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Voltei À Escola Daniel Sampaio
Voltei À Escola Daniel Sampaio
Daniel Sampaio
O AUTOR
Terapia Familiar (em colaboração), Afrontamento, Porto, 1985 (2. ed., 1992)
Que Divórcio? (em colaboração), Edições 70, Lisboa, 1991 (2. ed., 1992)
Ninguém Morre Sozinho, Editorial Caminho, Lisboa, 1991 (5. ed., 1995)
Vozes e Ruídos - Diálogos com Adolescentes, Editorial Caminho, Lisboa, 1993 (6. ed.,
1996)
Inventem-se Novos Pais, Editorial Caminho, Lisboa, 1994 (6. ed., 1996)
COLABORAÇÃO
Eulália Barros - Professora. Técnica de Saúde Mental Infantil do Centro Dr. João
dos Santos (Casa da Praia), Lisboa
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(C) Editorial Caminho SA, Lisboa -1996
Tiragem:10000 exemplares
Índice
Nota prévia
Provavelmente quando acabarem de ler este livro vão dizer que ele nada tem de
novo. Ficarei satisfeito - Às vezes o mais importante são as coisas simples que
deixámos de ver.
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Voltei ao meu liceu
Se eu hoje voltasse para o liceu não o reconheceria. Melhor: sei onde ele fica, já
que continua a estar no mesmo sítio e conserva aquele ar deslavado do meu tempo.
As suas paredes têm oscilado, ao longo dos anos, entre um branco-sujo e um
amarelo-desbotado. A porta conserva aquele ar antigo e descuidado e os muros
mostram buracos semelhantes. Às vezes imagino que vou entrar e encontrar os
empregados de sempre, a que chamávamos contínuos e que eram cúmplices ou
carrascos das nossas brincadeiras. Subo a escada em frente à entrada, sou
empurrado por colegas barulhentos e desemboco no pátio num vozear indescritível.
Assisto do meu canto ao jogo de caricas em que o Martins era mestre, lançando-as a
uma velocidade incrível, marcando golo no intervalo das colunas, apesar do salto dos
outros. Mais tarde vejo desenhar-se um grande círculo de rapazes aos berros. Estou
de certeza no princípio dos anos sessenta.
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não morria de amores por mim, no que era retribuído... razão provável por que durante
um ano inteiro fiquei orgulhosamente no segundo lugar da fila da frente! Ficou
surpreendido quando no exame do antigo 7º ano (hoje 11º), lhe respondi sem hesitar a
fórmula do dicromato de potássio, uma das suas manias preferidas, mas não consegui
obter mais que um modesto 11.
É talvez por isso que decidi voltar ao liceu. É por essa razão que o Pedro Nunes só
me aparece à noite, lá pelas três da manhã, quando se calhar somos mais verdadeiros
e a infância nos visita.
Acordo finalmente do meu sonho. Hoje o Pedro Nunes está no mesmo sítio, mas é
diferente. Vejo rapazes e raparigas abraçados ou beijando-se sem complexos.
Ninguém usa pasta e há alunos que nem caneta têm. Os cadernos diários, de um
verde-desmaiado, com um título em letras pirosas, «Liceu Normal de Pedro Nunes»,
são às vezes substituídos por dossiers descuidados, onde alternam nomes ou
pedaços de canções. Já não há círculos de «porrada», mas locais afastados onde se
procuram outras intimidades ou se fazem combinações. Fumam-se cigarros à vontade
(para quê fumar nas casas de banho, como outrora) e às vezes passa-se um charro
num local recatado. Ninguém sabe o nome dos professores e a escola é só boa para
conviver, já que as aulas são uma seca e os exames um risco a que não se pode fugir.
No entanto, há também professores diferentes e vale a pena falar com eles sobre a
vida, mas o tempo é escasso e é preciso despejar a matéria.
Procuro melhor. Tento ver por entre as pernas de ganga e os blusões descuidados,
entro disfarçadamente na sala dos professores e vejo velhos e novos conversando
pelos cantos. Parece-me ver sinais de mudança, muitos dizem-me que as coisas não
podem continuar assim. Vou ao bar à procura das bolas-de-Berlim do meu tempo e
recebo uma coca-cola e um croissant ressequido. Então começo de novo a sonhar.
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Sonho que o velho pardieiro se transforma num edifício mais pequeno e cheio de
luz. O Conselho Directivo é formado por professores de ideias abertas que ouvem
constantemente os representantes dos alunos sem medo do Ministério. O velho
campo de futebol ganhou uma bela relva e tem muitos alunos a jogar à bola. O ginásio
perdeu aquele gradeado lá de cima, onde corríamos sem parar nas sessões solenes,
e é agora um local onde muita gente faz ginástica ou joga andebol. Quando os
professores faltam não se foge para o café, porque há coisas a fazer: ver uma
exposição, ir até à rádio da escola, trabalhar nos computadores ou pura e
simplesmente conversar com algum professor num lugar sossegado. Quando há
problemas de indisciplina não se marcam faltas de castigo, porque os alunos são
chamados a resolver o problema e cedo são co-responsabilizados por tudo o que
acontece. Há reuniões mensais com os pais, onde não se fala de faltas, mas se
discutem estratégias comuns para resolver os problemas dos alunos com dificuldades.
Uma vez por mês há uma festa, com uma parte só para os alunos, outra para pais e
professores. Nas primeiras quintas-feiras de cada mês, há debate com alguém que
não é chato e a quem os alunos e professores fazem perguntas.
Espaços
Os espaços são muito importantes nas escolas. Tal como em nossa casa
procuramos, sempre que possível, melhorar o seu aspecto para que nos sintamos
melhor, também a escola necessita de ser um local minimamente agradável para que
as pessoas se sintam lá bem.
Parece evidente que nada muito sólido se pode construir na adolescência escolar,
se o ambiente à volta for devastador. E é claro que meio caminho estará percorrido se
as pessoas entrarem o portão da escola e gostarem do que vêem. Uma das
prioridades educativas terá de ser, portanto, restaurar o parque escolar. É por isso que
não posso deixar de contar a aventura que se segue.
Cheguei à escola eram sete horas da tarde. Tinha percorrido um longo caminho até
lá chegar, entre pedaços de subúrbios da cidade onde jamais me atrevera a entrar.
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Perdi-me várias vezes em caminhos estreitos e esburacados, ladeados por ferros-
velhos e armazéns de aspecto duvidoso, servidos por delegados da máfia ou rambos
de bairros de lata. Vi crianças negras a chapinhar na lama, pedaços de bonecos a
flutuar impelidos por pontapés descalços e seringas abandonadas junto a boiões de
iogurte. Havia um trânsito infernal: filas de automóveis a buzinar, carros avariados à
procura de oficinas mais baratas e motocicletas de escape aberto que calavam os
insultos dos motoristas. Seguia a custo um esquema que uma amiga me dera para
que me não perdesse, mas várias vezes tive de perguntar o caminho, abrindo
timidamente a janela para receber uma baforada de escape. A certa altura deixei para
trás os ferros-velhos e comecei a ver prédios pardacentos, torres todas iguais, com as
roupas à janela e jardins destruídos. Uma urbanização com aspecto um pouco melhor
era anunciada num quadrado de pedrinhas, circundado por dezenas de carros numa
disposição anárquica e por pessoas em passo apressado a fugir da chuva. Perguntei
onde era a escola e alguém me disse para virar à direita e ir até ao fim, porque no sítio
onde não havia saída era o local da escola.
Quando lá cheguei pensei estar numa paisagem lunar ou num campo depois de
uma catástrofe nuclear. A escola secundária tinha vários pavilhões dispersos por uma
vasta área, todos eles de cor indefinida e de aspecto degradado. O porteiro mandou
seguir o meu carro para a esquerda sem que eu lhe perguntasse nada e sem que
tivesse tempo de dizer ao que vinha. Estacionei num espaço junto a um velho campo
desportivo, onde jazia uma enferrujada baliza de futebol de salão e uma tabela de
basquetebol sem redes. O chão era de cimento esburacado e às vezes deixava
antever umas tímidas plantas ressequidas. Havia bancos de jardim de um vermelho
despintado, latas velhas pelos cantos, dezenas de beatas por toda a parte.
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Como se podem sentir bem alunos, professores e funcionários que diariamente
povoam este espaço desolador?
Por que razão os mesmos personagens não são capazes de se organizar de modo
a investir afectivamente na escola, tornando-a sua?
Qual o motivo por que os pais não conseguem agrupar-se para exigir melhores
condições para os seus filhos?
Em suma, como será possível alguém ensinar e aprender naquele gelo emocional?
Outros espaços que muito me inquietam são as casas de banho das nossas
escolas básicas e secundárias. Um daqueles professores que parece topar tudo disse-
me uma vez que esta minha preocupação era qualquer problema meu não resolvido. A
minha terapia pessoal, de facto, nem tudo resolveu e a vida tem-me ensinado muito
mais, mas o certo é que tenho por hábito percorrer todos os espaços das escolas onde
me desloco e não vejo por que razão haveria de excluir as casas de banho (em que
estaria a pensar o professor?). Nestes passeios, lembro-me de muitas coisas.
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Às vezes tenho saudades e prefiro a dos rapazes. Num liceu no centro de Lisboa, a
casa de banho estava tão degradada que por momentos me julguei em Sarajevo. O
tecto estava cheio de fissuras e de vez em quando mostrava o tabique em círculos
aterradores, lembrando o chefe do Astérix, já que a possibilidade de o céu nos cair na
cabeça não era fantasia. As paredes oscilavam entre o branco-sujo e o amarelo-porco
e estavam decoradas com inscrições e desenhos. Em frente à porta, por baixo de uma
pequena janela que abria sobre um pátio desolador, cheio de ervas daninhas e de
despojos de balizas de futebol, exibia-se um enorme pénis desenhado a spray preto.
Viam-se muitas coisas escritas, em letra tímida de esferográfica azul, ou numa
desinibição de marcador verde ou preto: I love Serafina, Gil and the perfects (não
percebi onde estava a perfeição) e um aterrador MORTE AOS PRETOS, bem nítido
na sua violência racista. A certa altura vi umas palavras promissoras de mim para ti,
infelizmente sublinhadas por um manguito bem desenhado.
Noutra escola de Lisboa que visitei, as sanitas eram substituídas por buracos no
chão, com uns pequenos espaços para colocar os pés na posição necessária, e as
paredes dos pequenos cubículos estavam completamente preenchidas com inscrições
que o tempo se encarregara de tornar ininteligíveis. Perante o meu espanto por
instalações tão primitivas, o Presidente da Associação de Estudantes, que me
acompanhava, disse: «Na das miúdas é a mesma coisa, só não há é os “cagadores”»!
Mas não tinha razão. Em breve vi outros sinais de masculinidade; testículos em riste,
alguns palavrões bem de rapaz e, encimando os urinóis, a genial frase, em enormes
letras pretas: OLHA PARA BAIXO E CONTEMPLA A TUA PEQUENEZ.
Como a sessão era à noite, resguardado por uma das alunas espreitei rapidamente
a casa de banho das raparigas. O aspecto era um pouco menos desolador, mas tudo
continuava sujo e decrépito, decorado com alguns nomes de rapazes ou de cantores
rock.
O Dúvidas e o Baldas
O Baldas tem quinze anos. É alto e forte e não pára de pensar nisso desde que
começou a fazer musculação. Tem o cabelo loiro, um pouco às manchas, que usa
pelos ombros ou apanhado com elástico num rabo-de-cavalo. A sua barba começa a
despontar e o bigode, raramente feito, aparece nitidamente sobre os seus lábios
grossos. Anda acompanhado por rapazes do 11º ano e desloca-se de um modo
barulhento, batendo com as botas no chão e rindo muito alto. O pai trabalha num
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Ministério qualquer e a mãe é bancária. Tem um irmão quatro anos mais velho,
toxicodependente, que já uma vez teve problemas com a polícia. Tal como o irmão, o
Baldas sempre vestiu de escuro e a única cor que se concede é a dos grupos musicais
cujo nome decora as T-shirts. Há dois dias assustou a professora, ao surgir
ameaçadoramente na aula com uma camisola onde apareciam uns olhos bem abertos,
por cima de umas letras enormes onde se lia NO FEAR. Só ouve heavy metal e passa
horas a gravar e a desgravar cassetes antes de adormecer.
Para o Baldas a escola faz pouco sentido. Anda lá porque os pais trabalham todo o
dia e davam-lhe ralhos se ele abandonasse os estudos. Além do mais, pode jogar-se
futebol várias vezes ou encontrar amigos para combinar coisas fora da escola. As
aulas e os testes é que são pior. O Baldas não tem paciência para estudar, e como há
alguns professores mestres a descobrir cábulas ou a interromper o falatório durante os
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testes, vai-se abaixo nas avaliações. O certo é que ninguém falou com ele sobre o que
se está a passar.
Impressionava-o, aliás, ficar a jogar à bola no pátio sem que alguém lhe dissesse
que deveria regressar às aulas.
Quando chega a casa, o Dúvidas toma banho e organiza os seus cadernos. Tem a
matéria sempre em dia e às vezes lê um pouco para a frente, para no dia seguinte
perceber de antemão o que o professor vai explicar. Gosta de falar da escola com os
pais e tem orgulho em mostrar os belos testes que efectua.
O Baldas grita “Não me chateies!” Quando o pai ou a mãe lhe perguntam pela
escola. Sente-se sempre em falta, porque o que verdadeiramente lhe apetecia era
largar tudo e ir surfar todos os dias. Nunca tem cadernos para mostrar, porque só
raramente toma apontamentos com uma Bic roída, ou mesmo só com a carga de uma
caneta que um colega lhe emprestou momentos antes.
O Dúvidas ganhou a alcunha porque desde muito novo gostava de mostrar que
sabia. Vencia muitas das suas inibições quotidianas ao esvoaçar entre os colegas, nos
dias dos testes, a perguntar: "Dúvidas?, quem tem dúvidas?" Naquela ansiedade
habitual destes momentos, os estudantes esqueciam uma certa antipatia e
solicitavam-lhe respostas prontas. Como o Dúvidas conhecia bem as manias dos
professores, acertava muitas vezes nas perguntas, o que aumentava o seu prestígio
de pronto-socorro. Passado o período quente, o Dúvidas perdia aquele êxito fácil e
mergulhava de novo no seu isolamento.
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A professora
Saiu de casa de manhã cedo, mal tinha tido tempo de engolir à pressa uma torrada
ressequida e um resto de leite. O velho automóvel demorou a aquecer, porque se
recusava a abrir (fechar?) o ar, já que o carro ficava mais acelerado e receava não o
controlar. Finalmente partiu, como todos os dias.
O caminho para a Escola Secundária onde ensinava há mais de vinte anos era um
tormento diário. Filas de automóveis que pareciam não ter fim, ruas pequenas
ladeadas por prédios horríveis, pessoas apressadas em busca do local de emprego.
Depois de mais umas voltas, a viagem terminava. Quando a rua estreitava, tinha de se
virar à direita e lá estava a escola ao fundo. Era um edifício cinzento e sujo ao fundo
de uma rampa íngreme, toda cheia de carros de ambos os lados. Os alunos desciam-
na a correr, riscando às vezes os carros dos professores de que não gostavam, ou
lançavam a bola de cima para baixo, sob os protestos de quem passava.
A sua escola era feia, mas sentia-a cheia de vida. Pequenina e gorducha, saia e
casaco castanho e camiseiro bege onde às vezes aparecia um colar de pérolas, a
professora transformava-se ao entrar na sala de aula. Jamais tivera um problema de
indisciplina e desconfiava dos psicólogos que só falavam de agressividade e
professores vitimados, deixando os alunos fora dos problemas. Para ela, ensinar era
uma festa permanente. Adorava o princípio dos anos lectivos, em que a turma a
olhava de soslaio e em breve a começava a testar, num crescendo de barulho que a
estimulava. Rapidamente definia com os alunos o modo de funcionar e aparentava de
início um ar de fera, que o tempo e o diálogo com os alunos não cessava de açucarar.
A sua palavra-chave era co-responsabilizar. Se alguém tentava boicotar a aula, que
pensavam os colegas disso? Se havia muitas negativas, que alterações propunham os
alunos? Havia violência no pátio, por que não deslocar para lá funcionários ou alguns
professores disponíveis? Se o Director de Turma dizia que não tinha tempo para falar
com os estudantes e com os pais, por que razão não se lutava para lhe arranjar mais
uma hora sem aulas?
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A nova professora tinha trinta anos e era a primeira vez que estava na escola.
Tinha o cabelo preto encaracolado, usava calças justas e um blusão largo.
Observando-a de perto, a professora mais velha observava uma penugem negra na
cara que a fez compreender a razão por que os alunos a caricaturavam sempre como
a mulher barbuda. Tentou estabelecer alguma aliança com ela a pretexto de um café e
de um croissant no bar da escola, mas recebeu um apressado não tenho tempo.
Resolveu então marcar uma reunião formal para discutir os problemas da turma
indisciplinada.
Disse então à professora mais velha que a turma era terrível. São insuportáveis,
dizia e remexia constantemente as mãos. A Directora de Turma da nossa história
sabia bem que as turmas têm subgrupos, redes de comunicação e alunos todos
diferentes que tornam difícil um qualificativo global de boa ou má. Esperava
pacientemente e continuou a ouvir. Há drogados na aula, são dois rapazes que estão
na última fila e não param de me provocar. No outro dia recusaram-se a responder à
chamada e tive de marcar uma falta colectiva. Aqui a professora mais velha arregalou
os olhos. Se os alunos estavam na sala e não respondiam, ficando todos com falta, o
problema não era simples. Disse isto à colega mais nova, que lhe respondeu: Aqui é
tudo fácil! O pior é lá, estão sempre a virar-se para trás e a dizerem coisas. A
professora pensou logo que o arranjo espacial da sala era essencial para conseguir
melhores resultados (há muito que deixara as carteiras alinhadas com os alunos de
costas uns para os outros), e que se calhar a colega não gostava muito de gente mais
nova, mas não disse nada. Preferiu propor que discutisse com os alunos o
funcionamento da turma e depois lhe dissesse qualquer coisa.
Decidiu então que iria falar com os alunos, estimulá-los a que apresentassem
soluções para o problema da indisciplina nas aulas de Português (interessante,
ninguém mais se queixava, ela própria achava a turma um pouco turbulenta mas muito
viva e interessada) e manter uma relação de proximidade com a colega. No seu
vocabulário não existia a palavra desistir...
Sobretudo, não iria falar da colega na sala de professores. Ficava arrepiada com
aquele espaço onde às vezes não se dizia bom-dia aos colegas mais novos e a má-
língua crescia acerca de qualquer dificuldade de um professor.
Preferia centralizar o problema em si, nos alunos e na colega. Também não iria
contar tudo ao Conselho Directivo, porque receava um ambiente de paranóia acerca
da droga, com observações à socapa dos alunos e a falsa crença de que era um
problema de falta de policiamento. Depois dessa decisão, voltou a pensar em si e nas
dificuldades do seu quotidiano escolar. Afinal, ensinar é reflectir e saber ouvir.
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Dava o programa quase todo, mas sem correrias nem ansiedades, quando alguém
lhe segredava estar muito atrasada.
Gostava dos alunos, mas não era adolescente como eles. Não permitia palavrões
nas aulas, nem conversas laterais, nem piadas grosseiras. Ficou célebre a sua frase
“Todos a falar”, quando algum aluno fugia aos debates que propunha ou fazia
comentários marginais. As suas aulas eram participadas e ordeiras e nos testes não
deixava copiar. O que mais a preocupava era a passividade de alguns alunos, que se
resguardavam na última fila com olhar vazio. Se persistiam na sua atitude de
desistência, chamava-os um a um e tinha uma conversa franca, fugindo sempre à
crítica ou ao comentário intrusivo. Exigia conhecimentos porque achava que ensinava
bem.
Verificava com tristeza que alguns dos seus colegas não eram professores, mas
agentes de ensino (seria esse o caso da colega?). Viviam na esperança de que o
Ministério mudasse e alguém lhes resolvesse os problemas. Mas ela, professora há
tanto tempo, sabia que isso nunca sucederia. A escola só se transforma se
simbolicamente rebentar a vedação às vezes necessária e se se ligar à comunidade.
Só funcionará melhor se os professores, funcionários, alunos e pais trabalharem em
conjunto e fizerem realizações criativas que animem o quotidiano da escola. Os
professores, contudo, tinham de ensinar o melhor possível. Os alunos tinham mudado
muito. Os professores saíam das Faculdades habituados à solenidade académica,
para se confrontarem com alunos tantas vezes em crise de identidade e sem projectos
de futuro. Por isso, a professora tinha mudado as suas estratégias. Cada vez mais
mantinha os alunos ocupados e fomentava o trabalho de grupo. Mantinha com os pais
um diálogo permanente, fugindo às reuniões habituais sobre faltas e testes. Não
acreditava nos colegas que lhe diziam que os pais não vinham à escola, pois há muito
tinha desenvolvido estratégias pessoais (cartas, telefonemas, até telegramas) que
raramente falhavam.
Vivia apenas preocupada com o mal que se dizia dos professores, pois sentia que
se a escola continuasse com uma imagem negativa ninguém a conseguiria
transformar. Por isso, tinha passado a mandar cartas para os jornais a contar as
coisas boas que se faziam na escola: as visitas de estudo, a rádio, a exposição de
pintura, o campeonato de pingue-pongue, o abaixo-assinado contra a lixeira...
Sabia que não ia desistir. Acabava o dia cansada mas feliz. Contente porque sabia
que a escola era para os alunos a segunda casa, por isso o seu esforço era para lhe
dar sentido.
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Outras vidas, outras escolas
Uns perdem-se pelo caminho e vão dar corpo àquele grupo a que desde logo
chamamos excluídos. Outros arranjam uns empregos precários e vão sobrevivendo.
Há ainda aqueles que podem ter a sorte de estar numa escola que desenvolveu um
curriculum alternativo, organizando um projecto para cinco anos a partir do início do 2º
ciclo.
O que parece evidente é que há muitas razões para não ir até ao fim e deixar a
escola. Este livro não é sobre essas pessoas, uma vez que se organizou a partir da
observação da escola mais tradicional. Mesmo assim, quis falar com alguns jovens
que tivessem seguido um percurso diferente do habitual.
Pedro
Pedro - Tenho 19 anos, o que aconteceu foi desde a primária. Eu também nunca fui
uma pessoa muito ligada aos estudos, não é, e também não havia muita prevenção na
altura, não é, na primária quando eu comecei a andar na escola havia muita droga.
D. S. - Logo na primária?
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D. S. - E antes das ganzas o que é que se passou na primeira e na segunda
classes?
Pedro - Ah! isso aí foi os tempos normais de escola da primária, é quase sempre
tudo igual, só que chegou a uma altura que comecei a conhecer novas coisas e
comecei-me a desligar um pouco dos estudos.
Pedro - Na Casa Pia era perto de casa, e depois passei para o 1º ano e tal e deu-
se sei lá o que é que se deu, pronto, aí como comecei a desligar-me mesmo dos
estudos e a fumar cada vez mais charros.
D. S. - Isso é que me interessa, é perceber por que é que o Pedro se desligou dos
estudos. Além dos charros, o que se passou na escola, o que não lhe agradava, o que
gostava?
Pedro - O que é que gostava, o que gostava mais na escola era o recreio e o que
eu menos gostava, sei lá, era os contínuos, porque apareciam os contínuos, estavam
sempre em cima do homem, "não faças isto, não faças aquilo, vai para ali".
Pedro - Na Luís António Verney, mas fui aqui para a escola-oficina aonde é agora o
ano 0 da Universidade.
D. S. - Porquê?
Pedro - O que eu fazia nas aulas?, metia-me com as professoras, metia pioneses
nas secretárias, nas secretárias não, nas cadeiras, e amandávamos assim papelinhos
para o cabelo da Stôra, tirávamos a carga da caneta, e depois a Stôra estava sempre
a coçar, tinha muita piada.
D. S. - Fartavam-se de rir?
Pedro - Sim.
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Pedro - Na altura dava-nos reguadas, ainda levei algumas.
Pedro - Só houve uma professora que eu não gostei, era preta, neste caso era
preta, nem eu nem a turma toda.
Pedro - Agora acho que não, mas na altura não me caiu bem.
Pedro - Não.
Pedro - Então a aula começou toda a chorar por ela ser preta e fugimos todos da
sala, ela ficou lá sozinha a chorar.
Pedro - Sim, e mais piadas sei lá, em vez de estarmos com os livros de estudo na
mão, pronto, de português ou isso, não, a maior parte das vezes estávamos a ler livros
de desenhos animados e a passar papelinhos a dizer que a Stôra era feia.
D. S. - Mas deixe-me voltar atrás, eu tinha-lhe perguntado por que é que vocês
atiravam essas coisas e punham os pioneses à professora, se era por não gostarem
dela ou por outra razão qualquer, você disse que só não gostou de uma preta,
portanto das outras faziam malandrices e gostavam delas, então por que é que
faziam?
D. S. - Provocar, era?
Pedro - Exacto.
D. S. - Não gostavam é que ela desse a aula, queriam passar ali um bocado de
tempo a rir, era?
Pedro - Exactamente.
Pedro - Fizemos algumas saídas só que eu não, pronto, fizemos uma ou duas
saídas.
