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(Capa E pRoseTo GRARKO: Andréia Custédio Revisho: Karina Mota CIP-BRASIL. CATALOGACAO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ M926 Maltiplas linguagens para o ensino médio / Clecio Bunzen, Marcia Mendonca, organizadores. - So Paulo : Pardbola Editorial, 2013. 23 cm (Estratégias de ensino) Inclui bibliografia ISBN 978-85-7934-056-7 1. Linguagem e linguas. |. Bunzen, Clecio, 1978-.11 Mendonca, Marcia. Il Série 12-8762 DD: 407 CDU: 800.7 Direitos reservados & Parabola Editorial Rua Dr. Mario Vicente, 394 - Ipiranga 04270-000 Sao Paulo, SP pabx: [11] 5061-9262 | 5061-8075 | fax: [11] 2589-9263 home page: www.parabolaeditorial.com.br e-mail: parabola@parabolaeditorial.com.br Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reprodu- ida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrénico ou mecnico, incluindo fotocépia e gravagéo) ou arquivada em qualquer sistema ‘ou banco de dados sem permissao por escrito da Pardbola Editorial Ltda. ISBN: 978-85-7934-056-7 © do texto: Clecio Bunzen e Marcia Mendonca, 2013. @ da edicao: Parabola Editorial, S40 Paulo, junho de 2013. Multimodalidade, género textual e leitura Angela Paiva Dionisio Leila Janot de Vasconcelos \ ivy Introducao A sociedade na qual estamos inseridos se constitui como um grande ambien- ‘te multimodal, no qual palavras, imagens, sons, cores, musicas, aromas, movi-_ mentos variados, texturas, formas diversas se combinam e estruturam um grande mosaico multissemiético. Produzimos, portanto, textos para serem lidos pelos nossos sentidos. Nossos pensamentos e nossas interagdes se moldam em géneros textuais e nossa historia de individuos letrados comeca com nossa imersao no universo em que o sistema linguistico é apenas um dos modos de constituicao dos textos que materializam nossas agGes sociais. Trazer para o espago escolar uma diversidade de géneros textuais em que ocorra uma combinacao de recursos semidticos significa, portanto, promover 0 desen- volvimento © neuropsicol6gico de nossos aprendizes. Isso se justifica se conside- ramos os principios de que um texto é um “evento construido numa _orientagao multissistemas” (Marcuschi, 2008: 80) e que vivemos em ambientes de aprendi- zagem cada vez mais permeados pelos avangos tecnolégicos. Além disso, como 9 uso da linguagem é sempre um ato retorico, observar a relagao entre a retorica @ a tecnologia é fundamental. Como destaca Miller (2012: 17), ambas possuem a Mesma estrutura dindmica do “pushmi-pullyu (me empurra/te puxa)”, ou seja, a » enquanto a segunda ajusta Primeira ajusta “ideias a pessoas e pessoas a ideias”, “O mundo material as pessoas e as pessoas a0 mundo material”. (wucTimopaLioaDE, GENERO TEXTUAL ELEITURA | a Sabemos que o ser humano ¢ um sistema dindmico de elevada complexidade e to. das as praticas e intervencoes a ele relacionadas compartilham de niveis de com- plexidade semelhantes. Assim, 0 professor, ao abordar os recursos multimodais ha construgao de géneros textuais, deve levar em conta, além das questdes peda- gdgicas tradicionais, os fatores ligados ao funcionamento neuropsicolégico do aprendiz, aos processos cognitivos subjacentes envolvidos naquela circunsténcia de aprendizagem. Considerando a definicado ‘grande mosaico semiotico’, é fun- damental que o professor esteja consciente de que o ser humano possui uma es- pecifica capacidade de aprendizagem e de que, para compreendé-la, necessitamos ter conhecimento de algumas teorias que a expliquem, como a teoria cognitiva de aprendizagem multimodal de Mayer (2001; 2009), que afirma que existe uma du- pla capacidade de processamento de informacao, a verbal e a visual, e que o aluno, em uma situacao de aprendizagem, poderé ter melhor éxito se estes dois canais fo- rem utilizados de forma eficaz ou as questées enfatizadas pela neuropsicologia*! referentes as fungdes neuropsicolégicas envolvidas em cada situacao de aprendi- zagem. Nosso interesse pelo fendmeno da multimodalidade envolve tanto a anali- se da sua natureza constitutiva dos textos como as implicagdes neuropsicolégicas envolvidas no processo de aprendizagem. McCloud (2005: 194-195) nos lembra: Todas as midias sdo um subproduto de nossa incapacidade de comunicagao men- te a mente. Triste, é légico, porque quase todos os problemas da humanidade surgem dessa incapacidade. [...] A midia transforma pensamentos em formas que podem atravessar 0 mundo fisico, reconvertendo-os por um ou mais sentidos de novo em pensamentos (grifos do autor). As linguagens empregadas neste processo vao depender dos suportes? dos textos, pois é justamente no texto onde os modos (imagem, escrita, som, musica, linhas, cores, tamanho, angulos, entonagao, ritmos, efeitos visuais, melodia etc.) sao rea- lizados. GFE Tel ete € 0 termo que tem sido utilizado para des- crever esses modos e como eles se integram através das modalidades sensoriais * Oasterisco indica que o termo destacado é explicado no glossério ao final da obra. * Ver glossdrio geral da obra. Estamos usando “suporte” como “um locus fisico ou virtual com formato especifico que serve de base ou ambiente de fixacao do género materializado como texto” (Marcuschi, 2008: 174). 