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2017/2018

DIREITOS REAIS
REGÊNCIA DO PROF. JOSÉ ALBERTO VIEIRA

MAFALDA MALÓ
FACULDADE DE DIREITO
Universidade de Lisboa
ÍNDICE
O Sistema de Direitos Reais .............................................................................................. 4
1. Apontamento Histórico ............................................................................................................. 4
2. O Conceito de Direito Real ....................................................................................................... 4
3. Os Princípios de Direitos Reais ................................................................................................. 5
4. Classificações dos Direitos Reais ............................................................................................. 7
O Registo Predial ................................................................................................................ 9
1. Atos e Princípios do Registo Predial ......................................................................................... 9
2. Efeitos Substantivos do Registo Predial ................................................................................. 11
O Conteúdo dos Direitos Reais ....................................................................................... 15
1. O Conteúdo Positivo dos Direitos Reais ................................................................................. 15
2. O Conteúdo Negativo dos Direitos Reais................................................................................ 16

A Comunhão de Direitos Reais........................................................................................ 20


1. O Regime em Vigor em Portugal............................................................................................. 20
2. Distinção de Figuras Próximas ............................................................................................... 20
3. Comunhão Geral e Comunhões Especiais.............................................................................. 20
4. Em Especial: o Regime ........................................................................................................... 21
5. A Natureza Jurídica da Comunhão ......................................................................................... 24

Os Factos Jurídicos com Eficácia Real........................................................................... 26


1. Noções Gerais ........................................................................................................................ 26
2. Factos Jurídicos Constitutivos de Direitos Reais .................................................................... 26
3. Factos Translativos de Direitos Reais ..................................................................................... 32
4. Factos Modificativos de Direitos Reais ................................................................................... 32
5. Factos Extintivos de Direitos Reais ......................................................................................... 32

A Posse .............................................................................................................................. 35
1. A Noção Legal da Posse......................................................................................................... 35
3. A Autonomia da Posse ........................................................................................................... 35
4. As Funções da Posse ............................................................................................................. 35
5. A Posse Como Exteriorização de um Direito – Uma Decorrência da Autonomia da Posse..... 36
6. Elementos da Posse ............................................................................................................... 36
7. O Corpus Possessório – Caracterização................................................................................. 38
8. A Detenção ............................................................................................................................. 39
9. O Âmbito da Posse ................................................................................................................. 39
10. Os Caracteres da Posse ....................................................................................................... 41
11. Os Factos Constitutivos da Posse ........................................................................................ 42
12. Os Factos Translativos da Posse .......................................................................................... 44
13. Os Factos Extintivos da Posse ............................................................................................. 45
14. Efeitos da Posse ................................................................................................................... 46
15. Os Meios de Defesa da Posse .............................................................................................. 48
16. Posse Singular ...................................................................................................................... 49
17. Composse ............................................................................................................................ 49
18. Sobreposição de Posses ...................................................................................................... 50

A Propriedade ................................................................................................................... 51
1. Noção e Conteúdo Típico ....................................................................................................... 51
2. Factos Constitutivos Específicos da Propriedade ................................................................... 51
3. A Propriedade Horizontal ........................................................................................................ 56

O Direito de Usufruto ....................................................................................................... 60


1. Previsão Legal e Delimitação Positiva..................................................................................... 60
2. Delimitação Negativa .............................................................................................................. 60
3. O Objeto do Usufruto.............................................................................................................. 61
4. Quase-Usufruto ...................................................................................................................... 61
5. Usufruto Simultâneo e Usufruto Sucessivo............................................................................. 62
6. Obrigações do Usufrutuário .................................................................................................... 62
7. A Posição do Nu Proprietário.................................................................................................. 62
8. A Extinção do Usufruto Pela Morte ......................................................................................... 63
9. O Mau Uso Do Usufrutuário .................................................................................................... 63

O Direito de Uso e Habitação .......................................................................................... 64


1. Previsão Legal e Delimitação Positiva..................................................................................... 64
2. Delimitação Negativa .............................................................................................................. 64
3. O Objeto dos Direitos de Uso e Habitação ............................................................................. 64
4. A Titularidade.......................................................................................................................... 65
5. Constituição............................................................................................................................ 65
6. Proibição de Transmissão e Oneração ................................................................................... 65

O Direito de Superfície ..................................................................................................... 66


1. Previsão Legal e Delimitação Positiva..................................................................................... 66
2. Delimitação negativa............................................................................................................... 66
3. O Subtipo – Superfície de Sobrelevação ................................................................................ 66
4. Constituição da Propriedade Horizontal em Edifício Assente em Solo Alheio......................... 67
5. Objeto do Direito de Superfície ............................................................................................... 67
6. Obrigações do Superficiário ................................................................................................... 67
7. O Proprietário do Solo ............................................................................................................ 67
8. Aquisição do Direito de Propriedade Sobre a Coisa ou Plantação ......................................... 68
9. Duração do Direito de Superfície ............................................................................................ 68
10. Extinção do Direito de Superfície .......................................................................................... 68
O SISTEMA DE DIREITOS REAIS
1. APONTAMENTO HISTÓRICO
O sistema dos Direitos Reais remonta à oposição entre dois tipos de ações (Direito Romano):
® Actio in personam: que consistia numa pretensão contra uma pessoa, não podendo, por
isso, essa pretensão ultrapassar a relação obrigacional (apenas contra a pessoa do
devedor);
® Actio in rem: que consistia numa pretensão contra uma coisa, procurando estabelecer a
sua defesa contra qualquer pessoa que perturbasse o aproveitamento pelo titular.
É por via da actio in rem que surgem os iura in rem, ou seja, os Direitos Reais, com a
particularidade de incidirem sobre coisas corpóreas e de terem eficácia real erga omnes. Os Direitos
Reais, contrariamente aos Direitos de Crédito (Obrigações) são oponíveis a qualquer terceiro que ponha
em causa o aproveitamento da coisa pelo titular.

2. O CONCEITO DE DIREITO REAL


Ao conceito de Direito Real correspondem várias teorias:
® Teoria clássica (Grócio): o direito real é um direito patrimonial que existe entre a pessoa
e a coisa sem relação necessária a outra pessoa;
o Desenvolvimentos posteriores (pandectista): apresentam o direito real como
um poder imediato sobre uma coisa ou como o poder direito e imediato sobre
uma coisa;
® Teorias personalistas (Windscheid): criticando as teses clássicas, por entender que a
relação jurídica não pode ser concebida como entre uma pessoa e uma coisa; entende
que a relação jurídica se estabelece entre pessoas, pelo que o Direito Real vale para
outras pessoas e é concebido como a obrigação de não impedir a atuação do titular do
direito (impõe, apenas, deveres de abstenção a terceiros);
® Teorias mistas: concebem as duas vertentes do direito penal já explanadas, formulando
a vertente externa e a vertente interna;
o No âmbito da vertente interna, o direito real é concebido como um poder direto
e imediato sobre a coisa;
o No âmbito da vertente externa, o direito real tem oponibilidade erga omnes, ou
seja, investe todas as pessoas no dever de o respeitarem.
A regência apresenta uma conceção própria. Não obstante, e em primeiro lugar, importa
sistematizar algumas críticas formuladas às várias teses apresentadas:
® Teoria clássica: deve criticar-se o facto de o direito real não ser um poder, mas um
direito subjetivo; a imediação não é uma característica transversal a todos os direitos
reais (mas, tão somente, em geral, aos direitos reais de gozo); ainda, o facto de uma
relação jurídica apenas se estabelecer entre pessoas e não entre uma coisa e uma
pessoa.
® Teoria personalista: deve criticar-se o reducionismo operado por esta tese, na medida
em que é insuficiente uma noção pela negativa, já que o direito real tem um conteúdo
positivo fundamental (aproveitamento, em termos absolutos, da coisa); ainda, o facto de
esta teoria se centrar, para a criação de uma noção de direito real, no momento em que
se verifica a sua violação.
® Teorias mistas: todas as críticas apresentadas às teses anteriores, exceto aquela em
que respeita a um mero conceito negativo, são transponíveis para esta;
Perante as teses tradicionais, a doutrina atual procurou superar as críticas e as dificuldades na
procura por um conceito de Direito Real, fazendo algumas sugestões:
® Gomes da Silva: entende que só pode ser direito real o que representa a afetação da
coisa a um fim, sendo o bem afetado pela lei à realidade de certo fim a própria coisa.
o Críticas: falta de explicitação do objeto, já que mencionar coisa leva à inclusão
de coisas corpóreas; ligação entre a afetação da coisa e o fim (que implica uma
delimitação negativa e uma sujeição do titular ao fim);
® Oliveira Ascensão: direitos reais são direitos absolutos, inerentes a uma coisa e
funcionalmente dirigidos à afetação desta aos interesses do sujeito;
o Críticas: nem todos os direitos reais são caracterizados pela absolutidade; ainda,
os direitos reais não o são por terem inerência a uma coisa, mas por terem como
objeto uma coisa; a ligação que mantém, na linha de Gomes da Silva, ao elemento
subjetivo fim.
® Menezes Cordeiro: o direito real é uma permissão normativa específica de
aproveitamento de uma coisa corpórea;
® Carvalho Fernandes: o poder jurídico absoluto, atribuído a uma pessoa determinada
para a realização de interesses jurídico-privados, mediante o aproveitamento imediato de
utilidades de uma coisa corpóreas;
® Menezes Leitão: direito absoluto e inerente a uma coisa corpórea, que permite ao seu
titular uma determinada forma de aproveitamento jurídico desta;
O Sr. Prof. José Alberto Vieira, perante a variedade de teses, apresenta uma tese própria: direito
que atribuiu ao seu titular um determinado aproveitamento de uma coisa corpórea.
® O direito real é um direito subjetivo.
® Os direitos reais incidem sobre coisas corpóreas.
® Os direitos reais outorgam o aproveitamento de uma coisa corpórea, sendo que esse
aproveitamento pode ser muito variado.
® O aproveitamento da coisa pode ser material ou jurídico.

3. OS PRINCÍPIOS DE DIREITOS REAIS


Os princípios são fundamentais, enquanto forma de orientação do ramo dos Direitos Reais. Não
obstante, há que ter em consideração que não há princípios sem exceção, o que significa que qualquer
dos princípios enunciados pode, pontualmente, comportar exceções.
® Princípio da tipicidade (ou numerus clausus) – artigo 1306º: os particulares não podem
criar as figuras com natureza real que lhes aprouver, ou seja, a sua autonomia privada
está limitada pelos tipos legais (CC e legislação avulsa); não podem, também, modificar
as regras imperativas do próprio tipo (a tipicidade abrange o tipo injuntivo);
o NOTA: o disposto no artigo 1306º tem por base uma noção tradicional dos
Direitos Reais, de acordo com a qual os direitos reais menores (com menor
aproveitamento da coisa), seriam menores em relação ao direito de propriedade
(não eram autonomizados como verdadeiros direitos reais). O regente entende
que esta noção deve ser de rejeitar, pelo que todos os direitos reais são
categoriais autónomas, consubstanciando-se como menores em relação aos
outros direitos reais.
® Princípio da inerência: os direitos reais têm, por objeto, coisas corpóreas (nelas se
incluem as coisas incorpóreas acondicionadas); cada direito real tem uma coisa
determinada como objeto, não podendo desta ser desassociado ou separado; se um
direito real se constitui em relação a uma coisa, só pode ter essa coisa como objeto, não
podendo ser transferido para outra coisa;
o Falta um sujeito passivo;
o Só há um sujeito ativo e a coisa;
o Sub-rogação real especial: 1478º (é uma sub-rogação real)
§ art. 692º (direito real substituído pelo crédito – penhor de crédito – não é
um caso de sub-rogação real) – porque já não existe coisa.
® Princípio da especialidade: o direito real só pode ter como objeto uma coisa com
existência atual e determinada (artigo 408º/2 – transferência do direito real apenas no
momento da aquisição ou da determinação);
o Os direitos reais devem incidir sobre coisa única e individualizada, não obstante,
por via de um contrato, se possa verificar a transmissão unitária de um conjunto
diversificado de coisas sobre as quais incida o direito de propriedade. Assim, não
é cientificamente coreto enunciar a propriedade sobre a empresa, o
estabelecimento comercial ou a herança.
® Princípio da prevalência:
o Prevalece o direito de propriedade anterior;
o Prevalecem os direitos reais, mesmo que sejam transmitidos a terceiros;
® Princípio da absolutidade: o direito real depende unicamente de si, sendo independente
de uma situação de sinal contrário; o direito real é um direito erga omnes, ou seja, que é
oponível a qualquer terceiro que ponha em causa o aproveitamento da coisa pelo titular
(permitem ao seu titular fazer valer o seu direito contra quem quer que seja que o viole);
o Critério estrutural: os direitos reais podem ser absolutos ou relativos; o direito
real pode nascer de um outro direito real (a propriedade, p.e., pode constituir-se
por ocupação, acessão e usucapião), situação que indicia a absolutidade; o
direito real pode, ainda, nascer de um contrato (p.e. compra e venda), situação
que indicia a relatividade dos direitos reais.
o Sequela: está presente nos direitos reais de gozo (ação de reivindicação); nos
direitos reais de garantia (p.e. hipoteca – a sequela está na execução); direitos
reais de aquisição (ação de preferência ou execução específica).
® Princípio da consensualidade – artigo 408º CC: o direito real constitui-se ou transfere-
se, solo consensu, no momento da celebração do contrato, instantânea ou
automaticamente, sem necessidade de entrega da coisa ou do registo e sem qualquer
dependência do cumprimento das obrigações estabelecidas;
o Antunes Varela: a aquisição do direito real sobre imóveis apenas estaria
concluída com o registo da aquisição (art. 5º/1 do CRP); de rejeitar, porque a
aquisição do direito real ocorre por efeito do contrato, apenas;
® Princípio da causalidade e da unidade:
o Causalidade: a aquisição do direito real supõe a eficácia do negócio jurídico que
lhe está na base, ou seja, se o negócio for nulo ou se vier a ser anulado, a
aquisição do direito real não tem lugar.
o Unidade: a aquisição do direito real faz-se através de um só negócio jurídico, que
é simultaneamente real e obrigacional, ou seja, os efeitos reais e obrigacionais
têm o mesmo negócio jurídico como fonte;
® Princípio da boa fé: princípio de pouca relevância no âmbito dos direitos reais;
geralmente, é reconduzida a uma noção subjetiva, já que corresponde a um estado de
espírito do agente;
o Tem a sua relevância na usucapião e, sobretudo, na posse (para o possuidor de
boa fé, por exemplo, a posse vale título).
o Regente: o conceito de boa fé deve integrar a desculpabilidade/censurabilidade
da ignorância do agente (está de boa fé aquele que ignora, sem culpa); defende
uma conceção ética de boa fé, ou seja, está de boa fé aquele que
desculpavelmente ignorar, ao adquirir o direito real, que lesava o direito de
outrem.
® Princípio da territorialidade: a ordem jurídica portuguesa é aquele que determina o
regime jurídico-real das coisas situadas no território português;
® Princípio da publicidade: este princípio tem, na sua base, uma motivação de confiança
e segurança do comércio, ou seja, se o direito real é um direito oponível a todos, então
deve ser, tanto quanto possível, reconhecível por qualquer um;
o A publicidade pode ser espontânea (o controlo material da coisa, de acordo com
a lei, em alguns casos faz presumir a titularidade do direito real – é o caso da
posse) ou organizada (quando surge através do registo, sendo que só se aplica
a certas categorias de coisas – é o caso do registo predial, do registo automóvel
e do registo de aeronaves).

4. CLASSIFICAÇÕES DOS DIREITOS REAIS


Os direitos reais podem ser organizados em três categorias distintas:
® Direitos reais de gozo: caracterizam-se por atribuírem o aproveitamento da coisa
através de uma combinação de poderes que consubstanciam o gozo da coisa;
® Direitos reais de garantia: não atribuem poderes de gozo da coisa, apenas a
possibilidade de realização de um valor em dinheiro pelo produto da venda da coisa em
processo judicial executivo, ou seja, caracterizam-se por alocar uma coisa à garantia de
uma relação obrigacional, p.e.;
® Direitos reais de aquisição: determinam a afetação de uma coisa à aquisição de um
outro direito; são exemplos o pacto de preferência com eficácia real e o contrato
promessa com eficácia real;
Da categoria dos direitos reais há, ainda, que distinguir os direitos pessoais de gozo. Apesar
de no âmbito desta categoria vigorar o princípio geral da atipicidade, são direitos pessoais de gozo
típicos: locação; comodato; parceria pecuniária; depósito. Há que atentar, nos termos do artigo 407º, às
relações que entre estes se estabelecem, a partir do momento em que se verifique a intermediação (o
titular esteja na posse do bem).
Os direitos pessoais de gozo caracterizam-se por uma proximidade ambivalente: aglomeram
características de direitos de crédito assim como características de direitos reais. Assim:
® Proximidade aos direitos de créditos:
o Existem sucessivas prestações, auferidas pelo locatário;
o Estão localizados na parte relativa às obrigações (argumento sistemático);
o No regime do usufruto, propriedade, a reação mediante ações possessórias está
subentendida – no caso do direito do locatário não, pelo que se compreende o
artigo 1037º/2 (1133º/2, 1188º/2 e 1125º/2 CC) e necessidade de afastamento
sistemático do âmbito dos direitos reais; o artigo 1057º é apenas uma forma de
tutelar o direito à habitação;
o O 1057º não apresenta um caracter absoluto – parece que já não tutela em caso
de penhora;
o Há um sujeito passivo na relação;
® Proximidade aos direitos de créditos:
o O centro está no gozo da coisa (corpórea), em relação ao qual o senhorio é alheio;
o Permite-se a defesa através de ações tipicamente pensadas apenas para o
âmbito dos direitos reais;
o O locatário dispõe de elementos reais (poder de transformação, 1036º;
preferência com eficácia real, 1091º; relações de vizinhança, 1071º).
O REGISTO PREDIAL
1. ATOS E PRINCÍPIOS DO REGISTO PREDIAL

1.1. ORGANIZAÇÃO DO REGISTO PREDIAL


O Registo Predial encontra-se organizado em Conservatórias do Registo Predial, sendo estas
orientadas por um Conservador do Registo Predial. Estas encontram-se organizadas em termos
territoriais, ou seja, a circunscrição territorial delimita a competência exclusiva do conservador para a
prática dos atos registais.

1.2. O OBJETO E A FUNÇÃO DO REGISTO PREDIAL


O instituição do Registo Predial tem como função garantir, à ordem jurídica, um dispositivo
organizado que permita a qualquer interessado aferir da existência e titularidade dos direitos reais que
incidem sobre prédios. Essencialmente, o objeto é garantir a segurança do comércio jurídico,
conforme resulta do artigo 1º do CRP.
Apesar de, comumente, se referir que o registo se reporta a atos de comércio, a verdade é que
o objeto do registo são factos jurídicos e não situações jurídicas. Isto significa que não se registam
direitos de propriedade ou outros sobre os prédios, mas sim factos dos quais, através da interpretação,
se consegue compreender o titular do direito real e, eventualmente, de outros direitos que oneram aquele
direito real.
Assim: o objeto da inscrição registal são factos; inscrevem-se factos para, desta forma, dar a
conhecer aos interessados a situação jurídica dos prédios, obtida através da interpretação desses factos.
Dois tipos de publicidade: organizada (registo predial) e espontânea (baseada na posse).

1.3. OS ATOS DE REGISTO


O Registo Predial, enquanto função, inclui três tipos de atos:
® Descrição predial (art. 79º do CRP): tem como finalidade a identificação física (onde se
localiza, a sua área, a sua conformação – se rustico, urbano ou misto), económica (o valor
patrimonial) e fiscal dos prédios (situação matricial do prédio);
o É essencial ao registo: não é possível a inscrição ou o averbamento sem que a
descrição do prédio esteja lançada.
o É realizada na dependência de uma inscrição ou de um averbamento (art. 80º/1
CRP).
® Inscrição (art. 91º/1 CRP): tem como objetivo definir a situação jurídica dos prédios,
mediante extrato dos factos a ela relevantes; na linguagem correto, é a este ato que se
alude no âmbito do registo;
o Objeto: factos sujeitos a registo, conforme resulta dos artigos 2º e 3º do CRP.
o Definitiva: registo final do facto;
o Provisória: tem lugar quando o facto a registar é insuficiente para produzir a
alteração da situação jurídica do prédio;
® Averbamento: tem como objetivo completar, atualizar ou retificar o registo, nos termos
dos artigos 88º/1 e 100º/1 do CRP;

1.4. A LEGITIMIDADE PARA REGISTAR


No que respeita à legitimidade para registar, ou seja, saber quem o pode pedir, esta vem
prevista no artigo 36º do Código do Registo predial.
Esta abrange as partes do negócio jurídico e, ainda, os interessados (estes são todos aqueles
cuja posição jurídica pode ser afetada pela falta de registo). São exemplos de interessados os credores
do adquirente, já que o facto a registar passa a integrar o património do devedor, logo, passa a estar
afeto à satisfação do crédito.

1.5. A LEGITIMAÇÃO REGISTAL


A legitimação registal prende-se com a regra que dita que só pode ser titulado (atribuir fé pública
ao ato – através de advogados, solicitadores, etc.) um facto jurídico se o disponente tiver prévia inscrição
a seu favor e que resulta do artigo 9º do CRP e do artigo 54º/2 do Código de Notariado.
Esta regra dispõe, então, que o notário só pode outorgar a escritura de disposição de direito real
atinente a prédio caso o disponente tenha registo a seu favor. Semelhante consequência há que resultar
para as decisões judiciais. É dirigido também a solicitadores, advogados, câmaras de comércio e
indústria e aos consolados (documentos estrangeiros).
Pode perguntar-se, no entanto, quais são as consequências da violação desta regra pelo notário.
Ou seja:
A, proprietário do prédio X, com registo de compra a seu favor,
venda a propriedade a B, que não regista. O notário, no entanto,
regista a venda entre B e C.
De acordo com Menezes Cordeiro, o negócio jurídico seria nulo, mediante violação do disposto
no artigo 9º/1 do CRP. Posteriormente, veio a mudar de posição.
De acordo com Oliveira Ascensão, o negócio jurídico seria válido, no entanto, haveria sempre
que funcionar sanções disciplinares a quem titulou o ato em violação. Esta tese foi acolhida pela
jurisprudência e por Carvalho Fernandes.
De acordo com José Alberto Vieira, o negócio jurídico deve considerar-se válido, uma vez que
a ratio legis do artigo 294º (nulidade por violação de preceito injuntivo) não tem aplicabilidade nestes
casos. O artigo 9º/1 é um comando dirigido ao notário e ao juiz, pelo que a sua violação deve acarretar
consequências no âmbito destas funções. Acolhe, assim, a tese proposta por Oliveira Ascensão.

