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colecdo arte, directo: Gloria Ferreira Ate cs tual Arte de vanguarda no Brasil: Os anos 60 rojeto construtive brasileiro 0 legad dos anos 60 ¢ 70 LUsla Canongia Linguagens inventadas, Palavra, imagem, objeto: formas de contaglo Femando’Gerheim \stecalloal Arte om trénsto Manet: Uma Mulher de Negécios, umdimago na Parque © um Bar Luiz Renato Performance Regina Melim Razbes A teoria como projet: ‘Argan, Greenberg e Hitchcock Guilherme Bueno REGINA MELIM performance nas artes visuais @YZAHAR sumario Copyright © 2008, Regina Metin Copyright desta ict © 2008: TorgeZabar Eater Lia us Mésio $1 sabreloja 20081-144Rio de Janeiro, tel: (21) 2108-0808 / ac (21) 2108-0800 ‘esi jee@raharcom be site woezsharcom.be “Todos o dicts reservados A repro io-sutorizada desta publicasi, no todo ‘oem pats, constit volo de dicts autoras (ei 9.61098) Introduce 71 Trajetéria 0) bane eae (No Brasil [21] crap te Desdobramentos Bl Sinticsonacogl doy eines de ios 8) ee eer Me, Resa oe erhrance anes vin RepnaMcin Ride Espacos de performaco (57) Paar eee Consideracies frais (62 Tei tognse Referéncase fontes (67) ISBNS78-85.578-00648 Sugestoes de leitura (71) Ae adem SieloXX, 2 Deseripenho (Ane). Tit lo Sei ‘cpp: 700904 noes cou ris" Introdugao ““pearoRNMNKCE” & tao genérico quanto as sittagdes ‘quais € utilizado. Na vida, bem como em distintas ido comihecimento,a palavratransta em muitos discur- ‘Talvez por isso, por resistir tanto a uma tinica clas- toma-se tio instigante para o campo da art. Nas artes visuais, sempre que ouvimas a palavra somo parte constitutiva da obra, principais referéncias tém sido freqdentemen- anos 1960 e 1970. Muitas vezes, também, somos pensar em um tinico formato, baseado no ar- ‘em tuma ago ao vivo, visto por um piiblico, num €espago especificos. Oponto de partida deste livro sera pensar as miil- possibilidades do alargamento das referéncias 1” contidas nesse termo, que foi cunhado como catego- ria no inicio dos anos 1970, praticado a partir de dife- rentes formas e denominagoes durante todo 0 século passado ¢ até os dias de hoje ¢ realizado amplamer te em diversos meios e cicunstanciasBensaremios & A partir dessas referéncias, também é importante tentar substituir 0 csteredtipo que associa a nogao de performance a um {unico formato — tendo o corpo como nicleo de expres- so e investigagdo, andlogo a body art ~ por um viés bem mais distendido. F, ainda, poder incluir, na cons- trugao de sua trajet6ria, no somente agdes a0 vivo compartilhadas por um pablico, que recusam deixar evidéncias ou qualquer tipo de existéncia do trabalho, ‘ou ages dessa mesma natureza que deixam rastros @ partir de uma série de remanescentes, mas utras for- mas de desdobramento desses procedimentos, atra- ‘yes de um niimero diverso de situagdes apresentadas em muitos discursos criticos, curatoriais, académicos eartisticos. Desse modo, pretendo mostrar que, atwalmente, ‘uma definicao possivel de performance nas artes vi- sais contempla uma série infindavel de trabalhos, am- pliando sobremaneira o seu conceito. Associada a essa nog, surge uma variante de procedimentos,reexami- nada por meio de elementos performativos presentes ‘na ordem construtiva de muitos trabalhos apresenta- dos na forma de videos, instalagdes, desenhos, filmes, {extos, forografas, esculturas pinturas, ‘Qutra questo a ser abordada part da ideia de par- ticipagio ¢ compartthamento, conduzindo-nos a outros procedimentos igualmente performativos. Para tanto, se- __illancada a nogio de espaco de performasao,trurido ome aquele que insere o espectador na obra-proposigio, _Possbilitando a crigio de uma estrutura relacional ow ‘omunicacional. Ouseja, 0 espaco de agio do espestador ampliando a nogio de performance como um procedi- “mento que se prolonga também no participador. Beye dose ro, Serres que ditende 4 de performance nas artes visuais implica apresen- Ja como uma categoria sempre aberta © sem limites. ‘modo, se porventura algumas das proposigbes te “Gricas ow artisticas aqui apresentadas suscitarem algum ‘ipo de definicio, de imediato 0 letor percebers que esta sera tinica, pois 0 que resulta, quando o assunto & mance, & sempre um mimero muito variével de eEpgBes, as quais no se postulam como obrigatrias atingir um consenso. Trajetoria