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CURSOS DE ESTETICA Volume I Com 0 Preficio da I* edigio de H.G. Hotho G.W.E Hegel Tradugao Marco Aurélio Werle Revisio Técnica Marcio Seligmann-Silva Consutrora Vietor Knoll Oliver Tolle ‘SBD-FFLCH-USP- Tr ha 3 “Titulo do original Vorlesungen uber die Asher I edigto. 1999 2 edigdo 2001 Dados Interesionais de Catlapasio na Publicagto (CIP) (Clara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Hegel, Georg Wilhelm Friedrich, 1770-1831 Cursos de Estiea1/G. W. Hegel; undugao de Marco Au reli Were; revisiotéenica de MéscioSeligmana Siva; con sultoria ister Knoll e Olver Tolle - 2. ed. rev~ Suo Paulo = itor da Universidade de So Paulo, 2001, ~(Clssieos : 14) “Titulo origival: Vorlesungen uber die ashe ISBN: 85:314.0867.3 1. Bstdtiea. 1. Titulo IL Série 99.3721 cpp-701.17 facies para catflogo sistemstico: 1 Gxética: Arte 701.17 Dineits em Lingua Portaguesa reservados 8 -Bdusp ~Eeitora da Universidade de Sto Paulo Av, Prof, Luciano Gualbeto, Tavessa 1374 (andar ~ a. da Antiga Retoria~ Chae Universitiria (05508900 — Sto Paulo SP = Brasil Fax (Oexl1) 3818-4151 “Te, (Oxxt1) 3818-4008 / 3818-4150 www usp bfedusp ~ e-mail edusp@edu usp be Impresso.o Brasil 2001 Foi feito 0 depésito legal DEDALUS - Acervo - FFLCH-FIL AINA SUMARIO Nota do tradutor .. Preficio de H. G. Hotho para a 1* 7. dos Cursos de Estética INTRODUGAO 1. Detinsitacao a Esrérica & REFUTACAO DE ALGUMAS OBIECOES CONTRA A FILosoFia Da ARTE Tl, Esrécies pe TeaTaMENTO CiENTIECAS 00 BELO EDA ARTE IIL, Coxceito po Beto Arrisrico Concercoes Usuals ba Awe... 1, A Obra de Arte como Produo da Atividade Humana 2. A Ohen de Arte rama Produgaa Sensivel Dirigida para a Sentida Humano 3. Finalidade da Arte Depucko Historica Do VeRoapeiro Concerto Da Anne 1. A Filosofia Kantiana . 2. Schiller, Winckelmann, Schelling 3.A Ironia Divisio Parte I. A IDEIA DO BELO ARTISTICO OU O IDEAL Posigo da Arte em relagio & Efetividade Finita e & Religido e & Filosofia . ll 7 28 38 45 47 248 53 o 4 74 78 81 86 107 CURSOS DE ESTETICA Primeiro Capitulo: Conceitv do Belo em Geral 121 L.A peta . 11 2. AEXISTENCIADAIOEIA sec es eee 125 3.A Ibt1a Do Beto 126 Segundo Capitulo: © Belo Natural ..... 131 ‘A. Belo Natural enquanto Tal .......02sceeecsevseseveeeeeseeeeesed3D 1.A ldéia como Vida ...... 21 2.A Vialidade Natural enquanto Bela . +138 3. Modos de Consideragao da Vitalidade Natural 143 B. A BELEZA EXTERIOR DA FORMA ABSTRATA E DA UMIDADE ABSTRATA DA MATERIA sensive Gess0e0s000 +146 1.A beleca da Forma abstrata . 7 a. A Regularidade voteteeteeeseeeed47 b. A Conformidade a Leis..... 150 c. A Harmonia ...... feceveeseolS2 2.A Beleza como Unidade Abstrata da Matéria Sensivel 153 C. Denciéxcia po Beto NATURAL . vee eceeeeeeeeeeee ASM 1. O Interior no Imediato enquanto apenas Interior... 156 | 2. A Dependéncia da Existéncia Singular Imediata 159 | 3. O Aspecto Limitado da Existéncia Singular Imediata 161 i Terceiro Capitulo: © Belo Antstico ou 0 Weal «2.0.2. .e0eeceese cee lS \ A. OIDEALENQUANTOTAL seve OS ; 1,A Bela Individualidade 2.0... 0. .ces ee 165 2.A Relagao do Ideal com a Naturesa ... Gecopunnoord Tc) B.A DeveRMspave DOIDEAL eee eves 185 L.A Dererwinipape IDEAL ENOUANTOTAL «.-. 185 1. 0 Divino como Unidade e Universalidade 185 2. 0 Divino como Circulo dos Deuses +186 3. O Repouso do Ideal ee ‘i Pee G5 I. A Acko : B00 2 8B 1. 0 Estado Universal do Mundo een +189 a. A Autonomia Individual: A Epoca dos Heréis ..189 b. Os Atuais Estados Prosaicos .... 201 c. A Reconstru da Autonomia Individual ....203 2.A Situagdo ..... 205 A Auséncia de. 208 suMARIO b. A Situag3o Determinada em sua Inocuidade c. A Colisio 3. A Agao ... a. As Poténcias Universais do Agir b. Os Individuos Agentes c. O Caréter II, A Derervunro oe Exrenion 00 Inet 1. A Exterioridade Abstrata enquanto Tal . 2A Concondancia do Ideal Concreto com a sua Realidade Exterior 3.A Exterioridade da Obra de Arte Ideal na Relagéo com 0 Piiblico C.0 Agnsta 1, Fantasia, Génio ¢ Entusiasmo a. A Fantasia b. O Talento ¢ o Génio c. O Entusiasmo . 2. A Objetividade da Exposigio 3, Maneiva, Estilo Originalidade . a. A Maneira Subjetiva b. O Estilo : c. Originalidade . GLOSSARIO 209 212 224 226 -230 241 248 251 +256 266 281 282 = +282 284 287 289 291 292 293 294 299 Terceiro Capitulo O BELO ARTISTICO OU O IDEAL Em relagdo ao belo artistico, temos de considerar trés aspectos principais: Em primeiro lugar, 0 ideal enquanto tal. Em segundo lugar, sua determinidade como obra de arte, Em terceiro lugar, a subjetividade produtora do artista, [203] A, O ToeaL enquaxto TAL 1. A Bela Individualidade Partindo de nossas consideragées precedentes, a coisa a mais universal que pode ser enunciada, de modo totalmente format, sobre o Ideal da unte € que, por uit lado, 0 verdadeiro certamente apenas tém existéncia e verdade em seu desdobra- ‘mento para a realidade exterior; mas, por outro lado, 0 verdadeiro é de tal modo capaz de reunir e manter a separagio reciproca da realidade numa unidade, que cada parte do desdobramento faz nela surgir esta alma, 0 todo. Se, para ilustrar esta questo de modo mais preciso, considerarmos a forma humana, ela consttui, como {6 vimos anteriormente, uma totalidade de drgos na qual o conceito se dispersou © em cada membro apenas exprime uma atividade particular qualquer € um movi- ‘mento parcial. Entretanto, se perguntarmos em qual érgzo particular o todo da alma éenquanto alma aparece, indicaremos imediatamente o olho: pois no olho se concen- tra.aalmae ela nfo apenas olha através dele, mas também € vista nele, Assim como (CURSOS DE ESTETICA ra superficie do corpo humano, em contraposigo ao corpo animal, 0 coragdo pulsante mostra-se em todas as partes, no mesmo sentido podemos afirmar que @ arte transforma cada forma, em todos os pontos da superficie visivel, em olho, 0 qual é a sede da alma e leva o espitito 8 aparicdo [Erscheinung]. — Ou como excla- ma Platdo no célebre distico a Aster: Quisera ser eu oc, 6 minha este, quando voot ola para as esl! ara observ lado alto com mil olhos! Inversamente, a arte transforma cada uma de suas configuragSes num Argos’ de mil olhos, para que a alma e a espiritualidade internas sejam vistas em todos os pontos, E ela ndo deve permitir que apenas a forma corporal, as feigbes do rosto, os _gestos ¢ a posigtio se transformem por toda parte em olhio ~ no qual a alma livre se deixa conhecer em sua infinitude interior -, mas igualmente também as agdes € os acontecimentos, 0s discursos ¢ 0s sons, € a série de scus decursos, [204] passando por todas as condigdes do aparecer. 2) Diante desta exigéncia da animacio universal emerge imediatamente a ques- ‘iio mais espectfica sobre qual é a alma para cujos olhos todos os pontos do fendme- no devem ser e, de modo mais determinado ainda, questiona-se de que espécie & a alma para que, segundo a sua natureza, mostre-se apta a manifestar-se [Manifestation] pela arte de modo auténtico, Pois no sentido comum fala-se também de uma alma especifica dos metais, das pedras, das constelagées, das estrelas, dos animais e dos caracteres humanos multiplamente particularizados ¢ de suas exteriorizagdes [Auperungen). Segundo a significago acima, porém, a expressio alma pode ape- nas ser empregada de modo improprio para as coisas naturais, como para as pedras, as plantas etc. A alma das coisas meramente naturais € para si mesma finita, passa- geira, e deve antes ser nomeada uma natureza explicitada do que uma alma, A individnaticade determinada de tais existéncias, por isso, i se apresenta de modo ‘completo em sua existéncia finita. Ela apenas pode expor qualquer limitagao, ¢ a elevagtio A autonomia c liberdade infinitas nao € nada mais a néo ser uma aparéncia, que deve certamente também ser conferida a esta esfera, mas quando acontece efe- tivamente, sempre é apenas produzida por meio da arte a partir do exterior, sem que esta infinitude esteja fundada nas prOprias coisas. De modo idéntico, também a alma que sente, enquanto vitalidade natural, écertamente uma individualidade sub- jjetiva, embora apenas interior, que apenas esté presente em si na realidade, sem 1. Argos, iho de Arestor,possuaolhos expathados por todoo corpo Hera encarregou de vigiaravaeao ‘mas Hermes, sepuindoordens de Zeus, matou 0 monsto. Para imoralizat 0 servidor. Here tin tolhos eos esplhou pela cada do pavi, ave qu Ine era consagrada (N. da), whe 08 166 0 BELO ARTISTICO OU 0 IDEAL. saber-se a si mesma enquanto retomo a sie, desse modo, ser infinita em si mesma. Seu contetido, por conseguinte, permanece ele mesmo limitado ¢ sua manifestagio, conduz em parte apenas a uma vitalidade, inquietagdo, mobilidade, avidez, angtis- tia ¢ temor formais desta vida dependente, e em parte apenas & exteriorizagdo [AuBerung) de uma interioridade em si mesma finita. Apenas a animagdo ¢ a vida do espirito sio a infinitude livre que na existéncia real € para si [205] mesma en- ‘quanto interior, porque ela retorna a si mesma em sua exteriorizagio (AuBerung] ¢ permanece junto a si. Por isso, apenas a0 espfrito esté dado imprimir em sua exterioridade [AuBerlichkeit), mesmo que por meio dela também penetre na limita G40, 20 mesmo tempo a marca de sua propria infinitude e livre retorno a si. Entre- tanto, o espirito, na medida em que é primeiramente livre ¢infinito quando apreen- de efetivamente sua universalidade e eleva a ela os fins que estabelece em si mes- ‘mo, também é capaz, segundo seu proprio conceito, quando ndo apreendeu esta sua liberdade, de existir como contetido limitado, cardter raquitico ¢ animo definhado ¢ superficial. Mediante tal Contetido em si mesmo nulo, a manifestagio infinita do espirito permanece novamente apenas formal, uma vez. que nao conservamos nada mais a nfo ser a Forma abstrata da espiritualidade autoconsciente, cujo contesido contradiz a infinitude do espirito livre. A existéncia mutavel c limitada t8m apenas autonomia ¢ substancialidade mediante um contesido em si mesmo substancial ¢ auténtico, de tal modo que entio a determinidade e a consisténcia em si mesmas, bem como o Contedido limitadamente substancial e fechado, sto em uma e mesma coisa efetivos, ¢ a existéncia alcanga por meio disso a possibilidade de ser ao mes- mo tempo, na limitago de seu proprio contedido, manifestada