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ISSN 1414-6223 Are: Terapia: ReFLevdes — a revista 00 DEPARTAMENTO, | DE ARTE-TERAPIA DO INSTTUTO Ss) SEDES SAPIENTIAE Ne2 1997/98 a 7 ENCONTRO COM A NATUREZA - IRACI SAVIANI ARTE ATERAPIA ATELIER TERAPEUTICO - LIMITES E ALCANCES IRACI SAVIANI: (COORDENADORA) CLAUDIA KOPELMAN DEOLINDA FABIETT! INES NOVOA JEZLER MARIA ALICE VAL BARCELOS MONICA SALGADO A. SIDNEY FRANCISCO REGINA FioREzz! CHIESA ROGERIO MIGLIORINI TELMA DE S. FERRAZ THeREZA C. P. PAOLIN! Agradecemos ao incentivo e supervisdo de SELMA CIORNAI. Sumario Desde o primeiro curso de Arte-terapia do Sedes Sqpientiae em 1989, discutimos os limites, ds vezestinues, das diversas atuayies do arteterapenta, principalmente no que diz, repeito as difereneas ma formagao anterior deste profssional, em arte, arte-educaao on psicolgia, Este tema tem sido gerador de polémicas em revstas, congressos nacionais ¢ internacionais, bem como entre alunos profescres do curso, uma vex que nosso curso é aberto a todos 0s profssionaisinteressados em se utilizar da arte como ferramenta de trababbo terapéutico para {tocar o mundo interno de sew cliente, Desde entio temos to diversas encontros a fim de esclarecermos como estas Aiferengas tim seefetivado em nossaspriticas. Transeevemns agai algumas reflexes destes debates, com o intuito de definir melbor a atuasio dos arteterapeatas com formagio em Arte e que atnam em atelier terapéntico Apstract Since 1989 with the first Art-Therapy course at Sedes Sapientiae, we have been concerned about dizcussing the various forms of practicing art-tberapy, mainly as respects the previous educational background of the professional 4in question: Arts, Art-Education or Pzchology. This has been a controversial issue in publications and national or international congresses, as well as among students and teachers, since our course is open to all professionals interested in making herapentc use of Art as a means o aces the internal wold of their client. Therefore, we ‘ave been open to debates to try to establish a better defined profile of our art-therqpist. We are communicating ‘here some reflctons on this topic based om the activites developed in therapentic art-based studio, 16" ARTE A TERAPIA O que é 0 trabalho de um atelier terapéutico? Em que se diferencia do trabalho de arte-educagio ou de arte psicoterdpica? O que o caracteriza? Quais sio seus alcances limites? Muitas indagagdes nos apontaram para.a busca da singularidade dos profissionais que atuam em cada uma dessas dreas, e percebemos diferenas determinantes: 0 arteterapeuta com formacio em psicoterapia tem como foco de seu trabalho a relagio com a pessoa do cliente € suas questdes existenciais, atuando através de varios canais de expressio, sejam cles plistico ou nao, facilitando 0 surgimento do tema pessoal casubseqiiente elaboracio verbal deste. Quanto ao arte- educador, podemos afirmar que ele tem como objetivo © ensino ¢ aprendizagem da arte como linguagem, assim como o desenvolvimento da criatividade no proceso artistico. J4 0 arteterapeuta com formagio em arte, arua te em atelier terapéutico, focaliza sua percepcio na relagio da pessoa com a linguagem plistica, visto esta set aberta 4 expressio do ser. Na verdade, a Arte se mostra aberta a diferentes abordagens, do educativo ao terapéutico. A variante se 4 no preparo formal e na atuagio do profissional, na ‘maneira como este conduz o individuo ao processo de ctiagio e 4 posterior leitura de sua obra. Nesse sentido, ‘arte educador concentra-se mais no processo ¢ produto artistico relacionando-os ao desenvolvimento da Tinguagem e da criatividade; o arteterapeuta psicoteripico utiliza-se da arte como meio pata a expressio elaboragio do mundo subjetivo e interacional de seu cliente e também como recurso relacional; e 0 arteterapeuta com formagio em arte explora a arte como produto do individuo, buscando um aprofundamento da linguagem artistica, mas principalmente cuidando da telacio que se desenvolve entre ele e seu cliente, entre este e sua obra e seu estar no mundo. Quem realiza e como se realiza a obra sio tio essenciais aessa relagao quanto o produto final em si. Portanto, o que caracteriza apeculiatidade dessas atuagdes é a diferente valorizacio © énfase dada ao proceso e a0 produto. O processo de arte € 0 meio