2 (visual, auditiva, olfativa ete, a construgao de eventos e EXCSMMTIP NETS “Nosso alfabeto expandiu-se” é uma afirmacio feita em um dos dia logos entre Umberto Eco e Jean-Claude Carriére, em No contem com o fim do livro: Umberto Eco: Num certo momento, os homens inventaram a escrita, Podemos Considerar a escrita como o prolongamento da mao e, neste sentido, ela € quase bio- légica, Ela é a tecnologia da comunicagao imediatamente ligada ao corpo. Quando Yocé inventa uma coisa dessas, ndo pode mais dar para tras. Repito, é como ter inventado a roda. Nossas rodas de hoje sao iguais as da pré-histéria. Ao passo que Nossas invengdes modernas, cinemas, radio, intemet, nao sio mais biolégicas. Jean-Claude Carriére: Vocé tem razao em apontar isso: nunca tivemos tanta ne- cessidade de ler e escrever quanto em nossos dias. Nao podemos utilizar um compu- tador se nao soubermos escrever e ler. E, inclusive, de uma maneira mais complexa ue_antigamente, pois integramos novos si: novas chaves. Nosso alfabeto expandiu-se. E cada vez mais dificil aprender a ler (Eco e Carriére, 2010: 19). RECURSOS SEMIOTICOS De acordo com os glossarios existentes nos livros Introducing Social Semiotics e The Routledge Handbook of Multimodal Analysis, a definigo de recurso semisti- co que prevalece é a estabelecida por van Leeuwen: "AcGes, materiais ou artefa- tos que nés usamos com propésitos comunicativos, quer produzides fisiologica- mente — por exemplo, com nosso aparato vocal, os musculos que usamos para fazer expresses faciais e gestos — ov tecnologicamente, por exemplo, com l3- pis e tinta, ou computador e software — junto com os meios nos quais cada um desses recursos podem ser organizados. Recursos semisticos tm um sentido potencial, baseado nos usos passados e numa série de possibilidades baseadas no usos possiveis. [...J" (van Leeuwen, 2004: 285; Jewitt, 2009: 304). jiaiew 2 > "MULTIMODAL" Otermo “texto multimodal” tem sido usado para nomear tex- tos constituidos por combinacao de recursos de escrita (fonte, tipografia), som (palavras faladas, misicas), imagens (dese- nhos, fotos reais) gestos, movimentos, expressGes faciais etc. Para maior compreensao da natureza multimodal dos géne- ros e de suas configuracdes multimodais dentro de um siste- ma de géneros, sugerimos a leitura de From Speech Genres to Mediated Multimodal Genre Systems: Bakhtin, Voloshinov, and », the Question of Writing, de Prior (2009). MULTIMODALIDADE, GENERO TEXTUAL E LEITURA ‘As novas midias, os suportes e as possiveis implicages no processo de aprendiza- gem da leitura, considerando os modos semi6ticos na tessitura dos textos digitais, si- nalizam a necessidade de ler e escrever cada vez mais na era da computacao. Talyez nao esteja mais dificil aprender a ler, talvez nossas producGes textuais estejam mais complexas, nossos suportes textuais estejam mais evoluidos ou diversificados, exi- gindo, consequentemente, uma reorganizaciio de nossos habitos mentais de praticas de leituras. Portanto, no contexto especifico de aprendizagem, com a utilizacao de recursos multimodais decorrente de um processo natural da Sociedade semiotizada) em que estamos inseridos, o professor precisa ter consciéncia dos possiveis desdo- bramentos cognitivos no aprendiz. Como lembra Marcuschi (2008: 81), todos nés temos uma competéncia textual-discursiva relativamente bem desenvol- vida e nao ha o que ensinar propriamente. Nosso papel neste momento é compre- ender como isto funciona e como podemos fazer com que funcione ainda melhor. Neste primeiro capitulo, discutiremos o fendmeno da multimodalidade como tra- Co constitutivo dos géneros textuais e como recurso metodoldgico, apresentando algumas razdes pelas quais os professores devem atentar para tal fendmeno e refletindo sobre as implicagdes dos usos dos recursos multimodais no processo de aprendizagem. Intimeras so as razGes pelas quais os estudiosos da linguagem, nas mais diferen- tes areas, devem se dedicar investigagao dos fendmenos multimodais nas produ- GOes textuais verbais (faladas ou escritas) e pictoriais (estaticas ou dinamicas), bem como devem questionar a crenga de que 0 uso de recursos multimodais possa ga- rantir a facilitacao do processo de aprendizagem, como algumas pesquisas no cam- po da neuropsicologia e da psicologia cognitiva ja tém feito, pois existem multiplos fatores envolvidos nessa situagao. Neste capitulo, priorizaremos a discussao de al- guns aspectos relacionados com as nogoes de género e texto, com a materialidade multissistémica dos textos, com as similaridades conceituais no tratamento do texto verbal e do texto visual, relacionando-as com o processo de aprendizagem, subsi- diadas pela teoria cognitiva de aprendizagem e pelo enfoque da neuropsicologia. 4 ) NT fo) PARA SABER MAIS J Uma sugestao de leitura sobre 0 tema é 0 artigo de Theo van Leeuwen, intitulado “Ten Reasons Why Linguists Should Pay Attention to Visual Communication” ("Dez razoes pelas quais os linguistas devem prestar atengao 8 comunicagao visual"), in: LEVINE, P., SCOLLON, R. (orgs.). Discourse & Technology: Multimodal Discourse Analysis. Georgetown: Georgetown University Press, 2004, pp. 7-19. y))\ As interagdes humanas sao mediadas =} por artefatos multimodais As interagdes humanas se realizam por meio de linguagens as mais diversas e nado nos referirmos aqui apenas s interagdes mediadas por enunciado linguistico falado ou escrito, mas sim por qualquer artefato. Como ressalta Miller, oMef{ateigeyl ~ nao esta no texto ou no artefato, mas sim “na percepcao do criador e do receptor, como eles percebem 0 que esta acontecendo” (Miller e Bazerman, 2011). Isso porque, ao escolhermos um género, estamos selecionando nao apenas uma ‘forma’, mas sim “miltiplos fatores sociais e psicolégicos com os quais nossos enunciados pre- cisam dialogar para serem mais eficazes”, como assegura Bazerman (2005: 29). Género é, portanto, uma categoria de reconhecimento psicossocial; a forma é ape- nas um de seus aspectos, que nem sempre o define, como veremos mais adiante. GENERO E CULTURAS _ “Chamar género de ‘artefato cultural’ é um convite a vé-lo da forma como um antropdlogo vé um artefato material de uma civilizagao antiga, como um produto, que tem funcées particulares, que se encaixa dentro de um siste- ma de fungées e de outros artefatos. Assim, muito do que