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Eb quoniam variant morbi, variabimus artes. oviD10. TEORIA DAS PENAS LEGAIS JEREMIAS BENTHAM UEHLG, - BIGLIOTECA UNIVERSIVARIA { 1) Le 154988364 “2S Nho pamaaun esta rrOUrTA Flot irae ¢ - We Sy nd E ! EDICOES CULTURA a. * AvRIDA 8 DE UL. am (19 ~ FO «38 & sko rare” maante 1943 Digilalirado por Gu lhewme Sapniva Brande - mails mt tspice Pha Cartroro VIII —Ontrax enpéeien da pena de no poder 0 x6 viver gen “ime pita Deg — Domaturaizagio - 105 > EK—Daw pense simpleamente restitivas | |. 1 > X—Penas ativas, oa trabalhos forcades ; |. + 5 > —_-X1—Do degrédo para BotanyBays | |). a 5 XE can de sore 5 Pantie << 335 “ > penas capi Dl oaae INDICE > -XEV—Fxame da pena do morte | 2 5 |). . 185 > -XV—Des penas subididrias SS) | a TEORIAS DAS PENAS LEGAIS LIVRO TERCEIRO : i * Ldéia_ eral déste livre ‘ Introdogéo goral a toda a Obra. : 7 ‘Profielo A ooria dos eastigos oa yenas lognis | |<: Ba. Carhroo Tan penss de privacio uw > _W—Dan ponas da angie moral. 180 > Tae penas que tocam ma honra, deede a simpler LIVRO PRIMIIEO smurmucagio aié 2 infhmia sas, ae Prineipion geruis > TV—Ponms Poeunlérias ¢ quane pecunidsias — Privagto de propriedsde 206 Gartruro —_I—Dofinigios © distingbos . 2 2. a > Y— Pena de psn que catendem com 0 eiede > W—Omifieagio (ou contigio) do réa mr 30 Yim despa) > Vi Privagio dx protegio logal 207 > WoDewpet dae pews LL > V—Motide daa poms 2 ls 3 Ve Daw quater gu done or oS xu LIVRO QUARTO 3 _VIT—Analogia entro as penas ¢ os delitor ‘ 3 VET —Da pena do Taliao a Dan pense incompetentes > popula Gsaigo Fonat - 3 = SoS ee oe ee = 1 Snocko—Responssbitidade civ a1 3X1 Brolle "da"pona "Cort, thera, “que +e II > —-Males incvitivela que desivam da pent - ait dove deixar aos a mo —Divinto das penas incompetenter 323 W —Penas eubetitutan . z m4 v Pens trumitives | se BT LIVRO SEGUNDO VI > —Penae coletivas 231 : Das penas corporais VIL > —Penas_ fertuitas 28 Cartvig I —Das penn simplosmente afltivas 6 3” T1—Das pone aflitivas complezas ° AVRO QUINTO > TED man Tetras No peer ¢ née vive ‘onde quiser n Das penss complexas > | -1V—Da Prisie axons > 'V—Kxamo da pena do prisio | Dilla Cantruro —_{—Inconvenientor que remultam de semelhantes ponas 243 3 _YI—Da carecragem = 1a > 1 — Recomuntiio . as 3 Vit —Plano eral sdbre nn cadcias | S22! 100 > MI Tralee 20 INTRODUCAO Entramos numa carreira arriscada ¢ muito penosa. Se uma traducdo & coisa tio dificullosa, que os homens de estudo antes quorem inventor idéias do que exprimir as alheias, qué’ ser traduair do inglés meditagoes novas em quase todos os ramos da Economia Civil ¢ da Politica, ou polo menos ofere- cidas por um lado original? Esta dificuldade ainda se torna mais senstvel pelo lempo, que nos tem sido limitado: 0 Govérno, destinando as nossas fércas para um objeto semelhante, deseje quanto antes contar com a exeoucio do seu Mandado. A mesma Obra, pela sua naturcea, ombareca o Tradutor: Jmaxwias Renna, ainda que tenha wm fundo de imaginagao admirével, sunca se lembrou de gankar os homens por wm estilo figurado: suas Obras tim 0 cunko do seu yénio amigo da sabedoria e da roalidade: swas Obras conservam gquase sempre um estilo apertado ¢ consiso att pela modéstia. Ensaios, Bsbocos, Frag- mentos, Momérias, Cartas, Planos: tais sao os titulos que iem apresentado a frente da maior parte dos sous livros: sto « idéias de um homem grande, que tendo esgotado a mal ainda espera tirar da riqueza do sen génio novas deseobertas, que the possam dar a sua idltima perfeigao. O vigor « a farca da razdo, tal 6 0 sow cardter: a verdade cxprimida fielmente, © fim de seus desejos. Contanto que possa melhorar os homens, aliviar os oprimidos, expor ox motives de uma lei saiidével, educar a mocidade, abrandar 0 rigor das cadeias, estabelecer esas pias, tirar partido até da infelicidade, 0 Autor nao pretends mais nada; néo quis ser elogiiente, ow para melhor dizer, Semwarug Buw'rsan é senkor da vordadcira elogiiéncia, 10 Inrropugio se funda nas idéias (*). A liberdade bem entendida 6 0 Pople harper pelo amor da liberdade oferecen todos ‘08 sens Escritos ao Scberano Congreso das nossas Crtos, como ‘um sinal da sua admiragéo, vendo quebrados os ferro do nosso cativeiro por um modo to solene, tdo quieto e tio prodigioxo, que seré de pois a filhos um livro sucessivo, om que seja 0 carter portugués. Os homons livres alegram-se com a propa- ‘gaodo daquoles tontimentos, que moram dentro déles; ¢ para felicidade do género humano, @ mesma Providinoia, que for 0 ‘Autor modesto, retirado, escondido, 6 a mesma que, por uma pairdo nobre, pelo amor da liberdade, 0 faz aparecer para ‘ensinar os Povos, ajudar os Stbios na reforma de wma Nacho, «¢ fazen.imortais os seus conhecimentos. ‘ Assim nés 08 pudéssemos verter em wma linguagem diynb de duas Nogées, que simpaticam na howra ¢ na grandeza dos, projetos, que se ndo podem desenlacar de seus interésses gene- roses ¢ que preseatomente slo rivais na liberdade. PREFACIO A TEORIA DOS CASTIGOS ou DAS PENAS LEGAIS Um dom Legislador deve cuidar mais em prevenir os crimes, do que wm despioar a Justiga: mécima trivial no dia de hoje, mas que niio deve ficar em palavras, j6 que tomos a fortuna de viver debaizo de wn Govirno Constitueional; para ‘que se ndo diga que as leis humanas néo tém sono eecravos, porque ndo tém sendo supleios. Os tiranos gostam de sangu ‘nem se podem sustentar sendo pela forca, ultima ratio regum ‘em bom Govérno é imagem do um pai, que nao mortifica, nem desterra sous fithos, sendio depois de esgotar todos os moins de ‘os poder emendar. Pacilitai os meios de coda um poder ganhar @ sua vida, desterrai @ ociasidade, ¢ os delitos seréo menos: educai a mocidade; na boa edwoagao ¢ na pac ¢ Felicidade das familias esto as sementes da felicidade geral. Bom sei que para a maior parte dos homens no Ké sento © médo; mas devemos ter em vista, disia Pestoret, que Deus é © iinico Juiz, ¢ vingador do pecado, ¢ que se as leis humans castigam 6 86 com o fim de restabelecer a ordem social (2) “Quem lava copos de vidro, dis um dos nossos moralistas, (b) ndo os deve esfregar, nem carregar a mao de sorte que @ possa esfolar, @ magoar: 80 os castigos sia vielentos irritam ¢ faze GG) Lote Pennie, Tom. 2.9, Cap. 8. 3) Heer Pista, "bia. u Prericro «as leis odiosas; quando so amitidados, j4 no emendam, porque ‘néo fazem impressio, Castigo’ com wma sébia economia, sem privilégins, que derrogam todo © merecimento da justica: que fas penas carreguem 0 menos que for possivel sdbre 0 criminoso, ‘ainda que sejam as mais fortes na aperéncia: tal 6 a dowtrina do Autor: ajustar quanto puder ser a pena com o delito: Briszot Yinka falado grandomente sobre a analogia dos castigos; 0 ‘Autor espraiou-se muito mais sdbro a, matéria: tem muita ‘aovidade, muita filosofia: a indulgtneia caminka sempre co Jado da azo iluminada: 0 homem sensato oprende de sua ‘mesma fraqueza a desculpar os outros homens, ¢ tanto mais estuda a naturcea, o experiénoia, 0 eorapto humano, tanto nai indulgente se mostra ¢ compassivo (*). Postos nas mesmas ‘ireunsténcias, quase todos os homens fazom o mesmo. Que fates génios altivos, disia Montaigne, metam as mias na sui conciénoia, que discorram pelo que tém feito, o talves des-, cubram que se tém excapado da pena éltima, & porque se thes néo adjetivaram as ocasidés, ov porque souberam escapar aos ‘thos do mundo: sejom verdadeiros ¢ io falom de si com tanta vaidade, nem estrankom 08 vieios, que thm no seu coragiio ralees muito mais vivas ¢ arraigadas, do que nesses injelizes, ‘para quem aio descobrem castigos suficientes sobre a terra: ‘que nos digam o que tim sonkado, ¢ saberomos sc 36 esto acor- Tados (a). A nocestidade 6 inimiga da virtude; ¢ por isso é ‘que 0 Govérno deve fazer améveis as obrigagies civis, empre- gando os individuos segundo o sua natural inolinacdo, honrando Todos os oftcios, ¢ acabando de uma vez com estas distingdor ‘odigsas, que afrasam as cidmoias ¢ as artes, que tanto servem ‘0 bem de uma nagio. Quantas vores ot Governos, cast ‘os delitos, esto dando em si mesmos, ¢ castigam a que tém feito pola sua ignordncia, desatencdo, crueldade, ou maliciat Tomos dado uma noticia geral da matéria. Bete Livro é vordadeiramente uma compilayio feita polos cuidados do Sr. Dumont, extraida dos manuscritos do imortal Bentham: bem ‘se conhece a mio do Mestre ¢ 0 seu estilo, tanto neste Tratado, como no seguinte, em que s¢ fala dos prémios. Se a moldura bem tirada, deiza ver a pintura em todo 0 sex primor: temas Home own: wih humans « me eliensmrato, Tertacio, Heat Hoenig, E. &*, Cap Prerdcto 15 feito toda a ditigéncia por nao enzovalhar nem wma coisa nem ‘outra; mas quem sabe se o temos conseguido? Os homens superficiais gostam de flores; mas o piiblico, die Helvécio, (a) ee Sanne Uae ale Goa. funda a matéria, © que, a poder de meditar e refletir, abrie novos caminhos para a sua felicidade. Nora — Depois de wma longa enfermidade, é preciso resguardo, cautela, dieta: a Nagdo Portuguesa esteve, waito tempo em trevas, & necessirio que se vé acostumando a recobor © impressdo da ins: um homem, que etteve muitos anos preso, dia 0 gronde Bentham, 6 fécit abusar; esté. arriscado, se the ‘dio logo toda « liberdade: eis oqut o razéo por que tomos acrescentado uma, ou outra reflexdo: estas notas extdo debaizo de asterisco; procedem de uma boa iatencio, ¢ por isso des- culptoeis. “apr, Dis. 2°, Crp. BS. ‘TEORIA DAS PENAS LEGAIS LIVRO PRIMETRO Prineipios gerais CAPITULO 1 Definigéex ¢ Distingdes |A palavra pend, ou, para evitar desde logo todo o equivoco, a palavra castigo, 6 uma daguelas que, 2 primeira vista, parece que nao tem necessidade de ser definida: que no¢éo mais lara se the pode dar, do que a idéia, que todo 0 mundo concebe qnando se repete 2 palavra? Todavia, esta noo geral, que tio clara, fica sendo vaga, sem explicagao; porque néo Histingue precisamente 0 ato de castigar de outras muitos, que Se ausemelham com éle a certos respeitos. Seré bom ensinar Inge no prineipio tudo quanto se encerra na agéo de eastigar, se queremos conheeer © que nao entra, nem se pode incluir na it lavra- ie oe Castigar, no sentido o mais vulgar, 6 impor um mal a uma pessoa com intengo direta relativamente ao mal, em razao de alguma a¢80, que parece que se fez, ou que se deixou de taser. No passemes adiante sem eselarecer primeiro a definigdo que temos dado, A intengdo direta, relativamente ao se impée, é esseneial. Se faco mal a um sujeito sem Jntengao de tho fazer, € um mero acaso: se Iho fiz para 0 salvar de algum perigo, ou para me salvar a mim, ou por outro motivo, que nada tem com o prejuizo que sente, um semelhante ‘ato nap se pode chamar castigo, parece mal, que 18 Jeremras BENTHAM |A declaragio do motive, em tal caso, néo é menos essencial do que a inteng&o direta relativamente a0 mal, que se impée. Se nio houve agéo anterior, real, ou presumida da parte do ofendido, que desse motivo 2o mal, que Ihe faco, ninguém poderd reputar éste mal na razo de castige. ‘Se em consegtiéneia de uma acho, que fez o meu vizinho, 0 mal vem a reeair nfo sobre éle, mas sobre outro individuo, em razio de alguma relaco, que tem com o primeiro, que fez a agio, éste mal vem a ser prdpriamente um castigo para o meu vizinho. (1). 2° Definido por éste modo o ato de castigar, j& podemos desenvolver outros atos, que estiio como enlagados com éle, ou que tém sua diferenca. Se nfo houve da minha parte agio real, ou presumida, que desse motivo ao mal, a que me tens obrigado; se o meu sofri- mento foi objeto direto, ¢ final da tua intencio, semelhante ato da tua parte € de pura hostilidade e de pura malicia. ‘Se houve da minha parte, ou da parte dos meus, algum ato real, ou presumido, que te eseandalizou; e que no mal, que me fazes, no tens em vista mais do que o prazer de me veres mortificado, 0 ten ato 6 de vinganga. (2). Se o teu ato de hostilidade nfo assenta em algum ato de inimizade da minha parte, mas 6 porque descobres na minha pessoa esta, ou aquela qualidade, que te no agrada, sem haver da minha parte a mais pequena intengdo de te ofender, ¢ 0 que se chama vulgarmente um ato de pura antipatia. 