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DIREITOS REAIS
REGÊNCIA DO PROF. JOSÉ ALBERTO VIEIRA
MAFALDA MALÓ
FACULDADE DE DIREITO
Universidade de Lisboa
ÍNDICE
O Sistema de Direitos Reais .............................................................................................. 4
1. Apontamento Histórico ............................................................................................................. 4
2. O Conceito de Direito Real ....................................................................................................... 4
3. Os Princípios de Direitos Reais ................................................................................................. 5
4. Classificações dos Direitos Reais ............................................................................................. 7
O Registo Predial ................................................................................................................ 9
1. Atos e Princípios do Registo Predial ......................................................................................... 9
2. Efeitos Substantivos do Registo Predial ................................................................................. 11
O Conteúdo dos Direitos Reais ....................................................................................... 15
1. O Conteúdo Positivo dos Direitos Reais ................................................................................. 15
2. O Conteúdo Negativo dos Direitos Reais................................................................................ 16
A Posse .............................................................................................................................. 35
1. A Noção Legal da Posse......................................................................................................... 35
3. A Autonomia da Posse ........................................................................................................... 35
4. As Funções da Posse ............................................................................................................. 35
5. A Posse Como Exteriorização de um Direito – Uma Decorrência da Autonomia da Posse..... 36
6. Elementos da Posse ............................................................................................................... 36
7. O Corpus Possessório – Caracterização................................................................................. 38
8. A Detenção ............................................................................................................................. 39
9. O Âmbito da Posse ................................................................................................................. 39
10. Os Caracteres da Posse ....................................................................................................... 41
11. Os Factos Constitutivos da Posse ........................................................................................ 42
12. Os Factos Translativos da Posse .......................................................................................... 44
13. Os Factos Extintivos da Posse ............................................................................................. 45
14. Efeitos da Posse ................................................................................................................... 46
15. Os Meios de Defesa da Posse .............................................................................................. 48
16. Posse Singular ...................................................................................................................... 49
17. Composse ............................................................................................................................ 49
18. Sobreposição de Posses ...................................................................................................... 50
A Propriedade ................................................................................................................... 51
1. Noção e Conteúdo Típico ....................................................................................................... 51
2. Factos Constitutivos Específicos da Propriedade ................................................................... 51
3. A Propriedade Horizontal ........................................................................................................ 56
NOTA:
Registo predial totalmente diferente das formalidades do negócio.
O CONTEÚDO DOS DIREITOS REAIS
1. O CONTEÚDO POSITIVO DOS DIREITOS REAIS
1
O mesmo não se diga, acerca da suficiência verbal, no caso de o usucapiente pretender registar a aquisição
do seu direito no Registo Predial. Nessa situação, tem necessidade de declarar a usucapião em documento
bastante para o efeito, porque no Registo Predial apenas são registados factos titulados em documento
escrito (art. 43º/1).
Relevância: o titular pode estar em situação em que só a prova mediante usucapião é possível;
pode haver uma outra razão que suscite a necessidade de invocação da usucapião para fazer prevalecer
o direito real de gozo contra outra situação jurídica real que afete o seu direito2.
2
Exemplo: oposição ao efeito atributivo do registo predial – usucapio contra tabulas. Como a usucapião
prevalece sobre a proteção registal do terceiro de boa fé, o titular do direito real de gozo cuja direito vá ser
preterido ou onerado por uma aquisição tabular de terceiro pode invocar a usucapião para deter o efeito
atributivo do registo. Desempenha, ainda, nestes casos, uma função consolidativa.
3. FACTOS TRANSLATIVOS DE DIREITOS REAIS
Em regra, os direitos reais são transmissíveis entre vivos e mortis causa. E, no âmbito desta
transmissibilidade, são fundamentais (1) o principio da consensualidade, que postula a transmissão do
direito real por mero efeito do contrato e (2) o principio da causalidade, que postula que a transmissão
do direito real só pode resultar de um negócio jurídico válido.
Apesar da vigência do principio da livre transmissibilidade, exceções existem: no regime do
usufruto (1443º) e no regime do direito de uso e habitação (art. 1448º). Para o direito de retenção vigora,
igualmente, uma proibição parcial de transmissão (art. 760º). Alguns direitos reais, como o penhor, não
são transmissíveis por força da sua natureza.
Pode perguntar-se, ainda, se será possível convencionar a intransmissibilidade de um direito real.
Exceto no caso do usufruto (art. 1444º/1), que ressalva essa hipótese, não pode ter eficácia real a
inalienabilidade convencional, sob pena de violação da segunda dimensão do princípio da tipicidade.