sabemos sobre a cultura da Grécia antiga, aprendemos de padres recorrentes — na cera- mica, na escultura e na arquitetura, assim como no discurso; e néo apenas nos discursos judicial, politico e epiditico remanescentes, mas também nas formas que os gregos tinham de contar sua propria histéria, na natureza do drama e na fulgurante poesia, nos tratados e didlogos sobre questdes erv- ditas. Como portadores de cultura, esses artefatos literalmente incorporam conhecimento — conhecimento sobre estética, economia, politica, crengas religiosas e todas as varias dimensdes daquilo que conhecemos por cultura humana. Como intérpretes —historiadores, antropdlogos —nés, no século XX, devernos tentar reconstruir o saber que conduz ao reconhecimento des- ses padres como significativos e inter-relacionados. Fazemos inferéncias a partir de artefatos espectficos, ou de agdes especificas, sobre a cultura e da cultura como um todo. Assim, parece-nos possivel caracterizar uma cultura através de seu conjunto de géneros — quer seja judicial, deliberativo e epi- ditico, quer seja um artigo cientifico, uma proposta de financiamento, um péster, um parecer e outros. O conjunto de géneros representa um sistema de ages e nteracSes quepossuifungdes e lugares saciais especificos, como também valor ou funcao-repetitiva ou recorrente, [sso sugere uma relagao entre particularidades materiais, instanciagdo de um género em atos indivi. “duaise sistemas de valor e significago” (Miller, 2032: 47). MULTIMODALIDADE, GENERO TEXTUAL E LEITURA E fundamental compreender que os géneros, por serem “ages retoricas Tealizadas em situagdes recorrentes” (Miller, 2012) permitem uma classificagao; no entanto, essa Classificagao se da ret6rica e socialmente, nao por sistemas de Classificacgo, Se tomarmos como exemplo os cartdes de aniversario, observamos que ha varias simi- laridades entre eles, mas, dentre essas similaridades, existem variedades, Q cartiig de parabéns que um adolescente envia para sua colega sera, provavelmente, muito diferente em termos de linguagem, de contetido, de layout e talvez, até de Suporte, daquele que este mesmo adolescente entregard numa festa formal de 15 anos a esta mesma amiga, juntamente com um presente. Podemos pensar num outro exemplo, os convites de casamento, que podem trazer as informagGes sobre quem nos convi- da, quem sao os noivos, 0 local, a data e o hordrio da ceriménia reli; iosa e social, traje, embora possam fugir ao layout tradicional e assumir a forma visual de uma peticéo, bem como utilizar o registro de lingua caracteristico do dominio juridico; isto por serem os noivos advogados. Esses exemplos evidenciam que nossas intera- Ges sao eventos multimodais porque uma situagao ret6rica é “um construto social ou estrutura semidtica” (Miller, 2012: 31). Enfim, qualquer objeto ou texto verbal em que “mais de um modo [semictico] se combinem como recurso para construir sentido” constituird um artefato multimodal (Jewitt, 2009: 301). Os géneros falados e escritos? se materializam em =) textos multissistemicamente construidos Os géneros se realizam, materializam-se em textos (Miller, 2009; Marcuschi, 2011). Afirmacao facil de ser feita, mas nao tao simples de ser desenvolvida, quan- do os estudos de género extrapolam as fronteiras do meramente linguistico, ou seja, quando se passa a observar que a textualidade da escrita envolve mais de um modo semidtico e que, dentro da organizacio do sistema linguistico, ha con- vencoes visuais que sao pistas retoricas. A imagem de um texto constitui um for- te indicio para identificacdo do género (Wysocki, 2004). Isto se torna facilmente verificavel em textos com maior observancia das normas padronizadas, como pot exemplo, os documentos legais, os géneros académicos. Esse é um reconhecimen- > Neste capitulo, vamos nos deter em géneros escritos apenas. ey to psicossocial, uma vez que reconhecemos aqueles géneros que usamos ou sabe- mos que outras pessoas se utilizam deles. Reconhecemos os suportes pelos quais odem ter sido veiculados. Ao observamos a figura 1, apresentada por Kostelnike e Hasset (2003: 97), podemos enumerar varios géneros, as situagdes sociais em que podem ser realizados, isto porque fazem parte de nossas praticas sociais. Saas eeu ——) A Ea d c = ne a eB f g h i Figura 1: Convengées visuais que sinalizam uma ampla variedade de géneros. Sabemos que as praticas sociais emergem de acordo com as necessidades, com mudan- _ cas da sociedade. Assim como as atividades sociais se modificam, surgem novas de- mandas, criam-se novos Contextos, a5 pessoas precisam de novos géneros ‘tarem: a essas novas exigéncias, ou precisam fazer modificag6es nos géneros existentes. Tomemos 0 titulo de eleitor do Brasil Prewitt an oi er como ilustragao. Certamente qualquer cidadao brasileiro reconhecera a figura 2 como 0 titulo de eleitor da Reptiblica Federativa do Brasil, porém provavel- mente niio haveré a mesma facilidade para reconhecer o texto, figura 3, como um titulo de eleitor, também brasileiro. Isto porque género também é goria imento social, de ca- ree fa 2: Modelo de titulo de eleitor da Reptiblica rativa do Brasil — 2011. Dispontvel em , Acesso em 09 mar. 2012. Miller e Bazerman, 2011). MULTIMODALIDADE, GENERO TEXTUAL E LEITURA wir onsuniagoes 5% fe pet cae a . Thule On wLeIroR “te De Figura 3: Titulo de eleitor da Reptiblica Federativa do Brasil — 1945, Acervo pessoal. Angela Dionisio, 2000. Alem das mudangas cronol6gicas, as facilidades de manipulagao grafica atreladas ao espirito criativo dos produtores textuais trazem “armadilhas” desafiadoras aos leitores, pois a imagem visual do texto pode nao garantir de imediato sua identifi- cacao. Vejamos uma publicagao contida em duas paginas no interior da SuperIn- teressante, na se¢ao