32 Nos trés easos preeedentes a intengio em relagio 20 mal é direta: nos que se seguem vem a ser indireta; 0 mal nao € 0 fim, é 0 meio. Se'o mal, que me fazes, tem por tinico objeto embaragar 0 exercicio das minhas faculdades relativamente 2 certos atos, que da ininha parte te desagradam sem motivo, o ten ato é prevenido, ou de prevengao. Se o mal tem por objeto da tua parte determinar-me a fazer eertos atos, que eu nao faria a néo ser determinado, o (2) Vejeas @ Livro (3) Por tate modo ¢ castigo ¢ vinganga, A'definicho de Joknson ¢ defetuosn: Aal ne. vingonge de um Sita de Gremio mallets al de anfrimentey gua oF pe por Grate do mel Teorts DAs Penas Leaars 19 ten ato & de constrangimento: 0 servico militar, as obrigagies civis, os tributos, sio males desta natureza: a pena, que os acompanha, nao entra na inteng&o do Legislador: esta pena nio coniribue para 0 objeto do servico: de sorte que os atos de constrangimento nao se podem chamar eastigos. Suponhamos que me obrigam a passar por tormentos aguilos, que devem acabar logo que faca, 0 que se pretends de ‘mim por um modo violento: por exemplo, logo que dé a infor- ‘magéo sibre um fato, que devo saber: éste ato 6 de tortura. Se para te pores a salvo de um perigo, me fazes sofrer, mas a tempo, em que eu na minha idéia andava tracando meios de te fazer mal, da tua parte é um ato de defesa pessoal. Se esta agio tem por objeto livrares-te de um perigo, que receias, ou @ste perigo provenha de coisas, ow pessoas, com intencéio, ou sem ela, temos um ato de conservagio pessoal. Trata-se de wma soma de dinheiro, a que te querem obrigar, como reparacie de certa perda, que tens causado a um tereeiro: temos um ato de satisfagdo peeuniéria, que se nao pode chamar castigo. Por éste modo, 0 mesmo ato, o mesmo mal. segundo a diferenca de inteng&o, e de motivo da parte do dinheiro, recebe diferentes denominagées, e pode entrar na classe dos atos nocivos ou das agdes iiteis (1). ‘Temos dado a definigao geral da palavra castigar; pases- mos & definigio particular da Pena legal: isto é do castigo (1) Para distinguirmos todos estes objeton com tanta carers, quanta & possivel faramos ® aplicacso sum exemple familiar. Bua 1700 am Jurado condenoe Yard Halifax em 4.000 Uibr. est pelos perdas ue tinha’ cousndo« Jobe Wilkos, detonde-o muna’ pristo’ legal pole Supaste ‘erime de tor o rea. sutor-de um bel contra e Eitade, Se me perguntam’ ‘due proteriu a sentengal etd fo do réu Unka sido foriads. anteciy set am lo de-constrangimento; Teen Seis ee ae eee Sepa te cites Gees ati ope ee Leet Race com enees orn ae tara = fe ee tzu preveaeso eral, como, por exemple, por ser Grande, por ser Trlandés, ou Eecoas! i mone de dar um desert ‘Witkes pela ini Seinen larvarea ie ceererar me Seumraack tat eno ies Serine Ee iio ane een ree Se comer 20 Jexemtas BENTHAM legal, no sentido que deve ter constantemente no decurso desta obra, Segundo o prineipio de utilidade, as penas legais séo males, que devem recair ccompankados de formalidades juridicas s6bro individuos convencidos de terem feito algum ato preju- dicial, protbido pela lei, ¢ com o fim de se prevenirem seme- Thantes agdes para o futuro. Entram nesta defini¢do trés circunstancias, que néo entra- vam na definigdo abstrata: 0 direito de punir — o fim da pena — restringir 0 eastizo o mais que for posstvel, ce sorte que so nfo possa estender além do réw Quanto a origem do direito de castigar, néo 6 preciso alargar 0 pensamento; saiu da mesma fonte, donde manaram todos 0s mais direitos, que pertencem ao Govérno: nao podemos conceber um s6 direito, nem do Govérno, nem dos particulares, que possa existir sem o direito de eastigar: a pena é a sancao de todas os outros. Autores de nome tém sustentado, que as penas nfo podem ser legitimas, a nfo haver um consentimento anterior da parte dos individuos; como se fosse possivel, que em qualquer ato solene houvesse um homem, que se quisesse sujeitar a esta, ou Aquela pena por um certo delito, contanto que os mais ficassem igualmente sujeitos. Aparecem uns longes de um pacto seme- Thante nas formas de Govérno, em que o Povo tem parte na Legislagio; mas ainda mesmo nas democracias, esta idéia de consentimento nfo seria pela maior parte mais do que uma fiveGo tio arriscada, como sem fundamento. © que justifica o castigo, & a sua maior utilidade, ou, para, melhor dizer, a sua necessidade. Todo o delingiiente é inimigo piblico; e como podem os inimigas consentir em serem desar- tuados, e reduzidos a estado de nao fazerem mal! No estado selvéitico, ou no estado da natureza, 0 poder de castigar reside em cada um dos individuos muito a sabor do seu desafogo, ou de suas forgas pessoais (*): a medida que os povos se vio eivilizando, vio largando nas maos do Govérno 7), ie et rt atin, ot eens barbara, ek ue gear, et fer otura ipsa. pracscriplt. ° Tbacdaree tom face dirs, mas af0_vingativon: rtur_eguis euriga, nogue fudie urrar habenae famipue facet, ae maze volant, furor arma wanuatrat, YEE, TroR1a DAs PENas Lecats 21 uma parte do exereicio déste poder; assim como todo 0 passo, ‘com que as nac6es caminham para 0 seu atrasamento, e anar. quia, é assinalado logo pelo esférco, que vai fazendo 0 povo para se apoderar déste dircito. Numa sociedade politica bem assombrada no conservam os individuos mais do que o poder, que a lei Ihes nfo pode tirar: quero dizer, poder negar cada tum os seus ofieios livres a quem o maltrata, A antoridade doméstica, a dos pais, por exemplo, que nontro tempo era t&0 larga, pouco a pouo se foi estreitando até chegar ao estado em que a vemos, de estar reduzida a simples penas chamadas correcionais. Nos paises, em que ainda se demora a escravidiio © maior mal do Estado consiste neste direito de eastigar, que ‘os Senhores nfo querem largar: direito, que & tao dificultoso, por nao dizer impossivel, encerrar nos seus justos limites CAPITULO. IL Classificagies _ Se os delitos particulares se podem redusir @ qliatro classes prineipais: contra a pessoa — contra a propriedade — contra a repntacio — e contra a representagio, o mesmo podemos dizer das penas (1). Ninguém pode ser eastigado senio na sua pessoa, ou nos seus bens, ou na sua fama, ou no lugar, em que est figurando. O que forma a simetria destas duas classifica es, 6 que as penas ¢ os delitos so igualmente males impostos pela agéneia livre dos homens. Tantos so 0s pontos, em que nos pode ferir um criminoso, quantos os pontos em que éle pode ser ferido pela espada da lei: a diferenca entre az panas ¢ 08 delitos nao esti na sua natureza, que é e pode ser a mesma; esti cm que as penas sio abonadas pela lei, @ os delitos so ilegitimos: estes sio proibidos; as penas emanam da Ici. Quanto aos seus efeitos, sio diametralmente opostos: 0 f ! ‘ i Bae UrMa (Dy, Taisdos de Logi Prinsnion ee, ™. 1. Pls, — » pfs, — Andie nal, ’0. tal aun Touts own Osis, ‘video many gore pen 15 Seago rea! Smedigtments sre 0 Te de print ore Ba sce or fea obpoaile: J°S feninale de ita Tuuh Gf tat Ent iter p mesmo wal: « age! timon vit mel dy cspunda ond, Bae oti sia Geta? uaa to Mode do's pooron deasceoter, Tocie oa eas, ee aeekITS | 22 Jerenias Bextra crime produz um mal da primeira ordem, ¢ wa mal da segunda causa dano @ um individuo que o nao pode evitar, e espalha uum terror mais ou menos geral: a pena causa um mal da primeira ordem, ¢ wm bem da segunda: faz passar o evimi- noso por um padecimento, em que tem ineorrido por sua yon- tade; e nos seus efeitos secundarios transforma-se em bem, amedronta os homens perigosns, 6 0 alento das almas inocentes, e vem a ser o tinieo abriga que pode manter e conservar qualquer sociedade. ‘As penas que entendem imediatamenie com a pessoa nas suas faculdades ativas, ou passivas, formam a classe das penas corporais, e se dividem em varios géneros: 1° Penas simplesmente aflitivas. 22° Aflitivas complexas. 3° Restritivas. 4° Penas ativas que obrigam a trabalho. 52 Penas capitais. As penas que entendei com a propriedade, reputacéo, ow representacio civil, tém por fim privar o individuo de alguma vantagem de que estava gozando: chamam-se privativas, de perda, de privagto de algum direito. As penas desta classe diversifieam muito ¢ abrangem todas as espéeies de possesses possiveis, Kis aqui as penas reduzidas a duas classes: 1° Penas corporais. - 2° Penss de privagao, ou de perda de algum direito ou privilégio (1). CAPITULO LT Fim das penas Quando acontece um ato nocivo, um delito, dois pensa- mentos se devem oferecer ao espirito do Legisladov ou do magis- me a ela clasifcafo que nto i mals de, que om shige: lombrelae de aleroser Sus toca ane retita aman de edad au pense to se iddesa do" Astor: ‘ninda "que sch quane imppetie! define exatntnie dans Se obfeton, cao mult "ensue" de sencenes ue se bie fe ctldedo tr neat ate ra sins pr wis sods inpereyte siti pena Corporal quands' for ne dase 8 sor"hr prince nected da Noun de St. Duxox. Teoxia pas Prnas Leoars 3 trado: 9 modo de prevenir o crime para que nao torne a acontecer, ¢ © meio de reparar quanto for possivel o mal, que tem eausado, 0 perigo mais imediato vem do criminoso ; éate 6 0 primeiro objeto, a que se deve acudir, mas ainda resta o perigo de que outro qualquer, pelos mesmos motivos e com a mesma facilidade, néo yenha a fazer 0 mesmo, Sendo isto assim, ha dois modos de atalhar o perigo: um partienlar, que se apliea ao réu; e outro geral, que se aplica a todos os membros da sociedade som exeedio, Todo 0 homem se governa nas suas agdes por um céleulo, bem ou mal feito, sobre prazeres ¢ penas, ainda mesmo o que néio é eapaz de wma reflexio aturada: lembra-se, por exemplo, de que a pena vai ser a consegiiéncia duma aco, que The agrada: esta idéia faz um certo abalo no seu espirito para o retirar do prazer. Se o valor total da pena Ihe parece maior, se pesa mais do que o valor total do prazer, 6 natural que a forca, que o afasta do crime, venha por fim a vencer, e que nao tenha Ingar o desatino, que formava no seu pensamento (1). A respeito do réu, podemos prevenir a recaida por trs modos : 1* Tirando-the 0 poder fisico de fazer mal. 2° Fazendo-lhe esfriar 0 desejo. 32 Obrigando-o a ser menos afoito, No primeiro caso o homem desmandado ja n&o pode cometer o crime; no segundo nfo tem a mesma vontade de 0 cometer; no tereeiro, ainda que tenha desajos, no se atreve: no primeiro fica inhabilitado; no segundo reformado; no ter- ceiro esta como preso, porque tem médo da lei. 0 modo geral de prevenir os crimes é declarar a pena que Ihes corresponde, ¢ fazé-la executar, o que, na acepgio geral e verdadeira, serve de exemplo. O eastigo que o réu padece é um painel em que todo o homem pode ver o retrato do que Ihe teria acontecido, se infelizmente ineorresse no mesmo crime, Bste € 0 fim prin- cipal das penas, é 0 eseudo com que elas se defendem. Consi- (2) Dig valor total, para compreender as quatre cirvanstincias ds que se ‘guapie 9 valor do uma peus eu pisver: indonsideds, prosimtdede, cortera. deveeie, Bor esta modo ‘respondemos Wantenio in objeyses de Leck (ha 2 Cay, MA1) contra esta proposigho: O hertem # daterminade Yolo see: mater Woot apavente, 24 Jeremias Bentuam derando 0 delito que passou na razio de um fato isolado, que nio torna a aparecer, a pena teria sido imitil; seria ajuntar um mal a outro mal; mas quando se observa que um delito impune deixaria 0 caminho livre nio s6 ao réu, mas a todos os mais que tivessem os mesmos motives e ocasides para se abalangarem 20 crime, logo se conheve que a pena aplieada a um individuo 0 modo de conservar o todo. A pena, que em si mesma néo tem valia; a pena, que repugna a todos os sentimentos generosos, sobe até emparelhar com os mais altos benefieios, quando a podemos encarar, no como um ato de raiva ou de vinganga contra um eriminoso ou desgracado, que se rendeu a uma inclinagdo funesta, mas como um saerificio indispensivel para a salvacdo de todos. Relativamente ao réu, j& sabemos que a pena encerra trés objetos: inhabilitagio, reform, xeanhamento para cometer © erime com médo da lei, Se o delito é de natureza que inspira grande terror, porque denota no animo de seu autor uma disposigo mui depravada, é preciso tirar-The o poder de reincidir; mas se é menor, bastard aplicar-lhe uma pena de passagem: mas esta pena em todo o caso deve ter qualidades préprias para reformar e assustar o réu depois que sai da prisio, Tendo precavido os crimes, ainda resta ao magistrado reparar do modo possivel o estrago que tem feito, coneedendo A parte lesada uma satisfagio, quero dizer, um bem, que possa ressarcir a injéria que sofreu. Esta desforra, cimentada sdbre motivos que se acham desenvolvidos no segundo “Tratado da Legislacéo”, parece que nao pertence ao réu, por isso que se aplica a uma diferente pessoa; e até mesmo a primeira vista ninguém dird que tem alguma relago com éle: mas estes dois fins tém um enlace real e verdadeiro, Ha penas que tém dois efeitos: uma reparagiio feita & parte lesada, e um padecimento proporeionado, que se aplica ao réu; de sorte que por uma 86 e mesma operacio, preenchem fins ao mesmo tempo. Neste caso estiio as penas peeuni qualidade eminente, quando se guardam limites TroRIA DAs Pewas Lecars yg R CAPITULO IV Despesa das penas __ Esta expresso nova hé de parecer singular A primeira vista, ¢ pouco natural: entretanto nés a eseolhemos depois de madnra reflexio, como a mais expressiva para denotar a idéia que se nos oferecen, sem incluir em si um juizo antecipado le aprovacio ou desaprovacio. O mal, que produzem os casti- gos, & uma despesa que faz o Estado com tengéo de lucra @ste Incro 6 prevenir os erimes: nesta operagio nao hé mais que somar 0 ganho ¢ diminnir a perda: donde se segue que abater a despesa ou acrescentar a receita, é tender igualmente para a utilidade geral. Uma ver que se admita 2 expresso, a mesma palavra despesa inculea naturalmente a idéia de economia, ou de par- iménia. Todo o mundo fala da brandura das penas e do seu rigor: 6 um prejuizo supor no castigo moreé, ou menos favor; prejuizo, que pode servir de estérvo a imparcialidade do exame: quem diz pena suave, diz uma contradi¢ao; chamar-the economia é saber ealeular, 6 dar-Ihe 0 seu nome. Diremos, portanto, que esta ou aquela pena € econdmica, todas as vezes que produz 0 efeito, que se pretende, com o menor sofrimento que pode ser da parte do réu: chamar-Ihe-emos sumamente dispendiosa, quando produz um maior mal do que bem; ou quando se poderia alcancar o mesmo bem a custa Ge uma pena menos aspera. Neste caso houve desperdicio, largueza demais, Que nos seja Iieito insimuar aqui mesmo outra distingdio, qne nos hé de servir no decurso da obra, Hé nas penas um valor aparente, e um valor verdadeiro. Entendo por valor verdadeiro o mal da pena por inteiro, tal qual se experimenta quando se sofre, Entendo por valor aparente o mal provavel, que se pode oferecer & imaginagao dos homens, quando a pena se desereve simplesmente, on quando @les a véem executar. Quem constitue a despesa? A pena real, Quem influe sdbre a moral dos Povos? O castigo aparente. A pena real 6 a 26 Jeremias BENTHAM perda: 0 gamho consiste no castigo aparente: déste ganho participam dois ao mesmo tempo, o piblico e a pessoa do ofendido: a despesa da pena ajunta a estes dois um terceiro, a pessoa do réu. Nao se deve esquecer, como acontece muitas vezes, que 0 réu 6 membro da comunidade, como outro qualquer individuo, fe que até mesmo na razo de parte lesada néo devemos perder de vista os seus interésses: o seu bem é proporcionalmente 0 vem de todos, o seu mal, o mal da comunidade: eis aqui