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A sociologia do movimento de Jesus

e a figura de Cristo
no Novo Testamento

The sociology of the Jesus movement and the figure of


Christ in the New Testament

La sociología del movimiento de Jesús y la figura de


Cristo en el Nuevo Testamento

Etienne A. Higuet

RESUMO
O autor transcorre sobre as diversas fontes do movimento de Jesus
e compara os títulos cristológicos favorecidos pela fonte q, pela
fonte de logia e pelo apóstolo Paulo. A comparação considera espe-
cialmente o impacto de cada acento sobre a situação do pobre e o
impacto da situação dos pobres sobre a formulação das respectivas
cristologias.
Palavras-chave: Cristologia; fonte “Q”; Paulo de Tarso; pobres.

ABSTRACT
The author goes around the various sources of the Jesus move-
ment and compares the Christological titles favored by the source
“Q” and the apostle Paul. The comparison considers specially the
impact of each accent on the situation of the poor and the impact
of the situation of the poor on the formulation of their Christolo-
gies.
.Keywords: Christology; source “Q”; Paulo de Tarso; poor.

RESUMEN
El autor discurre sobre las diversas fuentes del movimiento de Je-
sús y compara los títulos cristológicos favorecidos por la fuente
“Q” y por el apóstol Pablo. La comparación considera especialmen-
te el impacto de cada acento sobre la situación del pobre y el im-
pacto de la situación de los pobres sobre la formulación de las res-
pectivas cristologías.
Palabras clave: Cristología; fuente “Q”; Pablo de Tarso; pobres.

Revista Caminhando, v. 2, n. 1, p. 9-14, 2009 [2ª ed. on-line; 1ª ed. 1984] 9


[Edição original página 9/10] rico, eles descrevem experiências feitas
no seguimento de Jesus durante as diver-
Os estudos de sociologia histórica do
sas etapas históricas do cristianismo pri-
Novo Testamento, que se multiplicam
mitivo. Essas experiências foram retrata-
nesses últimos anos, mostram que Jesus
das em diversas fases de tradição oral e
não pode ser isolado de determinados
de composição literária, que resultaram
grupos religiosos e políticos dentro do ju-
na redá
daísmo – como, por exemplo, os fariseus,
os essênios e os zelotas – e sobretudo,
[Edição original página 10/11]
não pode ser separado dos seus primei-
ros seguidores. São eles os portadores ção final dos Evangelhos e outros livros
das mais antigas tradições sobre Jesus, do Novo Testamento. A cada etapa histó-
que podemos discernir nas camadas pri- rica do “movimento de Jesus” correspon-
mitivas d tradição sinótica. de uma fase da constituição do texto e da
Por outro lado a crise social da Pales- transmissão da tradição sobre Judas. As-
tina, que fazia da preocupação pelo mí- sim, partindo da mais antiga tradição até
nimo vital o problema decisivo da maioria chegar à redação dos Evangelhos e das
do povo judeu daquele tempo, e as con- cartas paulinas, os textos do Novo Tes-
dições de existência dos homens que tamento testemunham uma seqüência de
primeiro andaram com Jesus pelos cami- situações sócio-históricas do cristianismo
nhos da Judéia e da Galiléia determina- primitivo que corresponde a uma evolu-
ram não só a mensagem de Jesus mas ção na visão da missão e do papel do Je-
também o papel que seus discípulos e sus passado e presente, isto é, a uma
seus adversários lhe atribuíram. seqüência de “cristologias”.
A pesquisa histórica nos permite afir- Jesus e seus discípulos: o bando de
mar que “Jesus foi um desses judeus que mendigos, escravos, fugitivos, campone-
começaram, durante a primeira metade ses sem terra, “bóias-frias”, desempre-
do primeiro século, a proclamar a vinda gados, funcionários desprezados dos fis-
do Reino de Deus de uma maneira toda co, ex-prostitutas e ex-guerrilheiros que
especial e rica de conseqüências” (Schot- o acompanhavam na suas andanças, es-
troff-Stegemenn, p. 10). Ele foi o inicia- peravam que Deus interviesse sem de-
dor de um movimento agregando judeus mora para inverter as condições sociais,
pobres, cujas possibilidades de existência dando aos pobres uma compensação pelo
e chances de sobrevivência eram bem sofrimento atual e deixando os ricos de
reduzidas. Anunciando para eles a vinda mãos vazias (Lc 1.53). Pois o Senhor de
do Reino, Jesus foi também, desde o co- Israel não podia deixar de tomar partido,
meço, o símbolo da esperança dos po- depois de ter julgado inaceitável a injusti-
bres. ça, a opressão e a miséria. Desde já os
Os Evangelhos são produtos da histó- pobres são bem-aventurados, pois a eles
ria do “movimento de Jesus”: mais do o reino de Deus será favorável. Assim
que coleções de palavras do Jesus histó- podemos reconstruir o estado mais anti-