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D. S. - Qual é a recordação que tem disso?
Pedro - Tenho uma recordação, fomos visitar uns submarinos, já não me lembro
bem aonde foi, foi numa saída de estudo que tivemos, foram as turmas todas do 1º e
2º anos e 4ª classe.
Pedro - Sim, não os ter tão presos e mostrar-lhes coisas novas e interessantes.
Pedro - Foi a altura pior da escola, foi quando comecei mesmo a desistir de estudar
e...
D. S. - Isso é que eu quero perceber, por que é que o Pedro desistiu de estudar.
D. S. - Em quê?
Pedro - Em quê? Fui feirante, fazia várias feiras, Relógio, São Pedro de Sintra,
Cascais, Feira da Ladra, Galinheiras.
D. S. - Com os pais?
Pedro - Foi bom, só que depois de passados alguns anos cansei de ser feirante, ou
seja, ao tempo que eu lá estava já podia ter levado um negócio meu para a frente,
pronto, sempre fui...
Pedro - Eu vendia artigos de bebé, babygrows, botas, essas coisinhas todas, não,
na altura foi uma experiência interessante e não estou arrependido.
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Pedro - Exactamente, como à quarta-feira e à terça, mas à terça eu ia para a
escola.
Pedro - Sim, à quarta-feira, não ia, a maior parte das vezes baldava-me porque ia
trabalhar.
Pedro - Pagava.
D. S. - O dinheiro que eles pagavam na feira era para quê, era para si ou era para
os seus pais?
Pedro - A maior parte do dinheiro era para mim, mas dava sempre algum dinheiro
em casa, mas a maior parte era p'ra mim, para comprar cigarros e para o vício das
máquinas, essas coisas.
D. S. - As ganzas continuaram?
Pedro - Continuaram.
D. S. - Bom, então o que é que aconteceu a seguir, foi estudar para algum sítio,
algum curso, foi para algum projecto, o que se passou?
D. S. - Nessa altura já era muito grande para estar com os colegas que eram uns
miúdos nessa altura.
D. S. - Os miúdos que entram são muito novos e depois vocês têm dificuldade em
estar com eles, são uns putos ao pé de vocês.
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D. S. - E de tamanho.
Pedro - Não de tamanho não, não quer dizer nada, aonde chegam os pequenos
também chegam os grandes, não é? como é que eu hei-de explicar isto, só tive um
emprego que gostei.
Trabalhei na Praça de Espanha, era numa firma de tipografia, não é, que faziam
projectos e depois ia lá para baixo para a cave cortar os projectos, pronto, ia-se
distribuir a várias empresas. Era paquete, não gostei, gostei mais de trabalhar com a
mota em paquete também.
Pedro - Exacto, pronto, e pagavam melhor, também corria mais riscos mas
compensava, e tive lá cerca de quase 7 meses e depois vim-me embora, parti a mota
toda, tive um acidente, a mota foi para a sucata, afinal também não estavam com
ideias de me comprar uma mota nova.
Pedro - Uma empresa noticiosa, esses livrinhos antigos que haviam do Falcão,
esses livros de guerra e do FBI, pronto, eram empresas que espalhavam esses livros,
pronto, o serviço que eu fazia, só levava as encomendas de mota.
D. S. - Mais empregos?
Pedro - Trabalhei numa tasca, ali no Largo do Intendente, também foi uma
experiência impecável, na altura estava a ganhar, para a idade que eu tinha...
Pedro - Numa tasca mesmo, eu chamo àquilo uma tasca, de bar não tinha nada.
Pedro - Sim, mas depois desisti daquilo porque era de manhã à noite a levar com
bêbados, muita chungaria, não me interessou, desisti, mas ainda lá estive uns
mesinhos a trabalhar, também estava a receber bem compensado só que depois fiquei
mesmo passado da cabeça, era logo de manhã bêbados, quero um copo de vinho,
quero isto, quero aquilo, chegou a uma altura que enchi mesmo o saco e aí vim-me
embora.
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D. S. - O sítio também não era agradável?
Pedro - Não, não era, depois a prostituição, essas coisas todas que a gente sabe,
não é preciso...
D. S. - Entrar em pormenores.
Pedro - Exacto, mais, assim que eu me lembro, trabalhei numa padaria ali em
Alfama, aí estive quase um ano, mas foi porreiro, gostei de lá trabalhar, pronto, porque
estava a subir, não é, subi de posto e ia ganhando bem mas trabalhava à noite, era
um trabalho nocturno.
Pedro - Exacto, carcaças, sei lá, coisa de doze mil, catorze mil por noite.
Pedro - A minha família, eu fui criado com a minha avó, não é, a minha avó morreu
e depois fui morar para ao pé da minha mãe, o meu pai separou-se da minha mãe
ainda eu era, andava ao colo, pronto, também não tive na altura, como é que eu posso
explicar isto, na altura não tinha mesmo ninguém que me pudesse travar, pronto, tinha
o meu irmão e a minha irmã que são mais velhos do que eu, mas depois também
cheguei a uma idade que comecei a atinar mais um bocado.
D. S. - Porquê?
Pedro - Porque sim, a minha mãe na altura morava em Mem Martins, a minha avó
morava nas Escolas Gerais em Alfama e dava-me mais jeito ficar com a minha avó,
por exemplo a creche, a minha mãe trabalhava para o exército e a minha avó ia-me
levar à creche.
Pedro - Tinha aí uns treze, foi uma perda difícil, depois fui morar para o pé da
minha mãe e hoje ainda lá estou.
Pedro - Agora correm bem, pronto, também cortei com muitas coisas que andava a
fazer e pronto, mudei bastante o meu comportamento em relação a muitas coisas e
isso sempre ajuda em casa.
22
Pedro - Vivo eu, o meu irmão e a minha mãe, a minha irmã juntou-se, não casou,
juntou-se, eu acho que sim...
D. S. - E agora como é que é este projecto em que ele está, está a fazer alguma
formação agora?
Técnica da SCML - Não, este curso também não tem essa vertente de
alfabetização, de aumentar mais o nível de escolaridade.
D. S. - Como é que tem sido esta experiência, Pedro, com todas estas actividades?
Pedro - Para mim foi uma experiência boa, não estou nada arrependido de fazer o
que fiz, aprendi coisas novas, bastantes...
Pedro - Conviver com muita gente, sei lá, gostei de fazer animação tanto para
deficientes como para crianças.
Pedro - Gosto e até acho que tenho um certo jeito para isso.
D. S. - O que gostava de ser na vida, um dia mais tarde, quando for mais velho,
quais são os seus projectos?
23
Pedro - Os meus projectos, bem, em princípio o projecto que estou a levar para a
frente é uma profissão, que é para mais tarde estar seguro, não é? uma profissão é
sempre bom, o que é que eu gostava mesmo de fazer mas a nível profissional ou...
D. S. - As duas coisas, o que ambicionava ser mesmo que fosse difícil, o que pensa
ser possível fazer.
Pedro - Pronto, pelos estudos que eu tenho e alguma experiência que tive, uma
coisa que eu gostava mesmo de fazer era animação, e uma coisa que eu gosto de
fazer, pronto, é pena é não ter muito dinheiro, senão também não estava aqui, coisas
da vida, gostava de fazer se tivesse papel era ir para o Hawai, curtir grandes praias, ir
surfar.
Pedro - Mais no Inverno do que no Verão, porque no Inverno o mar é mais picado,
entra com mais força na costa.
Pedro - Tenho um colega que vai sempre comigo, mas ele é deste género, faz
body, gosto de tudo o que seja aventura, é bom!
D. S. - E em termos da profissão?
Pedro - Está, vou começar amanhã às sete da manhã, tenho de me levantar cedo,
coisas da vida.
Técnica da SCML - Com o dinheiro que vai ganhar na pastelaria poderia dispor de
um pouco e ia para uma oficina aprender, era uma hipótese.
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Pedro - Sim, o meu irmão está a tirar um curso de bate-chapas, não sei se vai
seguir ou não, não gostava muito de seguir bate-chapas, gostava mais de seguir
mecânico e pronto, para a idade que eu tenho, eu às vezes vejo no jornal e eles
pedem mais aprendizes, putos novos com 17/18 anos no máximo, eu já tenho 19, é
um bocadinho mais difícil de entrar assim logo para aprendiz numa oficina.
Pedro - Há pessoas que por um ano fazem uma confusão, não é verdade, eles
preferem ter pessoal mais novo para pagar menos, não é, para chegarem a uma certa
idade, é a realidade deste país, é assim, coisas da vida.
D. S. - Ora bem, para terminar, faltam as tais críticas à escola, o que é que não
funciona na escola?
Pedro - As críticas à escola, o que não funciona na escola, na maioria das escolas
é a segurança, como até se vê nos jornais, até fecharam uma casa de banho duma
escola ali ao pé do Largo da Graça, o pessoal ia todo para lá drogar-se.
Pedro - Está bem, há muitos contínuos, hoje em dia na escola uma pessoa está a
fumar um charro, passam por a gente e não dão por nada, nem sabem o que é aquilo,
não é, e pronto, parece que não mas ao mesmo tempo os outros putos estão a ver
porque têm olhos na cara.
Pedro - Exactamente, é isso, e sei lá, arranjar mais convívio dentro das escolas,
que eu penso que é pouco.
Pedro - Sim, mais desporto, e fazerem uns bailes, fazerem um centro jovem para
quando não têm aulas, ou nos intervalos estarem com música, ou fazerem uma rádio,
a Gil Vicente já tem uma rádio, mas há muitas escolas que não têm nada disso.
D. S. - Isso do centro jovem era uma boa ideia, um sítio onde os jovens pudessem
estar.
Pedro - Exactamente, onde pudessem ocupar o tempo em que não têm nada para
fazer e depois vão para a má vida.
Pedro - Os professores falam pouco com o pessoal, só mesmo se for preciso; uma
hora de aulas e tchau até à próxima aula.
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D. S. - Então está de acordo que seria melhor haver, de vez em quando, assim um
tempo em que os professores pudessem falar com os alunos, sobre a vossa vida,
sobre temas que vocês quisessem discutir.
Óscar
Óscar - Acho que a minha escola desde a primária não foi assim das melhores,
porque eu estive em várias famílias e isso da primária, prontos, acho que foi só um
passatempo, andava para lá e para cá, fazia a mesma rotina todos os dias, nunca
fazia coisas diferentes.
Óscar - Foi em Lisboa, na Rua da Rosa, prontos, era sempre aquela maçada, ia
para a creche depois voltava para casa, no outro dia de manhã levantava-me e ia
outra vez para a escola, a escola primária para mim acho que foi somente para passar
de ano para ir para outra escola.
Óscar - O convívio com os colegas era agradável, mas outras vezes desagradável.
Óscar - Havia, os rapazes já se sabe que são mais brutos, as raparigas são mais
calmas.
Óscar - Não, havia mistura rapaz/rapariga, rapaz com rapaz e rapariga com
rapariga, prontos, até hoje é o...
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D. S. - Depois adiante já vamos ver. E assim além das aulas a escola primária tinha
alguma actividade, faziam assim alguma festa ou...
Óscar - Não, tínhamos actividades mas sem ser de festas, as festas eram
conforme, é no Natal ou essas coisas assim, não tínhamos actividades, por exemplo
eu escolhi teatro, o resto era geografia, línguas, e isso não me interessava muito.
Óscar - Era um clube de teatro em que a gente lia peças e representava para nós e
havia uma vez por ano que representávamos para os nossos pais.
D. S. - Passaste os 4 anos?
Óscar - Não, mais alguns colegas, chumbei por causa disso, era um bom aluno.
D. S. - Isso já lá vamos, temos que ir passo a passo, como é isso das várias
famílias, o que se passava na tua vida que essa parte eu não sei.
Óscar - É assim, eu não tenho pai nem mãe, sou subsidiado pela Santa Casa,
então prontos, meteram-me numa família que estão a cuidar de mim desde pequeno,
mas houve várias mudanças, porque a minha mãe quando era viva mudava-me
imensas vezes de ama, parecia um saltimbanco, nunca estava bem em nenhuma,
antes de ela morrer fui para esta onde estou até agora, desde os quatro que é assim.
Óscar - Estava com a minha mãe, a minha mãe quando eu nasci tinha um
problema, subiu-lhe o parto à cabeça acho eu, então era como aquelas pessoas
maluquinhas, muito nervosas.
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D. S. - E a mãe morreu quando?
D. S. - Tinhas 6 anos.
D. S. - Como é que tens vivido esta história das famílias que não são a tua própria,
como é que tens sentido isso?
Óscar - Tenho-me sentido bem, mas às vezes há aquelas coisas que, tem-se
saudades da mãe e do pai, e vê-se os outros meninos com a mãe e com o pai e não
sei quê, às vezes gostava mais de ter um pai e uma mãe adoptiva do que estar nesta
situação de tutor. Não me sinto assim muito bem e depois tratar pelo nome e não
tratar pelo verdadeiro nome de parentesco, grau...
Óscar - Mais ou menos, não me dou muito bem com ela, com ele dou.
Óscar - Foi, o que eu gostei mais foi a 1ª classe e a 4ª classe, na 1ª estava sempre
desejoso de entrar para a escola, depois entrei e na 1ª classe toda a gente julga que
toda a gente passa da 1ª para a 2ª mas é mentira, há pessoas que ficam, então eu
gostei muito de aprender, prontos, já me estava a imaginar a passar todos os anos
sem chumbar nenhuma vez, mas chumbei 2 anos.
D. S. - Mas isso foi mais pelas questões das brincadeiras e não por não
compreenderes.
Óscar - Não, a segunda vez foi no 5º ano, não foi por brincadeira. A verdade é que
do que eu gostei mais da escola primária foi do clube de teatro, adoro essas coisas,
tudo o que esteja relacionado com o teatro, e prontos, gostei. Também gostava das
professoras da matéria, a matéria da primária é muito engraçada, aquelas coisas
novas...
D. S. - O que não gostaste, ou que gostaste assim menos da escola, aquilo que te
aborreceu mais, a matéria, o convívio…
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Óscar - Uma professora que eu tive. Uma vez, prontos, eu queria ir à casa de
banho, só que ela não deixava ninguém sair, porque não era logo ali e tinha medo que
a gente fugisse das salas, porque havia miúdos da minha sala que fugiam às aulas, e
como ela não me deixava sair eu disse "olhe professora eu faço aqui na aula" e ela
disse "eu não me importo", então eu não fui de modas e fiz chichi na aula, e então ela
castigou-me.
Óscar - Estive lá virado para a parede durante duas aulas, dois dias. Acho que,
prontos, os professores devem dar, quer dizer, os alunos têm o direito de ir à casa de
banho, mas os professores têm sempre aquele medo que o aluno faça isto e faça
aquilo.
D. S. - Fica onde?
D. S. - Era uma escola muito diferente, o que é que achaste da escola, dos alunos,
dos professores?
Óscar - Os professores eram bons, agora os alunos, prontos, é mais aquele género
nós entramos para o 5º e os do 6º juntam-se e querem bater logo nos do 5º, acham-se
superiores, é sempre isso. Eu estou a falar, mas quando eu fui para o 6º, já estava,
prontos, é aquela fase que uma pessoa entra para um lado e diz assim: há aí miúdos
novos, vamos bater neles, vamos fazer isto, vamos fazer aquilo, e prontos, não gostei
dessa fase.
Óscar - Só, eu chumbei no 5º e tive que ficar outra vez no 5º, dois anos.
D. S. - E o que se passou com essa reprovação, por que é que isso foi?
Óscar - Por causa da matéria, não percebia, comecei com o inglês, foi um erro meu
não ter começado aqui na escola primária, porque havia aquele clube de inglês e lá no
5º e no 6º também haviam esses clubes, só que não havia nem teatro nem de inglês,
havia outros de história e de mais não sei o quê, tive dificuldade em inglês e outras
matérias, só se podia passar com duas negativas e eu chumbei.
Óscar - São aquelas brincadeiras que as meninas inventavam que iam dizer ao
rapaz que era amigo do outro, complicações que depois o outro vinha-nos bater,
aquelas historiazinhas, pronto.
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Óscar - Havia, que eu ainda cheguei a apanhar um desses jogos que se chamava o
corredor.
D. S. - Explica lá isso.
Óscar - Era assim, todos numa fila e depois tinham que passar e os outros batiam e
o outro tinha de ver quem batia, e aquele que batia tinha que ficar no meio, trocavam.
Óscar - Não, também jogavam raparigas, mas era mais por rapazes.
Óscar - Havia, e uma vez eu caí das escadas, foi a queda maior da minha vida, ia a
pôr o pé no 1º degrau e pus no de último lá de baixo, não há-de ser nada aquilo era o
empurra, e chega-te para lá e vê lá se não queres levar, e deves ter a mania que és
muito bom, esse tipo de coisas assim do 6º ano e os dos 5º mais traquinas.
Óscar - Casa Pia de Lisboa, Rua Dona Maria Pia - Xabregas, que é a escola dos
australopitecos, são miúdos fora do normal onde eu me incluo, porque são os que não
têm saída para outras escolas porque não os aceitam. Fui para lá porque aqui
sugeriram para eu tirar um curso e tive 3 opções. Escolhi primeiro cozinha e pastelaria,
o segundo foi corte e confecção e o terceiro foi estofador, não, o primeiro foi artes
gráficas, o segundo cozinha e pastelaria e o terceiro corte e confecção. Agora estou
na cozinha, não havia vagas em artes gráficas e meteram-me na cozinha, mas eu não
gosto de cozinha. Queria tirar artes gráficas, porque eu gosto muito de desenhar.
Óscar - Havia, é muito pior, mil vezes australopitecos, prontos, eu não sou racista
mas aquela escola é, acho que é, mais de pretos do que de brancos.
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Óscar - Não, é tudo à mistura, mas às vezes há uns que brigam, olha ó preto, a tua
mãe não sei quê, coisas deste género, uma pessoa não está habituada a ouvir, e
acaba por se habituar e, prontos, lá na escola é tipo isso, quando entrei para o 7º não
conhecia ninguém, mas tive uma grande surpresa, que estava uma rapariga na minha
turma, já tinha frequentado o 5º e o 6º e tinha estado no curso de cozinha e frequentou
agora o Nível II, porque isto é por níveis que dão equivalência ao 9º ano, fiquei na
turma dela, e ela namorava um rapaz que por acaso era o mais forte lá da escola, tipo
chefe, ninguém lhe batia, ele é que mandava. Por acaso ela dava-se bem comigo,
andávamos sempre os dois juntos e depois conheci o namorado dela, prontos, e aí
ninguém me tentou bater.
Óscar - Era isso, depois eles às vezes chamavam-me olha o do coiso, olha o não
sei quê, olha o filho da Paula, pronto, era o género, comecei a gostar, no 8º ano ele
ficou lá mas depois partiu, ela depois desistiu também. Fiquei assim um bocado
desamparado, depois entraram miúdos novos, mas não houve problema que eu já
estava lá desde o 7º, e prontos, arranjei mais pessoas, aliados.
Óscar - Na minha escola é assim, gostei da matéria, havia disciplinas novas que
nunca tinha tido e prontos aprendi, e achei giro as disciplinas, os professores gostei,
menos de um deste ano, o professor de matemática, era um horror, que é melhor nem
contar. É que ele fazia cada coisa que uma pessoa fica parva, era daquele género
escreve no quadro, apaga, e depois diz perceberam? uma pessoa fica assim, chega-
se ao pé dum aluno e diz "você estava a falar? ai estava", e manda-lhe um estalo, a
mim teve uma vez o azar de me amandar um estalo, amandei-lhe com a cadeira nas
trombas, não gosto muito de violência, mas já uma vez tinha avisado se alguma vez
me bate também lhe faço alguma coisa, e então apanhei uma falta a vermelho, e
depois descontaram, porque na minha escola pagam o ordenado ao fim do ano, e por
cada falta a vermelho é menos 500$00.
Óscar - Era só este, uma vez a minha directora de turma também, acho que
tratámos mal uma empregada, chamámos nomes à empregada, prontos, foi a única
vez, mas esse professor arranja sempre conflitos com todos os alunos, chumbou dois
colegas meus que não tinham nada que chumbar, porque não dá matéria!
D. S. - Esta escola é diferente das outras escolas, aprendeste para teres uma
profissão, o que é que achaste dessa experiência?
Óscar - Gostei, mas não é a minha área, porque eu não gosto nada de cozinha,
mas de tudo o que seja ligado à moda, essas coisas, assim, eu gosto imenso, sei
desenhar muito bem vestidos, só quando eu fui para lá pensava que o 7º ano era só
para costurar, pegar numa agulha e toma lá, coses isto e não sei quê, e não me
disseram que havia a parte de tecnologia, que era a parte de aprender os tecidos, a
história da moda. O que me interessa mais aprender é a parte do desenho técnico,
fazer uma boneca para depois desenhar por cima, essas coisas assim interessa-me
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imenso, corte e confecção, prontos, pensava que era só naquele género toma lá uma
agulha e linha e toca a coser o pano, por isso é que eu não entrei, porque eu sempre
gostei dessa onda de moda. Acabei por ir parar à cozinha, porque não havia vagas em
artes gráficas, a 2ª hipótese era cozinha e a 3ª era corte e confecção.
Óscar - Sim, de cozinha e pastelaria, mas passei a todas, tirei o curso agora, já
tenho o certificado.
Óscar - Sei, e tudo, quer dizer, há pratos que a gente não faz.
D. S. - Sabes que aí pode-se pôr um bocado de arte, eu acho que tu gostas muito
de coisas de arte, fatos, de moda, de desenhar, mas um bolo também pode ser
artístico.
Óscar - Sim, porque na minha aula de desenho a gente fez a esferovite, depois
metemos massa de cozinha por cima e eu fiz a decoração do bolo, uma passagem da
Chanel tipo assim, picotei, fiz vários remendos, fiz com feitios, depois pus uma boneca
feita em massa assim no meio e pus Chanel em letras pintadas, ficou muito giro.
Óscar - Pois, mas não tem nada a ver, cozinha, pratos, vai sempre puxar a esse
lado, lavar loiça e ser chefe de cozinha, cheiro a comida.
D. S. - Foi melhor para ti teres feito essa formação profissional, ou seria melhor
teres estado numa escola das outras?
Óscar - Não, gostei desta de formação, prontos, porque aprendi muita coisa que
não tinha aprendido, disciplinas novas que não ia aprender cá fora, coisas diferentes.
Óscar - Tínhamos uma viagem com a minha turma este ano em Março, a gente foi
a França porque era o último ano, finalistas, a gente fez um restaurante pedagógico
para os professores, os professores iam lá, pagavam esse dinheiro com mais um
almoço dos dos Lyons, que é um clube de tias, clube das nossas amigas que foram lá.
D. S. - O Lyons ajudou-vos?
Óscar - Ajudou, depois a Casa Pia deu dinheiro, depois a companhia onde a gente
está a trabalhar também deu dinheiro. Conseguimos arranjar o dinheiro e fomos para
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França, porque a nossa escola faz intercâmbio com França e com os Açores, vão para
lá meninos nossos e vêm para cá outros. Foi muito giro, visitámos muitos sítios, Dijon,
Lyon, fomos aos Alpes andar de ski, gostei, fiquei com umas calças muito giras, que
eram pretas, eu dei p'raí umas quinhentas quedas nos joelhos, atrás ficou tudo branco,
aquilo agora não sai.
Óscar - Adorei.
D. S. - Agora para terminar vamos falar um bocadinho do futuro, o que é que se vai
passar agora?
Óscar - Agora, no 10º, 11º e 12º, vou tirar o curso de técnico coordenador e
produtor de moda.
D. S. - Ah, então agora vais fazer uma coisa que te interessa, isso é em que
escola?
Óscar - É, só que lá em vez da escola nos pagar, nós é que temos de pagar, mas é
o que eu quero.
Óscar - Acho que é a Santa Casa que me vai pagar, acho que sim, acho que
mereço, uma pessoa esforça-se tanto, o curso que eu queria tirar é muito caro mas
prontos, já desisti da ideia, era tirar o curso de manequim, eu tenho jeito, já fiz
passagens e vou fazendo de vez em quando, só que para entrar numa agência de
manequins tinha de tirar o curso e o mais barato que eu já vi acho que era 150 contos.
Era o que eu gostava e a começar bem cedo, novo é que é bom, porque eu tenho 16,
1,72m, mas o único problema que tenho é borbulhas, isto pode ficar, porque há base
líquida para disfarçar, é a única coisa que os homens usam para se pintar.
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Óscar - Porque eu gosto de moda, gosto muito de ver passagens de modelos,
prontos, acho que gostava de ser um manequim famoso tipo Marcos ou aquele que
acabou de morrer que fazia coisas para o Armani. As pessoas às vezes convidam-me
para fazer passagens e perguntam-me se eu sou manequim e levo com um não,
porque não sou manequim, por isso o curso ajuda imenso e é preciso estar numa
agência, tipo a Central ou a Elite. Fiz duas passagens o ano passado, era para fazer
dois anúncios, não sei se vou fazer, mas penso que não devo fazer, era para a chiclets
e para a cerveja.
D. S. - Olha, uma última questão, que pensas sobre aqueles jovens que deixam a
escola?