a base, a sélida base das idéias morais da justiea: podem haver casos em que O intergsse do réu seja sacrificado ao interésse geral; mas ainda mesmo assim tem direitos, que devemos respeitar; pode-se arriscar uma grande pena com os olhos num grande bem, que dai pode resultar; mas por uma troca sim- plesmente, ou por um bem de wma ordem inferior, seria um absurdo arriscar a mesma pena; éste 0 prinefpio que dirige ‘os homens nas suas especulagdes particulares; éste deve ser o mesmo por que.o Legislador se deve governar. F verdade que necessitamos langar mio de penas reais; mas a principal razdo ¢ para servirem de exemplo: a realidade da pena é necesséria; porque sem esta realidade no podemos ter a aparéneia, que na imposicao das penas deve ser 0 nosso fim esséneial: todo 0 mal que néo aparece, fiea perdido ; logo, € preciso que 0 mal real seja o menor, ¢ 0 mal aparente o maior possiveis. Se castigar um homem em estétua pudesse dar de si a mesma impressio de terror, seria um desatino, e até erueldade, enforear um homem. (1) Se os réns fossem constantemente eastigados em segrédo, é uma verdade inegavel que, & excegéo da vantagem acidental que poderia resaltar de se emendar éste ou aquele, ou de ficar com as mos presas para nio fazer mal, a aplicagéo das Tay Ne Cabo da Boa Esperanca, os Holandeses tagome, axe “Hoteawtes, Um doe Ube hotto um esses “har Tindo eta Sosanhadoe, ‘cra neoteedeio am exam plo, breve noes amtrrado, armam-ie am processo com maitas ‘rd cadens vera ay cone geuwcn Se pen $ Yeu ‘papel, fan de mrt, flea estado. yor tee % es foram dally som ale fe 0 peor “ate er disinm thee, orn langar 0 Hrolandeees sinha ‘nate eepertes, iaham Tangado fo itomem, ‘eLingd's Evening-Post” para agoste ou setembro de 1776). eORIA DAS PeNas Leoats 7 pends teria sido indtil: a pena real neste caso era tudo; 0 castigo aparente coisa nenhuma; cairia de repente sébre 05 homens como um mal imprevisto; nao se teria apresentado a0 seu espirito para o afastar da aco eriminosa; no serviria de exemplo a ninguém. Pode acontecer que os réus nfo tenham conhecimento da pena: 19, quando esta se aplica sem lei, que tenha sido publicada’préviamente com as formalidades necessrias: 2¢ quando o réu nfo tinha conhecimento da lei penal. _ A lei pode apresentar-se a idéia: 12, pelo seu enunciado, isto & pela desericéo da pena; 2°, pela exeeugio piblica da lei, quando a pena é imposta ao réu por uma notoriedade conveniente. A idéia da pena deve ser exata, ou, eomo dizem 0s Légicos, deve ser adequada, quero dizer: seria bom, que se oferecesse ao espirito nao 6 uma parte dos inedmodos que traz consigo, mas a sua totalidade, Para ser exata, deve repre- sentar claramente todos os Tlens de que se compde: 0 que se nfio conhece, nao pode obrar como motivo. Daqui podemos tirar trés méximas de suma importinci 1+ Sendo iguais as coisas em tudo mais, qualquer pena, que fAcilmente se pereebe, 6 melhor do que outra, que se nao entende bem. 22 A que se imprime melhor na meméria vale mais do que outra, de que nos podemos esquecer facilmente. ‘34 A que é igual, ou avulta mais na aparénoia que na realidade, tem mais merecimento do que outra, que 6 maior na realidade que na sua aparéncia. CAPITULO V Medida das penas Regula, peccatis quae poonas irroget aequas, Ne scutica dignum horribli sectere flagella. ‘Hor. L. 1%, Sat. 33. 28 Jerewias Bewruan i ma proporgio entre os delitos ¢ as pemas: & um doe fialion Je Moctesquiea, de Beoarla e de outs Mnuitos Excelente méxima na verdade; mas que tem mais de ‘aparato que de instrugio, uma vee que se reduz a termos ais; trabalho estéril enquanto no soubermos em que con- Sete uma tal proporeéo, enquauto nfo houverem regras que a8 possum eneaminbar sepuremente na apliario de cera pena a respeito de qualquer delito que se pode oferecer. As nas tom seu minimum, ¢ 0 sea mazimum. Ha rarGes para Noe no sejam menores, ¢ ha também razies para que no dlevam ser maiores: slo os dois lados da questio que sempre evemos ter em vista, sem propender para um, nem para outro. / Primeira regra = @ necessério que 0 mal da pena seja maior que o interésse que se pode tirar do crime. , : Javra interésse nfo entendo simente 0 di- motivo ao delito, 0 interdsse 6 a forea, que leva 0 homem a farrojarse ao erime; a pena & a forga, que se emprega para ¢ desvier, Se a primeira 6 maior, temos o homem eriminoso (1); se 8 segunda é mals forte, nfo se. verifcaré o erime: Gonde se segue, que se 0 réu achar 0 interdsse, que recebeu pelo sen delito, maior ¢ mais a seu jeito que o mal da pens que cotren pelo ter cometido, ¢ bem natural que o tore outra vex a cometer sem haver quem o sustenha: a pena, em ta aso, vem a ser nula; porque o nao pode atemorizar; © 0 Povo, observando que a balanga do ganho inelina a favor do eriminoso, de nada Ihe podera servir 0 exemplo que podia tirar do castigo. a is Anglo-SaxGnias, que tinham fixado um valor certo ae Sie ae can amet nsenloe ciclia’ jor ou ye Crdinaria, um. conto ¢ duzents por um nabrs, see conto Guzenteschelins yela vids do Rei, estavam bem fore desta regra, Bm muitos casos a pena teria sido considerada nula cm eomparagéo com 0 inter8sse que o réu tirava do seu crime. we a tei, que (G), Fale, detes homens, que nig ttm cure fevig mais de gue ae gue ‘notivos da “humunidede, ea eli TEORIA pas Prwas Lecars 29 Bem advertido que vimos a cair no mesmo érro todas as vezes que estabelecemos carta pena que se néo pode estender além de um certo ponto, enquanto as vantagens, que se tiram do delito, podem ir muito adiante, Autores abalizados tém querido defender o contréirio: dizem que devemos aliviar a pena quando a tentagio 6 maior; porque a tentaco diminue 0 crime; e que quanto a sedugio for mais forte, tanto menos depravado devemos considerar 0 réu, que se tem deixado alucinar: © que se rende neste caso, inspira naturalmente comiserac&o 2os outros homens (1). Tudo isto pode ser verdade; mas nfo é razdo bastante para sairmos da regra: a pena deve fazer-se respeitar em um gran maior do que o crime se faz apetecivel: todas as vezes que a pena no consegue o seu fim, 6 um dobrado mal: para © piiblico, por isso que deixa cometer © crime, que devia obstar; ¢ para o réu, porque o vem a castigar sem: tirar utili- dade. Que coneeito fariamos de um cirurgifo, que para nio molestar 0 doente deixasse o tratamento ineompleto? Seria um ato de humanidade bem entendida acreseentar & doenga o tormento de wma operacéo initil? Logo, é necessério que a pena corresponda a todos ox graus da tentago, exeeto quando 4 mesmna tentagio é um sinal da inoeéneia, ou do bom caréter do réu; porque entio deve dar-se a modifieagéio da pena, como, por exemplo, @ respeito de um pai, que, para matar a fome da sua familia, tivesse cometido wm roubo (2). 2 Regra = Quando a acito é de natureza que oferece uma prova concludente de ser um costume inveterado, é necessério que a pena seja bem vigorosa para exercer néo sdmente 0 2) | Quem se ndo admire de ver Adam Smith caindo em semelhante tro, jendo, als um Eseritor de" juiso claro! Bie ¢ mode yor” que tle wo expres, falande. do contra “A' Wi, ‘conteadiaends ‘6a principles da. j ent er Rtentacko paca a castizar depois no intel, que se deizau aletings gerava ocostizo'a par ide una cirounntinels, ue 0 devia fazer stone " Richesses des Ni 1, ep. (2) 0 proveita do, crime no custa muito a avaliar po caso de am re, $85, far gm lléncin: te “Seance ata bah fay fate sempre ge, maine es tea seu cated ‘mente. main. par a", Pe Lom Delo, gran de desprézo ue A parte losada olen na ‘colimnehe, publics erin, ‘ug toutloy, © Droveith so gran ‘de padermeate "a. que ton ‘ten’ préxiie. 30 Jerewias BENTHAM proveito do delito individual — mas de todos 08 crimes do mreama género que podemos sipor terem sido cometides pelo inesmo réu impunemente, Liste cdleulo conjetural, a-pesar-de ser rigoroso, é de uma necessidade absoluta em certos casos, como em crimes fraudn- Jentos, pesos sem estarem aferidos, medidas falsitieadas, moeda falsa. se um déstes que fabricam uma tal moeda nio fosse pinido sendo pelo valor do tnieo delito que se Ihe pode provar, vemelhante pritica fraudulenta viria a ser, na sua totalidade de grande lucro para o réu: logo, a pena seria sem eficicia, ge no contrabalangasse 0 ganko total, que se pode supor resul- tar, nfo de wm ato particular, mas de uma série de atos do mesmo género. . 3." Regra = A pena deve exceder 0 interésse que se tira do crime, a ponto de compensar o que tke falta na raxio de certeza e aproximagio. (© intorésse do crime é, via de regra, mais certo do que costuma ser 0 castigo; ou, o que vem a dar no mesmo, assim parece ao réu: geralmente falando, ¢ mais imediato; a tentagio sti presente, o castigo, longe: ¢ aqui temos duas eireunstincias que tornam menos vigoroso 0 efeito do castigo: a sua incertera ea distancia em que o réu o considera. ‘Suponhamos que 0 proveito do crime é igual a dex Libras esterlinas, e ponhamos a realidade do castigo na proporgio um para dois: 6 claro que se a pena, na razdo de ter lugar, ja ndo E de 10 libras esterlinas, 0 efeito que faz sdbre o espirito de tum homem, enquanto esté incerta, no pode ser igual ao de tuna perda corta de 10 libras esterlinas, e que deve ser igual a uma perda certa de cinco libras esterlinas: se a queremos fazer equivalente ao proveito do crime, 6 preciso dar-lhe o valor de vinte libras. "A excegiio dos casos em que o homem é impulsionado por uma paixio impetuosa, naturalmente nfo se vai meter no caminho do crime sendo porque espera fiear sem castigo. Uma vez que a pena néo conseguisse mais nada do que tirar sim- plesmente ao réu o fruto do seu crime, eontanto que nio falhasse, ninguém se atreveria a ser eriminoso: qual seria 0 homem eordato que se lancaria yoluntariamente a cometer um crime, com o-risco verto de o nao desfrutar, e com a vergonha Troma DAS PeNas Leeats 31 de ser apanhadot Mas como sempre se figura possivel o poder escapat, nevessirio dar & pena um maior valor para con- trabalangar a probabilidade de se nfo empregar. Daquf se segue que quanto mais pudermos aumentar a certeza da pena, tanto mais Ihe devemos diminuir o rigor; 6 @ste 0 grande interésse que resultaria de uma Legislacao simplficada e de vm bom sistema na ortem judicial. Pela mesma razio 6 necessirio que a pena acompanhe o erime mais que for possivel; porque a sua impressio esmorece no espirito dos homens, logo que deixam de a ter diante dos olhos; além da grande raziio de que a distancia da pena reforca a mesma ineerteza, dandolhe novas probabilidades de se no verificar (1). _4* Regra = Quando concorrem dois ow mais delitos, 0 mais nocivo deve ficar sujeito a uma pena mais forte, para que 0 véu tenha wn motivo para nao passar do menor. Concorrem dois delitos, quando um homem tem poder vontade de cometer ambos; por exemplo: entram ladrdes em uma easa, em que podem roubar simplesmente, ou maltratar as pessoas, assassinar, langar fogo: se a pena contra o furto 6 a mesma que para quem rouba e mata ao mesmo tempo, esté claro que os malfeitores 8m um motivo na mesma lei para assasinar; porque éste segundo crime facilita 0 primeiro, ¢ 0 toma mais seguro, Esta regra seria completa se pudéssemos repartir uma porglo correspondente de pena para eada uma das porgdes do crime. Seo que roubou uma moeda de ouro sofre a mesma pena que outro que furtou meia moeda, esté claro que 08 eineo eruzados novos, que o primeiro tirou de mais, § uma poreio de erime que vem a ficar sem castigo, B aqui temos a razio de quanto deve ser absurdo agravar as penas em delitos menores; porque se perdem os meios de as podermos graduar em os crimes maiores (2). 1D, Veiamse ax obras de Plutareo 1. pg. 160, A demora ements 0 et de exemple, eet oan (2) Monteguteu, depois deter receme aeroseenta: oat irra a 2 ‘sipré der Enis f | Bus tars git Cia, fd dena? a Boe pont do unm lei” certa eves sort um “iete mabracuoe SS ™ coe 32 JEREMIAS BENTOAM cra = Quanto maior é 0 crime, tanto se pode urrisear uma pena mais grave, en razio de se poder prevenir. sta regra tem um cardter de evidéucia, que néo necesita de prova, mas que pouco tem sido observada entre nés! Ainda ngo b& muito que as leis de Inglaterra condenavam mulheres ao fogo s6 pelo crime de terem pasado moeda falsa: a pena de morte ainda se esta aplicando a delitos de menos entidad © roubo doméstico na Franga era castigado com pena dltim: muitas nagées ainda se servem do suplicio do fogo, ow pelo menos 6 cominado por leis contra certos crimes, que se podiam coibir 56 com a vergonha. Se fosse conveniente conservar seme- thante pena, que leva o terror ao seu maior auge, deveria ser para incendidrios e homicidas ao mesmo tempo. Dirdo, talvez, que os Legisladores sempre fizeram teneio de seguir esta Tegra, mas que a sua opinido, como a do Povo, tem variado s6bre a gravidade dos crimes. O sortilégio parecen 0 mais horrivel: um feitieeiro, que vendia a sua alma ao deménio. era objeto de execracio piblica: um herege inimigo de Dens chamava sobre si a célera celesie: roubar vasos sagrados, ox qualquer coisa destiuada ao culto divino, era um delito mai que 0 roubo ordinario, como ultraje contra a Majestade divina (1); uma falsa avaliagdo dos erimes, que resultado podia dar, sonao uma falsa distributgao de eastigos? 