1.6. PRINCÍPIOS DO REGISTO PREDIAL


O Registo Predial estrutura-se com base em quatro princípios:
® Princípio da Legalidade (art. 68º do CRP): comporta a modalidade do controlo da
legalidade formal e a modalidade do controlo da legalidade substancial;
o Legalidade formal: controlo pela regra da forma imposta por lei e a legitimidade
das partes;
o Legalidade substancial: controlo de validade do ato sujeito a registo;
o Havendo anomalias: o conservador deve recusar o registo nos casos previstos no
artigo 69º do CRP; deve lançar o registo como provisório em caso de dúvidas nas
situações contempladas no artigo 70º do CRP;
o Limites: autonomia das partes na arguição da anulabilidade (art. 287º/1);
® Princípio da Instância (artigo 41º do CRP): significa que o registo predial é da iniciativa
dos interessados, através de um pedido dirigido ao conservador; o conservador não lança
registo oficiosamente;
o É feito na dependência de um documento que titula o facto jurídico que é
registado: os factos têm de constar de um documento escrito.
o Há factos que não operam, no entanto, por negócios jurídicos formais (usucapião,
p.e.): é sempre necessário um documento notarial ou uma decisão judicial, que
indique o facto jurídico a registo;
® Princípio do Trato Sucessivo (art. 34º/1 do CRP): constitui uma obrigação de patentear
toda a sequência de factos jurídicos que respeitaram a cada prédio, ou seja, procura-se,
deste modo, que a história jurídica do prédio seja retratada pelo Registo Predial e que a
consulta deste pelos interessados revele os factos jurídicos relativos a ele;
o Destinatário: conservador; a violação acarreta responsabilidade do conservador;
® Princípio da prioridade (art. 6º/1): tecnicamente, de forma mais correta, corresponde ao
princípio da prevalência entre direitos compatíveis e que vale para os direitos reais que
se constituam com o registo, ou seja, apenas a hipoteca (art. 687º CC e 4º/2 do CRP);
o Exemplo: A constitui uma hipoteca a favor de B e a favor de C, tendo a escritura
da hipoteca de B sido outorgada em primeiro lugar. C, todavia, registou primeiro
a sua hipoteca. Segundo o artigo 6º/1, a hipoteca de C prevalece sobre a de B. A
razão para esta prevalência é o facto de C se constitui em primeiro lugar, já que
foi também registado em primeiro lugar.

2. EFEITOS SUBSTANTIVOS DO REGISTO PREDIAL

2.1. EFEITO PRESUNTIVO


O efeito presuntivo de titularidade funda-se no artigo 7º do CRP. Vale, em geral, nos casos de
registo nulo, não obstante não valer nos casos de registo inexistente (artigos 13º e 17º/1 do CRP).
Duas vertentes: presume-se que o direito existe tal como está inscrito e que pertence ao titular a
favor de quem foi lavrado o Registo.
Esta presunção é ilidível, podendo ser afastada mediante prova em contrário (art. 350º/2).
Note-se que esta presunção pode colidir com a presunção fundada na posse e prevista no artigo
1268º/1. Do conflito prevalecerá a mais antiga, ou seja, o registo predial é indiferente se houver posse
anterior ao registo.

2.2. EFEITO CONSOLIDATIVO


O efeito consolidativo do registo deriva do princípio da consensualidade, previsto no artigo 408º/1
do CC. O registo não é, assim, parte integrante/necessária para a aquisição do direito real, resultante
esta do próprio contrato.
Assim, o registo apenas tem efeito consolidativo: (1) permite a disposição, notarial e judicial, do
direito real; (2) evita a aquisição tabular de um terceiro.

2.2. EFEITO CONSTITUTIVO


Em regra, o registo predial não tem efeito constitutivo, ou seja, não integra nenhum facto
complexo de produção sucessiva em ele seja o culminar da aquisição do direito real. Não obstante,
todas as regras têm exceção e o registo predial não é foge à regra.
A hipoteca é o único caso de efeito constitutivo do registo. Significa, porquanto, que nos termos
do artigo 687º do CC e 4º/2 do CRP: o registo, na ótica do Sr. Prof. José Alberto Vieira, constitui uma
parte (a final) do processo de constituição do direito real hipoteca, e não uma mera condição de
oponibilidade (como defende, contrariamente, Oliveira Ascensão). A hipoteca sem Registo é válida,
simplesmente não tem eficácia em relação a terceiro - por força do principio do aproveitamento do
negocio

2.2. EFEITO ATRIBUTIVO OU AQUISIÇÃO TABULAR


O efeito atributivo/aquisição tabular tem como função titular o terceiro adquirente do direito
real, funcionando, em contrapartida, como consequência à omissão do registo da aquisição deste.
Consubstancia-se como uma proteção registal contra o titular do direito real na ordem substantiva, ou
seja, como exceção à prevalência da ordem substantiva sob a ordem registal.
No entanto, a proteção do terceiro e o que se deva entender por terceiro tem várias dimensões.
Nestes termos, a aquisição tabular deve ser entendida como uma modalidade geral, que comporta
diversas submodalidades com requisitos distintos.
Distinguindo:
(1) Aquisição tabular prevista no artigo 5º do CRP (conceção restrita de terceiro): os
factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo
registo;
a. JAV: o objetivo do preceito é proteger o terceiro que, confiando na aparência de
uma situação registal desconforme à realidade, celebra um negócio jurídico
inválido com o titular inscrito e regista a sua aquisição.
i. O art. 5º/4: dá direito à limitação e à oneração do direito real ou, ainda, à
extinção do direito real;
ii. Incompatibilidade relativa ou parciais: direitos reais menores e direitos
reais maiores; direitos reais de garantia; direitos pessoais de gozo;
iii. Incompatibilidade absoluta: primeiro usufruto e depois propriedade;
direito real e direito real;
b. Requisitos: (1) registo incompleto (desconforme com a ordem substantiva); (2)
ato de disposição praticado com base na situação registal desconforme; (3) o
terceiro tem de registar o facto aquisitivo do direito antes do titular na ordem
substantiva registar;
i. Adicionais - JAV: (4) o facto aquisitivo seja oneroso; (5) o terceiro esteja
de boa fé (conceção subjetivo ético de boa fé, ou seja, quando o terceiro
desconheça sem culpa);
ii. Fundamento: integração sistemática do preceito, já que são, também,
requisitos para todos os casos de aquisição tabular, e teleologia, com
vista a preservar a fé publica registal e a confiança dos particulares;
c. Conceito de terceiro: limitado àquele que adquiriu o seu direito da mesma
pessoa que o transmitiu ao titular do direito incompatível, ou seja, terceiro para
efeito de dupla disposição;
d. Consequência prática (proteção de terceiros): o terceiro adquire o direito, não
adquirido por via substantiva, por via tabular, ou seja, o registo, nestes casos, tem
efeito atributivo de direitos;
(2) Aquisição tabular prevista no artigo 17º/2 do CRP: a declaração de nulidade do registo
não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo
dos correspondentes factos for anterior ao registo da ação de nulidade;
a. Exemplo: A, proprietário do prédio X, com registo a seu favor lavrado por
funcionário sem competência funcional, venda a propriedade a B, que regista a
sua aquisição. O registo de A vem, no entanto, a ser declarado nulo, com
fundamento na alínea d) do artigo 16º do CRP. A posição de B não é afetada pela
declaração de nulidade do registo, porquanto o contrato de compra e venda não
tem a sua validade afetada pela nulidade do registo de A.
b. Limites: só atua contra o titular do direito real que não tenha registo do facto
aquisitivo do seu direito, pois que só assim este não beneficia do efeito
consolativo; só funciona em casos de problemas de validade substantiva;
c. Requisitos: (1) pré-existência de um registo nulo; (2) ato de disposição fundado
no registo nulo; (3) boa fé do terceiro; (4) onerosidade da aquisição do terceiro; (5)
o registo do facto aquisitivo do terceiro tem de preceder o registo da ação de
declaração de nulidade do registo;
d. Consequência prática (proteção de terceiros): o terceiro adquire o direito, não
adquirido por via substantiva, por via tabular, ou seja, o registo, nestes casos, tem
efeito atributivo de direitos;
e. Passível de se sobrepor ao art. 291º: casos de título fraudulento;
i. JAV: a parte pode escolher o regime que melhor lhe aprouver;
ii. VP: aplicação do prazo de três anos, previsto no art. 291º, ao art. 17º/2, a
fim de garantir o principio da igualdade;
(3) Aquisição tabular prevista no artigo 291º do CC: a declaração de nulidade ou a
anulação do negócio jurídico que respeita a bens imóveis, ou a bens móveis sujeitos a
registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por
terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da ação de nulidade ou
anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio;
a. Exemplo: A doou a B a propriedade do prédio X, tendo este último registado a
sua aquisição. Em seguida, B vende o mesmo direito a C, que também regista.
Entretanto, D faz declarar judicialmente a nulidade da ação entre A e B. Esta
nulidade afeta a legitimidade de B para transmitir o direito a C, gerando a nulidade
da venda (892º). Se verificados todos os requisitos, C usufrui de proteção registal,
ou seja, beneficia de uma aquisição tabular.
b. Requisitos: (1) situação registal desconforme com a realidade substantiva, pelo
facto de, em termos substantivos, o negócio registado ser inválido; (2) ato de
disposição do direito a que se reporta o contrato inválido e o facto registado; (3)
boa fé do terceiro; (4) onerosidade da aquisição por terceiro; (5) o registo do facto
aquisitivo do terceiro tem de preceder o registo da ação de nulidade/anulação do
negócio jurídico; (6) tem de ter decorrido mais três anos entre o negócio jurídico
e o registo da ação de nulidade do mesmo (art. 291º/3);
(4) Aquisição tabular prevista no artigo 122º do CRP: situações em que o terceiro, de boa
fé, fica protegido, em virtude de uma desconformidade registal com a ordem substantiva,
que deriva, não da nulidade do registo, mas do registo inexato (art. 18º/1 do CRP);

2.2.1. O CASO PARTICULAR DA USUCAPIÃO NO ÂMBITO DO EFEITO ATRIBUTIVO


Há, no entanto, que fazer uma breve menção à usucapião (arts. 1287º e ss. – pode resultar de
sucessão ou acessão de posses), no âmbito deste efeito atributivo do registo predial, tendo por base o
disposto no art. 5º/2/a).
Aquele que tem a usucapião a seu favor pode impedir o efeito atributivo do registo predial, pois,
a usucapião não é afetada pelas vicissitudes registais, vendo por si, mesmo contra o registo da aquisição.
Isto significa que o terceiro que beneficia de aquisição tabular não pode fazer valer a proteção registal
contra o titular do direito real adquirido por usucapião.
A, proprietário do prédio X, vende o usufruto do prédio a B,
que não regista, e faz posteriormente o mesmo a favor de
C, que regista. Ainda que C tenha a seu favor os requisitos
do art. 5º/1 do CRP, ele nada pode fazer se B demonstrar
a usucapião.

2.2. EFEITO ENUNCIATIVO


O efeito enunciativo comporta as situações em que o registo predial não tem uma função de
publicidade, ou seja, respeita aos atos enumerados no art. 5º/2 do CRP e ao caso da posse.
A justificação deste regime assenta no facto de se considerar que o papel de publicidade já é
reservado, pelo ordenamento jurídico, à posse. A própria situação jurídica já publicita a situação do titular
do direito real, não carecendo este de registo para o efeito.
Fé pública: artigo 1.º Vs consensualidade
Exceção: fé pública.
O registo predial incide apenas sobre bens imóveis. Abrangência maior da consensualidade. A fé pública,
na verdade, só se aplica se existir aquisição tabular. O 408/1 é a regra.

NOTA:
Registo predial totalmente diferente das formalidades do negócio.
O CONTEÚDO DOS DIREITOS REAIS
1. O CONTEÚDO POSITIVO DOS DIREITOS REAIS

1.1. O APROVEITAMENTO DA COISA


O escopo do direito real está no aproveitamento da coisa. Esse aproveitamento, no entanto,
varia, em termos de grau, nos vários tipos de direitos reais e, ainda, em cada direito real de gozo.
É a própria ordem jurídica que limita o conteúdo do aproveitamento dos direitos reais, ou seja, é
a própria ordem jurídica que, ao estipular o princípio da tipicidade, não permite ao titular do direito real
modelar, discricionariamente, o conteúdo de aproveitamento da coisa, que o direito lhe confere.
Ao conteúdo do direito real – aproveitamento da coisa – pertencem todas as situações jurídicas
ativas e passivas, que o regime determina para cada direito real. As situações jurídicas que pertencem
ao conteúdo do direito real são poderes e faculdades – e não direitos, como alude o art. 1305º. Os
poderes são situações jurídicas simples, que não permitem decomposição, logo, o uso ea fruição são
poderes. A faculdade, por sua vez, tem maior extensão que o poder e pode ser decomposta em várias
situações jurídicas simples; a disposição é, assim, uma faculdade, que pode ser decomposta em
alienação, oneração e renúncia do direito.

1.2. A TRIPARTIÇÃO EM FUNÇÃO DO CONTEÚDO DE APROVEITAMENTO


Os direitos reais são tripartidos pela doutrina em três categorias:
® Direitos reais de gozo: o aproveitamento da coisa é o gozo.
® Direitos reais de garantia: o aproveitamento da coisa é a garantia de cumprimento de uma
obrigação.
® Direitos reais de aquisição: o aproveitamento da coisa é a possibilidade de aquisição de
outro direito.

1.2.1. NOS DIREITOS REAIS DE GOZO


Os direitos reais de gozo permitem o aproveitamento da coisa através do gozo.
O gozo, em virtude da evolução história, inclui hoje o uso (o aproveitamento das utilidade da
coisa com preservação da sua substância) e a fruição da coisa (poder de fazer seus os frutos naturais e
civis produzidos pela coisa).
Ainda, para o Prof. José Alberto Vieira, dentro do gozo deve integrar-se o poder de
transformação, apesar de contrariamente ter vindo a ser integrado no poder de disposição – entende
ser de rejeitar esta sistematização, uma vez que o poder de transformação é um poder material, enquanto
que os poderes de alienação, oneração e renúncia são poderes jurídicos.
Argumento adicional: a superfície de construção é
caracterizada como um direito real de gozo e, no entanto,
o conteúdo deste direito consiste, fundamentalmente, num
poder de transformação
Ainda dentro do gozo da coisa, podem ser integrados outros poderes, nomeadamente, o poder
de reivindicação da coisa (art. 1311º e 1315º) e, ainda, o poder de excluir terceiros não autorizados do
gozo da coisa.
Tendo por base esta panóplia de poderes, importa relembrar que a amplitude de poderes varia
entre os demais direitos reais de gozo, razão pela qual se designam direitos reais menores e direitos
reais maiores. A propriedade, por sua vez, contém os poderes de gozo na sua extensão máxima.
O conteúdo não se restringe a poderes de gozo: alarga-se, ainda, aos poderes de disposição.
Todos os direitos reais de gozo integram a faculdade de disposição no seu conteúdo, embora a extensão
em que a mesma é admitida varie, igualmente, de direito para direito.

1.2.2. NOS DIREITOS REAIS DE GARANTIA


Os direitos reais de garantia são direitos funcionalmente dirigidos a assegurar, em caso de
incumprimento do devedor, o credor, que deles beneficia, possa ser pago através da coisa objeto do
direito real de garantia e com prioridade relativamente aos demais credores do devedor que não tenham
melhor garantia real sobre ela. Por isso, como refere Guilherme Moreira, objeto do direito real de
garantia é o valor dela.
O conteúdo do direito real de garantia consiste, assim, na atribuição de uma posição de
supremacia quanto aos demais credores do autor da garantia, conferindo-lhe preferência na satisfação
do seu crédito através do produto da venda da coisa. Não incluem, assim, poderes de gozo da coisa.
A consignação de rendimento, no entanto, afasta-se do regime comum dos direitos reais: que
são de exercício judicial, tendo lugar no âmbito da ação executiva. No caso da consignação de
rendimentos, atribui-se o poder jurídico de reter os rendimentos da coisa dada em consignação.

1.2.3. NOS DIREITOS REAIS DE AQUISIÇÃO


No que respeita aos direitos reais de aquisição, estes consistem no simples poder de fazer valer
contra quem quer que seja o direito à aquisição de um outro direito. Assim, em caso de acordo
relativamente à eficácia real, p.e. do contrato promessa, o direito real de aquisição permite ao tituar
impedir os efeitos de uma venda feita pelo promitente vendedor a terceiro em violação da promessa.

2. O CONTEÚDO NEGATIVO DOS DIREITOS REAIS


O conteúdo negativo do direito real corresponde às situações jurídicas passivas que integram o
conteúdo do direito real e o delimitam negativamente. Distinguem-se dos limites gerais ao exercício do
direito real, que, sendo exteriores ao conteúdo deste, traçam a fronteira entre o exercício permitido e
aquele que contraria a ordem jurídica (logo, que não é admitido).
Dentro do conteúdo negativo é possível distinguir: uma dimensão geral, que abrange todos os
direitos reais; uma dimensão específica, cuja análise é em função do direito real em foco.
O conteúdo negativo pode decorrer diretamente da lei, dentro do qual se distingue o conteúdo
de direito público e o conteúdo negativo de direito privado; pode, por outro lado, decorrer de convenção,
ou seja, pode ser convencional, desde que não entre em confronto com o princípio da tipicidade (tem,
assim, de ser respeitado o tipo injuntivo).

2.1. CONTEÚDO NEGATIVO DE DIREITO PÚBLICO: EXPROPRIAÇÃO


A expropriação encontra-se prevista nos arts. 1308º a 1310º: a propriedade pode ser objeto de
expropriação, havendo possibilidade de indemnização.
A expropriação tem eficácia extintiva e afeta todos os direitos reais constituídos sobre a coisa
que é objeto dela (art. 1º do Código das Expropriações). Pode ser realizada, nos termos gerais, por
utilidade pública ou por utilidade particular, consoante a natureza do fim que serve de fundamento ao
ato.
Feita a expropriação, a entidade expropriante adquire a propriedade sobre a coisa – adquire,
assim, originariamente a propriedade, não em virtude de transmissão.

2.2. CONTEÚDO NEGATIVO DE DIREITO PÚBLICO: REQUISIÇÃO


O art. 1309º faz referência à requisição temporária de coisas do domínio privado, só podendo
esta acontecer nos casos previstos na lei. Apesar de anteriormente se entender que a requisição incidia
em exclusivo sobre bens móveis, o Código das Expropriações mudou esse paradigma: art. 80º e ss.
Não se diferencia da expropriação, assim, em virtude do objeto. A distinção que existe entre a
requisição e a expropriação reside na sua eficácia: a expropriação extingue todos os direitos reais sobre
a coisa (art. 1º e 9º/1 do CE), enquanto a requisição mantém os direitos reais existentes, apenas
atribuindo à entidade requisitante um direito ao uso da coisa para o fim decorrente da requisição durante
o período em que esta se mantiver (art. 85º/1 do CE). Significa, então, que há direitos reais que podem
continuar a ser exercidos, desde que compatíveis com esta – não sendo possível o exercício, estaremos
perante um cenário de oneração.

2.3. CONTEÚDO NEGATIVO DE DIREITO PÚBLICO: CONFISCO


Podem distinguir-se duas modalidades de confisco: (1) apropriação pública de bens privados
sem contrapartida, indemnizatória (nacionalização, na prática); (2) confisco sanção, em que as coisas
são perdidas a favor do Estado ou de outra entidade pública como sanção para a prática de um ilícito.

2.4. CONTEÚDO NEGATIVO DE DIREITO PÚBLICO: SERVIDÕES ADMINISTRATIVAS


A servição administrativa atribui o aproveitamento de alguma das utilidades de um prédo
determinado a uma entidade, pública ou privada, em razão da prossecução de um interesse público. Só
existe vinculação se a vinculação de Direito Público incidir sobre um prédio determinado e favoreça um
outro prédio.
Para JAV, a servidão não é um verdadeiro elemento de conteúdo negativo, mas antes onera os
direitos reais de gozo maiores. A única particularidade, em relação à servidão predial, é o facto de estar
sujeita, em boa parte, ao Direito Publico.
Em termos de constituição, estas podem resultar diretamente da lei ou de ato administrativo.

2.5. CONTEÚDO NEGATIVO DE DIREITO PÚBLICO: IUS AEDIFICANDI


O ius aedificandi constitui a atribuição do direito de construir.
Entende JAV que este direito não tem autonomia no contexto do gozo, sendo uma das
manifestações possíveis do poder de transformação da coisa. Entende, ainda, que este não resulta de
nenhuma disposição de Direito Público, antes é atribuído exclusivamente pelo Direito Civil. Assim, mais
uma vez, entende tratar-se de uma representação do conteúdo negativo: não está em causa a atribuição
do poder de construir, mas, tão somente, a sujeição do gozo (poder de transformação), a limitações de
direito público.
Em linhas gerais, JAV rejeita as teses que defendem que a concessão de uma licença
administrativa de construção tem efeito constitutivo de um direito à construção (pois que, na verdade,
esse direito não existe). Existe apenas o poder de transformar, que se encontra limitado negativamente
por normas proibitivas/impositivas de direito público.

2.6. CONTEÚDO NEGATIVO DE DIREITO PRIVADO: RELAÇÕES DE VIZINHANÇA


O conteúdo negativo no âmbito das relações de vizinhança coloca-se a propósito das relações
entre proprietários de imóveis (art. 1344º e ss.); no entanto, JAV entende que estas podem ser extensíveis
a qualquer direito real, não condicionando, apenas o conteúdo do direito de propriedade.
No âmbito das relações de vizinhança podem distinguir-se como elementos do conteúdo
negativo:
® Emissões: previstas no art. 1346º, limitam as emissões provenientes daquele bem
imóvel; resulta, do preceito, a proibição de todas as emissões de que importem o prejuízo
substancial para o uso do imóvel e ou que não resultem da utilização normal do prédio
de que emanam;
o Estão abrangidos prédios contíguos e prédios com proximidade espacial capazes
de serem afetados.
o Disjunção ou cumulação de requisitos: Menezes Cordeiro entende serem
cumulativos; Antunes Varela entende serem disjuntivos; JAV entende que o
requisito do dano é sempre obrigatório, ou seja, a cumulação é apenas
relativamente ao dano (se provocarem dano mas resultarem do exercício normal
nem por isso deixam de ser ilícitas).
® Instalações Prejudiciais: previstas no art.1347º (permite que o titular do direito real
sobre o prédio vizinho proíba obras, depósitos e outras instalações que encerrem perigo
de dano sobre o seu prédio, assim como a respetiva remoção caso a construção haja
sido feita),
® Escavações: previstas no art. 1348º, devendo entender-se estar abrangidos todos os
danos projetados pelas escavações sobre os prédios vizinhos; integra formas de
transformação que afetem a integridade de edifícios vizinhos; prevê-se uma
responsabilidade objetiva (não permite afastamento pelo facto de se ter recorrido a
empreiteiro).
® Passagem forçada momentânea: exige-se consentimento do titular do direito real na
colocação de andaime, matérias e outras estruturas no prédio, se tal for imprescindível
para a construção/reparação do prédio contíguo (art. 1349º/1); o titular do direito real
lesado tem direito a ser indemnizado (art. 1349º/3);
® Dever de conservação de imóvel: dever de conservar o edifício ou obra, de modo a que
não cause danos a terceiros (art. 1472º, p.e., provando que vale para qualquer titular de
direito real); está implícito em 492º e 1350º;
® Escoamento natural das águas e obras defensivas das águas: os titulares de direitos
reais de gozo sobre prédios inferiores não podem impedir o escoamento natural da água,
sedimentos e detritos que ela transporta, assim como os titulares dos prédios superiores
não podem agravar as condições que já decorrem da natureza;
o Art. 1352º: caso particular das obras defensivas de águas que existam num prédio
para proteger esse e outros prédios;
® Abertura de Janelas, Varandas, Portas e Semelhantes Sobre Prédio Contíguo e
Servidões de Vista: estatui o art. 1360º/1 que o titular do direito real não pode abrir portas
ou janelas viradas para o prédio vizinho sem deixar entre estas e o limite daquele uma
distância de, pelo menos, um metro e meio (extensão: nº2), com as restrições constantes
do art. 1361º;
o Art.1362º - Servidão de Vistas: menção também a servidão desvinculativa;
implica a aquisição, por usucapião, de uma servidão (não em sentido técnico) de
vistas; trata-se da extinção do dever constante do art. 1360º decorrido o prazo
da usucapião.
® Outras aberturas: aberturas de frestas, seteiras ou óculos para luz e ar não estão
contemplados pelo disposto no art. 1360º (art. 1363º/1), embora devam obedecer a
outras regras (art. 1363º/2); podem, no entanto, ser construídos edifícios ou outras que
tapem as aberturas.
® Estilicídio: dever de impedir que águas, das chuvas ou outras, que escorram do telhado
ou de outra cobertura não caiam no prédio do vizinho; se for impossível evitar, o art.
1365º/1 obriga ao respeito por um intervalo mínimo.
® Plantação de Árvores e Arbustos: o titular do direito real de gozo pode plantar árvores
e arbustos até ao limite do seu prédio (art. 1366º/1) – com limitações (nº2); na
eventualidade de os frutos apenas poderem ser colhidos através do prédio vizinho que,
apesar de terem direito a indemnização, estão obrigados a admitir a colheita (art. 1367º);
® Tapagem do Prédio: o proprietário pode tapar o prédio, erguendo muro, valando,
rodeando de sebes, árvores ou plantes (art. 1356º) – aplica-se a qualquer direito real; com
algumas limitações (art. 1359º/1).
® Convencionado em Vizinhança: as partes podem convencionar vinculações do titular
do direito real de gozo que não contendam com o conteúdo típico do direito real, dentro
das quais poderão estar restrições de vizinhança.