10 John COBB, jr. Pontos de Contato entre a Teologia do Processo e...


go das Bem-aventuranças da seguinte parecia ainda como evento salvífico. Os
maneira: “Felizes os pobres, porque o portadores da “fonte de logia” são os dis-
Reino dos Céus a eles pertence! Felizes cípulos de Jesus da segunda geração. São
daqueles que agora padecem fome por- profetas ou pregadores itinerantes de um
que serão saciados! Felizes daqueles que próximo fim do mundo. Sua mensagem é
choram, porque rirão! Ai dos ricos, por- determinada pelas condições especificas
que já tiveram consolo! Ai dos fartos, da Palestina entre 30 e 70
porque haverão de sentir fome! Ai daque-
les que riem, porque conhecerão o luto e [Edição original página 11/12]

o pranto!” (a partir de Lc 6.20ss). Aliás,


“é mais fácil a um camelo passar pelo bu- d.C.: o medo da fome e a preocupação
raco duma agulha que um rico entrar no pelo mínimo vital, as experiências de vio-
reino de Deus” (Mc 10.25). Não havia lência e de perseguição, a angústia pe-
nessa constatação nenhum sentimento rante o fim violento da vida marcam a
de vingança contra os ricos, mas apenas pregação deles a Israel. Assim, eles apli-
as esperanças na justiça compensadora cam as Bem-aventuranças aos discípulos
de Deus. Tampouco havia preocupação perseguidos de Jesus: “Felizes de vós,
com a conversão dos rios, pois nenhum que sois pobres, porque o Reino dos Céus
deles fazia parte do “movimento de Je- vos pertence!” E, sobretudo: “Felizes se-
sus”. reis quando os homens vos odiarem, lan-
A presença de Jesus traz desde já o çarem contra vós a pena de exclusão, vos
início do Reino de Deus. Para os pobres insultarem e proscreverem o vosso nome
que ouvem a mensagem do Reino, a si- como infame por causa do Filho do ho-
tuação já mudou, como para os cegos cu- mem. Alegrai-vos nesse dia e exultai,
rados por Jesus. O Reino de Deus está porque será grande no céu a vossa re-
sendo esperado para o futuro, mas já po- compensa. Foi assim, na verdade, que
de ser experimentado hoje na superação seus pais trataram os profetas” (Lc 6.20-
da miséria e no início de fartura que re- 23).
sultam dos milagres de Jesus e da solida- O estilo de vida desses carismáticos
riedade do grupo dos discípulos. Jesus peregrinos — muito parecido com o modo
era assim, para o mais antigo grupo dos de viver dos primeiros discípulos —traduz
seus seguidores, um homem que havia a absoluta confiança em Deus, único Se-
mudado o mundo: Messias de Deus, que nhor, que eles praticam, na própria exis-
cumpre perante Israel toda a promessa tência: não se preocupar pela vida, não
de Deus. O Reino de Deus chegou para temer aqueles que podem matar o corpo,
Israel com o nascimento de Jesus, com desistir do uso da violência e amar os i-
suas palavras. Mas ele é o Messias dos nimigos (assim, Mt 6.11, 19-21, 24-33;
pobres, cuja condição ele compartilha. Mt 10.8-10, 16 , 28-31; Mt 9.37ss; Mt
É só no movimento palestino ulterior, 5.11ss etc) Deus é o Senhor de Israel to-
— que nós conhecemos através da “fonte do e seu Reino já está se tornando pre-
de logia” (Q) — que a morte de Jesus ad- sente. A atitude do povo perante a men-
quiriu significação, mesmo se ela não a- sagem de Jesus transmitida por seus dis-