6 Regra = Nao se deve impor a mesma pena a todos os réus pelo mesmo dolito; é nocessdrio reparar nas circunstdneias, que influem na sonsibilidade. As mesmas penas nominais impostas a diferentes pessoas no sio as mesmes penas reais. Trata-se, por exemplo, de castigar uma injéria corporal? A mesma pena pecunifria, de que se fica rindo o homem rico, pode reduzir & miséria o homem pobre: a mesma pena afrontosa, que envergonha o tearia da gravidade do in Yejam-o oe ‘do mal sn oi do Balt as es ee eee et eae essa Ga ey oe Ra eae eee es Denti ae Soo ee ao rake eee mee eae nee aoe ee Se are Teoria pas Penas Leaars 53 homem de uma certa dignidade, nfio faz mosse_nmna classe inferior: a mesma prisio pode arruinar o que vive de sax agéncia, acelera a morie de um velho debilitado, é uma deshonr: para uma senhora de bem; enquanto que vem 2 ser pouco mais de nada para quem se acha noutras cireunstincias A lei pode antecipadamente determinar que esta ou aquela pena seja modificada om raziio da idade, do sexo, da qualidade da pessoa, ete.; mas sempre deve deixar alguma coisa & pru- déncia dos Juizes. Os limites do eastigo ficam mais bem assina- lados por carta de menos, que por carta de mais: 6 mais facil repararmos no mnito poneo, que no muito: 0 que nfo chega, mete-se pelos olhos; 0 que excede, passa muitas vezes em claro: devemo-nos contentar com uma aproximagio. As irregulari dades, na forga das tentacdes, sio de natureza que obrigam os Legisladores a fazer subir a pena por cima do riseo, que seria bastante para a maior parte dos homens: contam com a violéncia dos desejos; e por isso aplicam logo remédios herdicos, deixam 0 caminho ordinario, Nem se diga que a pena, no caso de ser menos forte, nio produzia o sen efeito: 6 0 que se nfo pode provar: bastaria um pegueno grau de aten¢io para evitar a insuficiéneia; e ainda quando existisse na lei, por isso mesmo que era claro, € manifesto, tinha ficil emenda. Nao aconteee o mesmo quando a pena ¢ exeessiva: hd uma natural inclinagio no espirito humano em aumentar os crimes alheios; ¢ os Legisladores, seja pela antipatia, que os leva a uma severidade ilimitada, seja por falta de comiseragao, esto dispostos contra homens, que se Ihes representam como perniciosos ¢ baixos. Para des- contar esta prevencao # que sfo nevessérias todas as cantelas & preciso estar alerta, sem perder de vista o lado em que. a experiéneia tem mostrado as maiores disposigdes para o érro Devo aereseentar, de passagem, que nfo sejamos to apu- rados, que tenhamos em vista uma proporg&o matemAtica: seria fazer as leis sutis, minuciosas ¢ complicadas; nem é preciso enearecer ste principio, pelo ndo fazer ridieulo é tio barbaro neste ca50 menosprezar as circunstincias mais middas, quanto seria absurdo querer fazer mencao de todas elas a fio direito, sem deixar uma s6 de fora: ha um bem, que vale mais do que 384 Jpremias BentHam a proporgio: a clareza das leis, a brevidade, a simplicidade e 0 seu efeito exemplar. ‘Tenho ouvido falar contra esta dontrina, que as rogras de proporeio em um c6digo penal teriam seu merecimento, mas sem utilidade; porque supdem o que é falso, que as paixdes costumam caleular: mas nao me poss acomodar a uma pro- ‘posi¢ao tio deeisiva. Km matérias de grande interdsse, qual % 0 individuo que nfo lanca primeiro as suas contast & Yerdade que uns acertam melhor do que outros, segundo os diferentes graus de capacidade e orga dos motives, que tém Smpério sdbre éles; mas todos caleulam, até mesmo o insensato, na minha opinifio. % uma felicidade que de todas as paixdes a menos calculista seja a que, em razio da sua forca, cons- taneia e generalidade, 6 a mais temivel para a sociedade: falo da avareza. De sorte que 0 avarento pode ser tanto melhor combatido, quanto for maior 0 cuidado da lei em o cortar pelos seus mesmos fios, pelo meio do interésse. CAPITULO VI Das qualidades que devem ter as penas Passemos agora a considerar as qualidades que deve ter 0 modo de eastigar, para corresponder aos seus fins. L*) Divisibilidade ‘A primeira qualidade que deve ter a pena 6 ser divisivel, suscetivel de mais ou de menos, seja na intencéo seja na sua duracdo. Uma pena indivisivel nio pode corresponder aos dife- rentes grans da eseala dos delitos; hé de pecar necesstriamente por excesso, ou por deficiéneia: no primeiro caso seré muito dispendiosa; no segundo ficaré sem produzir o seu efeito, ‘As penas corporais excessivas sto muito divisiveis na sua intensidade; sio muito menos na sua duragio: os trabalhos forgados esto quase iguais em uma e outra qualidade. TporIA pas PENnas Lecats 35 ‘As penas erdnicas, o degrédo, e a priséo sio perfeita- mente divisiveis quanto & sua duragio ¢ podem também variar na intensidade: a eadeia pode ser mais, ou menos apertada ¢ penosa: um destérro na Sibéria ¢ mais rigoroso, que num clima mais benigno. 2°) Certeza — Igualdade A pena deve ser certa e, quanto possivel, igual a si mesma, A certeza nfo se refere A execugio: esta pode falhar pela dificuldade que muitas vezes se encontra em produzir as provas do crime e nem sempre se pode apurar quem seja o criminoso e prender. Uma pena é incerta de sua natureza, quando ao réu nfo se Ihe a4 de a sofrer: o degrédo tem éste Gefeito; pode mortificar e pode ser indiferente, conforme a dis- posigio do réu e circunstincias individuais da idade, da qualidade da pessoa e da fortuna, Peles leis de Inglaterra, muitos crimes sio punidos por uma confiscagéo de todos os bens méveis, sem tocar nos iméveis: que se segue daqui? Se a fortuna do réu consiste em bens da primeira espéeie, fica perdido; se nio tem mais do que prédios, vem a nio ser castigado. Se a pena é incerta de sua natureza, 6 como se nao existisse para o réu, a quem nfo incomoda. Hi, porém, alguns casos de necessidade, em que tem lugar uma pena incerta, quando se nao pode impor outra; porque é melhor castigar algumas vezes por éste modo, do que a impunidade geral. © meio de remediar a incerteza 6 ter duas penas dife- rentes, nao para as aplicar ao mesmo sujeito, mas para suprir, qnando uma delas & defeituosa; por exemplo, a pena corporal supre a pena pecuniéria, quando o réu, pela sua indigéncia, nfo pode pagar. Uma pena incerta é desigual: a perfeita certeza supde perfeita igualdade, quero dizer, supde que todos aqueles, que passam por ela, a sentem da mesma sorte; mas a sensibilidade dos individuos 6 tao varidvel, tao desigual, que a perfeita igualdade das penas ¢ uma quimera: basta evitar tudo o que 6 desigualdade manifesta que s¢ faz odiosa. Portanto 6 uma verdade, que devemos trazer esculpida na memoria quando da 36 deremias BENTHAM elaboragio de um e6digo penal: que a mesma pena nominal nfo 6 a mesma pena real, segundo as diversas cireunstincias do estado, fortuna, idade, sexo, etc. Toda a multa ou conde- nagio de uma quantia certa ¢ permanente 6 sempre uma pena desigual: e que diferenca nos castigos corporais, nos agoites, por exemplo, segundo a idade eo estado das pessoas? Na China tudo se reduz a leyar pauladas desde 0 aguadeiro até ao Mandarim e ao Principe, o que prova que semelhantes Povos néo conhecem absolutamente os nossos sentimentos de honra, 34) Comensurabilidade As penas devem ser comeusurdyeis entre si, Suponhamos um homem em situagio de poder escolher entre muitos delitos : apoderar-se de certa quantia de dinheiro por um simples roubo — por homieidio —, por meio do fogo: a lei deve oferecer-lhe uum motivo, que 0 faca abater do maior crime: éste motivo é saber de certo que ao maior crime corresponde um castigo mais pesado. 1 necessario que 0 réu possa comparar as penas entre sie medir os diferentes graus, de que elas se compiem Se os trés delitos estivessem igualmente sujeitos & pena iiltima, semelhante pena j4 se néo podia medir; deixaria ao réu a escolha do erime qne se Ihe afigurasse mais féeil e menos arriscado na sua exeeugio. Ha dois modos de conseguir éste fim: 1.°, ajuntando a uma certa pena outra quantidade da mesma espécie; por exemplo, a cinco anas de prisio, por certo crime, dois anos de mais, quando for mais requintado: 2°, ajuntandothe uma pena de outro genero; por exemplo, a eineo anos de prisio, por tum cerio crime, a ignominia piblica, por ser mais agravante 4°) Analogia ‘A pena deve ser andloga ao delito, Se a pena tem uma semelhanga caracteristica com o crime, imprime-se mais pro- fundamente na meméria, entranha-se na imaginacio com mais vivea; a pena de Taliéo ¢ admiravel por éste motivo: lho por atho, dente por dente. O homem, ainda o mais broneo Teorra pas Pexas Leoars 37 sem eapacidade, pode ligar estas idéias; mas semelhante pena raras vezes tem lugar na pritiea, além de ser mui dispendiosa ; € preciso recorrer a outros meios de analogia. Trataremos desta importante matéria em um capitulo separado. 5.°) Ser exemplar © castigo 6 exemplar, quando a pena aparente esti em grande proporgéo com a pena real (veja-se o Cap. IV). A pena real, que ndo fosse aparente, poderia servir para inti- midar o réu, ¢ para o reformar; mas fieava perdida para o piblivo. Os Autos da Fé seriam a mais dtil invengao da Jurispru- déncia se, em lugar de serem da Fé, tivessem sido atos de justice. Que é uma exeeucéo piiblica? Uma tragédia solene, que o Legislador apresenta ao Povo reiinido; tragédia da maior importineia, verdadciramente patétiea, assim pela reali- dade do seu catastrofe, como pela grandeza do seu objeto. O aparato da cena, a decoragio e as ceriménias devem ser carre- gadas; porque do exterior depende o sea principal efeito: tribunal, eadafalso, vestidos dos ofieiais de justiga, 0 desalinho do padecente, os Minisiros da Religiéo, a procissio, 0 acom- panhamento, tudo deve ter um cardter sério e horrivel no seu género: 08 proprios executores deveriam estar cobertos de negro: 0 terror aumentaria, e estes servos fiteis do Estado deixariam de incorrer no ddio, e aversio do Povo. Com tudo isto hé uma eoisa que notar em todo éste cerimonial da pena e vem a ser: que nio indisponha 0 mesmo Povo contra si, nem se faca odiosa pelas falsas aparéncias de rigor. Economia ‘A pena deve ser econdmica, isto é ndo deve ter senfio 0 grau de severidade necessario para aleangar 0 seu fim. Tudo 0 que é além da nevessidade, no s6 vem a ser um mal supérfluo, mas traz consigo um aluvido de ineonvenientes, que tendem, mais ou menos, a enfraquecer o sistema penal: 6 0 tinico motivo raciondvel que indispée 0 Povo contra as penas. 38 Jerewias Bentwaw ‘As peeuniavias tém esta qualidade mun grau eminente: todo 0 mal, que sente o que paga, se converte em beneficio para o que reecbe, Em relagiio & despesa pitbliea, ha certas penas que se opdem especialmente ao prineipio de economia; por exemplo; as mutilagdes aplicadas a delitos, que se cometem com freqiiéucia: 0 contrabando ¢ déste género, Quando os homens ficam aleijados para ganhar a vida, é necessario ali- menti-los & custa do erfrio, on entregé-los & caridade dos fisis, tributo qne vai fazer péso exelusivamente sdbre a classe a mais virtuosa. Se devemos acreditar Filangieri, havia continnamente nas cadeias de N&poles mais de quarenta mil presos ociosos: que imensa perda de trabalho! A cidade de Inglaterra, que tem mais fabrieas, nfo chega a oenpar um mimero igual de pessoas. Hm muitas nagdes hi pena iltima contra os desertores, imposta pelas leis militares; matar wm homem néo custa nada; mas perde-se 0 que éle poderia ganhar: 0 produto de quem preenche o seu lugar fica sendo imitil, como se nao trabalhasse. 7.*) Ser repardvel B uma das qualidades da pena ser reparivel, ou poderse revogar, 8 verdade que em relagéo ao passado todas as penas sio irremissiveis: logo que o réu foi castigado, ainda que depois venha a provar claramente a sua inocéneia, ninguém Ihe tira o castigo. O que podem fazer as leis, é compensar 0 inocente: ninguém o pode repor outra vez no sen primeiro estado; mas podem haver meios de melhorar a sua condicéo presente, A tiniea pena irreparéivel é a pena de morte. (Veja-se ob. 2%, Cap. XIX). Atalhar 0 poder de fazer mal Uma pena, que tira ao ru o poder de fazer mal, 6 exee- Tente, logo que nfo seja mui dispendiosa. A priséo, enquanto dura, tem esta qualidade; as mutilagdes podem reduzir éste poder a quase nada; e a pena iiltima o destréi pela raiz. Hi TeoRIA DAs Punas Leoais 39 casos em que se nio pode tirar o poder de fazer mal sem tirar a Vida, em cireunstancias extraordindrias, como, por exemplo, nas guerras civis, quando o nome de um eabega de partido, enquanto vive, ¢ bastante para atigar as paixdes dos seus apaniguados; mas ainda mesmo assim, a pena ditima, aplicada a agées de uma natureza tio problemitica, deve considerar-se mais como um ato de hostilidade, que na rasio de pena legal Ha casos em que se tira o dito poder com a maior economia da pena: suponhamos que o delito consiste num abuso de autoridade, on na falta de fidelidade na arrecadagio dos direitos; basta remover o empregado, tirar-the a administracéo, a tutela, 0 fideicomisso, de que tem abusado: éste meio pode servir para o govérno doméstico e para o govérno politico, 9) Tendéneia para 0 melhoramento moral ‘Toda a pena tem um certo efeito para intimidar; mas se © réu, depois do castigo, se nao abstém do crime senéo porque tem médo, no podemos dizer que est reformado: quem diz reforma, diz mudanga no cartier e nos maus hibitos morais ‘A pena tem uma tendéncia para emendar o homem, quando é ealculada de modo que pode enfraqueeer os motivos enganosos, ¢ reforear os motivos tutelares: algumas penas hi que tendem, pelo contrario, a fazer o homem vieioso ainda mais estragado: as penas infamantes tém éste grande perigo, quando se aplicem a peqnenos defeitos, ou a falhas da mocidade: Diligentius enim, vivit, ewi aliquid integri superest. Nemo dignitati suac poreit. Impunitatis genus est jam non havere paenae locum. Seneca de Clem, Cap. XXII. 10.*) Poder-se converter em proveito Quando a pena se pote converter em proveito tem uma qualidade de mais, que em muitos easos pode ser de snmo valor, Quando se comete um crime e depois se castiga, temos o mal do erime-e o mal da pena; se a peua render algum proveito, aplieai éste proveito & parte lesada, e tendes sarado mal do crime: saldando a couta, j4 no resta mais do que 40 Jeremias Bentuas uma s6 porgio de mal em lugar de dias que existiam. Se ndo ha parte lesada, como nos erimes que no produziram mais ao que susto, on perigo, nfo hé golpe que se deva eurar; mas, entretanto, se a pena é de natureza que rende proveito, temos uma soma liquida, com que podemos contar. Esta qualidade se descobre nas penas que consistem em desautorar o réu, ou privé-lo do poder que tinha, O lugar de honra, ou de luero, que vem a perder pelo seu crime, vai recair em outra pessoa mais digna: de todas as penes, as que chamam pecuniérias sho as tinieas. em que se verifiea perfeitamente uma tal qualidade. 