, p. 44).
Como retratar a miséria? Como ignorar estas imagens fáceis e comuns, para
falar da pobreza? Como contar uma mesma história, repetitiva e inesgotável,
com outras palavras? A companhia brasileira Cia Acômica soube dar as
respostas ao levar em cena uma obra que se sustenta, não com acessórios
desnecessários, mas com a atuação de um corpo de atores compacto, hábil em
arrancar distintos matizes dos personagens imbuídos de sua própria desgraça.
Eid Ribeiro conseguiu, através de uma bem medida direção, que a crueza
golpeie o espectador diretamente no rosto, incapaz este de defender-se do
ataque frontal. Sua única, e se assim quiser, elegante saída, é rir diante do
grotesco, diante do tristemente humano. (ARENAS, 2007, p.145).
conduzia o espetáculo, uma trupe que não podia perder tempo, submetida a uma agenda
precisa. Centenas de pessoas envolvidas, numa região dotada de uma cultura tão
específica como a do sul brasileiro, a Cia Acômica mostra com dignidade o exemplo do
trabalho de produção teatral mineira, como nos relata Lerro (2007):
Ali, naquele frio catarinense, com uma recepção tão positiva, o grupo soube
empregar toda a sua força na apresentação de um ―produto‖ de alta qualidade,
digno de representar a produção teatral mineira. Houve profissionalismo e
seriedade, tanto no nível artístico quanto no de produção. Mas, para atingir
esse nível na execução, tivemos de nos adaptar, transformar e improvisar. Em
algumas cidades do interior de Santa Catarina, o teatro ás vezes não estava
disponível e apresentávamos o espetáculo nas sedes do Sesc, espaço, aliás,
mais adequado ao projeto. Em outra ocasião, tínhamos como único local
disponível uma área para churrasco! Era essa, naquele momento, a nossa
realidade: uma improvisação surreal que o grupo nunca vivenciara e que
esperava jamais se repetiria; é porque naquela época ainda não sabíamos que
aquela mesma improvisação, nossa ferramenta de trabalho durante anos,
tornar-se-ia o novo espetáculo do grupo. (LERRO, 2007, p. 24-25).
Nas palavras de Lerro (2007) vimos que, a partir daquele momento, onde a
Cia Acômica mostrou-se uma Cia séria e profissional, ela sempre foi convidada a
participar de eventos e que, também, muito lhe interessava mostrar seu trabalho.
Naquele momento o grupo passava por uma fase de muita reflexão sobre a
cena teatral mineira, com ênfase na falta de vida nos espetáculos, na forma e
racionalidade excessiva, na falta da celebração em cena, de um teatro em festa e
participação. Incomodava-nos também a passividade do público restrito apenas a
aplaudir.
Então surge a Cia Maldita com o Projeto de Cena 3x422, que tinha como
proposta a criação coletiva fundamentada numa nova prática e abordagem da criação
artística. Participaram da nova Cia ,também neste ano, três grupos de Belo Horizonte
(Armatrux, Reviu a Volta e Teatro Invertido).
A caminho de uma nova empreitada de criação o grupo partia de seu
cotidiano de trabalho, e falar nele é remeter a um discurso imenso sobre o ato de
improvisar a partir de várias óticas, por exemplo, do ator, diretor, dramaturgo, músico,
22
O Cena 3x4, realizado nos anos de 2003 a 2005, numa parceria entre o Galpão Cine Horto e a Maldita
Cia., visava aprofundar os estudos sobre o processo colaborativo de criação teatral. Esse projeto tinha
como principal objetivo a socialização das relações da tríade básica do teatro: direção, dramaturgia e
atuação. Pra tanto, o formato estabelecido era a realização de uma criação entre três novos diretores que
dirigiam três grupos de Belo Horizonte, na montagem de três peças escritas por três novos dramaturgos.
Os diretores participantes do Cena 3x4 foram coordenados por Antônio Araújo (2003/2004) e Francisco
Medeiros (2005), os dramaturgos por Luís Alberto de Abreu (2003/2004/2005) e Tiche Vianna (2005)
ficou responsável pela orientação de atuação.( http://www.galpaocinehorto.com.br/projetos/cena-3x4,
acesso em 27/09/2011).
46
cenógrafo, iluminador e público. Em Arena de tolos, nas ações executadas pelos atores,
havia uma particularidade que pertencia ao universo íntimo do ator. Os primeiros meses
foram dedicados ao trabalho específico de ritmo, adaptação e transformação.
Começou-se então um treinamento específico para esse ator-improvisador.
Os atores estudaram diversos jogos e aplicavam alguns mecanismos pertencentes ao
universo do jogo. O palco tornava-se uma maratona: tinham de treinar o ator para lidar
com um sistema codificado e preciso, sem deixar, ao mesmo tempo, de ser livre para
criar em cena. Não sabia qual seria o fio condutor dessa nova produção. Cada ator tinha
um desejo que era compartilhado com o diretor. Nesse primeiro período, conversaram
muito, mesmo porque buscavam trabalhar de acordo com uma proposta específica. E
após tantas discussões, experimentações, propostas lançadas pelo diretor, pelos atores e
pela dramaturga Jória Lima, chegam à conclusão de o ator deveria ser próximo de si
mesmo. Refletindo acerca do surgimento de uma dramaturgia que pode aparecer num
instante de dúvida ou insatisfação, Peixoto (2002) relata:
estilizada, decodificada, pronta para ser usada em cena, que já utilizávamos desde As
Criadas.
Tais ideias não se encaixavam no novo contexto, não podiam apoiar-se
nesse sistema. Esse fato, inevitavelmente, refletiu-se no trabalho dos atores. ―Não
contávamos com um texto pronto, ao contrário, tínhamos de lidar com uma construção
em tempo real, in loco, a partir de temas colhidos diretamente do público.‖ (LERRO,
2007, p. 27).‖ Além de não poder contar com um personagem construído
analiticamente. Essa nova forma de trabalho mostra o quão dinâmicos são os integrantes
da Cia Acômica e segundo Lerro (2007):
Era o caos criativo instalado: atores que possuíam alguns códigos possíveis
de se repetir em determinadas situações, um dramaturgo que desconhecia o
que poderia ser sua obra, um diretor que não sabia o que poderia dirigir, um
músico que utilizava seu instrumento como voz presente, improvisada em
cena e para a cena. Um espetáculo sem previsão de resultados. Angustiante e
revelador. A elaboração de Arena de tolos refletiu-se diretamente no processo
criativo do grupo, não porque se lançava uma nova proposta para ator, mas
porque se questionavam pontos estabelecidos como fundamentais e
determinantes em nossos procedimentos e práticas teatrais. (LERRO, 2007,
p. 27-28).
[...] nos seus dez anos, é parte de uma rica realidade teatral: o movimento de
grupos de pesquisa que atuam na cidade de Belo Horizonte. A singularidade
da experiência mineira merece ser analisada sob inúmeros pontos de vista.
Aqui, entretanto, gostaria de salientar um aspecto comum a outras
experiências no Brasil: a formação de companhias lideradas por um grupo de
atores que tomam para si a responsabilidade de gerar um discurso e uma
prática artística, mantendo laços com diferentes áreas de criação... (SANTOS,
2007, p. 53).
[...] necessário desenvolver todo esse percurso histórico para então poder
dimensionar o processo colaborativo. Como vimos, a retomada do teatro de
grupo se faz presente e determinante para a cena brasileira. Com proposta de
abertura à participação e intervenção de todos os integrantes como co-autores
e empreendedoras, a colaboração torna-se o princípio motor da organização,
da construção cênica e da implementação de uma política nacional. [...] tem
sido usado frequentemente por companhias teatrais em atividade para nomear
uma prática coletiva, [...] procedimento que integra a ação direta entre ator,
diretor, dramaturgo e demais artistas. Essa ação propõe um esmaecimento das
formas hierárquicas de organização teatral. Estabelece um organismo no qual
os integrantes partilham de um plano de ação comum, baseado no princípio
de que todos têm o direito e o dever de contribuir com a finalidade artística.
Rompe-se com o modelo estabelecido de organização teatral tradicional em
que se delega poder de decisão e autoria ao diretor, dramaturgo ou líder da
companhia. (FISCHER, 2003, p. 39).
dramaturgia cênica; a criação de uma nova dramaturgia. Estes são também os dois
aspectos da produção teatral contemporânea brasileira, muito bem representados pela
experiência do grupo. Esta atitude investigativa da Cia Acômica é refletida na sua
trajetória nestes dez anos que se comemoram, como ressalta Mencarelli (2007):
Refletindo sobre esta ideia, a Cia Acômica tem a compreensão do ator como
um dos compositores da escrita cênica, o que pode ser reconhecido na busca pelo rigor
formal, através do estudo sistemático da linguagem do ator, de sua corporalidade e dos
princípios da ação cênica. A importância dada a uma dramaturgia do ator na construção
do espetáculo levou a Cia Acômica a experimentar o desafio da improvisação como
espetáculo, em seu último trabalho.
Parceria fundamental no trajeto feito pela Cia, responsável pelo crescimento
metodológico e sistematizado do seu processo de criação, foi com Universidade Federal
de Minas Gerais – UFMG quando em parceria no Projeto Cenário e oficinas para alunos
da graduação em Artes Cênicas. Lembrando que a Cia Acômica é constituída por ex-
alunos do Curso de Formação do Teatro Universitário da UFMG. A associação com
grupos e artistas de rigorosa formação e longa trajetória de pesquisa fortaleceu o
trabalho investigativo da Cia Acômica, desenvolvido em caráter permanente,
principalmente em torno de técnicas fundamentais para seu trabalho hoje executado,
como a biomecânica de Meyerhold, a mímica corporal dramática de Etienne Decroux e
a capoeira angola.
O cuidado na formação específica dentro de cada estudo levou a procura de
profissionais altamente qualificados em ambas as técnicas, a exemplo disso temos a
diretora e professora da USP/Cia Balagan, Maria Thaís Lima Santos, pesquisadora da
biomecânica; com os professores de mímica corporal dramática Stephane Brodt e Ana
Teixeira, ambos da Amok Teatro/RJ; com Mestre Primo do Grupo Yuna de Belo
Horizonte da capoeira angola. Este aprimoramento tem possibilitado aos componentes
54
pelo texto dramático, assim também a oficina de iluminação. Cada oficina seria
conduzida por um profissional da área o que foi previsto dentro do projeto da Rede Teia
e remunerado pelo fomento da lei de incentivo. Já o trabalho de preparação física do
ator era conduzido por integrantes da Cia Acômica e o coordenador local do núcleo. No
período de inscrição surgiram muitas dúvidas sobre a participação das pessoas, que na
maioria tinham interesse em oficinas separadas. Surgiram, também, algumas
desistências após saberem que as oficinas todas seriam aplicadas para os participantes
do núcleo durante o processo de criação, sendo que todos teriam que participar.
Esta prática faz parte da metodologia do trabalho de criação coletiva ou
colaborativa, aplicada pela Cia Acômica nos núcleos de investigação teatral da Rede
Teia. Ela vem se tornando recorrente nas companhias e grupos teatrais contemporâneos,
neste contexto tem sido usado frequentemente o termo processo colaborativo definido
por Schettini (2009) como:
23
Informação retirada do Tabloide de divulgação do Núcleo de Investigação Teatral de Montes Claros da
REDE TEIA – 2008.
60
24
Termo dado pela Cia Acômica ao deslocamento do núcleo para um local distante do centro urbano,
onde os participantes do núcleo teriam uma rotina de trabalho voltada para o aprofundamento das teorias
61
urbano onde seria feito um intensivo de atividades com objetivo de maior interação e
envolvimento do grupo no processo de criação e vivência em seu cotidiano. O primeiro
seria na segunda quinzena do mês de março, o seguinte na segunda quinzena do mês de
julho. Em todos os meses teríamos encontros com a Cia Acômica e as oficinas estavam
previstas para acontecer da seguinte maneira: última semana do mês de Abril, oficina de
cenário e figurino com Marcos Paulo Rolla. Em junho teríamos também a oficina de
dramaturgia com Glicério Rosário que tinha previsão de outro encontro no mês de
setembro, por necessidade específica do tema no decorrer do processo de criação. No
final de julho seria realizada oficina de iluminação com Ricardo Maia. Em setembro
antes da estreia, todos os profissionais coordenadores das oficinas e envolvidos no
processo estariam presentes no acerto final do resultado do núcleo, para se colocar em
prática o conteúdo das oficinas.