Supernovas (SuperInteressante, 12/2002): A que género (ou a quais géneros) nos leva a imagem visual? Figura 4: Revista Superinteressante, dez. 2002, s.p. Dionisio (2006: 24) relata sua experiéncia com a leitura deste texto, atestando que a imagem visual pode despistar 0 leitor da identificagao do género: wy iil Minha primeira reagdo ao me deparar com estas duas paginas no interior da Super- Interessante foi uma mistura de encantamento e curiosidade, Encantamento pela beleza visual do que, naquele momento, me parecia uma fotografia de uma estante repleta de livros usados. [...] Curiosidade porque bem sei que se ‘aquilo’ fosse uma fotografia teria um propésito comunicativo maior ali, pois a fotografia en- quanto texto comegava e terminava naquela pagina dupla. Nao estava associada a nenhum outro texto. Entao, certamente, nao seria uma mera fotografia. Apds esta leitura de mera identificagao do visual, resolvi ler o verbal, ou seja, fui ao inicio do texto que se encontra no dorso do primeiro livro, a esquerda da estante, na primeira prateleira, com a seguinte indagacao: que género textual estara emoldurado nesta estante? A leitura do dorso do primeiro livro me situou em relacdo ao que seria aquele texto: uma ‘estante de conhecimentos’ que contém a histéria da Historia das ideias, como afirma o titulo. A intima relacao entre os textos visual e verbal se consagra ja no sobretitulo: biblioteca basica. As imagens dos livros aqui se fun- dem como ilustracGes das obras dos pensadores da historia da humanidade e como espaco fisico para a escrita do texto do jornalista. A palavra nao é simplesmente posta numa folha de papel, mas sim sobre a imagem de dorsos de livros. A leitura do texto verbal no dorso dos livros organizados nas duas prateleiras da estante requer de nds leitores uma mudanga em nossos habitos (figura 5), pois (i) para dar continuidade 4 leitura dos demais dorsos/paragrafos dos livros, 0 leitor precisa girar o suporte textual (a revista) para a posi¢ao vertical, origi- nando um novo formato de layout de pagina (colunas duplas); (ii) com essa inversao, a escrita do texto verbal “inscrita” nos dorsos dos livros se manteve na posicao da escrita ocidental, ou seja, da esquerda para direita; (iii) no entanto, a leitura das duas prateleiras, isto é, do texto na sua integra exige uma ressignificacao dos nossos habitos ocidentais de leitura, uma vez que se lerd primeiro a coluna da direita (prateleira superior) e, ao chegar ao final do texto, para dar continuidade a leitura, faz-se necessario voltar para 0 inicio da prateleira 2, coluna 1, assim a leitura transita da direita para esquerda, padrao com 0 qual néo estamos acostumados. Embora, originalmente, por causa dla disposicao dos livros na estante, a forma da escrita se altere (de baixo para cima em cada dorso), 0 leitor busca, através do ma- nuseio do suporte do texto, adequar a disposigao grafica ao seu habito original de ler. Apesar de toda a explicagao fornecida acima sobre 0 percurso do leitor, existe uma questdo a se pensar: serd que todos os leitores poderao ou conseguirao tilhar ENERO TEXTUAL E LEITURA Bich ite oe esse caminho? Sera que conseguirao ter esse nivel de compreensao? O que Ocor- reu no seu caso? Além das referéncias textuais e recursos semidticos, nao seria uma questao crucial a condicao cognitiva ou o nivel de funcionamento neuropsi- coldgico do aprendiz? O didlogo entre as dreas de conhecimento é fundamental e motivacao para a realizagao desse artigo. Outro recurso semistico relevante na organizacao diacr6nica das ideias filos6f- cas fica sob a responsabilidade da utilizagao da cor, uma vez que os livros com dorso preto servem para separar os perfodos desde VI-IV a.C até os séculos XX- -XXI. Detendo-nos na andlise dos dorsos, observamos que, no espaco do autor, estdo localizados (i) os grandes pensadores, ou seja, os prdprios autores, como, por exemplo, Platao; (ii) as escolas filosdficas, como em pré-socraticos. Ja no espago consagrado ao titulo, estao inseridas as informacées sobre (i) as contribuicées dos grandes pensadores, quando estes ja ocupam visual- mente o lugar destinado aos autores, (ii) as caracteristicas de determinada escola e a citagao dos Tepresentantes das escolas filosdficas, quando estas se encontram no espago normalmente des- tinado aos autores. Por fim, a disposicao grafica interage com a progressdo informacional; ha o apro- veitamento do espaco da identificacao do autor para situar o inicio dos enuncia- dos que constituem o texto verbal, responsdveis pela explicitacéo da evolucao historica das ideias da humanidade. Por exemplo, o termo Aristételes funciona, visualmente, como identificagao do autor do livro e, sintaticamente, como sujei- to da estrutura linguistica “foi discfpulo de Platéo, mas nao concordava com a existéncia de um mundo superior, voltando sua aten¢ao para a realidade sensivel © para as ciéncias da natureza” (figura 6). H, portanto, uma progressdo linear tematica e visual, Figura 6: Arist6teles: fusdo entre identificagao de autoria e de termo de estrutura sintagmatica. EE ————_ Prateleira 2/Coluna 1 Prateleira 1/Coluna 2 LTIMODAL eeInvas 2 [ MULTIMODALIOADE, ENERO TEXTUALELEITURA | & Ha similaridades no tratamento do texto verbal e = ) do texto visual, quanto ao uso de conceitos Grammar of Visual Design, de Kress Com a publicagao da Reading Images: The decorrentes, verificou-se qu e van Leeuwen (1996), e de (elBLigeks trabalhos “01 muitos dos conceitos ja existentes para a analise das estruturas linguistico-tex- tuais eram possiveis de serem transpostos para a andlise dos textos visuais, Nas palavras de van Leeuwen (2004: 16), eitos desenvolvidos nos estudos da gramatica e do texto nao sao muitos dos conct especificos para a lingua Tomemos para