como universalidade como alma existente junto a si. ~ Em uma palavra, a arte tem a determinagao de apreender ¢ expor a existéncia em seu fendmeno enquanto verdadeira, isto é, em sua adequa verdade da arte nfo pode, por isso, ser uma mera exatido, ao que se limita a assim chamada imitago da natureza, mas 0 exterior deve concordar com um interior que em si mesmo concorda consigo e justamente por meio disso pode revelar-se en- quanto si mesmo no exterior. +b) Na medida em que a arte, pois, reconduz o que na existéncia em geral esté contaminado pela contingéncia e exterioridade a esta harmonia com seu verdadeiro conceito, ela afasta [206] tudo 0 que no fenémeno no corresponde ao conceito, € apenas por meio desta purificagdo produz o ideal. Podemos consideré-lo uma adu- lagio da arte, como, por exemplo, se diz dos retratistas que eles adulam, Mas mes- ‘mo 0 retratista que ainda se ocupa o menos possivel com o ideal da arte deve neste sentido adular, isto 6, deve suprimir todas as exterioridades na forma e na expresso — na Forma, cor, tragos, o apenas natural da existéncia carente, os pequenos pélos, ‘a0 contetido conforme a si mesmo € existente em sie para si. A 187 (CURSOS DE ESTETICA poros, cicatrizes ¢ manchas da pele ~ ¢ aprender e reproduzir 0 sujeito em seu carter universal e em sua peculiaridade permanente, f algo completamente dife- rente se ele apenas em geral imita a fisionomia tal como se encontra d sua frente em sua superficie e forma exterior silenciosa ou se sabe expor os tragos verdadeiros que sio a expressio da mais propria alma do sujeito. Pois ao ideal pertence de ‘modo completo que a Forma exterior corresponda por si alma, Assim, por exem- plo, a assim chamadas imagens vivas, que recentemente se tornaram moda, imitam conforme a fins e alegremente obras-primas famosas e reproduzem exatamente 0 detalhe, 0 drapé etc.; mas, para a expresso espiritual das formas, vé-se muitas vezes 0 emprego de rostos do cotidiano e isso tem um efeito contraproducente. As Madonas de Rafael, em contrapartida, nos mostram Formas do rosto, da face. dos olhos, do nariz, da boca que, enquanto Formas em geral, jf so adequadas 20 amor rmaterno beato, alegre ¢ a0 mesmo tempo piedoso e humilde. Poderfamos certamen- te supor que todas as mulheres so capazes deste sentimento, mas nem toda Forma da fisionomia é adequada para 2 completa expresso de tal profundidade da alma, ©) A natureza do ideal artstco deve, pois, ser procurada nesta recondugio da existéncia exterior ao espirtual, de tal modo que o fendmeno exterior, como ade~ quado a0 espitito, tome-se a revelagio dele. Esta ¢, contudo, uma recondugio a0 interior que ao mesmo tempo nao prossegue até o universal na Forma abstrata, [207] até o extremo do pensamento, mas fica presa no ponto médio, no qual coincidem 0 apenas exterior ¢ 0 apenas interior. Logo, 0 ideal éa efetividade tomada de volta da amplitude das singularidades e das contingéncias, na medida em que 0 interior aparece como individualidade viva nesta propria exterioridade elevada contra a universalidade. Poisa subjetividade individual, que traz em si mesma um Conteiido substancial e ao mesmo tempo o faz aparccer nela mesma externamente, se situa neste centro no qual o substancial do contetdo ndo pode sobressair-se abstratamen- te para si segundo sua universalidade, mas ainda permanece aprisionado a indivi- ‘cuatidade e, desse modo, aparece entrelagado numa existencla determinada ~ que, por sua vez, arrancada da mera finitude ¢ da condicionalidade [Bedingtheit), tam- ’bém entra numa livre sintonia com o interior da alma, Em seu poema “0 Ideal ea Vida', Schiller fala da “beleza da regio calma ensombrada” em contraposigho & efetividade em suas dores ¢ lutas?. Um tal reino de sombras €oideal; sio os espiri- 2.0 poema Dat Ideal und das Leben itopr a série Gedantendicrng [Poesia-pensamento}.O verso ‘do por Hegel enconta-se ma THstofe, qual reprduzimos a seguir: "Mas para aquele que reso em recifes,/ Se deteve no fror ena rva / Suavemente core oso a vida, / Pela beleza da regido calm ‘ensombrada,/E sobre sutsondss de margens rateadas, /Seimpimem Aurora e Hesperus, Enregues 0 suave amor recfproco, /Unificados na live lianga da gaya / Repousam aqui os impulsos recone ados,/ desaparecido est inimigo” ("Aber der, von Klippeneingesclossen, Wild und schtumend 168 (0 BELO ARTISTICO OU 0 IDEAL tos que nele aparecem, mortos para a existéncia imediata, separados da indigéncia da existéncia natural, libertados dos vinculos da dependéncia de influéncias exter- nas e de todas as inversbes e distorgées que estio em conexio com a finitude do fendmeno. Igualmente, porém, o ideal finca o seu pé na sensibilidade e em sua forma natural, mas ao mesmo tempo a puxa de volta para si como o Ambito do exterior, na medida em que a arte sabe reconduzir as fronteiras 0 aparato que 0 fenémeno exterior necessita para a sua autoconservagao, no seio de cujas fronteiras © exterior pode ser a manifestagio da liberdade espiritual. Apenas desse modo 0 {deal se encontra no exterior unido consigo mesmo € livre repousando sobre si, cenquanto sensivelmente beato em si, alegrando-se e gozando-se a si. O som desta heatitude ressoa por todo o fendmeno do ideal, pois por mais que [208] a forma exterior também possa estender-se, nela a alma do ideal nunca se perde a si mesma. E justamente apenas por meio disso o ideal ¢ verdadeiramente belo, na medida em que o belo é apenas enquanto unidade total, mas subjetiva, pelo que 0 sujeito do {deal também deve aparecer recolhido em si mesmo para uma totalidade e autono- ria superiores, fora da dispersio de outras individualidades e seus fins ¢ esforgos. ) Quanto a isso, podemos colocar no topo, enquanto 0 trago fundamental do ideal, 0 repouso e a beatitude serenos, 0 autocontentamento em seu proprio fecha- mento e satisfagdo. A forma artistica ideal permanece & nossa frente como um deus beato, Para os deuses beatos, a saber, ndo hd uma seriedade tiltima na necessidade, no 6dio e no interesse em fins e circulos finitos, ¢ esta tomada de distancia positiva cem si mesma, diante da negatividade de todo o particular, Ihes fornece o trago de serenidade e quietude. Neste sentido vale a palavra de Schiller: “Séria € a vida, serena é a arte". Na verdade,jé se zombou disso muitas vezes e de modo pedante, siccergssen Sant und eben rinnt des Lebens Fat! Durch der Schinkel Schattentande,/ Und af einer Wellen Silberrande! Melt Arora sich wad Hesperus Aufglés in zarter Weehseliebe, An der ‘Annus Freiem Bund verent [Ruben her die ausgeshtentrlebe,/ Und verschiunden ist der Find”). {etn Pidrish, Wore nsw don). Slob, a Herland Bach”. 1952 oll. 232(N. da). 43, Utimo verso do Prolog da pega Wallenstein Lager (0 acampamento de Wallenstein) primeira da tloga Wallenstein (publicads ere 1796-1799), que ainda integra De Pevolominie Walesteins Tod [A Morte de Welenstin]. © PrSlogo consi us pronunciamento de outubro de 1798 par a reaberara do teatro de Weimar. A seguir reproduzimos altima stofe:"E se hojea muss / A ivr deusa da danga ‘edo canto, /Seu antigo dietodlemso, o jogo da rma, / Modestamente de nova exige ~ nfo rerimi- rem! / Antes & agradegam por langar& imagem sombria / Da verdade no reno sereno da ane, / Por desi ela mesma, com laldade, / A ilsio qu ei, e do impotar,/ Enganosamente, 3 verdade sua sparéocia;/ Sia €a vida, serena €a ane” "Und wenn die Muse heut, 1 Des Tages free Gotin und Gesangs, I Thraltesdeusches Recht, des Reimes Spe, Beschelden wieder foiert = adel’ nicht! | Ja danke the’, da se das diste Bd ! Der Wolrhelt in das here Reich der Kunst Hinaberspielt, die Tawschung, deste chaff 1 Aujrchl selbst zerstre un ihren Schein | Der Wahrheit nicht betraglich nterachiebt Er ist das Leben, iter it de Kunst”) Schiller, Feietich, Werke [in zwei Banden, Salzburg, “Das Bergland-Buch”, 1952, vl. p.20 (N87). 169 (CURSOS DE ESTETICA ‘uma vez. que a arte em geral, € principalmente a propria poesia de Schiller, é de natureza a mais séria possivel ~ assim como a arte ideal de fato também nao dispen- saa seriedade -, mas ¢ justamente na seriedade que a serenidade permanece sendo em si mesma sew cardter essencial, Reconhecemos particularmente nas obras de arte antigas, no repouso sereno de suas formas, esta forga da individualidade, este triunfo da liberdade concreta concentrada em si mesma, E este nao é unicamente 0 caso junto & satisfacdo destituida de luta, mas inclusive também quando uma fratu- ra profunda dilacerou o sujeito em si mesmo, bem como o conjunto de sua existén- cia, Pois mesmo que, por exemplo, os hersis trégicos também sejam representados {dargestellt} como submetidos ao destino (Sehhicksal}, 0 Animo ainda assim se reco- The ao simples estar consigo (Beisichsein] e diz: é assim! O sujeito sempre ainda el a si mesmo; ele abandona o que Ihe € roubado, mas os fins que Perseguia nao apenas so tomados dele, ¢ sim ele |209| os deixa de lado e no se perde nisso a si mesmo. O homem subjugado ao destino (Geschick}* pode perder sua vida, mas nao a liberdade. Este repouso sobre si € o que permite que, ainda na Prépria dor, se mantenha € se deixe aparecer a serenidade do repouso. 8) Na arte romintica o dilaceramento e a dissondncia do interior certamente prosseguem, como também nela em geral se aprofundam as contraposigées repre- sentadas [dargestellten},¢ sua cisdo [Entzweiung] pode ser retida, Assim, por exem- plo, a pintura na exposigao da paixdo de Cristo permanece &s vezes presa & expres- sto do édio nos tragos dos soldados atormentados, nas horriveis torgdes ¢ arrega- permanece har de dentes nos rostos ¢, assim, nesta insisténcia na cisio, principalmente na descrigdo do corrupto, do pecador e do mau, perde-se a serenidade do ideal; pois, ‘mesmo quando o dilaceramento também no permanece naquela firmeza, surge frequentemente em seu lugar, embora nem sempre fealdade, pelo menos a nio beleza [Unschdnheir]. Num outro eirculo, o da pintura holandesa mais antiga, mos- tra-se cerlamente uma reconciliagdo do Animo em si mesmo, seja na honradez € fidelidade em velayay a si mesiny, com Uanibén na fee wa werweea inabaldvel, nas esta firmeza niio conduz.