As apresentações da Rede Teia em Montes Claros estavam previstas para o
período de 09 á 14 de setembro 2008, com apresentações artísticas de grupos locais e de
outras cidades. Do dia 17 á 28 de setembro 2008, seria a temporada de apresentações do
resultado final do núcleo de investigação teatral de Montes Claros. Além dos
espetáculos a programação contemplava também oficinas, debates e palestras com os
artistas convidados representando os grupos e pessoas da comunidade com temas
relacionados ao fazer artístico de cada grupo e da região.
No decorrer do processo tivemos muitos contratempos, o cronograma que
sofreu algumas adaptações e alterações, o cenógrafo acabou com problemas em
disponibilidade de datas e foi substituído por Ana Lana Gastelois. O mesmo aconteceu
com o iluminador substituído por Felipe Cosse. Os mergulhos previstos para serem dois
acabaram reduzidos e acontecendo somente um, reduzindo os dias de trabalho para três
dias. Assim foi a princípio a proposta de trabalho da Cia Acômica para o núcleo de
investigação em Artes Cênicas da cidade de Montes Claros.
e práticas teatrais que dariam suporte ao trabalho de criação, uma espécie de retiro com duração prevista
de quatro a cinco dias cada mergulho, marcados a partir do terceiro mês de trabalho.
62
Esse amor pelo trabalho coletivo em teatro nunca deve ser superado pelos
anseios e vaidades pessoais. Nós, gente de teatro, somos vaidosos por
excelência, pela própria natureza de nossa arte que é exibicionista, mas o
essencial é que a nossa vaidade seja construtiva e não prejudicial ao trabalho
coletivo. (KUSNET, 1975).
[...] o corpo vem a ser o canal utilizado, conquanto sejam diversas as suas
formas de abordagem. [...] agora podemos adiantar que há, sem dúvida,
exigências específicas relacionadas ao fazer teatral que não podem ser
desligadas de uma simples preparação do instrumento corpo, exigências estas
que determinam e obrigam a procedimentos igualmente necessários e
fundamentais. (AZEVEDO, 2008, p. 5).
Um grupo com identidade forte e com disposição para mergulhar sem receio
no desconhecido, ávido de desenvolver uma pesquisa de criação nos mais
diferentes níveis, certamente sentirá, em algum instante de sua existência, o
impulso ou mesmo a necessidade de partir de textos ou roteiros, seja qual for
a temática escolhida ou o tipo de diálogo e participação social visado,
elaborados por ele mesmo, enquanto coletivo que possui sua inquietações
estimulantes e mesmo suas divergências produtivas. [...] certamente quanto
mais amplo for o exercício coletivo da criação, mais surpreendente e
fascinante poderá ser o resultado final. (PEIXOTO, 2002, p. 246).
trazidas pelos atores envolvidos nas suas buscas individuais. Ao presenciar situações de
intimidade emocional o laço de cumplicidade entre os envolvidos no processo
aumentava.
Como pesquisador participante, busquei por várias vezes analisar as
atividades executadas aprofundando percepção de objetivos variados no contexto dos
exercícios aplicados. Cada vez mais emergia a cumplicidade e via-se desnudar a figura
do ator consciente e o sentido puro da essência da criação por meio da emoção da
interiorização de técnicas e caminhos encontrados para aflorar suas indagações.
Experiência única e de certa forma difícil de descrever. Os momentos e as situações que
somente aquelas pessoas que ali compartilharam tem a noção do que estava envolvido,
do que reverberava de resposta àquelas cenas, àqueles movimentos, situações e emoções
até momentâneas mas reais na sua essência de execução, efêmeras situações mas
construídas através do envolvimento coletivo consciente e de cumplicidade e confiança
por conseqüência de todo o conjunto de ações construídas para se propiciar esta
condição. Quando a Cia Acômica propõe o envolvimento de todo o grupo nas práticas
executadas no momento de treinamento, busca-se um maior entrosamento, essa prática
age na concentração e atenção de todos ao grupo e desses com cada um. Este estar junto
é de fundamental importância para o trabalho do coletivo como ressalta Teixeira (2007):
[...] Esta noção de ―estar junto‖ é essencial para o ator e para a coesão de
uma obra, pois os atores atuam com seus parceiros, com o espaço, com os
objetos e as luzes. Eles precisam dessa consciência que os liga às coisas. O
treinamento também traz noção de que o trabalho do ator não se concentra na
apropriação psicológica de um papel, mas em sua apropriação física. No que
tange à coesão do grupo, o treinamento estabelece uma linguagem cênica
comum e fortalece a cumplicidade. (TEIXEIRA, 2007, p. 75).
O estar junto se faz primordial, como nos traz Teixeira (2007) que acima,
vem reforçar o fato de se concretizar uma confiança mútua entre aqueles atores, que por
um determinado período sentiam-se unidos, pura e unicamente ligados, pelo objetivo
maior da criação cênica, os levou, a cada instante, a se limpar das confusões e sujeiras
individuais, para encontrarem a segurança e a confiança de um grupo, um corpo, um
todo. Uma intimidade própria e desnuda de preconceitos para que neste corpo preparado
e estimulado, pudéssemos colocar informações e componentes de um futuro a ser
idealizado. Esta experiência do mergulho me levou a entender e descobrir de uma forma
mais próxima as dificuldades e limitações do grupo, problemas comuns como
relacionamento, humildade, compreensão, paciência, defeitos e qualidades que só
68
poderiam ser elucidadas por uma prática desta natureza. O estar junto nos proporcionou
esta vivência que instintivamente nos traz a ajuda mútua de aproximação como nos traz
Mafessoli (1998, p. 37) ―[...] sentido pleno ao termo ‗ajuda-mútua‘. [...] não remete,
apenas, às ações mecânicas, que são as relações de boa vizinhança. [...] perspectiva
orgânica em que todos os elementos, por sua sinergia, fortificam o conjunto da vida. [...]
querer viver social.‖
Isso nos levou a aprender a conviver com as diferenças e trabalhar
respeitando o tempo de cada um, conciliando também o objetivo do todo, que vem a ser
o trabalho de grupo. Retornando do mergulho ainda molhados metaforicamente de
tanto trabalho e vontade de criar, com sentimento de realização e maior cumplicidade de
grupo, foi fundamental e necessária a proximidade que presenciamos no desenrolar do
processo de criação do núcleo. A cada etapa de execução, ficava evidente para o núcleo
de investigação a forma de trabalho construída pela Cia Acômica que a partir disso ou
desse momento, mostra sua identidade teatral. Com uma metodologia ligada aos
objetivos e ideais do grupo, começamos a entender a necessidade de se falar a mesma
linguagem e estarmos abertos e prontos para receber e processar as informações. Iremos
abordar no próximo capítulo os frutos que colhemos ao tecermos tais ações.
69
Este fascínio recorrente nos grupos atuais fez com que a Cia Acômica em
contato com outros grupos nos muitos encontros e trocas chegasse à elaboração
específica de uma metodologia própria do trabalho de pesquisa e investigação da cena
teatral. [...] Hoje em dia esse método de trabalho é freqüente no teatro de pesquisa, mas
ele exige, para estar à altura de seu objetivo, alta qualificação e polivalência dos
participantes [...] (DICIONÁRIO DO TEATRO, 2011, p. 79). Passei por muitos
processos de criação durante minha trajetória artística, em várias áreas das artes como
dança clássica e contemporânea, e, no teatro, convivi com vários diretores, diferentes
em relação a formas metodológicas de atingir o objetivo final dos trabalhos de criação,
do espetáculo, e também com atividades de criação coletiva que, a princípio,
instintivamente, utilizavam a metodologia dos processos colaborativos dos
movimentos de teatro de grupo contemporâneo. Como nos traz (TEIXEIRA, 2007, p. 67
) ― [...] A formação é a chave das experiências teatrais mais significativas e está sempre
ligada a um mestre.‖ Na caminhada da Cia Acômica muitos foram os mestres que
contribuíram para a formação desses atores pedagogos, quando trazemos a abordagem
70
metodológica da Cia Acômica, este processo foi criado e idealizado durante toda a
trajetória desse grupo como nos relata Lerro (2007):
[...] ali, naquela sala [...] revisitamos nosso percurso pedagógico: estruturas
de condução e posturas do pedagogo-ator. Com essa experiência
conseguimos definir um processo dinâmico onde se podia perceber a linha de
pesquisa do grupo, as técnicas utilizadas no treinamento corpóreo do ator e o
seu sistema de criação de personagens, baseado em improvisações e na
observação [...] Hoje, é esse percurso pedagógico que o grupo adota na
condução das oficinas teatrais. (LERRO, 2007, p. 23 ).
Após buscar uma sustentação teórica para o fazer teatral que executava,
principalmente na academia, tive contato com a teoria acerca de mecanismos de criação
teatral, que dão uma fundamentação teórica para minhas buscas e registros do processo
que vivenciei e coordenei durante o núcleo de investigação teatral de Montes Claros
idealizado pela Cia Acômica, com enfoque no seu próprio trabalho de criação. No
71
como a Cia vinha gerindo seus trabalhos nos núcleos de investigação teatral da Rede
Teia nas várias cidades daquela versão do projeto em 2008, especificamente no núcleo
de Montes Claros, no qual estava por surgir o espetáculo Exercício nº 1 sobre
catrumano.
Apreensão e receio tomaram conta de mim, pois, a princípio, ainda não
tinha assumido tal responsabilidade até então. Agora tínhamos um prazo e um objetivo
a atingir. Sem experiência, mas com muita força de vontade começamos a trabalhar e
logo me vi envolvido em um processo que ficaria marcado para sempre na minha
experiência de vida profissional no fazer teatral. Aquela proposta vivenciada por mim e
pelos integrantes do núcleo veio sendo construída, por meio de um processo mútuo de
colaboração de pessoas, artistas dedicados e decididos em executar e realizar um
objetivo comum de doação e de comprometimento. Peixoto (2002) vem novamente
reforçar com suas palavras o significado deste estado de colaboração, esta necessidade e
nos esclarece que:
Realmente temos que concordar com Peixoto (2002) quando diz acima
sobre a forma penetrante e estimulante do coletivo, pois trabalho nesta pesquisa com
reflexões que estão no campo de uma arte coletiva, com procedimentos de criação
cênica coletiva e de processo de criação sem textos pré-estabelecidos, sem esboço, sem
arquitetura prévia, somente a experiência trazida de cada um independente de sua
trajetória, somente a vivência individual compartilhada, e então tínhamos somente a
convivência do grupo com suas experiências de vida.
A ideia de espetáculo começa a mexer com o grupo, começávamos a
experimentar improvisações de vivências individuais diversas. Tivemos muitos
exemplos e experiências variadas com proposições interessantes que foram
catalogadas, arquivadas e memorizadas pelos seus atores criadores para um futuro
trabalho de relato coletivo e exercício de dramatização. Essa Atividade era recorrente no
trabalho da Cia Acômica como especificado no tópico de montagens de espetáculos no
momento de observação e improvisações para montagem do espetáculo As Criadas.
73
25
Pesquisa auto etnográfica ocorre quando o pesquisador executa o trabalho de pesquisa e ao mesmo
tempo participa do objeto pesquisado, ou seja, pesquisa participante sendo agente e sujeito.