exemplificagao a nocéo de igs} Elel-}"~na perspectiva linguistica sistmico: léxico-gramatical que permite a identi cacao de acdes e atividades humanas ex- pressas no texto, exercidas através de papéis. Os elementos que realizam o sistema de transitividade sdo os processos, os participantes e as circunstdncias. Vamos nos deter apenas em duas ocorréncias bastante simples. Na oragéo “O coala come folhas de eucalipto”, de acordo com os processos (verbos) de estruturagao das oracdes da LSF, temos um processo material. Ha uma realizagéo de agao fisica (comer) por um participante, o coala (0 ator) sobre outro participante as folhas de eucalipto (a meta). Processo (comer), ator (0 coala), meta (as folhas de eucalipto) constituem a estrutura semiotica. Observemos agora a fotografia a seguir: { Figura 7: Fotografia. Acervo pessoal. Leila Vasconcelos — | \ PARA SABER MAIS. Ee Sugerimos a leitura do Sobre o tema transitividade e sobre a lin- capitulo “Revisitando a gra- guistica sistémico-funcional, sugerimos mitica visual nos cartazesde |) 0 livro Transitividade e seus contextos de guerra”, de José David Fernan- uso, de Maria Angélica Furtado da Cunha des e Danielle Barbosa Lins de e Maria Medianeira de Souza (Sao Paulo: Almeida, publicado no livro Cortez, 2012). Perspectivas em andlise visual: do fotojornalismo ao blog. Joao Pessoa: Editora da UFPB, p.21-32, LINGUISTICA SISTEMICO-FUNCIONAL \ A grande preocupagao da LSF é compreender e descrever a linguagem em funcionamento como um sistema de comunicago humana e nao como um conjunto de regras gerais, desvinculadas de seu contexto de uso. Para essa corrente teérica, a lingua organiza-se em torno de duas possibilidades alternativas: a cadeia (0 sintagma) e a escolha (0 para- digma). Uma gramatica sistémica ¢, sobretudo, paradigmatica, pois considera as unidades sintagmaticas apenas como realizacées linguis- ticas e as relagées paradigmaticas como o nivel profundo e abstrato da linguagem. Vale ressaltar que o termo sistémica refere-se as redes de sistemas da linguagem (o sistema de transitividade [...], por exemplo). Ja 0 termo funcional refere-se as fungées da linguagem, que usamos para produzir” (Furtado da Cunha e Souza, 2021, p. 24-25). Podemos verificar que 0 ator (0 coala) e a meta (as folhas de eucalipto) sdo os participantes do ato semiotico de um processo material (comer). Temos, portanto, uma estrutura ator + meta, em que 0 ator é 0 participante de quem parte a acao, ou seja, de onde parte o vetor (—) e a meta é 0 participante para quem a aco, o vetor, é dirigida. Nao estamos afirmando igualdade entre estruturas linguisticas visuais, mas sim, como j4 destacam os autores supracitados, TelacGes de paridade, Nesta fotografia, assim como na oragao “O coala gome folhas de eucalipto”, ha uma ac&o em andamento — um coala se alimenta corretamente, pois esse mamifero marsupial se alimenta unicamente de folhas eucalipto, de onde extrai 4gua, uma MULTIMODALIDADE, GENERO TEXTUAL E LEITURA vez que nao bebe este liquido. Ha uma (PSTSNETeE CCE Tealidade uma estrutura construida visualmente (fotografia) e por uma estrutura a Pop lizam uma agao, struida linguisticamente (oracdo) e ambas mater A segunda ocorréncia foi analisada por Dionisio e Vasconcelos (2010), doin ° 0 Hive, © image Modo se, 0S @ 0 . 5 ae lu eles informam aos leitores. A titulo de ilustragdo, vejamos um exercicio extraid lo de um livro didatico de matematica (figura 8): tigarem atividades em que o enunciado integrase texto (linguistico) (desenho), visando observar as possiveis informagées dadas Por cada midtico, a existéncia ou nao de entrelagamento entre os modos utilizad Dona Fernanda saiu de casa com RS 306,00. Agora ela esta lembrando dos seus gasigg PADARIA “AGOUGUE R$ 28,00 R$ 84,00 | FARMACIA a) Quanto dona Fernanda gastou no total? b) Quanto sobrou? Figura 8: Atividade extraida de um livro didético de matematica destinado ao 6° ano (Gelson lezzi, Osvaldo Dolce, Antonio Machado. Matematica e realidade: 6° ano. 6. ed, ‘Sao Paulo: Atual, 2009, p. 17). Um aspecto que merece atencao, na cConstruc¢do deste exercicio, reside na for- ma de apresentacao dos dados do problema. A imagem é parte integrante do enunciado linguistico de forma muito significativa: é nela que estao os dados do problema: uma sequéncia de baloes de Pensamento em que dona Fernanda esta lembrando os gastos realizados. f criada para o aluno uma representacio de uma reagao do participante, uma vez que, ao olhar para suas compras, dona Fernanda comega a lembrar 0 que comprou e a calcular 0 quanto gastou nos itens padaria, agougue e farmacia. Na perspectiva da LSF, temos um caso de Processo mental (lembrar) em que os participantes envolvidos sao Fernanda (eX perienciador) e os gastos (fenémeno), demonstrados nos baldes de pensamento- Arealizagao do processo cognitivo de “lembrar” 6 representada pela sequéncia de baldes de pensamento que trazem o que foi comprado e os valores (os dados). is FUNCAO REPRESENTACIONAL A funcao representacional, para a gra- matica do design visual, “indica [...] 