& serenidade € & satisfago do ideal. Embora na arte ro- méntica 0 softimento ¢ a dor atinjam de modo mais profundo o énimo ¢ o interior Unnere] subjetivo do que nos antigos, nela, todavia, também pode vir A exposigio uma interioridade [Jnnigkeit] espiritual, uma alegria na resignagio, uma beatitude na dor e um encanto no sofrimento, mesmo uma voluptuosidade até no marttio. Mesmo na misica religiosa-séria italiana este prazer e transfiguraco da dor per- 4. Traduzimos Gescicke Schicksal por “destino”. Notes, porém, que oprteiotermo referee em geal um destino “universal”, ao passo que o Segundo diz mais tespito a um destino “indvidal”. Em Hegel, desde os esrites de juvenude,€ mals frequenteo emprego do segundo terma (N. dT) 170 0 BELO ARTISTICO OU 0 IDEAL passam a expressio da lamentagio. No romantico, em geral, esta expressio € 0 sorriso através de Idgrimas. A légrima pertence & dor, 0 sorriso & serenidade, assim 0 sorriso no choro designa o estar tranqiilizado em si mesmo junto ao marti- rio e ao softimento. Sem divida, sorriso entdo no pode ser uma mera comogiio sentimental, uma [210| vaidade do sujeito preciosismo consigo mesmo sobre tniserabilidades e sobre seus pequenos sentimentos subjetivos, mas deve aparecer ‘como 0 suporte a liberdade do belo a despeito de todas as dores, tal como é dito da Ximene nos romances [Romanzen] do Cid “como ela era bela em Iigrimas”. Em contrapartida, a falta de postura do ser humano € ou feia e repugnante ou ridfcula. AAs eriangas, por exemplo, por insignificdncias jé comegam a chorar e provocam riso em nés; ao passo que as légrimas nos olhos de um homem sério € contido no sentimento profundo jé dio uma impressio totalmente diferente de comogio. e abstratamente e, nesta abstragdo, foram também empregados de modo falso como um motivo para a arte, por exem- plo, no coro do riso no Franco-atirador de Weber*, O riso em geral € um desencadeamento explosivo que, contudo, ndo deve permanecer incontrolado, caso 6 ideal no deva ser perdido. O riso andlogo em um dueto do Oberon’ de Weber possui abstragdo idéntica, onde podemos nos angustiar ¢ ficar temerosos pela ga"~ ganta e peito da cantora. Em contrapartida, como impressiona de modo diferente © riso indelével dos deuses em Homero, riso que decorre do repouso beato dos deuses ¢ 6 apenas serenidade e no animagio abstrata. Por outro lado, 0 choro, enquanto Jamentagio incontida, tampouco pode surgir na obra de arte ideal, como, por exem- plo, novamente podemos ouvir tal desconsolo abstrato no Franco-atirador de Weber. ‘Na miisica em geral, o canto é este contentamento e prazer de se perceber a si, tal como a cotovia canta ao ar livre; expressar enfaticamente a dor a alegria ainda no constitui nenhuma misica, pois mesmo no sofrimento o doce som da lamentagio Riso e choro podem, contudo, separar- sre de uma obra de Herder Mas ‘ewer nao compés tal obra apensstraduziv em 1805 0 Der Cid do aim, eset pelo jess Jakob Balde (1604-1668). Hegel, por sua vez, pode também estar ereferindo ao El cnto del Cie (ou) 20 Le id de Corneille (N- daT} 6. Carl Maia von Weber (1785-1826), compositor alemio.O Frisch € uma Gpera de 1821, baseads na fra de mesmo nome do esritor Johann August Apel (I77I-I816), Primeizo sucesso d= Weber no omitio da Sperae 2 Gica de suas obeas que permancceu popular, o Feisehite usta bem a tendéncia omintcaostarsmo, pos opersonagemcental no é Max, oer fil, mas. o malvado Kaspar, ve ‘vende sa alma ao giao (N. da). +10 Oberon, ectito em 1824 para a Ingltra, é 2 dkima épea de Weber. Segundo Claude Rostand "as ‘sts nots do coro de Oberon (ea cena de Georgeaux-Loups do Freschit)aprsentaram ums grande ovidade quanto & necessidade e posibilidade de win ulizago funcional do caraceres dos timbres dos diferentes istrumentos’(Histore de 1a musique I, iigdo por Roland-Manue, Pars, Gallimard, 1963, pp. 328.29) (N. daT). m ‘CURSOS DE ESTETICA deve perpassar ¢ esclarecer a dor, de tal modo que pareca valer a pena o esforgo de sofrer assim para perceber tal lamentago. Esta é a doce melodi arte. ‘V) Sob certo aspecto, o principio da moderna ironia [211| também possui neste axioma a sua justificagio, 86 que a ironia, por um lado, frequentemente esta destitu- {da de toda seriedade verdadeira e ama principalmente o deleite com objetos ruins; por outro lado, acaba em mera nostalgia do dnimo em vez.do agir e do ser efetivos; como Novalis, por exemplo, um dos animos mais nobres que se encontrava neste terreno, que foi impulsionado a0 vazio de interesses determinados, a esta timidez perante a efetividade e, se assim se pode dizer, algado a esta tisica do espirito, Esta € uma nostalgia que no quer dignar-se & ago e produgio efetivas, porque teme tornar-se impura mediante o contato com a finitude, embora possua em si mesma igualmente o sentimento [Gefihl] da deficiéncia desta abstragao. Assim, encontra- se sem diivida na ironia aquela absoluta negatividade, na qual o sujeito se refere a si ‘mesmo na aniquilago das determinidades e unilateralidades; mas na medida em que a aniquilagdo, como anteriormente jé foi indicado na consideracdo deste princt- pio, nao se refere como no cémico apenas ao que é em si [an sich] mesmo nulo € {que se manifesta em seu cardter vazio [Hohlheit], mas na mesma medida também a tudo o que é excelente ¢ consistente em si, a ironia ~ enquanto esta onipresente arte de aniquilagao — assim como aquela nostalgia ~ mantém, em comparagio com 0 verdadeiro ideal, a0 mesmo tempo o aspecto da incompostura interior ndo-artstica. Pois 0 ideal necessita de um Contetido em si mesmo substancial que, cumpre dizé- Jo, pelo fato de expor a sina Forma [Form] e na forma [Gestalt] também do exteri- or, se tora particularidade e, desse modo, limitagao, mas contém esta de tal modo em si mesmo que tudo 0 que € apenas exterior énele eliminado e destrufdo. Somen- te por meio desta negaco da mera exterioridade, a Forma [Form] ea forma (Gestalt) determinadas do ideal conduzem para fora aquele Contesdo substancial no fen6- meno adequado a intuigao artistica e a representagao. © canto em toda [212 2. A Relagao do Ideal com a Natureza lado imagético e exterior, que € tio necessfirio ao ideal quanto 0 contetido em si mesmo consistente, ¢ o modo da interpenetrago de ambos, nos conduz 2 relagio da exposigio ideal da arte com a natureza. Pois este elemento exterior e sua configura¢do possuem uma conexo com o que chamamos, em geral, natureza, Neste contexto, a velha discdrdia que sempre se renova, se a arte deve expor de ‘maneira natural no sentido do exterior dado ou se deve enaltecer e transfigurar os fendmenos naturais, ainda ndo foi formulada. Direito da natureza e direito do belo, m 0 BELO ARTISTICO OU 0 IDEAL ideal e verdade da natureza— em tomo destas palavras inicialmente indeterminadas podemos discutir sem cessar. Pois a obra de arte deve certamente ser natural, mas existe também uma natureza comum e feia; esta no deve, por sua vez, ser reproduzida; por outro lado, porém...~¢ assim prossegue ao infinito e sem resulta- do consistente. Nos tempos modernos, a oposigao do ideal e da natureza voltou a ser estimu- Jada principalmente por Winckelmann e assim se tornou importante. O entusiasmo de Winckelmann, como anteriormente jé indiquei, inflamou-se com as obras dos antigos e suas Formas ideais, sendo que ele nfo descansou até ter alcangado 0 conhecimento da exceléncia delas e novamente ter introduzido no mundo o ret hecimento e o estudo destas obras de arte magistrais. Deste reconhecimento, po- 16m, decorreu uma mania pela representacio (Darstellung) ideal na qual acredita- vva-se ter encontrado a beleza; entretanto, decaiu-se na insipidez, na falta de vitali- dade e na superficialidade destitufda de carster. & justamente tal vazio do ideal, principalmente na pintura, que o senhor von Rumohr tem em vista na sua polémica, J mencionada, contra a Idéia ¢ 0 ideal Constitui, pois, tarefa da teoria solucionar esta oposi¢ao: em contrapartida, © interesse pritico para a arte mesma [213] podemos também aqui deixar inteiramente de lado, pois quaisquer que sejam os principios que se queira infundir & mediocri- dade e seus talentos, serd sempre a mesma coisa: ela sempre apenas produziré coi- sas medfocres e fracas, seja segundo uma teoria equivoca ou segundo a melhor teoria, Afora isso, a arte em geral, e de modo especial a pintura, 6 se afastaram, ‘mediante outros estimulos, desta mania pelos assim chamados ideais e, em seu caminho, tentaram ao menos alcangar coisas mais substanciais e mais vivas em Formas ¢ contetido, por meio da renovacio do interesse pela pintura mais antiga italiana e alemé, assim como pela pintura holandesa tardia. Do mesmo modo que ficamos fartos daqueles ideais abstratos, também o fica ‘mos, por outry Tau, da waturalidade cm voga na arte. No teatro, por exemplo, toda gente esté de coragdio cansado das histérias familiares banais ¢ de sua exposicio fiel & natureza. A lamentacio dos homens com a mulher, 0s filhos ¢ filhas, com o soldo, com a subsisténcia, com a dependéncia a ministros ¢ intrigas dos camareitos e secretirios, ¢ igualmente a dificuldade da mulher com as eriadas na cozinha € com 05 assuntos amorosos e sentimentais — todas estas preocupagiies ¢ lamiirias cada um encontra de modo mais fiel e melhor em sua prépria casa. ‘Nesta oposigio do ideal ¢ da natureza, portanto, tinha-se em mira mais uma arte do que outra, principalmente a pintura, cuja esfera ¢ justamente a particularida- de visivel. No que se refere a esta oposiga0, queremos, portanto, estabelecer a per- ‘gunta de modo mais universal: a arte deve ser poesia ou prosa? Pois, o autentica- 1 (CURSOS DE ESTETICA ‘mente poético na arte é o que justamente denominamos de ideal. Se a questo fosse apenas 0 mero nome “ideal”, este poderia facilmente ser dispensado. Mas entio surge a questio: 0 que é, pois, poesia € prosa na arte? Embora a insisténcia no poético em si [an sich] mesmo, em relaco as artes determinadas, também possa conduzir a aberragdes — como jé conduziu: 214] pois o que pertence expressamente a poesia, e mais precisamente lirica, também foi expresso por meio da pintura, jé que um tal contetido € certamente de espécie pottica. A atual mostra de arte (1828), por exemplo, contém virios quadros, todos de uma e mesma escola (a assim cha- ‘mada escola de Diisseldorf*), que emprestou todos os seus temas da poesia e, na verdade, do aspecto da