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cípulos já é prenúncio do julgamento final do de vida que ele compartilhou — e a
e se manifesta, por exemplo, nas separa- proximidade do julgamento e do Reino
ções no interior das famílias por causa da escatológico. A morte de Jesus é um e-
confissão de Jesus. lemento central na relação de Deus com
Quem há de confiar em Deus é o po- Israel, mas ela não tem ainda significação
bre preocupado com a sobrevivência no salvífica. A recusa, a perseguição e o as-
dia de amanhã; é o discípulo angustiado sassinato de Jesus — como, aliás, de
pela oposição à mensagem de Jesus. As seus mensageiros — assemelham-se aos
ameaças à exigência de cada dia são re- destinos dos profetas e traz o julgamento
ais, mas aos olhos de Deus, o homem é sobre Israel (Mt 11.16-24). O título Filho
mais que sua morte, sua fome e sua ne- do homem, para o “movimento de Je-
cessidade. E nada escapa ao poder de sus”, caracteriza “logia” ou “ditos” de Je-
deus, nem mesmo a morte do discípulo, sus, onde se juntam a humilhação e a
já que exaltação, o relacionamento com o mun-
do divino (habitualmente expresso pelo
[Edição original página 12/13] título Filho de Deus) e o sofrimento na
terra (ligado ao título de Messias, enten-
Ele toma conta dos lírios do campo e que dido no sentido do Servo Sofredor de I-
um único cabelo não pode cair sem Sua saias). Alguns logia falam do Filho do
permissão. Entregando sua vida a Deus, homem terrestre. Uma parte deles, for-
eles se livram da escravidão da pobreza e mulada na forma ativa, mostra o Filho do
andam pelo país afora como provas vivas homem transcendendo as normas usuais
da confiança no Senhor, assumindo em do mundo social no tempo de Jesus:
toda consciência a condição de marginali- quebra do Sábado (Mt 12.8), ou do jejum
zado, de fugitivo sem raízes e sem lar obrigatório (Mt 11.18ss), perdão dos pe-
que a crise econômica lhes impusera. A cados por autoridade própria (Mt9.6). A
preocupação deles foi substituída pela u- outra parte compreende os ditos em for-
topia de ser homem perante Deus. Para ma passiva, que dizem respeito ao sofri-
eles, o Reino de Deus inaugurado pela mento do Filho do homem (Mc 9.31), en-
presença de Jesus significa antes de tudo trega e sacrifícios da vida para a multidão
que Deus é Senhor e Pai, que Ele formula (Mc 10.45).
uma exigência absoluta em relação à Em ambos os casos, o Filho do ho-
dignidade da vida humana: esta mem aparece como um “outsider”, um
não,pode tornar-se escrava da riqueza ou marginal no sentido ativo e passivo: ele
do medo. A cura dos cegos e dos aleija- transcende a sociedade e suas normas,
dos, a proclamação das Boas Novas aos mas ele sobre sendo rejeitada por ela.
pobres significa o início do Reino de Contudo, essa dicotomia será logo supe-
Deus. rada pela presença do Juiz escatológico, o
Para os profetas da “fonte de logia”, Filho do homem que está por vir surgirá
Jesus se identifica com a figura do Filho de maneira repentina e inesperada num
do Homem, que realiza a transição entre novo papel: “Vereis o Filho do homem
o modo de viver dos carismáticos — mo- sentado à direita do Poder, vindo com as