Óscar - Fazem mal, porque eles deviam continuar a estudar porque estudar nunca
é de mais. Uma pessoa deve aprender sempre mais, saber mais que os outros. Agora
vou dar uma crítica em relação à minha escola, ou melhor, a crítica é em relação às
outras escolas. Todas deviam ter o mesmo acompanhamento de disciplinas de saídas,
por isso é que a minha escola é muito boa, tem muitas visitas guiadas a vários sítios
sempre que há uma data para comemorar, por exemplo o dia da criança, Natal,
oferece uma coisa, não tou a exigir, a minha escola não é tipo assim Colégio Moderno,
nem Valsassina, nem coisa assim parecida.
Óscar - Acho, as visitas de estudo sempre orienta mais o aluno, acho que o aluno
fica a saber mais.
Óscar - Acho, cansam-se, por isso é que metade deles desistem de estudar e é
muita maçada, o professor chega à aula e diz já vamos dar isto e não saímos daqui e
blá, blá, blá, metade adormece, outra metade fica atento, os outros nem sabem o que
lá estão a fazer, outros só pensam quando é que toca, quero sair daqui.
Débora
D. S. - Olha, nós estamos a fazer uma entrevista para um livro que estou a
escrever, sobre o que os jovens pensam da escola, o que gostam e não gostam, as
dificuldades que têm sentido. Então começamos por falar da escola primária, como é
que foi?
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Débora - Foi na Escola 69 de Sapadores, aquela escola era assim um bocado
desleixada, porque os professores muitas das vezes faltavam, quase não tínhamos
aulas, não tínhamos casas de banho como deve ser. Ou eram os autoclismos que
estavam estragados ou eram as pias que estavam entupidas.
Débora - Alguns.
D. S. - E porquê?
Débora - Era eu que dava faltas, umas vezes não estava com atenção, outras
vezes estava com preguiça de fazer as coisas.
D. S. - Por que é que faltavas, o que é que ias fazer quando faltavas?
D. S. - Como é que era a tua vida familiar nessa altura, vivias com quem?
Débora - Com a minha mãe e com a minha irmã, a minha vida era boa.
D. S. - A tua irmã era mais velha ou mais nova? Que idade é que tem?
Débora - Não, o meu pai morreu quando eu tinha quase quatro anos.
D. S. - Foi de doença?
Débora - Não, foi ele que caiu dum prédio sem querer.
D. S. - Estava a trabalhar?
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D. S. - A tua irmã mais velha é doutro pai, mas a tua mãe não vive com esse
senhor?
Débora - Não, não, a minha mãe vive sozinha e ainda tenho mais outro irmão que é
do mesmo pai que a minha irmã. Tem 32 anos.
D. S. - Está casado?
Débora - Era as duas coisas, agora ultimamente ajudavam-me mais e assim, mas
tive uma stôra que era muito severa, na primária, era professora, não ajudava nada,
era severa, e acho que foi por isso que eu chumbei. Agora tive um professor na 4ª que
ajudava muito a gente a conseguir perceber as coisas, também brincava connosco.
Débora - Sim.
Débora - Foi, passei para o 1º ano, para o 5º, agora estou a terminar o 5º ano.
Débora - Sim.
D. S. - Fizeste lá o 5º ano?
Débora - Sim.
D. S. - Então como é que foi essa mudança da tua escola para o sítio aonde estás?
Débora - Ao princípio foi um bocado estranho, não conhecia ninguém, mas agora já
tenho amigas, gosto dos professores, é diferente aquela escola.
D. S. - Explica lá a violência que há, conta uma cena que aches que seja violenta,
da escola onde estás agora.
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Débora - Sei lá, às vezes os rapazes e as raparigas zangam-se, põem-se à tareia,
uns ficam todos negros, outros vão para o hospital.
D. S. - Mas não achas que os rapazes são assim um bocadinho mais brutos, mais
violentos ou não?
Débora - São.
Débora - Fui.
Débora - Havia cozinha e depois já era coisas mais para rapazes, como mecânico,
pintura de automóveis, serralharia, por aí, então eu escolhi em primeiro lugar oficinas
de corte e confecções, e em segundo lugar cozinha.
D. S. - Que gostavas de ser quando fosses grande, qual era assim o teu projecto?
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Débora - Sim, também, e como não é possível vou trabalhar para uma fábrica ou
coisa assim, mas primeiro vou fazer até ao 9º ano e depois saio quase com 19
praticamente e tiro a carta, arranjo um carro.
Débora - Dou-me bem, agora temos lá o meu irmão, e ele tem alguns problemas e
isso é que torna a minha mãe mais nervosa, mas a minha relação com a minha mãe é
boa, com ele é que não.
D. S. - O que fazes?
D. S. - Mas acho bem que não te deixes bater, que te saibas defender. Há quanto
tempo está ele na vossa casa?
Débora - Não, só tenho lá uma fotografia dele, porque assim lembrar não me
lembro. Coisas dessa altura eu acho que não dá para se lembrar.
D. S. - E achas que ele tem feito falta durante todo este tempo?
Débora - Não sei, ele também era uma pessoa boa, é o que a minha mãe me diz é
que ele era bom, mas também fazia coisas que não devia, sei lá, deixou a minha mãe
grávida de mim, foi viver com outra amante, e foi por causa dessa amante que ele
morreu. Ela disse que se ia embora, trancou a porta do quarto e depois ele foi lá acima
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ao telhado e tirou as telhas para ver se ela lá estava, viu que ela não estava lá e ia
saltar para a varanda e não conseguiu, caiu fora da varanda, como era de noite...
Débora - Foi.
D. S. - Débora, agora para acabar diz-me o que pensas da escola, como a escola
se poderia melhorar, o que pensas de alguns estudantes que largam a escola, já tens
ouvido falar nestas situações?
Débora - Porque a gente muitas das vezes não percebemos certas coisas e acho
que os professores deviam ajudar melhor a gente a compreender, também não devia
haver tanta violência, como roubarem e essas coisas assim.
Débora - Acho, muitas das pessoas até não querem ir à escola, querem é ir
trabalhar, já tive uma colega assim.
D. S. - Obrigado.
Fiquei muito contente com um convite que recebi no último período do ano lectivo
de 1994-1995. Tinha ido a uma Escola Secundária da região de Lisboa para mais uma
acção de formação junto dos professores, precedida por um debate com cerca de 200
alunos. No breve intervalo entre as duas sessões, a presidente do Conselho Directivo
(CD) disse-me: "Estas suas iniciativas são muito importantes, mas por que razão não
vem cá passar quinze dias intensivos no próximo mês de Outubro?" A proposta
sensibilizou-me muito e aceitei rapidamente.
Foi assim que decidi passar quinze dias intensivos numa escola dum bairro de
Lisboa, com entrada pelas 8,30 e saída às 17,30.
O meu plano era viver intensamente o quotidiano escolar, conviver com alunos,
professores e pais e propor algumas alterações que eventualmente pudessem ser
realizáveis.
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talvez uma observação por alguém de fora pudesse ser útil aos professores e aos
alunos.
O primeiro dia
Foi assim que, cerca de trinta anos depois, voltei mesmo à escola e fui assistir a
uma aula.
A maioria dos alunos deste 9º ano entram na aula após o segundo toque. Vêm em
pequenos grupos e transportam na mão dossiers e livros em mau estado. Vejo
rapazes com ar de criança, raparigas que parecem no fim da adolescência e
finalmente um grupo que entra em tropel com ar brincalhão. Os rapazes usam camisas
largas e com quadrados, por cima de T-shirts de cores vivas e calças de ganga.
Alguns têm caracóis e um boné de pala bem encavalitado, que tiram à entrada com
pouca vontade. As raparigas abafam risinhos, usam calças semelhantes às dos
rapazes e trazem cadernos e livros mais bem cuidados.
A aula prossegue com pouca participação dos alunos, que contrafeitos respondem
às perguntas com monossílabos enjoados. Olho em volta. Vejo um caixote de lixo, as
mesas dos alunos com rebordo carcomido e tampos com dezenas de desenhos - há
um rapaz que desenha agora uma sereia de mamas grandes - que, ao que me dizem,
40
foram limpos há um mês. Observo duas cadeiras desirmanadas a poeirar por ali, uma
capa plástica com umas folhas de apontamentos aparentemente da turma anterior e o
livro de ponto aberto na secretária.
Quando toca, duas alunas ficam de mãos postas a agradecer ao Senhor o fim da
aula, a professora grita uma recomendação mas já ninguém a ouve.
Fico a pensar por que razão ninguém decora a escola, a torna mais viva e pessoal,
de modo a fortalecer um sentimento de pertença?
É tudo muito rápido. Chego a um bar com uma bonita esplanada, onde alguns
alunos se sentam a conversar e a tomar qualquer coisa, ao mesmo tempo que outros
se abraçam ao longe e procuram uma intimidade amorosa que a presença de tanta
gente deverá dificultar.
Em breve entro numa sala rodeada de armários com livros, que mais tarde
verifiquei estar quase sempre sem ninguém. Um grupo de cerca de trinta professores
ladeiam uma mesa comprida e preparam-se para um seminário sobre “Sinais de
alarme na adolescência”. São estes elementos do corpo docente que estão
interessados em mudar a escola e prontos para trabalhar comigo em novas
perspectivas de intervenção. A Presidente do CD, senhora firme e afectuosa que tanto
se esforçou pela minha integração no espaço escolar, torna a explicar a minha
presença e a solicitar a participação dos colegas. O seminário dura duas horas e meia
e decorre com muito interesse. Entusiasmo-me ao verificar que há professores atentos
e com vontade de inovar, mas sem perderem a perspectiva de que não podem ser
pais ou técnicos de saúde mental.
Almoço depois no refeitório. Vejo vários alunos a aguardar a sua vez na fila, um
deles fica muito contente quando vê que é salada de atum e grita: "Só mais um
bocadinho, senhora contínua! Só mais um bocadinho!" Converso com elementos do
CD e com a senhora que chefia os Serviços Administrativos, pessoa disponível que
em breve me entregará um dossier com toda a Legislação escolar.
Passeio a seguir pela escola. Percebo que o belo jardim à entrada não é
frequentado por alunos (ao que parece estão proibidos de ir para lá para evitar que o
estraguem) e há amplos espaços desaproveitados. Desço uma pequena rampa e vejo
a cave da escola, com aulas a funcionar num piso térreo com vista para um espaço
deserto de qualquer vegetação, encimado por um pequeno monte de terra vedado
deficientemente. Junto às janelas há umas arcadas sem aproveitamento, já que estão
cheias de mesas e cadeiras partidas, caixotes de lixo com mau aspecto e restos de
outros materiais. Imagino imediatamente mesas de pingue-pongue, um posto de rádio
ou um espaço para convívio, mas sou acordado do meu sonho por uma advertência
de um membro do CD, que manda para cima dois alunos suspeitos de consumos
41
tóxicos. Percebo que é naquele local mais abandonado que se encontram os alunos
mais problemáticos, enquanto a maioria prefere a confusão da zona mais acima.
Os alunos
Nos primeiros dias, verifiquei que nenhum aluno parecia dar pela minha presença
na escola. Passavam por mim como se de mais um professor se tratasse, ou talvez
me achassem com cara de inspector do Ministério, uma vez que andava por toda a
parte a observar o que se passava.
Rapidamente fiquei com a ideia de que os alunos se distribuíam por vários grupos.
Havia os da AE, os bons alunos sempre a falar de estudo e aqueles que se
deslocavam de um lado para o outro sem nada de particular. Nos quinze dias que
estive na escola, o que mais me preocupou foi um “deixar andar” que por vezes se
desprendia das suas atitudes. Não havia comportamentos globalmente preocupantes:
um vidro partido durante um jogo de futebol, um aluno em cima de um telhado
encorajado por outros que o incentivavam cá de baixo, cenas de empurrões e insultos
nos intervalos, rapidamente sanadas pela intervenção de terceiros.
Nos grupos formados a partir dos mais novos, a participação era um pouco
anárquica. A curiosidade pela minha pessoa era expressa através de perguntas
directas "conte-nos o seu trabalho", "qual a diferença entre um psiquiatra e um
psicólogo)", a evoluírem rapidamente para questões mais gerais (a família, a escola, a
droga e a violência). Eram necessários cerca de dez minutos para conter aquele
turbilhão um pouco infantil que queria falar a todo o custo. Várias vezes pensei o que
se teria passado nos seis anos anteriores nas outras escolas, já que os alunos
pareciam não ter qualquer hábito de estar em conjunto ou partilhar experiências e
pontos de vista diferentes.
A situação era diferente nos grupos de alunos do 10º ano. Sabiam ao que vinham e
alguns conheciam-me através dos meus livros, de idas à televisão ou mesmo pela
minha presença na escola no ano anterior. Meia dúzia pediu autógrafos nos livros ou
ficou para trás para colocar problemas pessoais.
42
Lembro particularmente uma turma de Artes do 11º ano. À minha esquerda ficou
um rapaz de olhos cinzentos, casaco largo de cor preta e corte arrojado, calças
cinzentas de ganga, justas numas pernas magras. A camisa branca, de colarinho à
chinesa, fechava com um estranho lenço de pequenos quadrados roxos. Em frente
sentou-se uma rapariga bem alta, com longos cabelos pretos e olhos castanhos
brilhantes. Os dois dinamizaram a reunião. Discutíamos a decoração das tristes
paredes da escola, particularmente da Sala de Alunos, rectângulo configurando um
espaço razoável até ao momento completamente desguarnecido. O rapaz-artista
propôs em voz muito baixa a elaboração de um painel pintado que cobrisse duas
paredes, enquanto as outras teriam folhas de papel de cenário retiradas após uns
tempos de utilização. Por entre frases tipo "Fala mais alto!, Não se ouve!", alguém
contou uma história curiosa. No ano anterior um projecto para um mural tinha sido feito
por estudantes do 10º ano, com o apoio de uma professora de quem os alunos
gostavam. O trabalho ficou na gaveta porque alguns professores não tinham aprovado
e o CD não resolvera as divergências.
Chegou à hora marcada com o cachecol enrolado à cintura, como quem ostenta
uma faixa eclesiástica. Contou-me então a história que se segue.
Tinha dezasseis anos, andava no 11º ano e era uma aluna razoável. Não se dava
com muita gente na escola, porque entendia ser difícil encontrar alguém a quem fosse
útil contar o seu problema.
Aos 12 anos fora abusada sexualmente por um tio materno. Manteve com ele uma
intimidade física culpabilizante durante três anos. Aos 15, fez uma tentativa de suicídio
com comprimidos e aproveitou a ida ao hospital para contar tudo à mãe.
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Estranhamente não obteve grande alívio com a confissão. Por razões que
desconhece, mas que suspeitava estarem relacionadas com problemas de família, a
mãe protegeu o irmão e não tomou qualquer atitude. A rapariga pensa até que por
qualquer motivo inconsciente, como aprendeu na Psicologia, a mãe a empurra para o
tio. Não consegue libertar-se da situação porque receia o pai, violento e alcoólico; que
jamais perdoaria a todos estas relações secretas. Não sabe o que fazer.
Olho para ela, desprotegida à minha frente. Pela primeira vez reparo que tem uns
sulcos avermelhados que partem dos olhos e ladeiam o nariz.
Falámos longamente num gabinete, depois fui com ela até à porta da escola.
Procurei sobretudo ouvi-la. Falou muito de si, como se odiava por vezes e tinha
vontade de morrer. Descreveu a sua culpa e o seu remorso. Desabafou sobre o medo
dos homens e como jamais seria capaz de arranjar um namorado. Desenvolveu a
conversa sobre o seu próprio corpo, como desejaria renascer, matar aquele pedaço de
si mesma que desejava esquecer para sempre. Mostrou, apesar de tudo, esperança
em ser capaz de se libertar.
Apareceu mais tarde num debate com os colegas. Fez perguntas como outro aluno
qualquer e parecia que nunca me tinha visto. No fim da discussão deixou-se ficar para
trás, fingindo arrumar os livros e disse-me: "Volte quando puder a esta escola.
Precisamos de alguém que fale connosco"
Quis dizer qualquer coisa, mas o segundo toque fê-la ir-se embora.
O estrangeiro
Reparei no estrangeiro no segundo dia. É um rapaz alto, magro e muito loiro que
anda em grupo, mas que às vezes se deixa ficar para trás a vaguear pelo pátio. Calça
uns ténis enormes, usa calças de ganga esburacadas e uma T-shirt verde por baixo de
um blusão em mau estado. Percebe-se, contudo, que não é pobre, uma vez que anda
com os betos da escola e tem uma moto de boa cilindrada. O seu aspecto meio
perdido, a cara muito branca e os olhos de um azul-forte lembram mais um nórdico do
que um habitante da capital. Deixava-se ficar encostado às esquinas ou a olhar para
fora numa mesa junto ao bar, e uma vez dei com ele cá por baixo, naquela zona onde
se acumulavam os restos de mesas e de material escolar.
Dois dias depois, uma das professoras disse-me num sussurro: "Olhe aquele ali,
parece que está noutro mundo. Dizem que se droga e arrasta outros com ele. O CD
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está muito preocupado". Referia-se ao estrangeiro, que tudo parecia ter compreendido
porque rapidamente se afastou.
Fui vendo por onde ele parava nos dias que se seguiram. Encontrei-o uma vez no
futebol com as aulas a funcionar, noutro vi-o sentado num pequeno grupo onde um
colega tocava viola, até que surgiu num dos debates com os alunos, ficando sentado à
minha frente.
A certa altura levantou o dedo para falar. Apesar de só ter quinze anos, tinha uma
voz forte e bem colocada. Desprendia-se uma raiva enorme de tudo o que dizia e
amarrotava o boné de fazenda cinzenta sempre que se entusiasmava: "Não vale a
pena estarmos aqui a fazer propostas. Os professores não têm respeito nenhum.
Mandaram pôr um vidro à frente da sala deles, criaram uma divisória para ainda
ficarem mais distantes e cada vez nos falarem menos. Tenho uma stôra que diz “não
sou papagaio” quando lhe perguntamos uma dúvida, manda-nos frequentemente para
a Feira da Ladra e não perde a oportunidade para nos chamar burros e preguiçosos.
Para quê falar em diálogo com professores destes? Ei reparou que se fez um jardim
em frente do CD e da Secretaria mas não podemos lá entrar? Um gabinete de
marketing, um gabinete de marketing é o que o CD".
Mais tarde vim a saber que o estrangeiro faltava sempre às aulas, mas comparecia
todos os dias na escola. Sempre pensei ser necessário que professores e pais se
empenhassem conjuntamente nestes alunos que não saem da escola nem vão às
aulas. Sugeri por isso que se contactasse urgentemente a família e se falasse com o
rapaz.
Pedi à mãe do estrangeiro que aguardasse o fim do primeiro período, até porque
não depositava grande esperança naquela fuga à pressa para a Irlanda. O rapaz
rapidamente perderia as poucas referências que tinha e talvez não se encontrasse
mais. Prometi-lhe tentar junto dos professores um enquadramento diferente do
problema.
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Encontrei uma Directora de Turma disponível e um professor de Educação Física
interessado. Dadas as especiais aptidões que o estrangeiro tem para a prática do
desporto-rei, como costuma escrever-se em A Bola, combinámos entusiasmá-lo a
voltar a jogar futebol regularmente, ao mesmo tempo que alguém o puxaria
delicadamente para as aulas, se mantivesse o seu padrão de permanecer no pátio.
Saí da escola estava este plano ainda em marcha, mas a avaliar pelo que se disse
numa reunião intercalar, havia sinais de melhoria.
Os alunos e as aulas
O comportamento dos alunos variou muito nas diversas aulas a que assisti. •
Evidente que a minha presença na sala determinou alterações, embora a minha
estada na escola fosse apresentada da forma o mais simples possível, género um
professor que está cá a trabalhar. Algumas linhas de força, contudo, podem ser
entendidas através das minhas observações nesta e noutras escolas:
- problemas de turbulência dos alunos mais novos parecem indicar dificuldades das
famílias actuais em transmitirem normas sociais e valores de tolerância e respeito
pelos outros.
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as mesas e as cadeiras em U. Distribui uma ficha intitulada divisibilidade por 5 e por
10, organiza o trabalho e pede rapidamente a designação de um porta-voz em cada
grupo formado.
Enquanto os alunos trabalham com um barulho de fundo que no meu tempo não
seria permitido, percorro com o olhar as paredes degradadas e vazias, pingos de
chuva que correm das janelas e mais inscrições na parede: Carla Loves Tó, “NÇO
GUERRA”, ou desenhos nos tampos das carteiras, se calhar de valor insuspeitado. A
professora continua a andar de um lado para o outro e não permite que o sussurro se
transforme em gritaria. Observo-a com atenção. Há uma certa tensão no seu andar
apressado, mas a experiência e provavelmente a sua boa saúde mental fazem com
que todos os seus gestos tenham por objectivo a melhoria das condições de
aprendizagem. Tira dúvidas rapidamente sem ditar as respostas, faz uma festa
afectuosa num aluno que lhe agarra o casaco e adivinha mais carente, ou abre os
olhos mais severos a uma rapariga que puxa os cabelos a outra.
A aula continua neste ritmo alucinante. Olho pela janela e vejo o campo de futebol
com alguns alunos que por certo faltaram às aulas, oiço o barulho da cidade ao longe
e o tempo a pedir chuva. A professora não pára: já vamos na última pergunta, parece
muito satisfeita quando olha de novo para o relógio e começa a falar do trabalho de
casa. De repente a campainha desata a tocar, o aluno que escrevia só com a carga
atira-a ao ar sem que a professora veja, outros saem rapidamente com um "boa tarde"
stôra que gostei de ouvir.
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"Como posso dar a divisibilidade por cinco e por dez se eles não se ouvem uns aos
outros? É preciso começar bem, porque os alunos têm poucas normas interiorizadas e
estão sempre a testar até onde poderão ir". Sinto-a um pouco cansada e faço notar
essa minha Impressão, responde-me com um sorriso e um leve encolher de ombros.
Percebo que quem não se quiser cansar a dar aulas deve rapidamente procurar outra
ocupação.
Os professores e as aulas
A Sala de Professores fica à direita de quem entra. Protegida por um vidro que a
separa do barulho da entrada, é designada pelos alunos como “aquário”. Tem uma
forma de lá um pouco esdrúxulo, com um pequeno sofá à esquerda de quem entra e
um sector mais à direita, com mesas e cadeiras onde os professores se encontram
numa conversa de livros e dossiers. As professoras mais velhas pareciam pontificar:
ocupavam os melhores lugares, nem sempre respondiam aos cumprimentos de quem
entrava, mas valia a pena ouvir o que diziam. Trocavam impressões sobre as aulas,
mostravam fotografias umas às outras e diziam mal do Ministério.
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veremos a seu tempo. Não parece ser possível evoluir sem que os professores
ganhem tempo a discutir o seu próprio modo de funcionamento, sem rivalidades
excessivas ou narcisismos bloqueadores.
Numa aula do 10º ano, tive ocasião de conversar com os alunos sobre o problema
de indisciplina numa cadeira. A Directora de Turma, organizadora do debate, está na
posição correcta: recusa levar e trazer mensagens entre os alunos e a colega e
aproveitou a minha presença na escola para organizar um debate na sua aula. Peço a
uma aluna que represente o papel da professora em questão e vejo uma bonita
rapariga transformar-se numa mulher gritona: "Não sou um papagaio para andar a
repetir as coisas!" Não pensem que eu abro a porta quando chegam atrasados! Não
olhem para mim como boi para palácio! Entretanto outro aluno, com um boné colorido
em cima da mesa e dois brincos na orelha direita, mostrava um desenho da citada
professora, onde estranhamente aparecia uma mulher com barba.
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Outros professores aproveitavam a minha presença na escola para promover
debates sobre temas que interessavam aos alunos. Fiquei agradavelmente
surpreendido com a profundidade das questões levantadas e com a seriedade posta
na sua resolução, em turmas do 9º ao 12º ano. Nas turmas do 7º e 8º anos, nota-se
que infelizmente os alunos estão pouco habituados a trabalhar em conjunto e a
participação é muito espontânea mas anárquica.
Recordo uma turma do 12º ano. Quando entrei com a professora, já as cadeiras
estavam dispostas em elipse sob a direcção do moderador. Sentado numa das pontas,
era um rapaz muito alto, de barba rala e grandes olhos negros, com um sorriso que
devia deixar alguns corações destroçados. No fim da aula veio falar comigo sobre uma
questão pessoal e pude confirmar a sua maturidade.
Começou por dar a palavra a um colega que falou mais ou menos assim:
- Stôr, ainda bem que está aqui na escola, porque assim podemos falar um bocado.
O ano passado esteve cá, ouvi-o dizer que o diálogo com os pais e professores é
muito importante, mas... às vezes não vale a pena. Eu tive de deitar o meu pai abaixo
para ele me deixar usar o cabelo comprido. E a nossa professora de Filosofia, quando
lhe fazemos uma pergunta, diz: "Eu sou como Sócrates, devolvo a pergunta. Sou pela
dúvida metódica, a uma dúvida respondo com uma pergunta, por isso devolvo a
questão". O Stôr está de acordo com o que eu penso fazer que é devolver-lhe as
perguntas nos testes?