76
[...] Novamente, as cenas foram criadas a partir das improvisações dos atores,
mas desta vez com a presença de um dramaturgo, [...] responsável pela
escrita dos diálogos. Toda a improvisação era registrada e depois reelaborada
para ser utilizada em cena. Os atores improvisavam livremente sobre um
tema ou uma música [...] (LERRO, 2007, p. 21)
A prática acima citada por Lerro (2007), atividade executada pela Cia
Acômica em seus processos de criação, se via refletida no núcleo de investigação
através das práticas executadas. Como o núcleo tinha em seus integrantes acadêmicos
de várias cidades do Norte de Minas e dos arredores de Montes Claros, nas
improvisações de histórias, contos e causos das experiências de cada um, muitos fatos
interessantes ligados ao ser interiorano do Norte de Minas começavam a surgir.
Há registros de fotografias que auxiliam no processo de evolução e
continuidade das ações e fases de criação e ainda material áudio-visual, como vídeos de
78
exercícios usados como exemplo para análise e execução correta, principalmente nos
momentos em que não tínhamos ninguém da Cia Acômica para auxiliar na correção.
Imagem: Foto de Leonardo Alves, agosto de 2008, sala 53 B, Centro de Ciências Humanas,
Universidade Estadual de Montes Claros, Minas Gerais. Na foto: croquis da Oficina de cenário e
figurino.
grupo. Sempre trabalhei com corpo, utilizava muito exercícios da dança contemporânea,
das técnicas circenses, do próprio balé clássico no qual tive uma vivência e criei através
de alguns exercícios meu roteiro de preparação física diária; assim foi fácil adaptar
alguns exercícios na rotina dos integrantes da Cia Acômica que logo encaixaram os
exercícios e os adaptaram ao trabalho diário do grupo. Neste sentido recorro a Azevedo
(2008) que diz:
Basta o ator ter em mente que sempre haverá resistências a vencer, e que
novas conquistas, em termos de desempenho físico, só serão importantes se
forem assimiladas ao seu crescimento como artista. Não se trata, pois, de
buscar um acúmulo de habilidades, mas de ampliar a linguagem de seu corpo,
integrando os elementos dos cursos realizados, como princípios para uma
pesquisa própria. Importa que amplie os horizontes como artífice do
movimento no teatro. (AZEVEDO, 2008, p. 162).
Essa consciência citada por Azevedo (2008) me fez refletir sobre meu
trajeto por caminhos da preparação corporal e que aqui se trata de um ponto interessante
de abordagem, pois tentam agregar aos conhecimentos outras formas de trabalho físico
levando assim a uma característica mais próxima do grupo local. Assim continuamos
fazendo e aprendendo o dia a dia do fazer teatral e da convivência de grupo, começava
ali a experiência de construir um trabalho artístico juntos, uma troca, uma doação uma
prática de criação coletiva, um trabalho de grupo, sendo que cada um começava a
conviver com as diferenças e dificuldades do outro, limites e possibilidades uma
oportunidade única pra mim como pesquisador e participante.
26
Nota: Esta descrição foi tirada de Theatre in Soviet Russia, de Andre van Gyseghem, de 1943, o único
relato detalhado publicado. Embora o estudo fosse parte básica da Biomecânica, não há fotografias
disponíveis.
89
Assim fomos criando uma rotina de trabalho no grupo como um ritual diário
de atividades e sempre, aos poucos, introduzindo novas sugestões de práticas no
decorrer dos períodos de assimilação do grupo e de necessidade de aprofundamento em
determinadas atividades, como exercícios com mímica corporal utilizando as fraldas na
busca da conscientização do ator na criação da expressão, exercícios de se expressar
somente através do corpo.
Presente em todos os momentos a reflexão sobre a importância da Cia
Acômica no processo, não somente pelas trocas efetivas de técnicas e metodologias de
exercícios, mas, ainda, pela sistematização de uma discussão sobra a prática teatral e,
igualmente o contato com profissionais da cena teatral mineira.
Foram executados também trabalho de deslocamento, com várias formas e
planos, alternando velocidade ritmo estilos. Como o trabalho buscava a improvisação
através das vivências e experiências trazidas pelos atores, fatos importantes para cada
um, histórias vividas, situações marcantes que puderam de alguma forma, ser
dramatizadas. Começamos a trabalhá-las e catalogá-las buscando aperfeiçoar as
dramatizações utilizando criatividade, paralelo a este trabalho criando um repertório de
cenas para uma futura utilização na criação da dramaturgia.
Imagem: Foto de Leonardo Alves, agosto de 2008, sala 53 C, Centro de Ciências Humanas,
Universidade Estadual de Montes Claros, Minas Gerais. Nas duas fotos: direita: Cláudio Márcio da
Cia Acômica trabalhando a cena de Tatiane Teles. Esquerda: Cláudio Márcio da Cia Acômica
filmando cenas de improvisaçõ dos atores.
Um dos trabalhos solicitados pela Cia Acômica foi que cada ator buscasse
um artista e uma obra de arte relacionada a sua história e ao seu trabalho cênico, ou seja,
91
a sua cena dando início a construção mais apurada desta cena, analisando cenário,
figurino, adereços e que tudo fosse registrado para trabalharmos no decorrer do
processo. Este trabalho levou os atores a elabora as suas cenas podendo se necessário
convidar os colegas para ajudar na concretização de sua cena.
Num primeiro momento, todos contaram suas cenas, narraram explicando os
acontecimentos e o grau de importância do acontecido, o significado para sua pessoa. A
partir daquele momento comecei a notar que as pessoas estavam mais à vontade em se
expor para o grupo, com isso o trabalho começava a tomar outro rumo, uma seriedade,
cumplicidade, confiança e harmonia, um sentido de coletividade se encontrava
instaurado ali naquele grupo.
Paralelamente às montagens da Cia Acômica, foi feita a mesma condução
de trabalhos com cenas improvisadas, por atores, e registradas, para serem trabalhadas
posteriormente. Dessa maneira estavam todos envolvidos no fazer coletivo, o que se
tornou importante para o processo de criação, em que se buscam detalhes que nele
possam ser utilizados, como ressalta Schettini (2009):
Realmente como relata Schettini (2009) esta fase de criação a que se dispõe
o ator elucida muitos caminhos prováveis de desfecho artístico para a montagem teatral.
Procedimento comprovado pela Cia Acômica em todo processo de sua trajetória com
trabalho de criação em coletivo.
Há que se levar em conta que durante todo o processo houve uma seleção
natural das pessoas, mas neste momento somente aqueles que realmente queriam se
faziam presentes. Esta etapa de registro e criação de cenas pelo grupo foi o início do
segundo momento no processo de criação do núcleo de investigação teatral, estávamos
começando a direcionar o trabalho de criação cênica. Cada ator cria seu trabalho,
começamos com as cenas surgindo aos poucos com certa timidez dos atores em se
expor.
92
27
Criado em 2005, com o propósito de valorização do norte de minas, o Movimento Catrumano tem
como principal objetivo implementar um plano de desenvolvimento para o Norte de Minas, aproveitando
todas as potencialidades da região e valorizando suas manifestações culturais. A meta é envolver as
prefeituras e órgãos do Governo do Estado, além das entidades relacionadas com o desenvolvimento e a
cultura regionais.
97
Este duplo sentido que nos traz Costa (2003), agregou-se como suporte
teórico de desdobramento de estudos históricos recentemente revistos e sistematizados
pela sua tese. O antropólogo Dr. João Batista de Almeida Costa foi encampado pela
Fundação Cultural Genival Tourinho e pela Universidade Estadual de Montes Claros
(Unimontes), norteando ações e programas de ambas às instituições. Em síntese, a
proposta do antropólogo é que, contrariando a unidade pretendida pela ideologia da
mineiridade é preciso reconhecer a dualidade subjacente à fundação do território das
Minas Gerais. O movimento cobra o reconhecimento do processo de obliteração da
importância do norte de Minas e, ao mesmo tempo, de sua diferença, imprimindo uma
carga afirmativa nessa importância e nessa diferença como estratégia capaz de criar um
contraponto à hegemonia das minas sobre os geraes. Faz isso por reconhecer que o
poder simbólico cria acesso variado aos recursos de poder material e que a região norte
mineira, subalternizada pelo discurso político-conservador da carência, da falta, da
miséria, da seca e do atraso, deve compreender o lugar que lhe é imputado nessa relação
de forças e empreender levante para restituir-se à sua própria diferença, valorizando-se
nela.
A dualidade que alicerça o movimento tem lugar no momento da vinculação
da região pastoril, os chamados Currais da Bahia, à região aurífera, quando do
nascimento de uma nova unidade administrativa, ocorrida em 1720. Juntavam-se ali
duas realidades totalmente distintas, a dos Currais do São Francisco, sociedade
agropastoril, produtora de gêneros alimentícios, geograficamente marcados pelos
campos gerais, tendo o cerrado como vegetação típica; e a sociedade mineradora,
ocupada pela exploração do ouro e de outras riquezas minerais, abrigada sob a mata
Atlântica, região que até hoje detém a hegemonia do sentido da mineiridade,
equivocadamente atribuída tanto ao povo das minas quanto aos geraizeiros. O valor
cultural de cada uma das regiões vincula-se ao entendimento do termo minas gerais e
assim nos traz Costa (2003):
[...] valor relativo de cada uma dessas regiões culturais é determinado por sua
relação com as minas gerais, região elevada à significante da totalidade social
98
mineira. Como parte da Minas Geratriz, cada uma das regiões culturais passa
a ser compreendida em sua temporalidade e em sua formação como
sucedânea da formação e temporalidade da região aurífera. Apesar de cada
uma possuir temporalidade própria e surgir de frentes de expansão colonial
ou de processos de migração que emergiram na sociedade mineira com o
declínio da mineração aurífera em meados do século XVIII. (COSTA, 2003,
p. 259).
minas. Após a definição do tema uma nova etapa surge na busca e preparação do
material de apoio na criação da dramaturgia. Neste sentido Schettini (2009), reforça
que:
[...] Todos os artistas envolvidos devem desempenhar esta função de
garimpeiros, colhendo referências. Este material é compartilhado no grupo e
em seguida arquivado para que, futuramente, possa ser acessado como
matrizes disparadoras de material expressivo. [...] todos os esforços são
voltados para a experimentação. O objetivo central é fazer um minucioso
levantamento de materiais expressivos que serão matéria prima para a
elaboração do espetáculo. É o momento que culminará em esboços e
rascunhos expressivos. (SCHETTINI, 2009, p. 105).
a presença na hora das refeições, eles abriam as gavetas e escondiam os pratos, mesmo
se acontecesse no meio da refeição.
Os dados demoraram muito tempo para começar a ser coletados por esta
postura meio bruta, rígida e fechada do mineiro da região de mariana. Mas com toda
dificuldade o professor conseguiu recolher alguns dados que o ajudaram na confecção
de sua pesquisa.
Quando se fala na dualidade do mineiro e até mesmo no seu modo de ser,
este fato fica claro na narrativa do professor de quando chegou à cidade de Matias
Cardoso no norte de Minas momento em que frisou ―primeira cidade de Minas Gerais‖.
Já no centro da cidade, uma única praça ainda de terra batida e com um único barzinho,
no final da tarde de um domingo, chega o professor João Batista de Almeida Costa, um
estranho, um desconhecido que pensou que teria o mesmo tratamento da cidade de
Mariana. Se enganou completamente. Logo ao chegar ao estabelecimento foi abordado
pela atendente, que imediatamente lhe lançou vários questionamentos sobre sua origem,
pois nunca o tinha visto ali, o que o trazia a cidade, o que ele fazia de profissão. Ao
respondê-la, aquela logo ficou sabendo de sua pesquisa sobre sua origem, surpreso, o
professor presenciou naquele momento a dualidade de tratamento. A atendente chamou
as pessoas que estavam no bar relatando sobre o trabalho do professor. Apresentou aos
fregueses e, ali mesmo, todos, naquele instante, começaram a dar as informações para o
professor, mostrando e comprovando a grande diferença para com o povo mineiro nos
costumes e hospitalidade que não presenciou dentro dos quase seis meses na cidade de
Mariana.
O que o professor encontrou na cidade de Matias Cardoso no primeiro dia,
aliás, na primeira tarde, foram fatos, história e vivência que seria até constrangedor
fazer comparação ao povo da cidade de Mariana. O professor comenta que muitas vezes
era obrigado a se esconder em algumas ilhas, sendo a cidade as margens do Rio São
Francisco, e mesmo assim, os moradores o chamavam das margens do rio para
relatarem algum fato lembrado.