Quanto aos factos jurídicos translativos de direitos reais: são estes a lei, a decisão judicial e
o negócio jurídico.
3. A AUTONOMIA DA POSSE
A posse é autónoma do direito de propriedade. Esta é hoje uma evidência amplamente
reconhecida pelo sistema jurídico e, ademais, pela doutrina: não só são tratadas em capítulos distintos,
no âmbito dos direitos sobre as coisas, como acresce o facto de serem desassociáveis, ou seja, de a
posse se poder referir a outros direitos para além da propriedade - direitos reais de gozo e direitos de
outra natureza, nomeadamente, os direitos pessoais ou direitos reais de garantia.
4. AS FUNÇÕES DA POSSE
As funções da posse começariam por estar associadas às teorias sobre o conteúdo da posse:
(i). Teorias relativas: o fundamento da posse está no exterior da posse;
(ii). Teorias absolutas: o fundamento da posse está no interior da posse;
Não obstante, atualmente, a doutrina autonomiza, generalizadamente, três funções da posse:
® Função de proteção: revela-se através das ações possessórias e da ação de
indemnização pela violação da posse; o possuidor pode reagir contra ameaças,
turbações e esbulho da coisa possuída e tem direito a uma reparação dos prejuízos
contra o terceiro violador da posse;
® Função de conservação: revela-se na tutela atribuida contra quem constituiu o direito a
seu favor; fortalecimento da posição do titular dos direitos pessoais de gozo; reforço da
tutela dos direitos contra terceiros; consolidação no possuidor do direito real de gozo
exteriorizado na posse (usucapião);
® Função de publicidade: presunção de titularidade do direito à posse, à tutela da boa fé
e à transmissão de direitos reais.
A regência distancia-se desta sistematização, optando por quatro funções da posse:
® Atribuir provisoriamente um direito a quem tem o controlo material de uma coisa corpórea
(é provisória porque, em alguns casos, se apresente como resolúvel - p.e. o possuidor formal
só mantém a sua posse enquanto a titularidade do direito real de gozo não é demonstrada,
exceptio domini);
® Função de prevenção da violência/garantia da paz social: todos sabem que a posse
constitui uma afetação jurídica da coisa ao possuidor e que uma ofensa a ela constitui uma
ação ilícita reprimida pela ordem jurídica; a ordem jurídica permite a tutela de coisas;
o Dirimir litígios através do regime da posse;
o A simples posse tem uma valoração jurídica e económica;
® A função publicitária desenvolve-se sobretudo para as coisas móveis, uma vez que quanto
aos imóveis existe um sistema organizado de registo predial que assegura a publicidade
respetiva e que consagra também uma presunção de titularidade (art. 7º CRP);
® Função de conservação/consolidação, quando o possuidor não é titular do direito real de
gozo exteriorizado, o ordenamento permite-lhe a aquisição desse direito, com preterição do
proprietário da coisa; passa a haver uma coincidência entre o direito exteriorizado e a
ordem jurídica substantiva.
6. ELEMENTOS DA POSSE
5.3. EM PORTUGAL
São defensores da teoria subjetivista: Pires de Lima, Mota Pinto, Orlando de Carvalho, Henrique
Mesquita, Santos Justo (Coimbra); José Tavares, Dias Marques, Paula Costa e Silva e Rui Pinto (Lisboa).
Menezes Cordeiro, de forma inovadora, inicia um panorama de mudança, ao qual se acabaram
por aliar Oliveira Ascensão, Carvalho Fernandes e Menezes Leitão. Vieram sufragar a doutrina objetivista
da posse. Afastando-se claramente do panorama geral da doutrina, vem a defender que o sistema
português é um sistema misto, em virtude da contraposição entre o art. 12543º/b) e c) e a alínea a).
Já José Alberto Vieira, em oposição às teses mistas e subjetivistas, vem defender que o sistema
de posse previsto no ordenamento jurídico português é um sistema objetivista, na linha de Jhering.