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Olhei o relógio e estava quase a tocar. É fantástico como numa escola tudo está
condicionado pela campainha e as coisas acabam no melhor da festa (ou então o
toque é o gongo que salva alguém de ir ao tapete). Desta vez enganei-me, porque o
moderador continuou a dar a palavra como se nada se tivesse passado. Como era o
último tempo, deduzi que os alunos tinham decidido ficar até mais tarde. E assim foi,
continuámos durante mais meia hora a discutir. Surgiram outros tópicos: a melhoria da
escola, o que fazer na Sala dos Alunos, o relacionamento com os pais, a violência da
televisão, a porrada nos bairros (como dizia um rapaz de fala presa e olho vivo) ou a
camada de ozono. Estou um pouco cansado com tantas questões, o meu olhar mais
uma vez vagueia por toda a sala de aula, só agora reparo que os pequenos cabides
da parede à esquerda estão todos partidos e a secretária da professora ostenta a giz
um enigmático FELIX IS THE BOSS. Ouço um pouco mais, um aluno com dificuldades
de expressão, deixa as frases inacabadas, mas percebo que está preocupado com a
droga na escola e chega a propor uma espécie de F.B.I. de Bronx para apanhar os
toxicodependentes, desencadeando um coro de protestos...
Nesta escola pude conversar mais longamente com alguns professores, quer nas
aulas quer nos seminários organizados durante a quinzena da minha permanência.
Tive também a sorte de poder assistir a uma reunião intercalar. Estávamos no início
de Novembro e a escola ia parar dois dias para uma primeira avaliação qualitativa.
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está em cima da mesa: a turma tivera falta colectiva porque se recusara, por duas
vezes e em bloco, a responder à chamada. A aluna não arranja força para argumentar,
é a Directora de Turma que consegue ver um pouco mais além e introduz a relação
alunos-professora na causalidade da falta. Quanto a mim, que tinha pensado não
intervir mais, introduzi o comportamento dos alunos como um desafio à autoridade da
professora e como um apelo a uma mudança de relacionamento. Olharam todos para
mim com perplexidade e então pensei como é importante sair um pouco do quadro de
referência habitual para poder observar melhor.
Fico a pensar que nas escolas é preciso ir além das estruturas já definidas. As
reuniões intercalares são essenciais para reflectir, mas não chegam. É necessário
criar pontos de encontro professores-alunos-pais em comissões ad-hoc ou estruturas
flexíveis que sobretudo melhorem a comunicação. Se é correcta a participação dos
Delegados dos alunos em reuniões com o corpo docente, é preciso perceber que a
sua capacidade de intervenção está francamente limitada pela diferença de poder que
possuem as duas gerações em presença.
Fiquei com a certeza de que dar aulas mesmo numa escola secundária é hoje uma
tarefa difícil, pela complexidade dos problemas que diariamente surgem e pela
escassez de recursos disponíveis. Saí desta escola com a certeza de que os alunos
muitas vezes não têm razão, que há alguns que só estão na escola porque lá fora é
bem pior e que há outros que necessitam duma disponibilidade crescente que as
estruturas actuais dificilmente comportam. Permaneci também com uma convicção
que já tinha: há factores pessoais muito importantes no êxito da profissão de
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professor. Não chegam a boa preparação de base, uma sólida formação permanente e
o bom clima escolar; é necessário aquele “gostar das crianças”, que um latagão de
dezasseis anos um dia me disse ser um ingrediente essencial num professor.
Foi a pensar nestas coisas que solicitei uma pequena entrevista a uma professora
desta escola. Tinha reparado nela nos debates e não esqueci também as referências
positivas que muitos alunos lhe faziam. Confirmou-se a minha teoria: apoiava as
iniciativas dos alunos e sabia partir dos seus interesses para dar os conteúdos
curriculares. Como professora de Português, tinha construído com os seus alunos um
autodicionário de aprendizagem, que tinha conjugado a observação de quadros da
pintora Paula Rego, a utilização de computadores na sala de aula e elementos
didácticos da disciplina. As definições obtidas tinham um carácter pessoal em que o
verdadeiro mestre é aquele que tem o significado das palavras. "São os alunos que
nos abrem a porta para o seu universo e nos dão conta da sua carga afectiva e
ideológica", como escreveu no seu pequeno relatório. O imagicionário tinha definições
deliciosas, como se segue:
AZAR - o azar está associado ao destino, mas o destino muda-se e dá-se o azar.
Falei com a Drª Maria Teresa Coutinho numa sala com alguns computadores e
muitas ideias no ar. Observei o entusiasmo por detrás de uns olhos brilhantes e de
duas rosetas que lhe alegravam a face, mas gostei sobretudo do seu realismo. Sabia
onde podia ir com os alunos e as dificuldades que as escolas atravessam. Acho
mesmo que me olhou com alguma benevolência, certa de que muitas das minhas
ideias iriam esbarrar com as vicissitudes do quotidiano escolar.
53
interesses, a linguagem... Sem esta disponibilidade da parte do professor, a
possibilidade de “encontros pedagógicos” fica comprometida à medida que se constrói
uma relação baseada no diálogo, apercebemo-nos do desfasamento que existe, a
maior parte das vezes, entre o que o adolescente quer efectivamente e o que a escola
lhe propõe, os planos curriculares completamente desadaptados ao seu querer. A
carga horária impede-os de aprofundar cientificamente duas ou três áreas disciplinares
do seu projecto de estudos e o seu ritmo de trabalho é repartido por um leque de
disciplinas com uma aprendizagem média. Esta razão está muitas vezes na base de
uma desmotivação à partida em relação a determinadas disciplinas que os alunos não
sentem como fundamentais. São estes desencontros que criam nos adolescentes uma
angústia do futuro que particularmente me preocupa.
Por outro lado, nas escolas que temos, os professores têm que assumir papéis
diversificados, de educadores, de psicólogos, de orientadores profissionais, de
assistentes sociais, de pais. Estas funções não podem ser desempenhadas por quem
não tem formação específica e por isso há inúmeros sinais, que os adolescentes
transmitem, e que, ou não são em devido tempo detectados ou são interpretados de
uma forma incorrecta. Os problemas familiares, os casos sociais, as situações de
saúde e de droga que atingem as nossas escolas necessitam de profissionais dessas
áreas que trabalhem em conjunto com os professores.
54
relacionamento afectivo, que possibilite um desejo por parte dos alunos de integrar o
novo, relacionar saberes e aprofundá-los pela pesquisa. Nesta reflexão é importante
que sejam os alunos a descobrir e enunciar quer as ambições quer as inquietações
em relação às aprendizagens. Penso que a apresentação de sugestões por parte dos
alunos permite um conhecimento da turma e possibilita a elaboração de estratégias de
acordo com as propostas. Trata-se de estabelecer, desde o início, um contrato
pedagógico que assenta no conhecimento mútuo, na partilha responsável entre alunos
e professor, tendo em conta o ritmo de aprendizagem de cada aluno.
Na minha prática tenho verificado que um contrato com estas características, que
implica regras de organização da disciplina e de participação activa por parte de todos,
permite que se não chegue a situações de ruptura que impossibilitem aprendizagens
posteriores, pois os alunos estão implicados no processo.
Actualmente há situações que pela violência que transmitem são para mim
potenciais factores de indisciplina. Refiro-me à dificuldade que muitos adolescentes
sentem em integrar-se em determinadas turmas, sentindo-se à partida excluídos em
termos sociais. Temos que estar atentos e encontrar estratégias que favoreçam a
aproximação de todos os elementos da turma. No ano anterior, numa turma de vinte e
três alunos com alguns alunos africanos, apercebi-me que sobretudo a linguagem era
motivo de olhares e rejeição por parte de determinados alunos. A integração de outras
culturas está ainda longe de se tornar uma prática comum nas escolas. Comecei por
ler passagens do livro Cada Homem É Uma Raça, de Mia Couto. Pequenas histórias
que todos os alunos começaram a querer ouvir. A simplicidade e a diferença do
vocabulário, o maravilhoso e a presença de valores como a partilha, solidariedade e
respeito pela liberdade foram temas de debates. Os alunos de origem africana fizeram
uma recolha, através dos seus familiares, de lendas que apresentaram à turma e o
estudo da língua, do valor das palavras e da criatividade da formação de novos termos
foi um trabalho extremamente rico do ponto de vista pedagógico. A integração e a
cooperação entre todos começou a desenvolver-se e conseguimos realizar, ao longo
do ano, projectos onde alunos com experiências diversificadas se completavam.
Penso que a indisciplina dever sempre fazer parte de uma preocupação preventiva
e não colocar-se como uma situação que se banaliza e que se vai tentando resolver
temporariamente. Em momentos de desordem do adolescente, que por vezes são
frequentes, é necessário falar-se individualmente, sem perda de tempo e com firmeza,
com os alunos envolvidos e chegar a um consenso. Para mim, são sempre situações
que traduzem o mal-estar do adolescente, que encontra no espaço da sala de aula
condições favoráveis de desenvolvimento. E as estratégias terão sempre de passar
por um conhecimento da situação de conflito e serem adaptadas aos alunos em
questão.
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desenvolver metodologias que criem aprendizagens mais elaboradas. Ao trabalhar
com os alunos, o grupo desenvolve várias competências, o desafio instala-se e surge
o desejo de ambas as partes se empenharem no projecto. Trata-se nesse momento de
um trabalhar para quem pretende alargar os horizontes culturais, os conhecimentos
científicos integrados num projecto colectivo do grupo/classe. Os alunos devem
conhecer os factores que entram na sua avaliação e ser elementos activos numa
reflexão sobre o seu saber.
Mas, se o professor trabalha para os alunos sem ter em conta estes elementos,
resulta a maior parte das vezes num esforço inglório, pois os alunos vêem-se
envolvidos por uma série de intenções e de materiais com os quais não se identificam.
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Num outro domínio, outro projecto interdisciplinar, “Imagicionário”, teve como
finalidade a aprendizagem de um vocabulário científico, da disciplina de Psicologia, a
partir do vocabulário de base dos alunos. O ponto de partida foi uma visita a uma
exposição da pintora Paula Rego. Os alunos identificaram-se com determinados
quadros e livremente criaram em grupo pequenas narrativas de grandes
inquietações... Os textos construídos no computador foram revelando as indecisões, o
retomar de ideias, e finalmente deu-nos a conhecer o mundo das representações dos
alunos. A apresentação dos textos finais à turma, através de estratégias diversificadas
(dramatizações, teatro de fantoches, concurso de imagens e vídeo), fez ressaltar o
vocabulário comum mais significativo e cada grupo deu a sua definição personalizada
relativamente aos vocábulos.
A experiência que tem havido entre nós tem a ver com os Projectos Educativos de
escola enquanto expressão da identidade da própria escola. Mas esta experiência tem
falhado em muitos casos pelas contradições da própria legislação e também pela
ausência de formação de professores nesta área. A formação de professores ou foi
esquecida, ou foi feita de uma forma irregular, insuficiente, sem critérios e sem
objectivos. Para se alterar um clima de escola é necessário que, a par de uma
formação específica das áreas disciplinares, haja uma reflexão contínua sobre as
práticas e se criem equipas pluridisciplinares que permitam experiências pedagógicas
diversificadas de acordo com as características da escola e dos alunos. Pelo contrário,
ultimamente temos assistido a uma cultura do individualismo que tem bloqueado a
cooperação entre professores, grupos disciplinares, escola/pais/comunidade,
elementos fundamentais na formação de um clima de escola.
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O que pode alterar um outro sentir da escola são sobretudo os factores humanos
que implicam comunicação, responsabilização e uma grande motivação por parte dos
professores, que têm sido sistematicamente postos à margem do processo da pseudo-
reforma. Também os alunos, através das Associações de Estudantes, têm um papel
de dinamização e intervenção extremamente importante, podendo imprimir à escola
novos sentidos de acordo com as suas preocupações e expectativas, mas nem
sempre tem havido uma proximidade de diálogo com a gestão das escolas.
Aprender e socializar são os valores que defendo para a concepção de uma outra
escola, desenvolvendo a cidadania, apostando no espírito crítico e criativo
independentemente das condições de trabalho que devem ser bastante melhoradas.
Os pais e a escola
Lembro-me de uma mãe que me fez perguntas sobre a dislexia do filho, outra que me
questionou sobre questões de indisciplina, para além da mãe do estrangeiro, a que já
fiz referência. Impressionou-me, contudo, a pouca frequência com que os pais se
deslocam à escola. Existem várias razões que explicam este facto. Muitos pais têm
pouco tempo, gastam muitas horas em transportes e não lhes é fácil deixarem os
empregos (onde às vezes estão em situação precária) para irem à escola dos filhos,
em horas pouco convenientes para o seu quotidiano. Outros pais têm desconfiança
em relação aos professores, sentidos como possuidores de maior instrução e talvez
com maior ascendência sobre os mais novos. Há pais que estão de tal modo distantes
dos filhos que não faz sentido preocuparem-se com eles, ou então receiam encontrar
situações difíceis e por isso é melhor ignorarem o que se passa. Também existem pais
que gostam de acompanhar os filhos e vão até à escola. São sobretudo pais-
professores, às vezes com rivalidade com os colegas, ou pais de bons alunos que
querem seguir de perto os êxitos dos filhos.
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Vislumbro, todavia, alguns sinais de esperança. As Associações de Pais têm em
Portugal apenas vinte anos de existência. Sendo certo que muitas escolas não sabem
o que isso é, outras há em que as Associações são apenas embrionárias e vivem à
custa do esforço de alguns entusiastas. O seu número cresce, todavia, diariamente, e
neste momento começam mesmo a emergir cada vez mais Federações de
Associações de Pais, que se unem para resolver problemas comuns. Os pais
começam a tomar consciência de que os recursos do Ministério da Educação não são
infindáveis e que se torna necessário unir esforços e definir competências. Quando um
pai tem um filho com dificuldades escolares, a primeira coisa que dever fazer é
procurar o Director de Turma e tentar unir a sua compreensão do problema (através
do que observa em casa) com a leitura que o professor faz da situação (a partir do que
vê na escola). Este esforço conjunto de diagnóstico é essencial para encontrar a
solução, ou pelo menos a forma de minorar o problema. Por vezes os pais estão
demasiado presos a questões que na minha opinião não lhes dizem directamente
respeito, como a didáctica da sala de aula ou as perguntas dos testes. Na minha
experiência como pai, recordo como uma terrível perda de tempo as infindáveis
perguntas que os outros pais faziam sobre as faltas e o aproveitamento dos seus
filhos, levando a que se perdesse a oportunidade de discutir problemas comuns a
todos os progenitores. Também fico um pouco impressionado quando vejo pais a
falarem só de segurança, drogas e polícias, esquecendo-se de que a forma como os
filhos se sentem na escola é essencial para o seu desenvolvimento adolescente.
Há muitas coisas que pais e professores podem fazer em conjunto (1). No princípio
do ano, mesmo antes de as aulas começarem, sugiro uma reunião conjunta para
definição de um programa de acção. Pode começar-se por discutir e chegar a acordo
sobre as necessidades dos alunos naquele momento, focando áreas tão diversas
como as instalações, os apoios escolares e os tempos livres. Depois é necessário
inventariar os recursos disponíveis e aqueles a que eventualmente poderão ter acesso
(a partir das famílias em questão, da escola e da comunidade circundante). Deve ser
feito também um balanço do ano que passou de modo a ter-se uma ideia do que
falhou e dos bloqueios que existiram nos programas não realizados. Finalmente, é
1
Para aprofundar este assunto, sugiro a leitura do vol. 7, nº 3, 1994, da Revista Inovação, do Instituto de
Inovação Educacional, onde recolhi sugestões para este capítulo.
59
crucial definir as regras de funcionamento com a clarificação de papéis (o que
compete ao CD, ao Ministério, à AE e à Associação de Pais, por exemplo).
Este contrato, que deverá ser escrito e assinado pelas partes em presença,
vincular pais e professores a uma estratégia comum directamente relacionada com o
projecto educativo da escola e com os problemas reais dos alunos.
São inúmeras as tarefas a realizar. Em primeiro lugar, deverão ser feitos esforços
no sentido da melhoria da comunicação, através da participação conjunta no jornal da
escola, na definição de novas estratégias de convocação para os pais ausentes
(telefonemas, telegramas, visitas) ou em realizações na escola que envolvam toda a
comunidade escolar (a festa do patrono, o convívio de Natal, a comemoração de uma
vitória desportiva da equipa da escola). Os pais, unidos aos professores e aos
estudantes, constituem um fortíssimo grupo de pressão que pode levar o poder a
apressar uma obra prometida ou a fornecer um recurso indispensável à escola. Os
amplos conhecimentos que o conjunto dos pais possui facilita também a realização de
melhorias significativas na escola, já que se vê alargado o campo de influência pelo
sinergismo dos diversos grupos em presença.
É bom não esquecer, contudo, que os pais não podem jamais ser receptores
passivos daquilo que o CD pretende. Nalgumas escolas assisti a uma aliança um
pouco perversa entre grupos de pais e elementos do corpo docente, de modo a
fazerem vingar projectos pessoais que na realidade pouco tinham a ver com a escola.
A esperança aumenta quando se reflecte e podemos partilhar os problemas e essa
deverá ser a meta a alcançar. Muitos pais não vão à escola, além das razões
apontadas, porque na realidade não sabem qual o seu papel no edifício onde os filhos
andam tantas horas. É necessário que não esqueçam que o processo de envolvimento
ajuda os professores mas também melhora a família, porque aproxima os pais dos
problemas dos filhos e determina um maior envolvimento afectivo.
Os pais são essenciais à escola, porque ajudam a definir prioridades e fazem força
em conjunto para a resolução dos problemas, mas são também muito importantes
para o professor, visto que podem ajudar a compreender melhor o aluno e a descobrir
soluções para as dificuldades. São os alunos vulneráveis os grandes beneficiados com
esta aproximação pais-professores, mas toda a escola daí poderá tirar benefícios.
60
comentário irónico do professor barbudo, quando lhe disseram que pais e professores
pareciam até aí ser o governo e a oposição. Ajeitou os óculos e disse na sua voz
possante: "MAS O GOVERNO É SEMPRE O MESMO!"
Foram muitas destas questões que debati com a Dr.ª Adelaide Cordovil, Presidente
da Associação de Pais de uma Escola Preparatória da região de Lisboa que tive
ocasião de visitar. Desde logo me impressionaram o seu dinamismo e a clareza das
suas posições. Transcrevo agora parte da nossa conversa, esperando que as suas
palavras sirvam de estímulo a alguns pais distraídos.
D. S. - Como é que tem sido a sua experiência e como é que tem vivido o seu
papel na Associação de Pais, em relação aos pais, aos professores e aos alunos?
Pretendíamos participar também na reflexão das questões que têm a ver com
aspectos ligados ao funcionamento interno: não colocação ou absentismo de
professores, qualidade do ensino, entre outros.
D. S. - Quando diz como parceiro, como tem sido a sua experiência, visto que se
instaura às vezes alguma rivalidade entre pais e professores?
Penso que é relativamente fácil trabalhar com os Conselhos Directivos, pelo menos
para nós foi e será eventualmente para todas as Associações quando as questões são
comuns e reivindicativas para o exterior, ou seja, lutar por uma cantina, por um
polidesportivo, contra a falta de professores ou de pessoal.
61
D. S. - Essa divisão parece-me importante. É necessário em primeiro lugar haver
acordo sobre questões como instalações, funcionários, que tenham a ver com uma
posição face ao exterior, ao Ministério, à Câmara, à Junta de Freguesia...
Penso que aqui há que repensar o problema e eventualmente criar regras mais
flexíveis e que respondam melhor à necessidade de os alunos terem asseguradas as
suas aulas.
D. S. - O que é pena!...
D. S. - Por que razão, face a uma situação grave, os pais não pedem o apoio da
Associação?
62
A. C. - Penso que as Associações de Pais, do ponto de vista do conjunto da escola,
infelizmente ainda têm um papel muito pouco importante, nós somos uma escola de
680 crianças e sócios da associação eram 80 talvez, e só depois de um certo trabalho
realizado durante este ano.
Um dos principais objectivos da nossa acção foi chegar aos pais, para que
sentissem que era importante estarem organizados e para que participassem mais na
vida da escola. Penso que os pais ainda vêem a sua presença na escola numa
perspectiva muito individual... "eu vou resolver o que se passa com o meu filho, vou às
reuniões de turma, quando vou discuto as notas, as faltas dos professores", às vezes
de uma forma marcadamente reivindicativa. Não se sentem ainda motivados para
quantificar os problemas, discuti-los com os seus pares e estabelecer diálogos e
aprendizagens entre os pais e com a escola.
A. C. - Fizemos esse esforço, para criar alguns canais de comunicação com os pais,
entre eles uma Folha Informativa publicada ao longo do ano, um horário de
Atendimento de Pais, que se iniciou com uma duração mais prolongada e depois foi
reduzido porque os pais não apareceram.
Fomos contactados apenas uma vez devido a atropelamentos que atingiram crianças
da escola, o que nos levou a desencadear, em conjunto com o Conselho Directivo,
uma Campanha de Prevenção Rodoviária e diversas diligências junto da Câmara de
Lisboa.
D. S. - E os pais compareceram?
Penso, no entanto, que para todas as Associações de Pais é um pouco pesada esta
fraca participação dos pais nas reuniões, no trocar experiências e vontades. Não é só
no reivindicar que temos um papel importante, temo-lo também na construção de uma
Escola diferente. Há certamente muita coisa que não é preciso ser o Ministério ou a
Câmara a fazer, há muita coisa que pode passar pelos pais. Estamos sempre a
reivindicar o jardim, o banco, a mesa... se calhar, todos juntos éramos capazes de
fazer imenso sobre algumas destas coisas, não era preciso estarmos à espera que a
instituição de fora tratasse disso.
D. S. - Estou muito de acordo com isso. Queria agora voltar um pouco atrás em
relação às questões da indisciplina. Que pensa sobre o papel das associações de pais
nessa área?
63
A. C. - Penso que é uma questão muito complicada e que nós enquanto grupo (pais)
temos também mais dificuldade em assumir, até porque os professores normalmente
atribuem aos pais a responsabilidade da indisciplina... os meninos entram na escola,
não são educados, não sabem relacionar-se com os adultos, são malcriados, são
agressivos com os professores, etc.. Não será generalizável esta atitude mas tem um
certo peso.
Nós sentimos que uma parte da indisciplina passa pela educação familiar, pelas
experiências que as crianças foram tendo na família, em socialização mais alargada
nos sítios onde vivem, mas trabalhar estas questões não é fácil, talvez porque nos
questionem profundamente.
Todas estas questões são um desafio para as Associações de Pais e não temos
respostas... penso que andamos todos à procura, e só trazendo os pais à escola,
equacionando este problema, poderemos começar a dar alguns passos mais seguros.
64
Compete assim a todos nós conseguirmos criar na escola uma certa dinâmica, uma
maneira de estar, de estimular o gosto e uma maior responsabilização dos alunos pela
criação e manutenção de espaços, cuidarem do material que estragam, por exemplo
colaborarem na jardinagem, criarem actividades dentro da escola que respondam aos
seus interesses... Sabemos que por vezes alguns pais reagem "era o que faltava, que
o meu filho agora ande a apanhar papéis na escola", portanto tudo isto passa por um
diálogo muito grande entre pais e professores, sobre qual o papel da escola, o que
entendemos como educação, o que é isto de responsabilização dos alunos, como é
que se ganha o gosto pela escola e pelo dia-a-dia na escola, como se estabelece a
confiança entre o aluno e o professor...
Último dia
Deixei a escola no fim da segunda semana. Era sexta-feira à tarde e os alunos saíam
contentes pelo fim-de-semana que chegava.
A estudante das lágrimas ácidas estava à saída para me dizer adeus. Já tinha
marcado consulta em Santa Maria e parecia mais alegre. Vi ao longe o rapaz artista e
fui à cave dizer adeus a umas funcionárias com quem tinha falado. Às vezes
esquecemo-nos delas, parecendo não querer ver como são essenciais para o bom
funcionamento da escola.
A escola está lá, para quem a quiser mudar. Pela minha parte, adorei lá ter estado.
Encruzilhadas
65
Começo por dizer que a indisciplina não é uma doença, como por vezes se quer
fazer crer, quando se enviam ao psicólogo e ao psiquiatra adolescentes invulgarmente
turbulentos. Então terá de ser a escola a equacionar e a resolver essa questão. Na
doença mental, o papel do estabelecimento de ensino é apenas preventivo: criar as
condições para que diminua o seu aparecimento, detectar precocemente os casos que
surjam e articular-se eficazmente com um serviço de saúde. Vejo confundirem-se
constantemente questões ligadas à organização da escola e da turma com aspectos
de vigilância de saúde e de tratamento que devem ser resolvidos por entidades
exteriores à escola. Sem esta clarificação inicial, toda a acção que vise a mudança de
atitudes será prejudicada.
Professores, pais e alunos parecem contudo de acordo num enunciado deste tipo: "é
necessário um entendimento geral do modo de funcionar em cada escola, que permita
melhores resultados escolares e um clima de razoável bem-estar para os diversos
intervenientes no processo educativo. Cada escola tem assim a obrigação de se
preocupar com o controlo disciplinar, entendido como o conjunto de todas as
actividades que visam exercer alguma espécie de influência sobre o comportamento
dos alunos, procurando ajustá-lo àquilo que é, para cada professor e pelos
professores em cada escola, considerado como padrão de comportamento aceitável"
(2).