2.7. CONTEÚDO NEGATIVO: DIREITOS INTELECTUAIS


Também no âmbito dos direitos intelectuais podem surgir limitações ao titular do direito real:
relembremos os casos do direito de autor/direito industrial, que consagram o poder de disposição, no
entanto, esse implica para o titular o dever de não dispor da coisa a favor de terceiro sem a autorização
do titular do direito intelectual (a violação deste dever implica, naturalmente, sanções legais, como a
responsabilidade civil).
A COMUNHÃO DE DIREITOS REAIS
1. O REGIME EM VIGOR EM PORTUGAL
A comunhão consiste num concurso de direitos da mesma espécie sobre uma coisa comum.
O Código Civil não prevê um regime geral da comunhão, apenas se prevê a comunhão do direito
de propriedade, que se encontra prevista nos arts. 1403º a 1413º. Note-se, no entanto, que por força do
art. 1404º, é possível construir um regime geral da comunhão dos direitos reais: este preceito manda
aplicar de forma direta o regime da compropriedade a qualquer comunhão de direitos reais.
De acordo com JAV, em Portugal, vigora o sistema da comunhão de direito Romano.

2. DISTINÇÃO DE FIGURAS PRÓXIMAS


Importa distinguir a comunhão de direitos reais, comunhão romano ou por quotas de outras
figuras próximas:
® Distingue-se da comunhão de mão comum (raiz germânica): caracteriza-se por um
património (pode ser composto por coisas corpóreas e incorpóreas) em relação ao qual não
existem quotas; os comunheiros não podem dispor da sua posição, nem sozinhos nem com
o consentimento de todos; a coisa em comunhão pode, no entanto, ser objeto de disposição,
total ou parcial, por todos os comunheiros.
o Direito Português: está presenta na comunhão conjugas dos cônjuges casados em
regime de comunhão de bens, na comunhão hereditária e na sociedade civil sem
personalidade jurídica;
® Distingue-se da sociedade civil sem personalidade jurídica: esta representa a prossecução
de uma atividade económica lucrativa por várias pessoas que acordaram fazê-lo pondo bens
em comum; a comunhão é, meramente, um concurso de direitos da mesma espécie sobre
uma coisa comum.
o O património pode, no entanto, estar sujeito ao regime geral da comunhão (arts. 1403º
e ss.), nos casos em que a atividade da sociedade seja de mera fruição.

3. COMUNHÃO GERAL E COMUNHÕES ESPECIAIS


No contexto da comunhão pode distinguir-se a comunhão geral e a comunhão especial:
® Comunhão geral: encontra-se prevista nos arts. 1403º e ss.;
® Comunhão especial: arts. 1370º a 1375º (paredes e muros de meação); arts. 1398º a
1402º (águas comuns); arts. 1420º e ss. (partes comuns de edifício em propriedade
horizontal);
Entende, JAV, que o regime da comunhão respeitante às partes comuns de edifício constituído
em propriedade horizontal é um dos mais importantes regimes de comunhão especial. A comunhão dos
condóminos segue, neste caso, o regime especial da propriedade horizontal – em tudo quanto não esteja
previsto e desde que não colida com, aplica-se as regras da compropriedade.
4. EM ESPECIAL: O REGIME

4.1. A CONSTITUIÇÃO DA COMUNHÃO DE DIREITOS REAIS


A constituição da comunhão segue as regras respeitantes à constituição dos vários direitos reais,
o que significa que a comunhão se pode constituir por via negocial, contratual ou unilateral ou por via
não negocial (usucapião, acessão, ocupação), por força da lei ou por decisão judicial.

4.2. O CONTEÚDO DO DIREITO DO COMUNHEIRO


Cada comunheiro é titular de um direito independentemente dos demais comunheiros: a única
particularidade é a circunstância de esse direito partilhar o seu objeto com outros direitos reais da mesma
espécie. Assim: o conteúdo positivo do direito do comunheiro é o mesmo do direito singular que está
em comunhão (arts. 1403º/2/1ª parte e 1405º). O conteúdo do direito real do comunheiro corresponde
ao aproveitamento permitido pelo tipo legal de direito real que estiver em comunhão.
Este conteúdo tem, no entanto, especificidades a salientar. Há que ter em conta, na análise
destas especificidades, a quantificação da posição do comunheiro, em função de uma porção ideal ou
abstrata da coisa comum (a quota). A quota não faz variar o conteúdo; apenas, no entanto, diferencia a
posição comunheiros no exercício de alguns dos poderes e deveres que fazem parte dele.
Há, ainda, que diferenciar o conteúdo negativo do direito do comunheiro. Significa, então, p.e.,
que todos os comunheiros que tenham direito ao uso da coisa, seja qual for o direito real de gozo
considerado, sofrem a incidência do dever de não privar os outros comunheiros do uso – ou seja, têm a
extensão do seu gozo limitada. Exemplo: art. 1406º/1. Assim: o regime jurídico da comunhão impõe aos
comunheiros deveres recíprocos de atuação, os quais, visando possibilitar o aproveitamento da coisa
por todos, acabam por delimitar negativamente a extensão desse aproveitamento.

4.3. A QUOTA DO COMUNHEIRO – FIXAÇÃO E EFEITOS


Cada comunheiro tem uma posição quantitativamente determinada na comunhão, a qual se
denomina de quota. Esta resulta do título constitutivo; na eventualidade de este ser omisso, a quotas
presumem-se iguais (art. 1403º/2/in fine).
Note-se que a quota pode variar, não tendo de manter-se imutável desde a constituição da
comunhão. Assim, pode vaiar por força da eficácia de factos supervenientes que tenham o efeito de
alterar o valor da quota, por força da transmissão dos direitos entre comunheiros, do falecimento de um
comunheiro ao qual sucede o outro. Pode, ainda, variar por força da usucapião. Ainda: por força do
direito de acrescer, em virtude da extinção do direito de outros comunheiros (ius adcrescendi).
A quota de cada comunheiro importa consequências importantes. Define, assim:
1) a fruição do comunheiro e o recebimento de réditos/proveitos (art. 1405º/1);
2) o montante a pagar nas despesas com a coisa e nos encargos devidos por ela (art. 1405º/1);
3) o valor do voto (art. 1407º/1);
4) o direito de preferência do comunheiro em caso de venda ou dação em cumprimento (art.
1409º/3);
5) a proporção a acrescer em caso de renúncia de um dos comunheiros ao seu direito (art.
1411º/3, para a renuncia liberatória);

4.4. OS PODERES EM ESPECIAL


4.4.1. O PODER DE USAR A COISA
O poder do uso do comunheiro vem regulado no art. 1406º/1 do CC. Cada comunheiro pode
usar livremente a coisa, independentemente do valor da sua quota, pelo que o uso a que os comunheiros
têm direito é o uso integral da coisa, o que significa que todos podem usar a coisa simultaneamente,
contando que tal seja possível.
O uso está, no entanto, sujeito a dois limites (art. 1406º/1): (1) não privar os outros comunheiros
do uso integral da coisa; (2) não empregar a coisa para fim diferente do que ela se destina.
O (2) significa que o comunheiro não deve introduzir na coisa quaisquer inovações ou fazer
reparações sem ter o consentimento dos restantes comunheiros. Assim, a extensão deste direito de uso
é, apenas, a utilização da coisa como ela se contra. O destaque do fim é aquele que resulte do titulo
constitutivo ou haja sido acordado entre comunheiros – na dúvida, deve atender-se ao fim a que a coisa
atualmente se encontra afeta.
NOTA: o uso integral é uma regra supletiva, pois que os comunheiros deve preferencialmente
acordar sobre o uso da coisa comum. Não havendo consenso, não se coloca a possibilidade de uma
imposição pela maioria: (1) sendo o uso integral possível, é este que deve prevalecer (art. 1406º/1); (2)
não sendo o uso integral possível e, na falta de consenso, a solução é o recurso à via judicial.

4.4.2. O PODER DE FRUIR E DE BENEFICIAR DOS OUTROS RÉDITOS OU VANTAGENS


GERADOS PELA COISA
O poder de fruição é quantitativo, ou seja, depende da quantificação da quota. Assim, existindo
poder de fruição, cada comunheiro tem direito aos frutos na proporção da sua quota (art. 1405º/1/2ª
parte). A mesma regra vale para a atribuição de réditos ou outros proveitos.
É um poder de exercício individual, limitado à proporção da quota. Deve, no entanto, ser
articulado com o poder de administração da coisa comum.

4.4.3. O PODER DE TRANSFORMAR A COISA


O poder de transformar a coisa, quando exista, é de exercício conjunto por todos os
comunheiros. Em caso de falta de acordo, a solução que persiste parece ser o recurso à via judicial.

4.4.4. O PODER DE DISPOR DO SEU DIREITO


No âmbito dos poderes de disposição, há que distinguir a disposição do direito de comunheiro
da disposição sobre a coisa comum (toda ou parte dela):
® Direito do comunheiro: livre disponibilidade deste; o comunheiro pode alienar o seu
direito a terceiro, no todo ou em parte, assim como pode igualmente onerá-lo, constituído
outros direito reais (1408º/1);
o Pode renunciar: quer através de renuncia liberatória; quer através de renuncia
abdicativa;
® Disposição da coisa: depende do consentimento (art. 1408º/1);

4.4.5. O PODER DE PREFERIR NA VENDA OU NA DAÇÃO EM CUMPRIMENTO A

TERCEIRO DO DIREITO DE COMUNHEIRO


O art. 1409º/1 confere ao comunheiro o poder de preferir no caso de venda ou dação em
cumprimento a estranhos do direito de outro comunheiro – o objetivo desta solução legal é evitar a
intromissão de terceiros no âmbito do aproveitamento da coisa, que pode gerar tensões e conflitos
indesejáveis.
Todos os comunheiros têm o direito de preferir nestes negócios; a harmonização destas
preferências faz-se permitindo que cada um exerça o seu poder na proporção da sua quota (art. 1409º/3).

4.4.6. O PODER DE ADMINISTRAR A COISA COMUM


O poder de administração pertence a cada comunheiro, independentemente do vaor individual
da sua quota (arts. 985º e 1407º). Assim, tanto pode administrar como opor-se ao ato de administração
levado a cabo pelo outro comunheiro (a oposição é uma vertente negativa do poder de administrar e visa
impedir a prática do ato de administração com o qual o comunheiro não está de acordo).
Em caso de conflito, cabe à maioria decidir. Nos termos do art. 1407º/2, a maioria requer a
metade do valor das quotas, não sendo suficiente a maioria dos votos dos comunheiros. Exige-se, assim,
que a maioria dos comunheiros perfaça ainda, no mínimo, metade do valor das quotas. Apesar de evitar
a preponderância da maioria pessoal, também é um sistema fonte de impasses, resolvidos,
necessariamente, através do recurso à via judicial.
Nos termos do art. 985º, a administração pode ser atribuída a algum dos comunheiros
(convenção acordada entre eles – regulamento de administração). A administração e respetivas decisões
cabem a este e, na falta de acordo de administradores (se forem vários), deve entender-se que as
deliberações são tomadas pela maioria deles, independentemente de representarem, ou não, metade do
valor das quotas (art. 985º/4 ex vi art. 1407º/1) – a não ser que o regulamento disponha o contrário.
Os atos jurídicos praticados pelo comunheiro contra a decisão da maioria são anuláveis a
requerimento de qualquer dos comunheiros. Isto se a oposição for anterior. Sendo a oposição
posterior, o poder de oposição pode ser exercido; se a maioria legal dos comunheiros decide em sentido
contrário a ele, não é a sua validade que está em causa, mas antes a eficácia jurídica. O ato jurídico
será ineficaz perante os outros comunheiros.

4.4.7. O PODER DE DISPOSIÇÃO DA COISA COMUM


O poder de disposição de toda ou parte da coisa comum tem de ser realizado com o
consentimento dos restantes comunheiros (art. 1408º/1). A justificação reside no facto de a coisa ser
simultaneamente objeto de vários direitos reais de igual natureza.
Este poder de disposição, note-se, engloba a transmissão, a oneração e a renúncia da coisa. É
um poder de exercício conjunto com os outros comunheiros e sujeito à regra da unanimidade.
O consentimento deve ser prestado na forma exigida para o ato de disposição em causa. A falta
deste de algum dos comunheiros, seja qual for o valor da sua quota, provoca o vício da ilegitimidade. É
havida como disposição de coisa alheia (art. 1408º/2).
Em princípio, o ato será nulo (é essa a solução que resulta do regime da compra e venda,
atendendo ao art. 939º que prevê uma extensão). Alguma doutrina, no entanto, defende a ineficácia
jurídica. Entende JAV estar em causa uma nulidade; quanto aos demais comunheiros, é ineficaz,
ficando estes dispensados de fazer declarar a nulidade do ato, que não os atinge. Pode requerer a
nulidade, mas não tem de fazê-lo.
Nota: esta nulidade não impede o aproveitamento do negócio, nos termos gerais. Ainda, permite-
se a convalidação (art. 895º), o que significa que se o comunheiro adquire o direito do comunheiro que
não prestou o seu consentimento ao negócio de disposição, a venda convalida-se. Este regime é
extensível, de acordo com o JAV, às hipóteses de consentimento posterior.

4.4.7. O PODER DE SUSCITAR A DIVISÃO DA COISA COMUM


O comunheiro tem o poder potestativo de, a qualquer momento, pedir a divisão da coisa comum
(art. 1412/1). Esta divisão é feita nos termos do acordo a que todos os comunheiros cheguem, o qual
está sujeito à forma da compra e venda (art. 1312º/1), que será livre (art. 219º) ou escritura
publica/documento particular autenticado (art. 875º).
Na falta de acordo, é lícito o recurso ao tribunal (art. 1413º/1) – arts. 1052º e 1057º do CPC.
Podem, igualmente, convencionar a indivisão da coisa (art. 1412º/1), tendo este acordo um prazo
máximo de 5 anos (nº2).

4.4.7. O PODER DE REIVINDICAÇÃO


O pode de reivindicação funciona nos mesmos moldes, havendo ou não havendo comunhão. É
um poder de exercício individual, pelo que o comunheiro pode sozinho reivindicar a coisa de terceiro, o
qual, por sua vez, não pode excecionar que a coisa não lhe pertence por inteiro para evitar a condenção
na entrega.

4.4.7. O DEVER DE PAGAR AS DESPESAS E DE PARTICIPAR NOS ENCARGOS GERADOS


PELA COISA
Uma vez que contém, também, conteúdo negativo – este corresponderá, na comunhão, aos
aspetos que já correspondem ao direito real em comunhão, acrescidos no dever de cada comunheiro
participar nas despesas e encargos da coisa na proporção da sua quota (art. 1405º/1/2ª parte e 1411º/1).
Nada impede aos comunheiros convencionarem proporções distintas das suas quotas para o
suporte das despesas.
Em principio, o comunheiro pode exonerar-se do dever de pagar as despesas e os encargos
gerados pela coisas renunciando ao seu direito (art. 1411º/1/in fine). Não obstante, não pode renunciar
se aprovou essas despesas – tal renuncia dependente do consentimento dos outros comunheiros (art.
1411º/2 – renuncia abdicativa).

4.5. A EXTINÇÃO DA COMUNHÃO


A extinção da comunhão ocorre quando a coisa perece, quando os direitos dos comunheiros se
extinguem, quando são adquiridos por uma única pessoa ou quando a coisa, juridicamente divisível, é
dividida pelos comunheiros.

5. A NATUREZA JURÍDICA DA COMUNHÃO


Algumas teses que sustentam a natureza da comunhão de direitos reais/compropriedade:

® Teoria da personalidade coletiva: existência de uma pessoa coletiva, titular do direito


real, na qual os comunheiros teriam apenas uma posição;
o Problema: não há sustento, na lei, para a existência de personalidade coletiva;
® Teoria da propriedade coletiva: a compropriedade seria uma propriedade coletiva;
o Problema: o comunheiro é titular de um direito próprio, que concorre com os
direitos dos outros comunheiros; esse direito é suscetível de livre disposição; é
insustentável a existência de um único direito;
® Teoria de um direito sobre uma quota ideal: cada comunheiro é titular de um direito
próprio, que incide sobre a coisa comum; no entanto, cada direito encontra-se limitado
em extensão pela quota do comunheiro;
o Problema: se é a quota o objeto do direito do comproprietário, a quem pertence
a coisa comum?
® Teoria de um único direito com vários contitulares: na comunhão existe um único
direito com pluralidade de titularidades; na compropriedade existiria apenas um direito
de propriedade com titularidade repartida pelos comproprietários;
o Problema: direito subjetivo como tendo natureza individual, algo que não se
verifica neste caso; o art. 1403º alude a direitos dos consortes, o que significa
que concorrem vários; a lei prevê, para cada comunheiro, um direito próprio, com
um conteúdo de aproveitamento específico; cada consorte tem o poder de dispor
da sua quota;
® Teoria do concurso de vários direitos reais da mesma natureza: a compropriedade
representa um concurso de vários direitos de propriedade sobre todos os bens, direitos
que, justamente pela concorrência, se limitam reciprocamente no seu exercício;
o Defendida por JAV.
o Argumentos: na comunhão existem tantos direitos como comunheiros; o objeto
é a coisa – a totalidade da coisa; a incidência de vários direitos induz um concurso
de direitos reais;
o Quota: serve apenas o propósito de resolver o conflito potencial entre os vários
comunheiros relativamente ao exercício de poderes e deveres que assumam
feição quantitativa, sem que constitua o próprio objeto do direito real ou defina
uma porção da coisa que fique afeta ao direito.
OS FACTOS JURÍDICOS COM EFICÁCIA REAL
1. NOÇÕES GERAIS
Os efeitos jurídicos são o resultado de factos jurídicos, o que significa que os efeitos reais são o
resultado de factos jurídicos com eficácia real – factos que constituem, transmitem, modificam e
extinguem situações jurídicas reais ou produzem qualquer outro efeito sobre estas.
Uma primeira distinção: factos jurídicos quoad efectum produzem um efeito real; factos jurídicos
quod constitutionem o caráter real advém da tradição da coisa.
Uma segunda distinção, ainda dentro dos efeitos reais: factos jurídicos com eficácia real
exclusiva, que são regulados apenas em Direitos Reais, pois que só produzem direitos reais; factos
jurídicos com eficácia real múltipla, que são regulados tanto pelos Direitos Reais como por outras ordens
normativas (exemplo: contrato de compra e venda, produz efeitos reais e efeitos obrigacionais).

1.1. A RELEVÂNCIA DA TIPICIDADE


O primeiro problema, colocado a propósito dos factos constitutivos de direitos reais, respeita à
sua tipicidade. Pergunta-se: será que o princípio da tipicidade, previsto no art. 1306º/1, também
abrange os factos constitutivos dos direitos reais?
De acordo com José Alberto Vieira, tal não deve ocorrer. A constituição que vem mencionada no
art. 1306º/1 refere-se a situações jurídicas reais e não a factos; assim, o que se pretende restringir é a
criação de direitos reais e não os factos através dos quais esses direitos se constituem. A mesma regra
aplica-se aos factos modificativos, translativos e extintivos de direitos reais. Significa, em suma, que
apesar de existir tipicidade de direitos reais, não existe, porquanto, tipicidade de factos jurídicos com
eficácia real.

2. FACTOS JURÍDICOS CONSTITUTIVOS DE DIREITOS REAIS

2.1. A LEI, A DECISÃO JUDICIAL E O NEGÓCIO JURÍDICO


A lei, a decisão e o negócio jurídico são os únicos factos jurídicos com eficácia jurídica
constitutiva para todos os direitos reais.
Em abstrato, a lei pode desencadear a constituição de qualquer direito real. Em concreto,
aparece como facto constitutivo da hipoteca (arts. 704º a 709º), dos privilégios creditórios (arts. 733º e
ss.), do usufruto (art. 1440º) e das servidões legais (arts. 1550º e ss.).
A decisão, não obstante a atipicidade dos factos jurídicos constitutivos de direitos reais, aparece
mencionada em vários preceitos (arts. 658º, 710º, 1417º/1, 1547º/2).
O negócio jurídico é o facto constitutivo com maior relevo, apesar de nem todos os direitos reais
poderem, por ele, ser constituídos (os privilégios creditórios, p.e., não podem).
2.2. FACTOS COM EFICÁCIA RELATIVA A UMA CATEGORIA DE DIREITOS REAIS:
A USUCAPIÃO
De acordo com José Alberto Vieira, a usucapião é um facto constitutivo geral de direitos reais;
a sua eficácia restringe-se a apenas uma categoria de direitos reais, os direitos reais de gozo. A acessão,
note-se, não se integra nesta categoria, uma vez que apenas permite constituir o direito de propriedade.
Em termos gerais, a usucapião vem prevista nos arts. 1287º a 1301º do Código Civil.
Não é feita menção a um justo título, razão pela qual pode beneficiar da usucapião quem
simplesmente se apossa da coisa, sem título algum, ou alguém que inverte o título da posse tendo uma
simples detenção.
A boa fé, por sua vez, também não é requisito para a usucapião; a influência que exerce é residual
e basta-se a um prazo menor de posse necessária para que o possuidor possa usucapir.
O aproveitamento utilitário da coisa não é, ademais, requisito da usucapião.

2.2.1. DIREITOS REAIS DE GOZO USUCAPÍVEIS


A usucapião só permite a aquisição de direitos reais de gozo. Note-se, no entanto, que não estão
abrangidos todos os direitos reais de gozo. Nos termos do art. 1293º, não são Usucapíveis o direito de
uso e habitação e as servidões prediais não aparentes.
Os demais direitos reais podem, deste modo, ser adquiridos através da usucapião.
Ponto importante é, igualmente, notar que podem, também, ser adquiridos direitos reais nús, ou
seja, direitos reais não onerados, desde que o exercício desta corresponde ao exercício realizado pelo
possuidor.

2.2.2. REQUISITOS GERAIS DA USUCAPIÃO


A usucapião baseia-se em três requisitos gerais: (1) uma possa boa para usucapião; (2) o
decurso do prazo legal de posse (duração da posse); (3) a invocação da usucapião pelo possuidor.

(1) U MA POSSE BOA PARA USUCAPIÃO


Não é qualquer posse que admite a aquisição por usucapião.
A posse boa para usucapião tem de ser pública e pacífica (art. 1297º (imóveis) e 1300º/1
(móveis)). Se foi adquirida com violência, o prazo para a usucapião não começa a contar enquanto não
se torna pacífica; do mesmo modo, a posse oculta não vale para a contagem do prazo da usucapião.
Não se exige outro requisito.
Pergunta: será que deve considerar-se como terceiro requisito que a posse seja contínua e
ininterrupta? De acordo com JAV, o possuidor tem de manter a posse durante um prazo legal por forma
a adquirir o direito por usucapião; no entanto, esse requisito respeita à duração da posse e não à posse.
NOTA: o que releva, para a usucapião, é uma verdadeira posse, não sendo
suficiente a detenção ou posse precária; assim dispõe o art. 1290º.