Em primeiro lugar, tece algumas críticas ao subjetivismo:
® Dificuldade de definição do que seja animus;
® Definir como se apura a intenção do possuidor: é um elemento psicológico ou deve ser
inferido da vontade retirada por interpretação do titulo do possuidor (teoria da causa)?;
® Problema de o Código Civil não negar a posse a pessoas incapazes: geralmente, leva a
novos problemas relativamente à intenção e como a encontrar;
® A posse pode existir mesmo contra a vontade do possuidor, razão pela qual se torna fácil
negar um animus;
® A lei pode recusar a posse a quem tem o animus de exercer um direito real de gozo sobre
a coisa e tem a coisa a seu poder (animus e corpus);
Em segundo lugar, justifica a presunção do objetivismo no ordenamento jurídico português:
® O art. 1251º não faz qualquer referência à vontade do possuidor: se conjugarmos com os
arts. 1252º e 1253º/a) compreendemos que a posse é referenciada ao chamada corpus
possessório, dispensando-se a intenção;
® O CC segue inclusive o raciocinio de Jhering ao dispor, no art. 1253º, as situações em
que se considera não haver posse mas mera detenção;
o Problema: referência à intenção, na alínea a) do art. 1253º; já as alíneas b) e c)
não supõem qualquer animus;
o JAV entende que o disposto na alínea a) do art. 1253º não pretende qualquer
referência às doutrinas subjetivistas;
o Entende que a função da alínea a) é afastar a posse numa situação em que ela
normalmente não existiria. A alínea a) aplica-se aos casos em que aquele que tem
o corpus possessório esclarece socialmente que não tem nenhum direito sobre a
coisa; a intenção aí prevista só pode, por isso, ser uma intenção declarada, já que
a vontade interior não seria suficiente e não permitiria avaliar a intenção.
§ Menezes Leitão: discorda deste significa da alínea a), optando por o
remeter para as situações em que estejam em causa contratos de
hospedagem ou de arrendamento. Situações que JAV, por sua vez,
remete para a alínea c).
Há que relembrar, no entanto, a específica posição de Menezes Cordeiro. Este autor rejeita que
a declaração do próprio possa ter relevância a evitar a posse (nos termos da alínea a)), por duas ordens
de razões: (1) irrelevância da potestario facta contraria, ou seja, a atuação voluntária não pode ser
descaracterizada pelo facto de o agente fazer meras declarações em contrário; (2) a posse não dá
direitos apenas, porque também provoca o aparecimento de deveres, razão pela qual não crível que
alguém pudesse furtar-se a esses deveres, declarando não querer ser possuidor (art. 1269º e 1271º).
® Relativamente a (1): entende JAV que essa circunstância não impede a consagração de
regras excecionais contrárias, sendo a alínea a) do art. 1253º uma dessas regras;.
® Relativamente a (2): também o detentor é responsável pela perda ou deterioração da coisa,
apesar de, nos termos gerais, não ter direito aos frutos e, ainda, é responsável pelos danos
causados ao titular do direito real no aproveitamento da coisa.
8. A DETENÇÃO
O detentor é aquele que tem o poder de facto (o corpus) sobre a coisa, não lhe sendo, no entanto,
reconhecida a posse. Trata-se, assim, de uma pura situação de facto, a que o Direito Português não
associa quaisquer efeitos jurídicos.
Tendo em conta a influência das teses objetivistas, a detenção resulta da incidência de uma
norma jurídica que retira ao corpus a sua consequência normal de atribuição da posse – art. 1253º.
® A alínea a) reporta-se à intenção declarada, assente num comportamento do detentor que
comunica para o exterior (interessados), que este não atua sobre a coisa nos termos de um
direito real próprio. É essa intenção que descaracteriza a posse.
® A alínea b) consagra os atos de mera tolerância, ou seja, os casos em que é permitido a
alguém o aproveitamento material da coisa, mediante autorização expressa ou tácita do
possuidor, sem que haja, no entanto, lugar à constituição de qualquer direito a favor do
beneficiário da autorização.
o Com uma pequena precisão feita (JAV): nos atos de mera tolerância, o detentor
não goza de qualquer titulo relativo a um direito real sobre a coisa.
® A alínea c) prevê os casos em que alguém possui em nome de outrem: refere, como
exemplos, os trabalhadores relativamente aos bens da entidade patronal que tenham em seu
poder, os representantes do possuidor, incluindo o mandatário com poderes de
representação e todos aqueles que adquiram posse nos termos de um direito real menor ou
de outro direito.
o A esta ultima situação, algumas notas: quando alguém atua sobre a coisa nos termos
de um título que não atribui a propriedade, é sempre detentor em nome do
propriedade, já que possui em nome deste.
o Assim, a alínea c) comporta: 1) aqueles que atuam sobre a coisa em nome do
proprietário, sem afirmarem nenhum direito próprio quanto a ela – simples detentores;
2) aqueles que, atuado sobre a coisa em nome do proprietário, sendo detentores
relativamente a este direito, são simultaneamente possuidores nos termos de um
direito próprio (usufrutuários, usuário e morador usuário, superficiário, titular do direito
real de habitação periódica, etc.) – detentores e possuidores (1252º).