RoseLee Goldberg, em seu clisicolivo escrito em 1978, A arte da performance: do futurismo ao present, assi- performance nas ates visuals i é {19} nal que a trajetoria da performance no século XX se configurou como uma historia de um meio aberto, ermissivo € com grande ndimero de varvei ae iias, o historiador da arte Gre- gory Battcock, em 1984, sinalizava em seu livto The art of performance: a critical anthology que 0 essencial € ‘que a arte da performance provavelmente engajaria a Jmaginasao de um mimero muito maior de artistas no futuro que qualquer outra forma de arte Desde as vanguardas européias, jf se eshogavam agbes performaticas que objetivavam rupturas, como as que ocorreram no futurismo, no construtivisme Fas so, no dadaismo, no surtealismo e na Bauhaus. Conta: do, foi a partir do segundo ps-guerra que tai agdes se tornariam mais freqientes, assim como suas denomi- nagoes; ntre outras tantas designacodes, creditadas, “grande parte das vezes, ao processo de um tinico ar- tista ou de um grupo. Todavia, a partir dos anos 1970, iio obstante as diferengas estlistivase idevlégicas que ppossuiam, acompanhadas ainda dos protestos de mui- tos artistas das artes visuais, todas essas denominagoes foram agrupadas sob a terminologia tinica de perfor- mance art.Como observa a professora de hist6ria da arte Kristine Stiles, tais protestos advinham, sobretido, de considerarem que o termo despolitizava seus objeti- sproximando-os do teatro, muitas vezes associado ia de representagao e entretenimento. Uma trajetoria da performance nas artes visuais « "partir do segundo pés-guerra possui em sua base uma Série de procedimentos e manifestagdes que ocorreram fm diferentes continentes. Sem duivida, a pintura de ‘glo de Jackson Pollock seria uma das referéncias que iam sinalizando novos espagos a serem con Etas artes vitals, afrmando-a como um modo aa de linguagens. Sobretudo quando, “Mm 1951, o trabalho de Pollock foi apresentado para Biiclatia no Museo de Arte Moderna de Nava York, ws da documentago fotogrifica edo filme reali Por Hans Namuth, que mostrava o artista em agio Inchi-se, nessa mesma época, a prosiugo do concito ‘de Lucio Fontana, composta dos manifestos lan- ;no periodo de 1947 a 1952, seguido das perfuragoes Heortes nas telas ~ buchi, quanta e tagli— aos labirintos, ocromiticos que solicitavam a participagao do es- 9. inicio dos anos 1960, Do outro lado do Pacifico, nos finais dos anos 1940, em Téquio ¢ Osaka reuniram-se em grupos inados a pensar novos modos de experimentar € expressar uma pintura. Inusitadas propostas de agdes performance nas artes visuals 40 vivo foram, entio, apresentadas por grupos como Zer0 Kai, Gutai e, posteriormente, no inicio dos anos 1960, o HiRed Center. Entre os precursores das perfor- ‘ances que veremos povoar a arte da década de 1960 ‘em diante, incluem-se nomes como Sh0z0 Shimamo- to, reconhecido por suas experimentaoes de perfura- {es na tela que compoem a série denominada Works (Holes) ‘com suas pinturas realizadas a partir de movimentos de todo o seu corpo sobre a superficie da tela; com suas agBes de atravessar as séries de superficies de papel até a sua completa destruigio; e Atsuko Tanaka, com seu qui- ‘mono tecnolégico (electric dress) Outro momento que merece destaque nessa tra- jetoria € 0 dos cursos de verio ministrades por John “Cage no Black Mountain College, em finais dos anos 1940 até meados da década seguinte, assim como suas aulas nos cursos sobre composigdo de musica experi- mental na New School for Social Research, em Nova York. Incorporando criagao e vivencia como elemen= tos interdependentes, Cage ¢ seus alunos, nas aulas de ‘omposigdo € miisica experimental, desenvolveram o lackson MacLow, George Breché, Al Hansen e Dick Hi £ t en seram profondamenteinfueniados por esas aul € pelos relatos sobre os eventos apresentados no (a ta] {lack Mountain College. Levando essa condigao inven- tiva ¢ em processo para outros campos e nomeando-a sugestivamente d artistas comegaram ‘integrar as suas produgdes © cotidiano, seus objetos esas agdes. performance nas ates vewaie lan Kaprow transformou a ex- turas,tornando-se um dos artistas mais influentes na americana do final dos anos 1950. ‘Em seu belissimo tributo a Jackson Pollock, uma Objetos de todos os tipos sdo materia paraa