(2) D URAÇÃO DA P OSSE PARA E FEITOS DE U SUCAPIÃO


A duração da posse, para efeitos de aquisição do direito através da usucapião, depende da
situação concreta.
Em primeiro lugar, o prazo legal depende de se tratar de coisas móveis e de coisas imóveis. No
caso de coisas imóveis, são possuidores aqueles que tenham título aquisitivo do direito (não
necessariamente válido) a que a posse se reporta e o hajam registado (o registo já tem de ser, no entanto,
válido), aplicando-se neste caso o art. 1294º, e aqueles que não tenham o registo do título, aplicando-
se, neste caso, o art. 1296º. Aplicando-se o art. 1294º, há sempre que distinguir entre possuidor de boa
fé (art. 1294º/a) – 10 anos, a contar da data do registo) e possuidor de má fé (art. 1294º/b) – 15 anos a
contar da data do registo). Aplicando-se o art. 1296º, não havendo registo ou não havendo título
aquisitivo, há sempre que distinguir entre possuidor de boa fé (art. 1296º) – 15 anos, a contar da data do
registo) e possuidor de má fé (art. 1296º) – 20 anos a contar da data do registo).
O art. 1295º/3 prevê um modo de o possuidor sem título ou sem título registável poder obter
título judicial e registá-lo, beneficiando da aplicação de prazos menos. O possuidor pode fazer declarar
judicialmente que possui publica e pacificamente uma coisa nos termos de um direito, desde que a
posse tenha, pelo menos, cinco anos – podendo esta decisão ser registada. O registo permite ao
possuidor beneficiar dos prazos previstos no art. 1295º.
No caso de coisas móveis, a distinção assenta entre coisas moveis sujeitas a registo e coisas
móveis não sujeitas a registo. As coisas móveis sujeitas a registo, aplica-se o disposto no art. 1298º.
As coisas móveis não sujeitas a registo, aplica-se o disposto no art. 1299º. Em casa situação haverá
sempre que distinguir entre possuidor de boa fé e possuidor de má fé.
No caso de coisas móveis não sujeitas a registo impera salientar um segundo requisito –
haver justo título (art. 1299º). O justo título é um facto jurídico em abstrato idóneo para a aquisição do
direito real de gozo a que a posse se reporte.
O art. 1300º/2 consagra, excecionalmente, um prazo para a usucapião de coisas móveis, quando
esta houver sido adquirida às ocultas/com violência e o adquirente da posse tiver transmitido a terceiro
de boa fé. O prazo será de 4 ou sete anos, consoante a posse seja titulada ou não titulada.
O prazo de duração da posse deve ser contínuo e ininterrupto. A interrupção do prazo implica
a inutilidade do tempo de posse já decorrido.
O art. 1254º/1 prevê a presunção de posse com aplicação em matéria de usucapião.

A D URAÇÃO DA P OSSE E A A CESSÃO DA P OSSE


O art. 1256º/1 prevê que aquele que houver sucedido na posse de outrem por
título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor.
Assim, este preceito alude ao adquirente da posse que a recebeu por
transmissão (um dos factos pelos quais a posse possa ser transmitida: art.
1263º/b), a tradição, e 1263º/c) e 1264º, o constituto possessório).
Para alguns autores, como Pires de Lima e Antunes Varela, tem de existir um
vínculo jurídico entre o novo e o antigo possuidor (negócio jurídico ou ato jurídico,
como execução/expropriação). Para Manuel Rodrigues, o vínculo teria de ser
válido – o mesmo, no entanto, já não entendem Pires de Lima e Antunes Varela,
que se bastam por uma relação jurídica formalmente válida.
José Alberto Vieira, por outro lado, entende que não existem fundamentos, no
Direito Português, que sustentem a aplicação desta restrição. Desde logo, porque
o regime da usucapião prescinde da existência de título. Para além disto, a lei não
entende à validade substancial do título; apenas à validade material (art. 1259º/1).
Acresce que se o objetivo do instituto é facilitar o funcionamento da usucapião,
não faria qualquer sentido exigir mais requisitos do que aqueles que já resultam
para a usucapião.
A acessão é um poder do possuidor cujo exercício é facultativo. É, assim, ao
possuidor que cabe a escolha da conveniência da junção da sua posse com a
posse anterior.
Note-se, de acordo com o elemento literal do art. 1256º/1, a junção limita-se à
relação entre o possuidor atual e o possuidor do qual aquele recebeu a posse.
Ver melhor.
A acessão da posse está centrada na usucapião. No entanto, uma limitação a
fazer: a acessão não pode ocorrer mediante a junção da posse daquele contra o
qual a usucapião funciona.
O art. 1256º/2 estabelece limites à acessão na posse. De acordo com Manuel
Rodrigues, é exigível duas posses contínuas e homogéneas. Já Pires de
Lima/Antunes Varela mencionam duas posses consecutivas e homogéneas.
José Alberto Vieira entende que, por consecutivas, deve entender-se aquelas que
se desenrolaram sem a intromissão de uma posse de terceiro. Relativamente à
homogeneidade, entende ser de afastar este critério, já que entende que o art.
1256º/2 permite a soma de posses de diferente natureza – com a limitação de a
soma só poder ocorrer dentro dos limites daquela que tem menor âmbito. Por
posse de menor âmbito deve entender-se a posse relativa a um direito real menor,
o que significa que a usucapião só pode ocorrer relativamente ao direito real
menor. Ainda, é uma posse que tenha piores caracteres – se for uma posse boa
fé e outra de má fé, a junção é admissível, no entanto, passam a aplicar-se os
prazos da usucapião da posse de má fé.
Esta figura opera apenas entre posses, não sendo admissível em função da
detenção.

A D URAÇÃO DA P OSSE E A A CESSÃO DA P OSSE


O prazo de duração por ser interrompido, assim, o determina o art. 1292º, que
remete para o disposto nos arts. 323º a 327º.
A interrupção implica a inutilização de todo o tempo de posse decorrido até aí e
o recomeço do prazo (art. 326º/1). Há, no entanto, exceções, conforme resulta do
art. 327º/1. São factos interruptivos da posse: art. 323º/1, art. 324º/1; art. 325º/1;
posse de outrem contra a vontade do possuidor mantida por uma prazo superior
a um ano sem que o possuidor esbulhado haja intentando durante um ano ação
possessória de restituição para reaver a coisa.
O prazo pode, ainda, ser suspensivo, conforme resultado do art. 1292º. Os arts.
318º e 322º são, por este motivo, aplicáveis à usucapião, com as necessária
adaptações. Não há uma verdadeira interrupção, mas apenas um período durante
o qual o prazo não continua a correr.

(3) A I NVOCAÇÃO DA U SUCAPIÃO P ELO P OSSUIDOR


A usucapião não ocorre por mera decorrência do prazo, sendo necessária a invocação por
aquele a quem aproveita, isto é, pelo possuidor (art. 303º adaptado). A eficácia depende ser da
invocação, no caso da usucapião.
Como se processa a invocação: esta pode ser judicial ou extrajudicial, o que significa que não é
necessário, ao possuidor, recorrer ao tribunal. A invocação extrajudicial tem o mesmo valor da que foi
declarada por um tribunal competente. Quando seja extrajudicial, deve ser feita mediante declaração,
cuja finalidade é o efeito aquisitivo do direito a que se reporta a posse – é uma verdadeira declaração
negocial, que não está sujeita a forma especial (art. 219º)1. Pode ser expressa ou tácita (art. 217º).
Note-se que a usucapião não carece de ser invocada pelo próprio; pode ser invocada pelos
credores ou por terceiros com um interesse legítimo na declaração, ainda que isso conforme uma
vontade contrária à do usucapiente (art. 305º ex vi art. 1292º). Em caso de recusa do possuidor, esta
possibilidade apenas existe mediante prova dos requisitos legais da impugnação pauliana (art. 302º/1).
No que respeita ao momento da eficácia da usucapião, conforme resulta do art. 1288º, a
aquisição é reportada ao inicio da posse – ou seja, retroage ao passado, à data de inicio da posse.
No que respeita aos efeitos, importa referir que o efeito primário é aquisitivo (art. 1287º), o que
significa que o usucapiente adquire o direito real de gozo a que a sua posse se reporta.
Problema que se coloca, a propósito da aquisição, é relativamente aos efeitos, quando existem
outros direitos reais menores constituídos sobre a coisa possuída. De acordo com JAV, tudo depende
do exercício da posse pelo usucapiente: se a posse foi exercida livremente, nos termos de um direito
real desonerado, permitirá ao possuidor usucapir o direito real de gozo sem os ónus representados pelos
direitos reais menos constituídos anteriormente. Esta solução fundamenta-se no art. 1287º. A solução
será distinta se o usucapiente tiver admitido a coexistência da sua posse com outras posses exercidas
com referência a outros direitos reais menores – nesse caso, só se pode dar nos limites da posse.
Note-se, no entanto, que a usucapião não permite, apenas, adquirir direitos reais de gozo,
podendo ter outra eficácia. Pode ter uma eficácia extintiva, uma vez que atua sempre contra um outro
titular do direito real, ou uma eficácia de oneração, na medida em que, tendo em conta o exercício da
posse, a usucapião apenas admite a oneração da propriedade.

2.2.4. O PODER POTESTATIVO DE USUCAPIR


Como se disse, não basta o decurso do prazo, sendo necessária uma invocação da usucapião
pelo possuidor: assim, a usucapião resulta do exercício de um poder potestativo atribuído ao
possuidor.
Este poder potestativo, tendo em conta o requisito (1), é atribuído ao possuidor que tenha uma
posse boa para usucapião e haja mantido a mesma ininterruptamente durante o prazo legal estabelecido.

2.2.5. USUCAPIÃO PELO POSSUIDOR CAUSAL – RELEVÂNCIA


Notar, em primeiro lugar, que o sistema jurídico português não reconhece a distinção entre posse
causal e posse formal, posição que se reflete em matéria de usucapião. Significa, então, que, também
o possuidor causal pode beneficiar da usucapião, cumulando dois títulos.
Alguma perplexidade se pode colocar, pelo que haverá que recolocar o problema. Não se trata
de atribuir duas vezes à mesma pessoa o mesmo direito, mas facultar ao titular do direito real de gozo a
demonstração do direito por outro facto que não aquele pelo qual originariamente adquiriu.

1
O mesmo não se diga, acerca da suficiência verbal, no caso de o usucapiente pretender registar a aquisição
do seu direito no Registo Predial. Nessa situação, tem necessidade de declarar a usucapião em documento
bastante para o efeito, porque no Registo Predial apenas são registados factos titulados em documento
escrito (art. 43º/1).
Relevância: o titular pode estar em situação em que só a prova mediante usucapião é possível;
pode haver uma outra razão que suscite a necessidade de invocação da usucapião para fazer prevalecer
o direito real de gozo contra outra situação jurídica real que afete o seu direito2.

2.2.6. AS FUNÇÕES DA USUCAPIÃO


® Função consolidativa: tem uma função consolidativa da situação fáctica em que as coisas se
encontram sempre que o possuidor usucapiente não é o titular do direito a que a posse se reporta
– o objetivo é, afinal, que a situação de facto se consolide com a situação jurídica respeita e a
posse passe a coincidir com a titularidade do direito real de gozo;
o Papel regularizador: permite que a exteriorização de um direito, através da posse, possa
vir a consolidar-se com a aquisição do direito exteriorizado, evitando a multiplicação de
atos de disposição feridos de ilegitimidade, cuja nulidade poderia ser arguida a todo o
tempo -> insegurança jurídica.
o Promove a paz pública (à posse associa-se o efeito jurídico; muitas vezes é difícil provar
quem é titular; havendo a posse, em caso de dúvida, o titular será quem detém a posse);
a posse presume o titular do direito real (art. 1268º); a posse permite consolidar o direito
(usucapião – ao fim de x anos a pessoa passa a ser titular).
® Função probatória: a usucapião pode ser invocada mesmo por um possuidor causal, ou seja,
por alguém que já é titular do direito real por força de outro qualquer facto aquisitivo; assim,
permite que o possuidor titular do direito real prove este por um facto jurídico diverso daqueles
através do qual adquiriu.

2.2.7. NATUREZA JURÍDICA


De acordo com José Alberto Vieira, a aquisição constitui um modo de aquisição originária de
direito reais de gozo. O direito adquirido por usucapião consiste num direito novo, nada tendo a ver com
as situações jurídicas reais já constituídas sobre a coisa.
Alguma doutrina, no entanto, não concorda com este entendimento (Ruggiero). Entendem,
porquanto, que determinados aspetos de regime da usucapião tornam dúbia a classificação que divida
aquisição originária de aquisição derivada.
promove a paz pública (à posse associa-se o efeito jurídico; muitas vezes é difícil provar quem é
titular; havendo a posse, em caso de dúvida, o titular será quem detém a posse); a posse presume o
titular do direito real (art. 1268º); a posse permite consolidar o direito (usucapião – ao fim de x anos a
pessoa passa a ser titular).
JAV entende que, em virtude da força probatória da usucapião (que pode ser invocada por aquele
que já adquiriu o direito por outro titulo válido), permite concluir que a usucapião não tem o efeito de um
facto constitutivo, já que se estaria a permitir a aquisição dupla do mesmo direito por quem já é seu
titular. Reconhece, assim, alguma veracidade à doutrina oposta, nas situações de posse causal.
Quando estejamos perante uma posse formal, é inquestionável que a posse é um facto
aquisitivo originária.

2
Exemplo: oposição ao efeito atributivo do registo predial – usucapio contra tabulas. Como a usucapião
prevalece sobre a proteção registal do terceiro de boa fé, o titular do direito real de gozo cuja direito vá ser
preterido ou onerado por uma aquisição tabular de terceiro pode invocar a usucapião para deter o efeito
atributivo do registo. Desempenha, ainda, nestes casos, uma função consolidativa.
3. FACTOS TRANSLATIVOS DE DIREITOS REAIS
Em regra, os direitos reais são transmissíveis entre vivos e mortis causa. E, no âmbito desta
transmissibilidade, são fundamentais (1) o principio da consensualidade, que postula a transmissão do
direito real por mero efeito do contrato e (2) o principio da causalidade, que postula que a transmissão
do direito real só pode resultar de um negócio jurídico válido.
Apesar da vigência do principio da livre transmissibilidade, exceções existem: no regime do
usufruto (1443º) e no regime do direito de uso e habitação (art. 1448º). Para o direito de retenção vigora,
igualmente, uma proibição parcial de transmissão (art. 760º). Alguns direitos reais, como o penhor, não
são transmissíveis por força da sua natureza.
Pode perguntar-se, ainda, se será possível convencionar a intransmissibilidade de um direito real.
Exceto no caso do usufruto (art. 1444º/1), que ressalva essa hipótese, não pode ter eficácia real a
inalienabilidade convencional, sob pena de violação da segunda dimensão do princípio da tipicidade.
Quanto aos factos jurídicos translativos de direitos reais: são estes a lei, a decisão judicial e
o negócio jurídico.

4. FACTOS MODIFICATIVOS DE DIREITOS REAIS


A modificação dos direitos é composta por duas modalidades: (1) subjetiva, que respeita ao titula
da situação jurídica; (2) objetiva.
A modificação objetiva abrange dois níveis distintos: (1) o objeto do direito real ou a coisa; (2) o
conteúdo do direito real.
No que respeita à (1) modalidade, são exemplos a construção de um eficácia que torna urbano
o prédio anteriormente rústico, o proprietário que incrusta uma pedra preciosa nos brincos ou no anel, a
perda parcial da coisa, etc.
No que respeita à (2) modalidade, o conteúdo do direito real, importa desde logo estabelecer
que o Direito Português admite a conformação negocial do conteúdo do direito real, dentro do espaço
da tipicidade, quer no momento inicial da sua constituição, quer em momento posterior. Isto significa
que a modificação do conteúdo tem de incidir tão-somente sobre o regime supletivo legal, não
prejudicando, naturalmente, o conteúdo típico do direito que tem natureza imperativa.
Do mesmo modo, são factos modificativos de direitos reais a lei, decisão judicial e o negócio
jurídico. Ainda, pode resultar de factos jurídicos em sentido estrito (é o caso da destruição parcial da
coisa por uma causa natural, p.e.).

5. FACTOS EXTINTIVOS DE DIREITOS REAIS


No contexto dos factos extintos dos direitos reais, podemos distinguir entre factos extintivos
gerais e factos extintivos específicos. No geral, consideram-se factos por força dos quais se verifica a
extinção de um direito real.
São factos extintivos gerais:
® A perda ou destruição da coisa: por força do princípio da inerência, a perda (total) ou destruição
da coisa induz automaticamente a extinção de todos os direitos reais que a tinham por objeto;
o Outros efeitos desencadeados pela perda da coisa: art. 692º, art. 1480º;
® A renúncia: o poder de livre disposição assegura, ao titular o direito real, a possibilidade de
extinguir o direito, se for essa a sua vontade – exceto se existir proibição legal de renuncia;
o A renúncia pode ser liberatória ou abdicativa.
o É um negócio jurídico unilateral, que se exterioriza com a declaração, razão pela qual está
sujeita à forma legal aplicável ao negócio em questão.
o Deve ser registada (art. 2º/1/x) CRP).
o A eficácia é instantânea (art. 224º).
o Distingue-se do abandono: é um ato jurídico em sentido restrito e este respeita à
posse e traduz a perda voluntária do corpus do possuidor (art. 1267º/1/a);
contrariamente, a renuncia à posse sem perda de controlo não implica a extinção da
posse.
o Página 446 e ss.
® A prescrição: represente o tempo como facto extintivo; o direito prescreve quando se torna numa
obrigação natural, não podendo ser exigido judicialmente o seu cumprimento;
o É aplicável à hipoteca, aos privilégios creditórios e ao direito de retenção e excluída na
consignação de rendimentos e no penhor.
® A caducidade: a caducidade ocorre em função do não exercício, dentro do prazo estabelecido
por lei ou negócio jurídico ou se decorrer entretanto o prazo para o qual foram constituídos.
® A confusão: reunião, na mesma pessoa, da titularidade do direito real onerador e do direito real
onerado – ou de direitos reais da mesma natureza; extingue-se o direito real menor ou o direito
adquirido pelo comunheiro, expandindo-se o direito de que aquele era titular.
o Também mencionado como reunião no CC:
o Ver página 558.
® A expropriação: é um facto extintivo de todos os direitos reais, sem exceção;
® A extinção por força da constituição de direito real incompatível
o Exemplo: o usucapiente adquire originariamente a propriedade singular sobre a coisa
objeto da sua possa provoca simultaneamente a extinção da anterior propriedade; o
mesmo acontece nas hipóteses de aquisição tabular;
® A extinção por força da extinção do direito maior onerado: quando um direito real menor está
constituído sobre um direito real que não seja a propriedade, a extinção do direito onerado
implica, em regra, a extinção do direito onerador;
o Exceções: art. 699º/3, subsistindo a hipoteca independentemente de o usufruto se
extinguir; subsistência de direitos reais de gozo e garantia, ainda que o direito de
superfície se extinga (art. 1541º);

5.1. FACTOS EXTINTIVOS DE DIREITOS REAIS DE GOZO


5.1.1. O NÃO USO
Os direitos reais não prescrevem (art. 298º/3). No entanto, podem extinguir-se pelo não uso nos
casos especialmente previstos na lei.
É o caso do usufruto, conforme resulta do art. 1476º/1/c). Ainda, do direito de superfície,
conforme resulta do art. 1536º/1/a) e b) (de acordo com JAV), e do direito de servidão, conforme resulta
do art. 1569º/1.
Note que o não uso só pode ser invocado quando a lei o previr – nesse sentido dispõe o art.
298º/3.
Não há, na lei portuguesa, um regime geral do não uso. Tem entendido, a doutrina, que os arts.
1570º a 1573º constituem um verdadeiro regime geral do não uso, podendo ser aplicáveis às várias
situações, sem prejuízo das especificidades.
Quanto à propriedade, é de notar que o não uso não é, regra geral, razão para a extinção do
direito de propriedade, exceto nos termos do que dispõe o art. 1397º (apesar de mencionar caducidade,
entende JAV que é do não uso que se trata).
A questão que impera colocar é, justamente, o que entender por não uso. Em geral, implica o
castigo pela pura inércia do titular do direito, o qual, por qualquer razão, não exerce o seu direito de
modo nenhum, desperdiçando o aproveitamento da coisa. Sugere JAV que é excessivo considerar
apenas o desfrute da coisa relevante para efeitos de não uso, pelo que entende que não uso significa
tão somente não exercício do direito, seja a nível de atuação material sobre a coisa, seja através
do exercício da faculdade de disposição do direito.
Nos termos do art. 1572º, o titular não tem de exercer todas as situações jurídicas ativas que são
conteúdo do seu direito para evitar a extinção deste por não uso – no limite, basta-lhe apenas exercer
um dos poderes ou faculdade. Oliveira Ascensão, no entanto, não reconhece, no preceito, uma norma
geral – mas sim um preceito excecional somente aplicável ao direito de servidão. JAV entende, de
modo diverso, que não há nenhuma razão para pensar que o titular do direito real deve fazer um
aproveitamento da coisa que envolva todo o conteúdo do direito – assim, entende que apenas se
pretende sancionar, com a extinção pelo não uso, o desinteresse do titular do direito no exercício do
direito.
Nos casos de comunhão, resulta do art. 1570º que basta o exercício de um dos comunheiros
para se impedir a extinção dos direitos dos restantes. JAV entende que seria mais lógico determinar o
não usado relativamente a cada titular da comunhão.
O prazo conta-se a partir do momento em que o exercício cessou (art. 1570º/1). Se nunca chegou
a ser exercido o direito, conta-se a partir do momento em que se constituiu. E note-se que não há lugar
a soma de não uso parcelado, assim como o exercício material ou jurídico implicam a não contagem d
prazo (art. 331º/1).
O não uso está sujeito às regras da caducidade (art. 298º/3) em tud o que não se ache
especificamente regulado.

5.1.2. USUCAPIO LIBERTATIS PARA ALÉM DAS SERVIDÕES PREDIAIS: FACTO


EXTINTIVO DE DIREITOS REAIS DE GOZO
A POSSE
1. A NOÇÃO LEGAL DA POSSE
A noção legal de posse vem apresentada no art. 1251º: posse é o poder que se manifesta quando
alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.
O Sr. Prof. José Alberto Vieira contesta o rigor jurídica da noção de posse compreendida no art.
1251º, apresentando três críticas:
(i). Termo poder: o poder consiste numa situação jurídica ativa menos extensa do que o
direito subjetiva; na verdade, a posse engloba vários poderes e não apenas um poder,
razão pela qual o termo poder não pode estar direcionado para uma noção jurídico
científica.
(ii). Poder que se manifesta: denuncia o sentido que a posse é um poder que implica a
manifestação prática; não é o caso, efetivamente, já que a situações (art. 1255º e
1257º/1/d)) em que o ordenamento jurídico permite ao possuidor manter a posse, no
entanto, não está a atuar materialmente sobre a coisa.
(iii). Exercício do direito de propriedade/direito real: na verdade, pode não corresponder a
um direito real, mas sim a um direito pessoal de gozo.

3. A AUTONOMIA DA POSSE
A posse é autónoma do direito de propriedade. Esta é hoje uma evidência amplamente
reconhecida pelo sistema jurídico e, ademais, pela doutrina: não só são tratadas em capítulos distintos,
no âmbito dos direitos sobre as coisas, como acresce o facto de serem desassociáveis, ou seja, de a
posse se poder referir a outros direitos para além da propriedade - direitos reais de gozo e direitos de
outra natureza, nomeadamente, os direitos pessoais ou direitos reais de garantia.

