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Olavo de Carvalho
Mas justamente onde isso aconteceu não aconteceu nem pode ter
acontecido o que se descreve no parágrafo anterior: a “pobreza política
pela exclusão da participação social” e a “pobreza cultural pela
marginalização dos processos de produção dos bens simbólicos”. Bem ao
contrário, a vinda dos camponeses para as concentrações urbanas
coincidiu com o advento das eleições gerais, não apenas convidando mas
forçando a participação das massas numa política que lhes era totalmente
desconhecida no tempo em que viviam no campo, isoladas dos grandes
centros.
Mas a fisionomia do monstro não estaria completa sem uma terceira peça,
que o sr. Boff vai buscar em outro lugar ainda:
“Esta situação, diz ele, provoca um modelo político altamente autoritário…
Somente mediante formas de governo autoritárias e ditatoriais se pode
manter um mínimo de coesão e se abafam os gritos ameaçadores que
vêm da pobreza.”
Descontemos a imprecisão vocabular — “provocam” em vez de
“produzem” – e a sintaxe subginasiana: “esta” em vez de “essa” e “se
pode manter um mínimo de coesão e se abafam os gritos” em vez de “se
pode produzir um mínimo de coesão e abafar os gritos”. Vamos direto aos
ponto essencial: é verdade que para controlar as massas esfomeadas
surgiram governos autoritários, mas não na Europa da Revolução
Industrial nem nos EUA da mesma época, onde justamente iam triunfando
as instituições democráticas junto com o capitalismo nascente, e sim,
bem ao contrário, em países subdesenvolvidos (ou empobrecidos pela
guerra), que, invejando a prosperidade das nações industrializadas, mas
não dispondo de uma classe capitalista pujante e criativa, resolveram
industrializar-se às pressas e à força por via burocrática, desde cima, por
meio do investimento estatal maciço e da economia planificada. Foi essa a
fórmula econômica da Alemanha nazista, da Itália fascista e, obviamente,
a de todas as nações socialistas queridinhas do sr. Boff. Foi também,
pelas mesmíssimas razões, e embora em menor grau, a da ditadura
Vargas e a do governo militar brasileiro.
Já poucas linhas adiante temos outro exemplo, no trecho em que ele usa
a figura de são Francisco de Assis como protótipo do revolucionário que
ele mesmo pretende ser. O leitor, paciente e bondoso, por favor, siga mais
este paragrafinho:
Mas o ponto não é esse. A coisa mais linda é que, segundo o sr. Boff,
quando Francisco se aproxima não somente dos pobres, mas “dos mais
pobres entre os pobres”, isto é, dos leprosos, há nisso um claro protesto
contra a hierarquia social. Mas desde quando a lepra escolhe suas vítimas
por classe social? Não eram leprosos o rei de Jerusalém, Balduíno IV, e o
rei da Alemanha, Henrique VII, filho do grande imperador Frederico II e de
Constança de Aragão? Francisco recusaria o beijo ao leproso de família
rica? Superpondo artificialmente a idéia da deformidade mórbida à da
inferioridade econômica, que lhe é totalmente alheia, o sr. Boff faz do
menos anti-social dos gestos de caridade cristã um símbolo do ódio
revolucionário, e o leitor, estonteado pela imagem composta, nem
percebe que foi feito de trouxa mais uma vez, engolindo como pura
teologia católica a velha distinção marxista entre reforma e revolução.
Desfeito pela análise o jogo de impressões, a “teologia da libertação” do
sr. Boff revela-se nada mais que uma técnica de escravização mental.
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