12 Etienne A. HIGUET. A sociologia do movimento de Jesus e a figura do Cristo no NT


nuvens do Céu” (Mt 24.27ss), “Como o Juízo final em Mt 25.35ss, mostra-nos
relâmpago parte do oriente e brilha até o que a recepção dos mensageiros de Jesus
poente, assim será a vinda do Filho do — os pobres encarregados de anunciar a
homem” (Mc 14.62). Ele reunirá então Boas Nova — pode realizar-se sem a fé
seus eleitos, embora ninguém saiba ao explícita no Filho do homem. É, antes de
certo quando isso acontecerá e quem fará tudo, uma questão de prática do serviço
parte do número dos eleitos (Mt 13.41; e de solidariedade com os pobres e os
25.31ss; Mc 13.27). Afinal os fora-da-lei oprimidos.
tornar-se-ão juízes, os sem-poder gover- Paulo é também um discípulo de Je-
narão e os marginais serão universal- sus, da segunda geração. Como explicar,
mente reconhecidos. Existe um impres- então, as diferenças significativas que
sionante paralelismo entre as afirmações distinguem sua cristologia da figura de
que dizem respeito ao Jesus apresentada pela “fonte de logia”?
Para entender a mensagem dele, temos
[Edição original página 13/14] que partir, provavelmente, das condições
específicas das comunidades cristãs nas
Filho do homem e aquelas que falam nos cidades helenísticas. “Em primeiro lugar,
discípulos: o serviço e a entrega da vida a passagem do movimento de Jesus do
(Mc 10.45), a superação das normas,
como o sábado (Mc 2.23ss) e o jejum (Mt [Edição original página 14/15]

18.8), a renúncia à família e a todos os


bens (Mt 8.20; Mc 10.28), a perseguição clima palestino ao clima urbano fora de
(Mt 10.19) a participação da glória futu- sua pátria palestina até Roma, produziu-
ra: “no dia da regeneração, quando o Fi- se no solo das comunidades judias de di-
lho do homem se assentar no trono de áspora nas cidades grandes e pequenas
sua glória, vós que me seguintes sentar- do Impérios Romano” (Stegemann, p.
vos-ei também sobre doze tronos, e jul- 49).
gareis as doze tribos de Israel” (Mt A situação particular da comunidade
19.28ss). judia da diáspora favoreceu, assim, a ex-
As imagens da cristologia do Filho do tensão universal do movimento cristão e
homem desempenham evidente função provocou o processo gradativo de distan-
social: os profetas carismáticos das pri- ciamento entre cristãos e judeus.
meiras gerações cristãs as interpretavam Além disso, o judeu Paulo — cidadão
a partir de sua própria situação social. A romano originário da importante cidade
sociedade haveria de reconhecer no futu- de Tarso — elabora a teologia cristã no
ro a autoridade deles, que apenas encon- horizonte de uma autocompreensão cos-
trava respostas, por enquanto, em pe- mopolita, pressupondo as condições polí-
quenos grupos de fiéis (ver também: Mc ticas do Império Romano. Pode-se enten-
8.38; Mt 12.32, onde o Espírito Santo re- der, então, que a significação de Jesus
presenta dos pregadores itinerantes e Cristo para ele assuma dimensões cos-
seu espírito profético). Enfim, a grande mológicas: Deus reina, Cristo é o Senhor
parábola do Filho do homem, a cena do do mundo, nas dimensões universais do

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Império Romano. O que determina a pre- IDEM & L. SCHOLTTROFF, Jesus Von
gação de Paulo — sua parênese — é a Nazareth, Hoffnung der Armen. Stuttgart:
construção da comunidade cristã, sua vi- 1978 (trad. cast. Jesús de Nazaret, espe-
da comunitária enquanto Corpo de Cristo, ranza de los pobres).
com todas suas conseqüências concretas
(I Co 11.13). O problema das pessoas THEISSEN, G. Soziologie der
humildes que constituem a comunidade Jesusbewegung: Ein Beitrag zur
já não é mais a questão da sobrevivência Entstehungsgeschichte des
e do mínimo vital, mas a experiência do Urchristentums, München, 1977 (trad.
desprezo social até no meio da comuni- cast. Sociologia del movimento de Jesús).
dade, o que faz sentir a necessidade de
um comportamento solidário. Não é de HENGEL, M. El hijo de Dios. El origen de
estranhar, nessas condições, que a figura la cristologia y la história de la religión
de Cristo como Filho preexistente de judeo-helenística, Salamanca: 1978.
Deus tenda a suplantar as imagens de
Messias, Filho do homem, e até Senhor:
“Paulo, servidor de Jesus Cristo, apóstolo
por vocação divina, escolhido para o E- O autor
vangelho de Deus, que Ele, por seus pro-
fetas tinha prometido nas Sagradas Escri- Etienne A. Higuet é Doutor em Teolo-
turas, a respeito de Seu Filho, nascido gia pela Faculdade de Teologia da Univer-
pela carne da descendência de Davi, sidade Católica de Louvain (Bélgica);
constituído, porém, Filho poderoso de Programa de pesquisa na Faculdade de
Deus pelo Espírito santificador, a partir da Teologia Evangélica de Marburg (R.F.A.);
ressurreição dos mortos, Jesus Cristo Mestre em Filosofia pela Universidade Ca-
nosso Senhor, por cujo intermédio nós tólica de Louvain. É professor de Sociolo-
recebemos a graça do apostolado, a fim gia no Instituto Metodista de Ensino Su-
de sujeitar à fé, para glória do seu nome, perior e professor de Teologia e Sociolo-
todas as nações, estando entre eles tam- gia da Religião no Centro de Pós-
bém vós, que fostes chamados por Jesus graduação do mesmo instituto.
Cristo, a todos vós de Roma, a quem [Edição original página 15/16]