poesia apenas passfvel de ser exposto enquanto sentimento. Se observarmos com mais freqiiéncia e mais atentamente esses quadros, logo eles se mostrardo adocicados ¢ ins{pidos. Naquela oposigio residem, pois, as seguintes determinagdes gerais: 2) A idealidade completamente formal da obra de arte, uma vez que a poesia em geral, como 0 nome jé indica, é algo feito ¢ produzido pelo ser humano, algo acolhido e trabalhado por ele em sua representagdo ¢ levado ao exterior por meio de sua pr6pria atividade, ) O contetido pode ser neste caso totalmente indiferente ou apenas nos inte- ressar na vida cotidiana, no exterior da exposicdo artistica, de passagem ¢ momen- taneamente, Deste modo, por exemplo, a pinturs holandesa soube transformar [umschaffen) as aparéncias fugazes e dispostas na natureza, enquanto novamente recriadas pelo homem, em milhares € milhares de efeitos. © veludo, o brilho do metal, a luz, 0s cavalos, 0s servos, as mulheres velhas, 0s camponeses que soltam fumo pelo cachimbo, 0 britho do vinho em copos transparentes, pessoas com casa- cos sujos jogando com cartas velhas: tais ¢ outras centenas de objetos pelos quais, na vida comum mal nos importamos ~ jé que mesmo quando jogamos, bebernos ¢ tagarelamos sobre isto ou aquilo, somos tomados de interesses completamente di- terentes =, nos si0 levados diante dos o1nos por meto destes quadros. Mus o que er um tal contetido imediatamente nos atrai, na medida em que a arte o apresenta, 6 Jjustamente esta aparéncia e aparecer dos objetos enquanto produzidos pelo espiri- 10, 0 qual transforma o exterior e sensfvel do conjunto da materialidade [Materiatur] ‘no mais {ntimo interior [Znnersten}. Pois em vez. da ld e da seda existentes, (215] em. vvez do cabelo, do vidro, da care e do metal efetivos, vemos meras cores; em vez. A escola de Dusseldorf constitu um movimento de amplitude europa (€ mesmo americana), cues integrates principais foram F Lessing (1808-1880), autor de quados histércos,¢ Ludwig Richter (1803-1884) de Dresden, que poss um gosto por leas populares. Mas o seu anista mais impor tant, que mocreu ainda jovem foi Alfred Rethel (1816-1859), grane ilustrador obeeeado pelo ema da more (N. oT), im 0 BELO aRrIsTICO OU 0 IDEAL. das dimensdes totais que 0 natural necessita para a sua aparicio [Erscheinung], ‘vemos tima mera superficie e, contudo, temos a mesma visio que o efetivo oferece. ) Por conseguinte, contra a realidade prosaica dada, esta aparéncia produzi- da pelo espirito é o milagre da idealidade, uma troga se quisermos, e uma ironia sobre a existéncia natural exterior. Pois que preparativos a natureza e o ser humano no necessitam fazer na vida comum e de que incontiveis meios da mais variada cespécie no necessitam se servir para produzi-la; que resisténcia ndo oferece aqui o material, como 0 metal, por exemplo, quando deve ser trabalhado. Em contraparti- da, a representagio a partir da qual a arte cria, € um elemento simples e mac elemento que retira do seu interior de modo leve e décil tudo o que a natureza € 0 hhomem devem alcangar de modo érduo em sua existéncia natural, Igualmente os objetos expostos ¢ 0 homem da cotidianidade no sto de riqueza inesgotavel, mas limitados; as pedras preciosas, 0 ouro, as plantas, os animais ¢ assim por diante constituem por si apenas esta existEncia limitada. Mas o ser humano, enquanto alguém que cria artisticamente, é todo um mundo de contetido, que ele retira da natureza e fedine em um tesouro no Ambito abrangente da representacio e da intui- ‘¢40, ¢ assim, de um modo simples, o libera livremente a partir de si sem as inume- raveis condigies e disposigdes da realidade. Nesta idealidade, a arte € 0 meio entre a existéncia carente meramente objeti- -vae a representagio meramente interior. Ela nos fornece os préprios objetos, mas a partir do interior; ela ndo os cede para uma outra utilidade, ¢ sim limita o interesse ‘i abstragdo da aparéncia ideal para a visto meramente te6rica, 4) Desse modo, a arte ao mesmo tempo eleva por meio desta idealidade os objetos antes destituidos de valor, os quais ela fixa para si ~ no obstante seu con- tetido insignificante -, [216] transforma em finalidade e dirige nossa simpatia para eles, os quais de outro modo passariam desapercebidos. A mesma coisa a arte rea- liza no que diz respeito ao tempo e & também aqui ideal. A arte consolida em dura- (G00 0 que na natureza € passiyeiny, us sorsiso que desvancee rapidamente, um rasgo repentino e chistoso em torno da boca, um olhar, um brilho de luz fugaz, bem como tragos espirituais na vida dos seres humanos, incidentes, acontecimentos que vem e passam, que af esto ¢ novamente so esquecidos ~ tudo ¢ cada coisa ela arranca da existéncia momentanea e também neste sentido supera a natureza. Nesta idealidade formal da arte, porém, ndo é o pr6prio contetdo que princi palmente nos chama a atengio, mas a satisfagao do produzir espiritual. A exposigio deve aqui aparecer natural, mas nao deve aparecer nela a naturalidade enquanto tal, € sim o poético e ideal em sentido formal é 0 fazer [Machen}, a eliminagdo justa- mente da materialidade sensivel e das condigdes exteriores. Alegramo-nos com uma manifestagio que deve aparecer como s¢ a natureza a houvesse produzida, 175 ‘CURSOS DE ESTETICA quando de fato ela € uma produgio do espirito, sem os meios daquela; os objetos no nos deleitam porque sio de tal modo naturais, mas porque sio feitos [gemacht] to naturalmente, 'b) Um outro interesse, contudo, que penetra mais profundamente, procura fazer com que 0 contetido nio seja apenas representado [zur Darstellung komme] em Formas nas quais ele se nos oferece em sua existéncia imediata, e sim que, enquanto apreendido pelo espirito, ele também seja ampliado ¢ empregado de um outro modo no seio daquelas Formas. O que existe naturalmente € pura ¢ simples- ‘mente um singular e, na verdade, tornado singular segundo todos os pontos ¢ lados. A representago, em contrapartida, tem em sia determinagao do universal ¢ o que dela resulta ji adquire desse modo o cardter da universalidade, & diferenga da singularizago natural. A representagdo oferece neste contexto a vantagem de ser de maior amplitude e, assim, ser capaz.|217] de aprender o interior, de ressalté-lo e explicité-lo de modo mais visivel. A obra de arte certamente no é mera representa- ‘do universal, ¢ sim a corporificago determinada desta representagio; todavia, en- ‘quanto procedente do espirto ede seu elemento representante, ela deve deixar perpas- sar por si este cardter do universal, a despeito de sua vitalidade intuitiva. E isso que resulta na idealidade superior do poético em oposigdo aquela idealidade formal do ‘mero fazer. Aqui a tarefa da obra de arte consiste, pois, em aprender 0 objeto em sua tniversalidade e suprimir em sua aparigio [Erscheinung] exterior aquilo que permane- ceria meramente exterior ¢ indiferente para a expressio do conteiido. O artista, por causa disso, nfo recolhe em Formas e modos de expressio tudo 0 que encontra I fora, ‘no mundo exterior, ¢ apenas porque o encontra; € sim, caso queira produzir poesia ‘auténtica, ele apenas langa mao dos tragos justos e adequados ao conceito da coisa, Se cle toma anatureza e suas produgées como modelos, o que esté dado em geral, isso nfo acontece porque a natureza os fez desse ou de outro modo, mas porque os fez. bem; este “bem”, porém, é algo superior em relagdo ao que esté dado. U artista nao procede com a figura (Gesrair] hurnana, pur cxcuuple, tal como com a restauragio de quadros antigos, onde nos espagos novamente pintados tam- ‘bém se imitam as rachaduras que, por meio da quebra do verniz.e das cores, cobri- am como uma rede todas as partes restantes ¢ antigas da imagem. Ao contrério, 0 préprio retratista omite a rede da pele, e mais ainda, as sardas, borbulhas, pistulas singulares, sinais de ictericia etc, e 0 famoso Denner? nio deve set tomado como ‘modelo em sua assim chamada naturalidade. Certamente 0s miisculos e a veias também so apontados, mas eles ndo devem, tal como na natureza, aparecer com 9 Balthasar Denne (Hamburg, 1685 - Rostock, 1749), reatistae miniatura alemSo conbecido por sua téenica de representa anatureza de mado exageradamente fel (N. aT) 6 0 BELO ARTISTICO OU 0 IDEAL esta determinidade e execugdo, Pois em tudo isso hd pouco ou nada de espirtual ¢ a expressio do espirito é 0 essencial na forma humana. E por isso também no osso achar inteiramente [218] prejudicial que entre nds, por exemplo, sejam feitas menos estituas de nus do que entre os antigos. Em contrapartida, 0 talho hodierno de nossos vestidos 6 ndo-artstico e prosaico diante do panejamento mais ideal dos antigos. Os dois vestuérios possuem a finalidade comum de cobrir 0 corpo. Mas a vestimenta que a arte antiga representa {darstllf] 6 uma superficie em maior ou ‘menor grau por si mesma destituida de Forma e € apenas determinada pelo fato de necessitar de um apoio, por exemplo, do corpo ¢ dos ombros. De resto, o vestido ermanece passivel de Forma (formbar| e cai de modo simples ¢ livre segundo 0 eso imanente que Ihe € proprio ou é determinado pela posigio do corpo, pela Postura e movimento dos membros. A determinabilidade [Determinierbarkeit|—na ual se demonstra que o exterior serve completamente apenas 2 expresso mutével do espirito que aparece no corpo, de tal modo que as Formas pariculares do vesti- 4o, a prega, seu caimento ¢ elevagio se configuram inteiramente a partir do interior ¢ justamente se mostram apenas momentaneamente adequados a esta posigo ou ‘movimento ~ esta determinabilidade {Bestimmbarkeit] consttuio ideal no modo de vestir. Em nossos vestidos modernos, em contrapartida, todo 0 tecido [Staff esti Pronto ¢ € cortado e costurado segundo as Formas da medida dos membros, de tal ‘modo que uma liberdade propria do caimento no mais se di ou apenas se df num grau minimo. Pois também o tipo das dobras é determinado pela costura e em geral corte ¢ a queda si efetuados pelo alfaiate de modo totalmente técnico ¢ mecéni- co. E certo que a estrutura dos membros regula em termos gerais a Forma dos vestidos; mas nesta Forma do corpo os vestidos so justamente apenas uma ‘macaqueagio ruim ou uma deformago dos membros humanos, segundo a moda convencional e 0 capricho casual da época, € 