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Enfrentar as ameaças e ir além

Fica muito difícil fazer análises sólidas num país liquefeito. A crise política avança,
deixando bem claro que não há político ou partido que não se beneficie com as pedaladas,
mensalão, enfim, meios de corrupção. O cenário nacional está bem parecido com um antigo
programa humorístico: “Balança mais não cai”.
Em meio a tantas incertezas, fica até difícil de escrever qualquer coisa, pois corremos o
risco de fazer alguma análise, e, de repente, as coisas já mudaram. Mas a gente tenta... O que
importa é registrar os fatos. Enquanto tudo que é sólido parece desmanchar no ar, quem pago
o pato é o povo que fica a mercê da carestia e do custo de vida.
Fazer um planejamento de um governo não é tarefa fácil, ainda mais num país tão
desigual e de tamanha proporção territorial como o nosso. Contudo, não podemos negar que
no âmbito das políticas sociais, em pouco mais de uma década, as estratégias brasileiras de
desenvolvimento e inclusão da população mais pobre do país tem apresentado resultados
satisfatórios.
Porém, os governos precisam fazer muito mais para saldar a dívida social forjada ao
longo dos séculos num país que tem a sua cultura na exploração. Tardiamente o Brasil começa
a implementar algumas políticas sociais nos anos de 1930, mas estas tinham um caráter
clientelista e meritocrático. Somente com o advento da Constituição Federal de 1988 é que
começa a surgir políticas sociais universais e que buscavam melhorar a vida da população mais
vulnerável.
As propostas de universalização da saúde e, posteriormente, da assistência social
deram um salto quantitativo e qualitativo na vida de milhões de famílias em todo o território
nacional. Hoje milhões de pessoas se beneficiam com a valorização do salário mínimo, da
geração de empregos e oportunidades, do fortalecimento da agricultura familiar e do acesso
de bens e serviços. Porém, é evidente que estes avanços ainda são mínimos, mas os resultados
demonstram que 22 milhões de pessoas foram retiradas da miséria, cerca de 1,75 milhões de
pessoas de baixa renda se matricularam em cursos de qualificação profissional do Pronatec,
mais de 960 mil cisternas foram construídas e entregues através do Plano Brasil Sem Miséria.
Eu, particularmente, vejo com bons olhos estes resultados. Para saber o que é viver na
miséria, como diz Carolina Maria de Jesus, num livro que todos nós devemos ler Quarto de
despejo: diário de uma favelada, “é preciso conhecer a fome pra saber descrevê-la”, e ela
complementa: “O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome
também é professora. Quem passa fome aprende a pensar no próximo, e nas crianças”.
Pensar a pobreza somente enquanto privação de dinheiro é, sem sombra de dúvida,
pensa-la de forma minimalista. A pobreza se manifesta de múltiplas formas além da
insuficiência de renda. É preciso pensa-la também na insegurança alimentar e nutricional, na
baixa escolaridade e nível cultural, na pouca qualificação profissional, na fragilidade de
inserção no mundo do trabalho, no acesso precário à água, à energia elétrica, aos serviços de
saúde, ao acesso à moradia, entre outras coisas. Superar a pobreza requer, portanto, ações e
políticas multidimensionais e intersetoriais.
Nessa área o Brasil avançou concretamente, mas há ainda muito por fazer. Segundo
Tereza Campello, Ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, “é natural que
profundas mudanças estruturais como as que o Brasil colocou em prática em tão pouco tempo
encontrem resistências, mas não podemos andar para trás”.
Sem dúvida estamos em crise, mas viver sobre as barbas do capitalismo. É viver
imersos em crises. Ora econômicas, ora políticas, ora sociais. Mas, são nos momentos de crises
que crescemos. Que damos saltos e que utilizamos todas as nossas capacidades criativas. Se
bem que tem muita gente vivendo e acumulando riqueza por causa das crises. É só dar uma
olhadinha em mais uma matéria, desta vez, da Revista CartaCapital de outubro, onde a
matéria de capa é a desigualdade sem limites. Cerca de 1% da população mundial detém 50%
da riqueza socialmente produzida. A matéria aponta que o Brasil melhorou na distribuição de
renda, mas não na da propriedade.
Há no Congresso Nacional uma turba de conservadores que tentam, a qualquer custo,
um retrocesso nos direitos sociais historicamente conquistados, mas não buscam de maneira
nenhuma taxar as grandes fortunas. Lembrando Rousseau, o povo é soberano. Não devemos
ficar a mercê de políticos, que não passam de funcionários do povo. E é o povo que deve ter o
poder de destituir qualquer governante. Entre os políticos que estão por ai, eu prefiro ficar
com Carolina Maria de Jesus, enfrentar as ameaças e ir além.

Renato Tadeu Veroneze


Assistente Social
Email: rtveroneze@hotmail.com

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