Deus chamou em seu amor para a santi-


dade, graça e paz da parte de Deus, nos-
so Pai e do Senhor Jesus Cristo” (Rm 1.1-
7).

Notas
STEGEMANN, W. Da Palestina a Roma.
Observações sobre uma mudança social
no cristianismo primitivo, in: Concilium,
nº. 145, maio de 1979.

14 Etienne A. HIGUET. A sociologia do movimento de Jesus e a figura do Cristo no NT


Reflexões sobre
teologia e culturas populares

Reflections on theology and popular culture

Reflexiones sobre la teología y la cultura popular

Luiz Roberto Alves

RESUMO
A descoberta da cultura popular como fermentação cultural é ex-
plorada pela teologia numa linguagem metafórica sobre diversas
perspectivas.
Palavras-chave: Cultura popular; povo; pobre; ecumenismo;
símbolos.
ABSTRACT
The discovery of popular culture as cultural ferment is explored by
theology in a metaphorical language about different perspectives.
Keywords: Popular culture; people; poor; Ecumenism; symbols.

RESUMEN
El descubrimiento por la teología de la cultura popular como fer-
mentación cultural es explotado en un lenguaje metafórico sobre
diversas perspectivas.
Palabras clave: Cultura popular; pueblo; pobre; ecumenismo; sím-
bolos.

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lhando-se com um discurso que fala so-
bre as coisas, mas deixará que fale o tra-
[Edição original página 17/18]
balho e o trabalhador na construção do
“Depois vimos Jesus Cristo Reino, fale através do veículo teológico,
um Deus na encarnação
do espaço teológico, do púlpito teológico.
ligando sua mensagem
à obra da criação Essa será a sua encarnação, recriada na
com um claro objetivo: diversidade e na desigualdade das cultu-
fazer uma RE-CRIAÇÂO!”
(Germano, poeta lavrador) ras populares, mas definitivamente en-
carnada, alfa-ômega. Como condição e
I espaço das falas populares,

Recria-se o tempo na recriação teoló- [Edição original página 18/19]


gica. O poeta sertanejo já poderá anunci-
ar “... uma criança nasceu... o mundo dos gestos populares, a teologia também
tornou a começar!” A teologia descobriu- encarnará a figura máxima da prosopo-
se, não um discurso de privilegiados soci- péia. Prosopopéia é uma imagem cara às
almente para seus iguais escolhidos, mas manifestações desiguais e relativas (se-
como a prosopopéia das gentes. E desco- gundo o espaço, tempo e liberdade de
briu isso queimando as mãos no calor da que dispõem). Segundo ela, dentro de
refrega entre os céus e os infernos, ou um ato de consciência começam a gesti-
melhor, no mundo concreto das gentes cular os reprimidos, a falar os mudos, a
que tomam ônibus lotados, que lutam por ver os cegos, a viver os mortos. Prosopo-
terras que se lhes tomaram, que são as- péia é, originalmente, uma figura literá-
saltadas diariamente, que assaltam dia- ria. Mas é muito mais. Simbolicamente é
a-dia, que oram a despeito do desespero, a possibilidade do impossível. Como, por
que marcam ponto, que não ou mal rece- exemplo, ressurreição de Jesus, condição
bem seu salário. do nosso teologar. Ou não será?
A teologia descobriu-se menos como Será, sim. Porque o primeiro passo
discurso e mais como uma combinação para esse teologar será o tornar possível
de trabalho, uma disponibilidade. Desco- aquilo que os poderes constituídos que-
briu-se nua, sem adjetivos (libertadora, rem, sempre, tornar impossível. O teolo-
que relativiza a importância do homem e gar recriado como encarnação, portanto
da mulher como parceiros da construção comprometido definitivamente, será o
urgente do reino de Deus, afirmou-se espaço para o re-surgimento da fala e do
com uma lógica implacável: a lógica da gesto simples que todos possam enten-
encarnação, a logia de Deus, a fala do der, ou a teologia que tenha a natureza
trabalho na construção do reino. do discurso bíblico: a natureza pedagógi-
A peregrinação teológica pelo mundo ca, que parte do espaço e do tempo em
concreto das culturas populares traz a que as pessoas realmente estão.
primeira constatação: a teologia não fala-
rá de si, quer adjetivando-se (para com- II
promissos circunstanciais), quer maravi-