nova art tinta, cadeira, comida, uzes eétricas e néon, fumasa, ‘égua, meias velhas, um cachorro filmes, mil outras ci sas que serio descobertas pela geragio atual de artistas ses corajososcriadores no $6 yao nos mostrar, coma que pela primeira vez, 0 mundo que sempre tivemos em torno de nds mas ignoramos, como também via descortinar acontecimentos ¢ eventos inteiramente inauditos ‘Nova York, em 1959, traduzido pela do 0 remanescente do quadro apés vérios questiona- ‘mentos, convertendo-se ali em um cenatio destinado & i representagio de um espeticulo, Foi ‘ssistir a um evento ao vivo no interior de uma sileria, mas participarativamente dele As idéias de John Cage apresentadas em seus cur- 08 sobre composigdo de mtisica experimental tam- ‘bém influenciaram enormemente os artistas do grupo Fluxus. Idealizado pelo lituano George Maciunas,o Flu- xus reuni, no perfodo de 1962 a 1978, artistas de di- versas nacionalidades, como Dick Higgins, Alison Knowles, ‘Ken Friedman, Goorge Brecht, La Monte Young, Charlotte Morman, Al Hansen, Yoko Ono, Wolf Vostll, Ben Vater, Daniel Spoerti, Robert Fliou, Nam June Paik, Shigeko Ku- bota Takako Saito eo grupo Hi Red Center. Entre os reconhecidos einegaveisrepert6rios para © estudo da performance se incluem as apresentacdes ‘em Nova York nos cafés A Gogo e Epitome, no loft de Yoko Ono ou na Gallery A/G de Maciunas,o Yam Festi- val composto de diversas atividades (a exemplo de uma excursio ao sitio de George Segal em New Brunswick), 'bem como os Festivais, como ficou conhecidaa série de performances organizadas por Maciunas, percorrendo ‘varias cidades da Europa, além de outra série de ages realizadas pelos artistas integrantes do grupo durante as décadas le 1960 6 1970, Joseph Beuys, também participate do Fluxus, foi responsive, junto com Nam June Paik e George Ma- iunas, por organizar os primeiros Festivais na Alema- nha, entre ele a Sinfonia Siberiana-Festum Fluxus Flu- orum, em 1963, na propria Academia de Diisseldorf Samara OIE Todavia,aimportincia de Beuysex ‘rapola sua participagao no Fluxus, testemunhada, por ‘exemplo, com performances como How to explain pic- tures toa dead hare (1965) ¢ like America and America likes me (1974), apenas para citar duas das virias agbes tealizadas pelo artista. A primeira delas teve como pal. ‘€0a galeria Schmela, em Dusseldorf, onde durante trés ‘horas o pablico literalmente ficou do lado de fora, as- sistindo pela janela a Beuys coma cabeca recoberta de € folhas de ouro mostrando seus desenhos e pin- ali expostos a uma lebre morta. Em I like America ‘America likes me, evento que durou uma semana, empreendeu uma viagem de Dasseldorf a Nova permanecendo cinco dias na galeria René Block. almente distante do pibico, o artista convivew ape ‘com um cojote em rituais didrios de tentativas de Jnteragses com o animal, mediadas pela apresentagao de materiais como feltro, tuvas, bengala, lanterna ¢ ‘exemplares que chegavam diariamente do Wal Street Journal. Acoes como essas, de isolar-s, segregar-se em lum dislogo consigo mesmo, acrescentam-se a outras tantas, na forma de conversagdes e longas discusses ‘com grupos distintos de pessoas em contextos diver- sificados. Fscultura social foi como Beuys pasiou a denominar esses intervalos de encontros e tentativas de mobilizar os individuos para sua criatividade laten te, intensificados com a criagao da Universidade Livre, em 1971, onde buscou apresentar, através de uma rede performance mas artes suis colaborativa de artistas, economistas, psicdlogos, entre ‘outros, a arte como uma instancia politica, capaz de ‘moldar e transformar uma sociedade. Um centro de agoes performiticas nos anos 1960 due também merece ser citado nessa trajt6ria é Viena, Durante os primeiros anos da referida década, artis- tas como Hermann Nitsch, Otto Mul, Ginter Brus, ‘Arnulf Rainer e Rudolf Schwarzkogler reuniram-se em torno do que passou a ser chamado de Acionismo Vie nense, apresentando uma série de rituais performati= os. Para alguns deles, tratava-se de uma extensio da ppintura de agio como forma provocadora de libertar a energia reprimida, mediante atos de purificagao e re- lengio do sofrimento. Sao conhecidas as séries de fo efx ea gertvdo centres sutomiitflactex ecvoltas de boatos que transformavam essas ages em morte, como as