0 corte uma vez pronto permancce sempre 0 mesmo, sem aparecer determinado pela posigi e pelo movimento; assim, Por exemplo, as jaquetas e as ealgas ndo variam, quer movimentemos os bragos e as Peras desse ou daquele modo. No maximo as pregas se esticam de modo diferen- ciado, mas sempre [219] segundo uma costura firme, como, por exemplo, as calgas na estétua de Schamhorst™. Portanto, nosso modo de vestir enquanto exterior no estd suficientemente separado do interior, a fim de, inversamente, aparecer confi- gurado a partir do interior; mas no corte uma vez. admitido encontra-se novamente pronto ¢ imutivel para sina falsa imitagio da Forma natural (© mesmo que hé pouco vimos quanto a forma humana e seu modo de vestir também vale para vérias outras extcrioridades ¢ necessidades da vida humana, as 10, Gechard von Scharnhorst (1755-1813), her militar prussiano (N. dT). a (CURSOS DE ESTETICA ‘quais so para si necessérias ¢ comuns a todos os homens; ¢ isso sem que estejam, porém, em relagdo com as determinagdes e interesses essenciais que constituem, segundo seu Contetido, 0 auténtico universal na existéncia humana; e por mais variadamente que todas estas condigGes fisicas, como o comer, o beber, o dormir, 0 vestir etc, também possam estar entrelagadas externamente com as ages que par- tem do espirito, Tais elementos podem certamente ser acolhidos na exposig&o artistica poética nestes termos concedemos a Homero, por exemplo, a méxima naturalidade, Mas também ele, nio obstante toda tvérpyetc", toda clareza em vista da intuigao, deve limitar-se a mencionar tas estados apenas de modo universal ¢ a ninguém ocorreria a exiggncia de que em tal contexto todas as singularidades devem ser enuumeradas € deseritas tal como a existéncia dada as fornece. E20 que também acontece na descri- ‘gio do corpo de Aquiles, quando a meno da testa larga, do nariz bem delineado, das pemnas longas ¢ fortes é posstvel sem que, contudo, também inclua-se na expo- sigGo, ponto a ponto, a singularidade da existéncia efetiva destes membros, a posi- lo e a relacio de cada parte uma com a outra, as cores e assim por diante, o que seria propriamente a exata naturalidade. Afora isso, porém, na arte poética 0 tipo da expresso & sempre a representacao universal & diferenca da singularidade natural; em vez da coisa, 0 poeta sempre fornece |220| apenas o nome, a palavra, na qual a singularidade se toma uma universalidade, na medida em que a palavra é produzida pela representagaio e, desse modo, ja carrega em si o caréter da universalidade. Entretanto, podetiamos certamente dizer que € natural empregar o nome na repre- sentago € no discurso, a palavra enquanto esta abreviagio infinita do existente natural, mas isto justamente serd uma naturalidade sempre oposta Aquela primeira © que a supera. Questiona-se, por isso, que espécie de naturalidade se tem em mente aquela oposigio ao poético; pois “natureza” em geral é uma palavra indeterminada evazia. A poesia sempre apenas poder por em relevo o enérgico, o essencial ¢ 0 caracteristico e este essencial pleno de expressio é justamente 0 ideal [sdeetle} € no o que est meramente dado, cujas singularidades, ao serem apresentadas em ‘qualquer caso, numa cena etc., devessem ser débeis, sem espirito, cansativas e insu- portaveis. Em relagio a esta espécie de universalidade, contudo, uma arte mostra-se ‘mais ideal, ao passo que outra mostra-se mais dirigida para a amplitude da visibili- dade externa. A escultura, por exemplo, & mais abstrata em suas configuragdes do que a pintura, enquanto que a poesia épica na arte poética, por um lado, fica aquém de uma obra dramética quanto a vitalidade exterior da execugio efetiva; por outro 11, Ei grego no original: “visibidads” clrdade”,“evidéncis" (N. 6a), 178 (0 BELO ARTISTICO OU 0 IDEAL Jado, porém, supera justamente a arte dramética em plenitude de visibilidade, na ‘medida em que 0 cantor épico nos apresenta quadros concretos a partir da intuigo do acontecido, enquanto que o poeta dramético tem de se contentar com os motivos interiores da agdo, do agir sobre a vontade e da reac do interior. ) Mas na medida em que € 0 espirito que realiza na Forma do fendmeno exterior o mundo interior de seu Contetido em si e para si pleno de interesse, tam- bém questionamos neste Ambito que significado tem a oposigdo entre o ideal e a naturatidade, © natural nao pode nesta esfera ser utilizado no sentido proprio da palavra, pois enquanto forma exterior do espirito ele nao vale apenas |221| pelo fato de justamente estar dado de modo imediato como a vitalidade animal, a natureza paisagistica etc, sim aparece aqui segundo sua determinagio na medida em que é © esptrito que se corporifica apenas como expressio do espiritual e, assim, j4 como idealizado, Pois este acother no espirito, este formar [Bilden] ¢ configurar {Gestalten} por parte do espitito se chama justamente idealizar. Dizemos dos mortos que seu rosto assume novamente a fisionomia da idade infantil; entio desapareceram a ex- pressao tornada corporalmente firme das paixdes, dos habitos e das aspiragies, 0 caracterfstico em todo querer € fazer, ¢ retornou a indeterminagio dos tragos infan- tis. Na vida, porém, estes tragos ¢ 0 conjunto da forma mantém o caréter de sua expressio a partir do interior; tal como os diferentes povos, as classes ete. também exprimem a diferenga de suas diregdes e atividades espirituais na forma externa. O exterior aparece em todas estas relagdes como penetrado pelo espirito e por ele cefetuado, jf ideatizado diante da natureza enquanto tal. B aqui que pela primeira vez encontramos o solo autntico e pleno de significado da questo sobre 0 natural € 0 ideal. Pois, por um lado, afirma-se que as Formas naturais do espirto ja seriam por si tio acabadas, belas e excelentes no fendmeno efetivo, nao recriado pela arte, que ndo poderia haver ainda um outro belo que se mostrasse como superior e, & diferenga deste existente, se mostrasse como ideal, jé que a arte nfo seria em ne- ‘hum momento capaz.de alcangar completamente o que jé se encontra A disposicio na natureza. Por outro lado, impde-se a exigéncia, em oposigiio ao efetivo, de en- contrar de modo independente para a arte ainda outras Formas ¢ exposigées mais ideais. A este respeito é particularmente importante a mencionada polémica do se- nhor von Rumohr que, a0 contrério de outros que levam a boca o termo ideal ¢ falam do alto com desprezo sobre a natureza comum, fala por seu lado com idéntica altivez.e desprezo sobre a Idéia e o ideal [222] Ha, com efeito, no mundo do espiritual uma natureza externa ¢ interna- mente ordinéria; esta natureza 6 externamente comum justamente porque 0 € 0 inte- rior, € em seu agir € no conjunto do exterior leva & aparigio [Erscheinung] apenas fins do citime, da inveja e da cobiga no que é mesquinho e sensfvel. A arte também 9 (CURSOS DE ESTETICA pode tomar como matéria esta natureza comum ¢ j4 0 fez. Mas ento, ou bem, como {6 foi dito anteriormente, 0 tnico interesse essencial é a representagao [Darstellung] tenquanto tal, a artificialidade da produgio, e em tal caso esperariamos em vao que ‘uma pessoa culta se sentisse atrafda pela obra de arte em seu todo, isto é, também pelo contetido—ou bem o artista, por meio de sua concepcio, deve fazer algo ainda mais vasto e profundo, Foi principalmente a assim chamada pintura de géneros que iio desprezou tas objetos ¢ foi conduzida pelos holandeses ao topo da completude. (O que, pois, conduziu os holandeses a este género? Que contetido ¢ expresso nestas ‘pequenas imagens que, no entanto, demonstram a mais alta forga de atragao? Blas niio devem ser pura e simplesmente colocadas de lado e desprezadas sob o titulo de nnatureza comum, Pois a autGntica matéria destes quadros, se a pesquisarmos mais detidamente, nao € tio comum como acreditamos costumeiramente. Os holandeses escolheram 0 conteido de suas representagSes [Darstellungen] a partir deles mesmos, do presente [Gegemwart] de sua prépria vida, € nll se deve censuré-los por terem pela arte efetivado mais uma vez este presente [Prdsente]. O ue 6 posto diante dos olhos e do espirito dos contemporineos deve também Ihes pertencer, para que possam levar em consideragdo todo o seu interesse. Para saber no que consistia 0 interesse daquela época dos holandeses, devemos perguntar & sua hist6ria, O holandés construiu em grande parte ele proprio o terreno onde mora vive, e é forgado a defendé-lo e manté-lo continuadamente contra 0 ataque do rar, 0s cidadios das cidades, assim como os camponeses |223), por meio da cora- gem, da perseveranga e da valentia, acabaram com 0 reinado espanhol de Filipe 1, filho de Carlos V, este poderoso rei do mundo, e Iutaram pela liberdade politica como também na religito pela liberdade religiosa. O contetido universal de suas imagens é constitufdo por esta cidadania e vontade de empreendimento nas coisas pequenas e grandes, no pr6prio pafs quanto no vasto mar, por esta bela prosperida- de, cuidada e 20 mesmo tempo limpa, pela satisfagao ¢ atrevimento no sentimento de si [Selbstgefithl]e pelo fato de deverem tudo isso & sua propria atividade. Mas se trata aqui de nenhuma matéria e Contedido comuns, dos quais no devemos nos aproximar com a altivez de um nariz empinado e com a delicadeza da boa sociedade. Foi neste sentido de nacionalidade robusta que Rembrandt pintou sua famosa “Ronda Noturna’ em Amsterdam, que van Dyck pintou tantos de seus re- tratos, Wouwerman suas cenas de cavaleiros, € mesmo aqueles banquetes, joviali- dades e festas agradaveis dos camponeses sc situam neste contexto. Para mencionar uma equivaléncia, também temos, por exemplo, bons qua~ dros de géneros na nossa mostra artistica deste ano, mas em termos da arte de exposicio, eles esto longe de alcangar os quadros da mesma espécie dos holande- ses ¢ também quanto ao contesdo no podem elevar-se a liberdade e alegria seme 130 0 BELO ARTISTICO OU O IDEAL Ihantes. Vemos, por exemplo, uma mulher que caminha para a taverna a fim de ralhar com 0 seu marido. Isto nfo resulta em nada a ndo ser numa cena de pessoas corrosivas ¢ virulentas. No caso dos holandeses, er contrapartida, em suas taber- nas, em casamentos e em dancas, no regalo ¢ na bebida, ocorre apenas alegria e prazer, mesmo quando