11.*) Simplicidade no modo de se dar a conhecer ‘A pena deve enunciar-se com a maior clareza possivel, ¢ com a maior simplicidade, de sorte que todos a entendam, nao sé as pessoas de tino, mas até o mais ignorante. # verdade que nem sempre se pode guardar esta simplicidade. Hé muitos crimes, caja pena se compoe de muitas partes, de multa pectinidria, pena corporal, cadeia, ete.: a regra de simplieidade, neste caso, deve ceder a coisas mais importantes. Oferego esta qualidade, para que o Legislador se lembre dela e se Ihe zeomode 0 mais que for possivel. Quanto as penas so mais complexas, tanto é mais de revear que se nao apresentem por inteiro ao réu na oeasiio em que é tentado; ou porque néo tem conheeimento das partes da pena, ou porque se nio Jembra das outras: entram todas na pena real; mas néo entram na pena aparente. ‘Também & de sumo interdsse saber eseolher o nome da pena: uma palavra obscura é um vin, que se langa sébre 0 total das penas, e que as nfo deixa conhecer por um modo Gistinto, A lei da Inglaterra tem seus defeitos nesta parte. A traigdo capital (1) encerra penas tao diversas, que pela maior parte se no conhecem, e que por isso mesmo nio fazem impressio. 0 mesmo crime com privilégio do Clero tem 2 mesma obseuridade: as ameagas da lei nao oferecem ao espirito uma idéia distinta e o primeiro pensamento, que se oferece a uma a) Veie Le 5, cap. 3 desta obra Teorta pas Penas Leoats A pessve; que nfo é instruida, é que a lei trata de prémios, ¢ nio de castigos. 0 Pramunire (1) também se nio entende: 08 que ‘sabem latim estio bem longe de conhecer a pena, que ali se declara: semelhantes obscuridades so bem parecidas com os enigmas de Bsfinge, em que 08 homens eram eastigados por nfo saber adivinhar. 12.*) Popularidade _As penas devem ser populares ou, para melhor dizer, nfo deven ser odiosas no conceito piblico. O Legislador na escotha das penas deve evitar cuidadosamente as que podem entender com as prejuizos da sua naedo, Se 0 Povo, com razio ou sem ela, tem concebido aversio a um certo género de pena, por mais conveniente que seja em si mesma, nao deve entrar no Cédign Penal: ¢ wm yerdadeiro mal dar ao pablico um sentimento penoso pelo estabelecimento de uma pena, que néo € do seu agrado: neste caso niio se castigam s6 os eriminosos, mas as pesscas as mais inoeentes e as mais quietas da sociedad, impondo-The uma pena verdadeiramente real, enquanto se fere a sua sensibilidade e se afronta a sua opinidio, metendo-lhe 2 cara a imagem da violéneia ¢ da tirania, Que sucede de um procedimento téo ponco judieiosot O Legislador, que nio fax caso da opinio publica, vira contra si mesmo esta opinifo insersivelmente; perde 0 abrigo voluntario, que os individuos costumam dar & execugio da lei, quando ela tem a sua apro- yagi; nfo pode contar com o Povo como seu aliado, mas como seu inimigo. Qual trabalha por faeilitar a evaséo do criminoso; qual faria eserGpulo de o denunciar & justica: as _mesmas testemanbas fogem, o mais que poder ser, de dar o sew Gepcimento: insensivelmente s2 vai formando um prejuizo funesto contra a lei, até que vem a ser uma vergonha, uma espésie de deshonra, concorrer para a sua execucdo. Q descon- tentamento geral ainda pode ir a mais: rompe algumas vezes em desobediéneia formal, ou contra os oficiais de justica, on contra a execugio da sentence. Se o Povo sai bem do seu Ti) Gere lel, ou erdenacdo de Inglaterra, foita no tempo de Ricardo TI, ara sopear abusos 42 Jerewias BENTHAM arrdjo, assenta que tem alcancedo uma vitéria e 0 réu impune se alegra com a fraqneza da lei humilhada pelo seu triunfo. BE que 6 que faz as penas odiosas? Pela maior parte 0 serem mal escolhidas: quanto mais se ajustarem as leis penais com a8 regras, que temos apontado, tanto elas serdo mais acre- ditadas pelos homens de juizo e até pela mesma aprovagio sentimental da multidio: todos acharam justiga e moderagio em semelhantes penas: cada um fiearé maravilhado de ver a sua conveniéneia e analogia com os crimes, podendo graduar a pena agravante, que deve corresponder a um crime agravado ¢ A diminuiedo do castigo, que se deve apliear a um crime, que se faz menos odioso por alguma eireunsténeia. ste género de merecimento, que se funda nas idéias domésticas ¢ familiares, esté ao alcance dos homens de menor eapacidade: nenhuma coisa ¢ mais prépria para nos dar a idéia de wm Govérno paternal, para inspirar confianca ¢ fazer caminhar a opiniéo piiblica ao lado da autoridade. Quando o Povo segue o partido das leis, as abertas do erime para eseapar do castigo estao reduzidas & sua menor expressio, Fazer um catélogo das qualidades, que deve ter a pena para ser bem ordenada, seria nm trabalho imttil, A primeira coisa que se deve fazer em qualquer matéria, se queremos proceder com acérto, é formar uma idéia abstrata das quali- dades que deve ter 0 objeto que se pretende explicar: enquanto nao fizermos isto, toda a nossa aprovacdo ou desaprovacio nao passa de um sentimento confuso de simpatia ou de antipatia. Pelo que fica dito, j4 podemos ter razbes claras e distintas para Gecidir na eseolha das penas: resta imieamente observar em que proporedo esta ou aquela pena, possue estas qualidades diversas. ‘Tirar uma conelusiio de uma sé destas qualidades nao & querer acertar: preciso destiar cada uma de per si, e consideré-las todas juntas, Nao hd uma s6 pena, que possa reiinir em si todas as qualidades; mas segundo a natureza dos crimes, assim umas podem ser mais importantes do que outras. Nos maiores crimes devemos fitar toda a nossa atencio € euidado no exemplo e analogia. Nos pequenos delitos é neces- sirio atender mais A economia da pena e ao objeto moral da Teorta‘pas Prnas Lecars 43 reforma. Nos crimes contra 2 propriedade sio preferiveis as penas que se podem converter em proveito, de que se pode tirar uma compensagao para a parte lesada, ___ Nota. Vou dar um exemplo do andamento progressivo das idéias e da utilidade dos ntimeros para registrar metddicamente todas as observacées modernas a éste respeito, sem perder wna s6. Procurei em Montesquieu todas as qualidades penais, que The mereceram cuidado; e achei quatro, que estéo exprimidas per termos vagos ou perifrases, _ 1° Requer que as penas sojam tiradas da natureza dos crimes, isto é, que tenham uma eerta analogia entre si. ge 2° Que sejam moderadas; expressio muito vaga, em que se nao acha um ponto de comparacio. 52 Que sejamm proporcionais ao crime. A proporeto refere- se mais A quantidade da pena do que & sua qualidade. Mon- tesquieu nfo explica em que cousiste esta proporeio, nem di uma s6 regra a Ste respeito, 4° Que sejam honestas, Bocaria notou igualmente quatro qualidades: _ 1° Diz que as penas devem ser anélogas aos delitos; mas néo entra ua averiguagio desta analogia, 2° Que sejam piiblicas; que vale o mesmo que dizer exemplares. 8° Que sejam brandas, térmo improprio e que nada significa, ainda que as suas reflexdes sébre 0 porigo de excesso sejam mui judiciesas. 4° Que sejam proporcionais; regra para esta proporgdo. Que, além disto, que as penas sejam cortas, prontas, inevitéveis; mas tudo isto pertenee ao foro judicial, ao modo de aplicar as penas e ndo ds suas qualidades. Voltaire, no seu comentério sobre Becaria, repete muitas ‘eres que as penas devem ser proveitosas: um homem enforeado, diz le, nao serve para nada, " mas nfo assina uma sé ___ Um dos heréis da humanidade, 0 bom, 0 virtuoso Howard, timha sem cesar em vista a emenda dos réus. at Jerewtas Bextra ¢ observarmos 0 ponto de que partem todos estes orfeulos da ciéneia; se examinarmos suas id6ias vagas, principios gerais, viremos 2 coneluir que, nfo tendo apresentado um nome proprio para se expliearem, nao poderdo fazer uma enumeracéo regular de todas as qualidades que podem ter as penas, sua distinedo, seus nomes, suas definigdes. Levados pelo Autor desta obra, j& podemos oferecer as penas debaixo de um ponto de vista de aproximagio; j& podemos determinar a sua impor- ‘téncia comparativa e o seu justo valor, Montesquieu, querendo dar tudo & qualidade de analogia, deixou-se enganar, atri- Duindo-lhe efeitos que certamente nfo tem. Bsprit des Loir, XML 4 Creio que temos respondido suficientemente aos que notam M, Bentham de ser nimiamente afeicoado ao seu método: falo das suas divisdes, enumeragies, classitieagies, a que podemos chamar aparato légico. Dizem que se devem deitar abaixo 0s andaimes, logo que o ediffcio esté levantado: mas para que havemos tirar a0 leitor os instrumentos de que o Autor se serviu? Para que se Ihe hé de eseonder o trabalho analitieo € 0 procedimento da invencéo, Organum cogitativum, que nos obriga 2 pensart O Autor revela o seu segrédo; chama a si os outros para cooperarem com @le; entrega o fio, que o tem encaminhado nas suas Geseohertas, para que os homens possam ir mais adiante ¢ verifiear a verdade por si mesmos. Coisa singular! Porque o trabalho ¢ maior, mereceré menos prémio? Bem sei que se o Autor fizesse mistério dos meios da sua légica, eomo de uma doutrina seereta, nfo descobrindo, (se & Vicito falar assim) a anatomia do seu diseurso, os misculos, os nervos, poderia ter ganho mais pelo lado da facilidade e colorido: bem sei que, seguindo a anilise, tudo corre de plano, todos esperam 0 que se segue, nio hé novidade; mas que importa, se 0 todo é luminosot O estilo nfo arrebata, no ha relimpagos, nem pensamentos, que dio nos olhos ¢ que num instante se metem pelas sombras; custa a levar ao fim um método to exato; mas era éste o modo de satisfazer plenamente a razio do homem sensato. Nota do Sr. Dumont. Teorta pas Penas Leears g CAPITULO VIT Da analogia entre 2s penas e os delitos _ Analogia & 0 mesmo que relagio, conexio, ligagdo entre dois objetos, pela qual um déles tem a propriedade de nos fazer lembrar do outro. A semelhanca é uma espécie de ana- logia, e dessemelhanga ¢ igualmente outra (1). Para estabelecer a analogia entre o castigo, ¢ 0 erime, preciso que haja neste alguma circunstincia notével que s» possa transferir pera o castigo, Esta cireunstineia notével ou caraeteristica pode ser o instrumento que serviu ao erime, o Srgéo do corpo, porque éle se consumou, a parte do corpo, que deu ocasiéo, 0 meio empregado pelo delingiiente para o nko conhecerem, ete. Os exemplos que vou dar nfo tém por fim mais do que expliear 20 claro 0 que quer dizer analogia, Limito-me a dizer que tal pena seria andloga a certo crime, sem recomendar que se empregue a dita pena absolutamente 6 em todos os casos. Nao basta que uma pena seja anéloga para ser conveniente; & necessdrio atender a outras muitas eonsi- deragdes: mas ninguém pode dizer tudo ao mesmo tempo. I Primeira causa da analogia O mesmo instrumento do crime e da pena _ © langar fogo, alagar, envenenar: estes delitos, em que 0 meio empregado pelo criminoso 6 a primeira cireunstancia que lembra, sio do ntimero daqueles em que se pode apliear A pena © mesmo instramento que serviu ao crime, A respeito do incendifrio, devemos reparar que o seu crime se deve restringir tinicamente ao caso em que do incndio se seguiu a morte de alguém. Se néo houve homiefdio, nem mau trata- mento pessoal irreparével, o crime deve ser reputado como um prejuizo ordinario: destruir uma propriedade pelo fogo, G)_Da idk de am giganto o neato eepvite pode formae idtie de ‘Os natarais Ee'Litipae chamaram 1 Goliver's homers manta iidia em eieaste polemon formar fea de"cm piemen. 46 Jeremias BENTHAM ou por outro modo, vem 2 dar no mesmo: o valor da perda deve ser a medida do crime: éste homem, por exemplo, langou fogo a uma easa erma e deshabitada; fez uma destruigio ¢ nada mais: 0 seu erime nfo entra na definigio de incendiario (1). Se o suplicio do fogo fosse reservado inicamente para os que deitam fogo a um prédio alheio, a lei neste caso teria a seu favor a razio de analogia; mas nos séeulos de barbaridade ‘a Legislacao tem empregado geralmente na Europa em trés delitos diferentes: na magia, crime puramente imaginirio; na heresia, on diferenga de opiniao em matéria religiosa, em que pode haver boa fé ¢ em que semelhante castigo nfo podia fazer mais do que hipécritas; e nos crimes vergonhosos contra a natureza (2). © fogo poder-se-ia empregar como instrumento do supli- cio; mas sem matar o eriminoso: é wma pena que podemos modificar A nossa yontade, Também seria preciso que o texto da lei determinasse com todo o cuidado a parte do corpo a que se deve aplicar, 0 modo da operacio por uma Inz, os minutos que deve durar, o aparato necessério para aumentar o terror e, para fazer a descrigdo do suplicio mais viva e meter médo, (objeto principal da pena) soria bom mandar abrir uma estampa, em que se representasse 0 castigo. © crime de alagar é mais raro que o de lengar fogo: & desconhecido em muitos paises; e até se néo pode cometer sendo em terras em que houverem canais e diques artificiais, que se podem romper: ste crime pode diminuir ¢ avultar por todos os modos: causar uma inundac&o em alguns campos 6 estragar simplesmente a propriedade; mas quando se lhe ajunta a destruigio das vidas, entio pode subir a um grau de atrocidade que necessita de penas severas. ‘A analogia a mais sensivel indiea o meio do suplicio ‘afogar 0 criminoso por um modo solene, que excitasse 0 terror em um Cédigo Penal, que tivesse desterrado a pene altima, Bae 0 daa com iy gt to en vere. aetey, gies, moma te, fe a ca na Oh etemamir mae can, at thn aster mis atta sci tet See cana se i rao” care aca oes Sore ee eeregaees Sea Troms pas Penas Leoars aT poderia o réu ser afogado de sorte que néio perdesse a vida: seria uma parte da pena. Mas um miserével, que propinou veneno, devera também emborear 1 taga e morrer envenenadot Falando gevalmente, nfo seria um despropésito. Aste crime distingue-se dos outros homicfdios pelo segrédo com que se pode fazer e porque supde no malvado wma intengio continuada e refletida, que o faz horrivel: a primeira cireunsténeia aumenta a forga da tentacdo ¢ o mal do crime; a segunda faz ver que 0 réu com 0s olhos no seu interésse € eapaz de uma reflexio muito séria sobre a naturera da pana: a idéia de morrer pelo mesmo género de morte que aparelha para o seu inimigo € wma idéia assombrosa, bem capaz de o reprimir: em eada preparo do crime esta vendo na imaginac&o a sua ‘mesma sorte; e por éste modo a analogia produr, plenamente © seu efeito. Todavia, o castigo tem dificuldades: os venenos lavram com inuita desigualdade a ineeriea: por isso a lei deveria fixar um certo espago de tempo, depois do qual deveria morrer © padecente, para The abreviar o suplicio. O yeneno, que faz dormir a sono s6lto, no convém; porque nio faz 0 eastigo exemplar: 0 que faz convulsées e raiva até despedacar-se 0 homem a si mesmo, seria fazer a pena odiosa, Se o veneno propinado no matou, poderia darse ao réu, ¢, depois de o bebex, obrigé-lo a tomar um contraveneno, antes que 0 pudesse matar; a dose e o tempo deveriam ser fixados pelo Juz, de eonselho dos médicos. 