0 que esta sendo mostrado, o que se supde esteja ‘ali, o que esté acontecendo, ov quais relagGes estao sendo construidas entre os elementos apresentados” (FERNANDES, J., ALMEIDA, D., in: ALMEIDA, D., 2008, p. 12). Estas informag6es sao_essencii para que o aluno possa resolver as questdes propostas em a) e em b). Nota-se, entre as quest6es a) e b), uma dependéncia semantica para a resolugéo do problema, visto que para calcular o total gasto sera necessdrio se saber o quanto restou do total de R$306,00. As imagens dentro dos bales fazem parte do processo cognitivo da personagem repre- Sentada, mas nao parecem ser relevantes para a estruturagao do proble- ma matematico. Chamamos a atencao para a diferenga entre a multimodalidade Como recurso Constituinte do texto e como recurso metodoldgico. Podemos analisar esse exercicio sob outra perspectiva, uma discussao em termos Cognitivos, ligados a condi¢ao do aprender enfatizando que: (i) este 6 um exercicio de verificacao, portanto, uma situacao de aprendizagem; (ii) oenunciado do problema contém informagGes apresentadas de forma visual e verbal; (iii) as imagens sao utilizadas para a apresentacao de alguns dados do problema; (iv) algumas informagoes visuais sdo menos relevantes para a resolugao do problema; (v) acrianga deve relacionar os dados relevantes fornecidos para deduzir a ope- ra¢do aritmética necessaria; (vi) 0 recurso visual nao pode, nesse caso, ser considerado um “facilitador para a aprendizagem do aluno”, pois imagem, mesmo sendo parte integrante dos dados do enunciado, nao tem como objetivo tornar o problema “mais facil de ser entendido”; (vii) mesmo ndo sendo considerado um facilitador, 0 recurso visual utilizado apresenta uma nova forma de enunciado do problema para o aluno (diferen- te de um enunciado apenas com recursos verbais) e, com isto, _amplia suas. Possibilidades de compreensao e de exploracaio dos dados de um problema Proposto e, consequentemente, sua propria condicao de aprender. O entrosamento dos modos de construcao de sentido através dos recursos semisticos Pode favorecer o sucesso na construcao do texto matematico. No entanto, em relacdo MULTIMODALIDADE, GENERO TEXTUAL E LEITURA. & aprendizagem, a materialidade do texto é epenas a primeira etapa do PrOceg aprendizagem. Cabe aos professores, em suas areas especificas, saber como aed q junto de estimulos poder ser processado, se ele pode propiciar uma aprend; Con, mais eficiente, pois, como sabemos, de acordo coma configuracao do funcionane | neuropsicolégico do aluno, havera capacidades de aprendizagem diferenciadas Enfim, as articulagdes entre os modos semidticos tém mudado tanto em sua fungao, pois so considerados veiculos de informacao, deixando a ima an ser apenas ilustracao da escrita. As praticas de letramento nao Se estingem = ao sistema linguistico, visto que o letramento é um processo social que pei nossas rotinas didrias numa sociedade extremamente semiotizada i Cabe, Dortan. to, a escola, como salientam os PCNEM (Brasil, 2002: 126), orientar aluno a Telagig 3 compreender_e_usar-os-sistemas_simb6licos das diferentes linguagens eit meios de organizagao cognitiva da realidade pela constitui¢ i e informagao. expressao, comunicac No entanto, é necessario que os envolvidos no processo de aprendizagem, os professores e autores de materiais didaticos, por exemplo, tenham conhecimento de que nao é a mera orquestracao de linguagens nem a organizacao sintagméti- ca da materialidade do texto que asseguraré uma aprendizagem eficaz. Diversos aspectos estao envolvidos no complexo processo que é a capacidade humana vi- suoverbal de processamento de informagao. A capacidade humana visuoverbal de processamento de informacado A leitura no contexto escolar se da basicamente em situacdes de apropriagao de conhecimentos e de avaliagao da aprendizagem de conhecimentos, por isso 0 pla- nejamento dos textos multimodais voltados para situacGes de ensino-aprendiza- gem exige a observancia de princfpios que norteiam o processamento cognitivo. Mayer (2001, 2009) desenvolveu a teoria cognitiva da aprendizagem multimodal (rcam) que parte da premissa de que estudantes aprendem melhor a partir de uma explanagao quando esta é apresentada em palavras e em imagens do que apen@> em palavras e defende que a utilizacdo apenas do modo verbal, ou seja, da COS ae ‘ jal do trugdo da informago apenas so da palavra, desconsidera o potencial 4 a sistema humano de processamento do modo visual. As trés hipdteses essenciais que subsidiama consistem em qui : (i) o ser humano possur duplos canais para processamento de informagao: (ii) _a quantidade de informagio possivel de ser processada por cada canal é limitada; (iii) um processamento ativo possibilita-lhe se engajar numa atividade de apren- dizagem para receber informagOes pertinentes, organizar as informa¢oes ‘se- lecionadas em representacdes mentais coerentes € integrar as representagdes a eS mentais com outros conhecimentos (Mayer, 2009: 70). CAM: TERMOS EM DESTAQUE Nao iremos desenvolver a nocao de instrugéo multimodal neste capitulo, mas situaremos 0 leitor em relac3o a alguns termos da teoria de Richard Mayer. Ins- trugao multimodal, palavra, imagem, aprender melhor e licdo constituem al- guns dos termos que precisam ter seus usos explicitados naTCAM. Por instrug3o multimodal entende-se a "apresentacao de material usando, ambas, palavras e imagens com a inten¢ao de promover aprendizagem” (Mayer, 2009: 5). Por pa- lavra, Mayer entende o material apresentado na forma verbal, falada ou escrita, como por exemplo, pequenas passagens ou narracdes adaptadas de enciclopé- dias e livros didaticos; por imagem, a forma pictorial, ou seja, graficos estaticos ou dinamicos; por aprender melhor, aproveitamento do entendimento do ma- terial apresentado, medido através de testes de retengo e transferéncia, e por ligdo, uma apresentaco que favoreca a aprendizagem do estudante, como, por exemplo, breves explicacdes de como funcionam determinados sistemas etc. A figura 9 representa a TcAM: apresentacio memoria meméria de meméria de multimodal sensorial trabalho longo prazo jo de modo. verbal =| 4p| ouvidos sons 1 vs imagens palbvras prévio conhecimento > modo figuras pictorial selegio de imapens Figura 9: Teoria cognitiva da aprendizagem multimodal. MULTIMODALIDADE, GENERO TEXTUAL E LEITURA ] 5 esses duplos canais de processamento — 0 visual-pictoy m uma capacidade limitada de processamento e ale entalmente, entre as representacdes jue izes