também hd rixas e brigas, as mulheres e as criangas também patticipam ¢ o sentimento [Gefithl} de liberdade e descontrago perpassa & tudo € cada um. Esta serenidade espiritual de um prazer legitimo que se estende até nos ‘quadros que retratam animais e dé ares de fartura e prazer, esta liberdade e vitalida- de espirituais, despertadas e frescas na apreensdo € na exposi¢o, constituem a alma superior de tais pinturas, 224] Num sentido semcthante, os meninos mendigos de Murillo (na galeria central de Munique) so primorosos. Considerado segundo o exterior, 0 objeto aqui também € da natureza comum: a mae cata piolhos em um dos meninos en- quanto ele come seu po em siléncio; outros dois num quadro semelhante, esfarra- pados e miserdveis, comem melancias e uvas. Mas precisamente nesta pobreza ¢ quase nudez britha interna ¢ externamente nada mais do que a total indiferenga e despreocupactio — um Dervixe nao as poderia ter mehor~ nos sentimentos [Gefiile] plenos de sua satide e vontade de vida. E esta auséncia de preocupagao pelo exte- rior ¢ a liberdade interior no exterior que 0 conceito do ideal requer. Em Paris ha um retrato de menino de Rafuel: a cabega estd apoiada preguigosamente sobre 0 brago e olha com tal beatitude de satisfagao destituida de preocupagzo para o hori- zonte e para o vazio, que nilo conseguimos parar de observar esta imagem de saide alegre ¢ espiritual. Idéntica satisfago nos concedem aqueles meninos de Murillo. \Vé-se que eles nio tém interessese fins mais amplos, nto devido & estupidez,¢ sim esto sentados no chio, satisfeitos e beatos, quase como os deuses olfmpicos; eles ‘io agem nem falam nada, mas so seres humanos baseados numa peca, sem des- gosto ¢ insatisfago em si mesmo; e nesta base para toda a capacidade tem-se a impressio de que tudo pode acontecer a partir de tais jovens. Tais modos de apre- ensio sio totalmente diferentes daquilo que vemos naquela mulher briguenta e amarga, no camponés que esté guardando seu chicote ou no postilhiio que dorme sobre a palha, ‘Tais quadros de géneros, porém, devem ser pequenos e aparecer em todo 0 seu aspecto sensivel como algo insignificante, como algo que jé superamos no que diz respeito a0 objeto exterior e ao contesido. Seria insuportivel vé-los executados ‘em tamanho natural e, assim, com a pretensio de que pudessem efetivamente nos satisfazer em sua totalidade [225] deste modo que deve ser apreendido o que costumamos denominar de natureza comum para que possa entrar na arte. 1st (CURSOS DE ESTETICA Entretanto, existem certamente matérias mais ideais e superiores para a arte do que a exposigio de tal alegria e valor burgués em particularidades em si sempre insignificantes. Pois o ser humano tem interesses ¢ fins mais sérios que provém do desenvolvimento € aprofundamento do espirito em si mesmo ¢ nos quais ele deve ficar em harmonia consigo. A arte superior serd aquela que se coloca como tarefa a exposiglio deste contetido superior. Apenas sob este aspecto se coloca a questio de saber de onde podem ser retiradas as Formas para esta criagdo a partir do espirit. Uns nutrem a opinido de que o artista, pelo fato de primeiramente trazer em si ‘mesmo aquelas idéias elevadas que ele criou para si, deve entio conceber [bilder] as Formas elevadas a partir de si mesmo, como as configuragées, por exemplo, dos deuses greg: contra esta afirmagio se levanta o senhor von Rumohr, na medida em que reconhe- cou 0 desvio da arte nesta diregio, na qual os artistas encontravam arbitrariamente suas Formas, 8 diferenga da natureza, e, em contrapartida, estabeleceu como mode- Jos as obras primas dos italianos dos representantes dos pa(ses baixos. Neste am- bito ele reprova o fato “da doutrina da arte dos tiltimos sessenta anos estar empe- hada em demonstrar que a finalidade ou mesmo a principal finalidade da arte consiste em aprimorar a criagZo em suas configuragées singulares, em produzir Formas carentes de relagio, que deveriam macaquear a criagdo embelezando-a, © como que compensar o corpo mortal pelo fato de @ natureza justamente nio ter sabido configuré-lo de modo mais belo” (Investigacdes Htalianas, vol. 1, pp. 105 ¢ ss). Em vista disso, ele sugere (p. 63) a0 artista “que desista do propdsito titanico de glorificar e transfigurar a Forma natural ou com que outro [226| nome nos escri- tos de arte so designadas tais arrogiincias do espirito humano” ~ pois ele tem a convicgdo de que até para os mais altos objetos espirituas ja esto disponfveis no que existe as Formas externas suficientes; e por isso sustenta (p. 83) “que a repre- sentagio [Darstellung] da arte, mesmo onde scu objeto é 0 mais espiritual possivel, ‘no repousa jamais sobre sinais estabelecidos arbitrariamente, € sim completamen- te sobre um modo de significar das Formas organicas dado na natureza”. Neste aso, 0 senhor von Rumohr tem em vista principalmente as Formas ideais dos anti- {20s indicadas por Winckelmann, O mérito infinito de Winckelmann consiste, pois, emer salientado ¢ reunido estas Formas, embora possam ter se introduzido furtiva- mente equivocos em relago aos tracos particulares. Como, por exemplo (p. 115, observaciio),o senhor von Rumohr parece acreditar que o prolongamento do abd6- ‘men, que Winckelmann (Histéria da Arte da Antigiiidade (1764), livro 5, capitulo 4, #2) designa como uma caracteristica dos ideais das Formas antigas, é deduzida de estétuas romanas, Contra isso, 0 senhor von Rumohr exige, em sua polémica contra o ideal, que o artista deve langar-se totalmente aos bragos do estudo da na- Js, de Cristo, dos apdstolos, dos santos e assim por diante. Sobretuda 182 0 weLO ARTISTICO OU 0 IDEAL tureza; apenas aqui entra verdadeiramente em cena o que é belo de modo auténtico. Pois ele diz (p. 144), “a beleza a mais importante repousa sobre aquele simbolismo ddas Formas, dado na natureza ¢ nio fundado sobre o arbitrio humano, por meio do qual as Formas, em determinados liames, se desenvolvem em caracterfsticas € si- nais, em cuja visdo recordamos necessariamente determinadas representagdes € conceitos ¢ também nos tomamos conscientes de sentimentos determinados ador- mecidos em nés”, E assim, pois, também (p. 105, nota) “um trago secreto do espiri- 0, 0 que se designa como sendo a Idéia, une o artista a fenémenos aparentados da natureza ¢ nestes ele aos poucos sempre mais claramente aprende a reconhecer sew préprio querer, sendo por meio deles capacitado a expressé-la” ‘Sem diivida na arte ideal nfo se pode falar de signos estabelecidos arbitraria- mente, 227] se aconteceu que aquelas Formas ideais dos antigos, com o descuido em relagio A Forma natural auténtica, foram reproduzidas em abstracdes falsas ¢ vazias, o senhor von Rumobr tem razo em se opor fortemente a isso, Mas a questio principal que deve ser retida nesta oposigio entre o ideal artis- tico e a natureza é a seguinte. As Formas naturais existentes do Contetido espiritual devem, com efeito, ser tomadas como simbélicas no sentido universal, jf que nio valem por si imediata- ‘mente, mas so um aparecer do interior e do espiritual que elas exprimem, J em. sua efetividade fora da arte, isso constitui sua idealidade, & diferenga da natureza enquanto tal, que ndo expe nada de espiritual. Na arte, pois, em seu estéio supe- rior, o Contetido interior do espitito deve conquistar sua forma externa. Este Con- {etido encontra-se no espirito humano efetivo e, assim, como o interior humano em geral, tem sua forma exterior existente, na qual ele se expressa. Por mais que este ponto tena sido aceito, cientificamente permanece uma questo inteiramente ocio- sa: se existem na efetividade existente formas ¢ fisionomias tdo betas ¢ cheias de expresso, das quais a arte pudesse se servir, por exemplo, na exposigdo de um Jupiter —sua grandeza, caima e potencta—de uma Juno, de Venus, de um Pedro, de Cristo, de Joo, de uma Maria etc., de modo imediato como um retrato. Pode-se certamente argumentar a favor ou contra isso; no entanto, permanece uma questio completamente empirica e, mesmo enquanto empitica, insolivel. O vinico caminho de decisdo seria, pois, a indicagdo efetiva que dificilmente se deixaria efetuar como, por exemplo, para os deuses gregos e, mesmo também para o presente, alguém terd visto belezas perfeitas, enquanto que outro, mil vezes mais sensato, ndo. Afora isso, porém, a beleza da Forma em geral ainda ndo fornece o que denominamos de ideal, ‘jd que ao ideal pertence ao mesmo tempo a individuatidade do Contetido, e por isso também, da Forma. Um rosto belo, por exemplo, completamente regular segundo a Forma, [228] pode, contudo, ser frio e inexpressivo. Os ideais dos deuses gregos, 1 (CURSOS DE ESTETICA porém, so individuos, aos quais também ndo falta uma determinidade caracterist ca no seio da universalidade. A vitalidade do ideal repousa justamente no fato de este significado fundamental, espiritual e determinado, que deve ser exposto, ser completa- ‘mente trabalhado por todos os aspectos particulares do fendmeno exterior ~ postura, posicio, movimento, tragos faciais, Forma [Form] ¢ forma [Gestalt] dos membros etc. =, de tal modo que nio reste nada de vazio ¢ insignificante, mas tudo se mostre como perpassado por aquele significado, Por exemplo, as esculturas gregas descobertas re- centemente como de fato pertencentes a Fidias, impoern-se sobretudo por meio desta espécie de vitalidade profunda. O ideal ainda esté assegurado em seu rigor, ¢ no fez ainda a passagem para o encanto, a amenidade, a plenitude e a graga, mas man- tém cada Forma ainda em relagio firme com o significado universal, que deve ser corporificado. Esta suprema vitalidade distingue os grandes artistas. Diante da particularidade do mundo fenoménico efetivo, tal significado fun- damental deve ser denominado em si mesmo de abstrato, sobretudo na escultura e ra pintura, que ressaltam apenas um momento sem progredir para o desenvoh ‘mento de muitas facetas, como, por exemplo, Homero pode descrever 0 cardter de Aquiles igualmente tanto como duro e atroz quanto como suave e cordial e segundo ainda tantos outros tragos da alma. Tal significado pode bem encontrar sua expres- so na efetividade presente; assim, por exemplo, nao deve haver quase nenhum rosto que ndo consiga mostrar 0 aspecto da piedade, da devogio, da