que Rudolf Schwarzkogler desenvolvew no seu atelié. ‘Também em Viena, Valie Export e Peter Weibel, que colaboraram em projetos dos acionistas, desenvol- Yeram juntos uma série de performances na rua, em sintonia imediata com muitas agbes feitas naquele pe- rfodo, no mundo inteiro, quando se passava a valorizar as situagdes instaveis © a alteragdo do lugar da obra. Por conta disso, promoviam outros circuitos além dos museus ¢ das galerias,criando uma série de espagos al- ternativos, sendo a cidade um dos sitios principais de lum grande ntimero de performances. Destas, uma em especial resiste no imagindrio de muitos de nds: a cena perturbadora de Valie Export passeando com Peter Weibel amarrado por uma coleira, de quatro como um fibcro, pelasrvas de Viena. Nio menos perturbado- ‘tas sio também as imagens de outros dois trabalhos dessa mesma década: Touch Cinema e Genital Panic, ambos de 1968, integrantes da proposigao por eles de- nominada cinema expandido. primeiro desses traba- Thos, Touch Cinema, desenvolvido também nas ruas da ‘idade, traz Valie Export vestindo a parte superior de seu ‘corpo com uma caixa no formato de miniatura de um ppalco de teatro, com o torso totalmente nu, oferecen~ do-se a0 publico passante, O outro, Genital Panis rea~ lizado dentro da programacio de um festival de cine- ma em Munique, tem como filme a propria artista a0 ‘vivo, durante 15 minutos, trajando uma calga cortada aque deixava a mostra seus genitais, e apontando uma arma em diregao 20 pablico, E impossivel, quando 0 tema € agdo no espago da ‘idade, nao nos remetermos de imediato, também, a Following Piece, de Vito Acconci, realizada em 1969, nas ‘Tuas de Nova York. Registrada em uma série de foto arafia, a ago consistia em seguir umva pessoa qualquer plas ruas até que cla entrasse em algum local privado, ‘onde ele nio pudesse entrar. F, assim, seguidamente, uma pessoa diferente por dia, escolhida a0 acaso, du- ‘ante 0 perfodo de um més. Caso a pessoa entrasse em lum carro ou em uma casa, a perseguigdo se encerraria ali, Todavia, se entrasse em um restaurante, uma loja fou em um cinema, Acconci continuaria atrés da pes- a performance nas ates visuals fi) soa. Para 0 artista, © espago piiblico cra por excelén- cia um espago de encontro, democritico e formador continuo de pequenos territorios. Cada pessoa, nesse territ6rio que se forma e se desfaz continuamente, te- ria, portanto, a chance de falar por si mesma, sem pedir permissdo para isso. Motivagdes suficientes para, em 1980, outra artista, Sophie Calle, seguir um homem da plataforma de uma estacao de trem em Paris até Veneza li prosseguir pelos corredores labirinticos da cidade, até 0 momento em que o homem desaparecesse para sempre na estagao de Mestre, em diresao a Paris. Suite veneziana € 0 titulo dessa fabulagdo que, entremeada pelos ecos do conto “O homem da multidio’, de Edgar Allan Poe, € apresentada ao piblico (como a maioria de suas agbes performéticas) através de uma série de foto- sgrafiase textos, Dor ritualizada, esforco fisico, concentragio para além dos limites normais de tolerancia foram atributos dos acionistasviemenses, em duvida. Todavia, em grau € contexto diferenciados, podem nos remeter também ‘uma série de ages empreendidas por outros artistas nna década de 1970, em diferentes partes do mundo. Em Nova York, em 1970, 0 mesmo Vito Acconci mordeu a si mesmo © nomeou tais gestos de Trademarks, esfre- {gou-se contra a parece ou tentou distender seu trax no formato de seios. Em Paris, Gina Pane se apresen- tava auto-infligindo-se cortes nas miios, nos pés e no rosto, Em The Conditioning, primeira parte da série de Seif-Portrait(s), ena 1972, a artista apresentou-se du- rante trinta minutos deitada sobre uma cama de ferro, tendo por baixo 15 longas velas acesas. Na Los Angeles de 1971, um jovem artista, Chris Burden, trancou-se a cadeado em um armério de 60 x 60 x 90 cm do vestid- rio da Universidade da California, onde era estudante, por cinco dias permaneceu ali, tendo como xinico ali- ‘mento uma garrafa de égua que Ihe chegava pela parte decima do armério, Rastejou sobre um piso coberto de vidros quebrados, levou tiro e foi crucificado so- bre um carro, mas foi Deadman, de 1972, como 0 proprio titulo ja indica, a performance de maior tis- co empreendida pelo