É uma questão que muito me preocupa e que tem uma difícil resolução.
2
Domingues, I. (1955), Controlo Disciplinar na Escola - Processos e Práticas. Lisboa: Texto Editora. Para
além da definição, foram utilizados neste livro alguns conceitos expressos nesta obra.
66
diversos legisladores podem produzir doutrina legal que não é cumprida na sua
plenitude por muitas e variadas razões.
Um exemplo tornará mais claro estes níveis que tenho estado a descrever. A
legislação ministerial regula o regime de faltas, mas o momento da sua aplicação pode
ser decidido em regulamento interno da escola, quer dizer, é esta que define se a falta
de presença é marcada logo ao segundo toque ou no fim da aula. Em seguida, o
professor em cada turma optará por fazer ou não a chamada, confiar no Delegado e
pedir o seu depoimento ou simplesmente não valorizar excessivamente o problema.
Destes factos resulta que são frequentes as inconsistências normativas nas escolas
do Ensino Básico e Secundário. Nas discussões com professores, vejo que há
frequentes confusões de nível lógico, isto é, falam ao mesmo tempo de uma norma
geral (o regime disciplinar) e de uma acção individual de controlo disciplinar. Não se
podem confundir dispositivos legais válidos para todas as escolas com acções
concretas, resultantes de uma interacção específica a acontecer naquele momento.
Esta dificuldade só pode ser superada com uma melhoria da comunicação entre os
professores, de modo a que tenham contacto com os procedimentos dos colegas na
resolução dos problemas mais difíceis, sem que isso os limite na sua criatividade na
sala de aula. Pretendo, portanto, propor que os professores ganhem algum tempo a
conversar uns com os outros, em reuniões informais e formais, de modo a definirem
consistentemente um conjunto de regras gerais de conduta face ao problema do
controlo disciplinar.
a) antes de iniciar o ano lectivo, naquele período em que se estão a fazer os diabólicos
horários e as famílias aguardam o início do ano escolar, os professores e os pais
67
debateriam as questões mais prementes da escola, sendo trocadas informações
recíprocas;
c) teriam lugar várias reuniões de professores no âmbito dos órgãos da escola, bem
como encontros informais sobre a questão da disciplina (sugiro que os professores
almocem juntos...);
É essencial que o conjunto de regras básicas de cada escola esteja definido antes do
Natal. O primeiro período de aulas compreende aquele tempo em que os alunos
testam os limites do sistema escolar e detectam as suas incoerências.
Como muito lucidamente escreve Maria Teresa Estrela, “as regras pedagógicas
subordinam-se aos fins do processo pedagógico e da produção que ele pretende gerar
e são relativas às situações criadas em função de determinados modelos de
intervenção pedagógica. Não são, pois, imperativos pedagógicos, mas imperativos
hipotéticos que adscrevem certos meios à realização de certos fins, revestindo-se, por
isso, de um carácter instrumental e arbitrário. Essa arbitrariedade não exclui, no
entanto, a racionalidade, pois só esta pode justificar a sua razão de ser e, portanto,
legitimar o seu uso. Da compreensão da legitimidade da regra decorre a probabilidade
de ela ser aceite ou respeitada" (3). Se um comportamento menos habitual, por
exemplo levantar-se sem licença e falar alto do fundo da sala, é aceite em Português,
é difícil ao aluno perceber que ele deve ser reprimido em Inglês. A simples recepção
passiva da explicação do professor versus a participação permanente noutra aula,
pode ser motivo de confusão gerador de indisciplina.
a) não considerar a turma como um todo, género esta turma é péssima, aquela turma
é boa. Trata-se de um sistema humano, cujos elementos são muito diferentes entre si.
Vêm de famílias diversas, têm idades não coincidentes e ritmos de aprendizagem que
3
Estrela, M. T. (1994), Relação Pedagógica, Disciplina e Indisciplina na Aula. Porto: Porto Editora.
68
não se sobrepõem (basta pensar nas suas diferentes motivações e desenvolvimentos
cognitivos). Então, é preciso compreender a rede comunicacional da turma, perceber
quem são os elementos fundamentais e qual é a cultura juvenil subjacente (não
confundir cultura com instrução), partir dos interesses dos alunos e adequar o mais
possível os conteúdos programáticos às vivências dos estudantes. É importante não
classificar a turma pelo que se ouviu dizer. Vejo professores mais novos virem
aterrados para as aulas, no início do ano lectivo, porque um colega mais experiente
lhes meteu medo com o comportamento daqueles alunos, a partir da sua experiência
no ano transacto. Como as coisas mudam depressa na adolescência!
Para além do arranjo espacial já referido, o docente tem ele próprio de adoptar
comportamentos que melhorem a comunicação. Para prevenir problemas de
indisciplina, todas as atitudes de escalada simétrica devem ser evitadas, isto é,
quando o aluno provoca, o professor precisa de responder a essa provocação de um
modo diferente daquele que é esperado; ou seja, se o aluno grita, está provavelmente
à espera de que o professor berre mais alto, iniciando-se uma série de
comportamentos desajustados que terminarão quase sempre pela expulsão do
estudante. Se, pelo contrário, o professor responder uma coisa deste género: "eu
estou muito calmo: Se continua a gritar vai ficar cada vez mais sozinho...", é possível
69
que a surpresa da resposta produza algum efeito. É evidente que não pode haver
receitas para dificuldades deste tipo; a essência do êxito radica no elemento
inesperado que contém.
Lembro uma professora de meia-idade, um pouco desiludida com uma carreira cheia
de vicissitudes, que mostrava a sua surpresa perante certo comportamento ocorrido
na sala de aula. Tinha por hábito circular entre as carteiras durante os testes, facto
que me lembrou um professor de História do meu tempo, habituado a surpreender-nos
a copiar durante os exercícios escritos. O êxito deste meu antigo mestre estava
relacionado com o seu estrabismo, porque sempre que ele gritava "Tu aí! Estás a
copiar!" levantava-se, aflito, todo um sector da aula... Pois a professora em questão,
que não era estrábica, tinha tropeçado num sapato de ténis francamente saído da
ordem das filas que preconizava.
Tomou este facto como uma partida (atribuiu-lhe uma intencionalidade) e, com o seu
próprio pé, empurrou com vigor o do rapaz. Cinco minutos depois várias dezenas de
sapatos bloquearam definitivamente a passagem. Sucedeu-se uma infinidade de
discursos e recriminações recíprocas, que terminaram com algumas faltas
disciplinares e um teste adiado. Não teria sido melhor que a professora fosse buscar
um dossier e o colocasse delicadamente sob os pés do prevaricador? Ou se não
quisesse ser tão ousada, não resultaria um simples e delicado pedido?
É bom também que o professor olhe para os alunos. Sou a favor de um olhar em
farol, de modo a percorrer toda a turma e captar rapidamente todas as comunicações
verbais e não-verbais, podendo actuar rapidamente nos indícios de mau
comportamento. É possível assim verificar também o modo como está a ser entendida
a explicação ou como evolui o trabalho de grupo. É essencial não haver tempos
mortos numa aula, pois eles conduzirão facilmente a interrupções ou a distracções.
Quando se utilizam mecanismos de entreajuda entre os discentes, é preciso prever
ritmos de trabalho diferentes, de modo a não causar ansiedade nos menos rápidos e a
ocupar os que acabaram primeiro.
70
eventuais culpas no desencadear dos comportamentos indisciplinados, remetendo-se
a um prudente silêncio, que é factor de agravamento do problema.
71
Numa escola do Ensino Básico da região ribatejana, foram os alunos que me
chamaram a atenção para a violência aí existente. Houve pessoas de bairros
degradados que invadiram a escola (infelizmente não havia portão), mas os
estudantes estavam cientes da sua própria violência. Os jogos do intervalo sugeriam
esses comportamentos: a cachaça, a fila da cachaça, a sarrafada, a à roda bota fora e
a meia. A cachaça era para ver quem dava caldos mais fortes, a variante fila da
cachaça correspondia a uma série dos mesmos “caldos” em alas de estudantes
abertas para o efeito. A sarrafada e o à roda bota fora eram variantes de pontapés e
caneladas que expulsavam os mais fracos, enquanto a meia, certamente inspirada
num filme da televisão, consistia num assalto com a cara tapada a algum estudante
indefeso. Foi possível organizar com estes estudantes de 10-12 anos outros
divertimentos mais inócuos, a partir das suas próprias sugestões e com o apoio dos
professores. Será que é assim tão difícil?
Tal como os alunos desta escola referiam, a violência no espaço escolar pode ser de
vários tipos. Temos a violência exógena, provocada pela infiltração de agentes
externos à escola, mais grave em escolas localizadas junto a bairros de graves
carências socioeconómicas; existe depois a violência na escola, que mostra uma certa
falta de sentido cívico, traduzida por comportamentos disruptivos, quer no pátio quer
na sala de aula; finalmente temos a violência contra a escola, caracterizada por
comportamentos e atitudes claramente antiescolares, assumindo a forma de um
verdadeiro desafio à ordem do estabelecimento.
A partir da sua experiência com escolas francesas, Jean Michel Dumay (4) salienta
que o sentimento de insegurança cresce sempre mais rapidamente do que a própria
insegurança, pelo que é essencial prevenir em vez de remediar, quando o medo já se
apossou de nós. Este autor elaborou um quadro dos diversos estádios de degradação
da vida escolar causados pela indisciplina e violência que adapto a seguir pela sua
evidente utilidade:
4
Cf. Dumay, J. M., L'école agressée - réponses à la violence. Paris, Belfond, 1994.
72
Degradação da vida Manifestações Efeitos
escolar principais provocadas no
corpo docente
Estádio 1 Recusa de regras na Comportamento Desmoralização
turma. Pouco barulhento. Apartes dos professores
trabalho agressivos
Estádio 2 Violência verbal. Comportamento Pequenos
Pequenos delitos. provocatório. momentos de
Absentismo Desafios à autoridade medo
É evidente que todo o trabalho deve ser feito antes, ou quando muito, no Estádio 1.
É essencial não deixar crescer a violência dentro da escola e não cessar num só
momento de a discutir e de a tentar resolver. No final deste tópico sobre a indisciplina,
talvez seja útil resumir os meus pontos de vista:
3 - Os pais deverão fazer corpo com os professores nesta tarefa. As aulas correrão
melhor e o envolvimento pais-filhos será mais próximo.
4 - A escola promoverá a crescente actividade dos alunos, quer nas aulas quer nos
tempos livres. Aluno inactivo e desinteressado pode rapidamente tornar-se
indisciplinado.
73
HÁ AGRESSIVIDADE SEM SENTIDO NO ESPAÇO ESCOLAR. O esforço de todos
nós deverá ser o de a interpretar e combater.
Para lidar com as dificuldades psicológicas dos seus alunos, a escola deve ter uma
nova mentalidade. A educação para os valores, com aumento da tolerância e respeito
pelo outro, numa atmosfera de entreajuda e de menor competitividade, é essencial
para assegurar uma maior estabilidade psicológica a todos os que a frequentam. A
melhoria da própria eficácia da escola, em termos da diminuição do insucesso e
abandono escolares, contribui também decisivamente para a prevenção das doenças
psiquiátricas dos seus membros.
5
Para mais informação sobre este tema, consultar Vieira, A. P., Sampaio, D., Sinais de Alarme Num
Adolescente Deprimido em Risco de Suicídio. Noesis (56):33-35, 1993.
74
O CD de cada escola deve procurar uma ligação com um Centro de Saúde ou uma
Equipa de Saúde Mental, de modo a assegurar o envio urgente e eficaz dos
adolescentes em crise. Não basta enviar burocraticamente, pois sabemos que em
Portugal o peso e a lentidão dos serviços administrativos torna inviável uma resposta
rápida.
- rupturas afectivas, quer familiares quer com namorado(a) (impressiona verificar como
tantos pais e professores têm uma atitude paternalista e sobranceira face às relações
afectivas dos adolescentes, designando-as por namoricos e diariamente
subvalorizando a sua importância no desenvolvimento juvenil);
- sinais de depressão, por vezes indirectos: negligência não habitual com a roupa e
com a higiene, referência a insónia persistente, abuso de álcool e drogas, fugas de
casa, comportamentos de risco, material escrito ou expressão artística que revele
preocupação com temas como a morte e o suicídio;
Se a escola está localizada numa zona de alta taxa de suicídio (em Portugal, no
Alentejo e Algarve), a possibilidade da imitação do gesto suicida é maior. Estão
descritos momentos da vida das escolas em que aumentam as tentativas de suicídio,
quer em alunos quer em professores. Neste último caso, é importante informar o corpo
discente do que se está a passar e quem substitui o professor-vítima. A pior coisa que
pode suceder numa escola é ninguém falar da crise que a atravessa (seja de suicídio,
de violência ou de toxicodependência). Os meios de comunicação social, se por acaso
acorrem ao local, devem ser informados sem pormenores sensacionalistas, sem
referência aos nomes em causa e com notícia dos locais de tratamento. A informação
deve ficar centralizada num membro do CD para evitar dados contraditórios.
76
Um professor ou um pai podem ainda ser procurados por um jovem confidente do
plano suicida de um colega ou amigo. Sabemos, aliás, que a maioria dos jovens
escolhe um companheiro da mesma idade para desabafar sobre as suas ideias de
morte, sendo mais raras as conversas com adultos. Devemos então alertar os alunos
para essa possibilidade e ajudá-los a lidar com a situação, sobretudo em zonas ou
momentos de maior risco.
Existem outras situações ligadas à Saúde Mental que inquietam pais e professores.
Estão neste caso os problemas ligados à toxicodependência. Não sendo um
especialista no assunto, parece-me que a questão da droga suscita alguma
preocupação. Muitos estudantes experimentam substâncias, frequentemente por
curiosidade, às vezes por desafio. Em quase todos parece haver quebras importantes
da auto-estima, que facilitam a procura rápida de soluções mágicas para o mal-estar.
A prevenção deve começar em casa e na família, através da melhoria da
comunicação, da proximidade e do reforço positivo dos comportamentos dos filhos. A
escola deve continuar esse importantíssimo trabalho preventivo (6), através de debates
sobre o assunto e com planificação de acções junto dos alunos e professores, de uma
6
Para desenvolvimento deste tema, consultar as publicações do Programa de Educação para a Saúde
(PES), Ministério da Educação e o livro A Prevenção das Toxicodependências, de Maria Nazaré Baptista.
Lisboa, Texto Editora, 1995.
77
forma organizada, na qual a discussão de atitudes a tomar ocupe lugar preponderante.
Impressionou-me detectar nas escolas um permanente clima de suspeição face a
alguns comportamentos ligados (?) aos consumos tóxicos, sem que se tomem
medidas para fazer face ao problema. A droga não acaba na escola só porque há mais
polícia lá fora ou pelo facto de os estudantes consumidores serem castigados ou
enviados para outros estabelecimentos de ensino. Aqui, como noutras questões, é
essencial promover a discussão livre e aberta sobre o problema e respeitar a
privacidade dos eventuais consumidores, que devem ser ajudados em privado e
encaminhados para um apoio especializado. Mais uma vez é importante que a escola
se articule com um serviço de atendimento com experiência em toxicodependência, de
modo a que os seus alunos sejam rapidamente atendidos e ajudados nas suas
dificuldades. No panorama actual da luta contra as dependências no nosso país, não é
fácil conseguir este objectivo.
Os pais devem compreender também que a escola não pode fazer tudo. Assisto a
reuniões com encarregados de educação que solicitam o fim da droga na escola,
através de simples medidas de controlo. Quem trabalha num estabelecimento de
ensino sabe bem que a vigilância não pode ser a única medida. Temos de
compreender cada vez melhor os mecanismos internos que levam a que alguns
adolescentes aceitem a droga e outros a recusem, assim como precisamos de
modificar as atitudes de todos em relação ao problema. A escola pode ser um
importante local onde a mudança de mentalidades face a este problema encontre o
início do longo caminho que é necessário percorrer.
78
Tínhamos combinado por fax um debate com os professores que o desejassem, já
que estávamos no fim do ano escolar e poderia ser interessante fazer um balanço e
preparar o recomeço das aulas. Entrámos sem demora num anfiteatro um pouco
apertado para tantos professores presentes. Dispunham-se em pequenos grupos,
alguns inclinavam-se e falavam com os colegas das filas de trás, outros consultavam
dossiers com ar cansado. Fomos apresentados em tom entusiástico, o Professor
Daniel Sampaio e a Dr.ª Cristina Nazaré, o que me fez pensar na minha mania de
chamar Nazaré Cristina e não Nazaré Santos, como toda a gente.
D. S. - Obrigado pelo convite e pela vossa presença. Vamos ter algum tempo para
falar sobre a escola, por isso queria lançar para já apenas dois temas: a importância
da coesão entre os professores a propósito das normas na escola e a diversidade dos
estabelecimentos de ensino. Começo por este ponto, para dizer que todas as escolas
são diferentes. Mesmo aquelas que estão em locais próximos e que recebem alunos
com proveniências sociais, culturais, semelhantes, podem ser bem distintas umas das
outras. Na minha opinião, isto deve-se sobretudo ao modo como as escolas se
organizam, porque a escola é uma organização.
Então será fundamental percebermos cada vez melhor como vamos trabalhar no
sentido de tornar mais racional, mais afectiva e mais gratificante a organização da
escola. Não poderemos ficar sempre à espera do Ministério ou a acreditar que
melhores dias virão, sem fazer nada no sentido da mudança.
79
com um elevar de voz, quando um professor da linha compreensiva disse que era tudo
um problema do stress, por isso ele não permitia no dia-a-dia da escola, mas
autorizava nos testes "porque aí sim, estão nervosos e precisam descontrair".
Se falo deste pequeno episódio, que vejo provocou o vosso riso, é porque ele
encerra uma contradição permanente entre os professores que diminui a sua
capacidade de actuação e permite, ou encoraja, atitudes mais provocatórias dos
alunos. Os jovens testam frequentemente os limites, para verem até onde podem ir.
Se não há limites, se há clivagens dentro do corpo docente, com cada um a definir a
seu modo o que deve ser dito, não admira que os alunos queiram ir mais além. O
mesmo se poderia dizer de outras situações em que os procedimentos não são
convergentes, como no caso do regime de faltas disciplinares, na importância dada
aos toques de entrada e de saída, na marcação cuidada ou displicente dos testes...
Não estou a defender que todos os professores devam actuar da mesma maneira,
sempre com as mesmas regras, de modo a tentarem ter alunos de bibinho às riscas!
Nada é mais importante do que a liberdade e a criatividade do docente na sala de
aula! Estou apenas a querer dizer que tem de haver um entendimento mínimo sobre o
que é essencial dizer aos alunos sobre normas gerais de comportamento e
organização da escola, jamais sendo possível funcionar bem se as atitudes a exigir
aos alunos não tiverem consistência. Em cada momento é preciso reflectir, tentar
novas estratégias, ouvir os alunos e as suas famílias, estar atento ao contexto onde a
escola funciona.
UMA PROFESSORA - Quando falou das cinco respostas que foram dadas à questão
da pastilha elástica, como é evidente estou de acordo com uma delas, eu sou de facto
pelo não consentimento, só que me parece que em relação à pastilha elástica, como a
outras coisas, nós não devemos só proibir. Falta uma coisa, que é explicar, se calhar
até a explicação que eu arranjo é uma que se prende com a formação que tive. Tenho
quase 50 anos, tenho vinte e tal anos de ensino, é que me parece que muitas coisas
80
que se fazem hoje na sociedade porque nós não as explicamos ainda que seja
procurando uma lógica para o não consentimento, por exemplo quando os meus
alunos aparecem com pastilha elástica, eu não digo só "nada de pastilha elástica",
explico que aprendi que as pessoas quando falam umas com as outras, se estão a
comer mastigam, engolem para poderem falar, para que enfim a sua participação seja
melhor, para que se possa ouvir o que estão a dizer. Ligo aquilo a uma regra que me
foi ensinada, e a aula é um espaço de diálogo, logo se o outro está a mastigar eu até
posso não o entender. Sinceramente não sou pela pastilha elástica, tenho ouvido dizer
que é prejudicial para a saúde, mas às vezes eu até permito, pela lógica até tenho de
aceitar, é um exercício escrito, o aluno à partida nem me vai perguntar nada...
A MESMA PROFESSORA -... Os meus alunos já sabem que não, mas admitia que
outro aceitasse, mas sou de facto é pelo diálogo e pela explicação das coisas, e há
também uma coisa que eu também acho, e agora me pareceu que mais uma vez eu
não estava errada, é a história do não permitir pequenas coisas... quer dizer, o
indivíduo hoje rouba um livro, ninguém chamou a atenção para o facto, ninguém o
penalizou, embora tivessem tido conhecimento do facto, amanhã está a roubar um
automóvel, portanto eu insisto que as coisas devem ser explicadas.
PROFESSOR - Acho que sim, que o professor, por isso é que eu sou professor, não
é por outra coisa, o professor marca e tem de marcar, tem de construir, moldar, e tem
de mexer e a grande magia de ser professor é essa. Desconfio que não há mais
nenhuma profissão como a nossa em termos de construir o presente e o futuro, o
futuro irá ser aquilo que nós fazemos nas aulas. Os miúdos não estão com pachorra
para me estarem a ouvir falar das minhas convicções, das minhas emoções, eu sou
professor de Português, se calhar os miúdos querem que eu leia um poema, alguns
deles querem mesmo que eu leia um poema e que lhes explique e chegue aí e pare,
porque a minha função para eles é ser técnico de informação, ou técnico de educação,
que passa conhecimentos, mas que fica ali. Se calhar há outros que não, que
pretendem usufruir do professor também a emoção da leitura, o gosto do poema... Às
vezes a nós professores é pedido que ajamos como técnicos que passam a
81
informação e outras vezes nos é pedido que desenvolvamos maneiras de ser,
maneiras de estar, etc., muitas vezes é preciso parar para pensar e trazer os miúdos
para reflectir na violência, na indisciplina, estava a pensar nas turmas que tenho e se
calhar devíamos ter feito isso este ano, pelo menos numa turma. Mas a verdade é que
se eu quiser responsabilizar os alunos e se os quiser trazer para problemas, para a
discussão da violência ou da indisciplina, eu tenho de estar à partida aberto para
aceitar aquilo que me vão dizer, e aquilo que uma turma me vai dizer pode ser
completamente diferente do que outra turma me vai dizer. Isso pressupõe que eu
possa ter hipoteticamente 20 regulamentos internos dentro de uma escola, porque eu
posso ter uma turma que me diz mais ou menos assim (e já não vou aos exemplos
concretos, vou à atitude na sala), em que eles me dizem: «Acho que nós devemos ser
responsabilizados, mas nós não devemos ser controlados na aula, devemos estar
mais ou menos como queremos, como nos apetece, e se a mim me apetece estar a
fazer um desenho enquanto estou a ouvir o professor acho que devo estar a fazer o
desenho». Isto é uma conduta, uma maneira de ser, uma maneira de ver as aulas, eu
vou para outra turma e eles dizem-me «por uma questão de imaturidade da nossa
parte temos de ser guiados, e se nós estamos a fazer desenhos temos de ser
chamados à atenção». São duas perspectivas completamente opostas, díspares e
provavelmente incompatíveis dentro da mesma escola, dentro do mesmo ano, e eu
não sei se isto depois não cria situações complicadas de gestão e de funcionamento
da própria escola...
D. S. - Acho que o professor tem de se dar como pessoa e depois depende do que
cada um quer transmitir como pessoa. Não é preciso irmos dizer qual a nossa crença
religiosa, o nosso clube de futebol... agora há um aspecto importante: se somos
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questionados sobre isso não nos devemos esconder, os alunos podem-nos fazer
perguntas directas e aí devemos dar alguma coisa de nós com os limites do bom
senso. Eles às vezes perguntam o «Stôr é casado, tem filhos, tem namorada», às
vezes dizem «Ai! O Stôr Francisco casou, o Stôr de Francês anda a namorar com a
Stôra não sei de quê». São histórias que eles me contam, dizem que estavam a
pensar que o Stôr devia ser solteiro, mas depois viam-no ir esperar a Stôra de não sei
quê à saída da aula! Falam destas coisas, significa que eles estão atentos à vossa
dimensão humana, ao que são como pessoas. Com alunos de 13/14/15 anos é
extremamente importante aquilo que transmitem como pessoas! Agora é evidente que
há um certo limite, que é o da reserva natural da nossa própria intimidade, que não
deve ser devassada. Queria pegar agora no problema das regras, porque acho que
tocou num ponto essencial. Quando se está a falar no regulamento interno da escola
não se está de maneira nenhuma a querer limitar a criatividade e a margem de
manobra do professor na sala de aula.