Um povo que às vezes se confunde até mesmo com sua geografia, seu
relevo, com a terra; que se coloca bruto, fechado e calado como as pedras e rochas das
minas, contrastando com os geraes de mata aberta, natureza acolhedora, morada de
muitos quilombos onde os fazendeiros deixavam os negros livres para trabalhar e ajudar
102
coletivamente a lidar com a terra e dela retirar o sustento, a criar gado. Êta povo
espontâneo, alegre, aberto, hospitaleiro, ligado aos campos, a terra, a natureza!
Podemos dizer que o povo mineiro se relaciona também a este cotidiano
natural e histórico que traz consigo cicatrizes de uma herança histórica e costumes
mesmo que dualístico. Isso nos leva a refletir pensamentos colocados por pesquisadores
e pensadores como Bakhtin (1987), acerca dessa relação do homem com o mundo
terrestre, a natureza e os aspectos regionais, principalmente quando cita que:
Quanto à terra, ocorre o mesmo que com os homens. Na realidade, onde as
estações do ano produzem mudanças muito grandes e freqüentes, os lugares
são muito selvagens e muito desiguais, e podemos encontrar aí numerosas
florestas invadidas pelo matagal, assim como campos e prados. Mas onde as
estações do ano não são muito diversas, a região pode ser muito uniforme.
Passa-se o mesmo com os homens, se alguém o observar. Com efeito, há
certas naturezas, semelhantes a lugares montanhosos, cobertos de bosques e
aquáticos, e outras, a lugares nus e privados de água; alguns têm a natureza
dos prados e dos lagos, enquanto outros se assemelham à natureza das
planícies e lugares despojados e ressecados, pois as estações do ano, que
diversificam a natureza de uma maneira exterior, se distinguem uma das
outras; e se elas forem muito variadas uma em relação à outra, produzirão
formas de homens muito diversas e muito numerosas. (BAKHTIN, 1987, p.
312).
Como nos diz Bakhtin (1987), a respeito da relação da terra ao homem, aqui
verificamos a proximidade das características deste homem mineiro, que, nas suas
montanhas rochosas e duras, se mostra fechado, arredio, em contradição com a
liberdade, hospitalidade e espontaneidade do homem dos gerais, com seus campos
abertos e vegetação rica, com rios em abundância. Assim, além de todo material
recolhido nas entrevistas e relatos de fatos e vivências, houve descoberta de figuras,
pessoas importantes na história de fundação do lugar, norte de minas.
Houve a participação do professor em várias comissões, palestra, seminários
e outros eventos relacionados com o tema de sua pesquisa, ―Mineiros e Baianeiros
Englobamento, exclusão e resistência‖, que teve uma repercussão interessante e
importante para a visibilidade do Movimento Catrumano, que tem como objetivo a
valorização do Norte Mineiro na historia de consolidação do estado de Minas Gerais.
Outra etapa do processo de criação se deu ao abordarmos os fatos históricos
da pesquisa e executar improvisações alusivas ao conteúdo da pesquisa do professor
João Batista de Almeida Costa. Já que havíamos trabalhado com a criação de
personagens para as cenas individuais, a partir das atividades de improvisações
anteriores, buscamos uma forma corporal para cada personagem criado e transferimos
103
estas características físicas e emocionais para os novos personagens criados, agora com
o auxilio da dramaturgia que estávamos criando juntos.
Durante os estudos da tese ―Mineiros e Baianeiros Englobamento, exclusão
e resistência‖, do professor João Batista de Almeida Costa, pelos atores do núcleo de
investigação, foram recolhidos dados e situações que foram utilizadas para o processo
de criação da dramaturgia. Isso foi feito juntamente com o auxiliar de dramaturgia do
núcleo, o ator Gabryel Sanches. Eu e os integrantes da Cia Acômica, Nelson Bam Bam
e o Cláudio Márcio, em parceria com o dramaturgo do processo Glicério do Rosário,
começamos a criar cenas e situações dramáticas para fomentar matéria-prima para a
montagem da dramaturgia do espetáculo final, através das improvisações dos atores
criadas a partir de todas as informações. Quando falamos sobre improvisação,
reportamos a Januzelli (1986):
o trabalho de improvisações como método seria mais próximo das ideias de Bonfitto
(2006):
potencial criativo do grupo. Quando se fala em criar, Fayga Ostrower nos leva a refletir
que criar é:
[...] basicamente formar. É poder dar uma forma a algo novo. Em qualquer
que seja o campo de atividade, trata-se, nesse ―novo‖, de novas coerências
que se estabelecem para a mente humana, fenômenos relacionados de modo
novo e compreendidos em termos novos. O ato criador abrange, portanto, a
capacidade de compreender; e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar,
configurar, significar. [...] o homem é um ser formador. Ele é capaz de
estabelecer relacionamentos entre os múltiplos eventos que ocorrem ao redor
e dentro dele. [...] busca de ordenações e de significados reside a profunda
motivação humana de criar. (OSTROWER, 2007, p. 09).
Início do teatro: Em off: som de um aboio feito por todos os atores... logo
após surge sons de cavalos galopando.
Logo após foge em galope ... Os três amarrados tentam convencer o menino
a soltar os mesmos somente quando o vaqueiro fala que vai lhe dar mais
comida que ele ajuda a libertá-los, após isto resolvem ir atrás do negro e
pegarem custe o que custa; chamas a ajuda de um Capitão do Mato fazem
uma tropa e vão em busca do negro.
-Cena negro em galope com os pertences dos negociantes, ele para analisar o
que roubou ver o ouro a comida fala alguma coisa toca o cavalo pra longe,
para não dar suspeita fala sobre o quilombo para onde estar indo, é que já esta
perto mais estar cansado, e vai descansar e no outro dia continua o caminho,
momento em que adormece.
“Na verdade, quando falaram que eu era baiano eu disse que não, porque eu
na verdade não sou. Eu disse que sou norte mineiro. Nasci num lugar
chamado Gado Bravo, aí dentro onde tinha uma mataria grande e o gado
andava solto nas terras comuns. Era tudo bravo. Então eu disse, por isso,
que eu nasci em Minas Gerais, no norte, quase na linha da divisa com a
Bahia. Mas, então, eles falaram que eu era baianeiro. Virgem Santa, achar
que eu sou meio gente? Que nem sou mineiro e que nem sou baiano? Senti
como se tivesse recebido um tiro na boca do estômago. Minhas vistas se
anuviaram de raiva. Ai eu disse, gente, eu sou norte mineiro! Eles
acomeçaram a rir de mim e um falou:”ta bom você é mesmo é baianeiro!”.
Eu só não parti para cima deles porque o capataz chegou dizendo para a
gente ir colher café. Eu fiquei a tarde inteirinhazinha, todinha, remoendo
aquele desaforo. Vê só, dizer que não sou gente inteira. Eu sou é muito
homem. Ai eu fiquei pensando e me lembrei que na Bahia, quando fui para o
serviço de eucalipto lá em Cocos, os baianos me chamaram de mineiro
cansado.Aí eu fiquei bestuntando nas minhas idéias. Se os baianos falam que
nós somos mineiros cansados porque não conseguimos ir para São Paulo,
não é? E os mineiros dizem que a gente é baiano e quando eu falei que era
norte mineiro, eles me chamaram de baianeiro. Deve de ser porque eu não
sou nem uma coisa nem outra, não é? A gente cá desse sofrido norte deve ser
uma espécie diferente de gente, não é? Eu fiquei bestuntando nas minhas
idéias a tarde inteirinhazinha, depois que passou a raiva colhendo café. É
sabe que espécie de gente deferente que agente é, porque eu sozinho não,
113
esse mundão de gente que vive neste norte seco sofrido. Mas só para os
fracos, não é, que os fortes esses fazem o que querem. Mas eles também, nós
todos formamos uma nação diferente de gente, essa nação de baianeiros.
Deve de ser por isso que nós somos mais pobres que os pobres de Minas e da
Bahia, não é? É quando eu falei isso com as pessoas disseram que eu estava
ficando doido das idéias. Um falou “está louco Zé, deixa de ser besta, nós
somos é da nação dos mineiros”. Mas depois falaram “não é que você tem
algum fio de razão”. Me deu um refrigério pensar que eu estava ficando
mole das idéias.Porque idéia de um homem se não for igual idéia de outros
homens, deve ser porque ele está ficando é mesmo mole, querendo ficar nos
cantos abestalhado. Virgem Santa! Meu Bom Jesus me proteja disso! Mas
que nós somos uma espécie de gente diferente, isso nós somos. É essa gente
toda desse norte de Deus, que agora está cheio de cancela, somos todos uma
nação de baianeiros. Uma gente nem baiana é nem mineira, não é? Mesmo
que a gente diga que nós somos mineiros. Vá entender, Deus, essas
loucuras.”(COSTA, 2003, p. 278,279).
-Cena da volta dos homens contando vitória e tentando negociar agora que
recuperaram o ouro e as mercadorias que estavam com o negro, fazem a
negociação final e depois saem.
- Entra o negro (talvez com uma mordaça na boca caracterizando a proibição
da fala.), já arruma/prepara o cenário para o ritual como se fosse um criado
das mulheres.
- Acontece o Ritual.
(Entra as mulheres de saia e com frases escritas em pedaços de papel, se
ajoelham em frente a uma gamela com água onde molham as frases e colam
no corpo, depois levantam e saem de cena).
ROTEIRO
Esta cena já está escrita. Sugiro apenas que não seja colocada aqui a
brincadeira com o boizinho e que a riqueza de Mariana não apareça tanto.
Matias está cantando uma folia (ou se expressando de alguma forma alegre e
expansiva) e surge Mariana interrompendo-o, exigindo que ele pare. Para
convencê-lo mostra um papel dizendo que o ―Papai‖ deu autorização para ela
fazer aquilo. A cada interdição, Matias acata e muda seu modo de expressão,
mas é seguido de uma nova ―autorização‖ mostrada por Mariana. Pode-se
pensar na colocação de partes de um cercado, colocado a cada intervenção de
Mariana. Ao final, Matias encontra-se num cercado, como num curralzinho e
Mariana à vontade, exibindo suas jóias.
CENA 8 – ZÉ E ESCRAVO
Embate físico. Zé encontra o escravo e lutam. Antes de o escravo matar Zé,
anuncia que seu povo vai fundar um novo quilombo no Jaíba.
CENA 10 – FOLIA
Num ato de afirmação norte mineira, os atores finalizam cantando e dançando um
folia.
Vale ressaltar que muitos dos contatos com o dramaturgo eram feitos
através de correio eletrônico. Sempre mandávamos retorno de como se deu o trabalho
do núcleo na execução das cenas e outros detalhes para auxiliá-lo na escrita do texto
dramático. E, assim, andávamos para montar o maior número de cenas possíveis para
que, quando ele chegasse ao encontro presencial, fizesse uma análise com adequações,
correções e sugestões nas cenas já prontas.
01/09/2008
Meninos,
ME DÊEM RETORNO!!
Inté e bom trabalho.
Glicério
(Luz. Ela brinca com uma boneca chique, ele de cavalo-de-pau e boizinhos
com legumes e frutas)
Mariana – (Pensa, olha em volta, olha em si, arranca um pedaço de sua roupa
e oferece) Toma!
Matias – (Pega) Mais!
(Ela tira mais alguns pedaços e entrega. Ele dá um boizinho pra ela.
Enquanto ela leva pra sua boneca ele se anima enfeitando seu cavalo
com os pedaços da roupa dela que funcionam como fitas no cavalo)
Mariana – (Com a boneca) Quer mais comida, minha filha? (Vai até ele já
oferecendo um pedaço de sua roupa) Toma! Me dá mais um!
Matias – (Pega dois boizinhos) Te dou estes, mas preciso de mais pano!
(Ela tira grandes pedaços de sua roupa, ficando quase sem nada.