4. AS FUNÇÕES DA POSSE
As funções da posse começariam por estar associadas às teorias sobre o conteúdo da posse:
(i). Teorias relativas: o fundamento da posse está no exterior da posse;
(ii). Teorias absolutas: o fundamento da posse está no interior da posse;
Não obstante, atualmente, a doutrina autonomiza, generalizadamente, três funções da posse:
® Função de proteção: revela-se através das ações possessórias e da ação de
indemnização pela violação da posse; o possuidor pode reagir contra ameaças,
turbações e esbulho da coisa possuída e tem direito a uma reparação dos prejuízos
contra o terceiro violador da posse;
® Função de conservação: revela-se na tutela atribuida contra quem constituiu o direito a
seu favor; fortalecimento da posição do titular dos direitos pessoais de gozo; reforço da
tutela dos direitos contra terceiros; consolidação no possuidor do direito real de gozo
exteriorizado na posse (usucapião);
® Função de publicidade: presunção de titularidade do direito à posse, à tutela da boa fé
e à transmissão de direitos reais.
A regência distancia-se desta sistematização, optando por quatro funções da posse:
® Atribuir provisoriamente um direito a quem tem o controlo material de uma coisa corpórea
(é provisória porque, em alguns casos, se apresente como resolúvel - p.e. o possuidor formal
só mantém a sua posse enquanto a titularidade do direito real de gozo não é demonstrada,
exceptio domini);
® Função de prevenção da violência/garantia da paz social: todos sabem que a posse
constitui uma afetação jurídica da coisa ao possuidor e que uma ofensa a ela constitui uma
ação ilícita reprimida pela ordem jurídica; a ordem jurídica permite a tutela de coisas;
o Dirimir litígios através do regime da posse;
o A simples posse tem uma valoração jurídica e económica;
® A função publicitária desenvolve-se sobretudo para as coisas móveis, uma vez que quanto
aos imóveis existe um sistema organizado de registo predial que assegura a publicidade
respetiva e que consagra também uma presunção de titularidade (art. 7º CRP);
® Função de conservação/consolidação, quando o possuidor não é titular do direito real de
gozo exteriorizado, o ordenamento permite-lhe a aquisição desse direito, com preterição do
proprietário da coisa; passa a haver uma coincidência entre o direito exteriorizado e a
ordem jurídica substantiva.

5. A POSSE COMO EXTERIORIZAÇÃO DE UM DIREITO – UMA


DECORRÊNCIA DA AUTONOMIA DA POSSE
A posse está intimamente ligada a outro direito, conforme resulta do art. 1251º; igual
consequência se retira dos arts. 1263º/a) e 1257º/1;
Se a ligação da posse à exteriorização de um direito vem a ser quebrada, a posse extingue-se -
assim determina o art. 1253º/a);
O efeito presuntivo, a tutela da posse e a possibilidade de usucapião têm uma ligação muitíssimo
forte com a exteriorização de um direito: o pressuposto base é o facto de o possuidor agir nos termos
de um direito. É, na verdade, em relação ao direito exteriorizado que funcionada a presunção (presume-
se que o possuidor é titular do direito que exterioriza).

6. ELEMENTOS DA POSSE

5.1. AS TEORIAS SUBJETIVISTAS (SAVIGNY)


Para as teorias subjetivistas, a posse é constituída por corpus e animus.
® Detenção: estado no qual não é possível somente a influência física própria sobre a coisa,
mas também evitar toda a influência alheia. Não equivale à posse.
® Posse: detenção + um animus, que é o querer ser possuidor. Só pode ser possuidor o que,
para além da detenção, tiver o animus, ou seja, a intenção de ser proprietário, mesmo que
não o seja e o saiba. Assim:
o Elemento físico: relação material entre um sujeito e uma coisa (detenção para
Savigny); posteriormente, vem a ser designada de corpus;
o Elemento volitivo: a vontade, ou seja, o animus, a vontade de atuar como titular de
u direito real de gozo. Se faltasse o animus, não havia posse, mas mera detenção.
5.2. AS TEORIAS OBJETIVISTAS (JHERING)
Para as teorias objetivistas (Jhering) não está em causa a negação do animus como elemento
da posse; pelo contrário, está em causa a suposição do animus (teoria da posse com base num elemento
real e noutro suposto).
A posse é constituída por: corpus possessório e a intenção inerente à ação do possuidor.
Entende que, havendo corpus, em principio há posse, a não ser que uma norma jurídica
descaracterize a situação para mera detenção.
Para este autor, o animus ou vontade não releva como elemento autónomo da posse, capaz de
descaracterizar a posse para detenção.

5.3. EM PORTUGAL
São defensores da teoria subjetivista: Pires de Lima, Mota Pinto, Orlando de Carvalho, Henrique
Mesquita, Santos Justo (Coimbra); José Tavares, Dias Marques, Paula Costa e Silva e Rui Pinto (Lisboa).
Menezes Cordeiro, de forma inovadora, inicia um panorama de mudança, ao qual se acabaram
por aliar Oliveira Ascensão, Carvalho Fernandes e Menezes Leitão. Vieram sufragar a doutrina objetivista
da posse. Afastando-se claramente do panorama geral da doutrina, vem a defender que o sistema
português é um sistema misto, em virtude da contraposição entre o art. 12543º/b) e c) e a alínea a).
Já José Alberto Vieira, em oposição às teses mistas e subjetivistas, vem defender que o sistema
de posse previsto no ordenamento jurídico português é um sistema objetivista, na linha de Jhering.
Em primeiro lugar, tece algumas críticas ao subjetivismo:
® Dificuldade de definição do que seja animus;
® Definir como se apura a intenção do possuidor: é um elemento psicológico ou deve ser
inferido da vontade retirada por interpretação do titulo do possuidor (teoria da causa)?;
® Problema de o Código Civil não negar a posse a pessoas incapazes: geralmente, leva a
novos problemas relativamente à intenção e como a encontrar;
® A posse pode existir mesmo contra a vontade do possuidor, razão pela qual se torna fácil
negar um animus;
® A lei pode recusar a posse a quem tem o animus de exercer um direito real de gozo sobre
a coisa e tem a coisa a seu poder (animus e corpus);
Em segundo lugar, justifica a presunção do objetivismo no ordenamento jurídico português:
® O art. 1251º não faz qualquer referência à vontade do possuidor: se conjugarmos com os
arts. 1252º e 1253º/a) compreendemos que a posse é referenciada ao chamada corpus
possessório, dispensando-se a intenção;
® O CC segue inclusive o raciocinio de Jhering ao dispor, no art. 1253º, as situações em
que se considera não haver posse mas mera detenção;
o Problema: referência à intenção, na alínea a) do art. 1253º; já as alíneas b) e c)
não supõem qualquer animus;
o JAV entende que o disposto na alínea a) do art. 1253º não pretende qualquer
referência às doutrinas subjetivistas;
o Entende que a função da alínea a) é afastar a posse numa situação em que ela
normalmente não existiria. A alínea a) aplica-se aos casos em que aquele que tem
o corpus possessório esclarece socialmente que não tem nenhum direito sobre a
coisa; a intenção aí prevista só pode, por isso, ser uma intenção declarada, já que
a vontade interior não seria suficiente e não permitiria avaliar a intenção.
§ Menezes Leitão: discorda deste significa da alínea a), optando por o
remeter para as situações em que estejam em causa contratos de
hospedagem ou de arrendamento. Situações que JAV, por sua vez,
remete para a alínea c).
Há que relembrar, no entanto, a específica posição de Menezes Cordeiro. Este autor rejeita que
a declaração do próprio possa ter relevância a evitar a posse (nos termos da alínea a)), por duas ordens
de razões: (1) irrelevância da potestario facta contraria, ou seja, a atuação voluntária não pode ser
descaracterizada pelo facto de o agente fazer meras declarações em contrário; (2) a posse não dá
direitos apenas, porque também provoca o aparecimento de deveres, razão pela qual não crível que
alguém pudesse furtar-se a esses deveres, declarando não querer ser possuidor (art. 1269º e 1271º).
® Relativamente a (1): entende JAV que essa circunstância não impede a consagração de
regras excecionais contrárias, sendo a alínea a) do art. 1253º uma dessas regras;.
® Relativamente a (2): também o detentor é responsável pela perda ou deterioração da coisa,
apesar de, nos termos gerais, não ter direito aos frutos e, ainda, é responsável pelos danos
causados ao titular do direito real no aproveitamento da coisa.

7. O CORPUS POSSESSÓRIO – CARACTERIZAÇÃO


O corpus conhece várias noções, muitas vezes sendo reconduzido ao conceito de relação.
Para José Alberto Vieira, a noção de relação é de rejeitar, uma vez que uma relação supõe a
existência de dois sujeitos distintos, pelo que não constituiu um termo idóneo para designar a ligação
de domínio existente entre uma pessoa e uma coisa.
Em geral, a doutrina acorda que o corpus pressupõe uma situação de sujeita de uma coisa a uma
pessoa, implicando o controlo material daquela sobre esta. Não obstante, o art. 1252º ee 1253º referem
o corpus como exercício do poder de facto. Já o art. 1257º reporta-se à atuação correspondente ao
exercício de direito ou à possibilidade de a continuar. Conclui, por isso, JAV que o corpus alude ao
estado de facto em que o sujeito tem o controlo material da coisa e pode atuar sobre ela nos
termos de um direito.
NOTA: o simples contacto material sobre a coisa, seja efémero e ocasional,
seja periódico e duradouro, quando não envolva o controlo material sobre
esta, não permite falar em existência de corpus. Não há sequer posse nem
detenção. São exemplos o utilizador do Metro, o estudante que usa a
cadeira e a mesa da sala de aula, o aldeão que atravessa o prédio de um
vizinho para chegar para depressa ao trabalho, o condutor que para o carro
para descansar e passeia no prédio à beira da estrada.
Com base nestas conclusões compreende-se que não se torna necessária a prática ininterrupta
de atos possessórios para a manutenção da posse – a inércia do possuidor não afeta, porquanto, a sua
subsistência, desde que a possibilidade de o possuidor renovar a sua atuação sobre a coisa não
seja afetada pela intervenção de um terceiro que se erga em obstáculo a ela. Uma inércia
demasiado prolongada pode revelar, no entanto, uma situação de abandono; só em concreto é que,
apesar de tudo, essa inércia pode significar uma perda de ligação física com a coisa.
Alguns apontamentos acerca do corpus são, no entanto, necessários. Desde logo, em primeiro
lugar, o corpus pode existir mesmo havendo outras posses sobre a mesma coisa: é o caso de, existindo
composse, existe em relação aos compossuidores.
Paralelamente, podem existir ainda situações de imaterialização da posse. Estas correspondem
a situações em que a posse se mantém, mesmo que não subsista o corpus possessório. Uma dessas
situações vem prevista no art. 126º/1, para as situações de esbulho, em que a posse se mantém durante
um ano, em relação ao possuidor esbulhado. A razão desta previsão legal é assegurar a defesa da
posse com recurso às ações possessórias de restituição ao possuidor esbulhado.

8. A DETENÇÃO
O detentor é aquele que tem o poder de facto (o corpus) sobre a coisa, não lhe sendo, no entanto,
reconhecida a posse. Trata-se, assim, de uma pura situação de facto, a que o Direito Português não
associa quaisquer efeitos jurídicos.
Tendo em conta a influência das teses objetivistas, a detenção resulta da incidência de uma
norma jurídica que retira ao corpus a sua consequência normal de atribuição da posse – art. 1253º.
® A alínea a) reporta-se à intenção declarada, assente num comportamento do detentor que
comunica para o exterior (interessados), que este não atua sobre a coisa nos termos de um
direito real próprio. É essa intenção que descaracteriza a posse.
® A alínea b) consagra os atos de mera tolerância, ou seja, os casos em que é permitido a
alguém o aproveitamento material da coisa, mediante autorização expressa ou tácita do
possuidor, sem que haja, no entanto, lugar à constituição de qualquer direito a favor do
beneficiário da autorização.
o Com uma pequena precisão feita (JAV): nos atos de mera tolerância, o detentor
não goza de qualquer titulo relativo a um direito real sobre a coisa.
® A alínea c) prevê os casos em que alguém possui em nome de outrem: refere, como
exemplos, os trabalhadores relativamente aos bens da entidade patronal que tenham em seu
poder, os representantes do possuidor, incluindo o mandatário com poderes de
representação e todos aqueles que adquiram posse nos termos de um direito real menor ou
de outro direito.
o A esta ultima situação, algumas notas: quando alguém atua sobre a coisa nos termos
de um título que não atribui a propriedade, é sempre detentor em nome do
propriedade, já que possui em nome deste.
o Assim, a alínea c) comporta: 1) aqueles que atuam sobre a coisa em nome do
proprietário, sem afirmarem nenhum direito próprio quanto a ela – simples detentores;
2) aqueles que, atuado sobre a coisa em nome do proprietário, sendo detentores
relativamente a este direito, são simultaneamente possuidores nos termos de um
direito próprio (usufrutuários, usuário e morador usuário, superficiário, titular do direito
real de habitação periódica, etc.) – detentores e possuidores (1252º).

9. O ÂMBITO DA POSSE
O art. 1251º introduz uma restrição da posse aos direitos reais de gozo. Quanto a isto e tendo
em conta que a lei confere uma tutela possessória aos titulares de direitos pessoas de gozo, cabe
esclarecer: quer os titulares de direitos de garantia, quer os titulares de direitos pessoais de gozo, quer
titulares de direitos reais de gozo, quer os titulares de direitos reais de garantia, quer os titulares de
direitos reais de aquisição são possuidores nos termos dos respetivos direitos. Este é o âmbito da
posse.
Não se configura, afinal, nenhuma justificação para excluir a posse – reduzi-la a detenção –
nesses casos particular. Aliás, a outorga da tutela possessória assenta num reconhecimento implícito da
posse: as ações possessórias são atribuídas ao titular do direito real de garantia e ao titular do direito
pessoal de gozo para a defesa da posse que cada um deles tem quando exterioriza um direito sobre a
coisa.
Problema mais específico coloca, na verdade, os casos em que o direito subjetivo em causa
permite o controlo material da coisa, mas a lei não prevê a tutela possessória. O caso paradigmático é o
contrato promessa, com ou sem eficácia real, em que tenha havido tradição da coisa; ainda, o contrato
de compra e venda com reserva de propriedade, acompanhado de entrega da coisa. JAV entende que
não há como não reconhecer a posse: em todas as situações há corpus possessório – alguém tem o
controlo material sobre uma coisa corpórea, podendo atuar sobre ela; ainda, não existe norma legal a
afastar a posse (art. 1253º). Assim recusar a tutela possessória nestes casos, quando a lei a reconhece
no quadro de direitos subjetivos que não são direitos reais, é violar o principio da igualdade, uma vez
que não existem razões de fundo que o justifiquem (nem tão pouco, por último, nenhum razão jurídica,
relativa ao corpus justifique a distinção).
Note-se, no entanto, que admitir a existência de posse fora dos direitos reais não significa dizer
que o disposto nos arts. 1251º e ss. se aplica a todo o tipo de posses. Na verdade, esse regime está
pensado, apenas, para os direitos pessoas de gozo. Pode configurar-se, no entanto, a aplicação de
partes do regime às demais situações em que se reconhece a existência de posse: essa possibilidade
respeita à parte relativa à tutela da posse (arts. 1276º a 1286º do CC) – o que significa, em geral, que
as ações possessórias estão ao dispor de qualquer possuidor.
Posição de A. Menezes Cordeiro acerca da posse no caso do contrato de
contrato promessa com tradição da coisa. Presumivelmente, NOVA posição
de JAV (nova edição – monografia da posse).
Jurisprudência anterior ao DL 236/80: o promitente adquirente não era possuidor
por não ter animus, já que o contrato promessa não seria causal da transmissão de
um direito real.
Crítica (MC): o contrato promessa não é causal da aquisição do direito real
mas também não é da entrega da coisa; a entrega era imputada a um segundo
acordo (atípico e genericamente admitido pelo art. 405º); este teria natureza
meramente obrigacional, mas era insuscetível de proporcionar a posse.
Posição contemporânea: tutela do promitente adquirente com tradição da coisa -
não se considera haver qualquer obstáculo à inclusão, num contrato
atípico/obrigacional, uma cláusula de traditio
Problema subsequente - admitida a posse: que tipo de posse tem o promitente
adquirente? Há que interpretar a vontade das partes (art. 236º):
® POSSE CIVIL: se a traditio visou antecipar o cumprimento do contrato
definitivo (preço todo ou quase pago) - o promitente adquirente é investido
num controlo material semelhante ao do proprietário, logo, há posse nos
termos da propriedade (posse civil);
® POSSE INTERDITAL: se a traditio é um favor feito pelo promitente alienante
(não houve pagamento) - a posse é nos termos do contrato promessa, ou
seja, de acordo com MC, remissão para o art. 1133º/2 (nos termos do
comodato);
® POSSE INTERDITAL: se a traditio, não sendo uma antecipação do
cumprimento definitivo, não surge como mero favor - p.e. ser subsequente a
um reforço de sinal, logo com caráter remuneratório, surge um gozo
remunerado, que aproxima a posse à posse nos termos da locação (art.
1037º72);

10. OS CARACTERES DA POSSE


10.1. POSSE CAUSAL E POSSE FORMAL
A posse é causal quando o possuidor é simultaneamente titular do direito real a que a posse se
reporta. A posse é formal quando o possuidor não é titular do direito real a que a posse se reporta.

10.2. POSSE CIVIL E POSSE INTERDITAL


A posse é civil sempre que se reporta a direitos reais de gozo; por outro lado, a posse é interdital
sempre que se reporta a direitos que não direitos reais de gozo, ou seja, todas aquelas situações em
que o possuidor não beneficia de mais se não das regras de tutela possessória.

10.3. POSSE EFETIVA E POSSE NÃO EFETIVA


A posse é efetiva quando o possuidor mantém o controlo material da coisa através do corpus
possessório, sendo civil ou não efetiva quando a posse permanece como mero direito desacompanhada
do corpus. São situações de posse não efetiva: os arts. 1267º/d) e 1255º.

10.4. POSSE TITULADA E NÃO TITULADA


Nos termos do art. 1259º, implica que a posse seja fundada em qualquer modo legítimo de
adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio
jurídico. Quanto aos requisitos:
® A atuação sobre a coisa deve ser aferida em função de um facto aquisitivo do direito: tem de
existir, assim, um facto aquisitivo do direito;
® O facto aquisitivo deve ter eficácia real para determinar a constituição ou a transmissão para
o possuidor do direito a que se refere a posse.
® É independente da validade substancial do negócio. Exceto o vício de forma (a lei penaliza,
assim, o desconhecimento dos requisitos de forma).

10.5. POSSE DE BOA FÉ E POSSE DE MÁ FÉ


A boa fé ou má fé do possuidor, nos termos do art. 1260º, distingue o conhecimento ou
desconhecimento de lesão do direito de outrem. Relativamente a este
conhecimento/desconhecimento, três correntes:
® Conceção objetivista: o conhecimento/desconhecimento é apurado tendo em conta o
homem médio colocao naquela posição.
® Conceção subjetivista: o conhecimento/desconhecimento depende do próprio sujeito,
ou seja, depende do seu conhecimento ou desconhecimento interno.
® Conceção subjetivista ética: o conhecimento/desconhecimento depende do dever de
conhecimento ou desconhecimento, ou seja, se o agente desconhece sem culpa
(cumprindo todos os deveres que lhe eram impostos), está de boa fé;
10.6. POSSE PACÍFICA E POSSE VIOLENTA
A diferença entre posse violente e posse pacífica é aferida nos termos do art. 1261º e, de acordo
com o disposto, esta distinção diz respeito à pessoa (art. 1261º/2).
Na jurisprudência e na doutrina, entende-se que a violência respeita tanto à pessoa como à
coisa/objeto da posse. Na verdade, a razão para esta distinção é o facto de a circunstância de a posse
ter sido obtida de modo violento, mas sem recurso à violência contra a pessoa, implica a aplicação de
um regime mais favorável.
No entanto, conforme resulta da letra do preceito: está em causa, na verdade, a violência contra
a pessoa, tão somente.

10.7. POSSE PÚBLICA E POSSE OCULTA


A posse é publica quando pode ser conhecida dos interessados. Ou seja, está em causa um
critério de cognoscibilidade: não é analisada de acordo com um dever de conhecer que impenderia
sobre o possuidor interessado, mas sobre a possibilidade efetiva de conhecimento a partir de um
comportamento normalmente diligente em relação à coisa.

11. OS FACTOS CONSTITUTIVOS DA POSSE


Há dois factos constitutivos da posse (aquisição originária): o apossamento e a inversão do
título da posse.

11.1. APOSSAMENTO
Este corresponde à apreensão do controlo material da coisa por aquele que até ai não a tinha
em seu poder.
De acordo com a alínea a) do art. 1263º, para haver apossamento é necessário: i) uma prática de
atos materiais; ii) reiteração da prática dos atos materiais; iii) publicidade dos atos materiais.
No que respeita à i) prática de atos materiais, o agente tem de atuar de modo a ter a coisa em
seu poder, assim, quanto a este requisito, supõe-se um comportamento através do qual o agente ganha
o seu conteúdo material.
No que respeita à ii) reiteração da prática dos atos materiais, não é essencial que se verifique
uma prática de atos repetidamente e sucessivamente (em algumas situações basta um único ato de
apossamento da coisa). O que é decisivo é, então, a intensidade da atuação sobre a coisa para consumar
o controlo – este ato requer, para o possuidor, que esteja em condições de atuar duradouramente sobre
a coisa, ou seja, de a conservar debaixo do seu poder.
No que respeita à iii) publicidade dos atos materiais, o que se pretende é negar a posse aqueles
que praticam atos materiais de aproveitamento da coisa às escondidas do possuidor que, contudo,
afastem este do controlo material. Não está em causa o caráter oculto da posse, mas sim o caracter
oculto da atuação material, sem que com isso se concretize um controlo material.

