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Realismo Naturalismo No Brasil.
Realismo Naturalismo No Brasil.
Capítulo 1: O Realismo-Naturalismo
Keila Fernandes Santos
Silvana Lovera Silva
Introdução
Conforme nos informam Cereja e Magalhães (2005, p. 281), “na segunda me-
tade do século XIX, o contexto sociopolítico europeu mudou profundamente, lutas
sociais, tentativas de revolução, novas ideias políticas, científicas [...]”. Dentro desse
contexto, outro mundo se abriria também à literatura, tendo de se adequar às mu-
danças e à realidade. Ao constatar as lutas sociais e as revoluções que aconteceram
nessa época, a literatura não podia ficar inerte e se manter nos moldes do Roman-
tismo, viver de idealizações, do culto do eu ou fugir da realidade. Era o momento
do embate entre se fixar em um mundo idealizado ou considerar e escrever sobre
o mundo real, composto de duras realidades, mesmo que por meio do artifício da
ficção.
Eis o nascimento de tendências que contrariam o Romantismo. Segundo Ce-
reja e Magalhães (2005, p. 281), são “três tendências antirromânticas na literatura,
que se entrelaçam e se influenciam mutuamente: o Realismo, o Naturalismo e o Par-
nasianismo”. Retrataremos, neste capítulo, duas delas: o Realismo e o Naturalismo.
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homem interagindo com seu meio social, enquanto o Naturalismo mostra o homem
como “produto de “forças naturais”, desenvolve temas voltados para a análise do
comportamento patológico do homem, de suas taras sexuais, de seu lado animales-
co” (MAGALHÃES; CEREJA, 2005, p. 283). Observe outras características desses dois
movimentos na seguinte citação:
As características do Realismo estão intimamente ligadas ao mo-
mento histórico, refletindo, dessa forma, a postura do Positivismo,
do Socialismo e do Evolucionismo, com todas as suas variantes.
Assim é que o objetivismo aparece como negação do subjetivismo
romântico e nos mostra o homem voltado para aquilo que está
diante e fora dele, o não/eu; o personalismo cede terreno para o
universalismo. O materialismo leva à negação do sentimentalis-
mo e da metafísica. O nacionalismo e a volta ao passado histórico
são deixados de lado; o Realismo só se preocupa com o presen-
te, o contemporâneo. (Disponível em: <http://www.aprendemos.
com.br/realismo-e-naturalismo/>. Acesso em: 8 jul. 2013.) (grifo
nosso).
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Machado de Assis, como autor realista, produziu desde o início uma obra mais
equilibrada, sem o compromisso exagerado com a ciência e a biologia determinista.
Por meio de sua obra, imprimiu um “vigor novo à literatura no Brasil”.
O escritor teve uma atividade literária ininterrupta, que durou desde 1855,
quando publicou seus primeiros versos na revista Marmota, até o aparecimento de
seu último livro, Memorial de Aires, em 1908. Machado de Assis “representa, no Bra-
sil, o primeiro e o mais acabado modelo do homem de letras autêntico” (COUTINHO,
2002, p. 151).
Leia com atenção a produção literária de Machado de Assis.
Comédia
Desencantos (1861)
Tu, só tu, puro amor (1881)
Poesia
Crisálidas (1864)
Falenas (1870)
Americanas (1875)
Poesias completas (1901)
Romance
Ressurreição (1872)
A mão e a luva (1874)
Helena (1876)
Iaiá Garcia (1878)
Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881)
Quincas Borba (1891)
Dom Casmurro (1899)
Esaú e Jacó (1904)
Memorial de Aires (1908)
Conto
Histórias da meia-noite (1873)
Papéis avulsos (1882)
Histórias sem data (1884)
Várias histórias (1896)
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Teatro
Queda que as mulheres têm para os tolos (1861)
Desencantos (1861)
Hoje avental, amanhã luva (1861)
O caminho da porta (1862)
O protocolo (1862)
Quase ministro (1863)
Os deuses de casaca (1865)
Tu, só tu, puro amor (1881)
Antologias
Obras completas (31 volumes) (1936)
Contos e crônicas (1958)
Contos esparsos (1966)
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Saiba mais
Para saber mais sobre Machado de Assis, acesse o link destinado ao autor pela
ABL (Academia Brasileira de Letras): <http://www.machadodeassis.org.br/>.
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Brás Cubas: filho abastado da família Cubas, é o narrador do livro; conta suas
memórias, escritas após a morte, e nessa condição é o responsável pela carac-
terização de todos os demais personagens.
Virgília: amante de Brás Cubas, sobrinha de ministro, e a quem o pai do pro-
tagonista via como grande possibilidade de acesso, para o filho, ao mundo da
política nacional.
Marcela: paixão da adolescência de Brás.