basico que oportuniza a relagio do cliente com o arteterapeuta que trabalha em atelier. Objetiva- se a expressio do individuo e a percepgio deste sobre seu trabalho. O arteterapeuta foca a arte como produto do individuo, e como tal deve ser teabalhada profundamente como linguagem, observando-se com atencio todo 0 processo de elaboragio: desde a atitude até escolhas feitas dentro do atelier. No atelier terapéutico, o produto se desenvolve como em atelier de arte, onde a obra passa a ter um percurso estético ¢ um nivel de elaboragio que pede pesquisa de materiais e técnicas diversas. Nesse fazer artistico se da o terapéutico. Porém o terapéutico nao esti 6 no fazer. Nio obstante, a diferenciagio entre “art as therapy” e “art psychotherapy”, comum nos EUA, entendemos nosso trabalho em atelier terapéutico como alcangando uma dimensio mais ampla O atelier terapéutico integra a linguagem, ahistéria daarte,o material, a técnica, os instrumentos, 0 processo € 0 produto. O foco esti no desenvolvimento criativo naarte Fazendo ponte para o criativo na vida do individuo. Aarte como linguagem é desenvolvida, lida e eelida pelo cliente com o objetivo de conscientizé-lo de seu estar ‘no mundo e as relagdes da obra com o seu interno. Reafirmando seu estilo préprio e aceitando suas limitagdes, 0 cliente permite que se organizem contflitos, escolhas € realizagdes. A relagio com os diferentes materiais e com a produgio artistica, funciona como espelho, oferecendo a oportunidade de “fixar” o mundo interior em imagens concretas. O aeteterapeuta precisa oferecer a seu cliente aquele material e técnica que melhor viabilize 0 fazer-criativo, para que ocorra de forma a facilitar 0 experimento pessoal. Esse “experimento” empreendido pelo cliente na sua busca pessoal, deve abrie caminhos para pesquisar ¢ solidificar a relagio do individuo'com sua linguagem artista. O contato consigo ‘mesmo acontece através desse fazer artistico. Repousa Va7 ARTE A TERAPIA ai a responsabilidade do arteterapeuta de conhecer as qualidades ¢ potencialidades do. material manipulado. © contato com diferentes possibil dos materiais de arte faz com que o individuo perceba a qualidade intrinseca destes, que lhe oferecem a condigio basica para sua expressio. Através deste proceso de pesquisa exploratéria, que se configura pela construcio em cores, uso de luz e sombra, manchas,linhas, exturas, formas € movimentos, perspectivas € planos, é que o cliente adquire autoconhecimento. Estes elementos formadores da linguagem plistica, refletem em sua composi¢io, seja no espaco, no ritmo, na intensidade, na dimensio, o individuo que produziu a obra. Estes elementos se integeam a obra para comunicar algo sobre aalma ¢ o olhar do seu criador. Este, por sua vez, pode se reconhecer em seu mundo subjetivo refletido na ‘materialidade da sua obra Além da relagio com o material em si, no atelier terapéutico di-se também énfase ao contato com diferentes estilos ¢ obras de arte, proporcionando ao cliente um referencial mais amplo ¢ aberto. Nese contato,o seu olhar se amplia para o mundo do outro, 0 que também the di um referencial do seu proprio, pois através da apreciagio e “didlogo” com a expresso artistica do outro, o cliente aprende a apossar-se de seu estilo, Oart - arte ¢ individuo - de coracao aberto e atento ao que surge deste diilogo e ao momento em que deve intervie, ecapeuta se coloca presente neste encontro ra questionando, ora colaborando no processo. Feito este panorama do trabalho de arteterapia em atelier terapéutico, passamos a um breve relato de algumas experiéncias. “RADIO-NOVELA”: PROJETO DE ARTETERAPIA COM DEFICIENTES VISUAIS CLAUDIA KOPELMAN Ate Educadora.e Areterapevta ROGERIO MIGLIORIN! Arle Educador em Dang e Arteterapeuio Desenvolvemos um trabalho em uma instituigao de ensino piblico, com um grupo de adolescentes, em cariter profilitico. Nos deficientes visuais as percepdes titeis, ustativas, auditivas ¢ olfativas so de grande importincia ‘na apreensiio e compreensiio que eles fizem do ambiente que 08 rodeia. Ao teabalharmos a ridio novela, cenfocamos a percepeo auditiva. Procuramos comprovar nossa hipétese inicial de que os estimulos sonoros ¢ musicais contribuem para a formagio e representaglo imagética nos deficientes visuais, assim como, facilitam © contato com sentimentos € emogdes. Nesse