9. O ÂMBITO DA POSSE
O art. 1251º introduz uma restrição da posse aos direitos reais de gozo. Quanto a isto e tendo
em conta que a lei confere uma tutela possessória aos titulares de direitos pessoas de gozo, cabe
esclarecer: quer os titulares de direitos de garantia, quer os titulares de direitos pessoais de gozo, quer
titulares de direitos reais de gozo, quer os titulares de direitos reais de garantia, quer os titulares de
direitos reais de aquisição são possuidores nos termos dos respetivos direitos. Este é o âmbito da
posse.
Não se configura, afinal, nenhuma justificação para excluir a posse – reduzi-la a detenção –
nesses casos particular. Aliás, a outorga da tutela possessória assenta num reconhecimento implícito da
posse: as ações possessórias são atribuídas ao titular do direito real de garantia e ao titular do direito
pessoal de gozo para a defesa da posse que cada um deles tem quando exterioriza um direito sobre a
coisa.
Problema mais específico coloca, na verdade, os casos em que o direito subjetivo em causa
permite o controlo material da coisa, mas a lei não prevê a tutela possessória. O caso paradigmático é o
contrato promessa, com ou sem eficácia real, em que tenha havido tradição da coisa; ainda, o contrato
de compra e venda com reserva de propriedade, acompanhado de entrega da coisa. JAV entende que
não há como não reconhecer a posse: em todas as situações há corpus possessório – alguém tem o
controlo material sobre uma coisa corpórea, podendo atuar sobre ela; ainda, não existe norma legal a
afastar a posse (art. 1253º). Assim recusar a tutela possessória nestes casos, quando a lei a reconhece
no quadro de direitos subjetivos que não são direitos reais, é violar o principio da igualdade, uma vez
que não existem razões de fundo que o justifiquem (nem tão pouco, por último, nenhum razão jurídica,
relativa ao corpus justifique a distinção).
Note-se, no entanto, que admitir a existência de posse fora dos direitos reais não significa dizer
que o disposto nos arts. 1251º e ss. se aplica a todo o tipo de posses. Na verdade, esse regime está
pensado, apenas, para os direitos pessoas de gozo. Pode configurar-se, no entanto, a aplicação de
partes do regime às demais situações em que se reconhece a existência de posse: essa possibilidade
respeita à parte relativa à tutela da posse (arts. 1276º a 1286º do CC) – o que significa, em geral, que
as ações possessórias estão ao dispor de qualquer possuidor.
Posição de A. Menezes Cordeiro acerca da posse no caso do contrato de
contrato promessa com tradição da coisa. Presumivelmente, NOVA posição
de JAV (nova edição – monografia da posse).
Jurisprudência anterior ao DL 236/80: o promitente adquirente não era possuidor
por não ter animus, já que o contrato promessa não seria causal da transmissão de
um direito real.
Crítica (MC): o contrato promessa não é causal da aquisição do direito real
mas também não é da entrega da coisa; a entrega era imputada a um segundo
acordo (atípico e genericamente admitido pelo art. 405º); este teria natureza
meramente obrigacional, mas era insuscetível de proporcionar a posse.
Posição contemporânea: tutela do promitente adquirente com tradição da coisa -
não se considera haver qualquer obstáculo à inclusão, num contrato
atípico/obrigacional, uma cláusula de traditio
Problema subsequente - admitida a posse: que tipo de posse tem o promitente
adquirente? Há que interpretar a vontade das partes (art. 236º):
® POSSE CIVIL: se a traditio visou antecipar o cumprimento do contrato
definitivo (preço todo ou quase pago) - o promitente adquirente é investido
num controlo material semelhante ao do proprietário, logo, há posse nos
termos da propriedade (posse civil);
® POSSE INTERDITAL: se a traditio é um favor feito pelo promitente alienante
(não houve pagamento) - a posse é nos termos do contrato promessa, ou
seja, de acordo com MC, remissão para o art. 1133º/2 (nos termos do
comodato);
® POSSE INTERDITAL: se a traditio, não sendo uma antecipação do
cumprimento definitivo, não surge como mero favor - p.e. ser subsequente a
um reforço de sinal, logo com caráter remuneratório, surge um gozo
remunerado, que aproxima a posse à posse nos termos da locação (art.
1037º72);
11.1. APOSSAMENTO
Este corresponde à apreensão do controlo material da coisa por aquele que até ai não a tinha
em seu poder.
De acordo com a alínea a) do art. 1263º, para haver apossamento é necessário: i) uma prática de
atos materiais; ii) reiteração da prática dos atos materiais; iii) publicidade dos atos materiais.
No que respeita à i) prática de atos materiais, o agente tem de atuar de modo a ter a coisa em
seu poder, assim, quanto a este requisito, supõe-se um comportamento através do qual o agente ganha
o seu conteúdo material.