0 Povo, que sempre teve horror a éste evime, poderia levar a bem esta pena, uma vez que se fosse eostumando: e enquanto © pais fosse mais sujeito ao erime, tanto a pena, que repre- senta esta analogia com 0 delito, poderia ser mais conveniente. NM Segundo principio de analogia Por uma injiiria corporal a mesma pena corporal Nos delitos que consistem em injiirias corporais irrepa- rayeis, a parte do corpo lesada ¢ a cireunstincia earaeterfstica ; © neste caso a analogia consistiria em fazer a0 réu o mesmo 48 Jexemias Bantwam mal por éle feito: bem entendido, sendo o delito malicioso ¢ plenamente inteneional em toda # sua extensio, cireunstancia necessiria para o castigo e distingio da maior importancia. ‘Mas suponhamos que o réu carece do érgdo ou daquela parte do corpo, de que tem privado o seu adversério; ou que esta perda Ihe vem a ser de maior ou menor prejuizo do que A pessoa lesada: se a injitvia foi de ignoraneia sem mal perma- nente, a mesma ignominia se pode empregar na pena, quando & compativel com estado da pessoa e com as demais cir- cunstincias. IN Terceiro principio de analogia Castigo na parte do corpo, que servi ao delito Nos crimes de falsidade & lingua e as mios sio instru- mentos do crime. Desta circunstincia podemos tirar uma exata analogia para o castigo. Se o rén falsificon eserituras publicas, a sua mio deve ser traspassada com um ferro quente, que tenha a forma de uma pena; e neste estado se deve apresentar a0 Povo, antes de o meterem na eadeia para expiacao inteira do seu crime. N. B, — Esta pena pode ser mais grave na aparéncia do que na realidade: a parte do ferro, que se vé, pode ser grossa; ¢ a parte que se entranha pela carne, pode ser delgad como um alfinete. Na caliinia, ditérios pessoais, que se no provam, em que a lingua foi o érgio do crime, 0 caluniador deve ser exposto aos olhos do piblieo da mesma sorte — com a lingua furada. B. — A mesma observacio. O réu pode apresentar-se com a lingua de fora, atravessada por uma agulha delgada, que termine em dois nés, para se nio reeolher. Esta pena oferece nfo sei que ridieulo; mas por isso mesmo teria o merecimento de fazer a impostura mais des- preaivel ¢ a verdade mais respeitavel. Trorta DAs Penas Lecars 49 IW Quarto principio de analogia Disfaree Ha certos crimes em que o disfarce & um dos seus rasgos caracteristicos. O réu, para nio ser conhecido, ou para inspirar mais terror, comete 0 crime com o rosto tapado: eireunstiincia agravante, que aumenta o susto e diminne a probabilidade da pena: sondo assim, & necessério que haja um eastigo adicional ; ese © quisermos acomodar segundo a sua analogia com o delito, deveremos marear 0 réu; cuja marea pode ser delével, ou indelével, conforme a prisio Tor temporéria ou perpétua. A primeira pode fazer-se com tinta, a segunda com ferro em brasa. A utilidade de semelhante pena seré muito mais sen- sivel nos homiefdios premeditados, erimes de violéneia, injiirias pessoais irrepardveis e no roubo acompanhado de férca e de terror. V Outros prineipios de analogia Ha mais circunstancias earacteristicas, que se no podem arranjar, como as precedentes, em classes gerais: 6 necessério consideré-las segundo a natureza dos crimes, se queremos gnardar a analogia, No fabrico de moeda falsa, a arte do réu 6 uma cireuns- tancia earaeterfstiea: podemos voltar feitigo contra o feiti- ceiro, aplicando-Ihe na testa, ou nas faces um sinal que denote a qualidade de dinheiro que sabia contrafazer: esta marca deveria ser de passagem, ou indelével, segundo a prisio que faz parte da pena, fosse por um tempo limitado, on para sempre. Em Amsterdam ha uma casa de corregio, chamada Rasp- house, onde se metem os ociosos e vadios: diz-se que entre 05 diferentes trabalhos a que séo obrigados, podem fiear debaixo d’agua e afogar-se, uma ver que deixem de trabalhar por um instante: ou seja verdade ou mentira, aqui temos uma pena analégica levada ao seu mais alto ponto de vigor; a querermos adotar semelhante meio, deverfamos ajustar o castigo segundo as forgas do réu. 50 Jeremtas BENTHAM © lugar do delito também pode oferecer uma espéeie de anologia, A Tmperatriz Catarina If mandou que um homem, que tinha feito nfo sei que travessura na praca do coméreio, fosse condenado a varré-la todos os dias em que se ajtmtavam os homens de negécios. N. B. — Quando se diz, em geral, que as penas devem ter analogia com os crimes, ninguém pode negar a utilidade da regra; mas quando se quer aplicar, cada um vai para sua parte; ‘ow porque a imaginacao neste caso é 0 primeiro Juiz de uma cireunstineia, ou porque ninguém consulta senéio a sua ima- ginagio, e nada mais. Tenho visto pessoas com uma estranha Tepugnéneia para adotarem alguns procedimentos caraeterts. tieos propostos pelo Autor; tenho visto homens de espirito meterem a ridieulo tais procedimentos, e sorrirem-se com des- prézo, eomo de uma lembranga esquisita. 0 que é certo, é ‘que tudo pende da escolha dos meios: a seriedade € 0 cardter inseparavel de qualquer pena; mas o respeito de crimes de orgulho e de insalto, a pena que envergonha o réu; eo faz digno do vilipéndio da sociedade, é sem dtivida a mais con- veniente para humilhar o agressor e satisfazer a parte ofendida. ‘Também devemos fugir de tudo o que é requintado ¢ mostra demasiado feitio. 0 ato de castigar é uma ago necessi- ria feita com repugnancia e contra vontade: admiramos a variedade dos ferros de um cirurgiae, porque quanto mais diferentes e multiplicados, tanto mais nos parecem necessirios para nos dar saiide e fazer as operacées mais dolorosas com © minimo de tormento; mas nflo acontece 0 mesmo nas penas: 6 Legislador, neste easo, vem a perder a sua dignidade; porque parece que 0 seu espirito se entretém em evisas pequenas. Debaixo déstes prinefpios, a analogia pode ser muito itil; pode encaminhar 0 Govérno para deseobrir as penas mais eco- némiecas e mais eficazes. Ndo posso deixar de referir um exemplo moderno de um Capitéo da Marina Inglesa, que nfo tinha estudado os principios de Bentham; mas que sabia conhecer © coracio humano, As licengas, que se costumam dar aos marinheiros para sairem a terra, nfio passam de vinte e quatro horas por via de regra; quando excedem a licenga, so agoita- dos. O médo de semelhante castigo é uma das causas mais freqiientes de haverem tantas desergdes: 0 remédio de que Trorra pas Penas Lee@ars oh se vale a maior parte dos Oficiais superiores, 6 negarem a licenga’; mas 0 Capitio de que falo, para coneiliar 0 méto da sua gente com o servigo do Estado, em Ingar de mandar agoitar o réu, profbia a Ticenga para as outras vezes A pro- poredo da falta: se fieava em terra mais de vinte e qnatro horas, no entrava no primeiro turno: se ficava dois dias, nilo podia entrar no segundo, ¢ assim por diante. A expe- riéneia tinha correspondido aos seus desejos; nem as faltas eram mais freqtientes, nem havia desertores, CAPITULO VIIT Da pena de Talifo Se a lei de Taliao fosse admissivel, os Legisladores tinham poupado muito trabalho; uma palavra podia valer um livro inteiro. Em que consiste esta pena? Em fazer passar o réu pelo mesmo mal, que tem feito & parte lesada: para oma injéria corporal um castigo corporal: ofenden a propriedade, deve pagar em dinheiro contado: afrontou a reputacio, seja cortado pelos mesmos fios e pagne na mesma moeda. Tal 6 a idéia geral; mas nfo basta. Para fazer a pena exatamente conforme com 0 principio de Taliio, devemos levar a iden- tidade 0 mais longe que for possivel: por exemplo, se 0 delito consiste em queimar uma easa, deveria ser queimada igual- mente a casa do réu: deshonrou alguma pessoa, fez-Ihe perder a dignidade da san vepresentagio? deveria sofrer 0 mesmo: mutilon © seu inimigo? deveria ser mntilado: tiron-lhe a vida? deveria sofrer a pena de morte. Em uma palavra. quanto mais a semelhanga é especffica entre a pena e o delito, tanto & mais conforme a lei de Talio: Olho por dlho, dente por dente, & 0 provérbio. A identidade requer que nfo s6 se castigne a mesma parte, que fez 0 delito; mas até do mesmo modo: se maton a ferro, fogo, ou veneno; deve padecer da ‘mesma sorte, o instrumento deve ser 0 mesmo. O grande mérito desta lei esté na sua simplicidade: em uma s6 regra apanhou e recolhen em si tado o Cédigo Penal: o réu sofreré o mal que tem feito sofrer. Semelhante plano, x Jeeemias Bentnam a-pesar-de ser imenso, entra na cabeca mais pequena, entalhado na meméria, ainda que seja muito fraca e a sua analogia é tio perfeita que 2 idéia do crime desperta imediata- mente a idéia da pena: quanto o delito parece mais apetitoso, tanto o médo, que resulta da pena, deve ser maior: 6 uma sentinela, que esté de guarda para ndo deixar cair o miserével. Queria prosseguir por diante; mas para que, se na maior parte dos crimes néo pode ter lugar esta pena, nem 6 prati- cével! Primeiramente, néo se pode aplicar nos crimes pablicos, que ofendem a sociedade em geral: um traidor, por exemplo, que se corresponde com uma nagéo inimiga, o que entregou uma praca, como se The pode fazer o mesmo malt Também nfo tem lugar nos crimes quase piiblicos, que prejudieam um distrito, uma certa classe de pessoas: quanto mais, que uma grande parte désses crimes nfo passam de ameagas, de meter médo, de pr a gente em perigo, sem que se possa assinar 0 individuo em particular que foi lesado. Nos crimes que o homem comete eontra si mesmo e que ofendem a moral, a pena de Talido seria um absurdo: fazer-Ihe o mesmo mal, néo seria castigado, Quando um homem estraga a reputagio alheia, quando inventa uma caliinia; a lei nfo Ihe pode fazer 0 mesmo: pode sujeité-lo a uma pena afrontosa; mas esta mesma pena fica muitas vezes sem efeito, porque pende da reputagio do rén; e que se pode tirar a quem nenhuma coisa tem de seu? Nos crimes que ofendem o direito de propriedade, a pena de Taliéo seria muito fraca, muito pouco exemplar; ¢ além Gisto, como podem compensar as penas pecunidrias um delito, que pela maior parte tem por motivo a indigéneia? A mesma falta de aplicagio, 2 mesma impossibilidade se descobre nos delitos contra a condiggo natural, ou eivil, para se nfo poderem sujeitar A pena de Talifo: b& casos em que ainda quando se pudesse apliear, se nfo deveria fazer, como no crime de sedugio, de adultério, ete, Que resta pois na prética a respeito desta pena? Quase nada, Os tnicos delitos, em que se pode empregar e néo ha de ser sempre, sio 0s que tocam na pessoa; e ainda nesse caso é necessétio supor uma paridade de circunstineia, que raras ‘yeres acontece. Nos casos mesmo em que pode entrar, tem Teoria pas Penas Lecars 53 contra si o ser muito rigorosa: o seu vicio radical é ser infle- xivel. A lei deve medir 2 pena pelas circunstincias agravantes, ou que podem diminuir o crime; o Talido destr6i toda a medida, $6 os Povos vingatives devem gostar desta pena: ‘Maomé ja a tinha achado estabelocida entre os Arabes, e por isso @ consagrou no Aleordio com um tom de elogio, que bem mostra a medida dos seus conhecimentos em matéria de Legis- lagéo; cito as suas palavras (‘T. 1. eap. 2. da vaea) : “6 v6s, que tendes um coragio, achareis no Talido e no terror, que inspira, a seguranga de vossos dias!” Seja fraqueza, soja ignoraneia, Maomé lisonjeava o vieio dominante, que deveria combater, CAPITULO IX Da popularidade do Cédigo Penal Provar que uma institnigio € conforme ao principio de utilidade, 6 provar quanto a coisa € suscetivel de prova, que deve ser do agrado do Povo: é verdade que @le nem sempre gosta do que deve gostar; porque nem sempre se governa pela utilidade: € 0 ailtimo gran de civilizagio a que nenhum povo ainda péde chegar. Entre as nagies que esto mais adiantadas, ainda nas classes snperiores, quantas antipatias se acham e quantos prejuizos sem fundamento! Antipatias contra eertos delitos sem uma razéo suficiente — prejuizos contra certas penas sem reparar que sio convenientes. As objecdes contra esta ou aquela pena podem ser tio diversas quanto ¢ diferente a imaginagio dos homens; mas se fizermos reflexio, veremos que se podem reduzir a uma destas quatro coisas principais: Ziberdade — Decéneia — Religito — Humanidade, Estas objecdes sio de eapricho, porque tiram toda a sua fOrga aparente do respeito que infundem estas palavras sagradas, O capricho consiste em tomar estes nomes em vio L. Liberdade — Pouco temos que dizer sobre estas palavra: todas as penas sio contrarias A liberdade, porque de boa mente ninguém sofre o castigo: mas aparecem entusiasias que, sem atenderem a esta razio, condenam certas penas, por exemplo, Bt Jerewias Bextwaw a pristio junta com trabalho obrigado, como wm atentado contra 63 direitos naturais do homem. Num pais livre, dizem éles nfo se deve consentir que nem ainda mesmo os malfeitores sejam reduzidos a um estado de escravidio: ¢ wm exemplo odieso e arriscado; s6 as Povos avassalados pelo despotismo podem ver sem comogio os miseréveis agrilhoados, que tra- balham nas galés. Esta objegio foi repisadz em muitos folhetos, quando se propuseram em Inglaterra certas casas, em que os homens ¢1 minosos séo obrigados a trabalhar para 0 piblico, que vale o mesino que dizer: que devemos deixar em liberdade os que abusam dela, ou que a liberdade dos malfeitores é uma parte essencial da liberdade dos homens de bem. IL. Decéncia — As objeges, que se tiram da decéneia, recaem sobre as penas emi que se expoem aos olhes do pablic objetos que assustam 0 pajo, que se encobrem, e que nao entram ordinariainente ma conversagao dos homens: to(os ‘eonvém em que as penas devem ser honestas; mas 0 péjo, assim como as outras virtudes, nfo tem valor senfo pela sua utilidate (1). Logo, se houvesse um caso em que a pena mais apropriada a0 delito encerrasse na sua execugio uma citeunstineia poco Aceente, julgo que néo seria contra a razio admitir a pena em beneficio da utilidade maior. A castracéo, por exemplo, parece a pena mais conveniente no easo ce violéncia, quero dizer. a mais propria para fazer uma forte impressio sobre 0 espirito, quando se deixa arrebatar da paixto: logo, em tal caso, para Autor no devprese 2 decincia, nem 4 nonestidade: faa no peinetig da maior wilidat, fale con paiice das wires socials Pade gue € honest. 