estdo aptos a C arem um entendimento mais profundo 4 que 0 fariam se fosse de palavras 0U de imagens isoladas” (Mayer, 2009: 7), yp entanto, é necessario observar “como podemos elaborar instrugées, que ajuy i= terial apresentado?” (Mayer, 2009: 1). Em outras palavras, © verbal-auditivo — ao estabelecer conex6 — possuer isso, jes, mi visuais, “os aprend os aprendizes a entender 0 m erbal e o canal visual/pictorial na teoria co, ig A figura 10 — O canal auditivo/v | — explicita 0 processamento cognitivo da. Ss nitiva da aprendizagem multimodal informacoes pelos canais auditivo e visual. Destaque ao canal auditivo/verbal apresentagao memoria memoria de memoéri \oria de multimodal sensorial trabalho lor Ngo prazo ot; a palavras ouvides sons modo 2 a4 verbal é etegrondo] ES | ge as OF ae |] fours 1) olhos £2151 imagens [2 y,modo \4 5 | | BE BE [pictorial 8 Destaque ao canal visual/pictorial apresentaggo. meméria mame A multimodal sensorial a x memérade cr longo prazo | Ze ‘Ss palavras owvidos 1128 1,[ sons [-gigl,-modo le|” verbal figuras { " {| f olhos 1 ee Fi : iti igura 10: O canal auditivolverbal e o canal visualipictorial Mayer procura ilust indi rm. ilustre ami ar a dindmica do processamento cognitivo da seguinte forma: Um texto na tela d lO Ci ‘omputador pode ser inicialmente processado pelo canal visual por que é aj resent Sanaa Be ae = para os alhos, mas um leitor experiente pode estat » converter as imagens em sons, que so processados Pel? canal auditivo, Da mesma forma que uma ilustragdo de um objeto ou um evento, como o “aumento de nuvens fez subir o nivel de congelamento”, pode, inicial- mente, ser processada no canal visual, mas o leitor pode também estar apto para, mentalmente, construir uma descrigdo verbal correspondente no canal auditivo. Inversamente, uma narracdo pode descrever um evento, como “aumento de nu- vens fez subir 0 nivel de congelamento” pode ser processado pelo canal auditi- Vo, por ser apresentado para os ouvidos, mas 0 aprendiz pode, também, formar uma imagem mental correspondente que é processada pelo canal visual (Mayer, 2009: 66, destaques nossos). Em outras palavras, a premissa de que “estudantes aprendem melhor a partir de palavras e imagens que apenas de palavras” (Mayer, 2009: 223) alerta que nao se devem sobrecarregar os canais de recep¢dio da informagao. Por exemplo, dois gru- pos assistem a uma narracao animada sobre o sistema digestivo. A narracao dada ao primeiro grupo contém explicacao oral (voz do narrador, ou seja, texto verbal oral) + desenhos anatémicos (ou seja, texto pictorial) e a fala do narrador na tela do com- putador do segundo grupo foram acrescidas legendas (voz do narrador + desenhos anat6micos + legendas). A redundncia no oferecimento dos estimulos visuais, pois graficos e legendas sao apresentados para serem captados pelo mesmo canal, pode causar sobrecarga na meméria de trabalho. Além do mais, poderd haver uma ten- tativa dos aprendizes de comparar o texto falado (narragao) com o texto escrito (legenda) no processamento da informagao. Tais circunstancias devem ser evitadas, pois nado fomentam o processamento cognitivo produtivo para a aprendizagem. Mayer também nos chama a atencdo para 0 uso de recursos visuais e verbais na segmentacao de conceitos complexos. Segmentar é fundamental, pois uma ani- macao narrada rapidamente, sem intervalos controlados pelo aprendiz, por exem- plo, pode sobrecarregar a memoria de trabalho, jé que excedera sua capacidade cognitiva de processar o que é essencial. Por outro lado, se houver uma segmen- tac4o, em que o aprendiz possa controlar a projegao da informagao, por meio de recursos Como PARAR/CONTINUAR, ele teré maior capacidade para, mentalmente, organizar as imagens e palavras, estard apto para a organizacao e a integracdo dos modelos verbais e pictoriais. Nessa perspectiva, 0 modo de apresentacao do material (verbal e pictorial) esta centrado no aprendiz. Cabe ao aprendiz fazer sentido do material que lhe é apre- sentado, mas cabe ao professor promover a selecao adequada do material, levando MULTIMODALIDADE, GENERO TEXTUAL E LEITURA b= ea a ala em consideracao as questées cognitivas subjacentes. O professor, nas Palavrag ak Mayer, é um “guia cognitivo”. Acreditamos que se pode estender essa Tesponsabi dade para além do professor, para 0s autores de livros didaticos, de cp-roms educa, vos, para jornalistas que trabalham em revistas de divulgacao cientifica, Para, enfin, todos aqueles que se propdem a tarefa de construir um texto que se destine a its mover a construcao de conhecimento. Em sintese, os principios da Tcam se Voltam para a construcaio de mensagens multimodais que abordam explicagdes Cientificas, A relaco ensinar-aprender implica desenvolvimento, e promover desenvoly;. mento é uma tarefa dificil, haja vista a quantidade de pesquisadores e Cientistas que se dedicam a essa area e que tentam descobrir, criar ou elaborar meétodos e procedimentos que consigam maior probabilidade de acerto e abrangéncia, que pode garantir um desempenho mais adequado por parte dos alunos. A escola responsavel pelo ensino formal, pode recorrer aos achados cientificos mais A centes, entre eles a “instrucao multimodal”, na sua busca de facilitar e ampliar a capacidade de aprendizado dos seus alunos. Na realidade, além de “ensinar con- tetidos diversos”, a escola esta, em seu modus operandi, promovendo desenvolyi- mento neuropsicolégico, participando e/ou contribuindo para o desenvolvimento das fungées cognitivas de seus alunos. Uma escola, ainda que nao se aperceba dessa tarefa, promove “desenvolvimento neuropsicoldgico” referindo-se, prin- cipalmente, 4 aquisigao de formas de raciocinio e de funcionamento cognitivo mais sofisticados, 4 promogao de situagées favoraveis que possibilitem