Fazem a troca. Ela prepara a papa da boneca enquanto ele termina de enfeitar
seu cavalo que toma a forma de um boi de reisado. Matias entra no boi,
dança e canta um pedaço de alguma folia.)
(Luz. Estão ensaiando uma peça de teatro. Matias está vestido de príncipe
com os mesmos retalhos que tinha enfeitado seu cavalo-de-pau. Mariana está
deitada. Ele está com um papel na mão, lendo as falas. Encena que chega,
acha-a, ajoelha e fala, conferindo no papel)
(O celular toca)
(Desce luz)
convencê-lo) Você não sabe escrever direito, Matias. Eu que fui pro Colégio
de Freiras, meu padrinho é rico e compra material pra mim. Você só fica
metido no mato! Parece bicho!
Matias - Mentira! Eu queria estudar também, mas pai dá mais atenção pr‘ocê
do
que pra mim!
Mariana – (Ardilosa) Não é o que a história diz...
Matias – Como assim?!
Mariana- (Pega um livro do chão, abre e lê) ―...Mariana, desde cedo mostrou
vocação para o desenvolvimento. Matias, por outro lado, sempre
esteve
arredio, indomável, duro. Mariana é como terra fértil, predisposta a dar
frutos. Porém, Matias, é terra árida, infrutífera.‖
Matias – Que absurdo! (Tenta pegar o livro) Me dá se não te encho de
pancada!
Mariana – Bate! Bate! Sabe que se me encostar um dedinho, papai te castiga
feio!
Matias – O que você leu é invenção da sua cabeça!
Mariana- Papai me disse:‖Se está escrito, é verdade!‖ (Atiça-o) Você precisa
ver
como minha história é interessante, Matias. Cada detalhezinho ficou
muito
bem escrito. Quando eu ficar famosa, todo mundo vai saber como eu cheguei
ao topo! Desde o meu nascimento, que foi antes de você...
Matias- (Revoltado) Eu nasci primeiro! Todo mundo sabe!
Mariana – (Cínica) Quem?!
(Ele procura nos livros no chão. Lê um, outro, mais alguns e se resigna. Tem
uma idéia e fica feliz. Tira um ―boizinho‖ do bolso e oferece)
tendo nascido primeiro, está escrito que você é meu irmão e que precisa de
ajuda. Daqui apouco papai arruma um padrinho pra você. É só esperar...
Você vai ver... já, já você vai começar a desenvolver também. Eu também
vou ajudar, tá? (Sai)
Matias – (Olha ela sair. Pega um livro da carteira e escreve, com
dificuldades,
soletrando) Maaaa... tiiiiaaaasss... na... (pára, pensa,volta a escrever)
naaaassss... sssseeeeuuu... priiiii... meeeiiii... roooo...! (Fecha-o. Coloca-o no
chão e põe o boizinho em cima. Sai.)
(Mariana volta, sorrateira, abre o livro que ele escreveu, arranca a folha e
queima-a. Sai)
Desce luz
talvez nossa real história também tenha sido queimada. Mas tivemos pessoas de
coragem naquela época que enfrentaram a Coroa, bateram de frente com o governo pela
justa causa de um coletivo. Hoje, através do Movimento Catrumano, começamos a
buscar a valorização da nossa região, seu verdadeiro valor na criação do estado de
Minas Gerais, o sentido de pertencimento do seu povo forte, valente, catrumano, norte
mineiro.
Chega a semana anterior ao espetáculo do resultado do núcleo. Começamos
os preparativos para a confecção do cenário e figurino, compra e confecção de material
gráfico, cartazes e divulgação. Tivemos ensaios no local da apresentação juntamente
com a oficina de iluminação com Felipe Cosse e Frederico Almeida, quando criamos
um mapa de luz, montagem e condução da mesa de luz. Estes detalhes finais
aumentavam o nervosismo dos atores e preocupação com os últimos detalhes. Tínhamos
ainda uma parte do texto para ser apresentado em off, por gravação, e o tempo estava
passando. A atriz Ana Flávia que estava também na assistência de produção
providenciou a gravação. Realizamos os últimos retoques no cenário e figurinos.
com esta experiência. Até mesmo quem já havia passado por outros grupos presenciou
um processo diferenciado de condução e de criação.
A motivação era visível, juntamente com a ansiedade da estreia. Tudo
acertado, somente aguardavamos a hora. Tínhamos conseguido. Ali estava o núcleo de
investigação teatral de Montes Claros/2008 com seu produto final pronto: com vocês o
Exercício nº1 sobre Catrumano! Poucos minutos antes de darmos início ao trabalho
surge um empasse entre o dramaturgo e o coordenador da Rede Teia, e integrante da Cia
Acômica, Nelson Bam Bam. Tentando decidir o posicionamento de cenas na ordem de
surgimento dos fatos históricos, fugindo do roteiro estabelecido, a ideia seria inverter a
história. Houve alguns segundos de apreensão, mas tudo se resolveu.
Nervosismo e frio na barriga – normal em estreia. Mas o sucesso estava
certo: de todo trabalho a que se impõe dedicação, responsabilidade, seriedade, se tem
um resultado satisfatório, fruto que se planta e, por ser bem cuidado, reproduz com
qualidade. E assim foi: apresentamos em um local não convencional. Tínhamos
expectativa também do público, que lotou o espaço e, naquele momento. Erámos nós e
eles, narrando e representando uma única história, a verdadeira história do Norte de
Minas. Víamos nos olhos e expressões daquele público a identificação e aceitação do
trabalho, até mesmo nos surpreendendo.
Ao final, fomos aplaudidos de pé por alguns minutos. E, como de praxe,
houve um debate ao término, que nada mais foi do que a consolidação do dever
cumprido – e muito bem cumprido por sinal. A partir daquele momento começamos a
ser chamados de ―Os Catrumanos‖, denominação que também nos incentivou a
concretizar o trabalho na criação de um Grupo Teatral, gerado por oito meses e nascido
por entre vivências inesquecíveis entre pessoas especiais, que são o reflexo do povo
norte-mineiro sendo, representado pelo Grupo Teatral Catrumano. A partir de então foi
se consolidando uma trajetória de repercussão na representação da história de um povo
na busca de sua valorização e reconhecimento de sua identidade.
O Exercício no. 1 sobre Catrumano, ainda que tenha nascido prematuro como
informa o Gael, ele é um espetáculo pronto, artisticamente belo,
sensivelmente emocionante, criticamentes arcástico. Estas qualidades tocam
não apenas aos apaixonados pelo Norte de Minas e pelos Gerais, mas
qualquer amante da arte teatral, primeiro porque desafia a nossas
mentalidades desde o começo do espetáculo ao sermos, como espectadores,
tocados para dentro do espaço cênico por "cavalos" que nos empurram com
focinhos e que nos atiçam com coices.
Aos poucos vai-se entrando numa história pouco conhecida e vai nos abrindo
a visão para saber de algo até mais antigo que Minas Gerais, mas escondido
"debaixo do tapete da história e da identidade mineiras", porque nos mostram
como verdadeiramente somos, temos a cabeça dourada do ouro e os pés
lambuzados pela lama do curral. E disto os mineiros têm horror e por isto nos
esconderam de sua história e de sua identidade, nos dizendo baianos, baianos
cansados e baianeiros.
E já dentro do conteúdo que esses bravos artistas catrumanos colocam ante
nossos olhos, ler crítica e sarcasticamente, Mariana, como uma estátua da
liberdade, galgar patamares e de lá, para afirmar-se como a protagonista da
liberdade nacional, colocar fogo na historia de Matias e assim, esconder
nosso movimento de libertação em 1736. Bravos artistas catrumanos, vocês
desafiam a nós e a todos, principalmente aos artistas, a colocarem a nós
mesmos em cena, inventando gestos, instigando pensamentos e saberes,
28
Retirado do endereço eletrônico: Mensagem nº 38957, por Petrônio Braz – 24/9/2008 05:47:15.
Disponível em: <http://montesclaros.com/mural/cronistas.asp?cronista=Petronio%20Braz> Acesso em:
30 set. 2008.
129
como bem o fizeram o Grupo Catrumano com seu Exercício número 1 sobre
Catrumano! E viva os Catrumanos! E viva o Norte de Minas! 29
Um trabalho como esse que traz uma história cheia de textos e contextos
fortes alusivos a fatos históricos esquecidos e apresentados como forma de valorização
de sua origem cultural realmente marca as pessoas. Venho ressaltar uma pessoa
importamte neste processo com grande responsabilidade na realização do trabalho, o
conterrâneo, amigo, artista Nelson Bam Bam Júnior, que acreditou no núcleo, em mim,
em todos que conviveram durante todo o processo, produtores, familiares e
principalmente o público, que é o nosso principal foco. É para este público que
trabalhamos e nos dedicamos, mesmo que nosso desejo também esteja no trabalho. Por
este motivo também de dever cumprido é que ressalto aqui um depoimento do Nelson
Bam Bam, coordenador da Rede Teia, no seu perfil de um site de relacionamento:
Catrumano: sobre o espetáculo, Noh!... Nem parece que aconteceu. Mas é
tudo verdade. Meu coração também dispara, meus olhos lagrimejam. O
espetáculo pra mim e um canto de louvor e tantas historias: da minha
adolescência em Montes Claros convivendo com toda a turma do teatro, de
estar de novo ao lado de, e com Soraya Santos, Rita Maia e Léo Alves, de
saber que as sementes germinam, de estar de volta de onde nunca tive
ausente, de me saber homem Geraizeiro e compreender o que é isso, de amar
novas pessoas e dizer a elas sejam bem vindas ao nosso universo das artes (
Gabriel, Antonella, Franciele, Tarciane, Tatiane, Luiz Felipe, Daiane), não
canso nunca. Minha alma se remexe. Saudades do sertão. Amor a Joba(João
Batista de Almeida), esse homem de plenas convicções e enormes
realizações. Lembrar de quem se foi, mas manteve a benção a esse trabalho:
Luz de Igor, Luz de Aline. Saudades do sertão. De saber que homenageio, do
fundo da minha alma. O meu pai boiadeiro e seus amigos: seu Neco,
Estasim, e todos que fizeram dos cantos que tocam as boiadas, marcar minha
alma,!!!Tudo isso faz parte de mim, da minha base como ser humano.
Juramento, Fazenda Campo Grande... Esse é pra você PAI...
Este Projeto é resultado do núcleo de investigação da Rede Teia em parceria
com a Cia Acômica.(Visita ao site em 09/04/2009).
29
Depoimento descrito dentro do site de relacionamento na comunidade‖Grupo Catrumano‖.
130
logo estaríamos sendo chamados para apresentar em outros lugares de Minas e quem
sabe até mesmo em Mariana.
Nossos cálculos eram de que esse deslanche do Grupo fosse no ano
seguinte, pois estávamos no final de setembro e já findava o semestre letivo também na
universidade. Surpreendentemente nossos cálculos estavam errados nossa realidade
virou outra.
Tínhamos compromissos e agenda para controlar, contatos por fazer,
produção para ser executada. Um grupo recém-formado ainda sem muita experiência
em produção, mas conseguimos nos sair bem. Começamos a delegar algumas funções
para os integrantes do Grupo e aos poucos foram surgindo os convites. A princípio o
coordenador da Rede Teia deixou formalizado que, se o Grupo Catrumano estivesse em
atividade até o ano seguinte, seríamos chamados como grupo convidado da Rede Teia
em uma nova versão/2009, para participar da programação em três cidades com direito a
cachê como todos os outros grupos participantes.
Era uma boa chance para começarmos bem o ano, continuando nossos
trabalhos de manutenção do Grupo e do espetáculo. Paralelamente ao convite da Rede
Teia, uma das integrantes do Grupo, a atriz Tatiane Teles, nos inscreveu em um
encontro da UNE que aconteceria em Salvador/BA no início de janeiro, em que
participaríamos somente da amostra estudantil, com grupos ligados a universidades. E
assim foi feita a inscrição.