No que respeita à ii) reiteração da prática dos atos materiais, não é essencial que se verifique
uma prática de atos repetidamente e sucessivamente (em algumas situações basta um único ato de
apossamento da coisa). O que é decisivo é, então, a intensidade da atuação sobre a coisa para consumar
o controlo – este ato requer, para o possuidor, que esteja em condições de atuar duradouramente sobre
a coisa, ou seja, de a conservar debaixo do seu poder.
No que respeita à iii) publicidade dos atos materiais, o que se pretende é negar a posse aqueles
que praticam atos materiais de aproveitamento da coisa às escondidas do possuidor que, contudo,
afastem este do controlo material. Não está em causa o caráter oculto da posse, mas sim o caracter
oculto da atuação material, sem que com isso se concretize um controlo material.
13.1. ABANDONO
O abandono corresponde à perda voluntária do corpus pelo possuidor; o possuidor quebra,
assim, o controlo material que tinha sobre a coisa, deixando de a exercer por opção própria.
Consequentemente, a posse extingue-se.
Note-se, no entanto, que o abandono só extingue a posse através da perda do corpus, não
bastando a mera intenção de deixar de ser possuidor.
13.4. ESBULHO
O esbulho consiste na privação da coisa por ato de terceiro contra a vontade do possuidor. O
esbulhador toma, assim, o controlo material da coisa, afastando o controlo material do possuidor. A
formas típicas de esbulho são o apossamento e a inversão do título da posse pelo detentor da coisa.
Há, no entanto, particularidades no esbulho: este não produz a extinção da posse
automaticamente; na verdade o possuidor esbulhado mantém a posse até um ano depois do esbulho. A
razão deste regime é dar a possibilidade ao possuidor de reagir judicialmente contra o esbulhador –
tradicionalmente, através de ações possessórias (art. 1284º).
Há que notar, neste aspeto em particular, a circunstância de confluírem duas posses sobre a
mesma coisa. Será possuidor, para efeitos da presunção, aquele que tiver melhor posse, nos termos do
disposto nos arts. 1268º/2 e 3, se nenhum deles fizer prova do seu direito.
15.5. CADUCIDADE
As ações de manutenção/restituição da posse devem ser intentadas no prazo de um ano após
a turbação ou o esbulho, sob pena de caducidade do direito (1282º) – o prazo só se inicia mediante a
publicidade da prática dos atos.
17. COMPOSSE
A composse existe quando mais do que uma pessoa tem posse sobre a coisa nos termos de um
direito da mesma natureza; a verificação liga-se, justamente, às situações de comunhão de direitos reais
(art. 1404º). Por exemplo, havendo compropriedade e caso os comproprietários tenham posse, cada um
deles possui nos termos do direito de compropriedade conjuntamente com os outros.
Cada compossuidor é simultaneamente possuidor e detentor: é possuidor relativamente ao
direito que exterioriza e detentor no tocante à posição dos outros compossuidores. Nesse sentido dispõe
o art. 1406º/2. Pode, aliás, em todo o caso, funcionar a inversão do título da posse.
Questão que se pode colocar é a de saber se a composse se exercer nos termos de direito da
mesma natureza (homogéneos) ou se pode haver composse relativa a diferentes direitos
(heterogéneos).
® Messino e Favara (Itália): a composse pode existir com direitos heterogéneos (credor
pignoratício e aquele que constitui o penhor).
® Art. 669º/2 (Portugal): entende JAV que deste preceito não assenta na existência de
composse, mas sim na necessidade de constituição de uma posse a favor do credor
pignoratício; discorda da designação de composse, reportando-a a um argumento de
Direito Comparado;
Relativamente à composse, esta vem prevista no art. 1286º. O nº1 e 2 preveem regras
específicas: o nº1 representa um afloramento da regra geral existente em matéria de defesa de direitos
em comunhão (art. 1405º/2); o nº2 afasta a ação de manutenção entre compossuidores (em caso de
turbação, cabe-lhes apenas a ação direta, de acordo com o disposto no art. 336º, 1277º).
2.2. OCUPAÇÃO
A ocupação, prevista no art. 1318º, é outra forma específica de aquisição da propriedade:
podem ser adquiridos por ocupação os animais e outras coisas móveis que nunca tiveram dono, ou foram
abandonados, perdidos ou escondidos pelos seus proprietários, salvas as restrições dos artigos
seguintes. Os imóveis não são, por isso, suscetíveis de ocupação.