Não podemos legislar sobre tudo, se nós legislamos sobre tudo e fazemos um
regulamento interno enormíssimo ou fazemos vários regulamentos internos, como
estava a dizer, o professor fica tolhido na sua criatividade, na maneira como tem de
actuar! Quando estava a pensar no regulamento da escola eram normas gerais muito
simples sobre funcionamento dos toques, questões gerais de disciplina, os horários, o
papel da associação de pais, o papel da associação de estudantes. Dentro da escola
há muitas turmas e muitas salas de aula e se calhar há uma infinidade de pequenas
regras que deveriam ficar contidas dentro deste esquema geral, mas que podem ter
muitas configurações. A mim não me repugna nada que numa turma tenham uma
estratégia completamente diferente de outra, acho isso completamente adequado,
desde que tenham o mínimo de consistência dentro da escola. Não há dúvida de que
as turmas são diferentes, dentro de cada turma há uma enorme diversidade individual
dos alunos, portanto o professor tem de estar atento a isso e tem que funcionar de
modo diferente. Os alunos contam isso o “Stôr” naquela turma fez não sei quê, na
nossa turma não faz, para eles isso faz-lhes confusão, mas pode ser importante que o
professor funcione de modo diferente em cada turma, porque há alunos que são mais
interessados numas coisas, outros são mais participativos. Não podemos agora
pensar que vamos ter um protocolo de funcionamento da escola, que os professores
são autómatos e que vão seguir à risca esse protocolo. O que acho importante é que
os professores duma turma discutam entre si determinado tipo de funcionamentos
dessa turma.
Concordará comigo que isso falta muitas vezes aos professores, reunirem-se
informalmente e dizerem - está-se a passar isto na aula de Português, está-se a
passar isto na aula de Matemática, como é que estás a fazer, como está a lidar com a
situação. Se os professores conseguirem fazer isto, então para aquela turma há uma
estratégia comum de funcionamento, que vai melhorar a capacidade de resposta do
professor dentro do quadro geral de funcionamento da escola. Quando eu falava no
regulamento, falava de um quadro de referência para todos os professores, que tem a
ver com o funcionamento da escola em si. Depois acho que cada professor, na sua
sala de aula, deve ter uma margem de manobra que lhe permita actuar junto dos
alunos. Há sempre uma margem pessoal de actividade do professor que tem de ser
um pouco deixada à sua experiência, à sua criatividade.
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N. S. - Estão todos preocupados no sentido de eu vou servir como modelo, no fundo
eles vão olhar para mim. Mas há aspectos que devem ser preservados, são coisas
íntimas que fazem parte de nós e que não vamos expor; mas não se deve ter receio
de se dar de corpo inteiro, eu sou assim, estas são as minhas convicções, porque os
jovens vão ser de facto como uma esponja, nesta fase inicial. Estão com as antenas
completamente atentas, estão a captar tudo, mas vão ser capazes de fazer uma
filtragem e vão conseguir encontrar a sua própria resposta. O mais importante, parece-
me, é não ficarmos amedrontados no sentido de termos de ser muito bons, de ser
modelos, se estamos também muito convictos de nós isso transparece e eles captam
isso muito bem. Ao mesmo tempo precisamos dialogar, eles não nos procuram, mas
esta possibilidade de dialogar com eles mantendo as suas convicções é importante.
Não tenha receio de eles fazerem uma colagem, eles acabam por não a fazer, irão
fazer muitas colagens pelo menos nos quartos, vão buscar muitas coisas onde se irão
encontrar a si próprios. Agora é muito melhor ser assim, do que estarmos a ser muito
neutrais e com muito medo, aí perdemos a hipótese de eles terem qualquer coisa,
continuo a achar que é básico o calor da relação afectiva, passa também por os
castigar, mas é crucial estar de corpo inteiro!
OUTRA INTERVENÇÃO - Eu posso achar, como alguém que está do lado de fora a
observar, que o papel dos pais se apagou porque estão pouco tempo com os filhos.
Nós dizemos a escola está a assumir o papel da 2ª casa, segundo a sua observação,
nalguns casos está já como a 1ª casa, os professores estão a assumir a posição dos
pais. A minha dúvida também é neste sentido, se eles estão dispostos a olhar o
professor, para que o professor assuma uma posição não só de administrador de
conhecimentos como também de técnico de educação.
D. S. - Acho que sim, acho que eles estão à procura, acho que estamos a viver um
momento de indefinição em que eles sentem os seus pais muito inseguros, bastante
pouco presentes de facto, muito assoberbados com o trabalho. As crianças e os
adolescentes, contudo, têm uma enorme necessidade de se aproximar dos adultos,
acho que isto é uma regra de ouro! A maioria das pessoas não pensa assim, julga que
os jovens não querem falar com os adultos, que não vale a pena o diálogo e de facto
não é assim. O contacto que temos tido com os alunos mostra que a queixa é que os
adultos não têm tempo para eles, isto é completamente constante do Norte ao Sul do
País, em todas as classes sociais. A grande queixa é essa, os pais não estão
disponíveis para nós, os professores estão ocupados com os programas e com as
avaliações e não têm tempo para nós. Evidentemente que eles estão à procura e há
bocado estive muito de acordo consigo, eles estão ainda a ver o que é que vai
acontecer e às vezes querem ficar só com o poema, mas se tiver tempo e se puder
avançar um pouco mais, vai ver que alguns querem ir para além do poema e interagir
consigo. Isto vai ser sempre assim, pegando na sua expressão, ir para além do
poema, trabalhar o poema e falar consigo, isso é uma experiência que eu tenho, são
pequenos momentos fundamentais para a adolescência de hoje, porque eles têm
poucos interlocutores.
OUTRA INTERVENÇÃO - Eu acho que isto se prende com aquilo que o meu colega
estava a dizer, sinto que o perigo poderá residir entre aquilo que é relativo e aquilo que
eu acho que continua a ser absoluto, porque penso que eu fazer passar como um
valor absoluto aquilo que é uma convicção pessoal que tenha a ver com o futebol, eu
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sou do Benfica, os meus alunos são do Sporting, às vezes temos discussões
interessantíssimas, aquilo que é do futebol, que é da religião, que é da política ou seja
do que for, é aquilo que eu considero que é relativo e é bom. Procuro que os miúdos
fiquem a saber qual é a diferença entre o relativo e o absoluto, qualquer um de nós,
independentemente da crença, do clube e da cor, deve fazer passar aquilo que
continuo a considerar os valores absolutos, porque nós caímos numa espécie de
relativizar tudo e não sei se será aí que reside a tal crise de valores de que se fala. Há
valores que eu considero absolutos, o respeito pelo outro, o esperar a sua vez, o ouvir,
a justiça, o não fazer juízos de valor acerca do outro, penso que é tudo isto que cada
um de nós deve fazer passar para os miúdos, porque no fundo o que eles precisam é
de segurança, de afectividade da nossa parte.
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tenho grande dificuldade em exigir a um aluno que tire o pé de cima da cadeira e que
não faça barulho a arrastar a cadeira quando se senta, porque possivelmente em casa
ninguém o vai repreender ou pelo menos orientar. Penso que somos mais um fio
condutor do que propriamente nós invocarmos muito sobre aquilo que somos e que
queremos que a geração seja. A grande falha é que tudo cai sobre nós, temos de ser,
temos de ser, temos de ser, eu penso que nós já somos muito, a família é que está a
ser cada vez menos!
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Os pais estavam centrados completamente na parte escolar, porque era uma família
que tinha muito a expectativa de que ele pudesse crescer socialmente, estando
realmente focados na escola não reparavam que o rapaz tinha ganho medalhas e
taças na competição de atletismo. Tentámos trabalhar um pouco com a família, o pai
começou a acompanhar o rapaz aos treinos, e às competições, porque ele ia sempre
só com os outros ou com os pais dos outros. Houve uma nítida melhoria na sua
performance escolar quando começou a ser valorizado pelos pais numa dimensão
muito importante para ele, porque não só mexia com o seu corpo, mas também
estimulava o contacto com outros através do desporto.
UMA PROFESSORA - Queria falar de um outro caso de um aluno que tinha e que
estava quase reprovado por excesso de faltas no final do 1º período. Um dia achei que
deveria ter uma conversa com ele fora do espaço de aula, no recreio estávamos a
falar e a certa altura disse-me que não devia falar com ele ali porque era um ex-
drogado, agora não era mas que eu poderia vir a ter problemas com isso. Respondi-
lhe que podia falar com quem quisesse naquele espaço do recreio, e naquela altura
passa uma colega minha e ele disse-me: Está a ver aquela senhora? Amanhã vai-lhe
perguntar qualquer coisa sobre mim. E no dia seguinte a colega abordou-me e disse-
me: Olha, ele foi meu aluno o ano passado, não vale a pena perderes tempo com ele,
é um drogado, acabou, não vale a pena. Na continuação da conversa com o rapaz
disse-lhe: "tu estás quase reprovado por faltas, vamos fazer aqui um acordo: se não
faltares mais até ao final do ano e te mostrares interessado, dou-te a passagem", e o
rapaz nunca mais faltou. Um dia veio ter comigo e disse-me: "Tenho problemas
militares, tenho de ir a Lisboa mas vou trazer um papelinho em como vou ao
recrutamento", "não vale a pena, eu acredito", e o rapaz lá veio com o papelinho e eu
não o quis receber, nem sequer era Directora de Turma para estar a receber aquilo.
Estava a fazer o estágio e o rapaz soube que eu ia ter uma aula assistida. Nesse dia
vai para a aula completamente diferente, andava às vezes um bocado sujo, naquele
dia vai de casaquinho e quando entrou na aula olhou para mim e fez-me um sinal de
que tudo ia correr bem o que, e parecendo que não, me deu uma certa força interior.
Durante a aula o rapaz quando eu pedia um voluntário para ler um texto oferecia-se
para o fazer, eu sabia que ele não ia tirar grande coisa do texto, pois sabia que ele
estava um pouco bloqueado, o certo é que lhe dei a palavra, conseguiu
desenvencilhar-se do texto e chegou ao fim do ano e passou. Esse rapaz namorava
uma rapariga que andava no 12º ano que o ajudou, saiu do mundo da droga,
matriculou-se no 11º ainda, mas foi tirar a carta de mota e no dia em que fica com a
carta, morre próximo de Torres Vedras, foi uma coisa que me chocou muito...
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fazia sentido, a mãe não a ouvia. "Então e tu não tens irmãs?", "tenho uma irmã mais
velha mas está em Lisboa, mas aqui na escola é que eu me sinto bem, passo o tempo
todo na escola", "mas tu estás a chorar porquê?", "estou um bocado aflita porque o
período ainda não veio (ela tem 16 anos), depois diz-me: "posso fazer-lhe uma
pergunta?, acha que o Durex é seguro?" e eu: "mas porquê?", "olhe porque eu e o
meu namorado usamos, ele até é meiguinho comigo, mas eu tenho medo da sida..."
Respondi-lhe: "não era a mim que devias perguntar-me isto, devias era perguntar à tua
mãe ou à tua irmã", "não mas eu consigo, tenho confiança e é por isso que lhe estou a
perguntar, se não, não lhe perguntava;" lá estive mais um pouco com a rapariga e há
dias ela veio ter comigo e diz-me: "olhe estou muito satisfeita, olhe, aquilo já veio e por
outro lado já fiz duas conquistas, deixei de fumar, deve-se ao meu namorado que não
fuma e não quer que eu fume, e por outro lado estive a pensar naquilo que me disse e
interrompemos o resto, porque eu acho que sou muito nova e depois fico velha muito
depressa.
Portanto acho que temos é de falar com eles e estar prontos para os escutar, porque
estamos muito preocupados com as provas globais e com o cumprimento dos
programas e esquecemos o resto, a vertente humana, que é tão importante!
D. S. - Acho que valeu a pena termos esperado para ouvir, porque as histórias foram
muito interessantes. Obrigado por as terem partilhado connosco, até porque vai um
pouco na direcção daquilo que temos estado a dizer: a organização da disponibilidade
do professor: Quando estamos disponibilizados por dentro arranjamos algum
bocadinho na confusão da nossa vida, dos horários das turmas, tudo isso, mas acho é
que há uma disponibilidade interior nalgumas pessoas, noutras não há, embora se
possa também ajudar as pessoas a ganhar um pouco essa disponibilidade, essencial
para o trabalho com os alunos em dificuldade.
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que exactamente à mesma turma, uma semana antes, tinha sido marcado um teste
doutra disciplina qualquer, ao qual a professora faltou, voltou a marcá-lo dois dias
depois e faltou outra vez. Eles entenderam aquilo como se os professores faltassem
sempre aos testes, o melhor é nós nem irmos e como não desci, eles não me viram
passar e pensaram mais outra que falta, eu fiquei profundamente magoada porque
geralmente não falto, sabem que, a minha atitude é um bocado diferente, mas o facto
onde eu quero chegar é que nós também estamos a precisar de muito apoio, porque
se a indisciplina nos alunos também é gerada pela nossa falta de coordenação de
atitudes, como vamos conseguir coordenar atitudes se nós próprios somos tão
diferentes?
OUTRA PROFESSORA - Sem querer ofender ninguém, penso que a carreira dos
professores e a minha em certos aspectos tem alguns bloqueamentos, por exemplo,
conheço muitos professores que nunca faltam e não são os melhores professores.
Penso que o Ministério ou alguém se preocupa demasiado com certas funções que
não são científico-pedagógicas, são burocráticas, são os tais papéis! Vejo muito pouca
gente a preocupar-se com a qualidade de ensino dentro da sala de aula, temos de
saber fazer tudo, hoje sou uma excelente secretária, eu até nem redigia muito bem!
Tenho tido uma evolução extraordinária na escrita, não sei se a tive tão bem na
oralidade, mas na escrita tive, pois cada vez temos mais papéis para escrever que
nada têm a ver com a Geografia! É evidente que não podemos ser especialistas só
numa coisa, está tudo dentro do contexto que é a escola, mas há qualquer coisa aqui
que falha, nunca tive oportunidade de ir assistir a uma acção de Geografia, tenho
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acesso a acções de insucesso, acções de droga, são todas extremamente
importantes, mas dou aulas há 15 anos e só tenho um congresso de Geografia que é
em Barcelona e eu não tenho possibilidades, os 150 contos que ganho não dá para ir
fazer uma semana de férias para Barcelona para assistir ao congresso. Ninguém se
preocupa em formar cientificamente os professores ou actualizá-los!
Adorei essa de consumir árvores, vai ficar histórica, nunca ninguém me tinha falado
nisso. Bom, por mim despeço-me, queres dizer alguma coisa à despedida?
N. S. - A professora Eulália, que nos costuma acompanhar mas hoje não está cá,
diria uma frase deste tipo: "a perspectiva pedagógica é um trabalho de bricolage", eu
deixava esta frase para pensarem, talvez as árvores não fossem tão abaixo, porque há
aqui um espaço para a bricolage de imaginação e criatividade. Este debate
demonstrou bem que não vos falta interesse e motivação. Como noutras escolas onde
temos ido, falta organização entre os professores e crença generalizada na mudança
necessária. É preciso que puxem os colegas mais desanimados que, mesmo sem o
quererem, se tornam obstáculo a quem quer alterar as coisas. Obrigado pela vossa
participação.
UMA ALUNA - Que pensam acerca de um pai que tem um filho toxicodependente,
deixa de lhe falar e acaba por expulsá-lo de casa?
É preciso pensar no sofrimento da pessoa que tem a droga, mas também temos de
pensar no sofrimento dos pais e dos irmãos, porque houve uma série de problemas e
as pessoas começaram a dar-se o pior possível. Então a tendência é pensarem: se
pusermos esta pessoa lá fora o problema fica resolvido; muitas vezes não fica, mas é
a ideia que vem à cabeça das pessoas porque já não aguentam mais. A conclusão
que devemos tirar é que não se devem experimentar drogas, porque as drogas não
dão nada que nós não consigamos obter doutra forma. O prazer que a droga dá, a
satisfação durante um curto período, conseguimos obter doutra forma, podemos
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conseguir com os amigos, com a namorada, ouvindo música, muitas outras coisas que
dão o mesmo prazer no início e que se poder prolongar, ao passo que a droga só dá
prazer no início. Mais tarde as drogas deixam de satisfazer, cada vez mais é
necessário tomar uma dose maior e começam os graves problemas de que vocês
ouvem falar.
D. S. – Há uma certa tendência para pensar que os homens gostam de ter filhos
rapazes e isso não é sempre assim. A ideia de ter um filho está ligada à ideia de
continuidade, e muitas vezes uma pessoa sente que continua mais com o mesmo
sexo, o pai quer ter um filho rapaz, a mãe quer ter uma menina, mas nem sempre é
assim, não achas, Nazaré?
UMA ALUNA - Por que é que os rapazes têm mais tendência para o sexo do que as
raparigas?
D. S. - Isso depende das famílias. Numa família religiosa é muito importante, porque
é um valor da família. Se a criança nasce num ambiente onde a religião é importante,
os pais devem transmitir esse valor aos filhos, porque ajuda o crescimento, e o
entendimento da família. Mas não esqueçam de que há famílias que não são
religiosas e são boas, isso depende de família para família e do modo como a família
se organiza.
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que definem quais as disciplinas a ter e as que são ou não fundamentais, ora a área
escola pela reforma actual é obrigatória para os alunos...
D. S. - Queria dizer uma coisa importante sobre a área escola. É que pode ser muito
gira, não pensem que é só uma maçada, já fui a muitas escolas onde os alunos
fizeram actividades muito interessantes na área escola, foram ver o que se passava na
terra, foram estudar várias coisas. Estas acções abrem a escola para o exterior e
tornam os dias diferentes.
UM ALUNO - Por que é, se aceitam as drogas como o álcool, o tabaco e o café e não
se aceitam as drogas como a heroína?
UM ALUNO - Por que razão os rapazes têm mais direitos que as raparigas?, a partir
dos 14/15 anos podem sair, fazer aquilo que eles quiserem...
N. S. - O que tu querias dizer é por que razão os pais permitem mais coisas aos
rapazes do que às raparigas, os pais não se importam que os rapazes cheguem umas
horas mais tarde, à medida que vão crescendo já podem ir até à discoteca, já têm a
chave de casa para quando chegam mais tarde. Em relação às raparigas há muitos
receios que os pais não têm em relação aos rapazes, no caso das raparigas têm por
exemplo muito medo de que elas possam engravidar...
D. S. - Penso que sim, não sei o que a Dr.ª Nazaré pensa disso, o desenvolvimento
das raparigas é mais difícil, uma das razões são estes medos de que temos vindo a
falar. Os rapazes têm mais liberdade, contactam com mais situações e vão resolvendo
os problemas, as raparigas têm situações por vezes mais difíceis, uma delas é da
gravidez muito cedo, como já falámos. E depois a sociedade é muito crítica em relação
às mulheres.
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mais medo em relação às raparigas porque a sensibilidade é diferente, está mais
inquieta com as mudanças que são mais rápidas nas raparigas do que nos rapazes.
UM ALUNO - Alguns casais, em vez de dialogarem, vivem sob a violência, esse tipo
de vida pode ser um trauma para as crianças e adolescentes. Quais as
consequências?
Esses pais muitas vezes precisam de ajuda, às vezes é preferível esses pais
separarem-se do que continuarem um ambiente violento.
Não quer dizer que não possa haver uma zanga na família, não faz mal nenhum
haver uma zanga, as pessoas podem ficar zangadas uns dias mas depois fazem as
pazes, recuperam, o perigo é haver a violência mantida durante muito tempo.
UM ALUNO - Como é que eu posso ajudar os meus colegas que estão sempre na
bulha, como é que se pode impedir?
D. S. - Tocaste num ponto muito importante. Podes tentar perceber por que é que se
passam essas lutas, muitas vezes quando as escolas estão mais bem organizadas e
têm muito desporto, há menos bulha, quando há vários jogos nas escolas também há
menos bulha, portanto é preciso lutar para que na escola da cidade haja sítios onde os
jovens se possam entreter, fazendo actividades desportivas, musicais...
N. S. - As coisas não se podem responder assim tão facilmente, é natural que vocês
achem que os pais são chatos, não vos deixam sair, etc., mas às vezes até vos
apetece que eles vos façam umas festas e vos dêem carinho, porque se os jovens se
isolam, se sentem que não há amor entre os pais e que não há possibilidade de falar,
aí sim, poder haver motivo para talvez experimentarem a droga. Mas é bom não
esquecer que há muitas razões para uma pessoa se tornar toxicodependente.
UM ALUNO - Por que é que nós desprezamos mais os colegas pobres e mais mal
vestidos?
93
D. S. - Essa pergunta deveriam ser vocês a responder! A verdade é que a sociedade
rejeita mais as pessoas pobres, a escola repete essa situação. Devemos lutar contra
isso, devemos dar os mesmos direitos a todos.
UMA ALUNA - Por que é que quando nós andamos com um toxicodependente os
nossos pais nos dizem que nos proíbem de andar com ele, quando no fundo nós
queremos é ajudá-lo?
N. S. - Proíbem porque têm muito medo de que o filho possa envolver-se de tal forma
que comece a tomar droga.
UM ALUNO - Por que é que estando o homem a evoluir em várias coisas ainda não
encontrou alguma coisa para resolver o problema da droga?
D. S. - A droga é causada por tantas coisas, tantas coisas, que não conseguimos dar
resposta a tudo. A droga é causada por problemas familiares mas também pelo mal-
estar da pessoa, a droga é causada pela miséria, é causada pelos traficantes, é
causada por certas sociedades que não funcionam bem... a quantidade de problemas
que nós temos de solucionar para resolver o problema da droga é muito grande, mas
vamos avançar e arranjar solução.
(Extractos da gravação)
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trabalho cooperativo, ajudá-los a trabalhar em conjunto, exprimir os seus sentimentos,
resolverem os seus problemas em conjunto é muito importante para o
desenvolvimento psicológico e responsabiliza-os, porque é evidente que, se eles
definem uma regra de funcionamento na aula ou no pátio e depois eles próprios caem
em contradição, o professor pode dizer: - Então, no princípio do ano nós definimos que
era assim! Por que é que estão a fazer de uma forma diferente? - Há certos
professores que têm aquele slogan “Never smile before Christmas”, fazem aquele ar
extremamente severo nos primeiros meses, os alunos comentam isso de uma forma
muito engraçada, dizem: "a Stôra de química parecia que era muito má, e não, lá para
o fim do ano já era mais baril!..." Não defendo essa técnica do slogan, as pessoas têm
de criar uma boa relação desde o início, agora defendo é que before Christmas, antes
do Natal, é essencial para definir as regras de funcionamento. Se o professor espera
que as coisas vão melhorando com o tempo, receio que à medida que o tempo vai
passando as coisas vão ficando cada vez piores.
Noutros capítulos deste livro descrevem-se muitas situações que surgiram nas
escolas, quando lá me desloquei para acções de formação ou debates com
professores, alunos e pais. Nas idas aos diversos estabelecimentos de ensino contei
com o apoio e permanente estímulo de duas grandes amigas, a Eulália Barros e a
Nazaré Cristina Santos. Chamei ao nosso trio brigada das escolas. Íamos de carro ou
de comboio, do Norte ao Sul do continente (eu até fui aos Açores e à Madeira), com
dias lindos ou com céu cinzento.
Regressávamos os três a casa com uma sensação de que quase sempre tinha valido
a pena. O desejo de participar, de construir uma realidade escolar diferente, de sair de
uma visão individualista para um conhecimento mais alargado dos problemas, foram
constatações a que rapidamente chegámos. Com ternura, brincávamos com os
presentes que nos davam (raramente pedíamos honorários). A Nazaré, que adora
artesanato, olhava com interesse para as peças oferecidas. Eu e a Eulália preferíamos
os trabalhos dos alunos ou algum livro sobre a terra.
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O tempo não permitiu ainda uma reflexão mais aprofundada sobre esta
investigação/acção, aliás ainda em curso. A experiência é tão profundamente rica que
será necessário continuá-la de uma forma mais organizada para depois tirar as
conclusões mais relevantes. Pareceu-me importante, contudo, conversar desde já.
Convidei as minhas amigas para uma conversa no Verão de 1995 e pedi ao Pedro
Strecht que viesse também.
Para quem não tenha lido com atenção as primeiras páginas do Voltei à Escola, a
Eulália Barros (E. B.) é professora e técnica de Saúde Mental Infantil (área das
dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento), a Nazaré Cristina
Santos (N. S.) é psiquiatra, assistente da Faculdade de Medicina de Lisboa e
fundadora do Núcleo de Estudos do Suicídio e o Pedro Strecht (P. S.) é pedopsiquiatra
e foi professor do ensino secundário oficial e particular.
Por exemplo, em certos locais os alunos têm grande criatividade, fazem sugestões e
propostas importantes para o funcionamento da escola, mas estão desorganizados por
falta de enquadramento dos professores ou as iniciativas não resultam por resposta
tardia dos Conselhos Directivos e do Ministério. Há no vértice dos professores um
evidente défice comunicativo, falam pouco uns com os outros e estão demasiado à
espera de uma solução que possa vir de fora. A comunicação pobre entre os docentes
traduz-se, na prática, por atitudes bem diversas em relação a questões básicas, como
o que fazer perante o aluno que chega atrasado ou usa o boné em plena aula. Não
podemos regulamentar tudo numa escola, nada é mais importante do que a liberdade
criativa dentro da sala, mas impressiona ver como um aluno tem falta com «a»
pequenino se chega depois do segundo toque, outro professor não liga e o primeiro
volta a marcar falta de material se ele se esqueceu do livro. É uma situação paradoxal:
o aluno tem falta por atraso (simbolicamente é como se o professor estivesse a dizer
que ele faltou à aula) e depois tem falta de material! Duas faltas?!