O trabalho teve boa repercussão na mídia bem como em outros meios de
comunicação. O professor João Batista de Almeida Costa que esta ligado ao Movimento
Catrumano, tendo contato com entidades e lideranças políticas ligadas ao movimento,
sugeriu ao então deputado Paulo Guedes, coordenador do Projeto da Expedição
Caminhos dos Gerais, juntamente com a Fundação Genival Tourinho que seria
interessante a participação do Grupo Catrumano nas comemorações do dia dos Geraes
na cidade de Matias Cardoso.
131
Imagem: Foto de Leonardo Alves, dezembro de 2008, quadro poliesportiva da cidade de Matias
Cardoso, Minas Gerais. Comemoração do Dia dos Geraes, apresentação do espetáculo Exercício
nº1 sobre Catrumano, na foto: ajoelhados da esquerda para direita, Gabryel Sanches, Tatiane
Teles, Ana Flávia, Leonardo Alves, Soraya Santos, de costas, Antonella Sarmento e Tassiane
Figueiró, de pé a populção da cidade e convidados.
Foi única a emoção que serviu para mostrar ao Grupo o nosso destino, a
trajetória a seguir; mostrar para o Norte de Minas sua verdadeira história. A aceitação
foi tamanha que os organizadores do evento não esperavam tanto sucesso e logo surgiu
nosso próximo compromisso: fomos convidados a continuar com a expedição Caminhos
133
dos Geraes, agora visitando outras cidades do Norte de Minas, com o espetáculo dentro
da programação da IV expedição Caminhos dos Gerais.
A princípio nos assustamos: tudo aconteceu muito rápido para o Grupo.
Sentamos e colocamos em debate a proposta de enfrentar ou não este desafio. Tínhamos
um problema: a logística da expedição não comportava muitos equipamentos e teríamos
que, na maioria das cidades, improvisar a luz, cenário, som ou executarmos como
fizemos em Matias Cardoso.
Como catrumanos que somos decidimos aceitar o desafio para vivenciar
outra experiência. Lembrando que, após as apresentações da Rede Teia em Montes
Claros, nós continuamos nossos encontros, mantendo as atividades rotineiras de
manutenção e preparação físico-corporal do grupo e sempre ensaiando e trabalhando
músicas, entradas e saídas de personagens, quando começamos a ter problemas com
desfalque de atores já estávamos trabalhando outros atores para substituição.
O primeiro desfalque foi da atriz Ana Flávia convidada pela Cia Acômica
para ir para Belo Horizonte trabalhar na produção da Rede Teia. Logo após a
apresentação em Matias Cardoso, ela teve que se afastar do Grupo Catrumano, mas já
estávamos preparando a Rita Maia, atriz convidada da oficina de cenário e figurino, que
participou como convidada na estréia, e foi integrada ao Grupo Catrumano após a
consolidação, já visando, inclusive, esta situação de desfalque.
Ao refletir sobre as situações surgidas no caminho do Grupo Catrumano,
retomamos a trajetória da Cia Acômica quando na montagem de Anjos e Abacates perde
um integrante e ainda com a suspensão do projeto do novo espetáculo Lusco -fusco ,por
falta de fomento para sustentação do Grupo, acaba por perder mais quatro atores. Com
isso fomos obrigados a resolver nosso problema se quiséssemos assumir o compromisso
de partirmos para a IV Expedição Caminhos dos Geraes.
Logo após o trabalho em Matias Cardoso, no início de dezembro, o
próximo compromisso seria após o natal. A atriz Tarciane Figueiró se manifestou no
sentido de não poder participar, por problemas particulares, do segundo trabalho do
grupo na IV expedição caminhos dos gerais. Foram substituídos dois atores importantes
no trabalho: a Ana Flávia, que fazia o personagem Mineiro, foi substituída pela atriz
Rita Maia; a Tarciane, substituída pelo ator Gabryel Sanches, que teria que fazer agora
dois personagens no trabalho (o menino Matias e o Tropeiro, personagem da Tarciane
Figueiró). Como criamos a dramaturgia juntos (inclusive o Gabryel foi monitor de
134
Imagem : Foto de Leonardo Alves, dezembro de 2008, Praça do cais na cidade de Itacarambi, Minas
Gerais. Show e apresentação da peça Exercício nº1 sobre Catrumano na Expedição Caminhos dos
Geraes, na foto: Cena das carpideiras, da esquerda para direita, no som, Dayane, sentado ao fundo
Gabryel Sanches, Rita Maia, Soraya Santos, ao fundo, Francielle Pereira e a esquerda Antonella
Sarmento e ao redor o público da cidade.
cidade de Salvador/Bahia, nos dias 20 a 25, com o tema: Raízes do Brasil: Formação e
Sentido do Povo Brasileiro, apresentação no Teatro Vila Velha.
Muita coisa estava acontecendo. Tínhamos pouco tempo para nos organizar,
conseguir transporte, condicionamento para cenário, providenciar mapa de iluminação,
ensaios e contatos com amigos de Salvador e arrumar as malas. Entramos em contato
com a atriz Tarciane Figueiró, que já estava em Montes Claros. Fizemos uma reunião
para decidir as ações e acabamos por aceitar enfrentar o desafio de conseguir o
transporte que ainda estava pendente. Tínhamos alimentação e estadia, mas faltava o
transporte. Fomos até os parceiros, o DCE a Universidade Estadual de Montes Claros
(Unimontes), onde conseguimos lugares no ônibus dos estudantes que também iria
participar do evento. Prontos, e com a resposta do transporte quase no dia de viajar,
descobrimos ser o único grupo escolhido em Minas Gerais: que privilegio e
responsabilidade ao mesmo tempo! já pensou o que era estar representando um estado
em um evento como uma Bienal?
Pé na estrada. Lá fomos para mais uma etapa da história do Grupo
Catrumano. Chegando em Salvador, no dia 19 de janeiro, nos alojamos, e, como nossa
apresentação seria somente no dia 22 de janeiro, tivemos um tempo para estabilizar e
começar a fazer contato com grupos de outros estados como Amapá, Rio de Janeiro,
Salvador e outros artistas que estavam no evento. Ficamos todos, a princípio, em uma
enorme tenda no centro do acampamento dos outros estudantes.
Este evento foi outra experiência para o Grupo, com envolvimento com
muitas pessoas e grupos variados. Nesses casos, se não se tem uma coordenação um
pouco mais rígida as coisas não andam. Mesmo com dificuldade de local ensaiávamos
todos os dias antes da apresentação e mantínhamos a rotina de exercícios de preparação.
Um pequeno acidente quase nos causa um desfalque: a atriz Soraya Santos se machuca,
tem um corte profundo no pé. Tivemos que fazer algumas modificações na marcação de
cena, mas, felizmente, tudo deu certo.
Chega o dia da apresentação. Vamos para o Teatro Vila Velha, o mais
antigo do Brasil. Para nós foi um grande presente estar ali, naquele lugar. Fizemos o que
é de praxe: montamos o cenário, arrumamos figurinos e adereços, preparamos. Chega a
hora. Ansiedade, nervosismo, frio na barriga, mas vamos lá! Era nossa oportunidade:
estávamos ali para isso e iríamos fazer direito.
140
antropologia. Dá-se importância em contar uma História que, por razões políticas, nunca
foi mencionada. A Arte e o universo lúdico compõem a peça de maneira especial.
142
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através desta essência que nos traz Teixeira (2007) acima, acompanhamos a
evolução da criação da cena teatral, o cuidado com técnicas e metodologias específicas
para compor a criação artística teatral. Com a pesquisa notamos que grande parte dos
grupos e companhias atuais, mantém no seu cotidiano atividades didáticas, como
projetos, oficinas, debates e propostas para a comunidade, na busca de manutenção dos
grupos e continuidade de trabalho de pesquisa, como forma de afirmação de uma
identidade, de uma metodologia própria. Na Cia Acômica não seria diferente, vimos na
sua trajetória e criação do sistema de trabalho o reflexo desta renovação da cena teatral,
muitos nomes citados a cima por Teixeira (2007) aparecem na formação dos grupos e da
Cia Acômica. Incentivo para uma nova forma do fazer teatral como ressalta Teixeira
(2007):
143
mas foco de reflexão sistemática e o principal condutor para a criação da obra artística.
Elo importante na dinâmica de criação no sentido de que, sem suas intervenções
individuais de criação cênica nas improvisações, a dramaturgia e a direção tem suas
possibilidades criativas reduzidas.
A Cia Acômica aplica sua metodologia no processo de criação, que tem
características comuns, quanto ao trabalho de criação, com o movimento teatral de
grupo contemporâneo.
Temos exemplos de investigação criativa, difusão e formação, que
aproximaram definitivamente a produção artística e a pesquisa no contexto universitário
brasileiro: o Grupo Lume, laboratório de pesquisa teatral criado na Universidade
Estadual de Campinas, dirigido há quase duas décadas pelo ator, professor e
pesquisador Luís Otávio Burnier; a própria Cia Acômica, constituída por ex-alunos do
Curso de Formação do Teatro Universitário da UFMG, e que mantém uma relação com
a universidade e com o curso de graduação em Teatro.
No movimento de teatro de grupo desde 1960, os vários grupos teatrais
sempre buscaram resolver seu anseio em formas de elucidação da arte, dos métodos ou
maneiras do fazer teatral, que solucionasse seus desejos. Assim, vários modos de
criação, de composição de fazer teatral foram tentados até se chegar à criação coletiva,
que foi utilizada com frequência pelos grupos, que obtiveram resultados interessantes
até as décadas de 1970 e 1980. Segundo Ficher (2003):
processa com características próprias e, por essa razão, não podemos fixar formas nem
metodologias para o processo colaborativo‖. Os grandes mestres do teatro além da
influência na renovação da cena teatral contemporânea, implementaram uma visão
inovadora na formação em ambiente de grupo com um olhar penetrante e investigador,
característica comum refletida nos atuais grupos e companhias como a Cia Acômica.
Teixeira (2007) ilustra trazendo a seguinte reflexão:
Teixeira (2007) nos traz essa reflexão sobre o ato teatral, chegar à conclusão
de rever procedimentos e sentido, a importância e relevância do trabalho para o público.
Responsabilidade moral aos costumes e tradições bem como o respeito à cultura da
região ou de um povo ali representado, e neste sentido, Teixeira (2007, p. 77) ressalta
que [...] ―o treinamento do ator implica um profundo trabalho sobre si mesmo. A
renovação do teatro que nossos mestres sonharam e que a nossa geração continua a
buscar está relacionada com a permanente renovação do homem.‖
Tenho um compromisso com o fazer artístico da minha região. Acredito que
ela é rica em ações e material humano e cultural. Estando na academia como
pesquisador, sinto-me na posição de registrar e articular meios de contato dos artistas
com formas do fazer teatral sistematizado, de recorrer à pesquisa como forma de
incentivo aos futuros pesquisadores. Fomentando o interesse maior na área de artes
cênicas como fonte de produção de conhecimento. Acredito que o PPGAC-UFBA
oportuniza a nós pesquisadores investigar e pesquisar, articulando a teoria e a prática
vivenciada nos processos de criação teatral. Em particular devo dizer que foi muito
importante, como pesquisador participante, sistematizar o processo de montagem do
Exercício nº1 sobre Catrumano, o contato com a Cia Acômica gentilmente nos
brindando com um fazer teatral pautado na reflexão pesquisa e investigação. Pratica que
germinou aqui no Teatro Universitário da Unimontes já com frutos de boa qualidade e
com origem em raízes fortes refletidas no trabalho de grupo e determinação dos
participantes do núcleo de investigação teatral de Montes Claros ao qual deu origem ao
146
Grupo Teatral Catrumano. Seu Exercício nº1 sobre Catrumano espetáculo envolvente e
instigador como vimos nos relatos aqui descritos, mostra a procura e aprofundamento
nos fatos históricos, no qual nos mostrou uma forma de valorização e exposição do
conteúdo intelectual e teórico que muito se acumula em estantes de bibliotecas na
academia e em outros lugares. Agora vislumbram outra forma de chegar aos olhos e
ouvidos dos espectadores. Assim como presenciamos em todos os lugares em que
apresentamos o trabalho, a admiração curiosidade e sentido de pertencimento refletido
no semblante de todos aqueles catrumanos, norte mineiros e geraizeiros que nos
assistiram e incentivaram a mostrar nossa história. Aplaudidos e reverenciados pelo
trabalho afinco de busca de idéias e fatos da nossa identidade, aplausos e reverências
para eles mesmos protagonistas da dramaturgia regional, do movimento de valorização
e reconhecimento do seu lugar.