São requisitos da ocupação:
(i). Que a coisa móvel/animal seja nullius: significa que a coisa não tem dono, ou porque
nunca foi atribuída a ninguém pelo ordenamento jurídico ou porque a propriedade se
extinguiu.
(ii). A apreensão material da coisa ou animal: tem subjacente um ato de apossamento, logo,
gera igualmente constituição da posse (art. 1263º/a) – para além de gerar, neste caso em
concreto, a aquisição da propriedade.
Funciona, nestes termos, a regra geral da capacidade – qualquer pessoa, capaz de exercício ou
não, pode ocupar coisas móveis e animais nullius.
2.3. ACHAMENTO
O achamento não se reporta a coisas ou animais nullius. O achamento opera, antes, relativamente
a coisas móveis ou animais perdidos, logo, com dono. Engloba, ainda, as coisas ou animais escondidos,
desde que não constituam tesouros, no caso dos animais (art. 1323º e 1324º).
É um modo de aquisição originária da propriedade, sendo o direito adquirido um direito novo.
Em termos reais, é um facto complexo de produção sucessiva, que assenta primariamente numa
apreensão material de coisa ou animal perdido ou escondido, supõe o cumprimento dos deveres de
comunicação, anuncio e aviso, mas só findo um ano sem que a coisa ou animal sja reclamado pelo
seu dono permite o achador adquirir a propriedade.
José Alberto Vieira entende que o art. 1323º/1 deve ser alvo de interpretação
extensiva/aplicação por analogia, abrangendo as coisas ou animais escondidos que sejam encontrados
por alguém e não possam ser qualificados como tesouros no sentido do art. 1324º.
Note-se que a aquisição não ocorre por mero apossamento, mas pelo cumprimento das
formalidades do art. 1323º/1324º.
O achador tem direito de retenção e ode envolver o pagamento de prémios (arts. 1323º/3 e 4).
3. A PROPRIEDADE HORIZONTAL
2. DELIMITAÇÃO NEGATIVA
O usufruto está limitado, legalmente, pela proibição de alteração da forma ou substância da coisa
e pelo destino económico desta. O problema coloca-se na forma como se articula a forma e substância
da coisa, prevista no art. 1439º, com outros limites como o destino económico da coisa (art. 1446º e
1450º/1).
• Preservação da sustância: o usufruto não pode incidir sobre coisas consumíveis, ou, no meso
sentido, o usufrutuário encontra-se obrigado a preservar a integridade da coisa, não a destruindo
ou deteriorando de qualquer modo.
o Problema: o art. 1445º dispõe acerca da supletividade dos arts. 1446º a 1467º o que
suscita muitas questões acerca da supletividade ou imperatividade do limite destino
económico. JAV relembra que este capítulo não contém só normas supletivas, razão
pela qual parte do problema parece estar já ultrapassado.
o Assim, os arts. 1446 e 1450º/1 apenas reiteram os limites negativos que já constam do
art. 1439º.
o O art. 1446º sujeita o uso, a fruição e a administração a um critério de diligência, que
corresponde ao critério do bom pai de família – somente este é supletivo e não o
respeito pelo destino económico, devendo esse ser respeitado, porquanto este é
um elemento do tipo legal de usufruto.
o Art. 1450º - porque menciona a forma e substância: tem que ver, entende JAV, com o
tipo de poder envolvido. Está em causa o poder de transformação e é este que pode
justamente pôr em causa a substância da coisa – o mesmo já não acontece com o uso,
fruição e administração.
• OA: exigência mais genérica é a do art. 1439º, que faz parte do próprio tipo do usufruto, enquanto
a do art. 1446º é disposição supletiva e pode ser afastada.
• ML: é a proibição de alteração de forma e substância que faz parte do tipo legal do usufruto,
sendo o respeito pelo seu destino económico uma disposição supletiva, cuja observância não se
afigura essencial. Desde que possível, seja, a reversibilidade no momento da extinção.
• MC: art. 1439º é definição legal e não tem natureza imperativa, pelo que o usufruto não está
vinculado a respeitar a forma e substância mas sim o destino económico da coisa.
3. O OBJETO DO USUFRUTO
A coisa objeto do usufruto pode ser móvel ou imóvel e é sempre uma coisa corpórea.
A coisa, no entanto, pode sofrer alterações: se a coisa sofre de união/transformação, o usufruto
estende-se a ela por direito de acrescer (art. 1449º).
José Alberto Vieira, em virtude da teoria sobre o objeto dos direitos reais – coisas corpóreas –
rejeita a remissão ao usufruto de direitos. O usufruto só poderá referir à coisa que seja objeto do direito
e não ao próprio direito.