16 L u i z R o b e r t o ALVES. Reflexões sobre teologia e culturas populares


O discurso encarnado, que é o discur- teologar, retoma o pensamento como
so da construção do Reino nos espaços gesto e diz: “O que vimos nesse estudo /
teológicos, deixaria de lado, portanto, e não foi só aprender/ e nem transmitir is-
de preferência ara sempre, aquela peri- so / para o povo conhecer / nossa obri-
gosa separação entre fazer e saber, que gação / é pegar isso e viver”.
têm sido prato cheio para todos os tipos Pegar isso e viver será o teologar que
de dominadores. se descobre nas práticas populares.
O novo teologar ouvirá versos e verá Fazei isso e vivereis é uma pessoa
a vida, fazendo-a. “Peço a Deus que me verbal mais culta para a fala do Germa-
inspire / com sua força sagrada / para no.
descrever um pouquinho / a nossa gran- Tomai e comei (vivereis) é o sinal da
de parada / onde nos preparemos / para encarnação. Germano, os posseiros e fa-
a nossa caminhada”. velados do desgoverno Brasil pegam a
O que temos lido em centenas de pá- ceia, a hóstia , o bordão do pastor, os
ginas de sutilezas por vezes aristocráticas símbolos da caminhada, a oração da es-
e difíceis, encontra-se aí, economicamen- perança, pegam e vivem. Teo-logam.
te, num discurso pedagógico, compreen- Teo-trabalham. Teo-constroem. Constro-
sível e não menos profundo. A inspiração em a vida teologicamente. Eles querem
é um dom. Dada, ela engendra a força, aprender dos que fazem teologia profis-
força essa que capacita para vôos a do- sionalmente, mas também podem ensi-
mínios maiores, para a peregrinação do nar, porque juntos devem pegar e viver.
humano no mundo da competição, para o
qual é essencial que a gente se prepare III
(o dom encontra-se, conflui na força hu-
mana) e tudo isso vocaciona A teologia descobre, também, que as
culturas populares não são puras, nem
[Edição original página 19/20] tranqüilas. Descobre aí, não o ecumenis-
mo de salão (que funciona como as pia-
para a caminhada. Essa a teologia em re- das, também de salão), mas o ecume-
dondilhas maiores, versos típicos da fala nismo-superação, que são as mãos dadas
em língua portuguesa, tradicional, antiga frente ao arame farpado, as enxadas
e nova, métrica dos versos populares, do gravadas no monotom da música co-
cordel, do discurso do dia-a-dia. Má teo- mum, o trabalho reivindicatório para ga-
logia? Não é a do êxodo? Da Vocação? Do rantir a sobrevivência (o corpo oprimido
fortalecimento da fé? Da humildade do de Jesus é o pão ázimo, o pão da pobre-
humano perante Deus? Da capacitação za), o esforço dos grupos para recuperar
necessária? Creio que sim. O lavrador a memória histórica e, entre outros esfor-
Germano, considerado o seu horizonte ços, o ecumenismo que considera a pró-
real de pensamento e vivência, trabalha pria diversidade como desafio para um
teologicamente, biblicamente para capa- diálogo recuperador de maior igualdade.
citar-se a sua gente — ao êxodo que a-
credita em Canaã. Por isso, depois de [Edição original página 20/21]

Revista Caminhando, v. 2, n. 1, p. 15-19, 2009 [2ª ed. on-line; 1ª ed. 1984] 17

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