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Quanto aos pais, às vezes não vão à escola e quando vão não sabem muito bem o
que lá vão fazer. Vão saber que tropelias o filho fez ou poderão contribuir para a
resolução dos problemas daquela escola? Enfim, é este o meu pontapé de saída. Qual
é a vossa experiência?
P. S. - Estes dois pontos que foram referidos já dão para pensar em muitas coisas.
Primeiro, que actualmente é difícil falar de maneira genérica de uma escola; há que
falar em escolas ou na sua diversidade, como aliás o Prof. Daniel fez muito bem em
lembrar. E passa-se o mesmo quando falamos de adolescentes, porque cada um
deles tem realidades completamente diferentes que transporta para a escola. Por isso,
acho que estes aspectos nos levam a pensar como é que escolas, organizadas à
partida de forma não tão diversa acabam por funcionar de maneiras substancialmente
distintas. Penso que essa diferença parte das características das pessoas que fazem o
seu dia-a-dia: daqueles professores, famílias, alunos, no fundo, daquelas pessoas e
daquela comunicação que rege a dinâmica da relação entre elas.
O segundo ponto parte da constatação que falar de escola está um pouco na moda.
Isso agrada-me, porque pode ter importância e trazer coisas úteis. Enumeram-se
problemas, procuram-se coisas diferentes; de qualquer forma, as pessoas esperam
ainda que muita coisa venha de fora. Esperam passivamente que grande parte da
resolução dos problemas chegue de fora para dentro, o que para além de ser o
sentido mais complicado, pode não ser o melhor. Podemos então perguntar: onde está
ser-se criativo no bom sentido de uma construção? Não haverá muita coisa para fazer,
dentro dos recursos que existem, apesar de todas as dificuldades? Acho que a força
de uma resposta positiva a esta pergunta é capaz de estar na relação construtiva do
tal triângulo aluno/família/professor. Bom, se neste triângulo for preciso dizer uma
ponta por onde começar, eu pensaria nos alunos: as crianças e os adolescentes
procuram e precisam cada vez mais na escola de coisas que não são só as da matéria
dos programas.
D. S. - Que procuram eles na escola? Ora aí está um bom tema para falarmos.
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diferenças de gerações... É claro que isso tem de existir mas também tem de haver
compreensão, empatia, e a percepção de que um aluno precisa de um bom clima
emocional para funcionar no plano da escola; precisa dos seus colegas mas precisa
muito de adultos que olhem para ele. Depois, há os pais que continuam muito
preocupados com as questões da escola. Não são só os curricula em si, o acesso à
faculdade, mas também os problemas mais recentes como a segurança, a violência e
a droga. É com certeza muita preocupação! Mas lá está, no fundo se calhar muitos
deles esperam de mais que as coisas venham de fora.
E. G. - Bom! Eu vou fazer referência a algumas coisas que foram ditas, e depois
colocar outras questões. No que diz respeito às grandes diferenças entre as escolas
do País, estou convicta de que estas se reportam mais ao tipo e ao estado das suas
instalações, condições de conservação ou degradação, mais ou menos existência de
espaços diversificados para actividades extracurriculares, coisas deste tipo. Porque
em relação ao modo de funcionamento, não me parece que encontremos grandes
diferenças estruturais. Nos conceitos fundamentais que concebem e norteiam a escola
em geral, não há diferenças assinaláveis, salvaguardando umas quantas escolas, que
são conscientemente diferentes e que se norteiam por projectos inovadores,
plenamente assumidos. Depois, há escolas que funcionam melhor do que outras no
que toca ao relacionamento entre professores e alunos ou à qualidade pedagógica,
mas isso, como disse o Pedro, deve-se mais à qualidade humana, à vocação, ao
investimento pessoal dos seus professores que, por isso, entendem o seu trabalho de
outra forma proporcionando alterações que são muito positivas mas pontuais.
Isto é lamentável, porque o que seria natural é que as escolas fossem bastante
diferentes umas das outras, conforme são diferentes as pessoas que lá vivem e as
culturas locais onde se inserem.
E. B. - Exacto. Foi isso que salientei quando afirmei que essas diferenças são
devidas ao investimento pessoal que o corpo docente lhes imprime. Seja pela
qualidade de alguns Conselhos Directivos ou pela vocação e capacidade de
autonomia destes com os seus professores, pela sua formação, pela forma como
gostam de crianças ou, ainda, por particularidades que às vezes se conjugam:
localidades pequenas com escolas mais pequenas, culturas locais fortes e mais
preservadas, etc. O que quero realçar é que as escolas que estão comprometidas com
bons projectos de inovação parecem ser aquelas em que as pessoas estão mais
capazes de assumir a própria Lei da Autonomia. Dantes chamavam-se a estas
pessoas os carolas; será a isto que agora se chamam as elites?...
Porém, o que acontece com mais frequência é a dinâmica de uma escola ser
alterada pela presença de um ou mais professores muito motivados, mas após a saída
destes tudo volta a ser como dantes.
Veja-se, por exemplo, uma escola onde existe um núcleo de estágio, que é uma
situação que cria no professor um acréscimo de entusiasmo que se expressa nas
actividades e na forma como as executa; logo que o estágio termina, toda essa
98
motivação acaba, mesmo quando esses professores ficam posteriormente na mesma
escola.
Mas, pelo menos, devemos sublinhar a época complexa que estamos a atravessar,
que traz muitas dificuldades acrescidas a todos os grupos sociais, atingindo
principalmente as instituições de educação e ensino, porque tudo o que é da vida
social se projecta na escola.
Com a nossa experiência nas escolas fui observando a grande confusão em que a
maior parte dos professores se encontra. Distinguiria aqui três níveis a carecer de
aprofundamento: a dificuldade dos professores em assumir a Lei da Autonomia, a
dificuldade em aplicar os novos programas que resultaram da Reforma, cujos
conteúdos e práticas contêm avanços consideráveis e, por último, a um nível mais
geral, quero referir que esta difícil situação deve ser relacionada também com a
desordem actual das nossas sociedades, sobretudo no que toca à alteração dos
valores e dos pontos de referência em que assentavam as instituições e a vida social:
desagregação dos valores fundamentais da cultura tradicional, como os da autoridade,
a diluição das fronteiras ideológicas e morais, a desresponsabilização geral no
processo educativo, o quase desaparecimento da influência educativa da família, a
emergência de uma espécie de neutralidade pessoal a todos os níveis (o que é que eu
tenho a ver com isso?...), o aumento da expressão reactiva e contestatária dos jovens,
o desajuste entre o mundo real e aquele que está presente no plano escolar, etc.
Portanto, as linhas básicas que definiam a escola e o papel do professor, que eram
claras e seguras, estão de “pantanas”. Esta crise cultural afecta as relações sociais e
altera as concepções da sociedade e das suas instituições.
Todos opinam sobre tudo, sobretudo a instituição escolar é vítima de uma enxurrada
de teorias que frequentemente se contradizem e anulam. Para ajudar a esta confusão
geral, os professores atiraram-se precipitadamente para o mercado da formação
profissional, na maior parte das vezes com o único objectivo de obter “os créditos”
necessários à progressão na carreira profissional. A formação na sua concepção é
completamente bizarra, no terreno totalmente desarticulada e na prática não tem
respondido às grandes dificuldades com que os professores se debatem. Eu creio que
99
o problema é outro e mais fundo: é a própria instituição escolar enquanto concepção
paradigmática da sociedade que está em causa. É preciso pensar a escola enquanto
organização social.
No fundo, é isto que tem estado no centro da concepção educativa por força do
modelo de sociedade que tem dominado.
Depois, esse chavão “violência gratuita” irrita-me um bocado! Não conheço nenhuma
violência que seja gratuita, nem a nossa e muito menos a dos miúdos. As atitudes
agressivas ou violentas são respostas reactivas, profundamente emocionais. Vêm de
dentro. Quando somos sujeitos a circunstâncias muito adversas, que violam a
interioridade, os comportamentos agressivos são o que resta quando já se esgotaram
as defesas mais adaptadas e adequadas. Atenção, eu não estou a subscrever a falta
de educação, isso é outra história...
P. S. - Pois é. E olhar assim a escola é uma necessidade fulcral. Sobre isso, lembro-
me bem do tempo em que fui aluno e depois professor. Recordo, enquanto aluno, que
achei fascinante um dos nossos professores da faculdade conhecer à terceira aula o
100
nome próprio da maioria dos alunos. Marcou-me imenso. Lá está, serviu-me como
modelo. Depois, quando fui professor, fazia sempre um esforço, antes de conhecer
uma turma nova, para saber rapidamente os nomes deles. Lembro-me de uma história
com piada! Era a minha primeira aula, numa escola onde estava de novo. Quando
cheguei ao corredor no qual a sala ficava ao fundo, estavam os alunos a fazer uma
espécie de carreira de caldos (de cachaça, diz o Prof. Daniel), fez-se um silêncio
enorme, eu tive que atravessar aquela barreira e quando abri a porta disse-lhes que
não tivessem medo, que podiam entrar. Eu é que estava cheio de medo!... Lembro-me
então de ter começado a aula dizendo, enquanto os alunos tiravam os lápis e os
cadernos, que ia falar-lhes daquilo que para mim seria o mais importante, ao longo do
ano... Todos se preparavam para escrever, estavam a postos, e o que eu fiz foi pôr no
quadro os nomes deles que já tinha aprendido. Foi uma surpresa! Bom, isto são
histórias impossíveis de generalizar. Talvez valesse a pena pensar sobre o seu
significado.
E. B. - Claro que é muito importante conhecer e tratar pelo nome todos os alunos,
mas não podemos esquecer que a maior parte das escolas são de tal maneira
grandes e estão de tal forma organizadas, que não é possível exigir a todos os
professores que tenham uma atitude tão correcta. Essa é uma das tais diferenças
pontuais que às vezes encontramos nalgumas escolas, como excepção.
Uma diferença estrutural seria, por exemplo, perceber, de vez, que a dimensão das
escolas já não pode ser a mesma, face às actuais circunstâncias e características da
vida dos miúdos e dos jovens. Em escolas mais pequenas, já seria exigível que
professores e alunos se conhecessem e relacionassem melhor.
D. S. - Vocês falam da pessoa do aluno. É bom não esquecer, no entanto, que numa
escola oficial dos nossos dias temos alunos muito diferentes...
E. B. - Quando salientei que não é a pessoa do aluno que está no centro do sistema,
não me devo ter feito entender! Não era o Carlos, o Manel, enquanto pessoas
individuais, que eu queria referir. O que quis salientar é que a escola deveria estar
centrada nos alunos enquanto Sujeitos activos. Tê-los como preocupação central.
Vamos lá a ver! A organização educativa é determinada pelas orientações da
sociedade, das suas leis, normas, objectivos, etc. A finalidade da educação é
concretizar essas orientações. De acordo com este modelo de sociedade em que
temos vivido, não é a pessoa enquanto sujeito humano a preocupação nem o valor
central. O que predomina são os interesses económicos, o desenvolvimento
tecnológico e as vantagens materiais que podemos tirar daí, orientadas cegamente
para o consumo ilimitado de bens materiais.
O que me parece é que se começou a reagir contra este tipo de sociedade, onde se
sente que ninguém se interessa por ninguém no plano humano e afectivo. Os miúdos
e os idosos são quem mais sente as consequências deste funcionamento
«desgraçado» e os jovens são quem o denuncia melhor, fazendo-o de várias
maneiras. No fundo, a crise da escola também mostra como as gerações mais novas
101
nos estão a transmitir qualquer coisa como isto: a gente não atina com esta treta, tal
como está. Trata-se de processos reactivos, o que é natural.
P. S. - Também acho que já se nota outra abertura das pessoas para verem as
coisas sob essa perspectiva. Isso parece-me bom. Nota-se de várias maneiras, mas
parece-me um dado seguro que todos se aperceberam de que chegámos a um ponto
onde alguma coisa vai ter que mudar. Se eu conseguisse sintetizar os aspectos de
que a Eulália esteve a falar e acrescentar algo mais, diria então que há sempre
qualquer coisa que está para além do que tem que ver com a forma como cada um
maneja o que pensa e sente na relação consigo próprio e com os outros, ou seja,
como as trocas afectivas e emocionais também pesam neste espaço. Acho até que as
pessoas já intuíram este ponto embora possam ainda não falar dele assim.
D. S. - Sente-se uma coisa curiosa: a escola não é o que as pessoas querem, mas é
importante para toda a gente.
O que me tocou mais, nas várias escolas por onde temos passado, foi verificar que o
mal-estar mútuo é o pano de fundo. Da parte dos jovens existe um grande apelo a
serem entendidos como pessoas, como que a dizer «eu estou aqui, olhem para mim»,
e que alguns professores percebem e tentam responder com criatividade e
imaginação, procurando que a escola seja também um espaço de vida emocional. No
entanto, os jovens parecem pedir mais: que a escola seja uma segunda casa, e outros
há que pedem mesmo que seja a primeira e única casa, o que se compreende pela
102
situação de abandono em que actualmente vivem dada a extrema absorção dos pais
na vida profissional, o que torna a situação muito complexa para os professores.
Estes sentem-se entalados e angustiados. Alguns não querem ouvir, falar ou pensar
sobre estas solicitações. Quando isto acontece encontramos os professores
bloqueados, os alunos agressivos e perdidos e os pais mais demitidos ou aflitos.
Outros resvalam para uma atitude de excesso de companheirismo ou mesmo de
substituição dos pais, e outros ainda oferecem-se para uma espécie de terapeutas.
Estas atitudes podem ser extremamente perigosas porque não resultam, diluem e
confundem cada vez mais o perfil do professor. No entanto, alguns tentam parar e
interrogam-se sobre o que fazer e qual o seu papel; talvez sejam estes que, apesar de
tudo, procuram ajuda exterior, estão mais receptivos ao diálogo, tentam implicar mais
os pais e procuram um equilíbrio entre o ensinar e o educar.
Não sei bem se podemos afirmar que as famílias estão demitidas. Acho um pouco
superficiais afirmações desse tipo. Parece-me terem existido razões que levaram a
esta posição da família. Podemos aflorar algumas hipóteses: uma delas, nestas duas
últimas décadas, é que nos deixámos instalar numa espécie de crença em que a
escola se podia encarregar da educação e da instrução como um todo. Por um lado,
os pais foram-se retirando do processo educativo, confiando no pressuposto de que a
escola podia realizar essas funções e, paralelamente, as famílias investiram quase
toda a sua disponibilidade nas carreiras profissionais e na vida social.
Fomos assistindo a uma crescente importância da escola até esta ter acabado por
ganhar uma espécie de... monopólio da educação. Creio que estamos finalmente a
começar a assistir à falência desta situação a que se chegou. Penso que esta é uma
perspectiva em que se deve reflectir com muita atenção.
E. B. - Quando digo monopólio é porque, sem se dar por isso, foi-se confiando à
escola as duas componentes: a da instrução e da educação. Tentando clarificar: ao
longo das décadas de 60/70, nós assistimos a um crescendo de importância dos
saberes técnicos, de saúde, de educação, entre outros. Com o aparecimento mais
generalizado dos educadores de infância, foi-se criando a ideia de que estes estavam
mais bem preparados para educar. As famílias foram-se deixando convencer de que já
não tinham muita competência para educar e, com o alargamento dos jardins-de-
infância, foi-se generalizando esta ideia. Se queríamos os filhos mais bem educados,
mais bem socializados e preparados para a aprendizagem, o melhor seria confiá-los
aos educadores. A pouco e pouco os pais começaram a descuidar certos aspectos
educativos.
103
tentativa ilusória e absurda de que isso era uma garantia para o futuro sucesso escolar
das crianças.
Claro que esta explicação não esgota os problemas, são meras pistas de reflexão.
Penso, no entanto, que há por estes meandros muita coisa pervertida que tem de ser
repensada e discutida...
Reparem, não foi assim com a queda do Muro de Berlim, por exemplo? De repente,
pela natureza das coisas e da força humana que irrompeu colectivamente, deu-se a tal
alteração estrutural e ninguém tinha previsto que era naquela altura.
104
aspectos da escola como instituição e dos seus modelos pedagógicos. Rogers,
Freinet, Oury, João dos Santos, entre outros, mas nem por isso as coisas foram
mudando de forma significativa. Em Lisboa, por exemplo, são conhecidas algumas
experiências interessantes e eficazes, embora marginais, de escolas com uma
pedagogia mais personalista, mais centrada na pessoa, desde o Movimento da Escola
Moderna a instituições como a Cooperativa A Torre, A Voz do Operário, entre outras, e
nem por isso se conseguiu passar para o sistema essas experiências bem-sucedidas.
E agora cá estamos à beira de rupturas mais complicadas.
Podíamos resumir quatro níveis de trabalho para uma mudança com alguma eficácia:
ao nível dos dirigentes, porque é daí que partem tanto as normas orientadoras como
os planos de formação, etc.; aprofundar os aspectos que se relacionam com as
dificuldades dos professores na aplicação da Lei da Autonomia, depois a questão das
novas metodologias, que são menos estúpidas e mais construtivistas do que as
anteriores, e disso não vemos quase sinais na maioria das escolas. Perceber também,
de facto, por que falhou a área-Escola, e finalmente repensar a escola como uma
forma particular de organização social, no sentido sociológico do termo. Seria
desejável que os dirigentes fizessem esta reflexão com os restantes actores
representativos.
Claro que isto não põe em causa que se devam aproveitar os recursos possíveis e a
disponibilidade de todos para as pequenas coisas que podem ir melhorando a escola.
Os professores sentem-se demasiadamente sós no terreno e com poucos meios.
Temos que aceitar essa queixa para perceber melhor as coisas. Procurar culpados e
trocar culpas não serve para nada.
P. S. – Acho que o manejo destas questões que a Eulália levantou pode levar,
também, outra vez à constatação de que a escola funciona cada vez mais como o
prolongamento da casa, e é justamente quando as questões se colocam nesta área
que os professores apelam na sua mais íntima inquietação. É mais fácil, há mais
respostas à mão quando os problemas dizem respeito à matéria, às avaliações ou
coisas deste género. Começa a ser mais complicado quando os miúdos levam para a
escola as dificuldades por que passam no seu espaço familiar. Aí é que grande parte
das dificuldades e muitos dos apelos destes professores surgem e é aí que as
pessoas da saúde mental podem ser ouvidas para ajudar a perceber mais qualquer
coisa. Não vejo por que seja contraditório. Atenção: é aqui que temos de saber evitar o
tal risco de os professores serem forçados a ser psicólogos dos seus alunos e a
confundir-se na baralhada de não deixar claro onde acaba uma função e começa
outra.
105
P. S. - Mas há muitas coisas simples que se podem fazer, e na segunda parte da
conversa lá iremos.
Muitas vezes as situações que são projectadas na escola pedem outra preparação
que o professor, de uma maneira geral, não tem. Não quer dizer que os professores se
escudem apenas nas tarefas de dar aulas e avaliar alunos. Com conta, peso e medida
podem ajudar quase sempre, pelo menos como modelo de adulto desejável.
Por sua vez, os outros colegas terão outro tanto, e por aí fora...
Também não podemos esquecer que quando professor e aluno galgam a relação
pedagógica e criam uma situação de intimidade mais profunda, ficam ambos numa
situação muito delicada de gerir no contexto social escolar. Para além disto, também
há a considerar que somos nós a partir do pressuposto de que os alunos, quando têm
dificuldades ou problemas, querem ter os professores como principais interlocutores
ou aliados. Nada prova que assim seja!
O Daniel às vezes diz-me: proponha alguma coisa que não assuste muito as
pessoas, que não seja muito radical. Claro que há sempre pequenas coisas que cada
um pode fazer, mas o problema é que as situações são cada vez mais complexas e
não se compadecem com pequenos atamancos voluntaristas. Corre-se o risco de
adiar os problemas sob a capa de ter mudado alguma coisa. (Prof. Daniel, eu não sou
contra as propostas radicais.) Nesta conversa, que penso chegará a um grande
número de pessoas através do livro, eu prefiro situar-me mais ao nível das questões
fundamentais do que das pontuais. Para estas últimas, já gastei anos e anos pelas
escolas a ajudar a encontrar pequenas soluções.
106
N. S. - Mesmo com algumas mudanças de atitude, os professores correm riscos.
Estava a pensar, por exemplo, naquelas situações em que os professores se
interessam, preocupam com os jovens que estão aflitos. Não só ficam com uma
sobrecarga emocional como também podem criar problemas com outros colegas. O
professor procurado e admirado pode ser o professor invejado pelos seus pares,
desencadeando-se situações de clivagem disfuncional dentro da escola. Seria
preferível que a escola aproveitasse os recursos pedagógicos e directivos que possui,
afinando uma atitude consensual entre o Conselho Directivo, o Pedagógico, os
professores e o pessoal auxiliar, para enquadrar de forma clara, sem ambiguidade, as
situações problemáticas. Por exemplo, numa reunião de avaliação, para lá dos
aspectos que se prendem com as classificações, poder-se-ia também discutir mais
atentamente tudo o que pudesse ser relevante, pelo menos em relação aos jovens que
apresentem sinais de maior dificuldade, aproveitando inclusive as diferentes formas de
apreciação de todos os presentes.
E. B. - Nós devemos ter cuidado com algumas afirmações que fazemos. A nossa
posição, por ser dupla, é muito complexa. Por um lado somos professores, mas na
prática somos, sobretudo, técnicos de saúde mental.
Devemos, no entanto, frisar que o sujeito psicológico não existe para a escola, mas
apesar disso, é perigoso entrarmos pelo lado das ajudas terapêuticas, etc. Não penso
que esse seja o caminho. É necessário clarificar os conceitos, definir os territórios,
perceber quais as disciplinas que podem trazer contributos à mudança organizacional
e profissional necessária, etc., senão é pior a emenda do que o soneto...
P. S. - Eulália, acho que essa sua conversa vinha na sequência da pergunta do Prof.
Daniel, e por isso gostava de insistir um pouco na ideia de explicar aos professores
107
que há um limite na sua intervenção, tal como há para cada um de nós. Isso é justo e
merecido, penso que também os pode tranquilizar nas situações extremas. Portanto,
quando o Prof. Daniel perguntava onde é que eles vão parar, onde está o tal limite,
temos todos que entender que há coisas que se podem fazer funcionar para ajudar os
alunos, há coisas que nos ultrapassam em certos momentos e que ultrapassam
também os professores. Sobre o que pode estar ao seu alcance, já fomos dando
pistas: cumprindo as suas funções pedagógicas, funcionando como modelo nas
relações humanas, estando atentos a casos-problema para os devolver a outras
áreas, etc... Mas que fique claro que há um limite; senão, às tantas, existe o risco de
vir tudo por água abaixo e o professor começar a investir num ou dois casos, ficando
outros de fora, agindo por tudo e por nada com muita ansiedade e confusão e com o
resultado final indecifrável tanto para ele como para os alunos.
E. B. - Está bem. Nós podemos contribuir para a reflexão, dentro das nossas
competências e experiência, mas decidir sobre as alterações ultrapassa-nos. No
entanto, eu arrisco a dizer que, das duas uma: ou percebemos que na escola, como
noutros pilares básicos da sociedade, há períodos em que se têm de enfrentar
grandes alterações, e embora isso seja difícil não é forçosamente uma tragédia bem
pelo contrário! se as coisas forem enfrentadas, podem ser reflectidas e mais bem
planeadas ou faz-se de conta que a escola é uma excepção à mudança social em
curso, e continuam a fazer-se remendinhos bem intencionados, do tipo «apoios
pedagógicos acrescentados», que além de não resolverem nada de significativo
podem gerar efeitos perversos, até que um dia... sei lá!... os alunos venham todos
mostrar o rabo para a rua!... Não será isso pior? Então, é preciso primeiro que
tenhamos a coragem de ver de frente e a fundo; depois, é preciso que os políticos
percebam que não têm a capacidade nem o direito de resolver todos estes problemas
específicos sozinhos. A discussão tem de ser pública, particularmente com os grupos
sociais mais atingidos, com os técnicos a todos os níveis, e não só com os teóricos e
os investigadores em grupos fechados mas, sobretudo, com aqueles que estão no
terreno e têm a experiência da conflitualidade permanente.
P. S. - Acho que é difícil começar de uma maneira muito global. Devemos ir por
pequenas experiências, torná-las fortes, agitá-las, e facilitar a que progressivamente
se possam depois alargar. Porque senão, arriscamo-nos, como falámos no início da
conversa, a esperar que as coisas não existam, ou só existam nas tais margens que a
Eulália dizia.
E. B. - Uma coisa não impede a outra. Porém o sistema deve ser analisado como um
todo. Pelo feed-back que fomos tendo das pessoas, ao longo deste último ano e meio
em que andámos juntos pelas escolas, creio ter descortinado que muita gente já tem
esta noção, independentemente de o nosso trabalho à volta das pequenas coisas ter
sido muito útil. Para lá dos aspectos formativos, também tivemos um papel importante
na desmistificação de certos equívocos e na agitação de certas consciências
paradas...
108
P. S. - E as pessoas ao convidarem-vos estão desejando um pouco essa agitação.
Isso já é muito bom.
P. S. - Achei muita graça ao seu relato da escola que parou para pensar, porque é o
mesmo que nós dizemos aos meninos do insucesso que temos à nossa frente e vêm à
consulta: há que parar para pensar com eles.