4. QUASE-USUFRUTO
O quase usufruto vem regulado no art. 1452º, que se prende com o usufruto objeto de coisa
consumível. O aproveitamento normal da coisa implica o seu consumo e alienação, o que gera a perda
da coisa ou a sua saída da esfera jurídica do usufrutuário.
O consumo da coisa vem bulir com um dos limites legais e negativos do usufruto; em caso de
alienação, por outro lado, esta é válida, apesar do que decorre do art. 1451º/2. Assim, não se obriga o
usufrutuário a fazer a entrega da coisa consumível, mas simplesmente o seu valor, se ela foi avaliada,
ou, se não foi, entregando outra do mesmo género ou qualidade, ou o valor desta no momento da
extinção.
Não se trata, porquanto, de um verdadeiro usufruto.
5. USUFRUTO SIMULTÂNEO E USUFRUTO SUCESSIVO
O usufruto simultâneo é uma forma de comunhão do usufruto, encontrando-se regulado pelo
disposto na comunhão (art. 1404º e 1441º). O usufruto sucessivo, por sua vez, designa um usufruto
constituído a favor de várias pessoas, em que cada uma delas vai sendo investida no direito de usufruto
logo que o usufruto do anterior usufrutuário se extingue.
6. OBRIGAÇÕES DO USUFRUTUÁRIO
As primeiras obrigações decorrem do conteúdo negativo: (i) obrigação de respeitar a substância
da coisa (art. 1439º e 1450º/1); ainda, obrigação de respeitar a forma ou destino económico determinado
pelo proprietário (art. 1439º, 1446º e 1450º). Como vimos, são sinónimos.
A violação ilícita e culposa de qualquer destas duas obrigações implica violação do direito de
nua propriedade e confere ao proprietário o direito a ser indemnizado pelos danos sofridos.
Relativamente à extinção e reivindicação pelo proprietário. Não se exclui a hipótese de reivindicação;
quanto à extinção, apesar de possível, não é automática (art. 1482º/1). Nos casos mais graves de
violação, JAV sustenta que o proprietário possa requerer a extinção do usufruto.
O usufrutuário está, ainda, adstrito a uma série vasta de obrigações:
® Obrigação de relacionar as coisas (art. 1468º/a);
® Obrigação de prestar caução (art. 1468º/b);
® Obrigação de administrar a coisa (de acordo com o critério do bom pai de família, pese
embora nada obste à fixação de um critério mais exigente);
® Obrigação de suportar os encargos e despesas com a coisa determinados por lei;
® Obrigação de conservação ordinária da coisa (art. 1472º/2 – prevenir os efeitos de uma
deterioração antecipada e evitável, ficando somente fora dela a conservação
extraordinária, que incumbe ao nu proprietário);
® Obrigação de informação do nu proprietário (art. 1475º);
® Obrigação de entrega da coisa (art. 1483º - obrigação de restituição);
7. A POSIÇÃO DO NU PROPRIETÁRIO
No que concerne ao lado ativo, ou seja, aos direitos:
® Fazer melhoramentos na coisa (art. 1471º), inovações que se destinam a aumentar o valor
da coisa; tem um limite de não introdução de desvalorização do usufruto (art. 1471º/1).
® Poder de constituir servições passivas sobre a coisa objeto do usufruto, contando que
não haja desvalorização (art. 1460º);
® O mesmo relativamente a servidões ativas, desde que não impliquem desvalorização,
sendo que o usufrutuária beneficiará delas (art. 1449º);
No que concerne ao lado passivo, ou seja, obrigações:
® Dever de respeito pelo usufruto: clausula geral, se violada, pode haver lugar a reação pelo
usufrutuário (p.e.: ação de reivindicação ou ação possessória);
® Dever de realizar as obras extraordinárias de conservação da coisa (art. 1473º);
® Dever de indemnizar o usufrutuário pelo realização de obras extraordinárias de
conservação da coisa que não caibam àquele suportar (art. 1473º/2);
® Dever de indemnizar o usufrutuário por benfeitorias feitas na coisa (art. 1450º/2).
8. A EXTINÇÃO DO USUFRUTO PELA MORTE
O usufruto vitalício extingue-se com a morte do usufrutuário (art. 1476º/1/a)). Se o usufruto foi
transmitido a terceiro e o usufrutuário original continua vivo, o usufruto entra na sucessão do usufrutuário
falecido, vindo apenas a extinguir-se apenas quando o primeiro usufrutuário falecer.
2. DELIMITAÇÃO NEGATIVA
Os direitos de uso e de habitação têm dois limites implícitos e explícitos (art. 1484º/1/parte final).
Os limites negativos implícitos são os mesmos do usufruto: respeito pela forma e pela
substância da coisa (retirando-se, este limite, da base normativa do direito de usufruto).