2 ‘aaay sem ta oat Wt honed, Riesundve, dead dealer de Deve Teale Seq, peda wechanng ‘aties quis atrcesofortana, do quo arvepender te Aare Bieeal wecplarat do Sine B23" Poaharee Ge pat 9 tara ram ‘ge sosrat fachoagéett al daxtas Gass colas te fax com msior faa tana \gradavel, uma acto ? ta sranein, “ws maka, 98 on howcon fis ven‘exia dmitagdo eles sen Berens, sats ‘areebuamontor de mor rlse Nesp Queries o cna So Yaa fom en nets: Pactcolar? impertaner bem pence” que um. hom z exareanio netlinor por tle © meme. inteape come #2 stirs diue"tbe podem fatee°ee erimen ‘de Catline? ‘Tere mid Soe wile ad ka Setbigde "Boe qae tho tho o_o mem howe cone Tua" men contemporineet Nia sterrseemos’ ot mane a) porque ew fags msi: Bax per iso manne que sio mats: cieun fn hore tee i | Teorta pas PEyas Leoars 5a que seré necessirio, por um eseripulo de péjo, recorrer A pena ditima, ou a outra menos efieaz e menos exemplar? (1) Conta-se das Virgens de uma cidade da Grécia que, levadas nao sei de que mania, que se comunicava de umas para outras, se matavam a si mesmas, Os Magistrados, assustados pela repe- tigdo do crime, ordenaram que toda aquela que se achasse morta por @ste modo seria arrastada inteiramente una pelas ruas da cidade. Nao entro na probabilidade do fato, nem falo da natureza do crime; 0 que se diz é que o mal acabou de repente. His aqui uma lei que afrontava o péjo e a que pode- mos chamar convenienie pela sua efiedeia: porque, na verdade, que maior perfeigfio em uma lei penal, do que prevenir inteira- mente o crime? TIL. Religido — Ha seitas no Cristianismo que pretendem tirar do Cédigo das leis a pena de morte por ser ilegitima: a vida § um dom de Deus, que se nao deve tirar a ninguém. Veremos no segundo livro que hi razées muitos fortes contra a pena de morte. ou que pelo menos se néo deve admitir senao em casos mui singulares: mas quanto a ser ilegitima, 0 argamento, que fazem, & fundado sobre um falso prinefpio. Regitino quer aizer contrério & lei, Os que usam desta palavra na presente questio entendem que hé uma lei divina contra a pena tltima: ora esta lei ou 6 revelada, on ¢ natural: no primeiro caso deve apareeer nos livros, que encerram a palavra de Deus; mas semelhante mandado nao existe na lei de Moisés; antes, pelo contrario, hi muitos crimes a que os ‘Fudens aplicavam a pena de morte: logo os partidérios de wma tal opinifo ficam reduzidos } lei divina nio revelada, a lei natural, quero dizer, a uma lei reduzida da vontade suposta de Deus. (3) Lininme a dizer gue tel pene seria andlege a certs crime, sem recomenian que se enprepie t dive pena? ko palarrag de due. K noshogs dite fxter aee" bone concer "0. eteapio “is. Virgen de Mile ui prove, = 44a Honetidede sadn meso ete oe Genties" Noo ba xine que ae no: Legieder oe er absurd ¢ airen, isla 0 judicowo Briset, falando “sobre esta waters Me. “Got Se 4 penn escendalisa, @ Inpepatar: i6 se nie deve aplogr. Ratttanto, hé amy fl werpoalh de "gue ae taro, (fo > dae wage “Otrm’) i tn igntrinea, e don prejusen? que o govémno deve desbectar pelo mre da tostruetes imi mide tem mute Rear S'Geutina to gronde Bigot, do conse io 36 Jerewias BextHaw ‘Mas presumir que Deus quer, ¢ supor que tem uma razio para querer, uma razo que 0 nao envergonhe, o maior bem das suas criaturas: e neste sentido a lei divina natural deve ser conforme @ wlilidade geral. Sem éste caréter, presumir da vontade de Deus ¢ uma quimera, um prinefpio ilusério, capaz de sancionar todos os sonhos de um entusiasta, e todos os Gelirios de um miserfvel supersticioso, A Religifio, mal entendida, tem pésto muitas vezes dife- rentes obstéculos & exeencio das leis penais, por exemplo, 0 asilo dos templos aberto aos facinorosos para escapar da justica. ‘Teodoro I proibiu toda a sorte de processos criminosos enquanto durasse a quaresma ; porque se no compadecia estar sentenciando os erimes alheios, e pedindo a Deus o perdio das préprias culpas. Valentiniano I mandava soltar todos os presos em dia de Pascoa, & excegio dos acusados de erimes maiores (1) Constantino néo queria que se imprimisse um ferro na cara do réu, porque era contra o direito da natureza escurecer a majestade do rosto do homem:: raziio singular! a majestade do resto de um malvado! A Inquisigéo, diz Bayle, condenava os hereges ao suplicio do fogo por néo quebrantar a maxima: Ecclesia non novit sanguinem. Em matéria de Religiao hi seus abusos, seu jégo de palayras, assim como nas leis. IV. Humanidade — Nio esentes a raxfio, que nos engana muitas vezes; escuta a voz do eoracio, que se no desmente: rejeito sem exame essa pena, que se pretende estabelecer, porque faz violéncia aos sentimentos da natureza, porque faz estreme- cer as almas sensiveis, porque 6 tirana e cruel: eis aqui a Tinguagem dos Oradores, que fazem timbre de terem senti- mentos. Mas a ser verdade que a repugnineia de um coractio sensivel 6 uma cbjegéo suficiente contra uma lei penal, ris- quemos todas as penas, porque todas elas, mais ou menos, cortam pela sensibilidade natural. Toda a pena por si mesma é neeessiriamente odiosa; ¢ como poderia conseguir o seu fim sem desgostar o réu? Uma pena nfo merece aprovagio senio (2) | Pileti, Histéria das revelagées dosde 4 soroagto de Constantine até A queda do Impéese do. Ocidente, Trorta pas Prwas Luears 37 enquanto se Ihe ajunta a idéia do crime. Nao quero o senti- mento com Arbitro, niio 0 posso enjeitar como primeiro conse. Theiro da raziio: porque uma lei penal se no casa com o meu coracdo, nem por isso a hei de condenar; 0 que devo fazer ¢ examind-la com uma ateng&o escrupulosa. Se ela é verdadeira- mente digna do meu édio, en virei a descobrir a razAo legitima. porque se nfo deve admitir: veremos que esti fora do seu lugar, ou que é supérflua, on que nfo guarda proporgdes com © delito, on que produz maior mal do que previne: por éste modo chegaremos a deseobrir 0 lugar em que se amalha o érro. O sentimento obriga a reflexionar, e a reflexéo desenvolve © vieio da lei, As penas que tém maior aprovacio so as que tém ana- logia com o crime; porque dio mostras de justica e de eaiiidads mas quando se examinam de mais perio, onde estfo estas quelidades t No entendo: castige-se o delingiiente pelo mal que fect Mas a iei deveria imitar 0 mesmo que condena? Sera raciondvel que os Juizes fagam um mal, porque o malfeitor é maliciosot Sera possivel que o ato solene ¢ juridico seja natu- ralmente 0 mesmo que o ato criminoso? A razio preponde- rante para a multidio 6 que o réu nfo tem que responder, nem pode acusar a lei de severa sem que a sua conciéneia o aense em segrédo. Felizmente a mesma volta de imaginagio, que faz a pena Popular, é a mesma que a faz conveniente: esta analogia, que se faz sensivel ao Povo, fere igualmente os individuos no ins- tante em que a tentagio os persegue, ¢ faz esta mesma pena objeto particular de terror. Cumpre desviar as nocies enga- nosas, ainda quando se ajustam com o prinefpio de utilidade: esta consoniincia nfo ¢ mais do que um acaso; e 0 que di um juizo d2 aprovagio, independente déste prineipio, esta disposto a formar outros juizos, que Ihe podem ser contré- rios. Nao hd firmeza no entendimento para trilhar um eaminho seguro enquanto se no servir do prinefpio de utilidade com exelusio de outro qualquer prinefpio. As palayras puramente de aprovacao ou desaprovagiio, em matéria de discursos, sto 0 mesmo que o sentimento das erianeas, quando balbueiam as Jerruias BentHam palavras: devem estar de parte logo que se trata de alzuma averiguagio filoséfiea, ou quando pretendemos aclarar, con- yencer e nao mover os ainimos (1). CAPITULO X Das penas, que se no devem impor (2) Pademos reduzir a quatro pontos prineipais os casos em que a pena se no deve impor. 1° Quando ¢ mal fundada. 2. Quando dela se no tira proveito, 3." Quando é supérflua, E 4° quando é mui dispendiosa. Entremos na averiguagio de cada um déstes pontos ¢ IT Penas mal fundadas A pena vem a ser mal fundada quando se nfo deu ver- @adeiro-erime, quando nfo hé mal da primeira ordem, ou da segunda, ou quando 0 mal 6 sobejamente compensado pelo bem que resulta désse mal, (como sucede no exercicio da auto- ridade politica ou doméstiea), quando rebatemos um mal mais grave em propria defesa, ete. Se temos formado idéia do que & verdadeiro crime, fiicilmente 0 podemos distinguir désses crimes de um mal imagindrio, atos inocentes em si mesmo mas que certos Povos tém contado entre os delitos pelos seus pre- juizos, prevengdes, exros de administracao, prineipios ascéticos, quando fogem de certos alimentos nutritivos e sadios, como se fossem um veneno, ou uma nutricao imunda (3). A heresia € © sortilégio pertencem a esta elasse de delitos. G)__O termos de que ute. heme. provenido, que nio quate Semple, tar eofisma ‘petigte do principio: apeevam, porque arora: € SSptbea ede “meena wis € ums. Inposteto, uaa. yolénela cue, miesias Tchtrs'e he We an suas obras; man logo que tenho examinedo, que tenke pees juca a ‘atlsdsas, nom me porecepostfel, nem. conv Nom‘e'0 sai"psion epliets ab que ca homens He Mien ‘Se lngtagee (2) fate ciao 'e merme, que ae adhe on Tratadon do Tap 1 “toter, cama feoto,estere contra elas yitalos exter, ie geese Sesniinn emits. singe, da um lore ine. ( z "usa specie’ de_cxpiagio e humilharte na presence €¢ Pete een eesn'e torése de sonto eobre 0 corpo o sobre ae patties impetus: Pecks’ “Stender lore’ svi dee” Eetle” 3 sprengam reson infant ea) sapear of vic: e Sen ula @ Gm crs; Hovtemer e beber deve ser ume virtue. — THORIA pas PrNaxs Leoats I Penas de que se néo tira proveito Chamo ineficazes as penas que néo produzem efeito sibre a vontade, ¢ que por esta razio nao prestam para atalhar semelhantes crimes. As penas sio ineficazes quando se apliean 8 um rén que no podia conhecer a lei, que obrou sem intencd que fez mal sem saber que 0 fazia, numa suposiedo errénes, on por um constrangimento inveneivel. As criangas, os inseti- satos, os doidos, ainda que os possam levar até um certo ponte por meio de mimos e ameagas, nfo tém assaz idéia do futuro para se poderem moderar por meio de penas futuras: @ lei a éste respeito ficaria sendo imitil. Se wn homem fosse determinado por um médo superior maior pena legal ou pela esperanga de um bem preponderante, esta claro que a lei teria pouea eficdeia, Viram-se as leis contra © duelo metidas a desprézo, porque o homem brioso tinha mais médo da yergonha, que do suplicio. As penas decretadas contra éste ou aquele culto fieam, por via de regra, sem efeito, porque a idéia de uma recompensa eterna faz desaparecer 6 terror do cadsfalso: mas como estas opiniges tém mais ou menos influ. éncia, a pena & também mais on menos efieaz, HL Penas supérfluas As penas ficam supérfluas, quando podemos conseguir 0 mesmo fim por meios mais suaves, eomo: pela insirucZo, pelo exemplo, convites, esperas, a ver se © homem se reforma, recom- pensas, ete. S6 porque um sujeito espalhou opinides perni ciosas, no é preciso que o Magistrado se arme logo de espada para o castigar. Se é do interésse de um individuo espalhar méximas estragadas, ser& do interésse de infinita gente refutar essas maximas (1). ease para fot podemos venruitar, em meter. tod Ueejean sossobear a moma Naw em 0 Jeremras Benruax IV Penas mui dispendiosas Se o mal da pena exeede o mal do delito, o Legislador vem a eausar um padecimento maior do que devia ser, vem a comprar a isengio de wm mal a custa de um maior mal. Devemos ter diante dos olhos dois quadros, um, que represente o mal do crime e outro, que represente o mal da pena. ‘Véde o mal que produz uma lei penal: 1°) Mal de repri- mira vontade: # lei impie uma obrigagio mais ou menos penosa, segundo o grau de prazer, que pode dar a coisa proibida, 2.°) Inedmodo causado pela pena, quando os infratores sio punidos. 8.°) Mal de apreensda, que sofre o que tem que- brantado a lei e que tem médo de que the no imputem o seu crime. 4.