sentido, no decorrer do processo percebemos a dimensio terapéutica que foi alcangada A principio, pesquisamos sons internos, explorando os sons do corpo (coragio, percussdes corporais, e respiracio), pasando para sons extemos, da classe e extra classe. Depois, foram ficando cada vez [1s [ARTE a TERAPIA mais complexas as exploragdes € elaboracio de narrativas sonoras - enredos sonoplisticos. Alguns personagens arquetipicos foram surgindo. © projeto foi encerrado com a representagio cénica de Romeu € Julieta, com a releitura desse texto clissico, remetendo a ‘questées pertinentes & idade e a propria deficiéncia, tais ‘como 0 amor idealizado e a busca pela independéncia de fazer suas préprias escolhas. “ULTRAPASSANDO LIMITES” THEREZA CHRISTINA PENTEADO Aleeducadora.e Atelerapevia © histérico clinico de uma jovem limitrofe mostrava intimeras dificuldades, posicionamento social complicado, desorganizacio de idéias, falta de coordenacio e inexisténcia de uma expressio propria. Analisando este quadro procurei lentamente explorar suas potencialidades pessoais através de trabalhos em atelier com diversos materiais. Primeiramente, algo muito dirigido, no qual o desenho s6 acontecia através de uma ordem de comando bem detalhada A minha fungio como arteterapeuta nesse momento, foi de acolher, esperar e buscar incessantemente algo que liberasse alguma forma de expressio. Aos poucos foi surgindo uma predisposi¢a0 muito grande para o trabalho artistico, uma grande curiosidade na utilizagio de materiais e a propria construgio de uma expresso pessoal. Embora o processo tenha sido lento, esta jovem com suas particularidades € limites, descobriu uma forma propria de relacionar coisas, interpretar idéias e vivenciar emogoes. Esta experiéncia mostrou que recursos artisticos e plisticos realmente sf facilitadores e catalizadores do desenvolvimento pessoal, e que podem fazer surgir no ser humano, facetas surpreendentes. “RESGATANDO Nossas RAIZES” VIVENCIA NO CLUBE DA 3* IDADE DE MONTE KEMEL DEOLINDA M. C.F. FABIETT Gerontologia Sociale Arteterapeuta em Formagéo No inicio de 1997, estabeleci alguns objetivos para um trabalho com mulheres de terceira idade, tas como: estimular a criatividade e a capacidade de relacionar, ordenare organizar, incentivara flexibilidade de raciocinio; propiciara consciéncia de sie dos outros; resgatar a auto-estima e sua prépria historia Comecei resgatando suas origens, suas raizes. Para tanto, comecei a atividade fazendo exercicios corporais, solicitando as minhas clientes que caminhassem descaleas pela terra e gramado. Neste caminhar, fi-las sentir o quanto seus pés eram importantes sustentando seus corpos. Arrancaram algumas plantas e atentamente obsetvaram. suas raizes, fazendo a analogia com seus prdprios pés, seus corpos. Depois, compartilharam o que haviam sentido € como imagens foram se formando. Sugeri que numa folha grande de papel, expressassem 0 que sentiam. V9 [ARTE a TERAPIA Individualmente foram pintando, desenhando, colando figuras, algumas das raizes arrancadas do jardim, terra. JA nessa primeira atividade desenvolvida, muitas senhoras perceberam o intuito do meu trabalho. Rapidamente compreenderam que o fazer artistico ndo era ali um elemento de beleza estética, ‘mas 0 que importava era o proceso pelo qual estavam, resgatando suas raizes. A partir dai, fui desenvolvendo todas as etapas de suas vidas: o ser crianga, a juventude, o set mie, 0 ser adulto, Conforme as vivéncias iam acontecendo, mais reflexdes foram fazendo. Interessante foi ouvir ao final de um semestre, como elas estavam olhando, sentindo € percebendo as coisas a0 seu redor de forma diferente, Como as relacdes com familiares haviam mudado, como estavam se valorizando mais, e mesmo observar, como fora dificil para algumas, mergulhar neste processo. Sem davida valeul “ESPACO - MULHER" : VIVENCIAS DE ARTE COM GRUPO DE MULHERES (30-50 anos) CASA DE CULTURA DO BUTANTA INES NOVOA JEZLER Aquarelista e arleterapeuta em Formagao REGINA FIOREZZ| CHIESA Ceramista e Arteterapeuta em Formagdo Explorando temas relativos ao universo feminino, com um enfoque especial no despertar do potencial artstico-criativo das participantes do grupo, trabalhamos com colagem, pintura, escultura e corporal, estabelecimento de um contato intrapessoal grupal. expresso visando também 