Eugênia: a “flor da moita”, nas palavras de Brás, já que era filha de um casal
que ele havia flagrado, quando criança, namorando atrás de uma moita; o pro-
tagonista se interessa por ela, mas não se dispõe a levar adiante um romance,
porque a garota era coxa.
Nhã Lo Ló: última possibilidade de casamento para Brás Cubas, moça simples,
que morre de febre amarela aos 19 anos.
Lobo Neves: casa-se com Virgília e tem carreira política sólida, mas é traído pela
esposa com o protagonista.
Quincas Borba: teórico do Humanitismo, doutrina à qual Brás Cubas adere.
Morre demente.
Dona Plácida: representante da classe média, tem uma vida de muito trabalho
e sofrimento.
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CAPÍTULO 1
Óbito do Autor
Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim,
isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto
o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a
adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor
defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda
é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também
contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo; diferença radical entre
este livro e o Pentateuco.
Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de
1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos
e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado
ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas
nem anúncios. Acresce que chovia — peneirava — uma chuvinha miúda, triste
e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fiéis da última
hora a intercalar esta engenhosa ideia no discurso que proferiu à beira de mi-
nha cova: — “Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo
que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos
caracteres que tem honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu,
aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é
a dor crua e má que lhe rói à natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um
sublime louvor ao nosso ilustre finado”.
Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei. E foi
assim que cheguei à cláusula dos meus dias; foi assim que me encaminhei para
o undiscovered country de Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço prín-
cipe, mas pausado e trôpego, como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde
e aborrecido. Viram-me ir umas nove ou dez pessoas, entre elas três senhoras,
minha irmã Sabina, casada com o Cotrim, — a filha, um lírio-do-vale, — e...
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Tenham paciência! daqui a pouco lhes direi quem era a terceira senhora. Con-
tentem-se de saber que essa anônima, ainda que não parenta, padeceu mais do
que as parentas. É verdade, padeceu mais. Não digo que se carpisse, não digo
que se deixasse rolar pelo chão, convulsa. Nem o meu óbito era coisa altamente
dramática... Um solteirão que expira aos sessenta e quatro anos, não parece que
reúna em si todos os elementos de uma tragédia. E dado que sim, o que menos
convinha a essa anônima era aparentá-lo. De pé, à cabeceira da cama, com os
olhos estúpidos, a boca entreaberta, a triste senhora mal podia crer na minha
extinção.
— Morto! morto! dizia consigo.
É a imaginação dela, como as cegonhas que um ilustre viajante viu desferirem o
voo desde o Ilisso às ribas africanas, sem embargo das ruínas e dos tempos, — a
imaginação dessa senhora também voou por sobre os destroços presentes até
às ribas de uma África juvenil... Deixá-la ir; lá iremos mais tarde; lá iremos quan-
do eu me restituir aos primeiros anos. Agora, quero morrer tranquilamente, me-
todicamente, ouvindo os soluços das damas, as falas baixas dos homens, a chuva
que tamborila nas folhas de tinhorão da chácara, e o som estrídulo de uma nava-
lha que um amolador está afiando lá fora, à porta de um correeiro. Juro-lhes que
essa orquestra da morte foi muito menos triste do que podia parecer. De certo
ponto em diante chegou a ser deliciosa. A vida estrebuchava-me no peito, com
uns ímpetos de vaga marinha, esvaía-se-me a consciência, eu descia à imobilida-
de física e moral, e o corpo fazia-se-me planta, e pedra, e lodo, e coisa nenhuma.
Morri de uma pneumonia; mas se lhe disser que foi menos a pneumonia, do que
uma ideia grandiosa e útil, a causa da minha morte, é possível que o leitor me
não creia, e todavia é verdade. Vou expor-lhe sumariamente o caso. Julgue-o por
si mesmo. (Disponível em: <http://www.biblio.com.br/defaultz.asp?link=http://
www.biblio.com.br/conteudo/MachadodeAssis/brascubas.htm>. Acesso em: 29
maio 2013).
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Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele rece-
beu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho
das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o
atordoara nas matas brasileiras, era a palmeira virginal e esquiva que se não
torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti
mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite
de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida,
que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os
desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-
-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor
setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva
daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalha-
vam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca. (Disponível em: <http://maura-
voltarelli.wordpress.com/tag/aluisio-azevedo/>. Acesso em: 29 maio 2013).
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Referências
CANDIDO, Antônio. Iniciação à Literatura Brasileira. São Paulo: Universidade de São
Paulo, 1999.
CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Literatura Brasileira. São
Paulo: Atual, 2005.
COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil: era realista, era de transição. São Paulo:
Global, 2002.
FERNANDES, Marcos Rogério Cordeiro. O paradoxo do Realismo em Machado de
Assis: Memórias póstumas de Brás Cubas. Revista CES, 2001.
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