aprender a codificar, relacionar e organizar as informac6es, aprender a pensar, transferir e generalizar conhecimentos, aprender a estudar, a verbalizar seus raciocinios e a responder, de maneira eficaz, 4 demanda escolar e social. Situagdes favoraveis podem ser definidas como situagGes educativas que partilhem da intengao de pro- mover a aprendizagem, que impliquem o conhecimento, por parte do professor, do que esta ocorrendo — a relacao entre a utilizagdo do recurso e a facilitagao da aprendizagem, o porqué dessa facilitagéo, as fungdes neuropsicoldgicas en- volvidas e a transformacao possivel através da pratica, na capacidade de apren- dizado dos alunos. O ser humano pode ser caracterizado, por sua disponibilidade a aprendizagem, como um ser em permanente construgiio; de acordo com sua motivacao e circunstancias de vida, modifica tanto sua estrutura cerebral, quanto se mostra capaz de modificar 0 ambiente circundante, num processo constante de trocas e estruturagao. No contexto escolar atual, a relagdo do leitor-aprendiz, assim como a relagao do professor-autor, Com a escrita atual exige um repensar metodolégico que permita termos consciéncia do que estamos provocando, dos efeitos da ut ‘agao de méto- dos e estratégias de ensino no aparato neuropsicoldgico do aluno. Um autor de uma mensagem multimodal deve estar consciente dos principais fatores envolvidos: 0 conjunto dos estimulos utilizados, como eles interagem entre si, a relagdo estabe- lecida com 0 contetido que se deseja transmitir, se o arranjo final das informagoes semioticas pode ser considerado um facilitador do processo de aprendizagem, quais as fungdes neuropsicolégicas subjacentes e necessérias, ou seja, se a instrugao mul- timodal é capaz de tornar a atividade mental exigida para a compreensao e retengdo da informagao mais facil, mais eficiente ou, no minimo, mais rapida. A relagaéo que se estabelece se refere ao “qué” e “como” é ensinado no material, além de levar em considera¢ao as possibilidades cognitivas de quem aprende ou a condicao cognitiva do aprendiz, visando a uma expansio, ao alcance de niveis de desenvolvimento mais diferenciados ou sofisticados*, =) Consideragées finais Enfim, para propor a leitura de qualquer texto, é fundamental que o professor seja um leitor familiarizado com o género e também com 0 suporte que o veicula. Isso porque Os recursos semi6ticos sao usados de formas diferentes e podem comunicar sentidos especificos de acordo com 0 género e com o suporte. Por exemplo, o som em um jogo pedag6gico pode sinalizar acerto na resposta, erro na resposta, con- quista de etapa etc., e, provavelmente, haverd sons distintos para cada caso. Assim como as linhas, retas ou pontilhadas, trazem informacoes diferenciadas para o leitor na construcao de texto. Uma linha pontilhada ou tracejada num mapa, o que revela- 1a? O jogo entre tipografia e cor, por exemplo, é um recurso cada vez mais utilizado pelos designers. A distribuigao do texto na pagina ou na tela do computador como se da? Ou seja, como se estruturam os paragrafos? Sistematizemos alguns aspectos: (a) Observe como os recursos semidticos se entrelagam no texto e que efei- tos de sentido eles criam. Ver 0 capitulo 2 “Multimodalidade, capacidade de aprendizagem e leitura”, neste livro. [ MULTIMODALIDADE, GENERO TEXTUAL E LEITURA = (b) Observe se ha arranjos visuais € verbais que se estabeleceram como g reas de conhecimento pertencem, vengdes @ a quais (c) Observe o que enfatiza cada recurso semiotico destacado no texto ey rifique se os efeitos causados sao claros, inequivocos para 9 leitor, (d) Observe se a sequéncia das ideias, dos fatos, apresentados no Braficg, por exemple, integra retoricamente os recursos Visuais empregados on os marcadores linguisticos de sequencia¢ao, como por exemplo: Em brie meiro lugar, a seguir, 0 terceiro, 0 proximo, e por fim. ay) ATIVIDADES Apresentamos uma proposta de atividade em que as mesmas infor- magdes sao organizadas numa pergunta da secao pergunta/respos- ta da revista Superinteressante. Observe 0 layout do texto “Por que a empresa se chama...? Conhega a historia por tras das siglas’, de Thiago Bluementhal, nas verses impressa e digital e compare os dois arranjos visuais, recorrendo aos principios discutidos neste capitulo. | PSSA) | | Por que Rego friaaosntn aempresa Sieenteas | Serene hi: ringlts), Ge tecdos na se chama.. rermegapor | Gamonee apt Conhega a historia eae batizaram o por tras das siglas. perder 0 costume: ‘com suas iniiais. ‘© TEXTO THIAGO BLUMENTHAL era.0 canal onde mala cee ice) Fee ‘Téxi Adreo Marilia — Shomcseen cease sero eee prone cece Frets Seaman ae pang ts : = BASF ooo = o ‘Surgiu em 1902 como Raed —— Famosa no Bras elas ftas (Minnesota ‘assete,2 Badlsche Anitin und Soda- — | Minerarzo eManufature), Fabrik tbrica de anitina e soda da 'sucoreanas, Lucky e GoldStar. Mas eles preferem (que voct assoc 25 letras 20 slogan “Y's good” ~"2 vida bos’. ‘Como os mies CRA, Carlos Vicente (Cerehlalusou suas niin na marca. {Em 1976, CVC sai da agéncia de ingens, mas sua sgl ou. Figura 11: Revista Superinteressante, jul. 2010. p. 46. Versao impressa. pe: yeu 6 We OSSeDy “ We jenjucdsiG ‘euBip OessaA “OTOZ ‘In! ‘a1uessasaqujiadns eISINEX :ZT eANBI4 2 ‘OURS 910309 uy BUES eUNTE WIRE] OP OB>eLAa.qY soisv sonno |) 0p saque ewoui> op sosseans sessed 4od auqays> “]eUe> op suado se e1>ug19}94 * eujaseo eyiereuig, ewin 2119s 22440 X0g WOH & ; eicod ew OB5e10di0}_ OW? OB) ° : SIV exnposd woo nuounedoud em s9pe8 oy ‘21298),) 4Lge4-ePos pun unuy ayDsipeg @ “anasze> (o} aJHNVD a = —_i coxeaeiy B osieans lepuiew exed soon so eBayep iv © afoH “easined ence | ENS 1 SVUNLNIAY eulssy -5-8 + neo D «em *2-6-0-0 . oe Bl. ic CONCEPGOES

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