Tive oportunidade de vivenciar muitos momentos citados pelos
pesquisadores que aqui mencionei, mostrando a trajetória trilhada pelas companhias da
cena contemporânea brasileira. Presenciei, representei, dramatizei, improvisei, dirigir,
criei, degustei o sabor da convivência em grupo, o nascer de um sonho e sua condução à
realidade; construí junto e cresci muito, na companhia de atores jovens, que sentem
muita vontade de se expressar através do teatro.
Atuando no processo como assistente de direção, encenador, preparador
corporal, ator, passei por todas as etapas dos processos e, motivado a registrar e
pesquisar tal procedimento teatral, estou envolvido em um processo de consolidação do
desejo maior de poder transmitir a outros esta experiência tão gratificante. É inegável a
importância do trabalho de grupo na formação das identidades, pois a partir do
encontro, das diferenças, temos condições de fazer escolhas, que vão nos aproximar ou
distanciar. Concluí que a decisão de se formar um grupo não é do diretor, coordenador,
encenador, nem de qualquer líder, nem de uma única pessoa, mas de um interesse
comum despertado em muitos indivíduos ao mesmo tempo, como se uma identidade
que fosse criada naquele instante.
REFERÊNCIAS
BAMBAM, Nelson. O meu reflexo não é esse espelho. In: CIA ACÔMICA NA SALA
DOS ESPELHOS. Organização de Fernando Mencarelli e Sara Rojo. Belo Horizonte:
Cia Acômica, 2007.
FARIA, João Roberto. Décio de Almeida Prado: a consciência teatral de São Paulo. In:
PRADO, Décio de Almeida. Teatro em progresso. São Paulo: Perspectiva, 2002.
(Coleção Estudos; 185).
GARCIA, Santiago. Teoria e Prática do Teatro. São Paulo: Editora Hucitec, 1988.
GORDON, Mel. A Biomecânica de Meyerhold; In: The Drama Review (T57), março de
1973, págs. (73-88). Trad. Maria Elizabeth Biscaia Jhin.(TSGALI, 998, 740. Dossiê
sobre a Biomecânica, tradução de Béatrice Picon-Vallin, CNRS)
MAGALDI, Sábato. Iniciação ao teatro. 6. ed. São Paulo: Editora Ática, 1997. (Série
Fundamentos).
RIGUEIRA JR., Itamar. Cortinas abertas há uma década. In: BOLETIM UFMG.
Semanário da Universidade. Belo Horizonte: Centro de Comunicação Universidade
Federal de Minas Gerais, n. 1659, ano 35, 29 jun. 2009. Disponível em:
<www.ufmg/boletim>. Acesso em 05 out. 2011.
SANTOS, Maria Thaís Lima. Dos encontros, das perguntas, das incertezas: trajetória de
uma companhia de atores no Brasil. In: CIA ACÔMICA NA SALA DOS
ESPELHOS. Organização de Fernando Mencarelli e Sara Rojo. Belo Horizonte: Cia
Acômica, 2007.
<www.grupocatrumano.blogspot.com.br>
<http://cpdtu.blogspot.com/2009_04_01_archive.html>
<http://www.itaucultural.org.br/>
<http://www.coltec.ufmg.br/>
<http://www.palcobh.com.br/camarim/julho2001/camarim_01.html>
<http://portal.unimontes.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3450&It
emid=212>
153
ANEXOS
154
Dramaturgia
Prólogo - Aboio
Nascimento de Matias
155
Bandeira: Mathias! Desbravador, forte. Trará alegria e fartura. Povoará! A terra será grata com
frutos, grãos e animais.
Matias se desenvolve.
Passagem dos cavaleiros
Coro:
Ê boiada
Ê boi
Ê boiada
Ê boi
Francisco:
Boiadeiro vai à frente
A boiada vai atrás
Boiadeiro toca o berrante
A boiada vai que vai!
Coro:
Ê boiada
Ê boi
Ê boiada
Ê boi
Francisco:
Eu não sou o mestre A,
nem o B e nem o C
Apenas peço licença
Pra falar com vos me ser
Coro:
Ê boiada
156
Ê boi (x2)
{Francisco se estabelece, olha a paisagem de campos, bebe água do rio)
Francisco: Sou gerazeiro, fazendeiro aqui de morrinhos. Desde que meus familiares
descobriram esse lugar, em 1660, viemos para cá. Tudo aqui é parente. Criamos
gado, plantamos e 5vendemos muito, pois nessa terra tudo o que se planta dá.
Começamos a negociar com Salvador e o recôncavo, comercio que fez nosso arraial
prosperar muito. Toda essa região faz parte da capitania da Bahia. Em 1695 fomos
elevados à categoria de freguesia de nossa Senhora de morrinhos. Foi a bandeira de
Mathias Cardoso a primeira a chegar nessa região, homem valente, corajoso,
respeitado pelo rei. Em 1684 ele recebeu a patente de governador e administrador
dos índios na capitania de porto seguro por ter exterminado índios e quilombos. Em
1697, além de já ter recebido uma sesmaria de 80 léguas que vai daqui do rio pardo
até as beiradas do rio doce e a patente de governador absoluto da guerra contra os
índios, a coroa, com o fim da guerra dos bárbaros no ceará, deu a ele autonomia
política e administrativa! Eh morrinhos! Por aqui correu muita gente importante. Há
três anos atrás, em 1703, terminamos nossa igreja matriz...
gente de fora explorar o ouro não, a qualquer momento pode surtir uma guerra. A
situação ta difícil lá, mas o comércio vai bem.
Francisco: A gente vê. Agora ocê só traz encomendas daquelas terras, deixou o recôncavo e
salvador pra outros tropeiros.
Tropeiro: é que o povo de lá tem muito ouro e muita fome. Faltam comida e plantação naquelas
terras.
Francisco: Falta comida e tem muito ouro.
Tropeiro: Muito ouro que a coroa tenta cercar de todo lado. Lembro em 1702 (há quatro anos
atrás), quando o arraial tinha começado, a coroa já havia implantado a intendência...
Francisco: A que cobra o quinto dos mineradores?
Tropeiro: Essa mesma.
Francisco: É... Foi tentando cercar o ouro que vinha das minas que a coroa, nessa mesma época,
tentou fechar o nosso caminho com a Bahia. Vê se pode: querer proibir o povo daqui
gastar lá pra cima o ouro que ganha com as vendas pros mineradores?!
Tropeiro: pelo menos o bloqueio da estrada na funcionou, se não o comercio ia ficar abalado.
Francisco: Mas não ficou Zé!
Tropeiro: (à parte) é... Ainda podemos vender uma galinha lá por 1200, enquanto no recôncavo
sai a 120!
Francisco: Vamo fazer negócio, Zé. O que vai ser? Farinha de mandioca, peixe, carne seca,
Sal... Eita muada, esse negócio com as minas de ouro ainda vai render muito.
(passa os cavaleiros)
Nascimento de Mariana.
Bandeira: Mariana! Será uma princesa, a flor mais preciosa da região! Atrairá muitas pessoas
de diversas partes. Seu fruto será disputado a ferro e fogo. Por ele sangue jorrará.
(O mineiro traz uma mala que se estabelece, abre a gaveta da mala e tira um
pequeno oratório, uma vela, uma bateia e uma balança).
Antonio: Sou Antonio sim. Mineiro aqui do arraial de Nossa Senhora do Carmo, que agora
pertence à capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Quando o bandeirante Salvador
Furtado de Mendonça saiu do arraial de São Paulo, em 1696, não tinha idéia que ia
achar um lugar com tanto ouro. Cheguei aqui logo depois, pois sou conhecido de
Salvador Furtado e não achava justo que aqueles emboabas chegassem, aproveitando
do que nos descobrimos. Trabalhamos duro... pagamo imposto... O ouro num é fácil
não! Aliás, desde que se instalou aqui a Intendência pra cobrar o quinto, ta mais
difícil. Ainda mais que pagamos tão caro pelo alimento que vêm de fora. O tal de
manuel Nunes Vianna, que era chefe dos Emboabas, parece mais o cão do que
qualquer coisa. Além de explorar nosso ouro, tem fazenda lá pro lado do curral
sanfranciscano e aposto que ele interfere pra aumentar os preços ainda mais. (um
chocho) vou tratar de enriquecer e o tanto que eu puder e sumir daqui! (Tira um prato
de uma gaveta e fala alto pra algum lugar distante) vem cumê menino! E agradeça a
Deus o pouco que temos.
( o tropeiro entra com a tropa, desce da montaria, atores fazem cavalos carregados de
mercadorias no alforje. Ele se dirige a platéia)
Tropeiro: 1711, em fim acabou a guerra dos emboabas. Os paulistas não queriam que outras
pessoas, esse povo de fora que eles chamavam de emboabas explorassem o ouro das
minas. Nem queriam que a coroa liberassem terras para exploração de novas minas. O
governo da capitania do Rio de janeiro e São Paulo tentou por ordem, nem os novos
mineradores, os emboabas, nem os antigos mineradores, os paulistas, queriam ceder
lugar pro outro. Resultado: muita gente morreu e dividiram a capitania. Aqui agora é
Capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Mas meu negócio é vender mercadoria pra
quem precisa. Tem muita gente precisando de mim. Quando descobriram ouro aqui
no ribeirão de Nossa senhora do Carmo, Muita gente veio pra cá. Mas como as terras
não são tão boas pra plantar como são pra achar ouro, nem pra criar gado (rindo) tem
que pagar gente pra trazer.
Passam os cavaleiros
Boi e Boneca.
(Luz. Eles entram, dão as mãos e fazem a brincadeira de roda. Ela brinca com uma
boneca chique. Ele com cavalo de pau e boizinhos com mamões. Outros atores
fazem ritual também com boizinhos. ).
(brincadeira de roda)
Mathias: Boca de forno
Mariana: Forno!
Mathias: jacarandá!
Mariana: Dá!
Mathias: onde eu mandar...
Mariana: vai
Mathias: e se não for?
Mariana: Apanha!
Mathias: seu rei mandou dizer que...
Passam os cavaleiros.
O Mineiro e o Vaqueiro e o Tropeiro – 1720
Antonio: è isso mesmo... Ce num sabe por que a noticia é fresquinha, mas pode confirmar com
seus próprios olhos. Vai lá na praça central e vai ver um prédio novo e bonito. Sabe
o que é? Administração Colonial. Aqui é a capital da nova capitania. Separamos de
São Paulo. Agora somos a Capitania de Minas Gerais! E melhor: o Curral
sanfranciscano num é mais da Bahia, é de Minas Gerais! Vai ter que amansar um
pouquinho, pois meu governador agora é o seu governador também! Catrumano!
Francisco: (tirando uma arma) Eu falei pra não provocar.
(Antonio também empunha uma arma de fogo. No momento em que ambos apontam a arama
um para o outro, um tumulto de pessoas gritam: “Pega! MATA! Rebelião!” O escravo corre
com uma bolsa e o tropeiro vem logo atrás, quando Francisco o para.)
Tropeiro: Segura esse preto safado!
Antonio: Minha Virgem santa! É na casa de fundição. O meu ouro corre perigo! (sai correndo)
Francisco: (interrompendo Zé). Calma homem de Deus. O preto ta armado.
Tropeiro: (reconhecendo-o) Seu Francisco! Que faz aqui homem?
Francisco: Ia visitar parentes na capital, mas... Que negocio é esse de capitania de Minas
Gerais?!