11.2. INVERSÃO DO TÍTULO DA POSSE


A inversão do título da posse, prevista na alínea d) do art. 1263º, encontra-se especificamente
regulada no art. 1265º. Este modo de aquisição possibilita que o detentor da coisa, que passa a
exteriorizar um direito próprio sobre ela, adquira a respetiva posse. De um modo geral, esta possibilidade
a aquisição da posse relativa ao direito a que o detentor passa a referir a sua atuação sobre a coisa.
De facto, pode verificar-se, no entanto, uma certa sobreposição entre a inversão do titulo da
posse e o apossamento. Na realidade, a única distinção existente entre ambas é a seguinte: enquanto
que o apossamento é efetuado por alguém que nem é possuidor, nem é detentor; a inversão do título da
posse, por sua vez, pressupõe que aquele que inverte o titulo da posse haja sido anteriormente detentor
– ou seja, pressupõe, previamente, a existência de um corpus possessório.
A inversão do título da posse tem lugar contra a vontade do possuidor contra o qual ela atua;
se, naturalmente, houver vontade deste último, verifica-se uma situação de traditio brevi manu.
No que respeita ao disposto no art. 1265º, a inversão do título da posse ocorre em duas
situações: i) oposição do detentor contra aquele em cujo nome possuía; ii) ato de terceiro.
No que respeita à inversão por oposição do detentor contra aquele em cujo nome possuía,
este preceito deve ser entendido com as seguintes dimensões: 1) a oposição poder ser material, jurídica
ou revestir as duas formas; 2) a inversão não tem natureza jurídico-negocial; 2) a oposição pode ser
judicial ou extrajudicial; 3) o comportamento deve ser exteriormente reconhecível pelo possuidor, quando
a oposição não lhe é comunicada e significar, inequivocamente, a afirmação de um direito próprio pelo
detentor.
NOTA: a não entrega da coisa no final do prazo contratual, o
incumprimento de obrigação (exemplo: não pagamento das rendas
pelo senhoria), a controvérsia sobre a validade do contrato ou
sobre as obrigações das partes das pares não têm, por si só, o
significado correspondente à inversão do título da posse se não
forem acompanhados da afirmação inequívoca de um direito
próprio sobre a coisa.
No que respeita à inversão por ato de terceiro, o que está em causa é um negócio jurídico,
unilateral ou multilateral, que, em abstrato, tenha eficácia real para fundar a constituição ou transmissão
do direito real em causa a favor do detentor. Em abstrato porque a lei, nos termos do art. 1265º, não
supõe a validade do negócio, apenas a sua idoneidade para fundar uma posse nos termos de um direito
real próprio. Assim, valem, para este efeitos, negócios nulos.
NOTA: nada impede que aquele que constitui ou transmite o
direito real seja o proprietário ou um outro titular do direito real
menor, desde que não seja o possuidor contra o qual funciona a
inversão do título de posse.
NOTA 2: a lei menciona ato de terceiro capaz de transferir a posse.
Se se seguisse o sentido literal, em princípio, englobados estariam
os factos translativos da posse, como a tradição, a traditio brevi
manu e o constituto possessório. Não é assim. O que, na verdae,
se quis dizer é que está em causa um facto suscetível de constituir
ou transmitir o direito real a que a posse se refere e não a próprio
posse.
A inversão do título da posse, como se disse, é um modo aquisitivo originário da posse. A
posse adquirida é, assim, uma posse nova, com caracteres próprios, nada tendo a ver com a posse do
possuidor esbulhado. Aquele que inverter o titulo da posse e tiver uma posse pública e pacífica pode
adquirir o direito real a que se refere a sua posse, contando que os outros requisitos se verifiquem
igualmente (art. 1290º). O prazo para a usucapião conta-se da data da inversão do título da posse.
12. OS FACTOS TRANSLATIVOS DA POSSE

12.1. A TRADIÇÃO DA COISA


A traditio consiste na perda voluntária do controlo material da coisa pelo antigo possuidor,
mediante a entrega desta ao novo possuidor. Uma vez que a posse, como se viu, requer o corpus, então
a tradição requer a passagem desse controlo para o novo possuidor, o que é feito através de um ato de
entrega.
A alínea b), do art. 1263º, prevê a traditio, pdendo esta ser material ou simbólica. A tradição
material respeita à entrega da coisa mão a mão, possível unicamente no que respeita a coisas móveis.
A tradição simbólica abrange as formas pelas quais o possuidor renuncia voluntariamente ao seu
senhoria sobre a coisa, colocando a coisa à disposição do adquirente.
Deve entender-se que a traditio brevi manu se deve considerar compreendida na alínea b): esta
opera como um efeito aquisitivo do contrato aquisitivo do direito nos termos do qual o até aí detentor
passa a atuar sobre a coisa. Exemplo: se o vendedor tivesse de entregar a coisa ao comprador em
cumprimento de compra e venda, teria de a exigir primeiro ao arrendatário para depois a entregar de
novo ao ex-arrendatário/novo; a traditio brevi manu permite considerar a posse transmitida por efeito do
contrato, evitando-se o duplo formalismo.

12.2. CONSTITUTO POSSESSÓRIO


Este representa, conforme é normalmente mencionado, o oposto da traditio brevi manu, ou seja,
enquanto que nesta o detentor torna-se possuidor pela prática de um facto aquisitivo do direito real, no
constituto possessório o possuidor passa a detentor, continuando embora a ter a coisa consigo.
Exemplo: o proprietário vende a coisa, mas celebra, simultaneamente, com o comprador um
arrendamento, um comodato, um depósito ou doa a propriedade e reserva para si o usufruto no contrato
de doação.
Em termos gerais, o constituto possessório implica a confluência de dois atos jurídicos: um
principal, o ato de transmissão do direito real; um acessório, o ato mediante o qual o até aí possuidor
seja considerado detentor. Ainda, exige-se a verificação de três requisitos: (i) um negócio jurídico de
transmissão de um direito real de gozo; (ii) que o transmitente do direito real seja possuidor; (iii) uma
causa jurídica para a detenção da coisa.
Se os requisitos (i) e (ii) não causam problemas, o mesmo não se diga do requisito (iii). A causa
jurídica do constituto possessório é, antes de mais, um contrato; ainda, pode ser uma mera convenção
negocial do contrato de transmissão do direito real (compra e venda com reserva de usufruto). Se
não existir uma causa jurídica que justifique a não entrega da coisa ao adquirente do direito real, não há
lugar a constituto possessório. Entende o Prof. José Alberto Vieira que o constituto possessório não
está para a posse como o princípio da consensualidade está para os direitos reais (art. 408º/1).
Como nota final há que notar que a transmissão da posse depende da validade do contrato
translativo do direito; significa, portanto, que qualquer que seja o vício que gera a invalidade, a eficácia
da posse é atingida.

12.3. SUCESSÃO NA POSSE


A sucessão da posse, prevista no art. 1255º, representa um facto distinto de transmissão. Esta
implica, não uma transmissão, mas um fenómeno sucessório: a situação jurídica permanece estátua, e
é o sucessor que entra na posição jurídica do sucedido. Neste sentido, a posse do sucessor é a posse
do de cuius, o que significa que os caracteres da posse dos sucessores são os mesmos da posse do
falecido.

13. OS FACTOS EXTINTIVOS DA POSSE


Os factos extintivos encontram-se previstos no art. 1267º/1: não obstante a generalidade não
cause dúvidas, importa reter que a cedência, prevista na alínea c), não é um facto extintivo da posse,
mas um facto transmissivo desta.
Relembrar, ainda, que os factos não são taxativos. Nesta perspetiva, pode prever-se um outro
facto extintivo: a expropriação da coisa.

13.1. ABANDONO
O abandono corresponde à perda voluntária do corpus pelo possuidor; o possuidor quebra,
assim, o controlo material que tinha sobre a coisa, deixando de a exercer por opção própria.
Consequentemente, a posse extingue-se.
Note-se, no entanto, que o abandono só extingue a posse através da perda do corpus, não
bastando a mera intenção de deixar de ser possuidor.

13.2. PERDA DA COISA


A perda da coisa existe quando, involuntariamente, o possuidor deixar de estar no controlo
material dela, sem que tal se deva a um ato de terceiro. Só implica a extinção da posse quando o
possuidor estiver impossibilitado de encontrar a coisa – só nesse momento, afinal, ocorre a quebra do
corpus.

13.3. DESTRUIÇÃO MATERIAL DA COISA


A posse tem por objeto uma coisa corpórea, o que significa que, se por força de um facto humano
ou da natureza, a coisa é igualmente destruída, desaparecendo enquanto tal, a posse extingue-se. É o
que sucede, afinal, com todos os direitos reais. Está em causa a destruição total e não parcial – a
parcial implica a perda parcial da posse.

13.3. COLOCAÇÃO DA COISA FORA DO COMÉRCIO


Uma vez que a coisa só pode ser objeto de apropriação jurídico-privada legalmente quando no
comércio (art. 202º/2); por isso, se uma coisa é posta no domínio público, extingue-se a posse que sobre
ela incidia.

13.4. ESBULHO
O esbulho consiste na privação da coisa por ato de terceiro contra a vontade do possuidor. O
esbulhador toma, assim, o controlo material da coisa, afastando o controlo material do possuidor. A
formas típicas de esbulho são o apossamento e a inversão do título da posse pelo detentor da coisa.
Há, no entanto, particularidades no esbulho: este não produz a extinção da posse
automaticamente; na verdade o possuidor esbulhado mantém a posse até um ano depois do esbulho. A
razão deste regime é dar a possibilidade ao possuidor de reagir judicialmente contra o esbulhador –
tradicionalmente, através de ações possessórias (art. 1284º).
Há que notar, neste aspeto em particular, a circunstância de confluírem duas posses sobre a
mesma coisa. Será possuidor, para efeitos da presunção, aquele que tiver melhor posse, nos termos do
disposto nos arts. 1268º/2 e 3, se nenhum deles fizer prova do seu direito.

14. EFEITOS DA POSSE

14.1. EFEITO PRESUNTIVO


O principal efeito da posse encontra-se previsto no art. 1268º/1 e corresponde à presunção de
titularidade do direito a que a posse se refere; neste sentido, quem tem a posse como proprietário,
presume-se proprietário, quem tem a posse como usufrutuário, presume-se usufrutuário, etc.

14.2. PODER DE USO DO POSSUIDOR


A posse dá ao possuidor o poder de usar a coisa, quer se trate de possuidor de boa fé, quer se
trate de possuidor de má fé. O uso da coisa, pelo possuidor de má fé, não vem negado na lei portuguesa;
não obstante, como se verá, esse uso comporta certas limitações.

14.3. PODER DE FRUIÇÃO


O possuidor de boa fé tem o poder de fruição (art. 1270º/1). Extingue-se, este poder, quando o
possuidor tem conhecimento de estar a lesar um direito alheio. Relativamente ao possuidor de má fé,
não só não lhe é reconhecido nenhum poder de fruição como fica sujeito a um regime gravoso de
responsabilidade (restituição dos frutos gerados pela coisa e indemnizar o titular do direito real pelos
frutos que um proprietário diligente poderia ter obtido (art. 1271º).
Em todo o caso, ao possuidor reconhece-se o direito a ser indemnizado das despesas que
suportou até ao limite do valor dos frutos (art. 1270º/2).
O art. 1270º/3 prevê uma regra excecional: em termos de legitimidade negocial, confere a
possibilidade de o possuidor formal de boa fé alienar os frutos a terceiro antes da colheita.

14.4. PODER DE INDEMNIZAÇÃO POR BENFEITORIAS FEITAS NA COISA


O possuidor, quer de boa fé, quer de má fé, tem direito a ser indemnizado das benfeitorias
necessárias que fez na coisa (art. 1273º/1). Quanto às benfeitorias úteis, estas podem ser levantadas
pelo possuidor, contando que não impliquem uma deterioração da coisa (art. 1273º/1/2ª parte) – se isso
acontecer, o possuidor tem direito a ser indemnizado segundo as regras do enriquecimento sem causa
(art. 1273º/2). Quanto às benfeitorias voluptuárias, o possuidor de boa fé pode levantar as mesmas,
contando que tal não supõe o detrimento da coisa (art. 1275º/1). Nesse caso, não tem direito a qualquer
indemnização.

14.5. PODER DE INDEMNIZAÇÃO POR VIOLAÇÃO DA POSSE


A violação da posse sujeita o infrator à responsabilidade civil pelos danos causados (art. 1284º/1),
sem prejuízo de outras sanções que lhe caibam.

14.6. PODER DE USUCAPIÃO


O possuidor tem o poder potestativo de usucapir o direito real de gozo a que a sua posse se
reporta, caso os requisitos legais estejam preenchidos.
14.7. PODER DE ACESSÃO
A acessão da posse é um poder que a lei faculta ao possuidor de juntar o seu tempo de posse
ao tempo de posse do possuidor do qual ela foi adquirida (art. 1256º/1) – facultando, assim, a usucapião.

14.8. PODER DE DEFESA DA POSSE


A posse é tutelada pelo ordenamento jurídico, sendo essa tutela feita através das denominadas
ações possessórias. A desenvolver no ponto 14.

14.9. DEVER DE PAGAMENTO NOS ENCARGOS COM A COISA (POSSUIDOR DE


BOA FÉ)
O art. 1272º coloca no possuidor o dever de pagamento dos encargos gerados pela coisa na
proporção do seu poder de fruição. Este dever incumbe apenas ao possuidor de boa fé, já que depende
do poder de fruição – o mesmo não se aplica ao possuidor de má fé.

14.10. DEVER DE RESTITUIR OS FRUTOS (POSSUIDOR DE MÁ FÉ)


Não tendo o poder de fruição, o possuidor de má fé está obrigado a restituir ao titular do direito
real de gozo os frutos, naturais ou civis, gerados pela coisa (art. 1271º).

14.11 DEVER DE INDEMNIZAR O TITULAR DO DIREITO REAL EM CASO DE


PERDA OU DETERIORAÇÃO DA COISA
O possuidor de má fé fica sujeito a um regime excecional de responsabilidade civil, já que em
caso de perda ou deterioração da coisa, ele responde pelos danos, tenha ou não culpa na produção do
facto danoso (art. 1269º). A esta conclusão chega-se pela interpretação a contrário do preceito em
causa.
Esta trata-se de uma responsabilidade objetiva. Significa, assim, que o art. 1269º consagra uma
inversão do risco de perecimento da coisa, que deixa de correr por conta do titular do direito real, do
proprietário e dos restantes titulares de direitos reais, para passar a correr por conta do possuidor de má
fé.
Esta solução tem vindo a ser contestada. Henrique Mesquita propôs uma restrição do alcance
absoluto do art. 1269º, mediante a aplicação direto do regime da mora do devedor (em concreto, art.
807º/2) – posição a que acabaria por Pires de Lima/Antunes Varela e Menezes Cordeiro.
JAV concorda com esta tese (interpretação restritiva): o possuidor de má fé só pode ser
responsabilizado pela perda ou deterioração da coisa caso a mesma não sofresse dano se estivesse
com o titular do direito real de gozo.
EXEMPLO: Construção de um aterro: fez com que ainda
existisse mais destruição. Apesar de não existir culpa, ele
concorreu para o dano e aumentou o dano. Sem aterro, apesar do
furacão, não haveria tanta destruição.

14.12. FACULDADE DE DISPOSIÇÃO DA POSSE


O possuidor pode dispor da posse, abandonando a coisa, destruindo-a ou transmitindo-a
simplesmente.
15. OS MEIOS DE DEFESA DA POSSE

15.1. RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE


O art. 1279º dispõe que sem prejuízo do disposto no arts. anteriores, o possuidor que for
esbulhado com violência tem o direito a ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do
esbulhador. Permite-se que, comprovada a posse, o esbulho e a violência, o possuidor esbulhado obtém
a condenação judicial do esbulhador à restituição da coisa sem este ser ouvido no processo, ou seja,
sem contraditório processual.
Este preceito fixa, no entanto, três requisitos: (i) a existência de uma posse; (ii) um ato de esbulho
da coisa; (iii) a violência no esbulho. A violência do esbulho é considerada de acordo com o disposto no
art. 1261º/2 – coação física ou psicológica sobre o possuidor para obter a coisa.
A restituição provisória da posse tem uma regulação processual como procedimento cautelar,
encontrando-se a disciplina respetiva nos arts. 393º a 395º do CPC.

15.1. AÇÃO DE PREVENÇÃO


A ação de prevenção encontra-se prevista no art. 1276º e destina-se a precaver a prática de atos
de turbação ou esbulho de terceiro, sejam eles judiciais ou extrajudiciais e, neste último caso, materiais
ou jurídicos. O escopo desta ação é unicamente evitar que esta perturbação venha a ter lugar, obtendo-
se a condenação judicial do autor da ameaça a abster-se de concretizar atos de turbação ou esbulho
sobre a coisa.
Adicionalmente, neste tipo de ações, o possuidor terá de provar ainda o justo receito de ser
perturbado ou esbulhado, não bastando o simples receio. Assim, tem de se provar a possibilidade real
de violação da posse.
Neste tipo de ação o tribunal não pode condenar o autor da ameaça em multa ou indemnização
por violação da posse, porquanto a violação da posse não teve ainda lugar.

15.2. AÇÃO DE MANUTENÇÃO


A ação de manutenção vem prevista no art. 1278º/1 e, diferentemente da ação de prevenção,
supõe que um terceiro concretizou uma ação de violação da posse, através da prática de atos de
turbação (todos os atos materiais que não impliquem o esbulho, isto é, o desapossamento da coisa).

15.3. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO


A ação de restituição encontra-se igualmente prevista no art. 1278º/1 e, diferentemente da ação
de manutenção, tem lugar quando o possuidor foi privado da coisa pelo esbulho. O corpus, nesse caso,
é destruído pela intervenção de um terceiro, que concretiza um desapossamento da coisa, retirando-a
da esfera de poder do possuidor.

15.4. LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA


No que diz respeito à legitimidade ativa, a ação de manutenção e as ações de restituição, nos
termos do art. 1281º/1 e 2, podem ser intentadas pelo possuidor/esbulhado e pelos seus herdeiros.
No que diz respeito à legitimidade passiva, as ações de manutenção podem ser intentadas
contra o perturbador ou, alternativamente, uma ação de indemnização contra os herdeiros deste (em
caso de falecimento).
Já as ações de restituição podem ser interpostas contra o esbulhador ou contra os seus
herdeiros. No caso de o esbulhador ter transmitido a coisa a terceiro, cabe observador: o art. 1281º/2
distingue entre terceiro de boa fé e de má fé; estando o terceiro de má fé, a posse da coisa esbulhada
por ser-lhe oponível pelo esbulhado; estando o terceiro de boa fé, a posse não lhe é oponível. Este já
não se trata de um problema de legitimidade passiva, mas de inoponibilidade: a ação poderá ser
proposta, simplesmente será improcedente.
VER ESTE PROBLEMA: página 630.

15.5. CADUCIDADE
As ações de manutenção/restituição da posse devem ser intentadas no prazo de um ano após
a turbação ou o esbulho, sob pena de caducidade do direito (1282º) – o prazo só se inicia mediante a
publicidade da prática dos atos.

15.6. INVOCAÇÃO DA EXCEPTIO DOMINII NA AÇÃO DE MANUTENÇÃO OU DE


RESTITUIÇÃO
A exceptio dominii respeita a um tipo de defesa particular, mediante a qual o réu invoca contra o
pedido do autor ser proprietário da coisa – ou ser titular de qualquer outro direito real. Com esta defesa,
a discussão do processo deixa de se confinar à questão possessória, passando a envolver o direito de
fundo sobre a coisa.
Caso venha a ser comprovada a titularidade do direito, cede a posse formal (art. 1278º/1).

15.4. EMBARGOS DE TERCEIRO


Encontram-se previstos especificamente no art. 1285º, no entanto todo o regime encontra-se
hoje previsto nos arts. 351º a 359º do CPC.
De acordo com o art. 1285º, estes caracterizam-se por serem um meio de defesa da posse
contra uma diligência ordenada judicialmente (arresto, penhora, arrolamento). De modo gral, um
possuidor que veja a coisa por si possuída ser objeto de uma penhora no âmbito de uma execução em
que não é o executado, pode defender-se deduzindo embargos.

16. POSSE SINGULAR


A posse é singular quando é exercida por uma única pessoa nos termos de um direito real de
gozo. Não deixa, note-se, de ser posse singular na hipótese de a coisa se encontrar com um detentor.

17. COMPOSSE
A composse existe quando mais do que uma pessoa tem posse sobre a coisa nos termos de um
direito da mesma natureza; a verificação liga-se, justamente, às situações de comunhão de direitos reais
(art. 1404º). Por exemplo, havendo compropriedade e caso os comproprietários tenham posse, cada um
deles possui nos termos do direito de compropriedade conjuntamente com os outros.
Cada compossuidor é simultaneamente possuidor e detentor: é possuidor relativamente ao
direito que exterioriza e detentor no tocante à posição dos outros compossuidores. Nesse sentido dispõe
o art. 1406º/2. Pode, aliás, em todo o caso, funcionar a inversão do título da posse.
Questão que se pode colocar é a de saber se a composse se exercer nos termos de direito da
mesma natureza (homogéneos) ou se pode haver composse relativa a diferentes direitos
(heterogéneos).
® Messino e Favara (Itália): a composse pode existir com direitos heterogéneos (credor
pignoratício e aquele que constitui o penhor).
® Art. 669º/2 (Portugal): entende JAV que deste preceito não assenta na existência de
composse, mas sim na necessidade de constituição de uma posse a favor do credor
pignoratício; discorda da designação de composse, reportando-a a um argumento de
Direito Comparado;
Relativamente à composse, esta vem prevista no art. 1286º. O nº1 e 2 preveem regras
específicas: o nº1 representa um afloramento da regra geral existente em matéria de defesa de direitos
em comunhão (art. 1405º/2); o nº2 afasta a ação de manutenção entre compossuidores (em caso de
turbação, cabe-lhes apenas a ação direta, de acordo com o disposto no art. 336º, 1277º).

18. SOBREPOSIÇÃO DE POSSES


A sobreposição de posses ocorre sempre que haja mais do que uma posse em simultâneo sobre
a coisa, nos termos do mesmo ou de diferente direito real de gozo.
Se são compatíveis as posses, estamos numa situação de simples composse. Se as posses
são incompatíveis, há sobreposição de posses e não há composse.
Se as posses respeitam a diferentes direitos reais de gozo, essas são, em princípio, compatíveis
e coexistem sobre a mesma coisa, da mesma forma que coexistem os direitos reais maiores e os direitos
reais menores que os oneram.
A PROPRIEDADE
1. NOÇÃO E CONTEÚDO TÍPICO

1.1. O TIPO LEGAL DO DIREITO DE PROPRIEDADE


O direito de propriedade encontra-se previsto no art. 1305º e atribui ao titular todos os poderes
ou faculdade que à coisa se podem referir. Em geral:
® Poder de uso.
® Poder de fruição.
® Poder de transformação.
® Poder de reivindicação.
® Poder de excluir terceiros não autorizados do gozo da coisa.
® Poder de demarcação de coisas imóveis.
® A faculdade disposição, incluindo o poder para alienar, o poder para onerar e o poder
para renunciar.
Note-se que, nos mesmos moldes, vale para o direito de propriedade os limites do princípio
da tipicidade (art. 1306º).

1.1. PROPRIEDADE TEMPORÁRIA


O art. 1307º/2 admite a propriedade temporária, nos casos especialmente previstos na lei. A
propriedade pode, assim, ter duração limitada no tempo, a termos certo ou incerto, contando que essa
possibilidade se encontre legalmente prevista. Não se confunde com uma propriedade resolúvel.
Entre os exemplos de propriedade temporária: está o contrato de propriedade do
fiduciário, que, até à sua morte, tem uma propriedade temporária. JAV, no entanto, não
concorda a 100% com esta posição.
A constituição de uma propriedade temporária fora dos casos previstos na lei representa a
violação direta de uma norma imperativa, art. 1307º/2, pelo que implica a nulidade do negócio jurídico
(art. 280º/1 e 294º). Pode equacionar-se uma conversão na constituição de um direito real – usufruto,
p.e. – ou de um direito de crédito (art. 293º).

2. FACTOS CONSTITUTIVOS ESPECÍFICOS DA PROPRIEDADE


2.1. ACESSÃO
A acessão vem definida no art. 1325º - dá-se acessão quando com a coisa que é propriedade de
alguém se une e incorpora outra coisa que não lhe pertencia. Pressupõe, assim, a verificação cumulativa:
® A união ou mistura de duas ou mais coisas;
® A inseparabilidade da coisa resultante da união ou mistura de duas ou mais coisas
autónomas.
Pressuposto comum: não ser possível fazer reverter as coisas ao estado de separação ou à sua
primitiva forma, ou, sendo-o, tal implique a produção de prejuízo para uma das partes. Se for possível
realizar sem prejuízo o regresso das coisas à situação anterior, deixa de se verificar acessão industrial
mobiliária. Fala-se numa inseparabilidade em sentido normativo – impossibilidade de separar as
coisas sem o prejuízo de uma ou de outra coisa.

2.1.1. A DELIMITAÇÃO NEGATIVA DA ACESSÃO


Parece haver uma clara sobreposição de objetos entre as benfeitorias da acessão: além disso,
uma mera distinção conceitual não se configura como suficiente para a distinção entre os respetivos
âmbitos de aplicação. De facto, o conceito de benfeitoria e o conceito de acessão são idênticos.
Pergunta-se, então, como distinguir.
• Teoria da substância da coisa, defendida por Manuel Rodrigues e Manuel de
Andrade: distingue-se acessão de benfeitoria pela circunstância de a benfeitoria estar
dogmaticamente é historicamente pensada para um melhoramento da coisa; já a
acessão, por oposição, pressuporá uma inovação na coisa.
• Teoria da especialidade, defendida por José Alberto Vieira e Pires de Lima e
Antunes Varela: a benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à
coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico; a acessão é um fenómeno
que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com
a coisa. Há que analisar se o contrato que liga o titular à coisa comporta, no seu
regime legal, uma previsão específica de benfeitorias.