°) Mal de haver sentenca sem prova legal. Bste incon- veniente & préprio de todas as leis penais, anda principal- mente anexo iis leis, quando sio eseuras, aos delitos de um mal imaginério: uma antipatia geral produz nos homens uma espantosa disposigéo para perseguir e condenar os outros s6 por meras suspeitas e aparéneias, 5.°) Mal derivativo, que sofrem os parentes © 0s amigos do que esté exposto ao rigor da Iei Aqui temos 0 quadro do mal ¢ da despesa que o Legisla- dor deve considerar todas as veres que estabelecer uma pena Dagué nasee a principal razio para facilitar anistias gerais nesses delitos complicades, que procedem do espirito de partido. Pode acontecer que a lei envolva uma grande multidao, metade, ¢ As vezes ainda mais de metade de um Povo, Quereis punir todos os eriminosos? Quereis sdmente dizimélost O mal de pena seria maior que o mal que tem causado o seu delito. Se um réu tem ganho 0 amor do Povo, de sorte que é de esperar um descontentamento geral; se 6 protegido por uma Poténeia estrangeira de cuja amizade depende 2 Nacio; se 0 réu pode fazer & soeiedade um servigo extraordinério; em todos estes casos particulares, 0 perdio, que se concede ao eriminose, é filho de um eéleulo prudencial. Semelhante pena viria a sair muito cara para a sociedade; e por isso se nfo deve empregar. Teorta’ pas Pewas Luoais 61 CAPITULO XI Eseolha da pena — Certa liberdade, que se deve deixar aos Juizes Ha duas razées em que o Legislador se deve firmar 0 mais que for possivel na aplicacéo do castigo: Certeza, impar- cialidade. 1° Quanto a medida da pena se aproximar mais & certeza, tanto mais sabem os membros da soviedade 0 que tm que esperar: & proporgéio que o homem conhece @ pena, assim se afasta de cometer o crime: uma pena problemética nio pode fazer impressio; e tudo o que é duvidoso a éte respeito favorece a esperanga, 2° Se o Legislador nfo sabe antecipadamente sdbre quem deve cair a pena que estabelece, nfo corre perigo de se deixar governar por motivos de amor ou de 6dio pessoal: é imparcial on parece que est4 indiferente. O Juiz, pelo contrario, que nio pronuneia sengio em casos particulares, esta arriseado a pr venir-se pr6 e contra, ou pelo menos a fazer-se suspeito; o que vai entender com a seguranca piiblica. Se deixamos aos Juives uma liberdade ilimitada para dimi- muir a pena, & tornar as funcées do seu ministério muito embaragada e de muito trabalho; estario sempre entalados entre o médo de serem demasiadamente indulgentes ou rigorosos demais, Também pode acontecer que os Juizes, podendo diminuir a pena & sua vontade, sejam menos eserupnlosos na averignacio da verdade do que se tivessem que sentenciar sébre uma Iei que pio podiam alterar: uma leve probabilidade thes. parecer suficiente para justifiear uma pena que podiam diminuir ad libitum, sem dar satisfacdo a ninguém. Todavia, sendo a lei inflexivel, pode achar grandes incon- venientes na pratica pelas eireunstincias imprevistas, ou pa:- ticulares, tanto da parte do crime como da pessoa do rén: por onde parece que se deve deixar a disericéo do Juiz uma tal ou qual liberdade, néo para agravar a pena, mas para a diminuir nos easos que fazem presumit que um individuo 6 62 Jorewias Bentua menos perigoso, on mais responsivel do que outro: a mesma pena nominal, como ja esti demonstrado, nem sempre é 2 Imesta pena real. Ha individuos que em razio da sua educagio, de relagses de familia, da representacio, que tm no mundo, sentem (se me posso explicar assim) wma superficie maior na acho da pena. Haverd cireunstineias em que seja preeiso mudar a mesma natureza da pena, ou porque o castigo que esté designado na ei se nfo pode aplicar, ou porque seria menos conveniente a ‘tos respeitos; mas quando a pena for diferente da que esté expressa na lei, o Juiz deve deixar a escolba ao réu. Todas as ‘yezes que o Juiz exercitar éste poder discricional, quero dizer, totlas as vezes que reduzir a pena abaixo do minimum fixado pela lei, deve ser obrigado a deelarar motivo. Quanto a principios, tenho dito 0 que basta: desenvolver as particularidades que sio_ proprias desta matéria pertence a0 Cédigo Penal e as instrucées que o Legislador deve mandar aos tribunais, LIVRO SEGUNDO Das penas corporais CAPITULO T Das penas simplesmente aflitivas Dou @ste nome as penas corporais que consistem prinei- palmente na dor fisica imediata, para as distinguir de outras penas corporais, cujo fim é produzir conseqiiéncias perma nentes (1). Estas penas podem ser suseetiveis de uma variedade infi- nita, porque nao hé parte do corpo que se no possa molestar ¢ fazer doer, e bem poucas coisas existem na natureza, que nio possam servir de instrumento para excitar esta dor; mas ainda quando fosse possivel fazer uma exata enumeragio de semelhantes penas, seria um trabalho eseusado. A mais natural, de que se usa quase em toda a parte, é fustigar o corpo — acoitar 0 réu com um instrumento flexivel é 0 castigo o mais ordinavio: a maior ou menor flexibilidade do instrumento produz diversas penas, que conservam 0 mesmo nome genérico, a-pesar-de serem os seus efeitos diversos, Ha na Itélia, especialmente em Napoles, um suplicio muito vulgar para castigar ladrées, a que chamam strappata, e que entre nés se chama polé. Consiste em guindar um homem da terra até uma certa altura por meio de um cabrestante, 2 A) Alico neste sentide & conform ification “(dia Cheero ‘nan suas "Tasca Sorpera, Palavrs lating, de quo e0 dari at “epritudo. um “veeetions 64 Jerewias Benrray deixé-lo cuir de paneada; mas em vo, que no toque na terra: toda a forge do eorpo neste belango vem a quebrar nos bragos, que ordindriamente fieam desconjuntados: assiste sempre un cirurgido uo suplicio, para eonsertar logo os ossos do pade- eente, que ficam deslocados. Em Inglaterra havia dois suplicios, que estio em desuso, e que no dia de hoje nem mesmo tém Ingar entre os soldados: © primeiro consistia em snspender criminoso, de sorte que todlo 0 péso do corpo earregava sobre a ponta de uma langa: 0 segundo era o cavalo de pau, on de ferro: era um pedago estreito de tébua on de ferro, em que o miserdvel era obrigado a montar, e, para Ihe dobrar 0 tormento, amarravam-Ihe pesos nas pernas. Outra pena, que ainda existe nos antigos estatutos da lei inglesa e que jjé se nao pratica, consistia em baldear o pade- eente por muitas veres sucessivas em agua fria: € 0 que se ehama em inglés dueking. Nao havia dor aguda: 0 incémodo fisico provinha em parte do frio, em parte da falta de respi- ragio, que sufria o miserével nestes mergulhos. Esta pena que por um lado, fazia rir o Povo, era o castigo que muitas vezes se dava a esias regateiras de m4 lingua que, pelos seus gritos descomposios incomodam a vizinhanea : communis rizatrir: era bom tempo. O Povo, que sempre se aferra aos costumes antigos, ainda hoje exereita esta espécie de justica, quando em grande aglomeracio, como nas feiras, apanha algum ratoneiro em flagrante delito. A légiea dos antigos tribunais era fértil na invengio das penas: falo dos trates, que se devam ao réu, para descobriv a verdade; haviam tormentos para estender, torcer, e deslocar cada uma das partes do corpo: a tortura dos dedos polegares consistia em os apertar com fortes eordéis: estiravam 0 paie- cente sdbre wma tébua e, depois de Ihe cunharem as pernas a poder de marteladas (era o que propriamente se chamava tortura), eingiam-no de cordas, que arrochavam, com maior ou menor violéneia, eonforme queriam apertar ou afrowsar o termento. A sufocacao por meio d"igua (drenching) era aéste modo: ensopava um pano branco e o metiam pela boca e nariz do padecente de sorte que # cada respiracio engulia uma grande Tkor1a pas Pewas Leoais 65 porgio d’igua, e assim continuava o tormento, até verem 10 estémago uma altura sensivel. Na famosa transacéo de Amboise. os Holandeses se serviram déste género de tormento contra os prisioneiros Ingleses. Ponhamos siléneio a uma semelhante enumeragio tio desagradavel: o que hi de comum entre todas as penas aflitivas do género agudo, é a dor organica; mes dife- rem muito em dois pontos essenciais — nos graus da sua inte sidade — e nas conseqiiéncias mais ou menos graves que resitl- tam’ desta mesma intensidade, Estas conseqiiéneias podem-se reduzir a trés principais: 1) a continuacéo da pena orginiea depois do tempo da exe- cugio; 2°) os diferentes males fisieos de outro género. que dai podem nascer; 3*) a ignominia, maior ou menor, que sempre acompanha o suplicio. Na escolha destas penas tolas estas consideragies sfo da maior importancia. Soria bem inGtil admitir uma grande variedade no Cédigo Penal. A que esté mais em uso, a flagelagio, por isso mesmo que se Ihe podem dar todos os graus de intensidade i medida do crime, poderia bastar por si sé, se a analogia em cortos casos néo reclamasse por outra espéeie de castigo. A néo ser esta razio, multiplicar os instrumentos de dor tem 0 perige de fazer as leis odiosas, sem tirar dai algum proveito A Imperatriz Maria Teresa, entre as mais obras que em preendeu para melhorar as leis, mandou fazer um resumo de todos os tormentos e suplieios, de que se tem usado no mundo era um enorme volume em folio, em que no sdmente se via a deserigdo e estampa de todas as maquinas, mas até se fazin uma exata mencio de todas as manipulagies do executor de alta justiga. Déstes livros mui poucos se venderam porque o Principe de Kaunitz, que era nesse tempo o primeiro Ministro os mandou suprimir. Lembrou-se, e com razio, que semelhance obra nao podia deixar de inspirar uma espécie de horror contra as leis; muito especialmente & vista das miqninas, em que se punham os réus a tormento, Pouco depois semelhantes penas foram abolidas em todos os domfnics da Austria: 6 provavel que um efeito de tanto bem para a humanidade procedesse da publieag&o do livro. 66 JeremMias Bentuan Seria para desejar que houvesse um individuo pratieo qne se ocupasse em examinar os efeitos mais on menos perigosos que podem resultar de eastigos violentos, como, por exemplo, Gas contusdes, que se fazem ua polé, nos agoites, ete, Na ‘Turquia costumam-se dar as pancadas na sola dos pés: seré isto melhor, ou peor nas suas conseaiiéneiast 1 0 que no posso dizer: pode ser que os Tureos tivessem em vista um sentimento de péjo, para nfo quererem expor aos olhos do Povo as partes superiores do corpo humano. Se esta pena fosse moderada, de sorte que nfo houvesse mais do que a dor enquanto dura o castigo, ou pouco depois, j4 nfo seria exemplar para os espec- iadores, nem bastantemente efieaz para intimidar o rém: eri se Ihe tirando a vergonha, bem pouco vinha a ficar: enquanto & preciso reparar que a maior parte dos malfeitores, que merc- cem semelhante castigo, sio homens que tém perdido a vergonha, Em Inglaterra hé uma desigualdade infinita na exeougtio déste castigo: serem os agoites mais rijos, ou menos fortes, esté no arbitrio do executor da justica que, pelo sen interésse, destréi a intengho do Juiz, fazendo da indulgéncia, que vende, um vergonhoso coméreio: de sorte que o réu vem a ser punido, nfo & proporgio do seu crime, mas da sua fortuna. O mais Perverso, o que mais tem furtado, uma vez que saiba sonegar 0s furtos, pode langar uma sopa de mel a éste novo eérbero; enquanto o desgragado, qne restituin até ao tiltimo real, atura o rigor da lei em toda a sua exagio. Seria possivel emendar éste abuso? nfo acho dificuldade na invengio de uma méquina cilindriea, que pusesse em movimento corpos eldstieos, eomo juncos, ou barbas de baleia, que fustigassem com a mesma forea, ¢ dessem tantos golpes, quantos determinassem o Juiz da sentenga: por @ste modo ja a exeencdo do castigo nfo vinha a ser arbitréria. Um oficial piblieo, que tivesse earéter, estaria presente; e no easo de o réu ter mais companheiros no crime, podiam haver outras tantas miquinas que fizessem 0 mesmy: um semelhante espeticulo, representado ao mesmo tempe, eausaria um ‘error mais considerivel, sem acreseontar eoisa neuhuma & pena real. Trorra’ pas Penas Leears 67 SECCAO I Exame das penas simplesmente aflitivas Examinar a pena eonsiste em a saber comprar sucessiva- mente com todas as qualidades de que temos falado, e que 840 dle sumo interésse na sua execucéo, para sabermos as quelidades que tem e as que Ihe faltam ; e se as primeiras sio mais impor- cantes que as segundas, quero dizer, mais jeitosas para conseguir 9 fim que se deseja. Lembre-se 0 Leitor do que temos dito, sem receio de o sornar a repetir, que 0 merecimento da pena deve ser avaliado nelas qualidades seguintes: certeza na sua natureza — igual- Jade em si mesma — ser divisivel ou suscetivel de mais ou de cnenos — ser comensurdvel com as outras penas — andiloga ao Jelito — exemplar — econdmica — poder-se reparar — servir para atalhar o mal — ter uma certa tendéneia para o melhora- mento moral — poder-se converter em proveito da parte lesada — simples e clara na sua denominagéio — e que finalmente nfio seja odiosa no piblico. Mostrar que certa pena carece de uma on de muitas desias qualidades, nao é motivo para se nfo admitir: as qualidades nem todas tém o mesmo valor, nem se podem achar reiinidas senao por acaso. 12 As penas simplesmente aflitivas nfo sofrem objegio alguma quanto & certeza: a sensibilidade humana, sdbre a qual as ditas penas fazem impressio, 6 um atributo universal da natureza humana: mas consideradas pelo lado do sofrimento seriam muito desiguais e muito dessemelhantes, se fossem as mesmas para ambos os sexos; as mesmas para todas as idades Ja vida; pare o homem mogo e robusto, que para um sujeito atemuado da enfermidade e dos anos: daqui vem a necessidade de se dar a0 Juiz uma tal ou qual liberdade para se moldar as sireunsténcias, quando sio manifestas, 2° Estas penas sio mui divisiveis, muito varidveis na sua graduagio; podem-se mitigar e agravar, como quisermos; esta qualidade Ihes pertence na sua maior perfeiglo. Mas deve- mos reparar que as penas aflitivas andam sempre acompa-

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