Isto é dramático e mostra o papel castrador que a escola teve sobre uma
mentalidade geral. Reparem! Quando não levamos um discurso preparado e
queremos que as pessoas tomem a iniciativa de falar, expor as dúvidas, é o silêncio
total.
109
A instituição escolar desenvolveu uma hierarquização de valor dos saberes
académicos. São grandes os prejuízos desta convicção, porque faz com que certos
grupos sociais e profissionais se sintam desvalorizados intelectualmente, inibindo-se
para a reflexão e discussão dos seus problemas. É urgente alterar esta concepção
valorativa dos saberes, para que o pensamento crítico se desenvolva, e um professor
do ensino básico, por exemplo, não fique em silêncio subserviente perante um
considerado especialista. São apenas saberes diferentes que se não dispensam mas
se completam.
Isto que vou dizer é um bocado cínico mas, enfim... como cada vez mais temos
licenciados desempregados, talvez esta noção de importância social se desmistifique
um pouco.
Acho que a nossa intervenção tem sido estimulante quando a fazemos em conjunto,
quer com os professores e os alunos quer com as famílias, uma certa pedagogia do
«conflito ou da Crise». Além de as pessoas perceberem que têm capacidades,
sentem-se acompanhadas nas suas aflições. Isto tem sido muito aliviador e
esperançoso para todos. Provavelmente, isto só resulta porque nasceu informal, tem-
se mantido informal e tem-se desenrolado à margem de qualquer tutela. Partimos
sempre das necessidades concretas, verbalizadas pelas pessoas, construindo na
altura uma reflexão conjunta. Apetece-me dizer que a nossa intervenção tem duas
dimensões muito necessárias: uma dimensão informativa que visa aspectos da
formação, não no sentido tradicional, porque não levamos um programa
encomendado, alheio às necessidades expressas, mas porque nos disponibilizamos
também para as pessoas se esclarecerem dentro daquilo em que somos competentes
e de que temos experiência. Se calhar, fazem falta mais grupos deste tipo...
E. B. - O problema não serão os trinta alunos mas antes a acomodação a que estão
habituados. Por isso, não creio que seja tão complicado como parece. Vejamos, os
professores do chamado ensino especial, apesar de tudo, parecem estar mais bem
preparados para lidar com os alunos tal como estes se revelam. Certamente que isto
se deve também à formação inicial. Portanto, é preciso rever a formação dos
professores, depois é necessário reelaborar uma teoria mais realista das práticas
dentro da sala de aula. Os professores têm de ser ajudados e acompanhados no
sentido de reinterpretar o seu habitus, a diferenciar práticas pedagógicas numa
mesma aula, etc.
Na realidade, uma turma pode conter dois ou três grupos de alunos, em termos de
desenvolvimento e capacidades. O professor terá de aprender a funcionar com esses
subgrupos, por exemplo, através da concessão de pequenas parcelas de autonomia
por forma aos miúdos irem aprendendo a trabalhar em conjunto organizadamente,
assumindo o professor para si um papel de gestor, dinamizador e contendor desta
dinâmica.
110
Depois, e se repararmos, a discussão em torno dos problemas da escola sempre se
fez pondo o enfoque demasiadamente nas metodologias e nos pedagogismos, não
prestando muita atenção, como já salientei, à instituição como uma forma muito
particular e organização social. Daí que me pareça que disciplinas como Teoria das
Organizações e dos Grupos Humanos, a Psico-Sociologia dos Pequenos Grupos, e
outras disciplinas destas áreas, possam dar contributos muito esclarecedores.
P. S. - Ora bem, chegámos à questão do sucesso que eu já sei que é uma coisa
muitíssimo importante. Há pouco, quando estava a falar no papel destes grupos - e
vocês, que se constituíram numa espécie de grupo de intervenção, sabem-no bem -,
111
estava a pensar na utilidade que estes grupos podem ter nesta fase de transição em
que estamos. Mesmo que fosse por simples concepção teórica, acho que as coisas
funcionariam melhor se a escola fosse mais permeável às coisas de fora.
Isto já não é tão utópico assim. Vejo cada vez mais professores e pais sensíveis que
conseguem pensar deste modo.
E é a escola que tem o papel fundamental de definir quem pode atingir estes
objectivos de valor académico, definidos socialmente. Os jovens e os pais sabem que
a possibilidade de fazer projectos futuros está intimamente ligada ao seu sucesso
escolar. O insucesso gera a impossibilidade de realizar as suas aspirações. Apertados
nestas contradições, os jovens não sentem a escola como um lugar de aprendizagem,
mas como uma instituição com normas e avaliações que dão acesso a lugares.
Geralmente observamos que os maus alunos, ditos do insucesso, são os que têm
pior imagem de si. Têm uma rápida saturação e uma persistente insatisfação. Então,
parece que todos temos de parar para reflectir nestas várias facetas dos problemas.
Remato com um pequeno episódio: uma jovem de 13 anos que recorreu ao Núcleo de
Estudos do Suicídio, em grande sofrimento. Sobre ela dois acontecimentos eram
marcantes: as conversas com seu pai baseavam-se exclusivamente nas notas
escolares e na necessidade de ela ingressar na Faculdade, coisa que o pai desejou e
não realizou.
Na véspera da sua tentativa de suicídio, foi chamada pelo professor para receber um
teste de nota negativa, e à frente de todos os colegas o professor apontou-a como a
112
pior de todas as alunas da aula. Devo acrescentar, para meditação, que esta nota fora
a sua primeira negativa.
113
N. S. - Parece-me esta pergunta das mais delicadas porque implica emitir opiniões
acerca do como fazer. Com isso temos que ter muito cuidado. No meu dia-a-dia sou
inundada tanto pelos jovens como pelos pais por perguntas dessa natureza: como ser
pai ou mãe, como gerir os pequenos e grandes conflitos familiares... Esperam
respostas que possam levar no bolso. Estas questões exprimem dificuldades, mas
também estão impregnadas, não só de uma atitude de receio como de demissão,
atribuindo a alguém o poder de decidir por eles. Se os conselhos falharem... é que...
não serão eles os responsáveis! Desta forma perdem-se as hipóteses de reflexão e
descoberta das suas próprias estratégias. Parece que se perdeu o bom senso.
Neste sentido diria primeiro a esse professor que, ao olhar para dentro da sala de
aula, olhasse para dentro dos alunos, para o mundo interno daqueles jovens. Todos
têm evoluções e ritmos diferentes e, portanto, comportamentos e aprendizagens
diferentes, mas características psicológicas próprias e comuns. Comunicam através do
comportamento, são semelhantes a uma esponja muito permeável que absorve tudo e
projecta muito, e crescem vendo-se ao espelho do que os adultos fazem e dizem. A
compreensão deste processo permite entender, descodificar os comportamentos e
descortinar os sinais de alarme. Evita-se desta forma o risco de rotular
comportamentos episódicos e naturais como doença ou, pelo contrário, deixar passar
despercebidos sinais que traduzem um sofrimento a precisar de ajuda. Esta questão
toca-me particularmente porque muitos jovens invadem os nossos serviços
desnecessariamente, tornando-se em casos, o que é sempre estigmatizante, ou
chegam lá tarde de mais. Que os professores lutem por uma formação que contemple
estes aspectos.
Diria ainda que descobrisse, imaginasse uma forma de possibilitar uma participação
maior dos alunos, dando-lhes algum espaço para poderem exprimir as suas opiniões,
não só em relação à matéria mas também acerca de si e das suas vivências. Não nos
podemos esquecer de que os jovens são muito solidários mas muito críticos entre
eles. Nesta perspectiva poder-se-ia criar um espaço mais humanizado, logo facilitador
da criatividade e da aprendizagem de algumas normas e regras de convivência.
Por último, acrescento que perante situações que sinta como difíceis ou
aparentemente incontornáveis não se sinta sozinho nem opte por actuar isolado, mas
antes procure soluções com os colegas ou nas estruturas existentes na escola e com
as famílias.
P. S. - Pensem que para além deles como pessoas à sua frente estão outros 30 que
são diferentes e têm o seu mundo próprio, e que apesar de todas as suas diferentes
características estão, salvo raríssimas excepções, ávidos de receber muita coisa e têm
à partida uma expectativa positiva muito grande em relação a cada uma das pessoas
que como professores lhes aparecem à frente. Que percam tempo, porque esse tempo
há-de depois ser ganho, a tentar perceber e conhecer melhor que alunos têm ali à sua
frente. Na última escola onde ensinei, que era uma escola só de rapazes, perdi as
duas primeiras aulas a jogar futebol com eles, para perceber como é que eram, como
se chamavam e lidavam entre eles, como reagiam.
Depois, que dentro de todas as dificuldades que possam surgir com os alunos não as
vejam como coisas especificamente dirigidas contra eles enquanto professores; que
114
as entendam como algo mais alargado e que, portanto, não se sensibilizem
negativamente se isso acontecer.
Que vejam ainda a questão dos programas como algo a respeitar, claro, mas
também como qualquer coisa em que é justo existir uma maleabilidade adaptável a
cada circunstância (meio, condições culturais, etc.), e que em último caso possam
também perceber que «dar matéria» pode ser um meio para um objectivo mais lato e
interessante que é formar. Depois, que possam compreender igualmente que ainda
existem grandes distâncias entre o que são os tais conteúdos programáticos e as
necessidades práticas para o dia-a-dia dos alunos. Para a diminuir, que possam usar
um bocadinho mais a sua criatividade, que pode até ser coisa fácil... A propósito disto,
queria fazer um reparo: acho que ainda há muita insistência em fazer em grupo todo
este tipo de trabalho. Ora, acho que temos de perceber que em determinados
momentos há alunos que podem ter mais dificuldade em trabalhar dessa forma, e
também acho que não podemos diluir o que é individual perante o colectivo. Depois e
ainda, tal como o Prof. Daniel disse, que os professores não trabalhem sozinhos, que
com os colegas procurem uma sintonia para a sua escola. Tenho a ideia de que os
professores se reúnem pouco para falar dos seus alunos; por exemplo, penso que é
fundamental valorizar o que se sente por cada um dos alunos, tirando a avaliação, o
seu restrito aspecto formal de contabilizar testes... E há mais outra pista, que é a de se
esforçarem por olhar mais o positivo dos alunos; isto parece muito simples, mas se
insisto é porque acho que muitas vezes se chega ao ponto de se antecipar o mau e o
negativo. Talvez possam pensar por que é que eles próprios, como pessoas, toleram
mal certos aspectos dos alunos; que se escutem a si próprios para poderem escutar
os alunos identificando-se com eles nos diferentes momentos. Identificar, não
confundir... Por último, que não se esqueçam de que estão sempre a funcionar como
um modelo: portanto, serão respeitados se respeitarem, serão ouvidos se ouvirem, e
por aí fora.
E. B, - Perante tanta coisa que vocês já disseram, aflige-me acrescentar outras. Foi
dita tanta coisa do que é possível e mesmo do que não é possível fazer... Muitas das
ideias afloradas dariam, cada uma delas, um capítulo doutro livro!
A pergunta inicial que o Prof. Daniel colocou é muito armadilhada e eu já não tenho
idade para cair nesse tipo de esparrela. Eu sei lá quem é o professor que me
apareceria? Que tipo de pessoa e, ao mesmo tempo, que tipo de profissional? Que
equipa docente teria essa escola? Qual a cultura própria, globalmente vivenciada
nessa escola? Em que zona do País? Enfim... tudo isso faz variar a atitude de quem é
de repente colocado numa escola!
Portanto, provavelmente, eu teria tendência para não dizer nada e, primeiro que tudo,
teria de ouvi-lo muito.
As medidas práticas que podem ser tomadas com segurança, pelos professores e
educadores em geral, são coisas a que gosto de chamar medidas de transição e têm
que ver basicamente com a gestão da vida do grupo/turma: devagarinho, ir alterando a
rigidez e passividade da turma, no sentido de permitir o aparecimento dos grupos
115
naturais, para ensaiar pequenas parcelas de funcionamento desses subgrupos de
forma cooperativa e com mais alguma autonomia. Depois, fazer a interligação disso
através de um meio próprio como o jornal de parede, que além de poder funcionar
como uma síntese organizativa contempla a possibilidade de devolver aos alunos,
enquanto parceiros sociais, algum direito à palavra e ao exercício do pensamento
crítico. Isto em relação à prática. Do ponto de vista mais teórico, é preciso que se
entenda que em primeiro lugar nós temos um funcionamento interno e que é útil saber
alguma coisa a respeito disso e que a escola também nunca contemplou. Perceber
que o comportamento é para ser entendido como significante dessa vida interna e não
para ser lido de chapa, e imediatamente punível.
E. B. - É a tal história do princípio da sua pergunta... por isso lhe perguntei: que
professor?, que escola?, etc. Não há medidas isoladas para serem aplicadas
pontualmente. As escolas, como já foi dito, não são todas iguais, nem funcionam todas
ao mesmo nível pedagógico, graças a Deus! Algumas medidas que referi,
provavelmente podem ser experimentadas nalgumas escolas, mas em relação a
outras já não seria possível, sem fazer outras coisas primeiro...
116
consensuais quanto possível, que eles se confrontem connosco. Quando nos
confrontamos estamos a oferecer-nos como modelo de segurança e de identificação
através da relação e do diálogo reflectido colectivamente.
D. S. - Mas na prática o que faria se um dos alunos pegasse numa naifa e estragasse
a sua pasta toda?
E. B. - Oh, Daniel!... não vale a pena estar a tentar que eu caia na esparrela de dizer,
numa situação abstracta, o que quer que seja de concreto porque corríamos o risco de
isso ser colado por alguém e aplicado de chapa. Este é o tipo de brincadeira perigosa.
E. B. - Sei que as fazem, mas temos que ver em que condições podemos dar
sugestões. Por exemplo, numa acção de formação ou num debate, onde podemos
dialogar com o nosso interlocutor sobre o conjunto das razões ou interacções que
levam a situações limite, pode ser proveitoso fazê-lo. Mas não devemos enganar os
professores ou educadores caindo no disparate de dar uma solução linear (simplista) a
situações tão complexas e difíceis como as que se vivem nas escolas.
P. S. - Lembro-me de uma história que vivi com um aluno. Foi num ano em que
também dei aulas a um 9º ano. A história passa-se quando eu ainda mal conhecia a
turma e fomos numa visita de estudo organizada por outro professor. Durante a
viagem esse rapaz, repetente e extremamente indisciplinado, foi todo o tempo a fazer
uma série de provocações. Recordo-me de que quando as coisas chegaram ao limite
lhe perguntei: mas afinal o que é que se passa contigo? Ele não me disse nada.
Depois, continuámos a visita, e passado um grande bocado ele veio ter comigo e
começou a falar de coisas importantes dele e de outras que se passavam lá em casa.
É curioso, tenho muito presente esse miúdo, porque dois ou três meses depois foi
expulso. Quando ele se foi embora deixou-me um bilhete, que ainda guardo, que dizia
qualquer coisa como «obrigado por me ter percebido». Isto é para rematar com uma
ideia importante: temos de estar alerta para os miúdos que mostrem particulares
dificuldades na escola, porque esta é um grande espelho do saudável funcionamento
psíquico. Portanto, não podemos esquecer de relacionar escola e saúde mental.
Isto é: de forma geral nós sabemos mais ou menos (adultos e miúdos), por razões
culturais, os comportamentos que são previsíveis num certo tipo de situações. São
essas que os miúdos esperam e ingenuamente são essas que os professores dão;
117
reacções simétricas. Portanto, se sairmos desta lógica esperada e passarmos para um
outro registo inesperado (nem que seja surrealista), eles ficam de tal forma
surpreendidos que paralisam, dado o efeito de surpresa ou de imprevisibilidade.
E. B. - Pode ser, porque em princípio o aluno espera uma reprimenda, um grito, uma
bofetada, uma falta disciplinar, etc. Mas imagine que, de repente, eu me ponho a olhar
para o chão como alguém que perdeu alguma coisa muito importante e estou aflita à
procura!?... É divertidíssimo ver as reacções dos miúdos perante cenas que os
desarmam.
Rebeldia não é doença; claro que há gradações: quando se torna numa violência
mantida, já não se trata apenas de confronto mas sim de sofrimento, é um sinal de
risco, e então é necessário procurar ajuda.
118
É altura de um balanço. Onde estamos e o que nos espera?
Não há dúvida de que o sistema escolar português se modificou nos últimos vinte
anos. Assistiu-se a uma baixa de alunos no 1º ciclo do Ensino Básico, deixando
desertos alguns edifícios escolares. Procedeu-se a uma escolarização teoricamente
completa no 2º ciclo, embora com um número significativo de abandonos. A
escolaridade obrigatória alargou-se ao 9º ano, com um crescimento intenso do número
de alunos, pelo menos até 1992. O Secundário tem sofrido sucessivas alterações, das
quais as mais importantes foi a criação do Ensino Técnico Profissional. O Ensino
Superior avança muito lentamente, quer nas possibilidades de acesso quer na
qualidade do ensino.
A escola de hoje não parece cheia de sucesso. Basta ver as pautas de qualquer
escola secundária para verificar que existe um elevado número de reprovações. No 9º
ano, apenas cerca de 30% dos alunos são aprovados em todas as disciplinas e as
taxas de abandono escolar no final do 2º ciclo são muito elevadas, atingindo 25%
nalguns distritos.
Apesar do notável esforço da maioria dos professores, a escola de hoje parece sofrer
de um sentimento geral de frustração. Os docentes, permanentemente preocupados
com as vicissitudes de uma carreira mal remunerada e pouco prestigiada, revelam
muitas vezes insegurança e inquietação, não raro medo e desânimo na sua relação
com os alunos. Os mais novos oscilam entre a resignação e o tédio, às vezes entre o
protesto construtivo e a contestação anárquica. Persistem em slogans como a vida
boa é lá fora ou estou cansado do stress das aulas, como me confidenciaram uns
estudantes numa acção de formação. Os pais mostram desinteresse pela vida escolar
dos filhos ou têm dificuldade em ser eficazes quando surgem problemas. E no entanto
os jovens continuam na escola na sua maior parte e chegam a dizer que se a
deixassem seria o vazio.
7
Para estes e outros dados referidos neste capítulo, cf. o excelente livro Azevedo, J., Avenidas de
Liberdade, Porto, Edições Asa, 1994.
119
A escola actual não garante a mobilidade social de outras épocas. No meu tempo, os
meninos com mais posses andavam no liceu e sem grande dificuldade poderiam
entrar na Universidade, os mais pobres iam para a Comercial ou Industrial e
arranjavam um emprego. Agora ficam pelo caminho ou chegam ao 12º ano e não
sabem fazer muito. Dizia-me há tempos um aluno do 3º ciclo: «Oiço as professoras,
sei o que hei-de pôr nos testes, tenho boas notas... mas não sei o que aquilo quer
dizer!» Na escola actual, o lema não é, infelizmente, eu tenho vontade de aprender,
mas sim eu sou obrigado a aprender, o que não gosto, o que não quero, o que não me
interessa (8). A escola de hoje perde sentido, porque o modelo educativo que lhe serve
de base está longe de ser claro.
No 1º nível (estrutura), será necessário lutar pela melhoria das instalações e pela sua
modernização, utilizando os recursos disponíveis e criando novas fontes de
financiamento; determinar a extensão dos diversos departamentos e sectores e
proceder à especialização de funções; estabelecer hierarquias após discussão do
projecto educativo.
8
Barros, Eulália, Comunicação em colóquio, Dezembro de 1995.
9
Brunet, L., «Clima de trabalho e eficácia da escola», in Nóvoa, A. (coord.), As Organizações Escolares
em Análise, Lisboa, D. Quixote, 1992.
120
Comportamentos disruptivos não nascem naquele momento, têm atrás de si uma
história que urge conhecer.
No meu anterior livro Inventem-Se Novos Pais terminava com uma lista de propostas
que foram muito divulgadas. Não tenho a certeza de que o processo resulte desta vez,
mas não se perde nada em tentar. O não está sempre certo, como dizia a minha avó.
3) Nas escolas existirão comissões e grupos de trabalho não previstos na lei, que se
ocuparão de coisas novas e que dêem prazer (actividades, tempos livres, melhoria dos
jardins, música, etc.).
5) O Director de Turma terá mais duas horas por semana para falar com os alunos e
pais e será ajudado por Professores-Tutores, escolhidos de dois em dois anos a partir
de quem se oferecer para o efeito. Estes professores terão menos horas de aulas para
121
essas tarefas e desculparão os colegas que os invejarem ou de alguma forma
boicotarem.
6) Os pais verão menos duas horas de televisão por mês para irem à escola dos
filhos. Se a visita coincidir com o horário de trabalho e as empresas não deixarem,
deverão queixar-se ao Presidente da República (garanto que os apoiarei nos próximos
cinco anos).
12) Todos os alunos doentes ou que peçam ajuda serão prontamente atendidos,
sendo encaminhados para consultas sempre que necessário.
14) Será organizada a participação dos pais na escola que, por sua vez, não deverão
pensar apenas no seu filho.
Finalmente:
A escola será um lugar social que promove não só a instrução mas também a
socialização.
Epílogo
122
e com o apoio do Programa de Promoção e Educação para a Saúde do Ministério da
Educação (Dir. Drª Catalina Pestana). Tratava-se de um inquérito intitulado Escola,
Família e Amigos, solicitado a cerca de 10.000 estudantes, em escolas oficiais de
Portugal Continental. São as seguintes as características gerais da amostra:
1 - 10.065 sujeitos, dos quais 4724 rapazes (47,2%) e 5294 raparigas (52,8%).
123
segurança para a escola, com o imperativo da substituição de um professor na
situação de falta de um outro, bem como exprimem a sua maior concordância quanto
à necessidade de os pais participarem mais activamente na organização e gestão da
escola. Ao invés, são menos concordantes com a afirmação de que é inútil discutir
com os alunos o modo de funcionamento da escola.
Quadro 1
D T D NC ND C C T To tal
Item Sobre a escola, Fi % Fi % Fi % FI % Fi % Fi %
achas que
1 Ter um porteiro 696 6,9 860 8,6 2238 22,3 4229 42,3 1992 19,9 10015 100,0
ajuda a torná-la
mais segura
2 Os espaços 1326 13,3 2629 26,3 2529 25,3 2917 29,1 604 6,0 10005 100,0
para convívio e
para actividades
extracurriculares
são suficientes
e adequados
para o teu dia-a-
dia na escola
3 Quando falta um 4150 41,5 2689 26,8 2070 20,7 855 8,5 251 2,5 10015 100,0
professor a
escola deveria
oferecer uma
aula de
substituição
4 Os teus pais 810 8,1 1099 11,1 4055 40,6 3072 30,7 963 9,6 9999 100,0
deveriam ter
uma
participação
activa na
organização e
gestão da
escola
5 Quando existem 1505 15,0 3141 31,8 1906 19,0 2484 24,7 1012 10,1 10048 100,0
graves
problemas na
escola (por
exemplo:
indisciplina,
violência), esses
problemas
devem ser
resolvidos
apenas pelos
professores e
Conselho
Directivo
6 É inútil discutir 2286 22,9 3095 30,9 2672 26,7 1506 15,1 437 4,4 9996 100,0
com os alunos o
modo de
funcionamento
da escola,
porque os
estudantes
mudam todos os
anos
Legenda: DT – Discordo Totalmente; D – Discordo; NCND – Não Concordo Nem Discordo; C – Concordo; CT –
Concordo Totalmente; Fi – Número de respondentes.
124
Opinião sobre o modo como os professores explicam
Quadro 2
Itens Fi %
Nota: Os valores percentuais foram calculados por referência ao universo dos 10065 inquiridos.
125
A pergunta era «Sentes-te em segurança na tua escola?», indo as possibilidades de
resposta desde «Sempre» até «Nunca».
Quadro 3
Escala Fi %
De notar que 11 % dos inquiridos não exprime uma opinião favorável quanto à
segurança da sua escola.
Para já, quero terminar o Voltei à Escola com uma nota de optimismo que estes
dados preliminares permitem manter.
10
La qualit‚ de lenseignement - un rapport explicatif, Paris, O.C.D.E, 1987.
126
planificação e coordenação do programa de estudos; g) existência de valores próprios
ao estabelecimento de ensino; h) utilização correcta do tempo escolar; i) participação e
apoio dos pais; j) apoio das autoridades educativas. Também Brunet (11) vai no mesmo
sentido, ao salientar a importância do clima e da cultura da escola para a eficácia do
estabelecimento de ensino. Este autor define o clima como a percepção que os
membros de uma escola têm acerca do modo como lá são tratados, o que
corresponderia a uma espécie de personalidade dessa escola. A cultura seria
constituída pelo conjunto dominante dos valores e crenças explicativas do sentido
próprio daquela escola, sendo essencial para o desenvolvimento do sentimento de
pertença que advogámos anteriormente.
Quais serão as prioridades, para a mudança da escola, que proponho, feito o balanço
deste livro e da minha experiência de contacto com as escolas, bem como dos
resultados preliminares do inquérito, que divulgo neste epílogo? Apetece-me concluir
que são:
Fevereiro de 1997
11
Brunet, L., Climat et culture d'école, Mons, Univ. de Mons, Hainant, 1988.
127