2.1.2. CLASSIFICAÇÕES DA ACESSÃO


A acessão pode ser natural, quando não resulta de intervenção humana mas sim de um
acontecimento natural, e pode ser industrial, quando resulta de uma intervenção humana. Pode, ainda,
distinguir-se entre acessão mobiliária, quando apenas envolva uma relação entre coisas móveis, e
imobiliária, quando envolve já uma coisa imóvel.
Em concreto, podemos distinguir vários tipos de acessão mobiliária:
• Por União: verifica-se a juncão de dois ou mais objetos num novo, não sendo possível
a sua separação sem detrimento da coisa. União pura.
• Por confusão: quando se da a reunião de objetos, os quais perdem por isso a sua
individualidade; a lei trata conjuntamente a confusão de boa e de má fé.
• Por Especificação: quando alguém modifica, com o seu trabalho, alguma coisa que
pertence a outras. Tratada autonomamente, mas atendendo à boa é à má fé. Está em
causa uma prestação de trabalho.
O regime está todo ele formatado em função das especificações do caso concreto.
Especial atenção é devida à boa ou má fé do autor da união, confusão ou construção.

2.1.3. DIREITO À ACESSÃO EM DIREITOS REAIS MENORES


Muitas vezes, sobre a mesma coisa, incide mais do que um direito real. Nesses casos, há que
perguntar quem é o titular do direito de acessão ou, ainda, se um titular de um outro direito real de gozo
pode igualmente beneficiar do regime. Afinal, a lei só menciona o proprietário.
Exemplo:
A é usufrutuário do prédio X, propriedade de B, que está afeto ao cultivo de
cereais. C realiza de boa fé sementeira de trigo no prédio X, tendo, porém, trazido
ao prédio um valor inferior ao que este tinha antes da sementeira. Uma vez que o
usufrutuário A poderia fazer ele própria a sementeira, por estar no âmbito do seu
direito de usufruto, a ele pertenceria beneficiar da acessão, e não a B.
Este exemplo ilustra o seguinte: o proprietário cujo direito está onerado pela incidência do direito
real menor não pode exercer o seu direito na parte em que está comprimido pelo direito real menor, daí
que a atribuição do direito de acessão ao titular de um direito real menor, enquanto decorrência da
oneração.
Assim, sempre que sobre uma das coisas objeto da união ou mistura incidir um direito real
menor, há que indagar se o resultado dessa união poderia ser obtido pelo titular do direito real menor
no exercício regular desse direito. Se a resposta for positiva, pelo facto de o conteúdo do direito real
menor incluir o poder de fazer a união ou mistura que estiver em causa, então o direito de acessão será
atribuído ao titular desse direito e não ao proprietário.
Em suma, titulares de direitos reais menores podem ser, pese embora a inserção sistemática,
titulares do direito de acessão.

2.1.4. O DIREITO ADQUIRIDO – PROPRIEDADE


Como já vimos, o titular de um direito real menor pode beneficiar da acessão, quando seja o
beneficiário direto da união. Pergunta-se, então, que direito adquire sobre a coisa: o direito real menor
de que é titular ou o direito de propriedade?
® Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro: sustentam que se podem constituir, por
acessão, outros direitos reais;
® JAV: o direito adquirido é sempre a propriedade (mesmo tratando-se de direito real
menor – quando o seu titular beneficia da acessão, por a união ou mistura se encontrar
no âmbito do seu direito, o direito por ele adquirido é o direito de propriedade);
o Entender que um titular de direito real menor possa beneficiar da acessão não
implica, logicamente, sustentar que o direito adquirido pelo beneficiário seja o
mesmo que lhe permitiu a acessão – não há qualquer relação de consequência;
o Esta tese é reforçada pela circunstância de ser o superficiário a fazer
diretamente a obra/plantação/sementeira – construindo a obra, é o proprietário
do implante (assim o confirma o art. 1538º);
o O conteúdo do usufrutuário permite que este faça transformações na coisa (arts.
1439º, 1446º, 1450º, 1472º) – fazendo essas transformações, que acarretam uma
união ou mistura, o usufrutuário permanece proprietário das coisas que uniu ou
misturou com o objeto do usufruto, devendo ser indemnizado pelo proprietário,
quando o usufruto se extinguir, pelo regime das benfeitorias (art. 1450º/2);
o Não tem sentido que o beneficiário direto (aquele que paga a indemnização)
apenas adquira um direito real menor;
o A aquisição de um direito patrimonial depende do consentimento daquele em cuja
esfera jurídica tal ocorre;

2.1.5. A NATUREZA POTESTATIVA DA ACESSÃO


A acessão será automática sempre que a mera união ou mistura provoque a aquisição da
propriedade pelo beneficiário da acessão, sendo este o cenário que ocorre na acessão industrial.
Na acessão industrial, por outro lado, a união ou mistura constitui um pressuposto de facto para
a atribuição do direito de acessão a um dos titulares de direitos reais das coisas unidas ou misturas – na
provoca, assim, por si só, a aquisição da propriedade. Trata-se de um direito potestativo, a exercer
pelo pretenso beneficiário da acessão, a fim de conseguir, por fim, adquirir a propriedade.
Note-se que há, ainda, lugar a indemnização àquele que realizou as obras. Está constitui
uma verdadeira condição da aquisição da propriedade, ou seja, enquanto a indemnização não
for paga pelo titular do direito à acessão, o direito de propriedade permanece na sua esfera
jurídica.
Quanto ao momento da aquisição da acessão, algumas dúvidas têm sido apontadas ao disposto
no art. 1317.º/b). Deve entender-se que na acessão natural, o momento de aquisição da propriedade é
o momento da união das coisas. Já no caso da acessão industrial, há divergências: o STJ, na linha de
Antunes Varela, considera o momento da incorporação; já JAV entende que o momento da aquisição
corresponde ao momento do pagamento da indemnização, na linha de Oliveira Ascensão, pois que só
nesse momento é que se considera consolidados os efeitos do exercício do direito à acessão.
NOTA: José Alberto Vieira entende que todo o regime da acessão se situa no âmbito da
autonomia privada, o que significa que as partes podem, conjuntamente, decidiria derrotar o
regime da acessão.

2.2. OCUPAÇÃO
A ocupação, prevista no art. 1318º, é outra forma específica de aquisição da propriedade:
podem ser adquiridos por ocupação os animais e outras coisas móveis que nunca tiveram dono, ou foram
abandonados, perdidos ou escondidos pelos seus proprietários, salvas as restrições dos artigos
seguintes. Os imóveis não são, por isso, suscetíveis de ocupação.
São requisitos da ocupação:
(i). Que a coisa móvel/animal seja nullius: significa que a coisa não tem dono, ou porque
nunca foi atribuída a ninguém pelo ordenamento jurídico ou porque a propriedade se
extinguiu.
(ii). A apreensão material da coisa ou animal: tem subjacente um ato de apossamento, logo,
gera igualmente constituição da posse (art. 1263º/a) – para além de gerar, neste caso em
concreto, a aquisição da propriedade.
Funciona, nestes termos, a regra geral da capacidade – qualquer pessoa, capaz de exercício ou
não, pode ocupar coisas móveis e animais nullius.

2.2.1 CASOS ESPECIAIS


Há três regimes específicos para a ocupação, a saber:
® Art. 1320º - ocupação de animais selvagens que habitem em determinado local por
ação humana: havendo uma deslocação espontânea dos animais do local em que viviam
para outro, pertencente a dono diverso, este pode tornar-se o seu proprietário desde que
não exista possibilidade de reconhecimento individual do animal; se o proprietário do
local, eventualmente, tiver induzido intencionalmente a deslocação dos animais, o dono
do anterior locam pode reivindica-los; em caso de impossibilidade de determinação
do animal, o novo proprietário deve indemnizar o proprietário anterior no montante de
três vezes o seu valor;
o José Alberto Vieira: dificilmente está em causa uma ocupação em sentido
técnico, pois que não há nenhuma apreensão material dos animais; para além
disso, nem os animais são coisas nullius;
® Art. 1321º - animais selvagens ferozes mantidos em cativeiro: qualquer pessoa pode
matar esses animais ou ocupá-los, desde os animais se evadam da clausura em que se
encontravam;
o Numa parte contém um regime de ocupação e noutra parte contém um regime
excecional á regra geral do art. 1318º, permitindo a ocupação de animal com
dono.
® Art. 1322º/1: o proprietário de exame de abelhas enxameado pode perseguir as abelhas
no prédio para onde elas fugiram;
o Tem dois dias para o fazer; não o fazendo no prazo de dois dias, o proprietário
do prédio onde o enxame se encontra pode ocupá-lo ou consentir que um terceiro
as ocupe (art. 1322º/2);
o Art. 1322º/2: outra exceção à regra do art. 1318º (ocupação de animais com
dono);

2.2.1 EFICÁCIA DA OCUPAÇÃO E MOMENTO DE AQUISIÇÃO


A ocupação é um facto aquisitivo do direito de propriedade (art. 1316º e 1317º/d)) e só a
propriedade pode ser adquirida por intermédio de ocupação. Trata-se de uma ocupação originária do
direito de propriedade – é assim constituído um direito novo.
Quanto ao momento de aquisição, nos termos do art. 1317º/d), entende-se que esta ocorre no
momento da verificação do facto respetivo. JAV entende que o facto aquisitivo é o apossamento, ou
seja, a apreensão material da coisa ou animal.

2.3. ACHAMENTO
O achamento não se reporta a coisas ou animais nullius. O achamento opera, antes, relativamente
a coisas móveis ou animais perdidos, logo, com dono. Engloba, ainda, as coisas ou animais escondidos,
desde que não constituam tesouros, no caso dos animais (art. 1323º e 1324º).
É um modo de aquisição originária da propriedade, sendo o direito adquirido um direito novo.
Em termos reais, é um facto complexo de produção sucessiva, que assenta primariamente numa
apreensão material de coisa ou animal perdido ou escondido, supõe o cumprimento dos deveres de
comunicação, anuncio e aviso, mas só findo um ano sem que a coisa ou animal sja reclamado pelo
seu dono permite o achador adquirir a propriedade.
José Alberto Vieira entende que o art. 1323º/1 deve ser alvo de interpretação
extensiva/aplicação por analogia, abrangendo as coisas ou animais escondidos que sejam encontrados
por alguém e não possam ser qualificados como tesouros no sentido do art. 1324º.
Note-se que a aquisição não ocorre por mero apossamento, mas pelo cumprimento das
formalidades do art. 1323º/1324º.
O achador tem direito de retenção e ode envolver o pagamento de prémios (arts. 1323º/3 e 4).

2.3. ACHAMENTO DE COISA VALIOSA – TESOURO


Reporta-se, nos termos do art. 1324º, a coisas com valor considerável, que foram escondidas
pelo seu dono.
(i). Podendo saber quem é o proprietário da coisa valiosa escondida: deve avisar este
último de que a encontrou ou restituí-la. Se o dono não reclamar no prazo de um ano, o
achador faz sua a metade da coisa achada.
a. Interpretação feita por JAV: por via do art. 1323º/2, não se justificando a
distinção de regime;
(ii). Não podendo saber quem é o proprietário:
a. (1) se não foi escondido há mais de 20 anos, deve comunicar o achado ao
proprietário da coisa móvel/imóvel onde foi encontrado, para que este último
possa exercer o direito atribuído pelo art. 1324º/1, de ficar com metade do
tesouro;
b. (2) se foi escondido há mais de 20 anos, deve anunciar o achado nos termos do
art. 1323º ou avisar as autoridades; se aparecer o proprietário, deve o tesouro
ser-lhe entregue, sem prejuízo de indemnização (art. 1323º/3 e 4)
Em caso de aquisição de metade-metade, a aquisição será a título originário – trata-se de um
verdadeiro direito constituído ex novo.
Já quanto ao momento da aquisição do direito de propriedade:
® Se o tesouro houver sido escondido/enterrado há menos de 20 anos e o achador
fizer a comunicação ao proprietário: art. 1324º/2; adquire a propriedade de metade do
achado um ano depois da comunicação, do anúncio ou do aviso (art. 1323º/2);
® Se o tesouro foi enterrado ou escondido há mais de 20 anos: o achamento e
consequente apreensão material determinam a aquisição automática de metade do
tesouro pelo achador; o dono da coisa onde o tesouro estava escondido ou enterrado
adquire, querendo, a outra metade.
Mais uma vez, esta forma específica apenas permite adquirir a propriedade.

3. A PROPRIEDADE HORIZONTAL

3.1. O TIPO LEGAL


Na hipótese de a propriedade horizontal ter sido constituída de forma inválida, não será possível
concluir que a propriedade de uma fração do edifício, logo, funcionará o regime da compropriedade,
que terá por objeto todo o edifício e não cada uma das frações em que seja suscetível de ser decomposto
de acordo com um critério económico e social. Daí que, nestes moldes, a propriedade horizontal se
apresente como um tipo especial do direito de propriedade.
A constituição da propriedade horizontal não se esgota com a divisão do edifico em frações. O
problema será, ainda, o da atribuição jurídicas das partes do edifício que não fazem parte de nenhuma
fração – as partes comuns. Nos termos do art. 1421º, as partes comuns devem ser consideradas
imperativamente comuns, o que significa que a natureza comum não pode ser afastada no título
constitutivo.
Assim, a propriedade horizontal decompõe-se: 1) proprietário da fração autónoma; 2)
comproprietário das partes comuns do edifício. O conteúdo tipo do direito de propriedade intelectual
exprime, assim, esta duplicidade.
Note-se, no entanto, que o conteúdo do direito do condómino sobre as partes comuns não está
sujeito à aplicação direta do regime da compropriedade. Na verdade, os arts. 1421º e ss. prevêem um
regime especial para a compropriedade das partes comuns. Em tudo o que não contrarie o regime da
propriedade horizontal, o regime da compropriedade é subsidiaramente aplicável.

3.2. A DELIMITAÇÃO NEGATIVA


A delimitação da propriedade horizontal ocorre nos mesmos termos que a propriedade – assim
o dispõe o art. 1422º. No entanto, existe um conteúdo negativo que introduz uma delimitação específica
da propriedade horizontal – art. 1422º/2, que corresponde aos deveres do condómino.
Ainda, outros deveres podem impender sobre o condómino: é o caso do que dispõe o art.
1424º/1 (despesas de conservação do edifício e as despesas com serviços de interesse comum, na
proporção das quotas).

3.3. A DUALIDADE DO OBJETO DA PROPRIEDADE HORIZONTAL


O objeto da propriedade horizontal corresponde à fração autónoma e às partes comuns do
edifício.
No que concerne às partes comuns, estas podem variar consoante o título constitutivo do direito
de propriedade. As partes imperativamente comuns são as que constam do art. 1421º/1 – se violar esta
regra, o título constitutivo é nulo (art. 280º/1 e 294º). Relativamente às que constam do art. 1421º/2 –
apenas se presumem comuns, o que significa que o titulo constitutivo pode dispensar em sentido
inverso.
Apesar do disposto no art. 1421º/1, há que considerar que alguns dessas partes comuns pode
ser afetas a uso exclusivo de um condómino (art. 1421º/3). Não deixa de integrar a comunhão; apenas
fica subtraída ao uso de tods os condóminos.

3.4. REQUISITOS CIVIS DE CONSTITUIÇÃO DA PROPRIEDADE HORIZONTAL – O


TÍTULO CONSTITUTIVO
A constituição da propriedade horizontal deve preencher requisitos de direito civil e de direito
público. No que concerne aos requisitos civis (art. 1414º):
(i). A propriedade horizontal só pode recair sobre um edifício, portanto, sobre uma coisa
imóvel com determinadas características de construção.
(ii). O edifício tem de estar dividido em frações autónomas.
(iii). As frações autónomas do edifício devem ser independentes entre si.
As frações autónomas são, note-se, partes do edifício capazes de afetação individual a um fim.
Não basta: a lei exige que seja independentes, todas elas e não apenas algumas (art. 1415º e 1414º).
Relativamente a este requisito, exige-se que sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para
uma parte comum do prédio ou para a via pública.
A violção dos requisitos implica a nulidade do título constitutivo (art. 1416º); como
consequência, prevê-se a sujeição ao regime da compropriedade. Note-se que, com cautela, esta
sujeição apenas se aplica na circunstância de o proprietário alienar as frações autónomas não válidas –
já que, só nessa circunstâncias, concorre mais do que um proprietário e se pode falar em
compropriedade.
No que respeita ao titulo constitutivo do direito real de propriedade horizontal, dispõem os
artigos 1417 e 1418º. Nos termos do art. 1418º/1, em acréscimo ao regime da propriedade, a lei
estabelece alguns requisitos de validade: as frações devem ser individualizadas; o valor atribuído a
cada fração deve ser expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio.
O incumprimento destes implica, de novo, a nulidade (art. 1418º/3). Outros requisitos são, no
entanto, passíveis de constar do título, mas não obrigatórios.
3.4. TÍTULO CONSTITUTIVO E POSIÇÃO DO CONDÓMINO
O título constitutivo deve especificar a percentagem ou permilagem de cada fração – art. 1418º,
sob pena de nulidade. Esta determinação de percentagem repercute-se diretamente no exercício do
direito de propriedade horizontal do condómino.
® A fruição nos rendimentos geradas pelas partes comuns são de acordo com esse valor.
® As despesas e encargos gerados pelas partes comuns, bem como despesas com
invocação, são suportados nessa medida (art. 1424º e 1426º).
® O voto do condómino na assembleia de condóminos afere-se pelo valor.
Nada impede, note-se, que o próprio título constitutivo preveja desvios a estas regras (art. 1424º).
Note-se que há um limite: o título constitutivo não pode eliminar de todo o poder de fruir do condómino,
sob pena de violar a tipicidade legal e, consequentemente, de nulidade (art. 1306º). Afinal, não há
propriedade sem fruição (art. 1305º).
Ainda, o título constitutivo pode ser sempre mudado: art. 1419º, a modificação está sujeita à
forma legal de escritura pública e pode ser feita somente havendo unanimidade entre todos os
condóminos.

3.4. AS FONTES NORMATIVAS DA PROPRIEDADE HORIZONTAL – RELEVÂNCIA


DO TÍTULO C ONSTITUTIVO E O REGULAMENTO DO C ONDOMÍNIO
A primeira fonte de excelência é a lei. No entanto, dado o espaço de autonomia reconhecido,
outras fontes se afiguram como importantes: título constitutivo. Este permite àquele que constitui a
definição de aspetos fundamentais (art. 1418º). Posteriormente, afigura-se como essencial, igualmente,
o regulamento do condomínio, cuja elaboração é obrigatória em edifícios com mais de quatro frações
autónomas (art. 1429º-A/1).
No fim da hierarquia, há ainda que destacar as deliberações da assembleia de condóminos.
Devem incidir somente sobre a administração das partes comuns (a única matéria que é da competência
dos órgãos do condomínio). Devem, ainda, respeita a lei, o regulamento e o título constitutivo.

3.5. COMPETÊNCIA DOS ÓRGÃOS DO CONDOMÍNIO – ADMINISTRAÇÃO DAS


PARTES COMUNS
Os órgãos do condomínio são a assembleia de condóminos, tendo assento todos os
condóminos, e o administrador (eleito e exonerado pela assembleia – art. 1435º/1 – ou por decisão
judicial – art. 1435º/2 e 3).
Estes órgãos existem unicamente para as partes comuns, é o que resulta do art. 1430º/1. Assim,
não têm competência para a deliberação ou execução de decisões relativamente às frações comuns.
Perante comportamentos dos condóminos, estes podem reagir enquanto proprietários de prédios
vizinhos, no entanto, a assembleia de condóminos não tem competência para deliberar sobre essas
matérias. Note-se que a restrição que consta do art. 1430º se aplica tanto às decisões como ao
regulamento.
Significa, em traços gerais, que o aproveitamento das frações autónomas pertence
exclusivamente aos proprietários respetivos – dentro dos limites negativos das relações de vizinhança.

3.6. DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS


A assembleia de condóminos é o órgão colegial do condomínio. Delibera, assim, em assuntos de
administração das partes comuns do edifício – o que implica, também, revogar atos do administrador a
recurso de qualquer condómino (art. 1438º).
A reunião da assembleia de condóminos está sujeita a um formalismo legal que, caso não seja
cumprido, implica a invalidade das deliberações, podendo ser impugnadas. Assim, deve ser precedida
de convocatória (art. 1422º/1) – enviada com 10 dias de antecedência, devendo constar obrigatoriamente
o disposto no art. 1432º/2.
Relativamente ao quórum algumas exigências: as deliberações são, por norma, tomadas por
maioria do capital investido (art. 1432º/3). Assim, em assembleia reunida em primeira convocatória,
quando a lei não disponha diferentemente, as deliberações só podem ser aprovadas quando essa
maioria as votar favoravelmente.
No entanto, quando a assembleia não pode reunir em primeira, por numero insuficiente, dispõe
o art. 1432º/4 que se permite convocatória de nova assembleia, a ocorrer uma semana depois na mesmo
hora e local. O quórum, nesta, reduz para um quarto do valor total do prédio – pode, nestes termos,
reunir e a votação processa-se por maioria dos votos dos condóminos presentes. Não se aplica, no
entanto, esta derrogação às decisões que exigem unanimidade/maioria qualificada – serve tão somente
para derrogar o nº3.
As deliberações, por sua vez, devem ser comunicadas a todos os condóminos ausentes por
carta registada com aviso de receção, no prazo de 30 dias (art. 1436º/6). Será juridicamente ineficaz
relativamente aos condóminos que não a receberam. Mesmo aos ausentes é permitida a rejeição das
deliberações: têm 90 dias para comunicar por escrito à assembleia a discordância; se nada fizerem, a
deliberação tem-se por aprovada (art. 1432º/8).