artista, Enrolado em um saco de Jona, Burden ficou durante algum tempo no meio de uma via de transito intenso em Los Angeles, saindo ileso, gragas,talvez, a uma notificagao de falsa emer- ‘géncia que pds fim & obra pela policia local, seguida de sua pristo, ‘Contudo, foi asérvia Marina Abramovic, sem dui~ Vida, ndo apenas na década de 1970 ela mantém até © presente essa mesma postura -, uma das artistas a Jevar seu corpo aos limites fisicos mais extremos para deixi-lo,conforme prefere sempre assinalar, preparado para a experiéncia espiritual plena, No inicio dos anos 1970, suas performances denominadas Ritmo, assim chamadas por derivarem de uma série de instalagdes sonoras, requisitavam da artista gestos que se torna- ram embleméticos, tais como gritar até a extenuagio completa e ficar totalmente rouea, dangar até cair por ‘esgotamento ou colocar-sediantede um enorme venti performance nas artes vias regina metim adore ali ser surrada até desmaiar. Em Ritmo 0, atiti- ma performance da série, Marina Abramovic ficou em siléncio durante seis horas na galeria Studio Mona, em Népoles, ao lado de uma mesa com 72 objetos variados para que os visitantes utilizassem conforme achassem apropriado. Tres horas depois, com suas roupas ja to- talmente arrancadas, deu-se fim a performance, com a artista sendo obrigada a segurar uma pistola com 0 cano em sua boca, No periodo de 1976 a 1988, Marina Abramovic desenvolveu muitas agdes com seu companheiro Uy, assim chamado 0 alemao Uwe Laysiepen. Iniciou-se de lum encontro no De Appel ~ espago alternativo dedi- ado & performance nas décadas de 1970 e 1980 -, em Amsterda, ur trabalho conjunto, explorando a dor, a tolerancia e a fugacidade dos relacionamentos, entre eles proprios ¢ entre eles ¢ 0 piblico. “Relag20” passou a ser 0 tema que marcou o periodo, sugerido por al guns trabalhos como Relation in time, Relation in mo~ vement, Relation in space, Inponderabitia, entre outros, até o altimo, The lovers — she great wall walk, em 1988, ‘em que ambos, em 30 de margo, partiram por cami nihos diferentes ¢ complementares: Marina Abramovie, elas montanhas, Ulay, pela parte plana do deserto, até se encontrarem em junho, na provincia de Shaanxi (China), se despedirem. Em 2002, Marina Abramovic apresentow na gale- ria Sean Kelly, em Nova York, The House with the oceart view. Por 12 dias, a artista ficou morando em uma pla- taforma construida naquele espago, totalmente a ta do publico. Tomou banho de chuveiro, penteou os eabelos, sentou no vaso sanitério, jejuou durante todo © periodo bebendo apenas gua, mas na maior parte do tempo ficou sentada olhando para as pessoas que a observavam. Na seqiiéncia dessa sucinta trajetora, temos ain- dda, na Republica Tcheca e na Pol6nia, Milan Kinizdk _e Jerzy Berés, respectivamente, nas décadas de 1960 € 1970, respondendo ao regime autoritarioe repressor de seus paises com uma série de agbes performiticas. De- ‘monstragdes~ como denominava Knizaik as performances realizadas grande parte das vezes na rua — assim como as series de agbes de Berés,significavam naquele periodo um {gesto de sobrevivencia e de ressténcia. Muitas das ages de protesto contra a imposigto do regime soviético na antiga Tchecosloviquia realizadas pelo grupo Aktual, ‘do qual Knizak foi ativo integrante, foram sendo co- hecidas no Ocidente através dos seus livros, grande parte deles manuscrita, documentando performances, a partir de escritos, desenhos e poemas, bem como al- guns manifestos mimeografados. No Brasil No Brasil, tragar uma trajet6ria da performance nas artes visuais passa muitas vezes por delimité-la no, terior desse campo de resistencia e sobrevivéncia, so- ry performance nas artes visuals regina mein bretudo nos anos 1960 e 1970. Todavia, cumpre ini ciar com um importante antecessor, que foi Flavio de ‘Carvalho, e suas trés experiéncias, denominagao que ele sdavar is 8428 pr das categorias artsticastradicionais. Na primeira de Jas; efn 1931, o artitaIntrodutlu-se numa procissio de Corpus Christi mantendo um boné na cabega, o que na época se revelava como gesto extremamente agres- sivo e desrespeitoso, e ainda, na contramao do fluxo os ftis,testava os limites da massa religiosa. A agai jas interdisciplinares, desvinculadas ‘que S6 nao terminou em linchamento gragas 8 inter- vengao da