serenidade e assim por diante; mas tis fisionomias ainda expressam ao mesmo tempo ingmeras otras coisas que nio servem para o significado fundamental a ser manifesto ou no estio com ele em nenhuma relago prOxima, Por isso, um retrato também se expri- mira imediatamente por meio de sua particularidade como retrato. Em pinturas ale- iis antigas e holandesas, por exemplo, encontra-se freqlentemente reproduzido 0 22] mecenas com sua famflia, mulher, filhos ¢ filhas. Eles devem todos aparecer imersos em devogio, ¢ a rligiosidade britha efetivamente em todos os tragos; além disso, porém, reconnecemos nos homens bravos guetieitus, pessoas movidas com vigor, muito experimentadas na vida e na paixio pela atuagio, ¢ nas mulheres ve- ‘mos esposas de semelhante qualidade de forga vital. Se nestas pinturas, que slo famosas no que diz respeito as suas fisionomias verdadeiramente naturais, compa- rarmos estas fisionomias com Maria ou com os santos e 0s apéstolos que estd0 presentes a0 lado, podemos, em contrapartida, ler nestes rostos apenas uma expres- slo, e todas as Formas, a estrutura 6ssea, os miisculos, os tragos de repouso e de ‘movimento esto concentrados nesta nica expresso, A diferenga entre o auténti- co ideal 0 retrato é dada pelo que apenas se ajusta a0 conjunto da formagdo. Poderiamos, porém, supor que o artista deve escolher aqui e ali, a partir do existente, as melhores Formas ¢ reuni-las, ou também, como acontece, escolher 184 (0 BELO ARTISTICO OU 0 IDEAL fisionomias, posigSes etc. de selegées de gravuras em cobre e xilografia para en- contrar as Formas auténticas para seu conteido. Mediante tal seleglo ¢ escolha porém, a questio ainda ndo se resolveu, pois o artista necessita portat-se criti mente ¢ em sua propria fantasia formar e configurar completamente o significado que o anima a partit de wma fusio, com conhecimento das Formas correspondentes assim como com sentido profundo e sentimento fundamentado. B. A DeterMinipans po IDEAL ideal enquanto tal, que até agora consideramos segundo seu conceito un versal, foi relativamente fécil de aprender. Mas, uma vez que 0 belo artstico, na medida em que é Idéia, nfo pode permanecer preso a0 seu mero conceito universal, ‘mas jd segundo este conceito tem em si mesmo determinidade ¢ [230| particularida- de e, por isso, também deve, a partir de si, entrar na determinidade efetiva, apresen- ta-se sob este aspecto a questio de saber em que sentido —a despeito do sair-para fora {Herausgehen] na exterioridade e finitude e assim no ndo-ideal [Nicht-Ideale] =o ideal ainda é capaz de se manter, bem como, inversamente, a existénciafinita é capaz de acolher em si mesma a idealidade do belo artstico. Nesta relagiio, temos de discutir os seguintes pontos: Em primeiro lugar, a determinidade do ideal enquanto tal. Em segundo lugar, a determinidade na medida em que se desenvolve por meio de sua particularizagio para a diferenca em si mesma e para a solugio dela, 0 que podemos denominar, em termos gerais, de acdo. Em terceiro lugar, a determinidade exterior do ideal. 1. A Deterwaipane [DEAL ENQUANTO TAL 1. 0 Divino como Unidade e Universalidade 36 vimos que a arte deve sobretudo fazer do divino o ponto central de suas exposig6es. O divino, porém, retido por si como unidade ¢ wniversalidade, & essen- cialmente apenas para o pensamento e, enquanto € em si [an-sich] mesmo destitu do de imagem, encontra-se privado do formar [Bilden] ¢ do configurar (Gestalten] da fantasia: como, pois, também ¢ proibido aos judeus e maometanos tragarem para si uma imagem de Deus para a intuigo préxima que se move no sensivel. Por isso, aqui no hé nenhum espaco para a arte figurativa, que necessita totalmente da vita- lidade a mais concreta da forma, ¢ apenas a litica pode, na clevagio ao Deus, entoar © louvor de sua poténcia e magnificéncia. 18s (CURSOS DE ESTETICA p31] 2. 0 Divino como Circulo dos Deuses De outro lado, contudo, 0 divino, por mais que Ihe pertenga também unidade e universalidade, € igualmente determinado em si mesmo de modo essencial, ¢ na medida em que entlo se livra da abstrago, também se oferece para ser posto em imagem [Bildlichkeit] e para a intuitibilidade [Anschaubarkeit) Se, pois, ele € apre~ endido pela fantasia na Forma da determinidade ¢ exposto em imagens, apresenta- se por meio disso imediatamente uma multiplicidade de determinagio ¢ aqui ape- nas inicia 0 Ambito auténtico da arte ideal. Pois, em primeiro lugar, a tinica substancia divina se cinde ¢ se dispersa em uma pluralidade de deuses que repousam em si mesmos de modo autonomo, tal como na intuig&o politefsta da arte grega; e também para a representagao crista o Deus aparece, perante sua unidade puramente espiritual em si mesma, imediata- mente como homem efetivo entrelagado no ambito do terreno e mundano. Em se- sgundo lugar, 0 divino esti em geral presente € ativo em seu fendmeno ¢ efetividade determinados no sentido, no énimo, na voligio ¢ na realizagdio dos homens, ¢ assim, nesta esfera os seres humanos, cheios do espirito de Deus, 0s santos, 0s mirtires, 0s, beatos ¢ os homens piedosos em geral, também tornam-se um objeto igualmente adequado para a arte ideal. Mas, mediante este principio da particularidade do divi- no e de sua existéncia determinada, e, assim, também mundana, aparece, em tercei- 1 lugar, a particularidade da efetividade humana. Pois 0 conjunto do animo huma- no, com tudo 0 que © move no mais intimo e o que nele é uma poténcia, cada sentimento ¢ paixio, cada interesse profundo do coragao [Brust] ~ esta vida con- creta configura a matéria viva da arte e 0 ideal é sua exposigio e expresso. 0 divino, em contrapartida, como puro espirito em si mesmo, é apenas objeto do conhecimento pensante. Mas o espirito encarnado [verleiblichte] na atividade, ‘na medida em que sempre apenas ressoa no peito humano, pertence & arte. Aqui, contudo, apresentam-se [232] entio de imediato interesses e agdes particulares, caracteres determinados, estados ¢ situagdes momentineos dele e em geral os envolvimentos com o exterior; deve-se, portanto, indicar em que reside inicialmen- te, em termos gerais, o ideal em relagao a esta determinidade. 3. 0 Repouso do Ideal ‘A pureza suprema do ideal, segundo o que estabelecemos anteriormente, po- deré também aqui apenas consistir no fato de que os deuses, Cristo, 0s apéstolos, os santos, 0s penitentes ¢ os piedosos nos sao apresentados em seu repouso ¢ satisfa- ‘g80 beatos, onde no so tocados pelo elemento terreno com a miséria € com 0 impeto de seus emaranhados, Iutas ¢ oposigdes variadas. Neste sentido, principal- 196 0 BELO ARTISTICO OU 0 IDEAL mente a escultura e a pintura encontraram, de modo ideal, formas para os deuses singulares, igualmente para Cristo como salvador do mundo ¢ para os apéstolos & santos particulares. © verdadeiro em si mesmo [an sich selbst] na existéncia vem aqui apenas em sua existéncia & exposiga0, como referido a si mesmo ¢ no arran- cado para fora de si nas relagdes finitas. A este recolhimento em si mesmo nao falta certamente particularidade (Partikularitat), mas a particularidade (Besonderheit), que se dispersa no exterior e finito, esté purificada numa determinidade simples, de tal modo que os rastros de uma influéncia € de uma relagdo externas aparecem inteiramente eliminados. Este repouso em si mesmo eterno ¢ inativo ou este des- canso — como em Hercules, por exemplo ~ também constitui na determinidade 0 {deal enquanto tal. Se os deuses, por conseguinte, também sto postos numa trama [Verwicklung), eles devem, todavia, continuar em sua grandiosidade imorredoura intocdvel. Pois Jipiter, Juno, Apolo e Marte, por exemplo, sto certamente poténcias forgas determinadas, mas firmes, que conservam sua liberdade auténoma em si mesmos, também quando sua atividade esté direcionada para o exterior. E, assim, no seio da determinidade do ideal, niio deve aparecer apenas uma particularidade singular, ¢ sim a liberdade espiritual deve mostrar-se [233] em si mesma [am sich ‘elbst] enquanto totalidade, e neste repouso sobre si, enquanto a possibilidade para tudo. Mais abaixo, no ambito do mundano e humano, 0 ideal se mostra de tal modo ativo que qualquer Contesido substancial que preenche o ser humano guarda a forga de apenas dominar o particular da subjetividade, Por meio disso, com efeito, 0 particular no sentir e agir € arrancado da contingéncia ¢ a particularidade concreta & exposta em concordincia maior com sua auténtica verdade interior; como, pois, cem geral, o que se denomina de nobre, excelente ¢ completo no peito humano nada ais € do que a verdadeira substincia do espiritual, a eticidade, a divinidade que se anunciam como a poténcia no sujeito, ¢ o ser humano, por isso, deposita sua ativi- dade e forga de vontade vivas, seus Interesses, puixdes ete. apenas nesta substancialidade para nela dar satisfagao as suas internas necessidades verdadeiras. Mas por mais que no ideal a determinidade do espirito ¢ sua exterioridade também aparegam simplesmente em si mesmas resumidas [resiimiert, 0 principio do desenvolvimento assim como a diferenca e a luta das contraposig&es na relagdo como exterior esto, contudo, ao mesmo tempo imediatamente unidos com a parti cularidade voltada para a exist da determinidade em si mesma diferente, processual [prozessierenden| do ideal, que podemos apreender de modo universal como acdo. 1cia, Isto nos conduz A consideragdo mais precisa 17 ‘CURSOS DE ESTETICA IL. A Agio A determinidade enquanto tal, enquanto ideal, é propria a inocéncia amigdvel da beatitude celestial e angelical,o repouso inativo, agrandiosidade da poténcia que repousa autonomamente sobre si bem como a valentia eo fechamento [Beschlossenheit} em geral do que é em si mesmo substancial. O interior © 0 espivitual, porém, igualmente apenas so enquanto movimento ¢ desdobramento ativos. Mas o [234] desdobramento ndo 6 sem unilateralidade e cisio. O espirito total pleno, que se expande em suas particularidades, sai de seu repouso e defronta- se consigo mesmo em meio & oposi¢o ao mundano confuso e, nesta dissociagao {Zerspaltung), também nio consepue mais subrait-se ao infortinio e & desgraga do finite. Mesmo os deuses eternos do politeismo nao vivem em paz. eterna. Eles se dividem em facgBes ¢ lutas com paixSes ¢ fins opostos e devem submeter-se 20 destino, Mesmo 0 Deus cristo nil est subtrafdo & passagem pela humilhagio do sofrimento, inclusive pelo oprébrio da morte e ni ¢ libertado da dor da alma, na qual ele deve gritar: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” sofre semelhante dor éspera e a vida humana em geral é uma vida de conflito, de Iutas e de dores, Pois a grandeza e a forga medem-se verdadeiramente apenas na grandeza e na forga da oposigdo, a parti da qual o espirito consegue novamente se reconciliar na unidade em si mesmo; aintensidade a profundidade da subjetividade se distinguem tanto mais fortemente quanto mais infintae trrivelmente as circuns {ncias se encontrarem em tensZo e quanto mais despedagadoras forem as contra- digées, sob as quais a subjetividade, contudo, deve permanecer firme em si mesma, apenas neste desdobramento que se confirma a poténcia da Idgiae do ideal, pois 4 poténeia consiste apenas em manter-se no negativo desi ‘Mas na medida em que a particularidade do ideal entra por meio de tal desen- volvimento na selagio para o exterior e, desse modo, introdus-s6 mum mundo que, em ver. de expor a concordiincia livre ¢ ideal do conceito de sua realidade em si {an sich] mesma, mostra antes uma existéncia que pura e simplesmente ndo é como deve ser, & preciso apreender, na consideraglo desta relagio, em que medida as determinidades, nas quais 0 ideal penetra, contém imediatamente por si mesmas a idealidade ou podem, em maior ou menor grau, tornar-se aptas para ela [235] Nesta relagdo, trés pontos principais exigem nossa aten¢to mais detida: Deschlossenheit também pode ser traduzido por “resolugGo", tendo em vista que Deschlieon & “conclu”, “aeabat", no sentida de um “acabamenta”e “Techamento™ quanto “resolver”, “decidir, “deliberar” no sentido de uma “decisio” ¢ “resolugio". As duas acepgoes concordam com o texto hegelino (N. da T). 188 0 BELO ARTISTICO OU 0 IDEAL Em primeiro lugar, 0 estado universal do mundo, que constitui a pressuposi- (glo para a agio individual e seus caracteres. Em segundo lugar, a particularidade do estado, cuja determinidade produz naquela unidade substancial, a diferenga [Differenz] e a tensdo que se tornam 0 cestimulo para a ago ~ a siruagao e seus conflitos. En terceiro lugar, a apreensio da situagao por parte da subjetividade e a rea- 0 pela qual aparecem a luta e a solugo da diferenga ~ a auténtica agao. 1. 0 Estado Universal do Mundo A subjetividade ideal, enquanto sujeito vivo, trazem si mesmaa determinidade de agir, de se mover e ser ativa em geral, na medida em que deve executar ¢ realizar (que est nela. Para tanto, ela ne terreno universal para as suas realizagbes. Se nesta relagao falamos de estado, com- preende-se por isso 0 modo universal segundo 0 qual o substancial esté presente, que, enquanto 0 que € autenticamente essencial no seio da efetividade espiritual, ‘mantém unidos todos os fendmenos desta. Neste sentido, por exemplo, podemos falar de um estado da cultura [Bildung], das ciéncias, do sentido religioso ou tam- bém das finangas, da justica, da vida familiar ¢ de outras instituigdes [Lebenseinrichtungen). Todos estes aspectos sio entio de fato apenas Formas de ‘um e mesmo espirito e Contexido que neles se explicita ¢ efetiva. ~ Mas, na medida fem que aqui se trata mais precisamente do estado do mundo da efetividade espiri- tual, temos que tomé-lo pelo lado da vontade. Pois é pela vontade que o espirito em getal penetra na existéncia, e os elos substanciais imediatos da efetividade mos- tram-se no [236| modo determinado no qual as determinagdes da vontade, os con- ceitos do ético e do legal chegam em geral &alividade disso que podemos universal- mente denominar de justica Neste caso, ¢ preciso perguntar como ral estado universal deve ser constitu {do para mostrar-se adequado a individualidade do ideal ssita de um mundo que a envolva enquanto a. A autonomia individual: a época dos heréis A partir do que vimos anteriormente, podemos desde ja estabelecer os segui tes pontos: ) O ideal é unidade em si mesma e nio apenas unidade formal exterior, mas unidade imanente do contetido nele mesmo. Este repousar sobre si substancial em si mesmo unido jé designamos acima como a autosatisfagdo, orepouso ¢ a beatitude do ideal. No nosso estégio atual queremos ressaltar esta determinagdo como a.auto- 189 ‘CURSOS DE ESTETICA nomia ¢ exigir do estado universal do mundo que ele apareca na Forma da autono- ‘mia para poder acolher em si mesmo a forma do ideal. “Autonomia”, contudo, 6 uma expresso ambigua, 2a) Pois, devido a esta substancialidade e causalidade, j4 nos acostumamos a chamar 0 em si mesmo substancial de pura e simplesmente aut6nomo e nos habitua- mos a denomind-lo de divino ¢ absoluto em si mesmo. Retido nesta universalidade substincia enquanto tais, porém, ele nio & em si mesmo subjetivo e encontra, por isso, sua firme oposicio no particular da individualidade conercta. Nesta oposigio, contudo, como na oposigiio em geral. perde-se a autonomia verdadeira £88) Inversamente, estamos acostumados aatribuir autonomia & individualida. de na firmeza de seu carter subjetivo, mesmo que apenas repouse de modo formal sobre si mesma, Cada sujeito, porém — para quem falta o verdadeiro Contetido da vida de tal modo que estas poténcias ¢ substincias estio fora dele presentes para si ‘mesmas e permanecem um contetido estranho para a sua |237| existéncia interior © exterior ~ cai igualmente na oposigdo ao verdadeiramente substancial e perde por ‘meio disso a posigdo [Srandpunkr| da autonomia e da liberdade plenas de contesido. A verdadeira autonomia consiste unicamente na unidade ¢ na interpenctrago a individualidade e da universalidade, na medida em que o universal igualmente apenas adquire realidade concreta por meio do singular, enquanto o sujeito singular ¢ particular apenas no universal encontra a base inabalével e 0 auténtico Contesido de sua efetividade. ‘7#) Para o estado universal do mundo, por conseguinte, devemos aqui apenas considerar a Forma da autonomia, de modo que neste estado a universalidade subs- tancial, para ser autnoma, deve possuir nela mesma a forma da subjetividade. O préximo modo de aparecimento (Erscheinungsweise] desta identidade, que pode nos ocorrer, é 0 do pensar. Pois, por um lado, o pensamento ¢ subjetivo; por outro lado, ele tem a universalidade como pradinta de sna verdadeira atividade e € ambas. universalidade e subjetividade em livre unidade. Mas o universal do pensamento no pertence & arte em sua beleza; de resto, no pensamento {Dertkeri] a restante indivi- dualidade particular, em sua naturalidade e forma como em sua ago ¢ realizagio priticas, ndo est em sintonia necesséria com a universalidade dos pensamentos [Gedanken). Pelo contririo, intervém nisso — ou pode intervir ~ uma diferenga entre 0 sujeito em sua efetividade concreta € 0 sujeito como pensante. O mesmo divércio atinge 0 Contetido do proprio universal. Se, com efeito, 0 auténtico ¢ © verdadeiro nos sujeitos pensantes ja comecam a se diferenciar da restante realidade deles, isso significa que no fendmeno objetivo o auténtico eo verdadeiro também ja se separaram da existéncia restante enquanto universais para si ¢, contra ela, con- 190 (0 BELO ARTISTICO OU O IDEAL quistaram firmeza e poténcia de subsisténcia. Mas no ideal a individualidade parti- cular deve justamente permanecer em sintonia destituida de separagiio com o subs- tancial e, na medida em que pertence ao ideal a liberdade © a autonomia da [238] subjetividade, 0 mundo circundante dos estados ¢ relagGes no deve ter nenfhuma objetividade essencial para si, jé independente do subjetivo e do individual. O indivi- uo ideal deve ser em si mesmo fechado [beschlosser'}, 0 objetivo [das Objektive] deve ser 0 que ainda é seu e nao se mover e se realizar para si separado da individu- alidade dos sujeitos, pois de outro modo 0 sujeito retrocede como mero subalterno no confronto com 0 mundo j4 pronto para si. - Nesta dirego, portanto, o universal ro individuo deve sim ser efetivo como o que é préprio € o que é mais proprio dele, ‘mas nfio coma o préprio do sujeito na medida em que possui pensamentos, ¢ sim como 0 préprio de seu cardter e animo. Em outras palavras, exigimos, por isso, perante a mediagio distingtio do pensamento, a Forma da imediatezppara a unidade do universal e do individual, ¢ a autonomia que estamos levando em consideracdo adquire a forma da autonomia imediata. Une-se a isso, logo a seguir, porém, a contingéncia. Pois se o universal e 0 predominante da vida humana estio apenas presentes de modo imediato na autonomia dos individuos, como seu sentimento [Gefuht, animo e disposigio de caréter subjetivos e ndo deve adquirir nenhuma ‘outra Forma da existéncia, entio eles justamente por meio disso jé sao deixados a0 acaso da vontade e da realizado, Resta entio apenas 0 caracterfstico justamente destes individuos e sua {ndole que, enquanto propriedade particular deles, no tem por si mesmos nenhuma poténcia ¢ necessidade de se impor, ¢ sim em vez. de se cfetivar sempre novamente por um modo universal, por si mesmo tornado firme, aparecem puramente como a resolugio, a realizagdo e igualmente a omissao arbitré- ria do sujeito que apenas repousa sobre si, seus sentimentos, disposigao, forca, capacidade, asticia ¢ habilidade, Esta espécie de contingéncia constitui, portanto, o caracteristico do estado, ue exiginus eon o terreno ¢ © modo inteiro de aparecimento [Erscheinungsweize] doideal. [239] ) Para deixar aparecer de modo mais claro a forma determinada de uma tal efetividade, queremos langar um olhar sobre © modo de existéneia oposto. aa) Este modo de existéncia esti presente onde 0 conceito ético, a justiga & ‘ua liberdade racional jé se claboraram e se resguardaram na Forma de uma ordem Tegal, de modo que ele também estd presente no exterior como necessidade em si mesma imével, sem depender da individualidade ¢ da subjetividade particulares do dinimo e do cariter. Este 6 0 caso da vida do Estado, onde a vida vem & aparigio [Erscheinung] de acordo com 0 conceito de Estado; pois nem toda reunito de indivé duos numa associagio social, nem toda unido patriarcal deve ser denominada de 191

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