O limite negativo explícito encontra-se previsto no art. 1484º/1: a fruição do usuário e do morador
usuário está limitada às necessidades do titular da família.
O que entender por estas necessidades? O art. 1487º começa por fixar os elementos
da família abrangidos. De um ponto de vista objetivo, deve considerar-se abrangias as
necessidades diretas, ou seja, aquelas que podem ser satisfeitas através de frutos. Exclui-
se, assim, o aproveitamento indireto dos frutos – a alienação dos frutos para obter
dinheiro está vedada.
Problema da natureza pessoal ou profissional das necessidades: os frutos podem ser
aproveitados para a satisfação de necessidades pessoas ou as profissionais estão
incluídas? A resposta é negativa. Os direitos de uso e habitação têm menor extensão que
o usufruto; para além disso, o próprio art. 1486º menciona necessidades pessoais.
4. A TITULARIDADE
No que concerne, em geral, à titularidade dos direitos de uso e habitação, há que atender a
que histórica e dogmaticamente (origem de um direito real que visa sustentar as necessidades
alimentares do titular e da sua família), estas figuras estão pensadas para a titularidade por pessoas
singulares, não parecendo poder admitir-se a sua titularidade por pessoas coletivas.
5. CONSTITUIÇÃO
O único aspeto singular a salientar do regime dos direitos de uso e habitação reside na
impossibilidade legal da sua constituição por via da usucapião (art. 1293º/b).
2. DELIMITAÇÃO NEGATIVA
A lei não introduz a delimitação negativa do direito de superfície. Uma vez que o aproveitamento
típico por este direito assenta em poderes individualizados, o que está fora desses poderes não pode o
superficiário fazer no seu exercício.
6. OBRIGAÇÕES DO SUPERFICIÁRIO
As obrigações do superficiário resultam, por norma, do título constitutivo e não podem ser
antecipadas com generalidade. Como outras obrigações:
® A obrigação de dar preferência ao proprietário do solo, em caso de venda ou de dação
em cumprimento do direito de superfície (art. 1535º/1);
® A obrigação de conservar a obra ou plantação após a extinção da superfície, sob pena
de responsabilidade civil perante o proprietário (art. 1538º/3);
® A obrigação de comunicar ao proprietário do solo os atos de terceiro capazes de lesar o
seu direito (art. 1475º, por analogia);
® A obrigação de restituir o terro objeto da superfície, bem como a obra ou plantação,
quando o seu direito se extinguir;
Em caso de as partes convencionarem a realização de certa obra: só poderá ter eficácia
obrigacional, sob pena de violar a livre decisão inerente ao regime legal do direito de superfície.
Em caso de não realização de qualquer obra, da parte do superficiário, ocorre extinção da
superfície, por não uso (art. 1536º/1/a).
7. O PROPRIETÁRIO DO SOLO
O proprietário do solo tem todo o conteúdo residual de aproveitamento que não seja afetado
pelo direito de superfície. No entanto:
® O uso e fruição pertencem em exclusivo ao proprietário (art. 1532º), que pode continuar
a gozar da coisa enquanto não se iniciar a construção (art. 1532º/1 – prevê uma sanção);
o O gozo do subsolo manter-se-á durante todo o tempo pelo qual o direito de
superfície estiver constituído, uma vez que a superfície não o afeta; cessa quando
causa danos ao superficiário (art. 1533º);
o O inicio da construção trás o fim do gozo do proprietário relativamente à porção
de terreno objeto da superfície;
Apesar disto tudo, o proprietário é a única pessoa legitimada a constituir o direito de
superfície sobre o prédio. Em caso de no terreno já existir obra ou plantação, a lei confere-lhe o poder
de alienar a propriedade da obra ou da plantação separadamente da propriedade do solo (art. 1528º/1).
No que concerne, por outro lado, às obrigações do proprietário do solo:
® Obrigado a facultar a posse da coisa ao superficiário;
® Obrigação de não impedir ou tornar mais dispendiosa a construção ou plantação do
superficiário;
® Salvo convenção em contrário, não está obrigado a preparar o solo para a construção
ou plantação;
Da constituição do direito de superfície resulta a oneração do direito de propriedade. A lei
prevê, ainda, a constituição de servidões a favor do superficiário, de modo a que este possa gozar a
obra ou plantação (art. 1529º/1). Serão, em regra, servidões de passagem.
O proprietário do solo, nos termos do art. 1538º/2, poderá ter de pagar uma indemnização ao
superficiário pela aquisição da propriedade da obra ou plantação quando a superfície se extinguir.