polica, foi nomeada e meses depois descrita por ele em um livro como Experiéncia n.2, Na out Experiéncia n.3, realizada em 1956, o artista percorreu ‘o centro da cidade de Sao Paulo com o traje New Look —proposta ce uma roupa tropical para o homem brasi- Jeito, que consistia em uma saa, blusa de mangas fofas, chapéu de organdi com largas abas e meias arrastio. Em 1957 realiza mais uma experiencia, uma especie de expedigao etnologica e artistica visando a realizagao de um filme sobre a historia de uma “Deusa Branca” que vivera na selva amazdnica. Um grupo de mu- Theres loiras de Sao Paulo foi contratado para atuar € unir-se a essa jornada que partiu no ano seguinte, com uum expedigdo do Servigo de Protegao ao Indio,em uma vviagem de 70 dias pelo rio Negro atéa fronteira com a Venezuela, © filme nunca foi realizado, mas a ex- pedigdo, que se intitulou Experiéncia n.4, alcangou feitos extraordinérios, como 0 contato com tribos t indigenas isoladas até entao: 0s waimiri, os paquida~ ra eos xiriand, Se nessa época tais agbes ni estavam ainda no discurso da critica, 0 livro relatando a Ex- periéncia n.2, 0 traje eas fotos da Experiéncia n.3, a8 imagens ¢ anotagbes da Experiéncia n.4 constituem testemunhos de uma agio precursora na trajet6ria da performance no Brasil, que teré nas décadas sub- seqilentes um mimero varidvel integrando-se aos processos de muitos artistas. Nos anos 1960 e 1970, houve no Brasil uma con- densacao de agbes, descritas pelo critico Mario Pedro- Sa como experimentalidade livre, e que correspon- diam, principalmente, a uma profunda reavaliagao da presenca do objeto na arte. Adotando novas midias e ieee precise al experi sen stale rine dda pelos artistas serviria também para designar uma experitncia que, da ordem do sensivel, passaria neces- sariamente pelo corpo. Sala-se da esfera da contempla~ {fo para o campo da participagao mais efetiva, eiss0 Scere aueeonee mace eset ba obra. Tal como propunha Hdl Oiticia, através de ‘uma total incorporagdo, ou seja, um procedimento que ‘stabelecia a completa aderéncia do corpo na obra e da ‘bea no corpo. E, no seu caso, como bem sabemos, iso Iria constituir uma operagio nomeada pelo sugestivo termo vivéncias, tal a solicitagio que faria do especta- dor participador como agente da experiéncia Acrescenta-s, ainda, essa experimentlidade um forte embate as questoes politicas daquele periodo. z performance nas ates visuals Nao podemos esquecer que a década de 1960 teve seu primeizo golpe em 64 e, antes de terminar, em 68, um segundo golpe, conhecido como Ato Institucional n5. Diante desse recrudescimento, a experiéncia direta ¢ corporal era 0 motor da obra, conforme sublinhava,em lum texto em 1970, o critico Frederico de Moraes. No texto Eaquema geral da. Nowa Objtividade — uma sistematizagao da reavaliagdo da presenca do ob- jeto na arte eda partcipagao do espectador na obra dlesenvolvido por Hilo Oiticiea e publicado em 1967 no catilogo da exposigio Nova Objetividade Brasilei- 1a, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, © artista apontou a presenga do espectador na obra atra- ‘és de uma participagao sensorial-corporal e semantica. 0 objeto, ou, melhor dizendo, o probjeto (tomando de empréstimo a denominasdo dada por Rogério Duarte) torna-se efetivamente uma estrutura de inspeydo. Ou seja, um objeto € dado participagao, & manipulacio ¢ 20 uso do espectadore, a partir da, como definia Helio itcica, transforma-se em espaso poétco tdi. Todavia, ‘hd que ressaltar que nao se tratava de uma participagio programada, pois exista & medida que a obra e todas as suas relagbes exteiores estavam sendo consideradas ‘uma estrutira viva, impermanente € em movimento ‘mutacional constante Em 1969, 0 critico inglés Guy Brett, em seu livo Kinectic Art the language of the movement, dedicado & arte cinétca, observa que nos anos 1960, aqui no Bra- sil, ocorria um cinetismo extremamente diferenciado. ‘dos demais. Enquanto em outros paises o cinetismo na fe era apresentado através de experimentos em escul- turae pintura, aqui alinguagem do movimento havia ‘igrado também para experiéncias com o corpo, sub nnhando sua extensio com a participagio do espectador. Ecitava, entre os virios exemplos norteadores dessa pro- Posigdo, os Bichos de Lygia Clark, os Parangolés de Hétio Oiticica €0 Ovo € 0 Divisor de Lygia Pape. Lygia Clark, uma das principais signatérias do neoconcretismo, juntamente com Lygia Pape ¢ Hélio Citicica, apresentou ~ no inicio da década de 1960 em diante ~ uma série de objetos que somente ganhariam sentido quando manuseados pelos individuos, eviden- ciando-se como estruturas vives ow organismos rela- ionais, Objetos precirios como pedra, saco pléstico € ar tornavam-se parifrases de um corpo, em exemplos como a proposigao Ar e Pedra (1966), descrita pe tista da seguinte formas Enchide ar um saco plstico eo fechei com umm elistico. us uma pedra pequena sobre ele e comecei a apalpa- Ja, sem me preocupar em descobrir lguma coisa. Com 1 pressio, a peda subia e descia por cima da bolsa de ar. Entao, de repente, percebi que aquilo era uma coisa viva, Parecia um corpo. Era um corpo. Bichos (1960-64), estruturas geométricas bidi- ‘mensionaisligadas por dobradigas que se transforma- ‘yam em organismos tridimensionais orginicos atra- vés do toque ¢ manuseio do espectador-participad Caminhando (1963), objeto que se enderecava 20 a z performance nas artes visusis Nostalgia do corpo (1966-67), objeto ¢ ato interligados nna busca de significagio de nossos gestos cotidianos, A casa & 0 corpo/O corpo é a casa (1967), confrontados como uma arquitetura biologica; Pensamento mudo (1971), uma suspensio temporéria do objeto em dire- Go 20 ato tdo-somente; Fantasmadtica do corpo (1973), experitncias para um corpo coletivo realizadas com alunos da Sorbonne, em Parise Estruturagaio do self (1976-88), de volta ao Brasil, em que o objeto se con= solidou como uma estrutura relacional, através de ex- periéncias ou vivéncias imediatas e diretas com o cor- po. Todas, assim listadas, foram séries propositivas que durante as décadas de 1960, 1970 e 1980 compuseram © diagrama experimental da artista. ‘Ovo e Divisor, de Lygia Pape, projetados em 1967 © 1968, respectivamente, também sio tradutores fitis da reavaliagto do objeto oferecido a participagao, O primeiro, Ovo, composto de uma estrutura ciibica coberta de plastico colorido azul, vermelho e branco, ‘apresentado pela primeira vez no evento Apocalipop6- tese, em 1968, no aterro do Flamengo, Rio de Janeiro, trazia trés sambistas da Mangueira que, a0 som dos primeiros toques da percussio da bateria da escola, sai- am do interior dessas estruturas rompendo suas finas paredes. © outro, Divisor,composto de um pano de 30 x 30m com uma série de fendas, inicialmente projetado para ocupar uma galeria toda branca, teve sua reali- zagao também no espaco exterior, com a participagio de muitas pessoas que aos poucos se apr enfiavam suas cabeyas nas aberturas, concedendo aque- la supe meio dos movimentos individuals de cada paricipante, Como € de notar, na reavaliagao da presenca do ‘objeto na arte, acrescida da participacto do especta- dor, nio estava prevista a sua desmaterializagio. Ao ‘contrario, © objeto apresentava-se inconcluso, como ppotencialidade aguardando o gesto participative que o atualizaria. © objeto tornava-se assim um sinalizador, uma area play, a exemplo da “maquete sem escala” de Hé- Oiticica, sltima obra, pensada e ativada em feve- reiro de 1980 em seu segundo Acontecimento Poctico Urbano. Consistindo em uma placa de madeira de {60 x 60 em, com pequenos ladrilhos hexagonais bran- 0s, foi concebida para ser utilizada em lugares sitios mitos poetizados (como ele priprio definia), a exem- plo do Buraco Quente na Mangueira, sinalizando uma ‘Gio participativa que ali se desenvolveria. No final do dia, levaria a maquete de volta para casa, de modo a acioné-la e ativé-la @ novas participagdes em outros ‘momentos e lugares. Para Hélio Oiticica, o museu era 0. mundo, um spago continuamente aberto & exploracio criativa. A Experiencia ambiental, da qual foi 6 tormulador a par tir dos anos 1960, era constituida dessa intensa relagdo ‘com as ruas do Rio de Janeiro, apropriando-se do es- ago publico e estabelecendo-o como obra. Tal rela- {0 estava presente no Delirium ambulatorium com 0 plana o estatuto de uma superficie viva, por bn performance nas artes ius “achar’ nas suas deambulagdes didrias no circuito da cidade, elemento-obra, como as latas e os panos do guardador ¢ lavador de carros, as latas com fogo sina- lizando canteiro de obras, ou as peciras das calgadas € ppedagos