3.7. VALOR JURÍDICO DAS DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS


Quando contrárias à lei ou ao regulamento são anuláveis a requerimento de qualquer condómino
que não as tenha aprovado (assim dispõe o art. 1433º/1) – JAV relembra que também serão anuláveis se
contrárias ao título constitutivo.
Nota importante: o art. 1433º/1 abrange apenas as deliberações tomadas sobre as matérias
para as quais a assembleia tenha competência, ou seja, apenas quando esteja em causa a
administração das partes comuns (art. 1430º/1). Fora destes casos, a deliberação é nula. O que significa,
em linhas gerais, que o condómino não lhe deve respeito, uma vez que não o chega a vincular.
A tramitação da anulação da deliberação segue o disposto nos nº2 a 6 do art. 1433º, estando a
legitimidade explanada no nº1. Configuram-se três alternativas:
® Exigir ao administrador no prazo de 10 dias contado da deliberação, ou contado da sua
comunicação no caso de condóminos ausentes, a convocação de uma assembleia
extraordinária, com a finalidade de deliberar a revogação da deliberação contestada (art.
1433º/2).
® Sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem, no prazo de 30 dias contado da deliberação
(art. 1433º/3);
® Propor uma ação de anulação da deliberação, o que pode ser feito no prazo de 20 dias
contado da deliberação da assembleia extraordinária, se a ela houve lugar, ou de 60 dias, se
não foi solicitada (1433º/4).
Cumulativamente, é admissível requerimento judicial da suspensão da execução da
deliberação (art. 1433º/5).
O DIREITO DE USUFRUTO
1. PREVISÃO LEGAL E DELIMITAÇÃO POSITIVA
O usufruto encontra-se previsto no art. 1439º e corresponde ao direito de gozar temporária e
plenamente de uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância. Este aproveitamento
compreende: (i) o uso e a fruição da coisa; (ii) a transformação da coisa, dentro dos limites negativos do
usufruto; (iii) o poder de reivindicar a coisa.
Quanto ao uso e fruição, o usufrutuário tem direito aos frutos naturais e civis; já no que concerne
aos réditos, estes pertencem ao proprietário, salvo se outra coisa for acordada. Por inerência, a
administração da coisa pertence ao usufrutuário, assim como as despesas (direito a benfeitorias
necessárias implícito – art. 1472º/1 e 1446º).
Importante é a faculdade de disposição: o usufrutuário não pode dispor da propriedade do bem,
mas pode dispor dos seus direitos e onerar o seu direito com outros direitos reais de gozo ou de garantia
(art. 1444º) – não obstante limitações acordadas pelas partes. Note-se a limitação em termos de duração,
que vale para qualquer direito, pese embora a limitação legal (art. 1460º/1).
Como a faculdade de gozo pertence plenamente ao usufrutuário, geralmente, ao proprietário,
designa-se de nu proprietário – este está impedido de gozar a coisa, enquanto durar o usufruto; apenas
lhe resta a faculdade de disposição e o aproveitamento residual não atribuído ao usufrutuário (réditos
que não constituam frutos em sentido técnico).
A propósito deste gozo, pergunta-se se as partes podem limitá-lo ou suprimi-lo. Oliveira
Ascensão impende em sentido favorável; assim como Santos Justo, que se refere ao problema como
tipo aberto. JAV discorda: apesar da conjugação com o tipo constitutivo, esta deve ser conjugada com
a tipicidade dos direitos reais (numerus clausus). Assim, qualquer diminuição dos poderes de uso,
fruição e transformação implica a violação deste princípio (art. 1306º). Para ser regulado pelo titulo
constitutivo, como por exemplo faculdade de disposição, prazo, exercício de obrigações, etc.

2. DELIMITAÇÃO NEGATIVA
O usufruto está limitado, legalmente, pela proibição de alteração da forma ou substância da coisa
e pelo destino económico desta. O problema coloca-se na forma como se articula a forma e substância
da coisa, prevista no art. 1439º, com outros limites como o destino económico da coisa (art. 1446º e
1450º/1).
• Preservação da sustância: o usufruto não pode incidir sobre coisas consumíveis, ou, no meso
sentido, o usufrutuário encontra-se obrigado a preservar a integridade da coisa, não a destruindo
ou deteriorando de qualquer modo.

• JAV: fim económico e forma ou substância é, no direito português, a mesma coisa;

o Problema: o art. 1445º dispõe acerca da supletividade dos arts. 1446º a 1467º o que
suscita muitas questões acerca da supletividade ou imperatividade do limite destino
económico. JAV relembra que este capítulo não contém só normas supletivas, razão
pela qual parte do problema parece estar já ultrapassado.

o Assim, os arts. 1446 e 1450º/1 apenas reiteram os limites negativos que já constam do
art. 1439º.
o O art. 1446º sujeita o uso, a fruição e a administração a um critério de diligência, que
corresponde ao critério do bom pai de família – somente este é supletivo e não o
respeito pelo destino económico, devendo esse ser respeitado, porquanto este é
um elemento do tipo legal de usufruto.

o Art. 1450º - porque menciona a forma e substância: tem que ver, entende JAV, com o
tipo de poder envolvido. Está em causa o poder de transformação e é este que pode
justamente pôr em causa a substância da coisa – o mesmo já não acontece com o uso,
fruição e administração.

o O destino económico afere-se à data da constituição do usufruto. O usufrutuário que


recebe o usufruto deve conformar-se com o estado económico atual da coisa, que o
proprietário definiu e que existia no momento da constituição do usufruto.

o Conclusão: só a cláusula é que é obrigacional e não todo o contrato.

§ 1306: restrições são cláusulas ou todo o contrato?

• OA: exigência mais genérica é a do art. 1439º, que faz parte do próprio tipo do usufruto, enquanto
a do art. 1446º é disposição supletiva e pode ser afastada.

• ML: é a proibição de alteração de forma e substância que faz parte do tipo legal do usufruto,
sendo o respeito pelo seu destino económico uma disposição supletiva, cuja observância não se
afigura essencial. Desde que possível, seja, a reversibilidade no momento da extinção.

• MC: art. 1439º é definição legal e não tem natureza imperativa, pelo que o usufruto não está
vinculado a respeitar a forma e substância mas sim o destino económico da coisa.

3. O OBJETO DO USUFRUTO
A coisa objeto do usufruto pode ser móvel ou imóvel e é sempre uma coisa corpórea.
A coisa, no entanto, pode sofrer alterações: se a coisa sofre de união/transformação, o usufruto
estende-se a ela por direito de acrescer (art. 1449º).
José Alberto Vieira, em virtude da teoria sobre o objeto dos direitos reais – coisas corpóreas –
rejeita a remissão ao usufruto de direitos. O usufruto só poderá referir à coisa que seja objeto do direito
e não ao próprio direito.

4. QUASE-USUFRUTO
O quase usufruto vem regulado no art. 1452º, que se prende com o usufruto objeto de coisa
consumível. O aproveitamento normal da coisa implica o seu consumo e alienação, o que gera a perda
da coisa ou a sua saída da esfera jurídica do usufrutuário.
O consumo da coisa vem bulir com um dos limites legais e negativos do usufruto; em caso de
alienação, por outro lado, esta é válida, apesar do que decorre do art. 1451º/2. Assim, não se obriga o
usufrutuário a fazer a entrega da coisa consumível, mas simplesmente o seu valor, se ela foi avaliada,
ou, se não foi, entregando outra do mesmo género ou qualidade, ou o valor desta no momento da
extinção.
Não se trata, porquanto, de um verdadeiro usufruto.
5. USUFRUTO SIMULTÂNEO E USUFRUTO SUCESSIVO
O usufruto simultâneo é uma forma de comunhão do usufruto, encontrando-se regulado pelo
disposto na comunhão (art. 1404º e 1441º). O usufruto sucessivo, por sua vez, designa um usufruto
constituído a favor de várias pessoas, em que cada uma delas vai sendo investida no direito de usufruto
logo que o usufruto do anterior usufrutuário se extingue.

6. OBRIGAÇÕES DO USUFRUTUÁRIO
As primeiras obrigações decorrem do conteúdo negativo: (i) obrigação de respeitar a substância
da coisa (art. 1439º e 1450º/1); ainda, obrigação de respeitar a forma ou destino económico determinado
pelo proprietário (art. 1439º, 1446º e 1450º). Como vimos, são sinónimos.
A violação ilícita e culposa de qualquer destas duas obrigações implica violação do direito de
nua propriedade e confere ao proprietário o direito a ser indemnizado pelos danos sofridos.
Relativamente à extinção e reivindicação pelo proprietário. Não se exclui a hipótese de reivindicação;
quanto à extinção, apesar de possível, não é automática (art. 1482º/1). Nos casos mais graves de
violação, JAV sustenta que o proprietário possa requerer a extinção do usufruto.
O usufrutuário está, ainda, adstrito a uma série vasta de obrigações:
® Obrigação de relacionar as coisas (art. 1468º/a);
® Obrigação de prestar caução (art. 1468º/b);
® Obrigação de administrar a coisa (de acordo com o critério do bom pai de família, pese
embora nada obste à fixação de um critério mais exigente);
® Obrigação de suportar os encargos e despesas com a coisa determinados por lei;
® Obrigação de conservação ordinária da coisa (art. 1472º/2 – prevenir os efeitos de uma
deterioração antecipada e evitável, ficando somente fora dela a conservação
extraordinária, que incumbe ao nu proprietário);
® Obrigação de informação do nu proprietário (art. 1475º);
® Obrigação de entrega da coisa (art. 1483º - obrigação de restituição);

7. A POSIÇÃO DO NU PROPRIETÁRIO
No que concerne ao lado ativo, ou seja, aos direitos:
® Fazer melhoramentos na coisa (art. 1471º), inovações que se destinam a aumentar o valor
da coisa; tem um limite de não introdução de desvalorização do usufruto (art. 1471º/1).
® Poder de constituir servições passivas sobre a coisa objeto do usufruto, contando que
não haja desvalorização (art. 1460º);
® O mesmo relativamente a servidões ativas, desde que não impliquem desvalorização,
sendo que o usufrutuária beneficiará delas (art. 1449º);
No que concerne ao lado passivo, ou seja, obrigações:
® Dever de respeito pelo usufruto: clausula geral, se violada, pode haver lugar a reação pelo
usufrutuário (p.e.: ação de reivindicação ou ação possessória);
® Dever de realizar as obras extraordinárias de conservação da coisa (art. 1473º);
® Dever de indemnizar o usufrutuário pelo realização de obras extraordinárias de
conservação da coisa que não caibam àquele suportar (art. 1473º/2);
® Dever de indemnizar o usufrutuário por benfeitorias feitas na coisa (art. 1450º/2).
8. A EXTINÇÃO DO USUFRUTO PELA MORTE
O usufruto vitalício extingue-se com a morte do usufrutuário (art. 1476º/1/a)). Se o usufruto foi
transmitido a terceiro e o usufrutuário original continua vivo, o usufruto entra na sucessão do usufrutuário
falecido, vindo apenas a extinguir-se apenas quando o primeiro usufrutuário falecer.

9. O MAU USO DO USUFRUTUÁRIO


A lei portuguesa não clarifica sobre o que seja mau uso (art. 1482º). Do âmbito do mau uso deve
excluir-se, no entanto, desde logo, a violação dos limites negativos. Nesses casos, está em causa um
ataque direito ao direito do proprietário.
JAV propõe a tipificação de um conjunto de casos que se podem enquadrar no mau uso:
1. O exercício do direito, ou a falta dele, por parte do usufrutuário implique uma diminuição
do valor da coisa;
2. Da atuação do usufrutuário resulte a deterioração da coisa, desde que esta não possa
ser qualificada como uma alteração da forma ou substância da coisa.
Exemplo paradigmático: não realização de obras de reparação ordinária a cargo do usufrutuário
(art. 1472º/1).
O DIREITO DE USO E HABITAÇÃO
1. PREVISÃO LEGAL E DELIMITAÇÃO POSITIVA
O direito de uso e habitação permite a constituição de: (i) poder de uso da coisa; (ii) poder de
fruição da coisa, na medida das necessidades do titular e da sua família. Pode, ainda, acrescentar-se ao
núcleo um poder limitado de transformação, um poder de renuncia e um poder de reivindicação.
Quanto ao poder de uso da coisa, este é exclusivo, estando o proprietário inibido de a usar.
Não integra, neste caso, o conteúdo típico deste direito real o poder de disposição. A
transmissão e a oneração do direito estão proibidas expressamente (art. 1488º).
Ainda, há a salientar a destruição da coisa consumível, nos casos de quase uso, e o poder de
renuncia ao direito (art. 1476º/1/e) e 1490º).

2. DELIMITAÇÃO NEGATIVA
Os direitos de uso e de habitação têm dois limites implícitos e explícitos (art. 1484º/1/parte final).
Os limites negativos implícitos são os mesmos do usufruto: respeito pela forma e pela
substância da coisa (retirando-se, este limite, da base normativa do direito de usufruto).
O limite negativo explícito encontra-se previsto no art. 1484º/1: a fruição do usuário e do morador
usuário está limitada às necessidades do titular da família.
O que entender por estas necessidades? O art. 1487º começa por fixar os elementos
da família abrangidos. De um ponto de vista objetivo, deve considerar-se abrangias as
necessidades diretas, ou seja, aquelas que podem ser satisfeitas através de frutos. Exclui-
se, assim, o aproveitamento indireto dos frutos – a alienação dos frutos para obter
dinheiro está vedada.
Problema da natureza pessoal ou profissional das necessidades: os frutos podem ser
aproveitados para a satisfação de necessidades pessoas ou as profissionais estão
incluídas? A resposta é negativa. Os direitos de uso e habitação têm menor extensão que
o usufruto; para além disso, o próprio art. 1486º menciona necessidades pessoais.

3. O OBJETO DOS DIREITOS DE USO E HABITAÇÃO


Os direitos de uso e habitação pode ter como objetos: o direito de uso, coisas móveis e imóveis;
o direito de habitação, coisas imóveis.
Pergunta: as autocaravanas, coisas móveis, não podem ser objeto do direito de
habitação?
Perguntas:
® Pode o direito de uso incidir sobre coisas não frutífera? JAV entende que sim. A coisa
deve ser apta a produzir alguma forma de gozo que o conteúdo típico do direito de uso
autoriza, nada impõe que seja apta a esgotá-lo.
® Pode o direito de uso ter por objeto coisas consumíveis? Em caso afirmativo, estaríamos
perante um quase uso. Há que atentar a que no uso, a alienação está proibida (art.
1488º), pelo que, estando vedado o consumo ao usuário, só lhe resta um consumo
material, o que implica rejeitar o uso sobre o direito. Face a outras coisas consumíveis,
nada parece obstar à sua admissibilidade, dentro destes limites (art. 1451º/1 e 1490º).
Referir que, na linha do quem tem sido plasmado, há lugar a uso em comunhão (art. 1489º).

4. A TITULARIDADE
No que concerne, em geral, à titularidade dos direitos de uso e habitação, há que atender a
que histórica e dogmaticamente (origem de um direito real que visa sustentar as necessidades
alimentares do titular e da sua família), estas figuras estão pensadas para a titularidade por pessoas
singulares, não parecendo poder admitir-se a sua titularidade por pessoas coletivas.

5. CONSTITUIÇÃO
O único aspeto singular a salientar do regime dos direitos de uso e habitação reside na
impossibilidade legal da sua constituição por via da usucapião (art. 1293º/b).

6. PROIBIÇÃO DE TRANSMISSÃO E ONERAÇÃO


Nem o direito de uso, nem o de habitação, admitem ao titular o poder de transmissão e de
oneração (art. 1488º). Em caso de violação da proibição em causa, o negócio jurídico será nulo, por
duas linhas de razão: art. 892º, falta de legitimidade, ex vi 939º OU 956º/1 (doação); e violação de norma
imperativa (art. 294º CC).
O DIREITO DE SUPERFÍCIE
1. PREVISÃO LEGAL E DELIMITAÇÃO POSITIVA
O direito de superfície permite a outorga, tão somente, de poderes especializados e dirigidos
funcionalmente a construir ou manter obra ou a fazer ou manter plantações. O superficiário não tem o
conteúdo normal do gozo, nomeadamente, o uso e fruição.
Assim, são poderes típicos:
® Poder de construir ou de fazer plantação no prédio;
® Poder de manter a obra ou plantação sobre ou sob solo alheio durante o tempo de
duração do direito.
® Poder de disposição (art. 1534º - pode ocorrer por meio de qualquer dos factos jurídicos
com eficácia real translativa).
® Poder de oneração: pode ser o direito de superfície onerado com uma hipoteca (art.
688º/1/c) - mas não o direito de propriedade!

2. DELIMITAÇÃO NEGATIVA
A lei não introduz a delimitação negativa do direito de superfície. Uma vez que o aproveitamento
típico por este direito assenta em poderes individualizados, o que está fora desses poderes não pode o
superficiário fazer no seu exercício.

3. O SUBTIPO – SUPERFÍCIE DE SOBRELEVAÇÃO


A autonomização da superfície de sobrelevação, conforme resulta do art. 1526º, resultada do
objeto: enquanto que no tipo geral o que está em causa é um terreno, neste subtipo o que está em
causa é um edifício já construído ou em construção.
Deve entender-se que o alcance da norma é mais amplo que o alcance da letra da lei. Este
subtipo pode constituir-se sobre qualquer edifício que tenha as características para o efeito,
independentemente de estar ou não em propriedade horizontal.
Pergunta-se se o superficiário do edifício pode constituir novos direitos de superfície sobre a
obra existente ou a construir. JAV entende que dependerá do titulo constitutivo da superfície.
Exemplo: Se o superficiário está autorizado a construir prédio de 10 andares, pode
constituir uma superfície de sobrelevação para construir os últimos dois antes; o mesmo
não se aplica relativamente à constituição, nessa mesma situação, de uma superfície de
sobrelevação para a construção de um parque de estacionamento (não compreendido no
titulo constitutivo).
O art. 1526º prevê: após o edifico ser levantado, aplicam-se as regras da propriedade horizontal.
JAV entende que este preceito tem de ser adaptado: se o edifício não está em propriedade horizontal, e
estava em propriedade singular, passa a estar em compropriedade; se já estava em compropriedade, o
superficiário torna-se comproprietário juntamente com os outros comproprietários. Já na hipótese
prevista no art. 1526º: a superfície extingue-se e as frações construídas ficam sujeitas ao regime da
propriedade horizontal, passando superficiário a condómino.
4. CONSTITUIÇÃO DA PROPRIEDADE HORIZONTAL EM EDIFÍCIO ASSENTE
EM SOLO ALHEIO
Está em causa saber se o superficiário pode constituir a propriedade horizontal sobre o
edifício construído ou mantido em terreno alheio.
Os poderes do proprietário do edifício construído ou mantido sobre o solo alheio nos termos de
um direito de superfície são exatamente os mesmos do proprietário que é simultaneamente edono do
solo – a constituição da propriedade horizontal insere-se no exercício da faculdade de disposição. Uma
vez constituída a propriedade horizontal, os condóminos serão proprietários da sua fração,
comproprietários das partes comuns, com exceção do solo, em que serão comunheiros do direito de
superfície.
Em caso de superfície temporária: a propriedade das frações será transferida para o
proprietário do solo com a extinção da superfície (art. 1538º/1). Não colhe a aplicação do regime da
acessão.

5. OBJETO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE


O direito de superfície tem sempre por objeto uma coisa imóvel, sendo essa coisa, com exceção
da superfície de sobrelevação, um terreno. Assim o objeto não pode ser confundido com a obra ou a
plantação que eventualmente possa existir no solo.
O superficiário terá assim dois direitos: um direito de superfície, que versa sobre o solo; um
direito de propriedade, que versa sobre um objeto distinto (o implante, material ou vegetal). Note-se
que, nos termos do art. 1525º, o direito de superfície só abarca a porção do solo ou subsolo necessário
para a construção ou manutenção da obra ou da plantação.

6. OBRIGAÇÕES DO SUPERFICIÁRIO
As obrigações do superficiário resultam, por norma, do título constitutivo e não podem ser
antecipadas com generalidade. Como outras obrigações:
® A obrigação de dar preferência ao proprietário do solo, em caso de venda ou de dação
em cumprimento do direito de superfície (art. 1535º/1);
® A obrigação de conservar a obra ou plantação após a extinção da superfície, sob pena
de responsabilidade civil perante o proprietário (art. 1538º/3);
® A obrigação de comunicar ao proprietário do solo os atos de terceiro capazes de lesar o
seu direito (art. 1475º, por analogia);
® A obrigação de restituir o terro objeto da superfície, bem como a obra ou plantação,
quando o seu direito se extinguir;
Em caso de as partes convencionarem a realização de certa obra: só poderá ter eficácia
obrigacional, sob pena de violar a livre decisão inerente ao regime legal do direito de superfície.
Em caso de não realização de qualquer obra, da parte do superficiário, ocorre extinção da
superfície, por não uso (art. 1536º/1/a).

7. O PROPRIETÁRIO DO SOLO
O proprietário do solo tem todo o conteúdo residual de aproveitamento que não seja afetado
pelo direito de superfície. No entanto:
® O uso e fruição pertencem em exclusivo ao proprietário (art. 1532º), que pode continuar
a gozar da coisa enquanto não se iniciar a construção (art. 1532º/1 – prevê uma sanção);
o O gozo do subsolo manter-se-á durante todo o tempo pelo qual o direito de
superfície estiver constituído, uma vez que a superfície não o afeta; cessa quando
causa danos ao superficiário (art. 1533º);
o O inicio da construção trás o fim do gozo do proprietário relativamente à porção
de terreno objeto da superfície;
Apesar disto tudo, o proprietário é a única pessoa legitimada a constituir o direito de
superfície sobre o prédio. Em caso de no terreno já existir obra ou plantação, a lei confere-lhe o poder
de alienar a propriedade da obra ou da plantação separadamente da propriedade do solo (art. 1528º/1).
No que concerne, por outro lado, às obrigações do proprietário do solo:
® Obrigado a facultar a posse da coisa ao superficiário;
® Obrigação de não impedir ou tornar mais dispendiosa a construção ou plantação do
superficiário;
® Salvo convenção em contrário, não está obrigado a preparar o solo para a construção
ou plantação;
Da constituição do direito de superfície resulta a oneração do direito de propriedade. A lei
prevê, ainda, a constituição de servidões a favor do superficiário, de modo a que este possa gozar a
obra ou plantação (art. 1529º/1). Serão, em regra, servidões de passagem.
O proprietário do solo, nos termos do art. 1538º/2, poderá ter de pagar uma indemnização ao
superficiário pela aquisição da propriedade da obra ou plantação quando a superfície se extinguir.

8. AQUISIÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE SOBRE A COISA OU


PLANTAÇÃO
Tendo em conta a construção da obra ou plantação, surge uma nova coisa, sobre a qual incide
um direito de propriedade, comumente designado de propriedade superficiária. É um direito novo
adquirido originariamente pelo titular do direito de superfície.
Em caso de obra ou plantação pré-existente, ocorre uma aquisição derivada (?).

9. DURAÇÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE


O direito de superfície pode ser perpétuo ou temporário. Se perpetuo, representa uma oneração
constante da propriedade, que pode acabar, no entanto, se ocorrer algum facto extintivo. Se temporário,
a termo (art. 1524º), não se estabelece tempo mínimo, ficando este na inteira disponibilidade das partes.
O decurso do tempo provoca a extinção – art. 1536º/1/c).

10. EXTINÇÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE


A extinção do direito de superfície não convoca qualquer aplicação da acessão. Nos termos do
art. 1538º (que abrange todas as hipóteses de extinção), a obra ou plantação passa a integrar o prédio
e o proprietário do solo adquire a respetiva propriedade. Esta aquisição tem efeito automático e não
carece de qualquer declaração dos interessados nesse sentido.
Quanto à concreta imperatividade do art. 1538º/1: de acordo com JAV, é possível às partes o
seu afastamento, pelo que não se configuram fundamentos para sustentar a sua imperatividade.
No que concerne à indemnização a pagar da parte do superficiário, nos termos do art. 1538º/2,
nada impede que, do mesmo modo, as partes o afastem. Em caso de não afastamento, esta
indemnização segue o regime do enriquecimento sem causa.
Relativamente a outros efeitos da extinção:
® Destino de outros direitos reais menores que oneram a propriedade – arts. 1539º e 1541º.
o Extinção da superfície no final do prazo: todos os direitos reais menores que
oneravam a propriedade do superficiário sobre a obra/plantação extinguem-se
igualmente (art. 1539º/1).
§ NOTA: com a expensão da propriedade do solo, os outros direitos reais
também se expandem (art. 1540º);
§ Em caso de o superficiário receber indemnização por força do art.
1538º/2: os titulares dos direitos reais menores podem fazer valer-se dos
mecanismos de sub-rogação (em caso de hipoteca e usufruto – 692º/3 e
1480/2).
o Extinção antes do final do prazo: os titulares de direitos reais menores não
contavam com essa extinção; entender que se extinguem é uma solução
problemática. Logo, a lei prevê a extinção da superfície, mas os direitos de
terceiro permanecem (art. 1542º) têm por objeto não uma coisa autónoma e
individualizada, mas uma parte da coisa.
§ Pires de Lima/Antunes Varela: a superfície pode vir a renascer –
exemplo: execução de hipoteca com venda judicial; será um direito
novo, de acordo com JAV, nos termos do art. 1528º, pela alienação da
obra ou plantação separada da propriedade do solo.

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