Tropeiro: (Cansado e mais calmo, ofegante no início, se agacha). É verdade... Guarde bem essa
data: 1720. É um ano de uma mudança forte. Está a maior confusão! A coroa agora ta
cobrando o ouro nas casas de fundição. O quinto agora é retirado depois de cada
minerador levar seu ouro para fundir. E tem mais: Eles vão aumentar a cobrança em
todo o curral... Morrinhos agora presta conta aqui, na Vila, que agora é capital... E
esse tumulto todo que o senhor tá vendo aí, é armação de um tal de Felipe dos Santos,
aqui do Lado, em Vila Rica... Ta todo mundo revoltado com os impostos...
Francisco: (meio atordoado) Mas Morrinhos tem autonomia dada pelo Rei!... Já pagamo o
dizimo certinho.
Tropeiro: Acabou Companheiro, O mensageiro oficial já vai Avisar todo o Curral!
Mathias e Mariana
163
Mariana está escrevendo em livros. Ao seu redor vários livros espalhados pelo chão. Ela
terminha a escrita de um e o joga junto aos outros. Pega outro na carteira e começa a
escrever. Mathias entra, observa e pergunta)
(ele pensa um pouco, pega um livro, senta em um canto e começa a escrever também)
Mariana: (percebe-o escrevendo, se levanta e se dirige a ele, pergunta a ele) o que você está
fazendo!
Mathias: Escrevendo a nossa história.
Mariana: (Indignada) não! É pra somente eu escrever. Quando eu ficar famosa, todo mundo vai
saber como eu cheguei ao topo, desde do meu nascimento que foi antes do seu.
Mathias: (revoltado) mas eu nasci primeiro, todo mundo sabe disso.
Mariana (cínica): quem?
Mathias pega um livro dela para ler, na medida que lê fica revoltado e joga o livro no chão.
Repete essa ação até perder a paciência e escrever em um livro)
( Mariana, sorrateira, pega o livro que ele escreveu, faz um circulo de livros ao redor de
Mathias e, como um encanto, ele fica preso. Ela abre o livro que ele escreveu e arranca e
queima as folhas, enquanto ele se transforma e sente a dor até cair, na medida que ela sobe na
escada. Enquanto isso, é narrado em off o texto abaixo e os atores fazem a cena dos tiros,
interpretando a guerra.)
Eu, Martinho de Mendonça da Pina Proença, governador Interino da Capitania das Minas
Gerais, dou a saber, por meio desta missiva, à Vossa Excelência, fatos e acontecimentos
164
Com finalidade de ampliar a base arrecadadora em prol da Coroa, este governo, como é sabido
de Vossa Excelência, instituiu a Capitação, tributo relativo à posse de escravos. Em
requerimento os rebeldes exigiam que o meu governo avaliasse a capitação. Afirmavam que a
causa do tumulto era a sublevação que se fazia aos moradores dos sertões; fora das contagens e
terras minerais se impunha a capitação aos seus escravos.
Bradavam que o sistema era injusto, pois tributava escravos que serviam nas fazendas de gado e
cavalo, que já pagavam contagens e dízimos.
O primeiro motim eclodiu em março de 1736, no Arraial de Capela das Armas, contra o juiz de
Papagaio, responsável por tirar devassas de alguns tumultos que haviam ocorrido em Barra do
Rio das Velhas. A mim, informações fazem crer que os rebeldes deste primeiro momento eram
liderados pelo padre Antônio Mendes Santiago. Os amotinados, ficaram a espera da tropa de
Dragões, para enfrentá-la, atitude que indica ser o motim não somente incidente avulso, mas
maquina de maior, fermentada por cabeça grande.
O segundo motim iniciou-se em princípios de maio, no sítio de Montes Claros, junto ao Rio
verde, contra o comissário da capitação, André Moreira. No dia 24 de Junho, se juntaram cerca
de duzentos moradores da região do Brejo Salgado e marcharam para o arraial se São Romão e
dali partiram armados, para as minas, tomar o poder em Vila Rica. Além dos ―cabeças‖, os
amotinados compunha-se de negros, mulatos e índios, pessoas da mais baixa categoria.
Não obstante o envio de viárias tropas de Dragões para controlar a insurreição, os amotinados
continuavam sua marcha, liderados por Pedro Cardoso, investido no cargo de procurador do
povo. Este era filho de D. Maria da Cruz, moça da família da Torre, educada pelas carmelitas e
figura lendária no Sertão, considerada das devassas como peça fundamental da sedição de 1736,
e sobrinho de Domingos Prado Oliveira.
Durante Todo o período que o sertão esteve em conflito, a força militar só foi aumentando. Este
governo chegou a enviar um total de 70 dragões. Por fim, dou ciência a sua majestade, do
controle dos motins do sertão, mandado preso o líder Pedro Cardoso do Prado para uma
fortaleza no rio de janeiro, juntamente com sua mãe Maria da Cruz, que é Sogra de Alexandre
Gomes, um dos mais ricos moradores do sertão da Bahia e de Domingos M. pereira, irmão do
vigário geral do Arcebispado, ambos com grande introdução naquela cidade.
165
(os atores saem, entram as carpideiras com a musica e carregam o Mathias caído)
Discurso Baianeiro
Na verdade, quando falaram que eu era baiano, eu disse que não, por que na verdade não sou.
Eu disse que era norte mineiro. Nasci num lugar chamado Gado Bravo, aí dentro onde tinha
uma mataria grande e o gado andava solto nas terras comuns. Era tudo bravo. Então eu disse,
por isso, que eu nasci em Minas gerais, no norte, quase na linha da divisa com a Bahia. Mas
então, eles falaram que eu era baianeiro. Virgem santa, Achar que eu sou meio gente? Que nem
sou mineiro e que nem sou baiano? Senti como se tivesse recebido um tiro na boca do
estomago. Minhas vistas se anuviaram de raiva. Aí eu disse: gente, eu sou é norte mineiro!
Eles começaram a rir de mim e um falou. ‗Ta bom você é mesmo baianeiro!‘. Eu só não parti
pra cima deles por que o capataz chegou dizendo pra gente ir colher café. Eu fiquei à tarde
inteirinha, todinha, remoendo aquele desaforo. Vê só, dizer que não sou gente inteira. Eu só é
muito homem.
Mas eu não fiz nada. É que me lembrei que na Bahia, quando fui pro serviço de eucalipto lá em
cocos, os baianos me chamaram de mineiro cansado. Aí eu fiquei bestuntando nas minhas
idéias. Se os baianos falam que nós somos mineiros cansados por que não conseguimos ir pra
são Paulo, não é? E os mineiros dizem que a gente é baiano e quando eu falei que era norte
mineiro, eles me chamaram de baianeiro. Deve ser por que eu não sou nem uma coisa nem outra
não é? A gente de cá desse sofrido norte deve ser uma espécie diferente de gente, não é? Eu
fiquei bestuntando nas minha idéias a tarde inteirinha, depois que passou a raiva colhendo café.
166
Eu sozinho não, esse mundão de gente que vive neste norte seco e sofrido. Mas só pra os fracos,
não é, que os fortes, esses fazem o que querem. Mas eles também, nós todos, formamos uma
nação diferente de gente, essa nação de Baianeiro. Deve ser por isso que nós somos mais pobres
que os pobres de Minas e da Bahia, não é?
Falaram que eu tava ficando mole das idéias. Um falou ‗está louco Zé, deixa de ser besta, nós
somos é uma nação de mineiros‘.Mas depois uns disseram ‗não é que você tem algum fio de
razão‘. Me deu um refrigério pensar que eu tava ficando mole das idéias. Por que idéia de
homem se não for igual idéia de outros homens, deve ser por que ele deve ta ficando mole,
querendo ficar nos cantos abestalhados. Virgem Santa! Meu Bom Jesus me proteja disso! Mas
que nós somos uma espécie diferente de gente, isso nós somos. E essa gente toda desse norte de
Deus, que agora está cheio de cancela, somos todos uma nação de baianeiros. Uma gente nem
baiana nem mineira, não é? Mesmo que a gente diga que nós somos mineiros. Vá entender,
Deus, essas loucuras.
Sou Uma mistura de raça.(atores começam a entrar conforme ele cita as raças e se
posicionarem no centro para a preparação do ritual.) Sou negro, sou índio, Sou paulista, sou
baiano, sou mineiro, português, mamelucos, uma mistura de raças me esqueceram; ontem
escravo, hoje livre, mas me isolaram. Ontem desbravador, hoje morador. Tempos de fartura e
riqueza se foram eu fiquei. Ontem, Morrinhos, hoje Mathias Cardoso, cidade de Memória que
minas não quer ver. Sou meio de lá, meio de cá, mas tenho orgulho do meu lugar. Sou forte, sou
norte-mineiro! Sou catrumano sim sinhô!
Ritual.
Movimento Catrumano
Minas Gerais também será revista e atualizada, englobando os fatos importantes do norte de
minas na história do estado. Também foi encaminhado, para as prefeituras das cidades Norte-
mineiras, um projeto para ser comemorado civicamente o dia das Geraes no dia 08 de
Dezembro, data de inauguração da Igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição de Matias
Cardoso, a primeira igreja do Estado de Minas Gerais. Além de fazer jus à importância dos
Gerais na constituição do nosso estado, o Movimento Catrumano, constitui-se em uma
estratégia de valorização da região e do povo norte mineiro junto a sociedade mineira como um
todo.
Passa a bacia com as faixas escrita (explanação do movimento catrumano em off) e depois os
atores cantam a música ― neste meu sertão‖.
FIM
168
Os deputados Dalmo Ribeiro Silva (PSDB) e Carlos Mosconi (PSDB) foram eleitos, respectivamente,
presidente e vice da Comissão Especial da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 46/08, da
deputada Ana Maria Resende (PSDB) e outros deputados, que cria o Dia das Gerais. A eleição foi feita
na reunião desta quinta-feira (9/10/08), que teve ainda a designação, pelo presidente eleito, do
relator da matéria, que será o deputado Gilberto Abramo (PMDB).
A PEC 46 dá nova redação ao artigo 256 da Constituição do Estado, estabelecendo o dia 23 de março
como o Dia das Gerais, e transferindo simbolicamente a capital mineira para o município de Matias
Cardoso, no Norte de Minas. A justificativa da deputada para a apresentação da proposta de emenda é
o resgate da verdade histórica.
Ana Maria Resende justifica a proposta com dados históricos que indicam que a primeira cidade
mineira foi Matias Cardoso e não Mariana, como consta oficialmente dos compêndios de história e na
própria Constituição mineira. Enquanto Mariana foi fundada em 1696, pesquisas históricas dão conta
da fundação de Matias Cardoso em 1660, pelo bandeirante do mesmo nome. "Nossa Constituição
determina a mudança simbólica da sede do governo estadual para a cidade de Mariana todos os anos,
em 16 de julho, Dia do Estado de Minas Gerais. Minha proposta, para fazer justiça a Matias Cardoso, é
que em definição mais clara, tenhamos as Minas, a partir de Mariana, e os Gerais, a partir de Matias
Cardoso".
Registros históricos apontam Mariana como tendo sido fundada em 16 de julho de 1696, quando foi
encontrado ouro na região de Mata Cavalos, no ribeirão que passou a ser denominado Ribeirão do
Carmo. O livro "História Geral das Bandeiras Paulistas" informa que, entre 1662 e 1664, uma bandeira
capitaneada por Matias Cardoso de Almeida deu início à ocupação do Médio São Francisco, fundando
Morrinho, que passou a se chamar posteriormente Matias Cardoso. Isso marca a origem do que é
atualmente chamado Norte de Minas.
Março
DOMINGO SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA SABADO
01
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09 10 11 12 13 14 15
16 17 18 19 20 21* 22
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* Encontros diários do núcleo * Encontro com Cia. Acômica - primeiro mergulho * 21 Feriado de Tiradentes
Abril
DOMINGO SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA SABADO
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Maio
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Junho
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*Encontros diários do núcleo *Encontro com Cia. Acômica
* Encontro com Marco Paulo Rolla - Cenografia e figurino
Julho
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* Encontros diários do núcleo * Encontro com Cia. Acômica - Segundo mergulho
* Oficina com Ricardo Maia
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Agosto
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* Encontros diários do núcleo *Encontro com Cia. Acômica
Setembro
Mostra TEIA
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