0 Cada sessio trazia um tema, para o qual se fazia um aquecimento corporal € trabalhava-se a técnica artistica que mais se adequasse & expresso daquele. Nos primeiros encontros, procuramos firmar e delimitar a identidade de cada cliente e sua relagio ‘no grupo, nos utilizando de visualizagdes e técnicas de relaxamento, juntamente com colagem e pintura absolutamente livres e de experimentacio. Propusemos depois, temas a serem debatidos em duplas ou subgrupos, € introduzimos conceitos bisicos sobre pintura em aquarela ¢ modelagem em argila Nossas clientes foram aperfeigoando as duas técnicas no decorrer das sess6es, explorando a sua complementariedade Obtinham grande satisfago a0 sentir que progrediam artisticamente, e que de fato mudavam também seu modo de pensar e suas percepgdes acerca dos temas abordados. O grupo como unidade se fortalecia e ganhava seu estilo. Da timidez inicial do primeito encontro, da pintura ingénua dos primeiros trabalhos, saltamos para pegas de arte carregadas, de significado. Eram pinturas, esculturas, encenagdes instalagdes de beleza plistica incomum e verbalizagdes profundas e poéticas. Lidando exclusivamente coma Arte e sua relagZo conosco enquanto terapeutas, € com nossas clientes, desenvolvemos um trabalho essencialmente terapéutico, resgatando para essas mulheres uma valorizagio de si mesmas e um maior autoconhecimento através da criatividade inata de cada uma. [20 ARTE a TERAPIA “ARTE-TERAPIA PARA PORTADORES DE HIV” GRUPO DE INCENTIVO A VIDA - GIV MONICA SALGADO Graduada em Comunicagées e Arteterapeuta em Formacéo ANTONIO SIDNEY FRANCISCO Pricéiogo e Arteterapeuta em Formacéo A proposta de atelier terapéutico para o GIV, teve como objetivo alcancar, através da arte, a possibilidade dos participantes ampliarem a visto que tém de si ‘mesmos, tomarem contato com novas formas de aco, de comportamentos cristalizados, que em nada contribuem "des-cobrindo-se" condicionamentos € para o proceso pelo qual esto passando. Tendo em vista que 0 portador do virus HIV sofe discriminacio social, 0 trabalho com arte-terapia em grupos pode contribuir para dar suporte aos participantes, por focalizar, em conjunto, experiéncias comuns. Pode, também, ser fonte prazerosa ¢ individual para manter contato consigo mesmo. Expressando seus medos, sentimentos de inferioridade pela contaminagio, conflitos € dificuldades de relacionamento, 0 individuo soro- positivo pode reconhecé-los e integré-los como partes de si Em muitas ocasides, o desenho ou a colagem sto apenas um pretexto, para que eles possam falar, chorar e serem acolhidos. Nessas ocasiSes, muitas vezes sentimos diividas, porque o que nos resta a fazer é estar ali, continente, s6 ouvidos ... 3s vezes segurando uma mio, acariciando uma cabeca, acolhendo, compartilhando. ara esse grupo formado por individuos que tém tem suas vidas um marco divisor ~antes do HIV e apés HIV - é extremamente importante contar com um suporte psicoteripico. Alguns processos ali desencadeados, nao poderio serdevidamente acompanhados, sendo por um psicdlogo. Essas pessoas enfrentam sentimentos fortes e algumas vezes polares como édio € amor, citime, raiva e discriminagio. Talvez esteja ai, para esse tipo de grupo, rio adiferenca de um atelier terapéutico, mas adiferenca da consciéncia que deve ter o arteterapeuta. Saber que ele € um facilitador do fazer actstico, que possibilita a0 cliente se conectar com 0 belo, com o que de mais significativo e intimo possa haver. Saber que esse fazer criativo faz pensar, sentir, € pode remeter ao nticleo criador de cada um. Mas também, pode desencadear processos mais profundos. E. preciso, portanto, perceber 6s seus limites. Saber que encaminhando o cliente para acompanhamento psicoteripico, s6 estari sendo enriquecido 0 proceso. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ARNHEIM, Rudolf, Arte ¢ Pescepcio Visual, Livraria Pioneira Editora e EDUSP, Sao Paulo, 1980. EHRENZWEIG, Anton, A ordem ocultada Arte, Zahat Editores, Sao Paulo, 1977. LOWENFELD, Vittor & BRITTAIN, WLambert, Desenvolvimento da Capacidade Criadora, Editora Mestre Jou, Sio Paulo, 1977. OSTROWER, Fayga, Criatividade e Processos de Criagia, Imago Editora, Rio-de Janeiro, 1977. ROGERS, Cari R., Tornar-se Pessoa, Moraes Editores, 1961 Var Sanne

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