do asfalto que, carregados para o seu aparta- ‘mento, formariam o jardim Kyoto-Gaudi. Essa mesma relagio com as ruas também se fazia notar na série de Acontecimentos poéticos urbanos, com Kleemania, em dezembro de 1979, ¢ Esquenta Carnaval, em fevereiro de 1980, reunindo artistas e publico participant. Dentro desse contexto em que a cidade se torna- ‘va o lugar privilegiado para a realizagio de ages par- ticipativas, temos também as Situagies de Artur Barrio, realizadas nos finals da década de 1960 e 1970, Embora tenham desconstrusdo a nogao de objeto para substituir Por abjeto, conforme assinalou Paulo Herkenhof, esta- vam fortemente aderidas aos procedimentos artisticos apresentados naquele periodo. Constituldas de matérias precirias como carne, pio, jornal, papel higiénico, entre ‘outras,“abandonadas” em diversos trechos da cidade, de- ‘lagrariam uma expressiva participacao das mais distintas pessoas a exemplo das Tronxas Ensangiientadas- (Situa- 0s T/T), realzadas no Salao da Bussola, no Museu de Arte Moderna do Rio de Jancro, em 1969. Estas dtimas ram compostas primeiramente de uma fase ferma, de~ ‘nominagdo aplicada ao perfodo em que permaneceram ‘expostas no museu feito um acumulado de detritos,se- {uida da fase externa, quando o artista acrescentou peda- {gos de carne dentro de sacos ¢ abandonou-os no lado de do muscu, recolhidos no dia seguinte pelo servigo We limpeza para o depésito de lixo da propria instituigao. ‘A gto seguinte fer parte da exposigao Do corpo a tera, twulizada em Belo Horizonte, em 1970, onde as trowxas foram também deixadas em um pequeno rio no centro da cidade, juntando transeuntes, policia e bombeitos, ‘que se aproximaram do local para descobriro que seriam ‘aqueles restos orginicos ali abandonados, Em 1970, outra aglo de Artur Barrio merece des- aque: 4 dias e 4 noite, a obra mais radical e subjetiva do artista, Perambulando a deriva pelas ruas do Rio de Janeiro, Barrio buscou exceder a0 maximo os li- Iites de seu corpo até a extenuagio completa, Ne~ ‘nhum tipo de registro, apenas um caderno-livro com ‘suas paginas em branco ¢ a meméria da experiencia vi- ‘vida pelo artista. Em entrevista publicada no catélogo do Panorama da Arte Brasileira 2001, 0 artista relata: 0.4 diase 4 noites um trabalho que ndo tem registro. Minha idéia era fazer um eaderno-livro logo depois, 36 que peguei uma pneumonia. .. Acho que foi uma radicalizagdo excessiva... Tinha consciéncia de que poderia chegar a um limite absoluto, a uma ilumina- ‘gto perceptiva ¢,a partir da, langar um trabalho que realmente rompesse com tudo... resultado esperado seria criar um tipo de trabalho, ou fazer um tipo de ato, que realmente erianse wine nova compreensio, ‘uma nova visto de arte. Ainda nesse mesmo periodo, nao podemos dei- xar de assinalar a participagio de Antonio Manuel no bs) performance nas artes visuals Salo Nacional de Arte Moderna de 1970, propondo © proprio corpo como obra. Recusado pelo jri, na noite de abertura da exposicio, o artista, totalmente ‘nu, apresentou-se ao piblico como obra reeitada. Nas Palavras do critico Mario Pedrosa, Antonio Manuel apresentou o ato como obra, irresistivel e, ao mesmo tempo, irreprimivel E ninguém péde impor uma ex- clusto, porque no havia regulamento que impedisse que a obra se fizesse ou que 0 ato se realizasse No Recife, nas décadas de 1970 e 1980, Paulo Brus- ky realizou também uma série de ages no espaco urbano, Foi exemplar a performance de 1978, em que caminhava pelas ruas, ou no interior da Livraria Mo- derma, no centro da cidade, sentado em meio aos livros ou na vitrine, com uma placa pendurada no pescoo ‘com 0s dizeres:O que é arte, para que serve? ‘Ainda no final dos anos 1970, uma série de agru- amentos de artistas surgiu em Sio Paulo, intervindo e ‘ocupando espacos nao usuais para a realizagao de um procedimento atistco, bem como agdes nos circuitoses- tabeecidos, como as galeria. Entre esses, estava 0 3N6s3 {grupo composto por Hudnilson Jr, Mario Ramiro e Ra- fael Franga, apresentando suas interversdes— denomina- #0 que 0 grupo prefer utilizar para descrever suas agbes, cujo objetivo expresso a perepyao habitual do espaco da cidade e da arte. Na noite de 27 de abril de 1979, o grupo cobriu com sacos de lixo a

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